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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais


Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia

DIMENSÕES INTERNACIONAIS DA PRÁTICA CIENTÍFICA E A FORMAÇÃO


DE UM CAMPO SOCIOLÓGICO NACIONAL

Edmar Machado Braga Filho

Rio de Janeiro
2019
DINÂMICAS INTERNACIONAIS DA PRÁTICA CIENTÍFICA E A FORMAÇÃO
DE UM CAMPO SOCIOLÓGICO NACIONAL

Edmar Machado Braga Filho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Sociologia (com ênfase de
Antropologia).

Orientadora: Profª. Drª. Eloísa Martín.

Rio de Janeiro
Julho de 2019
BRAGA FILHO, Edmar.
Dimensões internacionais da prática científica e a formação de um
campo sociológico nacional/ Edmar Machado Braga Filho. Rio de Janeiro:
UFRJ/IFCS, 2009.
xviii, 213f.: il; 31cm.
Orientadora: Eloísa Martín
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-graduação
em Sociologia e Ciências Sociais, 2019.
Referências bibliográficas: f. 209 – 231.
1. Sociologia. 2. Sociologia do conhecimento. 3. Internacionalização.
4. Mobilidade internacional. 5. Dependência acadêmica. I. Braga Filho,
Edmar. II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em Sociologia e
Antropologia. III. Título.
Aos meus pais,
Keila e Edmar,
cujo amor pelos filhos
transcendeu qualquer condição.
RECONHECIMENTO

Desde o meu ingresso no curso de Ciências Sociais da UFRJ, no já longínquo 2012, contei
com o incentivo e suporte financeiros de três órgãos de fomento para realizar minhas
pesquisas. Primeiramente, fui agraciado com a bolsa Jovens Talentos para Ciência,
concedida pela Capes. Foi através dela que obtive minha primeira inserção na Iniciação
Científica, constituindo o primeiro passo para minha socialização acadêmica. No decorrer
da graduação e primeiro ano do mestrado, fui bolsista do CNPq, o que me ajudou a arcar
com as despesas de moradia numa cidade como o Rio de Janeiro. Por fim, no segundo
ano do mestrado, fui contemplado com a bolsa Mestrado Nota 10, pela Faperj. Realizar
minha formação acadêmica, amparado e incentivado por essas instituições, foi
fundamental para mim, na condição de alguém que cursou seu ensino fundamental e
médio num colégio estadual de uma cidade do interior do estado do Rio de Janeiro.
Dito isso, ressalto aqui mais do que o meu agradecimento, mas o reconhecimento
dessas instituições, e a defesa da autonomia da atividade científica e da liberdade
acadêmica nas universidades públicas – verdadeiros pilares da democracia.

* * * * *

É ilusório achar que o conhecimento é produto de um gênio individual; decorre, antes, da


conjuração de forças sociais que lhe fornecem a forma discursiva e o conteúdo das ideias.
A letra da música foi feita a duas mãos, mas o concerto é obra de incontáveis artífices.
Com isso em mente, sou imensamente grato a todos que contribuíram para que essa
dissertação fosse possível.
Gostaria primeiramente de agradecer à minha orientadora, Eloísa Martín, com
quem tive o privilégio de trabalhar desde o segundo semestre da graduação. Nesse tempo
todo, demonstrou paciência e interesse pelas ideias de pesquisa mais mirabolantes que
me ocorriam. O seu entusiasmo com a vida acadêmica, o compromisso com a qualidade
científica, e o rigor que imprime em suas palavras foram essenciais para o cultivo de
minha imaginação sociológica. Aprendi com ela que vocação e profissão podem
caminhar juntas.
Agradeço a todas as professoras e professores com quem pude aprender, desde a
tenra idade. Em especial, a Marcelo Faleiros, cujas aulas de física se intercalavam com
reflexões e causos da vida cotidiana. Entre uma explicação sobre a força gravitacional e
fórmulas matemáticas, compreendi a lição contida no sorriso de um carteiro. Aprendi
também que a poesia é como uma solitária rosa numa trincheira em meio a guerra.
Obrigado, Marcelo, por despertar em mim o valor existencial do ofício de professor.
Agradeço ao ambiente propiciado pela UFRJ para a formação crítica e cidadã, em
especial ao IFCS, por ser um refúgio em meio ao caos do centro urbano carioca. Lá tive
professores que sem dúvida ficarão marcados em minha trajetória formativa. No âmbito
da pós-graduação, sou especialmente grato às professoras Felícia Picanço, Maria Barroso
e Elina Pessanha, e ao professor Rodrigo Salles, pelo interesse e dedicação que tiveram
em me ajudar na elaboração desta pesquisa ao longo das disciplinas de Metodologia de
Pesquisa I e II. Os comentários do prof. Fernando Rabossi também foram bastante
oportunos. Gostaria de expressar gratidão aos professores que compuseram minhas
bancas de qualificação e defesa: Felícia Picanço, Ana Hey (Usp) e Marcelo Rosa (UnB).
Ademais, obrigado, Claudia e Gleidis, secretárias do PPGSA, por cumprirem seu ofício
de forma atenciosa e prestativa.
Contribuíram também para minha formação as incursões que realizei no programa
HCTE. Nas aulas de Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia encontrei um valioso
recanto de criatividade, companheirismo e alegria, em meio a um ambiente tão
competitivo como o acadêmico. Obrigado, particularmente, Eduardo Paiva e Letícia
Gatuzzi, professores que tive a sorte de encontrar após cruzar a cidade do Rio de Janeiro
pelas janelas do 634.
Agradeço ao departamento de sociologia da Usp, em especial à professora Bianca
Freire-Medeiros, e ao professor Thiago Allis, também da Usp, pela fantástica experiência
intelectual que foi a 1ª Escola Avançada de Mobilidades, realizada em outubro de 2017.
Foi um prazer conhecer a cidade de São Paulo através desse evento, e refletir sobre a
centralidade das mobilidades para as sociedades contemporâneas.
Falando em mobilidades, não poderia deixar de agradecer o apoio financeiro do
PPGSA, crucial para que eu pudesse apresentar um trabalho no XIX World Congress of
Sociology, em Toronto, Canadá. Sem dúvida, essa viagem constituiu uma experiência
única, cujas reverberações são, por ora, ainda inefáveis.
Nessa breve jornada também fiz inestimáveis amizades, compartilhando
importantes momentos de minha vida universitária. Pessoas cujas trajetórias vicejam
neste importante capítulo de minha biografia. Obrigado, Ana Carolina (Cookie!), Barbara
Grillo, Flavio Sousa, Javier Celedón, Julia Alves, Julia Osthoff, Natália Amorim, Pedro
Castilho, Priscila Santos, Raphael Lebigre, Vinícius Volcof e Yuri Alves. Em Resende,
obrigado, Carolina, Geovani, Ingrid, Luana, Renato, Suzane e Tamara. Um amigo, em
especial, merece minha gratidão. Obrigado, Claudio Pinheiro, pelas palavras
reconfortantes e afetuosas em momentos dramáticos.
Algumas organizações também foram significativas para minha trajetória
acadêmica, por justamente possibilitarem que eu conhecesse outros mundos sociais. Isso
foi de grande importância para (tentar!) manter a paz e a serenidade em tempos tão
difíceis. Obrigado, Templo Eininji, particularmente o monge Alcio Braz, por ter me
ensinado a valiosíssima lição da importância do Silêncio. Agradeço também ao Dhamma
Santi, lugar fascinante de introspecção e amor; e ao GEAN – Grupo Excursionista
Agulhas Negras – e a todos os amigos que lá fiz.

Por fim, um último agradecimento: à Montanha, pelo reencontro.


“Compreender é primeiro compreender o campo com o qual e
contra o qual cada um se fez”.

Pierre Bourdieu
Esboço de autoanálise (2004)
RESUMO

DIMENSÕES INTERNACIONAIS DA PRÁTICA CIENTÍFICA E A FORMAÇÃO


DE UM CAMPO SOCIOLÓGICO NACIONAL

Edmar Machado Braga Filho


Orientadora: Profª. Drª Eloísa Martín

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Sociologia (com ênfase em Antropologia).

Nesta dissertação, investigo a relação entre as dimensões internacionais da prática


científica e a formação do campo sociológico nacional, tanto do ponto de vista histórico
quanto da atualidade. Denomino dimensões internacionais as formas de mobilidade
internacional presentes e pretéritas; as políticas de cooperação internacional; as políticas
de internacionalização; e as práticas de publicação em periódicos não editados no Brasil.
Com isso, parto da hipótese de que 1) os fluxos internacionais de tais dimensões se dão
de forma assimétrica; e 2) essas dimensões refletem clivagens também no interior do
campo nacional. De forma a corroborar as hipóteses de pesquisa, empreendo
primeiramente, fazendo uso de fontes secundárias, uma revisão de literatura sobre a
constituição do campo das ciências sociais no Brasil, além de utilizar dados disponíveis
pelas agências de fomento à ciência e tecnologia. Em seguida, analiso as práticas de
publicação e as mobilidades de agentes do campo na atualidade, delimitados aqui como
aqueles professores pertencentes aos programas de sociologia alocados nas classificações
6 e 7 da avaliação da Capes. Por meio da análise documental dos currículos Lattes, lanço
mão de técnicas de estatística descritiva dos dados, estes tratados como fontes primárias.
Os resultados corroboram as hipóteses de pesquisa, mas também apontam algumas outras
tendências distintas daquelas apontadas pela literatura.

Palavras-chave: sociologia do conhecimento; mobilidades internacionais;


internacionalização; campo científico; dependência acadêmica.
ABSTRACT

INTERNATIONAL DIMENSIONS OF SCIENTIFIC PRACTICE AND THE


FORMATION OF A NATIONAL SOCIOLOGICAL FIELD

Edmar Machado Braga Filho


Orientadora: Profª. Drª. Eloísa Martín

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Sociologia (com ênfase em Antropologia).

In this dissertation, I investigate the relationship between international dimensions of


scientific practice and the formation of the national sociological field, both from the
historical and current perspectives. What I call “international dimensions” includes the
present and past forms of international mobility; international cooperation policies;
internationalization policies; and the practices of publication in journals published
overseas. As hypothesis, I assume that 1) the international flow of such dimensions occurs
asymmetrically; and 2) these dimensions reflect divisions also within the national field.
In order to corroborate the research hypothesis, firstly I undertake a review of the
literature on the formation of the field of social sciences in Brazil, in addition to using
data available by the agencies of promotion to science and technology. Next, I analyse
the publishing practices and the mobilities of agents of the field in the current time,
delimited here as those professors who belong to the programs of sociology allocated in
rankings 6 and 7 according to the evaluation of Capes. Through document analysis of the
Lattes curricula, I make use of descriptive statistical techniques, with the data treated here
as primary sources. The results corroborate the research hypotheses, but also point to
some other trends that are different from those stressed by the literature.

Key words: sociology of knowledge; international mobility; internationalisation;


scientific field; academic dependency.
LISTA DE FIGURAS

Figura I – As várias dimensões internacionais da ciência .............................................. 23

Figura II – Hierarquias dos programas de pós-graduação em sociologia de acordo com a


avaliação quadrienal da Capes (2013 – 2017) ................................................................ 33

Figura III – Evolução dos programas de excelência segundo a avaliação trienal de 2010
– 2012 e a quadrienal de 2013 – 2016 ............................................................................ 34

Figura IV – Hierarquia entre os campos sociais ............................................................. 65

Figura V – Formação do espaço sociológico global....................................................... 69

Figura VI – Diferenças entre as presenças francesas e americanas no Brasil (1930 –


1960) ............................................................................................................................... 88

Figura VII – Destinos das bolsas no exterior concedidas pela Capes e CNPq (2000 –
2016) na área de sociologia .......................................................................................... 129

Figura VIII – Origem dos bolsistas da Capes e do CNPq contemplados com o PEC-PG
entre 2006 e 2018. ........................................................................................................ 134

Figura IX – Origem dos bolsistas estrangeiros na modalidade sociologia – Capes (2000


– 2018) .......................................................................................................................... 135

Figura X – Usos da bibliometria e da cientometria ...................................................... 144

Figura XI – Lugar de realização do doutorado pleno e sanduíche (centroides) e destino


do pós-doutorado (linhas) ............................................................................................. 161

Figura XII – Países de destino como professores e pesquisadores visitantes .............. 163

Figura XIII – Circuitos de circulação e consagração dos periódicos a partir dos artigos
publicados ..................................................................................................................... 173

Figura XIV – Circuitos de circulação e consagração dos periódicos a partir da atuação


como editores, membros de corpo editorial ou revisores ............................................. 178
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico I – Expansão dos PPGs acadêmicos em sociologia e ciências sociais (1941 –


2000) ............................................................................................................................. 104

Gráfico II – Bolsas no exterior – CNPq (1970 – 1987) ................................................ 106

Gráfico III – Quantidade de bolsas no exterior por agência de financiamento e área


(1986 – 2000)................................................................................................................ 107

Gráfico IV – Principais destinos dos bolsistas no exterior por área e agência de fomento
...................................................................................................................................... 108

Gráfico V – Crescimento dos PPGs acadêmicos em sociologia e ciências sociais (1941 –


2015) ............................................................................................................................. 116

Gráfico VI – Evolução do financiamento de bolsistas de pós-graduação em sociologia


(mestrado + doutorado) entre 1995 e 2019................................................................... 118

Gráfico VII – Evolução do número de grupos de pesquisa de sociologia (1993 – 2016)


...................................................................................................................................... 119

Gráfico VIII – Evolução dos investimentos discriminados da Capes (2004 – 2018)... 123

Gráfico IX – Evolução dos investimentos discriminados pelo CNPq (2001 – 2018) – em


mil Reais ....................................................................................................................... 123

Gráfico X – Discriminação das modalidades contempladas com bolsas no exterior.


Capes e CNPq* (2000 – 2018) ..................................................................................... 125

Gráfico XI – Principais destinos das bolsas de doutorado pleno no exterior, doutorado


sanduíche, pós-doutorado e estágio sênior – Capes e CNPq - Sociologia (2000 – 2016)
...................................................................................................................................... 130

Gráfico XII – Diferenças entre o gênero dos bolsistas, discriminado por agência de
fomento (2000 – 2016). ................................................................................................ 136

Gráfico XIII – Número de docentes vinculados aos programas por gênero ................ 154

Gráfico XIV – Distribuição do número de docentes por década de obtenção do


doutorado ...................................................................................................................... 155

Gráfico XV – Proporção de agentes que fizeram graduação, mestrado e doutorado na


mesma IES por programa ............................................................................................. 156
Gráfico XVI – Proporção de agentes que obtiveram pelo menos um título na mesma IES
a que estão atualmente vinculados................................................................................ 156

Gráfico XVII – Intervalo de anos entre a obtenção do título de doutor e o primeiro


estágio pós-doutoral, por geração ................................................................................. 160

Gráfico XVIII – Número total de mobilidades por gênero e modalidade .................... 164

Gráfico XIX – Número de homens e mulheres por tipo de mobilidade ....................... 164

Gráfico XX – Mobilidade internacional – relação por gênero entre quem realizou e


quem não realizou ......................................................................................................... 165

Gráfico XXI – Vínculo institucional dos periódicos por idioma do artigo .................. 169

Gráfico XXII – Natureza das editoras por idioma da publicação................................. 170

Gráfico XXIII – País da instituição do coautor de periódicos da corrente mainstream 175

Gráfico XXIV – Idioma dos livros (autorais e coletâneas) .......................................... 180

Gráfico XXV – Idioma dos capítulos de livros publicados .......................................... 182

Gráfico XXVI – Relação entre autores de artigos em periódicos no exterior por gênero
...................................................................................................................................... 183

Gráfico XXVII – Total de artigos publicados em periódicos no exterior, por gênero . 184

Gráfico XXVIII – Relação entre distribuição de algum capital e a realização de


mobilidade internacional .............................................................................................. 190

Gráfico XXIX – Relação entre distribuição de capital simbólico e mobilidade


internacional ................................................................................................................. 191

Gráfico XXX – Segmentação dos níveis de capital simbólico por tipo de mobilidade 192

Gráfico XXXI – Relação entre distribuição de capital temporal e mobilidade


internacional ................................................................................................................. 193

Gráfico XXXII – Relação entre distribuição de capitais e publicação de artigos em


periódicos no exterior ................................................................................................... 195

Gráfico XXXIII – Relação entre os diferentes circuitos e a distribuição de capitais


simbólico e temporal .................................................................................................... 196

Gráfico XXXIV – Relação entre publicação de livros no exterior e tipo de capital .... 197
Gráfico XXXIV – Relação entre distribuição de capitais e a atuação em atividades
editoriais em periódicos do circuito regional ............................................................... 200

Gráfico XXXV – Relação entre distribuição de capitais e a atuação em atividades


editoriais em periódicos do circuito mainstream .......................................................... 201
LISTA DE TABELAS

Tabela I – Missões Francesas na Usp: disciplinas, professores e períodos do contrato . 79

Tabela II – Beneficiários da Fundação Ford no âmbito das ciências sociais no Brasil


(1962 – 1992), em ordem decrescente conforme o montante de recursos ..................... 94

Tabela III – Evolução do número de bolsistas no exterior (doutorados pleno e


sanduíche) de sociologia em relação às demais áreas (CNPq e Capes) ....................... 127

Tabela IV – Proporção relativa das modalidades de bolsas de sociologia por região


(2000 – 2016)................................................................................................................ 133

Tabela V – Coordenação da área de sociologia da avaliação Capes (2004 – 2022) .... 140

Tabela VI – Critérios de avaliação das revistas com estratos mais altos do Qualis (A1 e
A2) ................................................................................................................................ 145

Tabela VII – Formação doutoral, modalidade plena .................................................... 158

Tabela VIII – Destino institucional do primeiro pós-doutorado, por ano de obtenção do


título de doutor.............................................................................................................. 161

Tabela IX – Distribuição dos capitais simbólico e temporal entre os agentes ............. 188

Tabela X – Distribuição cruzada de capitais simbólico e temporal entre os agentes ... 188

Tabela XI – Relação entre os níveis da bolsa de produtividade e as posições de maior


prestígio em associações científicas ............................................................................. 189

Tabela XII – Cômputo das mobilidades segundo o tipo de capital .............................. 194

Tabela XIII – Relação entre distribuição de capitais e publicação de capítulos de livros


no exterior ..................................................................................................................... 198
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 19
Contextualização e delimitação do tema .................................................................... 20
Justificativa ................................................................................................................. 28
Objetivos ..................................................................................................................... 29
Estrutura da dissertação .............................................................................................. 30
Procedimentos metodológicos .................................................................................... 31
Excurso metodológico: sobre a posição do pesquisador e os nomes próprios ...... 36

CAPÍTULO I .................................................................................................................. 38
Prelúdio ....................................................................................................................... 39
Ampliação e diversificação ........................................................................................ 39
Vertentes críticas .................................................................................................... 43
Vertentes sociológicas ............................................................................................ 49
A questão da dependência acadêmica ........................................................................ 51
Dependência acadêmica como herança colonial ................................................... 51
“Centro-periferia” como modelo analítico ............................................................ 54
A heterogeneidade estrutural dos campos periféricos ........................................... 57
Limites das abordagens .......................................................................................... 60
Campos nacionais, espaços internacionais ................................................................. 63
Epílogo........................................................................................................................ 71

CAPÍTULO II ................................................................................................................. 72
Prelúdio ....................................................................................................................... 73
Parâmetros de análise ................................................................................................. 73
Franceses e americanos: dois projetos distintos ......................................................... 77
Franceses e o cultivo intelectual nos trópicos........................................................ 77
Americanos, e o Brasil como objeto ....................................................................... 83
França e Estados Unidos: dois sentidos distintos .................................................. 87
Fundação Ford e a estruturação de um campo periférico ........................................... 88
Ciências sociais brasileiras: uma aposta bem-sucedida ........................................ 91
Recrutando no exterior: políticas de mobilidade internacional (1970-2000) ............. 98
A ciência, tecnologia e educação para o desenvolvimento .................................... 98
Expansão e políticas de mobilidade ..................................................................... 102
Epílogo...................................................................................................................... 110

CAPÍTULO III ............................................................................................................. 113


Prelúdio ..................................................................................................................... 114
Consolidação de um campo sociológico nacional .................................................... 114
Integração dependente? Políticas de mobilidade e avaliação de desempenho ......... 120
Mobilidade internacional de pesquisadores e assimetrias globais ...................... 120
Avaliação (e classificação) da pesquisa: periódicos e programas de pós-
graduação ............................................................................................................. 138
Epílogo...................................................................................................................... 149

CAPÍTULO IV ............................................................................................................. 151


Prelúdio ..................................................................................................................... 152
Dimensões internacionais como práticas e tomadas de posição de agentes ............. 152
Aspectos morfológicos: gênero, formação e trajetórias ........................................... 153
Mobilidades internacionais: modalidades, fluxos e assimetrias ............................... 157
Práticas de publicação internacional: produção e circulação de artigos e livros ...... 166
Dimensões internacionais, assimetrias nacionais ..................................................... 185
Epílogo...................................................................................................................... 202

CONCLUSÃO .............................................................................................................. 203

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 209


19

INTRODUÇÃO

CONHECIMENTOS QUE CIRCULAM, PRÁTICAS QUE ESTRUTURAM

“As mentes dos intelectuais foram formadas por um processo


essencialmente internacional, e seu trabalho é essencialmente um tráfego
internacional.
O internacionalismo da mente e das sensibilidades não é um
internacionalismo abstrato. Nem é inacessível. Está disponível na livraria
da esquina, na biblioteca no centro da cidade; é tão sólido quanto a
sensação produzida pelo aspecto de uma viga de aço, tão específico
quanto a graça de um broto de bambu, tão geral quanto a ideia de
natureza ou de humanidade [...]”

Wright Mills, em carta endereçada a seu


amigo russo imaginário Tovarich, Rio de
Janeiro, outono de 1959. Ela foi traduzida e
está publicada em Castro (2009).
20

Contextualização e delimitação do tema

A produção do conhecimento e o ensino superior nas sociedades contemporâneas são


marcados pelo intenso nomadismo. Todos os anos, milhões de pessoas decidem realizar
seus estudos em outros países. No âmbito do ensino superior, em 2017 cerca de 5.000.000
de estudantes em todo o mundo decidiram migrar para obter um título numa universidade
estrangeira1. O Brasil insere-se nesse contexto de forma tímida: aproximadamente 50.000
pessoas estudando fora do país nesse mesmo ano, ou apenas 1% do total. Além disso,
apesar de seu tamanho e do desenvolvido sistema de ensino superior, o país não é um
grande anfitrião, tendo recebido no mesmo ano aproximadamente 20000 estudantes
internacionais. A sua vizinha Argentina, por exemplo, é destino de mais de 75000
estudantes.
Além dessa forma de mobilidade, outros milhões de professores e pesquisadores
universitários visitam colegas no exterior, participam de congressos internacionais,
ministram workshops e palestras. Mas não apenas os corpos são móveis. Um incontável
volume de textos também circula pelos mais variados circuitos transnacionais, como
capítulos de livros, livros, artigos científicos, papers e projetos de pesquisa – uma
revolução possibilitada pelas tecnologias de informação. Tão importante quanto buscar
compreender as razões desse fluxo é questionar o que eles significam e quais as suas
consequências.
A intensificação da mobilidade de pessoas e coisas como um componente
essencial da produção do conhecimento encontra sua razão de ser na ideia de
internacionalização. Verdadeiro mantra entre governos, formuladores de políticas
públicas e agências de financiamento, ela tem sido muitas vezes perseguida como um fim
em si mesmo. Também costuma estar associada a um outro fenômeno, o da globalização,
não raramente pronunciado como um fato esvaziado de sentido histórico e político. É a
partir desse quadro que procuro lançar um olhar sociológico sobre as dimensões
internacionais do conhecimento científico. O tema, certamente, não é novo. Já na década
de 1960 pesquisadores procuravam compreender por que a ciência passou a ser praticada
em todo o mundo, e como se dava o relacionamento entre cientistas internacionalmente,

1
Segundo dados da Unesco, disponível em http://uis.unesco.org/uis-student-flow, acesso em 01/12/2018.
A categoria “tertiary education” é ampla, e envolve todos os estudos no âmbito universitário, de graduação,
mestrado e doutorado a especializações, MBAs etc.
21

sobretudo no contexto do pós-guerra e com a crescente independência de territórios


outrora colonizados (BASALLA, 1967).
Mais recentemente, a produção e circulação do conhecimento científico têm sido
vistas como primordiais para a chamada “economia do conhecimento”, dada a
importância da educação e, mais especificamente, da aprendizagem, como recurso a ser
convertido em estratégias para diversos agentes econômicos acumularem capitais e
competirem em escala global (LASTRES et. al, 2005; PETIT, 2005). Sua importância
fortalece estratégias de Estados visando à ampliação de seu poder, num cenário em que,
como afirma Eder (2003), eles se comportam analogamente a agentes econômicos,
competindo também em escala global. A tônica de muitas pesquisas contemporâneas têm
sido investigar a relação entre internacionalização, globalização e essa modalidade de
acumulação de capital financeiro, por meio da formação de recursos humanos
qualificados, das políticas científicas, tecnológicas e de inovação, e das transformações
pelas quais passam as universidades (ACKERS, 2005; ALTBACH, 2004;
SCHWARTZMAN, 2009; MARTINS, 2015; VELHO, 2001; RAMOS, 208; LOMBAS,
2017; HAWAWINI, 2016).
Considerando a interdependência entre setores econômicos e políticos, de um
lado, e instituições devotadas à produção de conhecimento e inovação tecnológica, de
outro, nota-se uma preocupação a respeito de seus impactos e consequências perante
configurações geopolíticas mais amplas. Mais especificamente, pesquisas têm apontado
para a forma como países e regiões historicamente em situação de dependência no sistema
econômico mundial, como é o caso da América Latina (CARDOSO & FALETTO, 2004),
são afetados diferencialmente por esses processos. Característica dessa literatura
acadêmica é a adoção de uma conotação normativa no que diz respeito ao
desenvolvimento econômico e científico dessas regiões num contexto de globalização,
discutindo termos como brain drain, brain gain, brain circulation, diáspora científica e
dependência científica (AUPETIT & GÉRARD, 2009; KREIMER, 2006 BALÁN, 2009;
BALBACHEVSKY & COUTO E SILVA, 2011; GOMES et al, 2012).
Já a literatura a respeito da internacionalização do ensino superior é vasta, com
destaque para o trabalho de alguns autores incontornáveis provenientes do campo da
educação (entre os quais, cf. ALTBACH, 2004; ACKERS, 2008; KNIGHT, 2004,
MARGINSON, 2008). De forma geral, eles buscam compreender as profundas
transformações pelas quais as universidades têm passado nas últimas décadas com as
demandas de uma economia globalizada, cada vez mais dependente da aplicação de
22

conhecimentos de ponta e da inovação tecnológica. Uma conceituação ampla do termo é


oferecida por Altbach (2004): internacionalização inclui todas ações, políticas e
programas empreendidos por diferentes atores – governos, sistemas acadêmicos,
programas, departamentos e indivíduos – de forma a lidar e tirar proveito do cenário mais
amplo de globalização. Knight (2004) ratifica essa definição, sublinhando seu aspecto
processual – um processo de integração das dimensões internacionais, interculturais e
globais aos propósitos, funções e interesses do ensino superior. Assim, se a globalização,
para esses autores, diz respeito às transformações operadas num sentido mais amplo, que
incluem agentes econômicos e políticos, como empresas e Estados, a internacionalização
corresponderia às formas com as quais agentes educacionais e científicos se adaptam e se
inserem nesse contexto. Essa perspectiva, amplamente compartilhada por estudos
subsequentes (cf. MOROSINI & NASCIMENTO, 2017), apresenta duas limitações que,
creio, devem ser pontuadas.
A primeira é a caraterística preponderantemente responsiva e adaptativa do papel
atribuído aos agentes sociais em questão em face da chamada globalização, como se eles
próprios também não atuassem ativamente para a sua criação e o seu fortalecimento. O
prefácio de uma coletânea dedicada a refletir sobre a internacionalização em
universidades da América Latina é sugestivo. Em um determinado momento, De Wit et
al afirmam:

“In response to globalization, institutions of higher education, national


governments, and regional and international organizations are placing
greater priority on the international dimension of higher education.
Doing so helps the sector respond to some challenges that globalization
creates” (DE WIT et al, 2005, p. xii, grifos meus)

Parte-se do pressuposto de que há uma realidade global previamente constituída cujos


elementos devem ser adaptados e inseridos no cotidiano acadêmico, através da elaboração
de medidas que tencionem fomentar elementos interculturais e internacionais (DE WIT,
2017; KNIGHT, 2017). Nesta pesquisa, adota-se a perspectiva de que os agentes sociais
– universidades, pesquisadores, agências de fomento, programas de pós-graduação etc. –
não são agentes passivos diante da chamada “realidade global”, mas sim co-construtores
de um mundo social em constante disputa. A realidade social não é uma realidade
unicamente objetiva, nem apenas subjetiva – ela é essencialmente prática.
23

A segunda limitação se relaciona com a precedente justamente em seu elemento


prático. Talvez em decorrência da sociogênese disciplinar e geopolítica das pesquisas
supracitadas, elas têm enfatizado os elementos transformativos do universo universitário
e acadêmico, como a mobilidade de pesquisadores (voluntarista ou fruto de políticas
públicas), a comercialização de tecnologias educacionais, a abertura de filiais no exterior
e a formação de redes científicas internacionais (MIHUT et. al, 2017). Contudo, são
negligenciadas as dimensões internacionais presentes nas práticas cotidianas da atividade
científica e acadêmica, como por exemplo a publicação de livros e artigos e as referências
teóricas de publicações e programas de curso. Essas, aliás, têm sido uma preocupação
recorrente para os pesquisadores e instituições de países não-anglófonos, especialmente
do Sul Global, uma vez que a imposição de modelos de produção e avaliação do Norte
Global tem estruturado suas carreiras de forma dramática, como veremos no decorrer
desta dissertação.
Dessa forma, considero a internacionalização do ensino superior, tal como
concebida pela literatura referida, uma entre outras dimensões internacionais que
compõem o mundo social acadêmico. Além disso, essa diferenciação também permite
lançar um olhar histórico sobre mobilidades internacionais e seus distintos significados.
Dizer, por exemplo, que o fluxo internacional de cientistas durante a década de 1940 no
Brasil fora uma política de internacionalização constitui grave anacronismo. Antes,
tratou-se de uma dimensão internacional que esteve presente na constituição própria do
sistema do ensino superior brasileiro2. Esquematicamente:

Figura I – As várias dimensões internacionais da ciência

Cooperação
acadêmica e
financiamento

Dimensões
internacionais Políticas de
internacionalização
da ciência

Práticas acadêmicas

(Elaboração própria)

2
Ver capítulo II
24

É preciso também distinguir os atributos “transnacional” e “internacional”. O primeiro


indicaria o cruzamento de fronteiras para além dos espaços delimitados pelo Estado-
Nação, sem implicar, contudo, uma relação entre os diferentes entes. O segundo, por sua
vez, pressupõe o aspecto relacional entre entes que se associam a determinado fenômeno
inter-nacional. Para os fins desta pesquisa, é esta última conotação que importa, dado que
pretendo levar em conta a relação estabelecida entre características do campo sociológico
com aspectos exteriores a ele. Diferentemente do que postula Ortiz (2008, p. 76), tomarei
a natureza dessa relação nas trocas internacionais como sendo de co-constituição. Para
este autor, a noção de “internacional” pressuporia a existência de duas entidades
previamente constituídas. No sentido que adotarei, as trocas internacionais contribuem
para a constituição mútua entre, de um lado, um campo nacional e, de outro, um espaço
internacional.
A presente dissertação parte dos temas abordados por essa breve discussão, mas
procura distanciar-se de algumas de suas preocupações, ao mesmo tempo em que amplia
seu escopo temático. Interesso-me pela inserção internacional da sociologia brasileira3 na
atualidade, considerando as desigualdades constitutivas do campo sociológico.
Especificamente, proponho a análise de algumas dinâmicas internacionais da produção
do conhecimento científico, procurando relacioná-las tanto com as desigualdades que
hierarquizam sua circulação internacional, quanto com aspectos presentes no campo
sociológico nacional. Escolho a sociologia em particular, mas dialogando com as ciências
sociais em geral, por algumas razões. Primeiramente, como afirmam Medina (2014) e
Keim (2014), grande parte da literatura sobre circulação e internacionalização pressupõe
a universalidade da ciência, generalizando muitas vezes indevidamente dinâmicas
específicas das ciências exatas para as ciências humanas e sociais. Em segundo lugar, e
precisamente pela primeira razão, a escolha da sociologia leva em conta suas
particularidades, como o caráter endêmico do dissenso quanto aos pressupostos que
devem guiar o estudo da vida social (ALEXANDER, 2006). Por fim, e como um corolário
da razão anterior, há uma crescente literatura que se afasta de visões majoritariamente

3
Nesta pesquisa, denomino de “sociologia brasileira” ou “sociólogos brasileiros” toda produção de
pesquisadores que trabalham em instituições nacionais, não necessariamente tendo nascido ou sido
naturalizado no Brasil.
25

utilitaristas4 da internacionalização, jogando luz sobre suas consequências teóricas,


epistemológicas e políticas para as ciências sociais no âmbito global (ALATAS, 2003;
BEIGEL, 2016; CONNELL, 2012; VESSURI, 2014, RIBEIRO, 2014).
Em vista disso, o problema geral da dissertação é compreender como dinâmicas
internacionais das práticas de produção do conhecimento se relacionam com a formação
do campo sociológico nacional na atualidade. Procuro responder às seguintes questões:

1. Como se dão as trocas, a produção e a circulação internacional do conhecimento


sociológico na atualidade? Como os contextos nacionais se relacionam com
processos mais amplos de intensificação dos fluxos globais de pesquisadores e de
comunicação científica?

2. Historicamente, como aspectos internacionais contribuíram para a formação do


campo sociológico no Brasil? Que sentidos adquiriram e quais agentes estiveram
presentes?

3. Como os agentes do campo se internacionalizam na contemporaneidade? Que


dinâmicas, internas e externas, interferem nas práticas desses agentes?

4. Considerando que o campo científico também pode tender a reproduzir


desigualdades do mundo social mais amplo, de que forma as práticas de
publicação e as mobilidades refletem clivagens de gênero?

A argumentação da dissertação segue um itinerário dedutivo. Após discutir as bases


teóricas e conceituais que nortearão os outros capítulos, analiso historicamente a
formação do campo sociológico nacional e as condições atuais em que ocorrem as
práticas acadêmicas. Por fim, analiso as práticas de publicação e mobilidades dos agentes
do campo na atualidade. Para tanto, parto de duas hipóteses, teoricamente informadas e

4
Denomino de visões utilitaristas aquelas cujas preocupações giram em torno da importância da
internacionalização da ciência sobretudo para o desenvolvimento econômico de países e regiões. Nesse
movimento, procuro estabelecer uma ruptura epistemológica que torna complexos fenômenos tratados
muitas vezes pela ótica de sua utilidade econômica. Ao fazê-lo, não nego sua urgência, mas acredito que
há outros aspectos tão interessantes e importantes quanto.
26

correlacionadas: 1) a inserção internacional do conhecimento sociológico se dá


assimetricamente, com a sua segmentação em determinados polos e diferentes circuitos;
2) essa inserção também reflete polarizações internas ao campo sociológico nacional.
A pesquisa se concentrará basicamente em duas dimensões internacionais da
prática científica: as mobilidades internacionais presentes e pretéritas, e a publicação de
livros, artigos e capítulos de livros. Em ambos os casos, destacarei o contexto nos quais
operam. Considero essas dimensões significativas para a compreensão da circulação do
conhecimento sociológico por dois motivos. Em primeiro lugar, a avaliação da
produtividade científica é baseada globalmente em critérios quantitativos que levam em
conta a publicação de artigos em periódicos (WATERS, 2006; STRATHERN, 1997),
consolidando uma lógica que tem sido chamada de publish or perish (“publicar ou
perecer”). Ao mesmo tempo, nas comunidades científicas periféricas, a qualidade
científica e mérito individual têm sido cada vez mais mensurados através da publicação
internacional (VESSURI et al., 2013; MARTÍN, 2018). Em segundo lugar, as
mobilidades revelam não apenas as instituições consideradas de prestígio internacional e
as redes que pesquisadores estabelecem, como também são ilustrativas de como a
aquisição de modelos, paradigmas e métodos presentes no cenário internacional se
relacionam com o recrutamento de pesquisadores no exterior (GARCIA JR, 2013).
É importante frisar que o poder está presente nas trocas e fluxos internacionais do
conhecimento científico, tanto em sua modalidade “branda”, entendida como persuasão
e atração, quanto “dura”, como ações impostas e forçadas (AZEVEDO & CATANI,
2013). Como enfatiza Beigel (2010, p. 38), o que hoje se denomina internacionalização
está associada à criação de sistemas de publicação, citação, padrões metodológicos e
técnicos que consolidam um conjunto de regras e agendas de pesquisa que têm reforçado
a distribuição desigual de capital simbólico internacionalmente. Essa dominação
simbólica tem segmentado os circuitos de circulação em diferentes níveis, como o local,
nacional, regional, transnacional e internacional. Por isso, a análise ganha densidade se
levarmos em conta as diferenças materiais e simbólicas que orientam as dimensões
internacionais do conhecimento e suas práticas. Especificamente nas ciências sociais,
uma das formas com que o poder se manifesta internacionalmente designa-se pelo que
autores vêm chamando de dependência acadêmica (ALATAS, F., 2003; BEIGEL, 2010),
com implicações para a visibilidade internacional da produção científica global (KEIM,
2008) e para a estruturação de carreiras no âmbito nacional.
27

Vários autores das ciências sociais no Brasil têm se debruçado nos últimos quinze
anos sobre a temática5. Depreende-se dessas análises que a circulação do conhecimento
internacional se dá de forma assimétrica, enfatizando a necessidade de um diálogo mais
global (RIBEIRO, 2014; ORTIZ, 2016; MARTÍN, 2018); que o Brasil tem se destacado
regionalmente em suas políticas de internacionalização (NEIBURG, 2002; FRY, 2004);
que a publicação de artigos ocorre em periódicos predominantemente nacionais
(DWYER, 2013; MARTÍN, 2015); que a centralização das mobilidades no âmbito da
formação da pós-graduação concentra-se em centros tradicionais de prestígio
internacional, ainda que esse quadro venha sofrendo variações nos últimos anos
(MADEIRA & MARENCO, 2016; BRAGA FILHO, 2017); que há um interesse
crescente pelo intercâmbio entre os chamados países emergentes e aqueles da América
Latina (BRACKMANN, 2010; SANTOS et. al, 2015); e que brasileiros participam
ativamente de eventos e associações internacionais e regionais (MARTÍN, 2015).
Paralelamente, estudos recentes analisam o campo da sociologia no Brasil,
destacando diversos aspectos. Através da análise de redes sociais e com referencial
teórico dos estudos organizacionais, Maia (2016) propõe estudar a possível ocorrência de
um isomorfismo institucional no campo, fazendo uso de análises bibliométricas das
publicações. Já Maranhão (2014) parte da hipótese da existência de uma autonomia
relativa no campo sociológico nacional, empreendendo, assim, uma análise comparativa
dos temas da produção sociológica com as políticas de fomento à pesquisa entre os anos
de 1999 e 2008. Ampliando o tema de análise, Hey (2008) analisa o espaço de produção
acadêmica em Educação Superior entre os anos de 1977 e 2002, de forma a compreender
as práticas e as tomadas de posição dos agentes. Inserido nesse esforço de compreensão
da sociologia no Brasil, proponho analisar as dimensões internacionais das práticas dos
agentes e de suas tomadas de posição no campo sociológico, à luz de mecanismos mais

5
Outro indicativo do crescente interesse pode ser verificado pelo menos desde a década de 1990, conforme
evidencia a programação dos Encontros Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (Anpocs). Ainda que não faça menção ao termo “internacionalização” strictu sensu,
podemos constatar discussões a respeito de intercâmbios científicos entre países e reflexões acerca do papel
das ciências sociais latino-americanas no cenário mundial. Nos últimos anos, os Encontros têm dedicado
mesas e fóruns específicos para tratar do assunto. Além disso, a internacionalização também afigurou como
uma questão relevante nos últimos Congressos Brasileiros de Sociologia, enfatizando os diálogos
transnacionais e a interface entre contextos locais, nacionais e globais.
28

amplos nos quadros de uma geopolítica do conhecimento, que reforçam hierarquias na


circulação internacional.
Tanto na construção do objeto de pesquisa, quanto na análise dos dados, mobilizei
o conceito de campo científico (BOURDIEU, 1983, 2003), capaz de lançar luz sobre a
compreensão de relações sociais específicas. Entretanto, não constitui como meu fim,
aqui, a construção analítica da estrutura do campo sociológico nacional. Dessa forma,
considerei a mobilidade e a publicação internacionais como tomadas de posição dentro
do espaço do campo, constituindo, ademais, elementos práticos da atividade científica,
revelador das estratégias, das disposições dos agentes e de clivagens de gênero. Assim,
acredito que essas dimensões poderão esclarecer alguns aspectos do campo em sua
interlocução interacional.

Justificativa

O debate atual sobre as dinâmicas da geopolítica do conhecimento nas ciências sociais


chama a atenção para as tendências globais de dependência acadêmica (ALATAS, F.,
2003; CONNELL, 2012b), mas poucos estudos se ocupam mais empiricamente sobre
como o fenômeno impacta na própria produção e circulação do conhecimento em
contextos nacionais. Ao mesmo tempo, ainda é limitado o número de trabalhos sobre
internacionalização no Brasil que se detêm mais teoricamente em analisar disciplinas das
ciências humanas e sociais. Com isso, a pesquisa lançará um olhar para as complexidades
presentes na circulação das ideias e do conhecimento.
Ademais, entender a internacionalização da sociologia no Brasil torna-se
fundamental num contexto em que a avaliação dos programas de pós-graduação por parte
da Capes tem dado maior peso para as publicações de artigos em periódicos
internacionais. Ao verificarmos o último relatório da avaliação quadrienal na área de
sociologia, constatamos que, em sua ficha de avaliação (CAPES, 2017), a publicação de
livros e artigos possui um peso considerável (40% do total) e, dentro dessa porcentagem,
os artigos possuem maior relevância para a avaliação (cerca de 70% da nota). Ao propor
a análise da publicação de artigos em periódicos internacionais, será possível comparar
os resultados da pesquisa com a classificação estabelecida pelo sistema da Capes de
estratificação de periódicos, podendo ser de utilidade para se pensar os critérios de
avaliação. Por fim, decorrente justamente da pressões da avaliação e da alocação de
recursos, a “internacionalização” também é de interesse das universidades como um todo,
29

na medida em que estas vêm solicitando informações de programas de pós-graduação e


de departamentos não apenas sobre a produção de artigos, mas também de pesquisas,
intercâmbios e mobilidades internacionais dos professores.

Objetivos

O objetivo geral da dissertação é analisar as dimensões internacionais das práticas


científicas e de que forma elas se relacionam com a formação do campo científico da
sociologia. Por formação, entendo tanto a sua constituição história quanto sua
composição contemporânea. Para isso, examinarei as práticas de mobilidade e de
publicação internacionais, além das formas de cooperação . Quanto às primeiras,
analisarei o seu papel tanto na formação histórica, quanto na atual configuração do campo
sociológico. Quanto às segundas, vou me deter nos artigos científicos, livros e capítulos
de livros publicados em periódicos e editoras não nacionais na contemporaneidade.
Prestarei atenção aos diferentes fluxos em que se inserem essas dinâmicas, possíveis
segmentações e hierarquizações sobre a vinculação de agentes nacionais a internacionais.
Ao fazê-lo, pretendo não apenas compreender como se dá a integração internacional do
conhecimento produzido pelos sociólogos no Brasil, mas também corroborar a hipótese
segundo a qual ela não se dá de forma fortuita. De forma a atingir o objetivo geral, os
seguintes objetivos específicos são necessários no decorrer do trabalho:

1. Revisar criticamente o debate sobre geopolítica do conhecimento, especificamente em


torno do fenômeno da dependência acadêmica. Espero, com isso, elaborar uma
operacionalização que leve em conta a vinculação entre, de um lado, um espaço
internacional marcado por estruturas que reforçam hierarquias materiais e simbólicas e,
de outro, a ação de agentes do campo sociológico;

2. Examinar, amparado por bibliografia pertinente, a histórica da formação do campo


sociológico no Brasil, tendo como perspectiva principal as dimensões internacionais que
lhe foram constitutivas;

3. Identificar os condicionantes institucionais das práticas dos agentes na atualidade,


especificamente as políticas de internacionalização do ensino superior e de avaliação dos
programas de pós-graduação pela Capes;
30

4. Analisar as publicações internacionais, as atividades editoriais e as mobilidades dos


agentes do campo sociológico na atualidade, entendidas assim como práticas e tomadas
e de posição.

Estrutura da dissertação

Além desta introdução, a dissertação apresentará quatro capítulos em seu


desenvolvimento e mais um, conclusivo. Eles foram estruturados de forma a cumprir com
os objetivos específicos listados.
No capítulo primeiro, proponho uma revisão crítica do tema da geopolítica do
conhecimento, enfatizando o fenômeno que os autores vêm chamando na literatura de
“dependência acadêmica”, ou seja, o inter-relacionamento desigual entre comunidades
científicas no cenário internacional e suas implicações para a produção do conhecimento
no âmbito nacional. Intento, primeiramente, contextualizar historicamente e
politicamente as vertentes críticas, como um procedimento de compreensão de categorias
e conceitos em voga. Proponho, ao final, uma operacionalização que leve em conta
aspectos do campo nacional e sua vinculação a espaços internacionais, expondo meu
ceticismo acerca da existência de um “campo global” das ciências sociais. Esse capítulo
lançará as bases conceituais e os pressupostos que nortearão os capítulos posteriores.
No capítulo segundo, realizo uma análise das dinâmicas internacionais que
estiveram presentes historicamente na formação do campo sociológico no Brasil. Parto
da institucionalização das ciências sociais no país, passando pelo desenvolvimento de
políticas de expansão do sistema de pós-graduação até meados da década de 1990, quando
já havia uma capacidade de recrutamento de pessoal qualificado no âmbito nacional. Para
não incorrer no erro de generalizar preocupações atuais sobre internacionalização sobre
processos do passado, especifico os sentidos históricos que as mobilidades adquiriram
com o tempo. Por fim, apresento dados referentes ao fluxo de bolsistas financiados por
agências públicas no final do século XX, contextualizando-o dentro de um esforço
nacional de consolidação do campo científico.
No capítulo terceiro, descrevo os indicativos de autonomização do campo
sociológico no país a partir dos anos 2000, enfatizando as condições institucionais para o
desenvolvimento da atividade científica. Analiso, em seguida, os aspectos que
condicionam as práticas e tomadas de decisão dos agentes no campo na atualidade,
especificamente as políticas de internacionalização adotadas pelos governos e a política
31

de avaliação dos programas de pós-graduação, por meio de uma perspectiva comparativa


que situa a sociologia em relação às outras disciplinas acadêmicas.
No capítulo quarto, proponho uma análise das práticas e tomadas de posição dos
agentes do campo sociológico nacional, no caso as práticas de publicação de artigos,
livros, capítulos de livros e atividades editoriais, além das mobilidades internacionais nos
âmbitos do doutorado pleno e sanduíche, pós-doutorado e como pesquisadores e
professores visitantes. Neste capítulo, analiso tanto da perspectiva dos fluxos
internacionais, quanto de como eles refletem possíveis clivagens no interior do campo
nacional em termos de capitais simbólico e temporal.
Finalmente, na conclusão realizo um balanço dos resultados encontrados, à luz
das hipóteses de pesquisa. Também reflito algumas possíveis contribuições, tendo em
vista o diálogo com a literatura.

Procedimentos metodológicos

Como salientei, no capítulo primeiro realizo uma revisão de literatura sobre os temas da
geopolítica do conhecimento, dependência acadêmica e a formação de um espaço global
das ciências sociais, procurando com isso inserir essa dissertação num campo discursivo
de estudos específico. Já nos capítulos segundo e terceiro, realizo um balanço histórico
da formação e desenvolvimento das ciências sociais no Brasil, amparado por literatura
pertinente. Aos analisar os condicionantes institucionais e internacionais das práticas
científicas, lanço mão de fontes secundárias de dados provenientes de pesquisas já
realizadas sobre o tema, além de dados concedidos por órgãos de fomento.
Com isso, é no capítulo quarto que gostaria de me deter aqui, dado que nele
procuro fornecer dados primários e utilizar procedimentos de estatística descritiva. Para
compor o campo sociológico nacional, considerarei os professores-pesquisadores filiados
aos programas de pós-graduação (PPG) alocados conforme a classificação “Sociologia”
da Capes, incluindo aqueles programas “mistos”, como “Sociologia e Antropologia”. No
caso destes, levantarei os dados daqueles professores vinculados ao departamento de
sociologia. O recorte empírico se justifica pois, como enfatizam Dwyer et al (2013), o
conhecimento em sociologia produzido no Brasil é realizado sobretudo por professores
vinculados às universidades, principal local de atuação profissional nos âmbitos da
pesquisa e ensino, e a carreira acadêmica configurando principal horizonte dos
sociólogos.
32

Dentro desse universo, selecionarei apenas os professores atuantes nos PPG


classificados com as notas 6 e 7 conforme a última Avaliação Quadrienal da Capes (2013
– 2017).6 A sua escolha se dá porque esses programas são considerados como aqueles de
“padrão internacional” de produção científica. Um dos critérios estabelecidos para tal é
justamente a sua inserção internacional via produção bibliográfica, mobilidades, projetos
e pesquisas realizadas com centros internacionais. Por isso, constitui um grupo
privilegiado para observar dinâmicas internacionais que estão associadas à atividade
científica. Decerto, todo recorte empírico envolve ganhos e perdas. A maior limitação
será que o grupo escolhido compreende uma parte pequena do total de professores
vinculados aos PPG de sociologia e ciências sociais, deixando de lado boa parte da
produção sociológica do país. Outra limitação é o fato de que muitos acadêmicos que
atuam na área da sociologia podem não estar vinculados aos PPG alocados conforme a
classificação da Capes escolhida. Apesar dessas desvantagens, a pesquisa ganha em
profundidade, pois poderei analisar uma maior quantidade de dados, além de ampliar o
número de variáveis.
Os programas classificados com as notas 6 e 7 constituem um grupo de 7 PPGs.
Quanto aos primeiros, temos os Programas de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE
(PPGS-UFPE), da UFSCAR (PPGS-UFSCAR), da Usp (PPGS-Usp), e da Unicamp
(PPGS-Unicamp). Quanto aos segundos, os Programas de Pós-Graduação em Sociologia
da UFRGS (PPGS-UFRGS), da UnB (PPGS-UnB), e o Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia da UFRJ (PPGSA-UFRJ). Ao final de 2018, porém, o
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uerj (Iesp/Uerj) foi classificado como de
nota 6 pelos conselhos superiores da Capes por meio de recurso, após obter nota 5 do
comitê de avaliação. A presente pesquisa não considerará os dados do Iesp, pois a coleta
dos dados se deu anteriormente ao resultado do recurso. Além disso, e principalmente,
estabeleci como referência para o recorte empírico o resultado obtido pela última

6
Sistema de avaliação dos PPG realizado pela Capes, inicialmente trienalmente e, a partir de 2013, a cada
quatro anos. Seus objetivos são garantir a qualidade dos cursos de mestrado e doutorado no Brasil,
analisando as propostas de novos programas e descredenciando aqueles que não cumpriram com os
requisitos mínimos de qualidade. Os fundamentos norteadores da avaliação envolvem o 1) reconhecimento
e confiabilidade assegurados pelos pares; 2) critérios atualizados e debatidos dentro de cada campo
disciplinar sob avaliação; e 3) transparência firmada na divulgação, ações e resultados. A Capes classifica
os programas segundo notas de 1 a 7, sendo 3 o requisito mínimo para ter um curso de mestrado. Mais
informações: hhtps://avaliacaoquadrienal.capes.gov.br
33

Avaliação Quadrienal da Capes, por melhor espelhar as dinâmicas internas do campo


sociológico e a sua autonomia. Esquematicamente, temos as seguintes proporções:

Figura II – Hierarquias dos programas de pós-graduação em sociologia de acordo


com a avaliação quadrienal da Capes (2013 – 2017)

(Elaboração própria)

As informações foram coletadas manualmente nos Currículos Lattes dos


professores, disponíveis on-line e de acesso público. Eles podem ser considerados
“diários de tempo-espaço” (SHELLER & URRY, 2006), pois são neles que os
pesquisadores relatam seus destinos, o tempo, suas redes, financiamento, temas de
pesquisa, entre outras informações relevantes. A pesquisa pode ser definida, portanto,
como de tipo documental, segundo acepção de Gil (2002), pois as informações a serem
coletadas não receberam tratamento analítico prévio. Como afirma Hey (2008), a
utilização desses currículos proporciona a extração de propriedades conforme critérios
objetivamente mensuráveis, passíveis de manipulação estatística.
34

Figura III – Evolução dos programas de excelência segundo a avaliação trienal de


2010 – 2012 e a quadrienal de 2013 – 2016

Programas de Programas de
Triênio 2010 -2012

Quadriênio 2013-2016
excelência excelência

PPGS-UFSCAR PPGS-UFPE
PPGS-Unicamp PPGS-UFSCAR
PPGS-UnB PPGS-Unicamp
PPGS-Usp PPGS-Usp
PPGS-UFRGS PPGS-UFRGS
PPGSA-UFRJ PPGS-UnB
PPGSA-UFRJ
(Elaboração própria)

Concernente às publicações, selecionei os artigos, livros e capítulos de livros que


foram publicados por editoras fora no Brasil. Não foram considerados editoriais,
resenhas, apresentação de dossiês e relatos de pesquisa. Temporalmente, considerei o
período compreendido entre 2010 e o momento da coleta (outubro de 2018), visando a
obter uma representação mais recente da produção do conhecimento e dos agentes do
campo. O ano de 2010 é importante pois foi nele que a internacionalização passou a
vigorar com maior relevo na avaliação da Capes, como também no último Plano Nacional
de Pós-Graduação. Além disso, o período compreende aquele em que os 7 PPGs em
análise se mantêm como os programas classificados como de excelência internacional –
única exceção é o PPGS – UFPE, que só veio a receber nota 6 como resultado da última
avaliação quadrienal.
As publicações foram classificadas conforme:
• Nome do periódico ou livro, país de edição e idioma;
• Instituição em que foi editado e qual a editora;
• Indexador ou base à qual se encontra vinculado o periódico;
• Nome, gênero e vínculo institucional da autoria. Se houver coautoria,
país em cuja instituição o pesquisador está associado.
35

Além das publicações, também foram classificadas as atividades de editoração de


periódicos internacionais (parecerista e membro de corpo editorial). Classifiquei de
acordo com o idioma e o indexador a que se vincula. A escolha de acrescentar esse dado
se deve pela importância dessa prática para o cotidiano acadêmico, mesmo não
“contando” para o currículo do professor-pesquisador em termos de produtividade, como
ocorre com o artigo. Contudo, a editoração constitui tanto ou mais importante que a
publicação, uma vez que é nos bastidores que são decididos os critérios de relevância
internacional (MARTÍN, 2015).
No que tange às mobilidades, escolhi as seguintes modalidades: doutorado (no
Brasil, sanduiche ou no pleno no exterior), pós-doutorado, professor e pesquisador
visitante. Como a maioria dos professores vinculados aos programas selecionados
realizaram graduação e mestrado no país, esses dados não foram considerados. Não impus
um marco temporal na coleta, de forma a poder mapear os diferentes itinerários ao longo
da carreira. Conjuntamente, fiz uso dos documentos relativos aos Planos Nacionais de
Pós-Graduação, com fins de averiguar como a internacionalização afigura como critério
relevante de avaliação e de estratégia de políticas e o sentido atribuído a ela.
Assim, as informações da população a ser analisada, e que serão traduzidas em
dados para a pesquisa:
• Nome, gênero e vínculo institucional do professor;
• Vínculo institucional no Brasil e/ou no exterior do doutorado (pleno e
sanduíche), como também financiamento e ano em que finalizou;
• Para os pós-doutorados, vínculo institucional e país, e financiamento;
• Professor e pesquisador visitantes internacionais: ano, vínculo
institucional (no Brasil e no exterior) e país em que foi visitante.

Como a pesquisa também se interessou por examinar as clivagens no interior do


campo sociológico nacional, foi preciso analisar a distribuição desigual de capitais tendo
em vista sua interlocução com dimensões internacionais. Visando à operacionalização
dos capitais simbólico e temporal, nos termos de Bourdieu (2003), escolhi alguns
indicadores objetivos. Quanto ao primeiro tipo de capital, utilizei como critério de
consagração científica o recebimento ou não de bolsa de produtividade do CNPq. Como
indicador de capital temporal, ou poder temporal, discriminei e classifiquei as posições
que os professores ocuparam em associações e organizações científicas, agências de
fomento e órgãos governamentais relacionados à prática científica e ao ensino superior.
36

Dessa forma, foi possível averiguar se, e como, os agentes se diferenciam na estrutura do
campo tendo em vista as dimensões internacionais analisadas, por meio de correlações de
variáveis.

Excurso metodológico: sobre a posição do pesquisador e os nomes próprios

São conhecidos os problemas derivados da pesquisa cujo objetivo é o estudo de um campo


social no qual o pesquisador está inserido na condição de agente. Essa incômoda posição
é marcada pela ambiguidade do conhecimento tácito, logo incorporado, que adquiri ao
longo de meus anos de formação: por um lado, tenho familiaridade com as regras do jogo
e com a posição de diversos agentes, individuais e institucionais, no campo sociológico;
por outro, torna-se difícil obter a ruptura epistemológica necessária para a construção do
conhecimento científico, o que implicaria um afastamento das representações dos agentes
do universo estudado. Dada, assim, a impossibilidade de dissociar-me das práticas e
representações nas quais o meu habitus fora forjado, uma solução viável seria tirar
proveito de minha posição. Para isso, o conhecimento prévio das regras do jogo constituiu
o primeiro guia na elaboração do objeto de pesquisa, dos recortes empíricos e da
formulação de hipóteses. Contudo, apenas esse conhecimento não é suficiente, caso
contrário não haveria a necessidade de realizar uma pesquisa.
À familiaridade com as regras e disposições do campo sociológico, acrescentei a
análise dos condicionantes históricos do desenvolvimento do campo e a aplicação de
técnicas estatísticas sobre práticas devidamente objetificadas do conjunto de agentes em
análise. Esses dois procedimentos, que correspondem respectivamente aos capítulos
segundo, terceiro e quarto, auxiliarão a apreensão de aspectos e processos desconhecidos,
ou rudimentarmente formulados, até mesmo para um agente do próprio campo, na medida
em que: 1) tornam visíveis o histórico de disputas e tomadas de posição pretéritas que
condicionaram o estado atual do campo; 2) visibilizam uma série de padrões presentes
nas práticas que são inacessíveis à experiência primeira.
Outra questão que vem à tona no estudo do campo científico e acadêmico é o uso
de nomes próprios. Ao empregar as mesmas palavras que, no discurso ordinário, fazem
referência a pessoas e instituições, corre-se o risco de confundir o discurso científico
(controlado e informado) com o discurso do senso comum. Para evitar essa imprecisão, é
oportuno o emprego da separação feita por Bourdieu (2011) entre indivíduo empírico e
indivíduo epistêmico. Quanto ao primeiro, corresponde ao uso rotineiro para designar
37

pessoas, apreendidas integralmente em sua singularidade com fins de reconhecimento.


Trata-se da identidade de uma personalidade constituída socialmente como
individualidade. O indivíduo epistêmico, contrariamente, visa ao conhecimento de um
determinado indivíduo em que pese sua relação a outros, por meio da abstração de
propriedades pertinentes que os situem em distintas posições dentro de um campo de
relações objetivas. Interessam-me, pois, não os indivíduos e instituições em suas
especificidades, mas sim as relações que estabelecem dentro do campo sociológico,
considerando suas práticas e tomadas de posição visando ou não à circulação
internacional.
Ao mencionar “Iuperj”, por exemplo, não me interessa a descrição da instituição
e dos indivíduos em termos idiossincráticos de reconhecimento; mas em avaliar de que
forma essa instituição alcançou certo prestígio no interior do campo sociológico em parte
devido a suas interlocuções com organismos internacionais. Da mesma forma, ao
mencionar “Carlos Benedito Martins” ou “Elisa Reis”, tenho em mente determinadas
práticas de publicação, mobilidades internacionais, prestígio científico e capital político
que, num sistema controlado de análise, os colocam em relação de contraste com outros
indivíduos (epistêmicos) cujas práticas, mobilidades, capitais político e científico são
diferentes, tanto em grau, quanto em natureza. Em suma, indivíduos empíricos e
indivíduos epistêmicos não compartilham o mesmo referente.
38

CAPÍTULO I

DESIGUALDADES NA PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO INTERNACIONAL DO


CONHECIMENTO SOCIOLÓGICO

“Em lugar da velha autossatisfação e do velho isolamento local e


nacional, surgem relações abrangentes, uma abrangente
interdependência entre as nações. E isso tanto no que se refere à produção
material quanto à intelectual. Os produtos intelectuais de cada nação
tornam-se bens comuns. Cada vez mais impossível se faz a
unilateralidade, a estreiteza nacional, e a partir das muitas literaturas
locais, nacionais, forma-se uma literatura universal”.

Karl Marx e Friedrich Engels


Manifesto do Partido Comunista (2012
[1848]).

“The globalization of knowledge and Western culture constantly reaffirms


the West’s view of itself as the centre of legitimate knowledge, the arbiter
of what counts as knowledge and the source of ‘civilized’ knowledge. This
form of global knowledge is generally referred to as ‘universal’
knowledge, available to all and not really ‘owned’ by anyone, that is, until
non-Western scholars make claims to it”.

Linda Tuhiwai Smith


Decolonizing Methodologies (1999)
39

Prelúdio

Em seu artigo “Globalização: Novo paradigma das ciências sociais”, Octávio Ianni
(1994) discute as transformações pelas quais passam as sociedades no fim do século XX
e o seu impacto epistemológico para a disciplina da sociologia. As relações e os processos
sociais se desenvolvem cada vez mais em escala mundial, exigindo a reformulação do
repertório analítico da disciplina. A globalização, argumenta, põe em evidência a
obsolescência de paradigmas clássicos, atualizando as noções de tempo e espaço, micro
e macro, universal e particular. Mas não são apenas as lentes de observação da realidade
social que são renovadas. Movimento constitutivo da globalização, as trocas globais
propiciam a contestação do conhecimento sociológico ocidental, já que cientistas sociais
de todo o mundo estão dialogando cada vez mais entre si.
Ampliação, diversificação, assimetrias e tensão na sociologia global – eis as pistas
deixadas por Ianni que desenvolverei neste capítulo. No que segue, discuto a referida
globalização, situando-a historicamente como parte de uma conjuntura de crise do
imperialismo e a emergência de novos estados nacionais. Procuro mostrar que a
ampliação do número de praticantes da ciência em associações regionais e internacionais
não significou apenas diversificação, mas também reforçou mecanismos geradores de
desigualdades na produção e circulação do conhecimento sociológico, consolidando uma
estrutura diferencial que engendra a formação de “centros” e “periferias”. Em seguida,
faço uma revisão crítica do conceito de dependência acadêmica conforme três autores que
se esforçam em pensá-lo sociologicamente. Argumento, por fim, que os conceitos de
campo e espaço social são pertinentes analiticamente para apreender relacionalmente, e
de forma dinâmica, a estruturação de campos nacionais tendo em vista as desigualdades
presentes no plano internacional.

Ampliação e diversificação

Verdadeira buzzword na virada do século XX para o XXI, o termo globalização entrou


para o vocabulário das ciências sociais como um fenômeno que exigiria a sua
reformulação metodológica e teórica, dado que os processos sociais, políticos e
econômicos não mais estariam confinados aos limites do Estado-nação (IANNI, 1994).
Com efeito, o termo não é tão novo, tampouco teve sua gênese creditada às ciências
40

sociais. Ele se tornou popular ainda na década de 1980 nas áreas de jornalismo econômico
e entre teóricos da administração, expressando estratégias corporativas de expansão de
negócios para outros países. Seu uso pela sociologia só veio a florescer na década de
1990, e seus proponentes em grande medida trataram o fenômeno como um fato, sem
questionar a origem do conceito. Ao fazê-lo, expandiram em escala conceitos como
modernidade, risco e sociedade (CONNELL, 2007). Apesar disso, desenvolvimentos
posteriores tornaram o tema mais complexo e multifacetado, e vale a pena uma breve
incursão sobre seu significado. Uma definição sintética é fornecida por Heilbron et. al.
(2018), destacando-se sua referência à temporalidade e à questão do poder:

"Globalization, past and present, can be defined as those processes that are
fundamentally concerned with a widening scope of cross-border
communication, the intensification of transnational mobility, and the growing
dependency of local settings on global structures. All of these processes,
however, depend on resources that are unequally distributed and that are at the
root of asymmetrical power relations”. (Ibid. 2018, p. 02)

A dimensão do poder é importante na medida em que aponta para uma desmistificação


do processo de globalização, com visões romantizadas de que estaríamos vivendo uma
sociedade global “horizontal”, uma “aldeia global” que romperia relações sociais e
políticas tradicionais. É preciso levar em conta que os processos globais são disputados,
e questionar como bens, capitais, informações, pessoas e coisas se globalizam; por quem,
em que condições, interesses, relações e seus beneficiários (GOMES et. al., 2012). Tendo
em vista essa perspectiva, devemos voltar a atenção para aspectos ligados ao mundo
científico e intelectual.
Um dos aspectos que a literatura sublinhando como característica da globalização
é o fato de que o referente simbólico para a formação das identidades não está contido
aos limites do Estado-nação (ORTIZ, 2015). Dentre as razões que contribuem para o
arrefecimento da ideia de nação – ou seja, de uma identidade coletiva restrita a um
território político nacional – podemos mencionar a reflexividade quanto à consciência do
caráter histórico (logo, construído) do nacionalismo; a diferenciação étnica sob um
mesmo território sociopolítico; a migração, com a formação de identidades coletivas
secundárias; e a permissão de residência concedida a estrangeiros, questionando o
pertencimento unitário ao Estado (EDER, 2003). Para este mesmo autor, os intelectuais
constituem um dos grupos sociais que mais tendem a ter uma identidade cosmopolita,
41

dado que o referencial simbólico de suas práticas e a comunidade a que aspiram se


integrar não se restringem ao domínio exercido pelos Estados. Podemos pensar os
cientistas (sociais), por essa mesma chave. As razões para essa aspiração cosmopolita
incluiriam o aspecto transnacional da comunicação científica e da mobilidade de
pesquisadores, que se deslocam constantemente para congressos, pesquisas, para
formação e ensino, e a reflexividade quanto a categorias socialmente construídas,
requisito básico de seu ofício.
De fato, pelo menos nos últimos 70 anos o número de associações científicas
regionais e internacionais aumentou consideravelmente, resultado do incremento do
número de participantes das ciências sociais mundialmente. Observa-se, após a II Guerra
Mundial, uma intensificação das mobilidades e dos intercâmbios entre cientistas sociais
no âmbito global. Como apontam Heilbron (2014) e Vanderstrateten & Eykens (2018),
esses movimentos foram estimulados pela independência dos Estado-nação, antes
colônias, e pela formação de associações científicas nacionais de diversos países
periféricos. Paralelamente a esses acontecimentos, foi essencial o papel de organismos
internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), e de associações como a International Sociological Association (Isa) e
a International Political Science Association (Ipsa), para o estabelecimento de, e a
comunicação entre, organizações regionais e nacionais de ciências sociais (BONCOURT,
2018). Assim, o que comumente chamamos de “globalização das ciências sociais” é
caracterizada, antes, pela existência de organizações científicas virtualmente em todo o
mundo, periódicos especializados dedicados a um diálogo transnacional, redes de
pesquisa entre cientistas de diversos países, congressos e associações internacionais,
regionais e nacionais. Esses suportes institucionais contribuem para uma maior interação
e comunicação a nível global.
O relatório da Unesco World Social Science Report: Knowledge divides (2010)7
destaca esse movimento de diversificação das ciências sociais globalmente, apontando
para o seu processo de institucionalização, bem como seus principais desafios para obter
um diálogo internacional mais equânime. De acordo com o relatório, praticamente todas

7
O World Social Science Report (Relatório Mundial de Ciências Sociais) é produzido trienalmente pelo
International Social Science Council (Conselho Internacional de Ciências Sociais), coeditado pela Unesco.
O relatório busca dar uma visão abrangente da produção das ciências sociais mundiais e conta com a
participação de pesquisadores de todo o mundo.
42

as regiões do mundo possuem tanto sistemas científicos nacionais, dos quais as ciências
sociais fazem parte, quanto associações regionais, como o Arab Council for the Social
Sciences (ACSS), para o mundo árabe, o Conselho Latino Americano de Ciências Sociais
(Clacso), para a América Latina, a Association of Asian Social Sciences Research
Councils (AASSREC), para a Ásia, e o Council for the Development of Social Science
Research in Africa (CODESRIA), para a África.
Essa ampliação global teve como uma de suas consequências não apenas a
diversificação dos seus praticantes, mas também – e necessariamente – marca uma
inflexão crítica a respeito do estatuto científico das ciências sociais “ocidentais”. Com
efeito, a segunda metade do século XX viu emergir uma variedade de correntes
intelectuais críticas ao cânone tradicional das humanidades em geral, e das ciências
sociais em particular. Essas correntes se caracterizam, inicialmente, pela não
identificação imediata a uma disciplina única dentro do regime discursivo8 próprio do
universo acadêmico. O chamado pós-colonialismo e a crítica decolonial, por exemplo,
têm entre seus precursores filósofos, escritores, críticos literários, antropólogos e
sociólogos. Essa inflexão é caracterizada pelo questionamento da suposta universalidade
da teoria social ocidental, que teria como pressuposto a particularização de saberes de
outras partes do mundo (VESSURI, 2014). Essa universalidade, ademais, seria calcada
sobre pressupostos evolucionistas, na medida em que a inteligibilidade da realidade social
e a formação dos cânones clássicos opera segundo uma divisão entre “modernos” e
“primitivos”, tendo como único referencial empírico as transformações ocorridas nas
sociedades europeias e americana (CONNELL, 2006). Além do questionamento de sua
universalidade, também são cada vez mais disputados os critérios de qualidade científica,
pertinência e visibilidade internacional.
Apenas para fins analíticos, diferenciarei essa inflexão entre “intervenções
epistemológicas” e “críticas sociológicas”, concentrando minha atenção e análise nesta
última. No plano do real, as duas frentes são relacionadas, uma vez que ambas operam
dentro do que o que podemos chamar de uma “geopolítica do conhecimento”, ou seja, a
constatação de que há “posições assimétricas atribuídas às diferentes regiões do mundo
no que concerne à produção do conhecimento” (COSTA, 2013, p. 264), em grande parte
vinculadas a processos históricos de dominação política mais amplos.

8
O uso do termo “discurso” aqui, como também seu uso posterior quando associado às disciplinas
acadêmicas, tem seu sentido conforme acepção foucaultiana (FOUCAULT, 2012).
43

Vertentes críticas

O que chamo de “intervenções epistemológicas” se refere às críticas em torno do


eurocentrismo constitutivo das ciências ocidentais. Sua atenção reside em elementos
discursivos da ciência, bem como a forma como processos históricos de longa data, como
o colonialismo, tiveram participação ativa e foram legitimados pelo conhecimento
científico. Em outros termos, são reflexões que enfatizam processos históricos de
dominação, associados à constituição de uma epistemologia (científica) específica, que
teria como marca a ideia de progresso social e de universalidade. Destaco alguns
movimentos que, a meu ver, questionaram em maior profundidade as ciências sociais no
que se refere ao processo histórico e à constelação geopolítica na qual se desenvolveram.
Um importante movimento que questionou as bases nas quais se assentavam a
produção intelectual ocidental é o que se denominou pós-colonialismo. Ele expressa um
corpo crítico contido num conjunto de obras de autores vários, que têm em comum a
reflexão sobre a forma como o conhecimento científico e a literatura se associaram e, de
certa forma, procuraram dar legitimidade ao empreendimento colonial europeu.
Destacam-se, num primeiro momento, as reflexões de autores provenientes de territórios
colonizados pela França, como o psiquiatra e filósofo Frantz Fanon, o poeta e dramaturgo
Aimé Césaire (Martinica), e o escritor Albert Memmi (Tunísia).
Contudo, gostaria de me deter mais na vertente pós-colonial inaugurada com o
grupo de autores diaspóricos do Oriente Médio e do Sul Asiático, dado que foram suas
contribuições, a meu ver, que tiveram maior repercussão nas teorizações das ciências
sociais. Tendo como horizonte crítico os interlocutores imperiais de suas regiões de
origem (“Europa Ocidental”), seu marco temporal remonta ao século XIX, firmando-se
no XX. Seus proponentes questionam as suposições intrínsecas aos discursos dominantes
que estariam na base da ciência e das representações de cultura. O palestino Edward Said
(1935-2003), por exemplo9, em seu livro Orientalismo (2013 [1978]), inaugura uma
reflexão sobre a produção do conhecimento científico ocidental (mas também literário)
numa perspectiva global, argumentando que a sua consolidação só foi possível através da
criação de um “Outro”, no caso o oriental, através de um olhar científico sobre povos
subjugados pelos colonizadores. Com efeito, o “Oriente”, como área cultural, mas

9
A lista é extensa, e não pretendo realizar uma descrição exaustiva da tradição. Outros autores incluem
Homi Bhabha, Dipesh Chakrabarty, Ranajit Guha e Stuart Hall.
44

também geográfica, seria constituído por uma imagem invertida daquilo que seria o
“Ocidente”, ponto de partida discursivo de tais caracterizações. Esse discurso acadêmico
organizara-se segundo uma disciplina acadêmica – o orientalismo – que procurou
compreender os povos das áreas colonizadas nessa chave etnocêntrica. Ao fazê-lo, esse
campo discursivo não só naturalizou a dominação colonial, como também a justificou.
Podemos mencionar também Gayatri Spivak (1942-) que, em seu seminal ensaio
Pode o Subalterno falar? (2012[1985]), elabora uma densa análise a respeito da relação
entre os discursos ocidentais e a possibilidade de fala (ou de agência) do sujeito subalterno
(especificamente feminino), enfatizando a violência epistêmica que é muitas vezes
constitutiva dos primeiros em relação aos segundos. Partindo de uma crítica aos autores
franceses pós-estruturalistas Deleuze e Foucault, Spivak chama a atenção para o lugar
geopolítico de enunciação do discurso acadêmico e a posição social do intelectual
(ocidental) dentro do modo de produção capitalista internacional, afirmando que ele não
pode ignorar o papel da ideologia na conformação da subjetividade do sujeito subalterno,
tampouco deve ignorar a sua cumplicidade (involuntária) na reprodução das estruturas de
dominação sempre que intenta “falar” pelos oprimidos.
O pós-colonialismo em sua vertente anglófona toma como referência geográfica
aqueles territórios subjugados pela colonização inglesa nos séculos XIX e XX, sobretudo
do Sul e Sudeste Asiático. Assim, a despeito da possível generalidade de suas reflexões,
sobretudo no que diz respeito aos grupos oprimidos nas sociedades, sua crítica foi
circunscrita a uma área geográfica e um marco temporal específicos. Ainda que
dialogando com as ciências humanas no geral, e seus precursores não sendo cientistas
sociais, as questões levantadas por esses autores tiveram repercussões grandes na
sociologia e antropologia. Por exemplo, Said lembra que a construção de “tipos” nas
ciências sociais geralmente se baseia numa repartição ontológica entre “ocidentais” e
“orientais” (como em Marx e Weber), ao passo que Spivak se refere ao modo como todo
o conhecimento ocidental está intricado com dinâmicas de poder da ordem geopolíticas.
Se o pós-colonialismo dá ênfase à violência epistêmica derivada dessa experiência
histórica e política, os chamados autores decoloniais, provenientes da América Latina,
alargam o horizonte temporal e atribuem à colonização ibérica a gênese de uma lógica
epistêmica específica (BALLESTRIN, 2013). Além disso, os autores dessa escola
também buscam romper com o regime disciplinar das ciências, advogando não apenas a
sua superação como também a valorização (e legitimidade) de outras tradições não
ocidentais de produção do conhecimento, como os saberes indígenas. Ratificando o
45

conceito de “modernidade”, tão caro à sociologia, os autores decoloniais argumentam que


ele ganha precisão analítica se for compreendido nos termos de uma
“modernidade/colonialidade”, dada a constituição recíproca de ambos os processos.
Inspirados pela teoria do Sistema-Mundo, de Immanuel Wallerstein, e pelos autores da
Escola de Frankfurt, os autores se empenham em desnaturalizar, historicizar e
particularizar a epistemologia moderna e das ciências sociais, relacionando-as a
formações específicas de raça, gênero e sexualidade decorrentes da colonização ibérica.
O sociólogo venezuelano Edgardo Lander (2005) e o filósofo colombiano
Santiago Cástro-Gomez (2005) associam a epistemologia fundante das ciências sociais
ao eurocentrismo inerente do empreendimento colonial, que se empenhou em classificar
e subjugar os povos dos territórios invadidos. Noções como “bárbaro e civilizado”,
“tradição e modernidade”, “civilizado e primitivo” estariam presentes em muitos
clássicos das ciências humanas e sociais, e espelhariam a mentalidade colonial da qual
foram incapazes de se depurar. Na mesma linha, o sociólogo peruano Aníbal Quijano
(2005) cunhou o conceito “colonialidade do poder”, que diria respeito às estruturas de
longa duração do poder que não findaram com a descolonização das colônias espanholas.
Tal poder teria inaugurado uma composição racializada do mundo, intrínseca a uma
estruturação geopolítica que estratifica povos e nações.
A despeito da quantidade de trabalhos dedicados ao pós-colonialismo e ao
decolonialismo, sua interlocução com as ciências sociais não pareceu, em um primeiro
momento, ir mais além do que as críticas a suas epistemologias fundantes, ficando restrita
a uma subárea da sociologia do conhecimento. Em vista desse diagnóstico, alguns autores
têm procurado incorporar contribuições dessas vertentes no cerne da teoria social e do
cotidiano de pesquisa. Algumas dessas tentativas são dignas de nota, pois procuram
superar o relativismo epistêmico que, a meu ver, paralisa a crítica de/pós-colonial e
dificulta um diálogo mais profundo com as ciências em geral.
Compartilho da divisão analítica operada por Sergio Costa (2018) ao considerar o
potencial da crítica pós-colonial, e a posição que ele assume diante delas. Ele distingue
três estratégias: distanciamento, nostalgia e interferência. A primeira, distanciamento,
denunciaria as relações intrínsecas entre produção do conhecimento (científico) e
relações de poder, entendendo que a epistemologia ocidental invariavelmente
reproduziria relações de poder de caráter colonial. Ao citar autores como Gregor
McLennan e Homi Bhabha, Costa argumenta que esses autores procuram uma forma de
conhecimento que não passa pela teoria e a formulação de tipos ideais e categorias
46

padronizadas. A despeito de sua apropriação por movimentos feministas e de minorias,


Costa afirma que o potencial de diálogo com as ciências sociais é praticamente nulo, dado
que os seus próprios proponentes rejeitam tal possibilidade.
A outra estratégia, nostalgia, é direcionada sobretudo para a crítica decolonial.
Costa acha correta a forma como seus proponentes desvelam a forma como as ciências
sociais e a divisão disciplinar tiveram uma funcionalidade no empreendimento colonial.
Trata-se, em suas palavras, de uma “interdependência estrutural” entre colonialismo e as
ciências sociais: por um lado, o domínio colonial serviu de plataforma para a o monopólio
da ciência como saber legítimo; por outro, esta lhe forneceu legitimidade ideológica ao
classificar os povos não europeus. Ainda que concorde com esse diagnóstico, Costa
discorda da alternativa encontrada por autores como Walter Mignolo. Este defenderia o
reconhecimento e validez epistêmica de conhecimentos indígenas e locais como
alternativa ao conhecimento cuja lógica não evocaria aquela da ciência ocidental. Para
Costa, esta é mais uma posição que se vale apenas de pressupostos, sem respaldo empírico
que lhe dê sustentação, na medida que postula uma suposta pureza epistemológica desses
saberes, deixando de lado as suas interlocuções com a ciência e a modernidade de uma
forma geral. Isso num quadro global em que não há, na topografia social, nenhum lugar
desprovido de qualquer forma de contato ou influência ocidental.
Por fim, Costa faz menção à interferência. Essa estratégia procuraria dialogar com
os cânones da teoria social como um todo, o que incluiria aceitar as “regras do jogo”, ou
seja, operar no mesmo regime discursivo compartilhado pelos cientistas sociais. Nesse
sentido, alguns insights dos estudos pós-coloniais poderiam operar nos chamados “pontos
cegos” da literatura das ciências sociais e das pesquisas, revelando pressupostos
problemáticos, como a delimitação de identidades fixas baseadas na nacionalidade;
dicotomias rígidas como “tradicional” e “moderno”; e reificações de conceitos como
globalização e modernização, que teriam como métrica as sociedades industrializadas do
Norte. Ao optar pela interferência, as ciências sociais seriam reconfiguradas desde dentro,
criando diálogos com teorias e tradições já estabelecidas. O autor defende que essa é a
estratégias mais promissora para que haja uma interlocução entre o pós-colonialismo e as
ciências sociais.
47

Um sociólogo que vai na mesma direção de Costa é o alemão Wolfgang Knöbl.


Em seu artigo Reconfigurações da teoria social após a hegemonia ocidental (2015)10, o
autor argumenta que há um diálogo possível e profícuo entre as teorias sociais (em
específico, sociológicas) e os estudos pós-coloniais. Essa ponte ocorreria com a
convergência entre, de um lado, dilemas contemporâneos de teorias sociais consagradas
e, de outro, alguns postulados de autores que se identificam com o pós-colonialismo,
como Jean e John Comaroff, e Boaventura de Souza Santos. No que diz respeito aos
dilemas teóricos, Knöbl afirma que modelos estabelecidos de ação social não estão dando
a devida atenção a configurações particulares e contextos específicos, portanto incapazes
de lidar com o caráter contingente da vida social. Esse caráter expressaria a dificuldade
das teorias macrossociológicas em entender dinâmicas que não são facilmente explicáveis
pelas perspectivas da globalização, modernização, racionalização e secularização, entre
outros conceitos chave para a disciplina.
Para ele, algumas perspectivas pós-coloniais, ao mesmo tempo, têm enfatizado a
importância de se historicizar categorias caras às ciências sociais, mostrando a sua
inadequação para interpretar configurações societárias em contextos fora do Norte. Além
disso, modelos de ação social amparadas sobre pressupostos utilitaristas cada vez mais se
mostram inadequados ao ser aplicados inescrupulosamente a qualquer contexto. O
resultado é, para o autor, uma ciência social enrijecida em seus próprios modelos, que
não se abriu devidamente à pluralidade de experiências sociais ao redor do mundo. Na
mesma linha, Bhambra (2014) radicaliza a proposta de historicizar as categorias mais
clássicas do repertório das ciências sociais, reivindicando que uma das principais
contribuições do pós-colonialismo para a sociologia seria a revisão de conceitos como
“cidadania”, “nação” e “Estado”, inserindo um chave que privilegia a agência de atores
não ocidentais na constituição de processos sociais antes tidos como inerentemente
“modernos”, ou seja, europeus.
É importante salientar que as relações entre colonialismo e ciências sociais
também foram exploradas no âmbito interno ao discurso disciplinar dessas ciências.
Autores ligados à sociologia e que não se vinculam a tradições específicas de pensamento
crítico, como aquelas supracitados (ainda que por elas sinfluenciados), elaboraram
reflexões e procuraram teorizar num registro que privilegia a diversidade de experiências

10
Na verdade, trata-se da versão escrita e revisada de sua conferência proferida no 38ª Encontro Anual da
Anpocs, em 2014, em Caxambu (MG).
48

sociais, cognitivas e epistemológicas para além daquelas que têm como referência o
Ocidente (entendido como os EUA e a Europa Ocidental). Alguns entendem que qualquer
teorização nas ciências sociais deve levar em conta o “encontro colonial”, ou seja, a forma
como a colonização impactou diferentes regiões do mundo gerou experiências sociais
diversas. Por essa característica generativa, a colonização teria um estatuto
“ontoformativo” (CONNELL, 2015). Há, também, outros propondo a existência de uma
“sociologia não exemplar”, cujo horizonte teórico não seria respaldado aprioristicamente
pela ideia de “modernidade” nos termos sociológicos clássicos (ROSA, 2013).
Na antropologia hegemônica11, o questionamento sobre a viabilidade de um
conhecimento antropológico acompanha a disciplina praticamente desde o seu
surgimento. Malinowski já demonstrava preocupação, no prefácio de Argonautas, com o
que seria o “objeto” antropológico: povos nativos que estariam desaparecendo frente ao
processo de colonização. Cerca de 40 anos depois, Lévi-Strauss (1962) retoma essa
preocupação, argumentando, porém, que a identidade da disciplina não repousaria sobre
a existência de um “objeto” específico, no caso os chamados “povos primitivos”, mas sim
sobre uma determinada relação entre o observador e o observado. Em outras palavras, a
antropologia não se definiria pelo objeto, mas por um tipo de abordagem por meio da
qual a diferença constitui o eixo epistemológico fundamental.
De fato, é por volta da década de 1980 que um grupo de acadêmicos, constituído
por antropólogos e historiadores da antropologia, passou a repensar a maneira como a
disciplina vinha sendo feita. Situado sobretudo nos EUA, compunha esse grupo nomes
como George Marcus, James Clifford, Michael Fischer e, ainda que como um interlocutor
frequente, Clifford Geertz. Com forte influência da filosofia francesa, sobretudo do
projeto de desconstrução derridariano e da teorização do saber/poder de Foucault, esse
grupo pôs em xeque a forma como eram representados os nativos, questionando a
“autoridade etnográfica”, e situando o sujeito do conhecimento antropológico dentro de
um projeto político mais amplo de colonização. Ao relacionar arte com cultura, por
exemplo, Clifford (1994) sublinhou que qualquer história da disciplina deve considerar o
ato de colecionar como um aspecto definidor da subjetividade ocidental. Dessa forma,

11
Seguindo Ribeiro (2014), considero como produção antropológica contemporânea aquela desenvolvida
nos e pelos EUA, Inglaterra e França. São hegemônicas pelo raio de influencia e difusão, levando em
consideração a constituição histórica da disciplina.
49

argumenta, uma história das coleções de artefatos é uma chave para compreender como
o Ocidente se apropriou dos fatos “exóticos” e seus significados.

Vertentes sociológicas

A outra inflexão que eu gostaria de mobilizar, e que denominei de “crítica sociológica”,


parte da constatação de que, a despeito desse processo de diversificação das ciências
sociais no âmbito mundial, os fluxos que orientam a circulação internacional do
conhecimento e de pesquisadores, as redes de colaboração científica e a participação em
associações internacionais não se tornaram mais igualitários – por vezes, as desigualdades
internacionais se intensificaram. Dessa forma, o qualitativo “sociológico” da categoria
mobilizada se refere à tentativa de compreensão da relação estabelecida entre
comunidades científicas diferencialmente posicionadas no mundo, e partem de autores
inseridos nessa tradição disciplinar.
Como aponta Martín (2018), a publicação em inglês e a internacionalização, em
todas as suas dimensões, não implicam necessariamente abertura e diálogo mais
equitativo entre pesquisadores de distintas regiões do mundo. Contrariamente, o que
ocorre muitas vezes é a imposição de um modelo centrado na experiência e nas tendências
das academias centrais, ocasionando a subordinação da produção e circulação
internacional de pesquisadores periféricos (ALATAS F., 2003; KEIM, 2008; BEIGEL,
2013). Essa imposição é resultado de sistemas nacionais de avaliação da produtividade
científica que incorporam critérios de “excelência internacional”, num contexto
generalizado de “governança neoliberal” preocupada com a competitividade dos rankings
internacionais (CONNELL, 2012). Além disso, essa imposição também se relaciona com
a centralização do artigo científico como fim último da atividade intelectual, em
detrimento de outros aspectos que envolvem o trabalho acadêmico, como a docência e a
orientação. Alguns estudos têm evidenciado esse fenômeno e são dignos de serem
mencionados.
Fazendo uso de técnicas quantitativas, Mosbah-Natanson & Gingras (2014)
analisaram a produção das ciências sociais por meio da publicação artigos científicos, da
colaboração internacional e dos padrões de citações, tendo como universo de análise o
50

principal indexador internacional da corrente principal12 das ciências sociais, o Social


Science Citation Index (SSCI), do Web of Science, entre os anos de 1980 e 2009. Seus
resultados evidenciam relações desiguais nos indicadores selecionados: pesquisadores de
regiões periféricas publicam pouco internacionalmente; seus artigos de coautoria são
majoritariamente com autores das regiões centrais, e suas referências bibliográficas são
sobretudo dessas mesmas regiões. A conclusão a que chegam é que a internacionalização
não acarreta uma visibilidade real de cientistas de regiões periféricas, ocorrendo o que os
autores caracterizam como uma “fagocitose” frente à produção de países centrais.
Ainda no âmbito das publicações, Hanafi (2011) realiza um estudo no Oriente
Médio a respeito das práticas de publicação de acadêmicos vinculados a universidades de
elite da região. Ele constata, entre outras coisas, que a adoção de critérios internacionais
na promoção da carreira, como a publicação de artigos em inglês em periódicos de
“prestígio”, tem ocasionado os pesquisadores a empreenderem distintas estratégias que
segmentam as carreiras universitárias em duas vertentes opostas: a mais prestigiosa,
consiste em publicar globalmente e perder as referências locais; e o seu oposto, ou seja,
publicar localmente e fortalecer redes locais, mas “perecer” globalmente. Fenômeno
similar ocorre na Nigéria, como elucida Omobowale (2014), onde as principais
universidades do país valorizam a publicação internacional na avaliação da carreira
docente, tendo como consequência não intencional o fenecimento, quando não a
dissolução, do sistema editorial local. No Irã, como argumenta Rahbari, (2015), a
subordinação de pesquisadores mais novos por parte daqueles seniors, alinhados a
padrões internacionais de pesquisa e que, por terem vínculos com esferas do campo do
poder, acaba dificultando o florescimento de temas e técnicas de relevância local.
No contexto latino-americano, Vessuri et. al (2013) apontam para a mesma
tendência por parte dos órgãos de avaliação e financiamento. A adoção de critérios de
“excelência” internacionais, em detrimento daqueles que visam à “qualidade” da
produção e atividade científica, têm reestruturado as práticas de publicação e de rotina
acadêmica, e temas concernentes a problemas locais e nacionais são negligenciados. No

12
Os autores reconhecem a limitação desta base de dados, já que ela privilegia a produção de regiões já
centrais, como a América do Norte e Europa Ocidental. Contudo, eles argumentam que os indicadores
escolhidos na análise podem ilustrar dinâmicas internacionais que lançam luzes sobre a relação entre
pesquisadores de distintas regiões, e confirmar a hipótese de que há um padrão, em seus termos, de “centro
– periferia” na produção e circulação científica das ciências sociais.
51

caso específico da Argentina, Beigel (2014) demonstra como órgãos de contratação de


pesquisadores e de estruturação da carreira têm privilegiado a publicação em inglês e em
periódicos internacionais, a despeito das editoras locais, o que tem acarretado na
hierarquização profissional e na heteronomia do campo.

A questão da dependência acadêmica

Em todos esses casos, observamos uma forma específica de relacionamento entre


distintas comunidades científicas no plano internacional, no que se refere à comunicação
científica, à adoção e critérios avaliativos, de consagração, acreditação e estruturação de
carreiras. Esse relacionamento tem sido caracterizado pela literatura recente como sendo
de dependência: o desenvolvimento (ou a estruturação) de algumas comunidades
científicas dependeria do estabelecimento de parâmetros fundamentados em outras
comunidades, notadamente aquelas pertencentes aos grandes centros (ou “potências”) das
ciências sociais mundiais, como Estados Unidos, Inglaterra e França (ALATAS F., 2003).
De forma geral, então, o conceito de dependência acadêmica se refere “à estrutura
desigual de produção e difusão do conhecimento construída historicamente no que
conhecemos como sistema científico internacional” (SABEA & BEIGEL, 2014, p. 15).
Não, há, contudo, um consenso sobre as razões e a forma de reprodução dessa
dependência acadêmica. No que segue, delineio três visões que, não necessariamente
opostas, apontam para perspectivas distintas acerca da compreensão da relação entre
comunidades científicas no plano internacional.

Dependência acadêmica como herança colonial

A primeira abordagem que eu gostaria de expor provém do sudeste asiático, e ancora-se


em discussões mais antigas sobre dependência dos chamados países do “Terceiro
Mundo”, no contexto de Guerra Fria (cf. GAREAU, 1988). Nas tentativas de atualização
do debate, podemos sublinhar a conceptualização do fenômeno denominado de
“imperialismo acadêmico”, promovida pelo sociólogo e intelectual público malaio
Hussein Alatas (2000). Fenômeno definido pela “dominação de um povo por outro em
seu mundo de pensamento”, ele teria raízes no modo colonial de produção. As
características desse imperialismo seriam análogas àquelas observadas no imperialismo
político-econômico: 1) exploração do trabalho e matéria-prima das colônias; 2)
52

conformidade dos povos subjugados; 3) tutela dos colonizados; 4) o papel secundário dos
povos dominados; 5) a existência de uma racionalização científica sobre o imperialismo;
e 6) o papel inferior dos profissionais provenientes das potências que trabalham e se
especializam nas colônias. (Ibid. p.23 – 24). Seu filho, Syed Farid Alatas, em conhecido
artigo de 200313, Academic Dependency and the Global Division of Labour in the Social
Sciences, retoma o debate, afirmando a ocorrência de um neocolonialismo no mundo
acadêmico, mas que não operaria de forma direta, como no passado. Sua manutenção se
daria indiretamente via dependência acadêmica, operando num plano estrutural.
As atuais “potências” das ciências sociais seriam os EUA, o Reino Unido e a
França, e essa caracterização é devida, no que diz respeito à atividade científica, a esses
países produzirem grande quantidade de artigos e resultados de pesquisa; à visibilidade
internacional de que goza sua produção; à capacidade de influenciar as ciências sociais
de outros países; e pelo reconhecimento e prestígio que possuem. Para dar sustentação a
essa argumentação, o autor elabora uma definição de dependência acadêmica inspirada
por uma certa leitura de uma parte da tradição da teoria da dependência latino-americana.
Para ele, o fenômeno em questão define-se pela “condição segundo a qual as ciências
sociais de certos países são condicionadas pelo desenvolvimento e crescimento das
ciências sociais de países dos quais os primeiros são subjugados” (ALATAS F., 2003, p.
603). Especificamente, essa relação de subordinação ocorre quando algumas
comunidades científicas podem se desenvolver segundo alguns critérios estabelecidos
autonomamente, ao passo que outras comunidades apenas o fazem como um reflexo
desses critérios. Essa relação opera, segundo o autor, dentro de um continuum de centro-
periferia14.
As dimensões da dependência seriam várias. Em seu artigo de 2003, elenca seis
delas: 1) dependência de ideias; 2) dos meios através dos quais essas ideias circulam; 3)
das tecnologias de educação; 4) da ajuda para pesquisa e ensino; 5) de investimento em
educação; e 6) dependência dos pesquisadores da periferia de se especializarem no centro.

13
De fato, as métricas apontadas pela SAGE, uma das maiores editoras de periódicos privadas do mundo e
onde fora publicado, indicam a abrangência de seu alcance. É o segundo artigo mais referenciado no âmbito
do periódico Current Sociology, onde foi publicado, além de ter recebido 114 citações em outros periódicos
anexados em bases da corrente principal.
14
Farid Alatas chega a criar uma terceira-categoria, a de “semi-periferia” para indicar aquelas comunidades
científicas de países como Holanda, Alemanha e Japão, que contam com grande produção científica e
recursos, mas são dependentes em alguns aspectos dos países centrais.
53

Recentemente, o autor adicionou uma outra dimensão da dependência: aquela a respeito


do reconhecimento internacional (ALATAS F., 2014). A dependência das ideias é, em
sua opinião, o que qualifica a condição geral do conhecimento nos países periféricos, em
grande parte decorrente da mente intelectual cativa (captive mind): uma mente acrítica e
imitativa, dominada por fontes exógenas a sua realidade (ALATAS, F., 2010a, p. 58).
Essa dependência diria respeito à meta-teoria e teorias, originalmente formuladas nos
centros e reproduzidas nas periferias.
O mecanismo específico de perpetuação da dependência acadêmica se daria pelo
que o autor denomina de “divisão global do trabalho” nas ciências sociais, cuja gênese
data do período colonial. Essa divisão do trabalho comportaria três dimensões: divisão
entre quem realiza trabalho teórico e trabalho empírico; entre pesquisas que se
concentram no estudo de outros países e aquelas que se concentram em seu próprio; e,
por fim, a divisão entre estudos comparativos e estudos de caso (ALATAS F., 2003, p.
608). Tendencialmente, os países centrais empreenderiam o trabalho dos primeiros polos,
ao passo que às periferias caberia o dos segundos.
A grande contribuição de Farid Alatas foi, a meu ver, atualizar o debate a respeito
do relacionamento desigual entre comunidades científicas, sobretudo num contexto em
que a demanda por internacionalização da produção científica se intensifica
mundialmente, e assinalar a necessidade de mais estudos sobre o fenômeno – este último
aspecto, inclusive, constituiria uma das frentes de reversão do problema. Além disso, sua
ênfase na divisão global do trabalho como mecanismo reprodutor da dependência aponta,
ainda que não explicitamente, para um elemento prático da reprodução do fenômeno,
ainda que pouco explorado por ele. Por fim, sua concepção de dependência acadêmica
está atrelada à necessidade de se pensar em critérios locais de relevância científica15,
enfatizando a importância de valorizar tradições locais e o uso crítico de teorias
formuladas em outros contextos, portanto conformadas por outras experiências sociais
(cf. ALATAS F., 2001; 2010b).

15
Na história da sociologia no Brasil, essa posição encontra grande ressonância com o pensamento de
Guerreiro Ramos. Para uma análise comparativa entre autor brasileiro e H. e F. Alatas, ver Caruso (2016).
54

“Centro-periferia” como modelo analítico

O relacionamento entre comunidades científicas no plano internacional tem sido


caracterizado segundo uma diferenciação estrutural entre centro e periferia, com
importante destaque para os efeitos persistentes da colonização sobre as práticas
científicas contemporâneas. Pode-se dizer que essa diferenciação é, de acordo com os
autores mencionados até aqui, mais descritiva do que analítica, na medida em que está
subordinada a um outro elemento heurístico – este, sim, vetor causal das relações entre
comunidades científicas: a colonização e seus efeitos deletérios geradores da dependência
acadêmica. É importante ressaltar, por outro lado, que a noção de que a circulação do
conhecimento científico ocorre conforme essa diferenciação não é nova, pelo menos para
a historiografia da ciência (cf. BASALLA, 1967).
A socióloga Wiebke Keim (2008), pensando nisso, procura ampliar a
compreensão das ciências sociais internacionalmente, especificamente da sociologia, se
comparada ao modelo de Farid Alatas. A primeira inovação da autora, inspirada no livro
clássico de Cardoso e Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina, é
reconhecer o condicionamento recíproco entre centros e periferias (KEIM, 2008, p. 24),
o que já evidencia um avanço em relação à perspectiva de Farid Alatas, marcado pela
unilateralidade da sua concepção de dominação. Contudo, ela é cautelosa ao transplantar
mecanicamente um modelo antes formulado para compreender fenômenos de ordem
política e econômica, como o desenvolvimento, para o domínio da produção e circulação
do conhecimento – outro distanciamento em relação modelo de dependência acadêmica
delineado anteriormente. Dessa forma, a autora reconhece que a ciência, em suas
múltiplas dimensões, deve ser considerada com uma certa autonomia em relação a outros
aspectos da vida social, não estando, pois, inteiramente subordinada a constrangimentos
de outra ordem. Isso posto, Keim (2008, p. 25) elabora seu modelo de centro-periferia,
agora com status analítico e segmentado em três dimensões complementares, capaz de
explicar as ciências sociais internacionalmente.
A primeira dimensão diz respeito à infraestrutura material e institucional de uma
comunidade sociológica: o número de ingressantes, de associações científicas, uma rede
de publicações que permita a comunicação científica, financiamento e condições de
realização de ensino e pesquisa. Além disso, também diz respeito à divisão do trabalho
em especialidades, capaz ou não de diversificar a atividade científica. Sobre essa
dimensão, a autora diz que uma comunidade científica pode ser classificada como
55

desenvolvida ou subdesenvolvida. Uma “sociologia desenvolvida”, segundo Keim, seria


aquela definida “como um sistema autônomo” de produção, difusão e acumulação de
conhecimento e discursos. Uma “sociologia subdesenvolvida”, em contrapartida, define-
se pela ausência de grande parte dessas características, ou pela sua incapacidade de
possuí-las.
A segunda dimensão é concernente à capacidade de reprodução de uma
comunidade sociológica, seja no âmbito da formação de pesquisadores, de instituições e
de conhecimento. Assim, uma comunidade sociológica pode ser autônoma ou
dependente. Essa distinção faria sentido, para Keim, pois mesmo possuindo infraestrutura
material para produção do conhecimento, uma comunidade sociológica pode depender de
referenciais teóricos, metodologias, conceitos, certificação profissional e meios de
difusão que lhe são exógenos. Portanto, a diferença crucial entre uma sociologia
autônoma e uma dependente é que a primeira se beneficiaria dos intercâmbios
internacionais, ao passo que para a segunda eles seriam uma condição necessária para se
reproduzir.
Por fim, temos a terceira dimensão, que diz respeito ao reconhecimento
internacional. A autora classifica essa dimensão entre uma sociologia marginal ou
central. Centralidade se referiria àquelas sociologias internacionalmente visíveis,
reconhecidamente o “núcleo” (core) da disciplina. Essa posição lhes confere a capacidade
de influenciar tópicos de pesquisa, temas relevantes, referenciais teóricos, metodologias
apropriadas, estabelecendo escolas, tradições e paradigmas científicos. As sociologias
marginais, por outro lado, não possuem reconhecimento internacional, são ignoradas pela
comunidade internacional e essa ignorância não seria considerada um problema a
princípio. A autora diz que essa é a condição geral das sociologias feitas na África e na
América Latina. Dentre os indicadores empíricos de que uma comunidade é marginal
internacionalmente, estão as bases de indexação mais prestigiadas, a divisão internacional
do trabalho acadêmico (nos termos de Farid Alatas) e a necessidade de se tornar “exótico”
ou se particularizar para ganhar interesse internacional, seja em publicações, palestras ou
aulas em instituições de comunidades centrais.
Seguindo essas três dimensões, a autora dispensa a categoria de “semi-periferia”,
proposta por Alatas, por acreditar ser o seu modelo mais preciso conceitualmente. A
sociologia Japonesa, argumenta, não seria semi-periférica, mas desenvolvida, ainda que
dependente; da mesma forma a sociologia feita na palestina sofreria sobretudo pelo seu
56

subdesenvolvimento, possivelmente a principal causa de sua marginalidade no cenário


internacional.
Em texto mais recente (KEIM, 2014), a autora procura reelaborar alguns de seus
pontos, abrangendo o escopo de seu modelo e dissipando possíveis ambiguidades. O
primeiro ponto notável é o seu distanciamento da visão difusionista da produção e
circulação do conhecimento, proeminente em Basalla (1967)16, caracterizada pela
unilateralidade e pelo protagonismo do Ocidente. Segundo o difusionismo, as nações
outrora colonizadas teriam importado passivamente o conhecimento produzido
exclusivamente nas delimitações das metrópoles – uma visão muito próxima, por
exemplo, daquela proposta por Farid Alatas. Esse movimento da autora aponta para uma
tentativa de teorização que leve em conta a agência de atores das “sociologias periféricas”
no processo de circulação do conhecimento para além de uma mecânica “importação”.
Dentre os mecanismos atuantes, a autora menciona a “recepção”, a “troca” e a
“negociação entre teoria e prática”.17
Outro avanço foi apontar para outras unidades de análises que não aquelas
centradas nos estados nacionais. Em seu artigo de 2008, fazia referência apenas a esses
espaços de produção do conhecimento quando diz, por exemplo, “sociologia japonesa”
ou “sociologia palestina”. Em sua atualização, seu comprometimento com a ideia de
circulação exige a valorização de outras escalas, como campos regionais e redes
transnacionais. Aliás, uma de suas principais atualizações foi incorporar a própria noção
de campo, nos termos bourdieusianos, para compreender a forma como o conhecimento
circula. Ela o faz partindo de uma crítica de seu texto clássico sobre circulação de ideias
(cf. BOURDIEU, 1999), argumentando contra a sua ênfase na unidade de análise nacional
e discordando da perspectiva do sociólogo francês segundo a qual a circulação ocorre
entre agentes que compartilham posição estrutural análoga entre os campos. Segundo ela,
a posição de Bourdieu pressuporia a existência de um campo nacional de antemão,
deformador da circulação internacional das ideias. Essa postura negligenciaria outras

16
Como a autora reconhece, a historiografia da ciência já abandonara tal modelo, salientando que a
chamada “ciência ocidental” contou com a interação de diversas sociedades além da Europa Ocidental, sem
negar, contudo, a presença de relações de poder – uma visão eminentemente pós-colonial.
17
Alguns estudos recentes sobre recepção de teorias sociológicas na América Latina são importantes de
serem mencionados, por argumentarem que a circulação do conhecimento não é um processo de simples
importação mecânica (cf. VILLAS BÔAS, 2006; BRASIL JR, 2013)
57

unidades de análise e o fato de que a própria circulação pode contribuir para a estruturação
de “campos dependentes”.
Creio que sua reformulação do modelo inicialmente proposto de centro e periferia
para a compreensão a circulação internacional das ideias constitui um importante avanço.
Concordo com a autora quando diz que a análise da circulação do conhecimento, seja ele
através de textos, ideias, ou incorporados em pesquisadores, deve necessariamente levar
em conta as hierarquias e desigualdades (matérias e simbólicas) que operam dentro da
comunidade internacional, afetando de forma diferencial a integração e a participação de
campos científicos. Mais significativo, aliás, é sua incorporação crítica da noção de
campo. Nesse movimento, a autora reconhece que a circulação envolve o interesse, logo
a agência de agentes posicionados nos campos do polo “periférico”, e que a circulação
pode alterar a estrutura desse campo.

A heterogeneidade estrutural dos campos periféricos

A terceira e última visão sobre dependência acadêmica que eu gostaria de discutir é, em


muitos aspectos, crítica em relação aos outros dois modelos. As formulações da socióloga
argentina Fernanda Beigel (2010, 2013, 2016), diferentemente das de Keim e Farid
Alatas, não partem de conceitos mais abstratos, como aqueles de divisão internacional do
trabalho, imperialismo acadêmico e centro e periferia, para então compreender o
relacionamento entre comunidades científicas diferencialmente posicionadas. Seus
estudos se fundamentam em situações histórico-concretas, logo específicas, para daí tirar
conclusões mais gerais a respeito do fenômeno em causa. Nesse sentido, seu programa
de pesquisa segue uma lógica mais indutiva que dedutiva, tendo como universo empírico
os processos de profissionalização e autonomização dos campos acadêmicos da América
Latina18, seu principal universo de análise.
Outra inovação proposta por Beigel é o seu uso particular de campo social. Se a
incorporação crítica mais tardia da Keim acerca da noção de campo questiona a suposta

18
Essa diferenciação entre os autores é significativa e instrutiva para o tema geral da pesquisa, qual seja, o
da internacionalização do conhecimento. Concepções generalizantes sempre entrarão em conflito com
situações concretas e particulares. Isso ocorre, entre outras coisas, pois as ideias e os textos não viajam com
o seu contexto de produção, frequentemente gerando desentendimentos (cf. BOURDIEU, 1999)
58

ênfase de Bourdieu na unidade nacional, bem como sugere os efeitos da circulação sobre
a estruturação de campos periféricos, para Beigel o que está em jogo é justamente a noção
de “autonomia”, com o “nacional” constituindo importante unidade de análise na
compreensão das dinâmicas científicas de regiões periféricas (Ibid. 2010, p. 17). Tomada
não como um fim em si mesmo ou como um reflexo do que deveria ser um campo
autônomo (sempre inspirado em modelos de “outras latitudes”), ela analisa o complexo
processo de autonomização do campo acadêmico em regiões como a América Latina. A
noção de “elasticidade” da autonomia é central em sua análise, dada sua ênfase sobre as
dinâmicas históricas que se relacionam com a estruturação dos campos periféricos. Dessa
forma, temos a expansão da autonomia universitária e a criação de um circuito regional
de consagração acadêmica, como foi o caso na América Latina, com importante papel
desempenhado pelo Chile em meados da década de 1960, com a criação de institutos de
pesquisa, como o Cepal, Flacso, Clacso e Ilpes, constituindo um polo de atração de
pesquisadores da região. Por outro lado, observamos a sua contração derivada da
repressão exercida pelos regimes ditatoriais em países da América Latina sobre a
produção universitária entre as décadas de 1960 e 1990.
Analiticamente, a autora (Ibid, 2010, p. 16 – 17) distingue três tipos de autonomia
em campos periféricos. Primeiramente, a autonomia universitária, ligada a processos de
institucionalização, especialização, financiamento e profissionalização da profissão
acadêmica, e ocorreu na região por volta de 1950. Em seguida, a autora faz menção à
autonomia relacionada à criação de uma illusio acadêmica, nos termos de Bourdieu, como
o “interesse desinteressado” próprio de um campo cultural, incorporado pelos agentes
como as “regras do jogo”. Na América Latina, Beigel afirma que a criação dessa illusio
ocorreu paralelamente à institucionalização do campo, fazendo com que o pertencimento
institucional constituísse ele próprio um capital simbólico em disputa pelos agentes. Em
suas palavras:

“En los campos académicos del Cono Sur, el capital propriamente académico
(distinciones y prêmios, traducción a otros idiomas, citación, participación em
comités y colóquios internacionales) se fue diferenciando conjuntamente con
el processo de creación de escuelas, institutos u asociaciones profesionales.
Esto promovió la extensión del reconocimiento institucional como forma de
cristalización del prestigio individual, y com ello la consolidación de um
“capital temporal” que fue indispensable para la consagración de los científicos
sociales”. (Ibid. 2010, p. 26)
59

Por fim, a terceira distinção analítica estabelecida pela autora acerca da noção de
autonomia, e a mais significativa para os fins desta pesquisa, é aquela vinculada aos
efeitos da “internacionalização” do campo científico e das distintas forças que operam na
circulação internacional das ideias. Nesse âmbito, a dependência acadêmica pode ser
definida operativamente, referindo-se à estrutura desigual de produção e circulação do
conhecimento, historicamente construída nos chamados “centros de excelência”, sem a
participação das comunidades científicas periféricas. Esse processo envolveria a
paulatina valorização da publicação de artigos em periódicos especializados, tomados
como critérios avaliativos não apenas da “excelência” científica por parte de organismos
públicos, como também por parte de institutos públicos e privados de financiamento para
pesquisa e estruturação das carreiras individuais.
Esses modelos de avaliação, reconhecimento e acreditação científica se
generalizaram para além dos “centros de excelência”, constituindo o que a autora chama
de “sistema acadêmico mundial” (SAM), conformando os circuitos de publicação,
prestígio e consagração denominados de “corrente principal” (mainstream). O SAM se
define pela 1) “universalização” da bibliometria como ferramenta de avaliação da ciência;
2) pela supremacia do inglês nas publicações internacionais; e 3) pela concentração de
capital acadêmico em determinados polos. Trata-se, portanto, de uma relação de
dominação simbólica, que hierarquiza distintos circuitos de prestígio acadêmico, tanto no
âmbito das publicações quanto no das mobilidades. Corolário dessa hierarquização é que
a posição de determinada comunidade científica ou de um determinado investigador se
relaciona com sua integração histórica aos circuitos da corrente principal. Com isso,
segmenta-se não apenas a profissionalização em campos periféricos entre aqueles com
maior inserção internacional, e os que possuem redes locais: hierarquiza-se também os
circuitos de publicação – transnacional, nacional, regional, local e internacional – com
distintos impactos sobre a estruturação as carreiras em termos de avaliação da produção
científica e de progressão de carreira (BEIGEL, 2014).
Em suma, o novo caráter da dependência acadêmica, para Beigel, manifesta-se na
crescente heterogeneidade estrutural do campo, na heteronomia dos critérios de
avaliação, e na externalização dos princípios de legitimação da produção científico social
(BEIGEL, op. cit. p.13). Ela é marcada por uma tensão entre duas culturas avaliativas,
qualificadas como opostas por Beigel, de práticas científicas em comunidades periféricas.
De um lado, uma menos ligada a um “capitalismo acadêmico”, seguindo critérios
endogâmicos regionais e locais de prestígio e consagração acadêmicos, ainda que pouco
60

articulados; de outro, a opção pela internacionalização segundo critérios estabelecidos


pelos “centros de excelência”, apegando-se à ilusão de ser parte das normas da “ciência
universal”, ao preço de uma heteronomia crescente em relação aos temas relevantes
localmente.
Comparada às outras formulações, a de Beigel me parece mais frutífera para a
análise que esta pesquisa empreenderá. Se em Keim e Farid Alatas é possível verificar,
como pressuposto de suas classificações, a associação da centralidade de um campo no
cenário internacional com a produção de conhecimento original, Beigel rejeita essa
associação, pontuando para momentos de tensão entre autonomia e heteronomia dos
campos periféricos e para distintas formas de produção do conhecimento.19 Ainda que
aqueles autores observem o potencial dos campos periféricos para a produção de
conhecimento original e criativo, seja através dos “discursos alternativos” (ALATAS, F.,
2010b) ou das “tendências ou correntes contra hegemônicas” (KEIM, 2011), é importante
não perder de vista os distintos processos de profissionalização e configuração do campo
acadêmico de cada região “periférica”, para não universalizar experiências
historicamente situadas. Nesse sentido, a conceitualização de Beigel é mais oportuna, já
que ela enfatiza o aspecto relacional entre, de um lado, um modelo hegemônico que tende
a se universalizar (SAM) e, de outro, processos de profissionalização e de formação de
campos periféricos. Esse relacionamento é marcado pela sua dinamicidade, pois envolve
distintos agentes e interesses, não recaindo, em suas palavras, numa “auto percepção
alienante” das próprias tradições intelectuais locais.

Limites das abordagens

Após a breve descrição das perspectivas aludidas anteriormente seria frutífero pontuar o
que considero problemático em suas formulações. Procedendo dessa forma, tenciono
elaborar uma chave de análise para compreender o relacionamento desigual entre
comunidades científicas internacionalmente, incorporando alguns de seus pressupostos e
agregando outros aspectos ainda não explorados até aqui.

19
A autora (BEIGEL, 2013, p 171 -172) destaca como, na América Latina, a politização do campo
acadêmico não significou heteronomia. Entre as décadas de 1960 e 1970 vimos crescer uma miríade de
estudos empíricos e conceitos inovadores, como aqueles provenientes das teorias da dependência, o
estruturalismo cepalino, o colonialismo interno e a marginalidade.
61

Primeiramente, a perspectiva oferecida por Farid Alatas é demasiadamente


estrutural e mecânica, na medida em que não há muito espaço para a agência dos
pesquisadores. Evidência disso é a importância atribuída à “mente cativa” na perpetuação
de ideias e teorias do centro, problemática não apenas pela passividade concedida aos
agentes sociais, mas também por creditar a um passado colonial a criação de estruturas
que operariam no plano cognitivo – como isso ocorre, de fato, não está claro. Aliás, ainda
que lance mão de uma corrente teórica latino-americana para dar sustentação ao seu
argumento, o autor tende a pensar majoritariamente no contexto de colonização tal como
ocorreu no sudeste asiático, sendo, assim, desatento ao fato de que na América Latina (e
talvez em outras regiões) o processo foi distinto em vários aspectos, a começar pelos
colonizadores. O autor também dá ênfase para regiões geográficas em sua
operacionalização conceitual, homogeneizando a “comunidade científica” tanto de países
centrais quanto de periféricos, deixando de lado as relações internas a essas comunidades,
diferencialmente distribuídas globalmente. Com isso, o autor não leva em conta a
existência de grupos distintos, convivendo num mesmo país, região ou mesmo numa
comunidade científica, que possam vir a ter interesses específicos e, muitas vezes,
conflitivos – uma das contribuições mais sofisticadas da teoria da dependência latino-
americana, negligenciada pelo autor (cf. CARDOSO & FALETTO, 2004).
Já em Keim, há uma particularidade na forma como conceitua analiticamente
“centro” e “periferia” que considero pouco dinâmica, constituindo um instrumento
heurístico enrijecido para apreender a relação entre pesquisadores no âmbito
internacional. Mantida mesmo em seus trabalhos mais recentes, a sua classificação das
diferentes ciências sociais produzidas internacionalmente tende a restringir alguns
fenômenos e conceitos, sobretudo o de autonomia, segundo uma única chave de leitura
possível. A autonomia de um campo científico não é uma qualificação absoluta, mas
sempre relativa, e isso se aplica também aos campos melhor situados no sistema
acadêmico mundial. Epítome disso é o próprio campo sociológico americano que, a
despeito de exercer influência mundial, pode não ser tão autônomo se levarmos em
consideração as disputas de poder do campo cultural americano mais amplamente, as
imposições de critérios avaliativos de agências de fomento, e os ditames da administração
universitária, que tendem a priorizar pesquisas empíricas e com utilidade de maximização
econômica (KRAUSE, 2016; STEINMETZ, 2018). Centralidade não é sinônimo de
autonomia.
62

Essa problemática está na raiz de seu próprio gesto classificatório, já que nele está
embutido uma comparação e, como tal, sempre envolve a definição e parâmetros prévios
de contraste ou afinidade. A observação de Bourdieu é oportuna para o argumento que
proponho. Para ele, “as classificações práticas estão sempre subordinadas a funções
práticas e orientadas para a produção de efeitos sociais” (BOURDIEU, 2008, p. 107).
Quando o discurso científico utiliza termos como “desenvolvido” e “subdesenvolvido”,
“autônomo” e “dependente” e até mesmo “central” e “periférico” para classificar
diferentes “sociologias”, ou seja, quando erige categorias com funções práticas à
qualidade científica, contribui para a perpetuação de uma determinada visão de mundo.
Não à toa, o que fica implícito em seu modelo é que o princípio classificatório entre as
distintas “sociologias” internacionalmente posicionadas tem como inspiração o “modelo”
hegemônico das ciências sociais, que seriam, em seus termos, necessariamente
desenvolvidas, autônomas e centrais, pois só a partir do estabelecimento desse critério
seria possível nomear as outras como subdesenvolvidas, dependentes e marginais20. A
título de ilustração, é como se os termos “Primeiro Mundo” e “Terceiro Mundo”,
classificações práticas que desempenhavam função ideológica no período da Guerra Fria,
fossem alçadas à dignidade científica para explicar a produção e circulação do
conhecimento. Por isso, esta pesquisa, seguindo os passos de Bourdieu, dará ênfase às
relações, e não à substância do mundo social (BOURDIEU, 1989) enfatizando a forma
como agentes (individuais e institucionais), diferencialmente posicionados, relacionam-
se tendo em vista as desigualdades materiais e simbólicas presentes no plano
internacional.
Por fim, um elemento problemático na abordagem de Beigel é a sua tendência a
homogeneizar um espaço social que tem se caracterizado nos últimos anos pelo conflito
e pela disputa em torno de seu significado. Refiro-me à noção de “internacional”. Sua
ênfase nos distintos circuitos de consagração e nas hierarquias que eles estabelecem,
tendo em vista o SAM, associa necessariamente as publicações em inglês e em periódicos
ditos da corrente principal à dominação da produção periférica. De fato, a submissão de
artigos a esses periódicos envolve muitas vezes a subordinação a critérios nacionais (por
exemplo, um periódico da Associação Americana de Sociologia) que não levam em conta,

20
Em seu artigo de 2003, Farid Alatas incorre na mesma estratégia, ao classificar as ciências sociais como
centrais, periféricas e semi-periféricas. Ao fazê-lo, julga a produção das ciências sociais periféricas tendo
em vista o modelo daquelas centrais.
63

ou não se interessam, pelo diálogo mais global, ainda que sejam considerados por
agências de fomento de campos periféricos como “internacional” (MARTÍN, 2015;
MEDINA, 2014). A dominação simbólica também se expressa, evidentemente, no
aprendizado e proficiência do inglês, dominante no cenário internacional.
A despeito desses aspectos, cabe questionar em que medida as publicações nos
circuitos da corrente principal necessariamente implicam a alienação e o arrefecimento
de temas locais, tendo em vista o reconhecimento crescente de instituições, editores e
autores em relação às desigualdades presentes na circulação internacional do
conhecimento e nas especificidades de sua produção em contextos distintos (MARTÍN,
2018), sinalizando a reflexividade do mundo social nos termos de Guiddens (1996). Vale
lembrar que, para este, o conhecimento sociológico estaria submetido a uma
“hermenêutica dupla”, através da qual os atores sociais interpretam tal conhecimento,
tendo o potencial de reorientar suas condutas e ações, modificando, pois, o próprio mundo
social. Isso exigiria do sociólogo uma reinterpretação desse mundo, sempre em mutação.
O mundo social em questão seria o próprio mundo acadêmico. O crescente
questionamento do significado de “internacional”, as críticas em relação ao
eurocentrismo, ao “colonialismo acadêmico” e à própria dependência acadêmica, têm
implicações para o mundo editorial, institucional, para as instâncias de reprodução social
(ensino) e para as instâncias de produção (pesquisa). Dessa forma, trata-se de um
problema empírico saber em que condições se dá a circulação do conhecimento nessa
modalidade, como também nos planos regional e nacional.

Campos nacionais, espaços internacionais

Dos autores mencionados, Keim e Beigel utilizam o conceito de campo para compreender
a relação entre as práticas científicas nacionais e dinâmicas internacionais. Argumentei
que a primeira oferece ferramentas úteis para pensar a interlocução entre nacional e
internacional, ao reconhecer que a circulação do conhecimento é atravessada por
desigualdades materiais e simbólicas, afetando por isso a estrutura de determinados
campos. Contudo, sua preocupação classificatória deve ser vista com cautela, pelos
critérios que a embasam e por obscurecer a noção de autonomia científica. Já a segunda
autora evidencia a complexidade da autonomia dos campos periféricos, ao mesmo tempo
em que reconhece a existência de distintos circuitos de publicação e consagração para
além da corrente principal. Apesar disso, é problemático homogeneizar o espaço
64

internacional, considerando a reflexividade do conhecimento sociológico e as disputas


em torno de seu sentido.
Considero a noção de campo frutífera pois ela procura romper tanto com a
determinação total da atividade científica segundo outros fatores da vida social mais
ampla, como também recusa uma visão “purista” daquela, como se não houvesse
nenhuma interferência externa. Constitui, assim, um espaço intermediário de um mundo
social relativamente autônomo e dinâmico, que cria e obedece às suas próprias leis de
funcionamento (BOURDIEU, 1983; 2003). O seu uso confere uma densidade para a
análise do fenômeno da dependência acadêmica, aprofundando análises que creditam a
posição dominada de determinados saberes e comunidades científicas a fatores
preponderantemente externos, como aqueles relacionados a processos históricos mais
amplos de subjugação política e econômica. Vale a pena, portanto, fazer uma breve
digressão sobre o conceito.
A ideia de campo tenciona, de forma geral, apreender dinâmicas da vida social
moderna tendo em vista a diferenciação progressiva das relações sociais, numa clara
inspiração de cunho weberiana a respeito da emergência das esferas sociais. Esse
processo de diferenciação é concomitante à emergência de um quadro de representações
e de significados, ou seja, um conjunto simbólico da vida social, que atua segundo uma
lógica própria, irredutível às classes que operam no plano da reprodução social. No caso
em questão, o campo científico opera de forma relativamente autônoma, tendo em vista
pressões dos campos cultural e de poder. Essa autonomia relativa faz referência a sua
capacidade de definir as normas de produção dos bens simbólicos (uma obra de arte, uma
proposição científica ou uma crença religiosa, por exemplo), bem como das regras de
apreciação e avaliação desses bens. Essa autonomia relativa também diz respeito à
capacidade de um campo de traduzir as determinações externas a ele conforme os
princípios de seu próprio funcionamento (BOURDIEU, 2003; 2013) – quanto mais
autônomo um campo, maior a sua capacidade de “refração”. Nesse sentido, o campo
científico é capaz de apreender, de forma relacional, dinâmicas “internas” ao seu
funcionamento e determinações externas a ele. Através de uma representação (deveras)
esquemática, podemos inserir a posição do campo sociológico nacional em relação aos
outros campos:
65

Figura IV – Hierarquia entre os campos sociais

Espaço social
(Nacional)

Campo do
poder

Campo cultural

Campo
científico

Campo
sociológico

(Elaboração própria)

Em termos de sua estruturação, o campo científico é um espaço social cujas


relações sociais são definidas em torno da disputa de capitais específicos, no caso o
capital científico “puro”, fundado sobre o reconhecimento dos pares, e o capital
institucional, ou “temporal”, com referência a cargos ocupados em instâncias
institucionais e burocráticas essenciais à produção do conhecimento21 (BOURDIEU,
2003). Já a estrutura do campo diz respeito à distribuição desigual desses capitais
específicos, assinalando a segmentação hierárquica entre aqueles agentes “dominantes” e
os “dominados”. A posição de um agente nessa estrutura determina tendencialmente as
suas tomadas de posição, sejam elas estratégias de subversão ou de conservação dos
modelos, teorias, métodos e práticas científicas (BOURDIEU, 1983). Além disso,
também as suas representações acerca do campo e, de forma mais ampla, da vida social,
variam conforme a relação estabelecida entre as estruturas do campo e o seu habitus22.

21
No caso da América Latina, algumas pesquisas têm questionado essa diferenciação feita por Bourdieu
entre, de um lado, o capital científico e, de outro, capital temporal, alegando que o prestígio científico e o
reconhecimento de pares estão diretamente relacionados à ocupação de cargos de poder político e temporal
no campo (cf. BEIGEL, 2014; CORADINI, 2013; HEY, 2008)
22
Conceito crucial em sua teorização, o habitus é um esquema de percepção e apreciação, funcionando
como estruturas cognitivas duráveis que os agentes adquirem através da experiência social ao longo da
66

Depreende-se, assim, que a estrutura de um campo tem um caráter de interdependência,


na medida em que a posição de um agente depende da de outros agentes, e é revelador de
como o conceito é capaz de apreender também relacionalmente as suas dinâmicas
internas.
Tanto os campos quanto os capitais não podem, em sua teorização, ser reduzidos
a suas dimensões “objetivas” e “subjetivas”, isto é, Bourdieu recusa a concepção de
mundo social como objeto cuja inteligibilidade independe das representações que dele
fazem os agentes sociais. Ao mesmo tempo, distancia-se de correntes que postulam a sua
compreensão vinculando-o à dimensão imediata empiricamente observável em uma
interação social, sem fazer menção a qualquer estrutura social que orientaria a conduta
dos agentes (BOURDIEU, 1989). Os agentes sociais produzem o campo, disputando
representações e as regras de seu funcionamento – mas o fazem conforme uma posição
estrutural que, tendencialmente, condiciona suas estratégias, em constante interação com
o seu habitus.
Recentemente, algumas pesquisas têm estendido a noção de campo científico para
além das fronteiras nacionais, argumentando que o que vemos hoje é a emergência de um
campo global das ciências sociais, caracterizado por uma estrutura desigual, com um polo
dominante e uma gama de periferias e semi-periferias no polo dominado (HEILBRON,
2014), conservando semelhanças, em certa medida, ao que Fernanda Beigel denomina
“sistema acadêmico mundial”. Esse campo global seria constituído por formas pretéritas
de organizações internacionais, que presenciaram uma inclusão global maior de
participantes, como é o caso da ISA (DUBROW et al, 2015; OOMMEN, 2016), mas
também o surgimento de outras organizações, como periódicos internacionais, congressos
e redes que aspiram a um diálogo global mais equânime (VANDERSTRAETEN &
EYKENS, 2018). Ao artigo inaugural de Heilbron, somaram-se outros que postulam a
necessidade de se pensar em campos transnacionais e globais, dado que a noção de campo
parte das relações entre agentes, e não de escalas pré-definidas (GO & KRAUSE, 2016).
No caso específico das ciências sociais, Krause (2016) afirma que a sociologia
opera conforme a existência de “sistemas modelo”, que atuariam funcionalmente de
forma a garantir a padronização da comunicação científica. No caso, os sistemas modelo

vida. Ele é ao mesmo tempo um “sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas
de percepção e apreciação das práticas” (BOURDIEU, 1989, p. 158).
67

que operam na disciplina no âmbito internacional seriam os cânones clássicos e


contemporâneos, os lugares legítimos e os temas de pesquisa que têm o “Ocidente” como
horizonte. Por isso, convertem-se em capital específico no campo global, dado o acesso
direto que pesquisadores de alguns campos nacionais teriam a esses sistemas modelos. A
autora quer enfatizar com isso que a disputa também se daria, internacionalmente, em
torno da definição desses sistemas, com a entrada crescente de agentes posicionados em
outras regiões do mundo.
Sobre a formação e autonomização dos campos globais, o esforço teórico levado
a cabo por Buchholz (2016) merece destaque. A fim de não reificar processos sociais,
como é comum nas teorizações tradicionais sobre globalização23, a socióloga lança mão
do procedimento conhecido como teorização analítica, operando uma redução aos
aspectos elementares que conformam um campo para em seguida pensá-lo globalmente.
Ao fazê-lo, diferencia entre a autonomia funcional – teorizada por Bourdieu como
diferenciação entre espaços sociais com distintas lógicas e práticas; e autonomia vertical
– que mantém as mesmas práticas e interesses, mas altera sua escala. Assim, um campo
global pode emergir através da autonomização vertical de diferentes campos nacionais
que cada vez mais interagem entre si. O contrário também pode ocorrer, a partir de um
campo global podem surgir campos nacionais. Uma definição de campo global envolve,
dessa forma, ao menos quatro aspectos: 1) esfera de práticas especializadas; 2) escala
transcontinental; 3) autonomia funcional em relação a outros campos e 4) autonomia
vertical em relação a outros campos “mais baixos” em nível de organização social dentro
da mesma esfera de práticas.
Os recentes esforços de teorização acerca da existência de campos globais são
representativos de um movimento de interesse pela inovação da teoria dos campos na
compreensão de fenômenos que escapam a escala nacional, apontando para a sua
atualidade e a relevância no âmbito mais geral da teoria sociológica. Apesar disso, no
que tange à consolidação de um campo global da sociologia, compartilho o ceticismo de
Ortiz (2016). Para ele, não há autonomia suficiente para a delimitação de uma lógica de
campo, como também não se verifica uma interação orgânica entre agentes do mundo

23
Esse problema foi primeiramente abordado por Connell (2007), a partir da constatação de que muitos dos
teóricos da globalização reificam a noção de uma “sociedade global”, imputando características das
sociedades nacionais (do Norte) para uma dimensão global sem levar em conta de fato as experiências e os
contextos globais.
68

todo – o que qualificaria o adjetivo “global” do campo. De forma mais geral, Dezaley &
Madsen (2013, p. 47) argumentam que a relação entre campos nacionais e espaços
internacionais não implica de forma alguma postular a existência ou a gênese de um
espaço das relações internacionais estruturado segundo uma lógica específica de campo.
Dessa forma, o âmbito “internacional” da sociologia pode ser melhor visto como
um espaço social internacional. A noção de espaço social conserva as propriedades
agonísticas presentes no conceito de campo sem, contudo, preocupar-se com sua
autonomização, ou com o princípio segundo o qual possuiria uma lógica interna de
funcionamento e uma comunicação orgânica entre os agentes que o compõem. Com
efeito, essa diferenciação entre campos e espaços é mais analítica, uma vez que o próprio
Bourdieu não pressupõe que essas noções sejam facilmente aplicáveis ou delimitáveis
(HEY, 2008). Ele é composto não só por organizações que tencionam um diálogo global,
mas também por agentes primariamente posicionados em campos nacionais. É um espaço
hierarquizado conforme a conceituação do SAM de Beigel, em que pese o idioma
hegemônico (inglês), a universalização da bibliometria e do artigo como critérios
avaliativos e de produção científica, e a distribuição desigual de recursos materiais e
simbólicos em determinados polos. Essa hierarquização reforça a marginalização de
determinadas produções científicas (KEIM, 2008), dificultando o acesso e a análise de
experiências sociais no plano global.
Cabe, aqui, pensar nos mecanismos que atuam na consolidação desse espaço. Para
isso, recorro ao modelo elaborado por Bulchholz (2016) para descrever o processo de
formação de campos globais, pensando, todavia, a formação do espaço internacional da
sociologia. O primeiro aspecto envolve a criação de instituições voltadas para trocas e
intercâmbios internacionais. Aqui, podemos pensar as associações regionais e
internacionais de sociologia e os congressos e fóruns que elas realizam; os periódicos
voltados para discussões internacionais; instituições de pesquisa e fomento que atuam
globalmente – em suma, todas as instituições que podem ser o loci de disputas entre
agentes vinculados a campos nacionais. Eles criam uma infraestrutura institucional que
torna regular o intercâmbio e a competição numa escala global.
O segundo mecanismo apontado pela autora diz respeito à formação de um
discurso específico ao campo global, de um “olhar global” particular. Em nosso caso, isso
pode ser visto nos recentes debates em torno da “sociologia global” (BURAWOY, 2009;
BHAMBRA, 2014), que procuram não apenas estabelecer um diálogo mais equânime
entre as diferentes sociologias realizadas no mundo, como também repensar os cânones
69

disciplinares por essa perspectiva. É no bojo desse regime discursivo que situamos as
críticas pós e decoloniais, mas também da necessidade de se pensar em “antropologias
mundiais” (RIBEIRO, 2014). Criam-se, dessa forma, práticas acadêmicas que visam
instaurar critérios de apreciação que levem em conta a relevância internacional de uma
pesquisa, o escopo global de um determinado tema etc.
Por fim, o terceiro mecanismo trata da formação institucional de avaliação,
apreciação e de capitais propriamente globais. Num espaço como o espaço internacional
da sociologia, essas instituições podem ser aquelas que procuram ranquear as
universidades segundo critérios (arbitrários) que levem em conta a dimensão
internacional (também arbitrária) de produção e práticas científicas. Esses critérios, que
tendem a favorecer o modelo americano de se fazer ciência (MARGINSON, 2008) não
apenas hierarquizam instituições e produções internacionalmente, como também
estratificam campos nacionais através das políticas de financiamento. Se aplicarmos o
modelo de autonomização vertical proposto por Bulchhoz (2016) à noção de espaço,
teríamos a emergência de um espaço global da sociologia esquematicamente representado
conforme a figura abaixo:

Figura V – Formação do espaço sociológico global

Campo
sociológico
EUA

Campos Campo
sociológico sociológico
Alemanha
Espaço BR

social
global

Campo Campo
sociológico sociológico
França UK

(Elaboração própria)

Ainda que fortemente desigual, a incorporação crescente de agentes de campos


periféricos no espaço internacional tem implicado cada vez mais a contestação dos
70

parâmetros hegemônicos de produção do conhecimento, e o próprio sentido de


“internacional” está em disputa. Se, por um lado, os campos nacionais podem ser
segmentados entre agentes com grande inserção internacional e aqueles com maior
engajamento local, por outro, no espaço internacional, podemos presenciar a oposição
entre os proponentes de uma internacionalização “ortodoxa” e aqueles “heterodoxos”
(KRAUSE, 2016, p. 197). A internacionalização ortodoxa envolveria modelos
pretensamente universais de teoria social, de práticas e rotinas acadêmicas, avaliação,
critérios de relevância, metodologias e temas de pesquisa legítimos. De outro lado, no
polo heterodoxo, há as críticas ao eurocentrismo das teorias sociais, as vertentes críticas
mencionadas anteriormente, e as chamadas “teorias do Sul Global”, por exemplo. Assim,
aquilo que constituiria a forma legítima de internacionalização é em si um objeto de
disputa entre cientistas, organizações, mas também por agentes externos ao campo, como
a Unesco, fundações filantrópicas e, mais genericamente, agências de financiamento
(BONCOURT, 2018). Dessa forma, rompendo tanto com o objetivismo e o subjetivismo
na compreensão do mundo social, o que se denomina “internacionalização” não deve ser
pensado como um contexto externo que estrutura as ciências sociais, mas, pelo contrário,
como um processo estruturante e estruturado por disputas envolvendo pesquisadores e
organizações as mais diversas.
A existência e a pertinência desse polo crítico pressupõem as condições objetivas
necessárias para a generalização de seus postulados, através da criação de ambientes
propícios para a produção do conhecimento. Esse processo envolve, no âmbito
propriamente nacional, a institucionalização das ciências sociais periféricas, além de
políticas de Estado de fomento à ciência e ao ensino superior e a criação de programas de
pós-graduação. Nessas condições, a ocorrência de uma “desobediência epistemológica”
não é apenas possível, como plausível (ORTIZ, 2016). É importante ressaltar que a
inserção internacional do conhecimento sociológico também opera em outros dois planos
de dominação simbólica.
Primeiramente, o espaço internacional é ocupado por agentes capazes de
homologar recursos provenientes de campos nacionais, como capital econômico, escolar,
científico ou político (DEZALAY & MADSEN, 2013) – enfim, é um espaço disputado
por elites, inclusive elites de campos científicos periféricos. São eles quem competem por
espaços e tomam posições no cenário internacional. Em segundo lugar, o horizonte
possível das representações através das quais se dão as oposições entre os agentes em luta
já fora estabelecido pelo polo dominante (“ortodoxo”), de forma que o polo dominado
71

(“heterodoxo”) encontra uma configuração discursiva limitada – mas “possibilitadora” –


pela qual deve disputar o significado: a “verdadeira globalização”, uma “efetiva
internacionalização”, “epistemologias do Sul”, “Teorias do Sul”. É por isso que, do
ponto de vista de Costa (2018), a estratégia nomeada de “interferência” me parece ser
mais a produtiva. Afinal, as vertentes críticas encontram interlocutores previamente
estabelecidos que já estruturaram “as regras do jogo”: ou se deve aceitá-las, ou o jogo
deve ser abandonado.

Epílogo

Uma análise sociológica que enfatiza a relação entre o campo sociológico nacional e as
dinâmicas internacionais deve considerar, portanto, as dimensões em que se dão a
inserção das práticas e das tomadas de posição dos agentes nacionais em distintos
circuitos de circulação do conhecimento, sejam eles regionais ou internacionais.
Consideremos, para isso, as diferentes publicações (em periódicos especializados, livros
e capítulos de livros) e as distintas mobilidades (formação doutoral, pós-doutoramento,
como professores e pesquisadores visitantes) como práticas do cotidiano acadêmico, que
expressam, além do mais, distintas tomadas de posições, ou estratégias, a depender das
escolhas possíveis dos agentes. Além de reconhecer a hierarquização entre os distintos
circuitos, tendo em vista a distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos, é
importante ter em mente que eles não são homogêneos. O circuito internacional, que
denominei espaço internacional, é ele também o lócus de disputas em torno do seu
sentido, resultado da entrada de novos agentes provenientes de regiões outras que o
“Ocidente”.
Nesse processo, as próprias organizações internacionais operam um movimento
reflexivo, de forma a repensar o status global da disciplina, propondo posicionamentos
mais dialógicos. Por outro lado, essa análise deve estar atenta às dinâmicas internas ao
campo nacional, considerando que as disputas em torno da hegemonia no plano
internacional também ressoam em práticas e posicionamentos de agentes nesse plano,
conforme verificadas em ações de órgãos de financiamento de pesquisa, sistemas de
avaliação da produção científica, políticas de internacionalização e consagração de
pesquisadores por parte de instituições competentes.
72

CAPÍTULO II

DIMENSÕES INTERNACIONAIS NA FORMAÇÃO DE UM CAMPO


SOCIOLÓGICO NACIONAL (1934 – 2000)

“Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e
espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias
sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se
encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo
que comprime o cérebro dos vivos”.

Karl Marx, O 18 de Brumário de Luís


Bonaparte (2011 [1852], p. 25)

“De fato, quando se quer conhecer a forma como uma sociedade se divide
politicamente, de como essas divisões são compostas, e de como a fusão
mais ou menos completa se dá entre elas, não é com o auxílio de uma
inspeção material e observações geográficas que se pode alcançar; pois
essas divisões são morais, ainda que tenham alguma base na natureza
física”.

Émile Durkheim, As Regras do Método


Sociológico (2012 [1895] p.39) Grifo meu.
73

Prelúdio

Não são novos os deslocamentos de intelectuais e eruditos que cruzam fronteiras políticas
visando à formação e ao diálogo entre pares. Se nos limitarmos ao período compreendido
na Europa Moderno, entre os séculos XVI e XVIII, eruditos e filósofos naturais já
cruzavam fronteiras, trocavam informações e formavam uma comunidade transnacional
denominada República das Letras. Cidades como Londres, Paris e Veneza constituíam
centros de atração, e o intercâmbio intelectual ocorria intensamente nas emergentes
bibliotecas públicas e nos cafés (BURKE, 2003). Isso para não mencionar as expedições
que perscrutaram oceanos para a saciar a curiosidade e a sede de domínio de aventureiros,
reis e autoridades. Mobilidade e espaço podem ser considerados, portanto, elementos
importantes para a compreensão sociológica e histórica da produção do conhecimento.
Talvez um bom exemplo dessa proposição seja a história dos próprios clássicos
da teoria social. É difícil imaginar a concepção de uma obra faraônica como O Capital se
Marx não tivesse escolhido a Inglaterra como lugar privilegiado de estudo. Ou o impacto
de uma viagem à Alemanha sobre Durkheim e sua concepção de sociologia. Contudo, é
Tocqueville, Martineau e Weber que fornecem a maior ilustração da importância da
mobilidade, pela influência que a suas jornadas aos EUA significaram para a suas obras
posteriores. Para não mencionar, claro, a importância do contato com as tradições
europeias para a teorização de Parsons, ou o refúgio de centenas de intelectuais europeus
no período da II Guerra para os EUA, contribuindo para o desenvolvimento desta que
viria a ser a maior potência científica do mundo. Mobilidade, fluxos internacionais,
espaços e conhecimento, eis os temas abordados neste capítulo.
Após o estabelecimento dos parâmetros que nortearão a análise, lanço mão de
bibliografia pertinente para averiguar de que forma a mobilidade atuou como uma
dimensão internacional prática na conformação do campo sociológico. Para isso, procuro
pelo significado que ela adquiriu em cada período histórico, em consonância com as
particularidades políticas e institucionais do campo e do espaço social mais amplo.

Parâmetros de análise

Este capítulo se compromete com a ideia de circulação do conhecimento nas ciências


sociais, e requere a exposição de três pressupostos: 1) a validade das críticas ao modelo
difusionista, o qual postula a existência de um centro a partir do qual o conhecimento é
74

produzido e incorporado passivamente pelas periferias; 2) a produção do conhecimento


não ocorre em contextos fechados, sem comunicação com outras sociedades e agentes
geopoliticamente determinados; 3) a ideia de circulação pressupõe a dificuldade de se
determinar com precisão a origem histórica, cultural ou institucional de uma ideia –
sempre há relações, disputas e negociações (KEIM, 2014). Dito isso, alguns critérios
devem ser estabelecidos de forma a guiar a argumentação.
Quanto ao marco temporal, Liedke Filho (2003; 2005) ao se referir ao
desenvolvimento da sociologia no Brasil (e da América Latina em geral), elabora um
modelo de periodização que considera tanto o cenário político mais amplo do país quanto
suas reverberações para a institucionalização da disciplina. O autor divide a evolução da
sociologia em dois períodos elementares: herança histórico-cultural da sociologia e etapa
contemporânea. Cada uma contendo subdivisões. Esquematicamente:

Herança histórico-cultural da sociologia:


• Período dos pensadores sociais;
• Período da sociologia de cátedra;

Etapa contemporânea da sociologia:


• Período da sociologia científica;
• Período de crise e diversificação;
• Busca de uma nova identidade.

O chamado “período dos pensadores sociais” refere-se às reflexões elaboradas por


eruditos entre os movimentos pela independência até o começo do século XX,
influenciados por autores europeus como Comte e Spencer. Já a “sociologia de cátedra”
floresceu no Brasil em meados da década de 1920 até meados de 1930, quando a
sociologia se tornou uma disciplina auxiliar da pedagogia nas Escolas Normais, e autores
como Durkheim e Dewey eram lidos. Foi nesse período, também, que grandes ensaios de
interpretação do Brasil foram escritos, como Populações Meridionais do Brasil, de
Oliveira Vianna (1920) Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre (1933), Evolução
Política do Brasil, de Caio Prado Jr. (1933) e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de
Hollanda (1936). Apesar de sua convergência sincrônica, no entanto, é importante
destacar que tais ensaios não compartilham uma unidade estruturadora que os englobem
num todo coerente e estável (BOTELHO, 2010).
75

A despeito da riqueza e da importância dos pensadores mencionados, e das


dimensões internacionais que permeiam seu pensamento24, interesso-me particularmente
pelo período caracterizado pela “etapa contemporânea da sociologia”, de meados da
década de 1930 até a contemporaneidade. Esta compreende o período de
institucionalização das ciências sociais como disciplina acadêmica (o que pressupõe o seu
ensino, pesquisa e a demanda no mercado por profissionais qualificados); o momento de
ampliação dos cursos e do fortalecimento das pós-graduações; os constrangimentos
enfrentados pela ditadura civil-militar; sua diversificação após a redemocratização; e a
crise imposta pelas políticas neoliberais dos anos 1990. O presente capítulo abordará a
formação e o desenvolvimento sociológico até fins da década de 1990, uma vez que o
período posterior será tema do terceiro capítulo.
O recorte feito a partir de 1934 não se deve a uma suposta ruptura no âmbito
cognitivo entre pensamento “pré-científico” e “científico”, insustentável considerando a
visão pós-positivista do conhecimento científico (BOTELHO, 2010), mas porque
expressa uma institucionalização acadêmica da disciplina. Com efeito, como aponta
Liedke Filho (2005, p. 382), a sociologia como disciplina acadêmica institucionalizada
ocorre no início da década de 1930, com a criação da Escola Livre de Sociologia e Política
de São Paulo (ELSP), em 1933, e com a constituição das seções de ciências sociais na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Usp, em 1934. Conforme argumentarei, a
institucionalização acadêmica da sociologia, tal como desenvolvida em ambas as
instituições, é em grande parte fruto de interações envolvendo pesquisadores e
professores brasileiros e estrangeiros.
O outro critério de análise que gostaria de demarcar de antemão é a ênfase na
cooperação científica, com destaque para a mobilidade internacional de pesquisadores e
professores ao longo do desenvolvimento da disciplina, em detrimento, por exemplo, da
influência intelectual via circulação de livros, publicações no exterior, participação em
congressos etc. Interesso-me, em particular, pela forma como a mobilidade internacional
tanto de brasileiros quanto de estrangeiros em direção ao Brasil relaciona-se com
diferentes contextos institucionais e políticos nacionais. Parte desse interesse também
leva em conta os diferentes agentes envolvidos nas ações e trocas internacionais.

24
Gilberto Freyre, vale lembrar, foi aluno de Franz Boas, e aquele imprimiu os postulados aprendidos com
este em suas reflexões sobre o papel da cultura na conformação da sociabilidade brasileira.
76

No que tange à autonomia do campo, importa a categoria de autonomia


universitária, nos termos de Beigel (2010), ou seja, as condições institucionais de
possibilidade do ensino e pesquisa da sociologia, sua profissionalização, especialização e
financiamento. Segundo Miceli (1987), o desenvolvimento das ciências sociais no Brasil
está relacionado com o modo que diversos grupos sociais se relacionaram com o ambiente
de produção do conhecimento, como grupos políticos, burguesia industrial e instituições
confessionais. Diferenças nas relações estabelecidas entre esses grupos expressaram
distintas condições de institucionalização e no padrão cognitivo do conhecimento nas
ciências sociais – exemplo maior constituindo a diferenciação entre a sociologia feita em
São Paulo daquela operada no Rio de Janeiro. Espero, neste capítulo, refletir sobre como
dinâmicas internacionais, e não apenas internas (regionais e nacionais) também
participam do processo de instituição dessas disciplinas.
É importante frisar também que embora concentre minha atenção na sociologia,
as ciências sociais não estavam plenamente diferenciadas pelo menos até meados da
década de 1960 (MICELI, 1989), caracterizando, portanto, anacronismo impor a noção
contemporânea de sociologia àquele tempo. Por essa razão, quando não for evidente a
filiação disciplinar dos pesquisadores conforme a literatura, referência será dada às
ciências sociais como um todo, indistintamente.
Por fim, vale ressaltar que aqui não se propõe uma narrativa teleológica do
desenvolvimento das ciências sociais, e da sociologia em particular, no Brasil. O olhar
retrospectivo, muitas vezes, pode sugerir que houve um encadeamento lógico e necessário
de uma série de eventos passados. Nada mais ilusório, como o é também a ideia de uma
história biográfica coesa, cujos acontecimentos podem parecer ao indivíduo como um
desenrolar inexorável – aquilo que Bourdieu chamou de “ilusão biográfica”. O sentido
dos acontecimentos da vida, seja ela individual ou coletiva, são a todo momento
disputados, ressignificados, reinterpretados. Se o enfoque aqui se dá na atuação dos
franceses e americanos, é porque assim tratou a literatura pertinente até então. Novas
narrativas, porém, estão para ser escritas25.

25
Aludo o leitor aqui para duas referências recentes importantes no que tange à reinterpretação da história
das ciências sociais no Brasil para além da atuação dos franceses e americanos. O primeiro é o volume 62,
n. 1 da Revista de Antropologia, da Usp, que traz uma série de artigos sobre o intercâmbio entre brasileiros
e alemães no desenvolvimento da antropologia no país. Também aludo ao artigo de Maia (2017) sobre a
contribuição do pensamento social para uma compreensão da sociologia global.
77

Franceses e americanos: dois projetos distintos

O surgimento e o desenvolvimento da chamada sociologia científica no Brasil, nos termos


de Liedke Filho, estão diretamente associado ao intercâmbio estabelecido com
professores franceses e americanos. Por um lado, a criação do curso de ciências sociais
na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Usp (1934) foi resultado da mobilização
de setores da elite de São Paulo, que visaram à criação de um núcleo intelectual e
universitário na cidade, como parte de um anseio de modernização. Por outro, a sociologia
ganhou ares profissionais com o curso na Escola Livre de Sociologia e Política (1933),
também em São Paulo. Além disso, o Brasil também foi palco de estudos empreendidos
por pesquisadores americanos a partir da década de 1940, constituindo um dos primeiros
marcos da divisão internacional do trabalho acadêmico significativos da história das
ciências socais no Brasil. No que segue, exponho os dois empreendimentos, francês e
americano, compreendidos sobretudo no período entre 1934 e 1950, e sublinho suas
diferenças no que tange à natureza dos empreendimentos, às representações dos agentes
envolvidos, e aos contextos nacionais nos quais eles se inserem.

Franceses e o cultivo intelectual nos trópicos

A presença francesa em terras brasileiras não é fenômeno restrito ao século XX. Sabemos
pela história que o país europeu tentou inúmeras vezes colonizar o Novo Mundo, a
despeito do domínio português. Todas as tentativas não foram satisfatórias. No que diz
respeito ao domínio propriamente intelectual e científico, Petitjean (1996a) periodiza em
pelo menos cinco os momentos em que se deram as trocas entre os dois países, e vale a
pena apenas mencioná-los a título de contextualização histórica.
O primeiro momento data do fim do século XVII e metade do XIX, com o
intercâmbio entre naturalistas dos dois lados do Atlântico. É dessa época, ademais, que
figuras conhecidas ganham renome, como o pintor Jean-Baptiste Debret e o naturalista
Auguste de Saint-Hilaire. O segundo período corresponde à construção do Estado
brasileiro, através da adoção de uma política consciente de desenvolvimento científico no
último terço do século XIX. Essa modernização foi inspirada em grande medida pelo
modelo napoleônico de organização da indústria e da ciência. Em seguida, o terceiro
momento é marcado pela emergência de uma política francesa mais sistemática de trocas
científicas com a América latina, com a criação do Groupement des Universités et
78

Grandes Écoles de France pour les Relations avec l’Amérique Latine26., em 1907. Seu
apogeu ocorre nos anos de 1920, dissolvendo-se em 1940, e expressou mais um interesse
diplomático do que propriamente científico.
O quarto período é o que nos interessa, pois tem seu início na simbólica data de
1934, com a criação da Usp. O lugar da França, contudo, é mais restrito às ciências
humanas e sociais, diferentemente dos outros períodos nos quais as ciências naturais eram
mais relevantes para as trocas e intercâmbios. O quinto e último período, na verdade, diz
respeito ao enfraquecimento de um modelo francês a ser seguido, com a hegemonia
mundial do Big Science americano. Contudo, conforme veremos mais adiante, no âmbito
das ciências sociais, e da sociologia em particular, o intercâmbio com o país de Napoleão
ganha novos significados em fins do século XX e início do XXI.
Assim, o que veio a se denominar “Missões Francesas” é mais um capítulo das
trocas entre os dois países, de certa forma uma continuidade cultural de relações mais
antigas. Para Petitjean (1996c), a fundação da Usp expressava um projeto triplo: político
liberal (formar elites paulistas para modernizar a nação brasileira); educativo (uma
universidade moderna, à imagem dos países europeus); e científico27 (forte demanda de
formação de pesquisadores). Para Miceli (1989), a razão para tal projeto se dar em São
Paulo não é fortuita, e se relaciona com a progressiva transformação da capital no centro
mais dinâmico dos processos de industrialização e urbanização do Brasil. Esse cenário
teria contribuído para a consolidação de uma estrutura social marcada pela diferenciação
ocupacional e especialização funcional no interior das elites dirigentes. Setores dessas
elites, particularmente empresários ligados aos setores de informação e produção cultural,
como a família Mesquita, demandaram cada vez mais profissionais qualificados com
formação específica.
Ponto de convergência entre elite paulista e mundo científico francês, o filósofo e
psicólogo George Dumas (1886-1946) se encarrega de selecionar aqueles interessados

26
A atuação do Groupement no Brasil foi intensa, e representou um primeiro intercâmbio significativo
entre os dois países, através do qual cientistas franceses vinham ministrar aulas e palestras para a classe
letrada, ávida pela modernização. No entanto, sua natureza era mais filosófica e ideológica do que
propriamente científica, pois não havia recrutamento de brasileiros nem a execução de pesquisas. Apesar
disso, serviu para aproximar pesquisadores e abrir terreno para futuros intercâmbios. Para mais
informações, ver Petitjean (1996b).
27
Como aludido, os franceses foram predominantes nas ciências sociais. Nas disciplinas de exatas, verifica-
se a presença maior de italianos e alemães.
79

em embarcar para o Brasil – não mais para estadias curtas, mas sob um contrato que
estipulava a permanência por, no mínimo, três anos. Não à toa, o perfil demográfico dos
interessados atestava a natureza do empreendimento: jovens, com pouca ou nenhuma
experiência universitária e dispostos a viver tal aventura. Como salienta Massi (1989), a
média etária era de 35 anos, os mais jovens possuindo 27 anos, como era o caso de Claude
Lévi-Strauss, que chegou ao Brasil em 1935.
Vários fatores concorreram para a vinda dos jovens professores: a instabilidade
política e econômica na França; a ameaça fascista; a revolta, por parte deles, contra o
estado da arte intelectual da França e a possibilidade de abrir um campo novo de pesquisa
e criar novos paradigmas (MASSI, 1989; PETITJEAN, 1996c). É importante lembrar que
os professores franceses tiveram uma formação generalista, e a sociologia não
constituindo, à época, uma disciplina institucionalmente generalizada nas universidades
em geral. O modelo sociológico girava em torno de Durkheim e de sua “escola”, e não
estava formalizada plenamente como uma disciplina independente. O quadro abaixo foi
adaptado de acordo com as disciplinas das aulas ministradas por eles na FFCL da Usp,
no período entre 1934 e 1972.

Tabela I – Missões Francesas na Usp: disciplinas, professores e períodos do


contrato

História Ciências Geografia Filosofia Economia


sociais
Émile Coornaert Paul S. Bastide P. Deffontaines Etienne Borne François Perroux
(1934-35) (1934-1946) (1934-35) (1934-35) (1936-37)
Fernand Braudel Lévi-Strauss Pierre Monbeig Jean Mangué René Courtin
(1935-38) (1935-38) (1935-1946) (1935-44) (1937-38)
Jean Cagé Roger Bastide Roger Dion Gilles Granger Pierre Frammont
(1938-45) (1938-1954) (1947-48) (1947-53) (1938-39)
Émile Léonard Georges Gurvitch Pierre Gourou Martiel Guéroult Paul Hugon
(1948-49) (1947-49) (1948-49) (1948-51) (1938-72)
Jéan Glénisson Charles Morazé Francis Ruellan
(1957-58) (1949-51) (1951-52)
Philippe Wolff Paul Rivet
(1951-52) (1952-52)
Maurice Lombard
(1954-55)
80

Fréderic Mauro
(1953-55)
M. Bataillon
(1953-54)
Jacques Godechot
(1953-54)

(Elaboração própria a partir das informações contidas em Massi (1989))

Foram 29 professores homens franceses que ministraram aulas de ciências humanas na


Usp, destes apenas 6 dedicaram-se a disciplinas de ciências sociais. Como os períodos
indicam, ainda que o contrato previsse a estadia mínima de 3 anos, muitos trabalharam
por menos tempo, decorrente de conflitos entre suas expectativas e as imposições da
universidade. Por outro lado, alguns ficaram muito mais tempo do que previamente
previsto, como Roger Batisde, professor de sociologia, e Paul Hugon, de economia.
Uma das discussões que cercam o sentido das Missões Francesas na Usp, e a que
mais nos diz respeito para os fins da investigação, é aquela que indaga se tratou-se ou não
de um “colonialismo cultural”. De início, é necessário postular que os eventos históricos
não possuem um sentido único, apesar das correlações de forças que o estruturam. Por
isso, a máxima sociológica deve servir de guia: interpretar a realidade levando em conta
as estruturas sociais que norteiam as ações dos indivíduos e os sentidos que estes atribuem
a elas. Essa atitude nos previne de conclusões maniqueístas e teleológicas sem, no
entanto, negligenciar as relações de poder que conformam a arquitetura das trocas
intelectuais e científicas no plano internacional.
Não é sem razão que a discussão sobre o colonialismo emerge no caso em questão.
Como argumenta Petitjean (1996c), na França dos anos 1930 temos o apogeu dos
movimentos de opinião favoráveis à colonização e à missão civilizatória da Europa sobre
o resto do mundo. Em face desse contexto, mesmo sendo um país independente, o Brasil
é visto por muitos políticos da metrópole como um território propício para
empreendimentos de cunho coloniais no âmbito intelectual. Mas tomar como conclusivas
as intenções de uma fração da uma elite política europeia é apenas parte do quadro que
compõe o evento. Do lado da periferia, havia o interesse manifesto de setores da elite
comercial, intelectual e industrial em “modernizar” a São Paulo, expoente urbano do
Brasil à época. Merece destaque a figura de Julia Mesquita Filho, representante de uma
elite extrovertida “culturalmente colonizada” e afastada da sociedade (PETITJEAN,
81

1996c, p. 315). Não à toa, o público das primeiras turmas dos cursos de ciências humanas
da Usp era constituído em sua maioria por integrantes dessa elite, já acostumada com o
francês, idioma tido à época como símbolo da modernidade cultural e política. Ao analisar
os condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais no Brasil, Miceli (1987)
também identificou esse afastamento dos interesses da elite em relação à realidade das
camadas populares, podendo ser expresso na escolha dos temas de pesquisa e ensino,
teorias e objetos de investigação.
O espaço de relações sociais entre elites locais e francesas é preenchido por
professores e alunos. Quanto àqueles, conforme aludido anteriormente, o cenário
intelectual francês no período entre guerras é caracterizado pela hegemonia da sociologia
durkheimniana, estabelecida como disciplina complementar em algumas universidades e
revistas, com diferentes vertentes históricas e etnológicas. Também é desse período o
surgimento de movimentos críticos a esse establishment intelectual (MASSI, 1989;
QUEIROZ, 1996). É no bojo dessas disputas que ocorre a contratação dos professores.
Massi (1989) sugere que ambos, Julio Mesquita Filho e George Dumas, tiveram interesse
em contratar sucessores da sociologia durkheiminiana. Por outro lado, também se
interessaram em embarcar para o Brasil intelectuais críticos, como Lévi-Strauss e Roger
Bastide – não sem conflitos futuros28. Esse cenário motivou jovens, rebeldes ou não, a
viajarem para terras distantes, uma nova via profissional que poderia abrir novos temas
de pesquisa e paradigmas. Além disso, as pesquisas apontam para o quadro de
instabilidade política e econômica prevalente na Europa dos anos 1930 e 40.
Por parte dos seus alunos, a questão da ocorrência ou não do colonialismo
intelectual esteve longe de ser unívoca. Para Petitjean (1996c), alunos e colegas
professores das ciências exatas rechaçaram a ideia de colonialismo cultural, partindo do
pressuposto da universalidade da ciência e da necessidade do seu desenvolvimento no
Brasil. A resposta negativa também foi compartilhada por ex-alunos dos professores
estrangeiros em cursos de ciências humanas, ainda que com razões distintas de seus
congêneres das exatas. Gilda de Mello e Souza e Antonio Candido, que vieram a se casar,
não compartilhavam da existência dessa tutela intelectual. Para o último,

28
Por conta de sua orientação etnológica e crítica de Durkheim, Lévi-Strauss, por exemplo, entrou diversas
vezes em conflito com Paul S. Batisde.
82

“A presença estrangeira não foi alienante, mas fundadora no sentido de que ela
foi fonte de iniciativa para nós [...] a presença dos professores foi, senão um
magistério explícito, uma sugestão de radicalidade cultural, e, até certo ponto,
política [...] Que eles tenham sido conservadores ou radicais, eles nos iniciaram
na atitude fundamental de um intelectual, a saber o não-conformismo, que vai
do desafio diante dos saberes estabelecidos até às afirmações de rebelião
política; que vai desde o desprezo pelos argumentos de autoridade, pelo culto
das citações ornamentais, ou pelo uso exibicionista da inteligência até a crítica
da organização social [...] Nossos mestres franceses nos ajudaram a ver o Brasil
real, porque era a consequência do espírito crítico que eles nos ensinaram”.
CANDIDO, A. apud PETITJEAN, 1996c, p. 318. Grifo meu.

Pensando de maneira totalmente oposta, Florestan Fernandes chama a atenção para a


perene “postura colonial” das elites brasileiras. Uma das razões para essa permanência no
tempo seria o fato de nossa independência ter ocorrido sem a descolonização. A busca
pela modernidade cultural, econômica e política tal como conduzida pelas elites nas
décadas de 1920 e 30 é ilustrativo dessa atualização do quadro mental neocolonial
(PETITJEAN, op. cit., p. 319). De um lado, a conformação elitista que permitiu a missão
francesa; de outro, os professores como portadores de um programa intelectual europeu.
No interstício, Fernandes chama a atenção para a agência dos alunos:

“Eles ensinavam como tinham feito em Paris [...] Eles representam o papel de
difusão cultural em um país atrasado [...] Era nós, os estudantes brasileiros, que
cabia romper esta situação, e virá-la no sentido inverso. [...] De fato, nossa
relação com os professores estrangeiros não era percebida como uma relação
colonial, mas era concebida como uma relação intelectual livre. [...] Cabia a nós
questionar a missão civilizadora de um professor estrangeiro em um país
atrasado”. FERNANDES, F. apud PETITJEAN, op. cit. p. 320

Um aspecto não dispensável para compreender as relações entre os professores


estrangeiros e o ambiente nacional é a rica bibliografia previamente estabelecidas no país.
Em outras palavras, as missões francesas não encontraram uma tábula rasa intelectual
sobre a qual apenas foram “transplantados” esquemas cognitivos europeus. Como abordei
no início deste capítulo, já havia no Brasil uma rica literatura de pensamento social, os
chamados “ensaios de interpretação do país”. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1996)
argumenta que franceses como Pierre Monbeig e Roger Bastide dialogaram de forma
83

profícua com essa literatura em suas pesquisas pessoais. No caso do último, Queiroz faz
uma leitura de sua obra tendo em vista a interação estabelecida entre as influências de sua
formação, especificamente Freud, e a literatura que ele encontrou no Brasil. As relações
raciais constituíram um tema de forte interesse de Bastide, e o uso que fez dos ensaios de
interpretação do Brasil foi muito além do que mera obtenção de dados: “discerniu e
valorizou principalmente as contribuições teóricas que haviam trazido às ciências sociais”
(QUEIROZ, 1996, p. 244).
No plano institucional, as missões também deixaram a sua marca indelével no
desenvolvimento das ciências sociais brasileiras. É Miceli (1987) quem nos esclarece
sobre esse ponto. Na Usp, a hierarquia acadêmica que vai se constituindo nas suas duas
primeiras décadas fora conformada por esses professores estrangeiros, treinados nas
regras e costumes da vida acadêmica europeia, todos eles preocupados em instaurar
padrões de avaliação, titulação e consagração conforme o modelo com o qual foram
socializados. Posteriormente, o que veio a ser denominado de “Escola Paulista de
Sociologia” constituiu os primeiros frutos dos alunos dos mestres fundadores, marcando
uma reflexão autônoma em relação aos postulados aprendidos.
Com efeito, a constelação de relações sociais que coloca em interação indivíduos
tão distantes entre si – geográfica, mas também intelectualmente – não apenas limita ou
constrange os indivíduos: também possibilita a criação e a inovação. É a isso que se refere
Fernandes ao valorizar a capacidade crítica dos alunos. É isso, também, que explica a
forma como os pesquisadores franceses também foram influenciados, de maneira intensa
e significativa, pela experiência no Brasil. É difícil conceber – se não impossível – a obra
monumental de Lévi-Strauss e Braudel sem levar em conta a sua permanência no país,
como de tantos outros cuja estadia influenciou decisivamente suas trajetórias. É isso, por
fim, que contribuiu para a formação de toda uma tradição sociológica.

Americanos, e o Brasil como objeto

Os fluxos e trocas internacionais obedecem a uma lógica específica, com diferentes


sentidos para os envolvidos. Do lado periférico, há a demanda por parte das elites por
uma formação e pesquisa em consonância com os polos dinâmicos da produção científica
mundial; da contraparte metropolitana, há as agendas políticas e de pesquisa dos
brasilianistas, latino-americanistas e de sumidades teóricas (MICELI, 1990). Esse
84

postulado ganha contornos expressivos quando analisamos a presença americana no


Brasil a partir de meados da década de 1930.
Se a vinda de franceses está relacionada com a demanda das elites locais por uma
educação metropolitana, o sentido do influxo de americanos para o Brasil foi bem diverso.
Estes, diferentemente daqueles, não se vincularam a instituições locais e tampouco
vieram ministrar aulas nas universidades. O Brasil lhes afigurou, antes, como uma terra
exótica que despertava interesse, que merecia ser compreendida, pesquisada. Interesse,
contudo, bem específico: são as relações raciais, as populações indígenas e os processos
de “aculturação” que lhes despertaram curiosidade (MASSI, 1989). As pesquisas
empreendidas pelos americanos, além disso, não pretendiam analisar o Brasil em sua
especificidade; importava comparar a experiência sociocultural daqui com aquela da
metrópole.
Compreende-se essa ênfase exclusiva na pesquisa, em grande parte, pela rápida
institucionalização das ciências sociais nos EUA, comparada com a que se deu na França.
Nos primeiros anos do século XX já havia um núcleo profícuo de pesquisas sociais sendo
realizado no departamento de sociologia da Universidade de Chicago, popularmente
chamada “Escola de Chicago”. No final da Primeira Guerra Mundial, sua
institucionalização já estava plenamente reconhecida, gozando de farto financiamento
para pesquisas de caráter eminentemente empírico. A partir dos anos 1930, observa-se
uma descentralização do núcleo dinâmico da sociologia para outras instituições de
renome, como Wisconsin, Columbia e Harvard. Convém lembrar que, nesse mesmo
período, a sociologia francesa não tinha status autônomo, e sua organização institucional
orbitava em torno de apenas uma figura e sua obra: Émile Durkheim (MASSI, 1989;
PETITJEAN, 1996c; QUEIROZ, 1996).
O influxo de americanos no Brasil no período entre 1930 e 1950 foi muito maior
que aquele observado pelos congêneres franceses, o que demanda uma abordagem menos
centrada em trajetórias individuais, e mais nas regiões, temas de pesquisa e vínculo
institucional. A exceção, contudo, é São Paulo, onde a presença de uma única figura e
instituição contrasta com a experiência francesa na Usp.
Quando aluno da pós-graduação em sociologia da Universidade de Chicago,
Donald Pierson realizou trabalho de campo na Bahia entre 1935 e 1937 para sua pesquisa
de doutorado sobre relações raciais. Retorna em 1939 já como professor da Escola Livre
de Sociologia e Política (ELSP), São Paulo, de onde sai apenas 18 anos depois. Sua
chegada altera os objetivos do curso que até então era ensinado na ELSP, dedicada a
85

formar quadros técnicos da elite paulistana. Inspirado pelo modelo de sociologia feito em
Chicago, Pierson imprime as marcas de uma sociologia profissional, cuja formação
priorizava aspectos práticos de pesquisa empírica. Essa mudança nos aspectos formativos
implicou a adoção do modelo institucional de pesquisa americano: primazia dos estudos
de pós-graduação, criação de grupos de trabalho nos quais cada aluno era inserido numa
pesquisa mais ampla, realização de seminários de leitura e orientação (MASSI, 1989).
Vê-se, assim, o quanto difere da formação bacharelesca e filosófica empreendida pela
sociologia uspiana nos quadros da missão francesa.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, intenso intercâmbio era estabelecido entre
universidades americanas e o Museu Nacional. Nos anos de 1930, um acordo foi
estabelecido com a Universidade de Columbia, onde se encontrava o núcleo dinâmico do
culturalismo americano, com Franz Boas e Ruth Benedict entre seus principais expoentes.
Ainda que o proposito incluísse incrementar a formação etnológica dos brasileiros, as
circunstâncias de tal acordo envolviam o co-financiamento de pesquisas sobre relações
raciais na Bahia (Ruth Landes), sobre populações indígenas, como os Carajás (William
Lipking) e os Trumaí (Buell Quain), entre outros pesquisadores. Merece destaque a figura
de Charles Wagley, pesquisador interessar nos Tapirapé entre os anos 1939 e 1940,
retomando periodicamente nos anos 1940, 1950 e em 1965. Apesar desse interesse
específico, Wagley também realizou estudos sobre comunidades camponesas, Amazônia,
relações raciais etc. (MASSI, 1989).
Nos anos 1950 e 1960 novos intercâmbios são realizados entre americanos e
instituições cariocas. Por intermédio de Anísio Teixeira, em parceria com a Unesco, é
criado o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (1955). Charles Wagley,
novamente, é um importante personagem desse acordo, na condição de técnico da
Unesco, ao lado de Oto Klinemberg e Betram Hutchinson. Outros projetos na área de
antropologia ocorreram na cidade, como aquele expresso entre o Museu Nacional, o
Summer Institute of Linguistics e o acordo que ficou conhecido como Harvard-Brasil
Central. Este último contou com pesquisas em parceria entre a universidade brasileira e
americana, e tinha como objetivo reavaliar o material disponível sobre os índios de língua
Jê no Brasil Central (MASSI, 1989).
Por fim, Massi (1989) destaca as pesquisas realizadas por americanos na Bahia,
estado que congregou grande número de pesquisas interessadas em realizar estudos sobre
relações raciais. Até os fins de 1940, a Bahia é polo de atração de iniciativas individuais
de pesquisadores já mencionados, como Roger Bastide, Donal Pierson e Ruth Landes, e
86

de outros como o africanista Merville Herskovits, da Northwestern University e com


bolsa da Fundação Rockfeller. Este não se vincula a nenhuma instituição brasileira, e
procura ampliar os seus estudos sobre aculturação. Já a partir dos anos 1949, observamos
a criação de projetos em conjunto. A Universidade de Columbia, como mencionado,
estabeleceu acordos de pesquisas com várias instituições brasileiras, como o Museu
Nacional, possibilitando a vinda de muitos americanos29. Posteriormente, esses projetos
seriam incorporados pela Unesco, com o apoio de Alfred Métraux, o qual patrocinou
estudos sociológicos sobre o preconceito de cor no Brasil.
Esse grande influxo de americanos só foi possível por causa da robustez
institucional das universidades americanas e do farto investimento com que contavam os
pesquisadores, com recursos tanto públicos (órgãos de fomento à ciência e o
Departamento de Estado) quanto de fundações filantrópicas, como as fundações Ford e
Rockfeller.
Indicativo do grau de institucionalização do mercado acadêmico americano após
a II Guerra Mundial é a existência de uma especialização acadêmica – mas também de
uma identidade profissional – denominada “brasilianistas” (ou, de forma mais
abrangente, latinoamericanistas). Trata-se de um grupo multidisciplinar, composto
principalmente por historiadores, antropólogos, economistas, cientistas políticos e
sociólogos. É um segmento acadêmico marcado por disputas e divisões morais em torno
do financiamento de pesquisa e do vínculo institucional. De um lado, “à direita”, há
aqueles agentes que prestam assessoria ou recebem recursos de agências governamentais
e departamentos de Estado encarregados de gerir os negócios e as relações com a América
Latina; de outro, “à esquerda”, o modelo típico ideal do acadêmico democrata
ambientalista que apoia as lutas e causas dos países do chamado Terceiro Mundo.
(MICELI, 1990).
Baseando-se em publicações em veículos especializados em América Latina e
Brasil, Miceli (1990, p. 55) também computa a produção individual e o vínculo
institucional dos brasilianistas no decorrer da segunda metade do século XX. Trata-se de

29
Apenas para mencionar alguns nomes do acordo Brasil-Columbia: Ruth Landes, Charles Wagley, marvin
Harris, Bem Zimmerman, Lincoln Pope, Harry Hutchinson, Anthony Leeds, Carlo Castaldi etc. Como
afirma Massi (1989, p. 452): “Podemos observar [...] que o projeto brasil Columbia permitiu um grande
fluxo de norte-americanos e uma profusão de trabalhos e teses foram realizadas sob seu patrocínio. Além
disso, representou um ‘estímulo’ a novos projetos que seriam realizados nos anos 60: é como se o velho
porto da Bahia fosse oficialmente aberto ao treinamento de pesquisadores norte-americanos”.
87

um perfil acadêmico altamente produtivo, com aproximadamente 45% tendo publicado


ao menos três livros no decorrer de sua carreira. Além disso, em consonância com os
dados coligidos por Fernanda Massi, expostos anteriormente, a Universidade de
Columbia constitui a principal instituição provedora de doutores brasilianistas, seguida
pelas Universidades de Florida e Harvard.

França e Estados Unidos: dois sentidos distintos

Após essa breve reconstrução histórica das relações acadêmicas entre Brasil de um lado,
e França e Estados Unidos, de outro, ficam claro os perigos de homogeneizar o
significado que as mobilidades adquiriam ao longo do tempo. A ênfase no período
denominado por Liedke Filho (2003, 2004) de “sociologia científica” revelou que há
diferenças marcantes entre os empreendimentos franceses e americanos, no que diz
respeito aos propósitos, aos vínculos institucionais e à amplitude numérica. Sem dúvida,
as missões francesas constituíram um importante passo para a institucionalização das
ciências sociais brasileiras, propiciando a formação de uma tradição disciplinar com
reverberações que se estenderam por décadas, através da formação de centenas de
sociólogos e antropólogos. Apesar disso, sua ação ficou circunscrita a apenas uma
instituição, dedicando-se exclusivamente para o ensino de setores da elite, num primeiro
momento, e das classes médias paulistas, com o passar dos anos.
A presença americana, por outro lado, revelou-se mais significativa em termos
numéricos, e o vínculo institucional esteve sempre ligado a universidades americanas.
Seu interesse no Brasil priorizou a realização de pesquisas, e cujo escopo temático
envolveu relações raciais, povos indígenas, populações rurais, contato étnico e processos
de aculturação. Salvo as vindas individuais das décadas de 1930 e 1940, as pesquisas
foram realizadas em parceria com os brasileiros. Fernanda Massi, em estudo já
mencionado, diferencia entre “presenças” e “influências”: ao passo que os franceses se
incubem de atualizar e civilizar o país, os americanos trazem um know-how de pesquisa
e estabelecem trânsito prolongado entre os dois países. Os primeiros, presença; os
segundos, influências (MASSI, 1989, p. 456). Ambos, para a autora, indicativos de uma
desigualdade básica entre centro e periferia. Abaixo, um esquema ilustrativo das
diferenças entre os dois empreendimentos.
88

Figura VI – Diferenças entre as presenças francesas e americanas no Brasil (1930 –


1960)

Estrangeiros

Norte-
Franceses Americanos

Docência Pesquisa

Suporte Suporte
institucional: institucional:
Brasil EUA

Apenas Pesquisadores
docência independentes "Itinerantes" "Sedentários" "Sazonais"

Herskovits
Lévi-Strauss Donald Charles
Brasil- Pierson Wagley
Roger Bastide Columbia

(Elaboração própria a partir das informações contidas em Massi (1989))

Fundação Ford e a estruturação de um campo periférico

As análises anteriores das dimensões internacionais lançaram luz sobre as mobilidades


que conformaram historicamente as relações entre Brasil, de um lado, e França e EUA,
de outro. Vimos como diferentes sentidos estiveram na base de ambos os
empreendimentos, além dos agentes individuais e institucionais envolvidos, tanto
nacionalmente, quanto internacionalmente – pesquisadores individuais, instituições de
ensino superior e governamentais, frações da elite etc.
Além desses aspectos, a investigação resultaria incompleta se não fosse abordada
a complexa relação entre as ciências sociais e a atuação da Fundação Ford, no decorrer
da segunda metade do século XX. A argumentação que segue tenciona deslindar o seu
89

papel para o desenvolvimento dessas ciências no Brasil, e em que medida contribuiu para
conformar historicamente o espaço de disputas no interior do campo da sociologia. Antes,
contudo, cabe uma breve descrição da Fundação e de alguns de seus princípios e valores
num contexto mundial marcado por disputas ideológicas e do acirramento militar entre
dois modelos de desenvolvimento econômico e políticos concorrentes.

Fundação Ford e a geopolítica da Guerra Fria

Foi em 1936, por meio de uma doação de aproximadamente US$2,3 bilhões dos lucros e
dividendos da indústria que lhe dá o nome, que a Fundação Ford foi concebida para ser
uma instituição filantrópica sem fins lucrativos. Sob os auspícios de Edsel Ford e Eleanor
Clay Ford, a fundação teve uma atuação restrita ao estado de Michigan, até se expandir
nacional e internacionalmente na década de 1950. Com a morte de Edsel (1943) e Henry
Ford (1947), Henry Ford II (o neto do I) assume a direção tanto da Fundação quanto da
indústria. Como o herdeiro estava interessado em gerir apenas a indústria, é criado um
Comitê para definir a estrutura, os objetivos e as prioridades da Fundação, e por ela
passariam dirigentes como Robert Hutchins e Rowan Gaither (PARMAR, 2012; FARIA
& COSTA, 2006; MORALES, 2017).
Ao lado das fundações Rockfeller e Carnegie, a Fundação Ford compõe o grupo
das “Grandes 3”: instituições filantrópicas americanas que tiveram um enorme papel no
financiamento de diversos projetos educacionais e científicos nos EUA e ao redor do
mundo na segunda metade do século XX. Um dos interesses centrais dessas fundações
era subvencionar ações que visassem ao “desenvolvimento econômico e social”
sobretudo em regiões que compunham, à época, o chamado “Terceiro Mundo”.
Indissociável do contexto geopolítico da Guerra Fria, a atuação dessas fundações
contribuiu para a construção da hegemonia econômica, política e, para nossos fins,
intelectual dos EUA mundialmente. Ao fim e ao cabo, essas fundações tiveram êxito
menos em diminuir a pobreza e fomentar políticas de desenvolvimento locais do que criar
poderosas e duradouras redes de elites internacionais (PARMAR, 2012; CANEDO, 2018;
MICELI, 1990; DEZALAY & GARTH, 2000a).
Uma das características mais expressivas da Fundação é a sua conexão com
membros da elite política americana ao longo dos anos. Parmar (2012), por exemplo,
estima que entre 1951 e 1970 a Fundação Ford teve entre seus mantenedores (trustees)
104 conexões com o Estado Americano, incluindo membros do Conselho de Segurança
90

de Estado e Departamento de Defesa. Além destes, também contou com três presidentes
do Banco Mundial, editores de jornais, reitores universitários e presidentes de grandes
empresas. Ainda que essa insinuação prosopográfica seja reveladora de muitos aspectos
da orientação ideológica da Fundação, é importante ter em mente que ela era, como um
todo, não apenas independente, como também gozava de certa autonomia em suas
decisões (MICELI, 1990).
No que diz respeito à orientação ideológica, a Fundação Ford procurava
manifestamente se alinhar às diretrizes das políticas de relações exteriores do Estado
americano. Dentre elas, destaca-se o combate a um certo sentimento “antiamericano” e
ao crescimento do comunismo – razão pela qual, afirma Miceli (1990), motivou a
expansão das suas atividades para a América Latina e África. No âmbito mais
propriamente cultural, procurou promover valores do “modo de vida americano”,
notadamente os modelos democrático e econômico de desenvolvimento, em claro
alinhamento com a chamada “Aliança do Progresso” propagandeada pelo governo de
John Kennedy (1961-63)30. No plano intelectual, além de fomentar a produção de
conhecimento em torno da “modernização”, também apoiou a difusão de uma
determinada orientação metodológica eminentemente “empiricista” nas ciências sociais,
visando a sua aplicação para o estudo comparativo do comportamento político e de
formas de governo (PARMAR, 2012; CANEDO, 2018).
A afinidade com interesses do Estado americano não se deu de forma fortuita,
tampouco foi homogênea na história da fundação: na América Latina, o acirramento
ideológico ganhou corpo, em meio a Guerra Fria, com a Revolução Cubana. Nessas
circunstâncias, constituía importante estratégia de hegemonia a inserção de membros da
elite intelectual dos países do chamado Terceiro Mundo em redes de conhecimento
duradouras, expondo-os às instituições e aos valores americanos, e recrutando-os em
determinadas rotinas e práticas científicas. Os fluxos de conhecimento, afirma Parmar
(2012, p.27), não são apenas desiguais: eles também reorientam mentalidades,

30
Em artigo polêmico, Dezalay & Garth (2000b) afirmam que as fundações filantrópicas, notoriamente a
Ford, contribuíram para o fortalecimento da hegemonia política e econômica americana sobre a América
Latina por meio da internacionalização de disputas domésticas. O Chile constituiu, para os autores,
verdadeiro laboratório desse fenômeno: de um lado, uma política econômica extremamente regressiva
amparada por um governo autoritário e com apoio de setores do governo e da sociedade americana; de
outro, valores liberais de direitos humanos em torno de ongs e organizações financiadas por fundações
filantrópicas. A atuação destas, segundo eles, define-se como um “imperialismo da virtude”.
91

particularmente ao deslocar os pontos de referência dos pesquisadores de sua realidade


local para uma lógica global.
A partir essas considerações amplas, algo esquemáticas, sobre os valores que
nortearam as fundações filantrópicas americanas, com destaque para a Fundação Ford, e
o seu significado num ambiente geopolítico de grande acirramento marcado pela Guerra
Fria, volto a atenção para a sua atuação no Brasil e a sua importância para a estruturação
do campo sociológico nacional. Argumenta-se também que, a despeito das desigualdades
que determinam os vetores do fluxo de bolsistas, recursos, especialistas, ideias, valores e
paradigmas, as relações acadêmicas Norte-Sul também refletem condicionantes atuantes
em ambientes domésticos (MICELI, 1990; BEIGEL, 2016).

Ciências sociais brasileiras: uma aposta bem-sucedida

A história da Fundação Ford no Brasil começa no início da década de 1960, num cenário
de grande instabilidade política, com a criação do seu primeiro escritório no país em 1962.
A princípio, dedicou-se a financiar projetos e pesquisadores nas áreas de economia,
agronomia, engenharia e administração, só mais tarde priorizando as ciências sociais
(principalmente a antropologia e ciência política). Essas, nos dizeres de Miceli (1993),
foram se convertendo aos poucos numa espécie de “engenharia social” do
desenvolvimento, na medida em que eram vistas como instrumento de crescimento
econômico, fortalecimento das instituições democráticas e reforma social. Um marco de
sua história foi a vinda de Peter Bell, em 1964. Bell, então um jovem recém-formado na
Universidade de Yale, mas com prematura experiência internacional, assume o escritório
carioca, onde ficaria até 1969. Ele foi um importante mediador entre as demandas e
projetos dos cientistas sociais brasileiros e as condições de financiamento da Fundação.
Cabe reforçar que a Ford encontrou um ambiente intelectual relativamente
desenvolvido no país (mais especificamente, Sudeste), com uma estrutura institucional já
estabelecida em São Paulo (Usp e ELSP), no Rio de Janeiro (Iseb) e em Belo Horizonte
(UFMG). Esse espaço acadêmico já produzia importante conhecimento em ciências
sociais, contando com importantes lideranças que seriam posteriormente importantes
interlocutores da Fundação. Esse aspecto, como veremos, será crucial para a conformação
do campo das ciências sociais e o reforço das desigualdades em seu interior. Com efeito,
uma das particularidades da atuação da Fundação no Brasil é justamente a sua escolha
por trabalhar junto à comunidade de pesquisadores, instituições de pesquisa e
92

universidades, e não, como em outras regiões do mundo, ao lado de governos. A razão


para tal se deve pelo fato de que, no Brasil, já havia forte aparato institucional
governamental (MICELI,1993), inclusive de caráter ditatorial.
Se a década inaugural das atividades da Fundação em solo nacional é caracterizada
pela primazia das ciências sociais aplicadas e engenharias, nas posteriores as ciências
sociais foram foco de montantes substanciais de recursos financeiros. Miceli (1990)
destaca que, entre 1970 e 1988, a quantidade de recursos globais destinada a essas
ciências ultrapassou 13 milhões de dólares, ou entre 35 e 40% dos recursos totais
destinados ao país no mesmo período. Esse investimento era altamente visado pelos
pesquisadores e instituições, não apenas pelo seu volume, mas também pelo fato de ser
pago em moeda altamente valorizada, não ser paga em atraso e serem passíveis de
aplicação financeira – características ausentes no fomento concedido por órgãos públicos.
Nas condições institucionais vigentes, ser financiado pela Fundação Ford constituía um
importante fator de distinção entre os agentes do espaço acadêmico das ciências sociais
brasileiras, um trunfo que diferenciava programas de pós-graduação, pesquisadores e
instituições de pesquisa.
De fato, as estratégias da Fundação quanto à escolha dos beneficiários
privilegiaram aquelas instituições que já contavam com certo prestígio na produção das
ciências sociais nacionais, direcionando seus recursos para a manutenção e expansão de
programas de pós-graduação e centros privados de pesquisa. Nesse cenário, coube às
agências nacionais, e seu financiamento errático, direcionar recursos às instituições de
menor prestígio. Por essa razão, a Fundação Ford contribuiu decisivamente para o
aprofundamento das clivagens já existentes no emergente campo científico. Dado o valor
faraônico dos recursos, e o fato de

"o maior impacto dessa ajuda ter ocorrido antes mesmo de as agencias nacionais
estarem em pleno funcionamento, a obtenção de tal patrocínio foi se convertendo
num dos móveis centrais da concorrência entre os diversos grupos de interesse e
as principais lideranças intelectuais a braços com a pós-graduação e com a
drástica reforma da infraestrutura para a pesquisa” (MICELI, 1993, p. 20).

Essa decisão estratégica da Fundação mostrou-se altamente rentável do ponto de vista do


sucesso das apostas nos investimentos feitos, possibilitando a reorientação de instituições
e a maximização de projetos. Circunscritos nas ciências sociais, destacam-se os seguintes
93

projetos e clientes beneficiados pela Ford: o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento


(Cebrap), do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC – FGV-RJ), o
departamento de Ciência Política da UFMG, o Programa de Pós-Graduação em
Antropologia do Museu Nacional (PPGAS/MN-UFRJ), a Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), o departamento de antropologia da
UnB, de ciência política na UFRGS, o mestrado em sociologia e economia da UFPE, e o
Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec).
A alocação de recursos para o desenvolvimento das ciências sociais possibilitou,
dessa forma, 1) a criação e a expansão de programas de pós-graduação, departamentos
universitários e centros privados de pesquisa; 2) o financiamento dos estudos doutorais
em universidades americanas, através de bolsas de estudo, de pesquisadores e futuras
lideranças locais; 3) subsidiar a introdução de disciplinas ausentes ou insipientes no
Brasil, como Demografia, Economia e Ciência Política; 4) fomentar a adoção de
procedimentos metodológicos altamente empíricos e quantitativos, como o uso de surveys
e de estudos comparativos de ampla envergadura; 5) e incentivar a adoção de modelos
institucionais e o desenvolvimento de culturas acadêmicas espelhadas nos padrões
americanos (MICELI, 1993; CANEDO, 2018; FARIA & COSTA, 2006).
O volume dos auxílios era tamanho que os diversos agentes não poderiam se furtar
à oportunidade de disputá-lo, correndo o risco de minguar o financiamento e sofrer as
consequências de desqualificação científica. O quadro abaixo, adaptado de anexo contido
em Miceli (1993), dá uma ideia da quantidade de recursos envolvidos no investimento da
Fundação no Brasil para as três áreas que compõe as ciências sociais. Não à toa, esse
autor nomeia um de seus estudos sobre a Fundação como sendo uma verdadeira “aposta
numa comunidade científica emergente”. Aposta que, como veremos, foi crucial para a
conformação histórica da estrutura dos agentes no campo da sociologia brasileira,
reverberando até hoje através das posições que ocupam indivíduos e instituições.
94

Tabela II – Beneficiários da Fundação Ford no âmbito das ciências sociais no


Brasil (1962 – 1992), em ordem decrescente conforme o montante de recursos

Posição (ordem Instituições Disciplinas Montante em Porcentagem


decrescente) Prioritárias US$

1 Sociedade Brasileira de Ciência Política, 3.109.560 19,5


Instrução (RJ) + Iuperj Sociologia

2 Cebrap Economia, Demografia, 13,9


Sociologia, Ciência 2.216.003
Política

3 UnB Antropologia, Relações 1.914.919 12,0


Internacionais

4 Anpocs Antropologia, Ciência 1.347.032 8,5


Política, Sociologia

5 PPGAS - MN Antropologia 1.336.381 8,4

6 Cedec Ciência Política, 1.211.081 7,6


Sociologia

7 Puc/SP Ciências Sociais 944.550 5,9

8 DCP/UFMG Ciência Política 928.766 5,8

9 Idesp Ciência Política 905.086 5,7

10 UFRGS Ciência política 750.562 4,7

11 Pimes/UFPE Economia, Sociologia 644.439 4,0

12 Puc/RS Educação, Sociologia 627.329 3,9


Rural

Total 15.935.708 100,0

(Elaboração própria a partir de dados contidos em Miceli (1993))

Dentre todos os beneficiários e clientes, gostaria de me deter mais detalhadamente em


três, pela proximidade e vinculação com a sociologia, e pela relevância passada e pretérita
para a conformação do campo sociológico. Refiro-me ao Cebrap, ao Iuperj e à Anpocs.
Tornado possível em grande parte pela ajuda financeira da Ford, o Cebrap foi
concebido em 1969 por meio de um grupo de professores afastados compulsoriamente da
Usp, devido ao recrudescimento do autoritarismo da ditadura militar. Por causa de sua
vinculação virtual com aquela universidade, o Centro expressou a confluência da tradição
95

filosófica francesa herdada da tradição uspiana com novos procedimentos metodológicos


inspirados pela ciência política e sociologia americanas. A sua criação também aponta
para a complexidade da atuação da Fundação Ford no Brasil, pelo caráter político de sua
intervenção frente aos ditames da ditadura – fato que não eximiu Peter Bell à época de
arcar com as consequências, sobretudo a desconfiança de setores da Inteligência
americana e a suspeita de estar contribuindo para a ação de “comunistas”. Neste mesmo
ano, foi afastado de suas funções do escritório no Rio e retornou aos Estados Unidos.
Sendo a única instituição beneficiária a receber uma doação (endowment) de
US$750.000,000 em 1975 (MICELI, 1990), passaram por ele, em seu período inicial,
nomes de peso das ciências sociais (e também da política) brasileiras: Fernando Henrique
Cardoso, Juarez Brandão Lopez, Octávio Ianni, Paul Singer, José Artur Giannotti etc.
Hoje, o Cebrap é considerado uma das melhores think tanks do mundo31, tendo ampliado
a sua rede de financiamento. Além de realizar pesquisas de ponta sobre o país e a América
Latina, também recruta pesquisadores no nível do pós-doutorado, e mantém um dos
principais periódicos voltados para a produção científica das ciências sociais brasileiras,
o Novos Estudos Cebrap32.
O Iuperj, por sua vez, pode ser considerado a amálgama da tradição isebiana no
Rio de Janeiro e dos quadros profissionais treinados na UFMG e nos Estados Unidos. A
Fundação Ford contribuiu tanto com o auxílio financeiro, essencial para a manutenção
física do instituto no período inicial, quanto com a concessão de bolsas para formação no
exterior e a futura incorporação quadro docente. Estes, ao retornar de seus cursos de
doutorado no exterior, trouxeram a expertise metodológica quantitativa e a tradição
comparativista. O modelo institucional americano também foi replicado no Iuperj, por
meio da ênfase do ensino na pós-graduação, em detrimento da graduação; a execução de
grandes pesquisas, na qual eram inseridas pesquisas individuais dos orientandos; o
estabelecimento de créditos a serem cumpridos e uma educação voltada eminentemente
para a pesquisa empírica (CANEDO, 2018; REIS, 1993).
Após a Universidade Cândido Mendes, à qual estava vinculada, alegar crise
financeira e a necessidade de cortar gastos, o Iuperj fechou as portas em 2010. O instituto

31
Segundo informa o seu site, https://cebrap.org.br
32
Com seu primeiro volume publicado em 1981, figura ao lado de outra importante revista, a Lua Nova,
vinculada também a outro beneficiário da Ford, o Cedec. A Lua Nova teve seu primeiro volume publicado
em 1984.
96

fora incorporado posteriormente à Uerj, mantendo grande parte de seu corpo docente e
mudando seu nome para Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp). Também
permanecem os dois programas de pós-graduação, em sociologia e em política, e
continuam editando a revista Dados, figurando entre as principais das ciências sociais
brasileiras. Por fim, a despeito de sua vinculação universitária com a Uerj, o Iesp também
conserva seu distanciamento em relação ao ensino nos cursos de graduação, preservando
o modelo institucional que o distinguiu quando foi concebido.
Finalmente, temos a Anpocs. Sua concepção deriva do interesse dos estratos
dominantes de cientistas sociais em amadurecer o aparato institucional das ciências
sociais no Brasil. Fundada em 1977, manteve em seus primeiros quadros dirigentes
antigos beneficiários da Fundação Ford. Sua criação cumpriu um duplo papel: de um lado,
constituiu uma resposta aos anseios da comunidade científica em pleno desenvolvimento;
de outro, e como consequência de sua composição social inicial, veio a cumprir as
expectativas de sua principal financiadora (MICELI, 1990). Este último aspecto é
elucidado na própria vertebração institucional33 da Associação, ao enfatizar a pós-
graduação e a pesquisa, em detrimento da graduação e do ensino. Não é exagero dizer,
seguindo Miceli, que a Anpocs é criadora e criatura da Fundação Ford: ao passo que a
concepção daquela só foi possível com o auxílio substancioso desta, também é verdade
que os primeiros quadros executivos da Associação tiveram peso na decisão da alocação
dos recursos financeiros da Fundação (MICELI, 1990; CANEDO, 2018).
Com o exposto, podemos sintetizar a argumentação ressaltando pelo menos três
aspectos que vinculam a atuação da Fundação Ford à estruturação do campo das ciências
sociais no Brasil, e mais especificamente o campo sociológico.
Primeiramente, a Fundação Ford contribuiu para a formação de um contraste entre
dois estilos de se fazer ciência social no Brasil. Quando começou a investir em
pesquisadores e instituições no país, já havia uma tradição razoavelmente estabelecida de
pesquisa e ensino, norteada pela herança formativa da missão francesa em São Paulo.
Essa herança era marcada por um determinado estilo de escrita e pesquisa, que
materializava uma concepção de ciência social como próxima da filosofia. A Fundação
Ford, por outro lado, fomentou a criação e a revitalização de instituições orientadas para
o modelo acadêmico americano de ciência social, com estilos distintos. Estes envolviam

33
Por outro lado, diferentemente da tendência das ciências sociais americanas de se especializarem com
vistas a perderem o contato, a Anpocs constituiu importante instância de diálogo interdisciplinar.
97

a aplicação de técnicas sofisticadas de estatísticas e da quantificação da vida social, o


estudo comparativo de sistemas políticos, e uma concepção de pesquisa social como
fortemente empírica e realizada por meio de grandes grupos de pesquisadores. Essa
“importação” de modelos foi bem-sucedida, pois ancorada por um entendimento de
cooperação acadêmica que abarcou o intercâmbio com instituições americanas de
prestígio, seja através da concessão de bolsas para formação pós-graduada, seja através
da vinda de professores e consultores acadêmicos.
Em segundo lugar, a Fundação contribuiu decisivamente para a criação e
ampliação de uma infraestrutura material e institucional necessária para a produção do
conhecimento, a reprodução do quadro profissional e para a comunicação científica.
Certamente, no período de sua maior atividade no país também concorriam outras fontes
de financiamento, sobretudo de órgãos públicos, ainda que por vezes cambiantes. Apesar
disso, o auxílio ofertado pela Fundação foi objeto de disputa entre os agentes do
emergente campo das ciências sociais, razão pela qual converteu-se em elemento
distintivo entre os pares. Não é exagero, pois, ressaltar que sem os investimentos da
Fundação a arquitetura institucional e o desenvolvimento das ciências sociais brasileiras
seriam completamente diferentes do observado na atualidade.
Em terceiro lugar, a Fundação Ford foi crucial para o aprofundamento das
desigualdades materiais e simbólicas que estruturaram o campo das ciências sociais de
forma duradoura. A estratégia de investimento da Fundação priorizou aqueles clientes
cujos retornos se mostravam mais rentáveis, razão pela qual investiu em instituições que
já possuíam certo prestígio nacional e em projetos que mais estivessem afinados com sua
concepção de mundo. A criação e o fortalecimento de programas de pós-graduação como
aqueles do Iuperj (atual Iesp), do Museu Nacional, da UFRGS, da UnB, da UFPE, além
dos institutos de pesquisa como Cebrap e Cedec, e associações como a Anpocs,
configurou o horizonte de possíveis que estruturou as disputas internas do campo ao longo
do tempo. Em certa medida, essas lutas anteriores condicionam as tomadas de posição no
campo na atualidade, considerando que boa parte do capital simbólico do campo está,
ainda, concentrado nessas instituições34. Refiro-me especificamente, ao reconhecimento
do prestígio institucional de determinados programas de pós-graduação, ao capital
político (ou temporal) ligado à ocupação de cargos em associações profissionais, e ao

34
Ainda que, no caso do Iuperj, tenha ocorrido uma metamorfose institucional, os modelos, práticas e
rotinas acadêmicas permanecem.
98

crédito acumulado de determinados periódicos científicos. Por último, mas não menos
importante, as lutas travadas em torno do financiamento consagraram agentes individuais
no campo, dotando-os de reconhecimento nacional e internacional35.

Recrutando no exterior: políticas de mobilidade internacional (1970-2000)

Até agora, discorri sobre as dimensões internacionais que participaram da formação do


campo sociológico ao longo do século XX, enfatizando a ação direta ou indireta de
agentes estrangeiros em sua interlocução local. A análise permaneceria incompleta sem
um maior esclarecimento das políticas adotadas por agentes nacionais, em especial os
governos e as agências de fomento à ciência e tecnologia, da década de 1970 em diante.
Para destacar o papel e o sentido de sua atuação, devemos retroceder no tempo,
contextualizando o momento em que o Estado decidiu investir de forma sistemática em
ciência e tecnologia, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, até a expansão do
sistema de ensino universitário e da pós-graduação, ao final da década de 196036.

A ciência, tecnologia e educação para o desenvolvimento

A escolha do período posterior à II Guerra Mundial como marco do investimento


público em ciência e tecnologia está longe de ser fortuita. Foi nesse momento que a
sociedade brasileira, conforme tendência mundial, presenciou uma constelação de
eventos significativos que erigiram o conhecimento científico como aquele que deveria
nortear o desenvolvimento nacional. Finda a Guerra, o horror e o assombro diante do
poder de devastação da bomba nuclear levaram as autoridades políticas de diversos países
a investir mais ativamente na pesquisa científica. Se a importância da ciência e da
tecnologia para a economia e a política já era conhecida nos países centrais desde meados

35
Poderíamos sublinhar também que o prestígio de determinados agentes foi além do campo científico,
considerando suas reverberações para o campo de poder mais amplo. No caso, ex-bolsistas da Fundação
tiveram um papel importante na configuração política contemporânea. O exemplo mais emblemático é
Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil entre 1995 e 2003. Nos seus mandatos, empregou
diversos ex-bolsistas da Fundação para cargos estratégicos das áreas de educação e ciência.
36
O fato de o Estado brasileiro investir de forma mais sistemática no pós-II Guerra não quer dizer que antes
não houvesse outras iniciativas. Desde o começo da República já foram postas em prática algumas. Para
mais detalhes, cf. Schwartzman (2015).
99

do século XIX, no contexto de industrialização e colonização, após 1945 não havia mais
espaço para nenhuma hesitação.
O Brasil, com ação decisiva do Estado, também testemunhava uma sequência de
transformações econômicas e estruturais que alteraram profundamente a sua organização
social, como a industrialização e urbanização acelerada. A noção de auto aperfeiçoamento
social e progresso compunham o conjunto de valores que deveriam orientar a conduta de
indivíduos e instituições, o que levou a caracterização da sociedade desse período como
uma verdadeira sociedade em movimento (BOTELHO, 2008a). Premido entre seu
passado e as expectativas de pertencer, no futuro, ao panteão das nações “modernas, ricas
e civilizadas”, o Estado apostou todas as suas fichas no desenvolvimentismo, respaldado
internacionalmente pelos trabalhos da Comissão Econômica das Nações Unidas para a
América Latina – Cepal e pelo modelo bem-sucedido de ensino superior que alçou os
EUA à potência científica (SCHWARTZMAN, 2009; 2015).
O desenvolvimento é uma terminologia que exprime o processo de mudança
social racionalizada, abrangendo as dimensões econômica, política, científica e
tecnológica. Do ponto de vista dos agentes envolvidos no processo, papel de destaque é
conferido ao Estado, por meio de instituições por ele fundadas, financiadas e controladas.
Do ponto de vista ideológico, ele reúne o conjunto de crenças, valores e ideias que
sustenta o processo de mudança social.
Quanto ao papel do Estado, especificamente sua atribuição de institucionalizar a
comunidade científica, é Schwarztman (2015) quem oferece um rico panorama da época.
Entre 1945 e 1970, foram criadas diversas instituições profissionais e de pesquisa visando
à organização, ao planejamento e à mobilização da comunidade científica. Em 1948, foi
fundada a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), instância que
fomentava as atividades científicas e representava os interesses dos pesquisadores. Em
1949, o Rio de Janeiro erigiu o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), com ênfase
na pesquisa atômica. Já em 1951, dois órgãos de crucial importância foram fundados: o
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) – atualmente Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – e a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes). O primeiro supervisionado diretamente pelo
presidente até ser vinculado ao Ministério do Planejamento, em 1975; o segundo
subordinado ao Ministério da Educação.
É desse período a criação de instituições de propostas inovadoras, como o Instituto
de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), cuja concepção foi fruto de cooperação estreita com
100

o Massachusetts Institute of Technology (MIT); da Faculdade de Medicina de Ribeirão


Preto, cujo financiamento veio tanto de apoio estadual quando da Fundação Rockfeller;
e, por fim, a Universidade de Brasília, que prometia reinventar o ensino universitário no
país. Também no âmbito institucional destaca-se o forte investimento do Banco Nacional
do Desenvolvimento (BNDS) que, através do Fundo Nacional de Tecnologia (1964),
destinou cerca de US$100.000.000, 00 para o ensino e pesquisa científica. Em suma, a
“formação da ciência como força social de modernização no Brasil assume entre as
décadas de 1950 e 1980 o sentido de desenvolvimento” (BOTELHO, 2008b, p. 272).
O outro aspecto a que fiz alusão diz respeito ao seu componente eminentemente
ideológico, tanto em sua acepção positiva quanto negativa. Positiva quando encerra o
sentido de “representação social capaz de ordenar o mundo em sua totalidade”; ou seja, a
ideologia como um componente orgânico que “dá conta da diversidade da multiplicidade
da vida” (ORTIZ, 2015, p. 76). Para este autor, o “progresso” consistiria numa ideologia
própria das sociedades industrializadas, ou em vias de industrialização, nas quais o
componente tecnológico da mudança social é evidente. Já em sua acepção negativa,
próxima à formulação marxiana como falsa consciência, a ideologia do desenvolvimento
exprimiria o conjunto concepções pretensamente universais que pudesse dar sentido às
desigualdades decorrente da integração mundial da economia (RIBEIRO, 2014, p. 160),
processo de alcance forçosamente global. Quer a ideologia como a representação social
que confere sentido e inteligibilidade para a mudança social, quer como o conjunto de
ideias que dá legitimidade para uma forma específica de dominação político-econômica:
em ambas encontramos o pressuposto de que a vida social e a história estão ordenadas
temporalmente de forma progressiva, linear e unidirecional. Não é por acaso a
terminologia geopolítica classificatória característica da segunda metade do século XX:
países do Primeiro e Terceiro Mundo, ricos e pobres, desenvolvidos e subdesenvolvidos
(RIBEIRO, 2014; PINHEIRO, 2018).
As ideias, por outro lado, não cumprem apenas um papel ideológico. Constituem,
outrossim, poderosas forças sociais, encontrando materialidade em agentes reais que
vocalizam o espírito de determinada época. Em consonância com a perspectiva weberiana
de que as ideias também atuam causalmente nos processos de mudança social, Botelho
(2008b) argumenta que elas desempenharam papel importante como motivador das ações,
organização da experiência, racionalização dos interesses, escolhas políticas e nas
relações de poder, sem os quais não haveria sequer institucionalização da ciência no país.
E isso porque a vida social conserva uma complexidade própria:
101

“Como o mundo social compreende não apenas estruturas e recursos materiais,


como também culturais e políticos, cuja interação histórica contingente mostra-
se relevante para as possibilidades de mudança social, pode-se distinguir, para
efeitos analíticos, o papel das ideias como forças sociais reflexivas na definição
das instituições e seus efeitos sociais mais amplos” (BOTELHO, 2008b, pp.

274 – 275).

Com isso em mente, afirma-se também o papel dos próprios cientistas como portadores
sociais dessa série de transformações, muitos dos quais participaram ativamente da
organização e mobilização da comunidade científica. Caso emblemático é aquele do
físico José Leite Lopes que, além de pesquisador, também intervinha constantemente na
arena pública defendendo o papel crucial da ciência para o desenvolvimento da América
Latina (LOPES, 1998; BOTELHO, 2008b). Outros cientistas atuaram ativamente para o
desenvolvimento científico da época, como o biólogo Zeferino Vaz, o antropólogo Darcy
Ribeiro, o físico César Lattes, o educador Anísio Teixeira, entre tantos outros. Não seria
exagero aproximá-los, apenas para efeito de comparação, do que Gramsci (1982) definiu
como “intelectual orgânico”, ou seja, aquele intelectual que não apenas representa os
interesses de um grupo social, como também lhe confere inteligibilidade, organicidade e
coerência.
Em linha gerais, esse é o panorama que marcou o desenvolvimento científico e
tecnológico no período compreendido entre o final da II Guerra e as duas décadas
posteriores. É nele que foram forjadas as instituições e o ambiente intelectual que deram
as condições e conferiram legitimidade para a expansão da ciência no Brasil após 1970.
Nesse ínterim, mais precisamente em 1964, a frágil democracia brasileira sofreu outro
duro golpe, agora de natureza civil e militar, e cujo regime implantado perduraria por
duas décadas. A experiência brasileira foi marcada pela ambivalência no que diz respeito
ao investimento científico e tecnológico, o que a distingue decisivamente das ditaduras
dos países vizinhos. Seu autoritarismo e desprezo pelos valores democráticos e direitos
humanos foram expressos no aparelhamento institucional das universidades, no ambiente
policialesco de censura que se alastrou pelos cursos, nas aposentadorias compulsórias de
professores, e na perseguição, tortura e morte de cientistas politicamente engajados37. Por

37
“Caro Leitor: Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu”, adverte B. Kucinski no início do
surpreendente relato sobre um pai em busca de sua filha, professora de química da Usp, desaparecida em
1974 pela ditadura. Ver Kucinski (2014).
102

outro lado, e essa é a característica destoante das demais ditaduras latino-americanas, a


ditadura militar investiu recursos públicos no desenvolvimento científico e tecnológico,
como também adotou políticas de expansão do sistema universitário – razão pela qual a
experiência brasileira é comumente descrita como uma modernização conservadora38. A
Reforma Universitária de 1968 consubstanciou uma série de diretrizes que possibilitaram
a criação e a ampliação de novos cursos de pós-graduação, dentre os quais aqueles de
sociologia. É no período que sucede a Reforma até a década de 1990 que concentraremos
nossa atenção agora, enfatizando as políticas de mobilidade internacional adotadas e o
seu sentido.

Expansão e políticas de mobilidade

Expressando ainda mais a concepção de que a educação deveria servir de aporte para o
desenvolvimento, em 1968 vigorou uma nova legislação que alterou profundamente a
organização institucional do ensino superior brasileiro, ficando conhecida como Reforma
Universitária de 1968. A Reforma consubstanciou ideias desenvolvidas, nacionalmente,
na Universidade de Minas Gerais e na Universidade de Brasília, e internacionalmente,
especificamente pelas recomendações da Agência Norte-Americana de Desenvolvimento
Internacional (Usaid). Apesar de ter sido elaborada em um contexto autoritário, sem
diálogo direto com as partes interessadas, a Reforma “modernizou” o ensino superior ao
aproximá-la do modelo americano. Em parte, também institucionalizou antigas
reivindicações da comunidade científica nascente (MARTINS, 2018).
A Reforma pôs fim à influência organizacional francesa que regia muitas
universidades no país, centralizando nacionalmente o ensino superior nos quadros de um
sistema único, em vigor no país até hoje. Schwartzman (2015, p. 339) elenca algumas
inovações inspiradas pelas instituições congêneres americanas: a separação
organizacional em departamentos, pondo fim ao modelo de cátedras; o sistema de
créditos, modificando o padrão vigente baseado em programas de cursos seriados e
anuais; a criação de instituições devotadas à pesquisas; a criação e expansão de programas
de pós-graduação que conferem os títulos de mestre e doutor; e o estabelecimento de um

38
Em países como Chile e Argentina, por exemplo, as ditaduras militares adotaram políticas econômicas
neoliberais extremamente regressivas, contribuindo para o desmantelamento da comunidade científica
(BEIGEL, 2010).
103

“ciclo básico” congregando um conjunto de disciplinas fundamentais para cada carreira.


Além dessas, Martins (2018) salienta a institucionalização da carreira docente, com a
contratação de professores em tempo integral, e a diferenciação entre pós-graduação
strictu sensu (acadêmica) e a lato sensu (especialização). Essas mudanças constituíram
um sistema, ou seja, todas as instituições de ensino superior deveriam adotar tais
formulações.
Como consequência, presenciou-se uma expansão de universidades, programas de
pós-graduação e de cursos de graduação não tradicionais, além de uma classe de
professores dedicados integralmente ao ensino e pesquisa universitários. No âmbito
específico da pesquisa, as agências de fomento privilegiaram os grupos considerados
promissores. Do ponto de vista das agências governamentais de planejamento, as
alterações inseridas foram bem-sucedidas: em 1970, havia no Brasil 57 programas de
doutorado; em 1985, esse número saltou para 300 (sendo que eram 800 programas de
mestrado). A Cerca de 90% desses cursos funcionavam em universidades públicas
(SCHARTZMAN, 2015, p. 343-44). Ainda que, a princípio, as políticas de expansão do
ensino superior não coincidissem totalmente com aquelas voltadas para a ciência e
tecnologia, era consenso que se formava uma comunidade científica propriamente dita,
além do fato de que a expansão forneceu os alicerces para o fortalecimento de inúmeros
campos de pesquisa.
A sociologia foi um desses campos a ser beneficiado pela expansão universitária
possibilitada pela Reforma. Se até 1960 a formação pós-graduada esteve concentrada no
eixo Rio-São Paulo, a partir da década seguinte ela se descentralizou e “interiorizou”.
Além da Capes, foram essenciais para esse processo a atuação de pesquisadores das outras
regiões e da própria Anpocs, a qual estimulou a criação de novos cursos (BARREIRA et
al, 2018). A gráfico abaixo mostra a expansão dos cursos de pós-graduação em sociologia
e ciências sociais entre 1941 e 2000, abrangendo o período entre a criação dos cursos de
mestrado e doutorado na ELSP e Usp até o ano compreendido da análise neste capítulo.
Até 1970, apenas 5 programas39 ofertavam pelo menos o mestrado na área: os da Usp, a
ELSP, a UnB, da UFPE e do Iuperj.

39
Desconsidero, aqui, os programas unicamente de antropologia e ciência política. Considerei aqueles ou
voltados para sociologia, ou que abordavam as ciências sociais, indistintamente. Ficaram de fora os
mestrados profissionais.
104

Gráfico I – Expansão dos PPGs acadêmicos em sociologia e ciências sociais (1941 –


2000)

29
28

23
22
21
20
19
18
16
15
13
12
11
9
8
7
5
1 2 3 4
41
45
67
69
70
73
74
76
77
79
80
81
82
85
87
88
90
94
95
99
00
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
19
20
(Dados coligidos de Barreira et al (2018) e do site da Capes
(http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados). Ele inclui os PPGs anteriores à
padronização requerida pela Reforma de 1968)

Em decorrência da Reforma, a década de 1970 testemunhou a criação de mais 8


programas de pós-graduação. Na década seguinte, foi criado o mesmo número, até que,
por fim, na década de 1990, mais 9 programas entraram para lista, com 5 sendo criados
apenas em 1999. Até 2000, havia no Brasil 29 programas de pós-graduação em sociologia
ou em ciências sociais. Esses números refletem os esforços empreendidos sobretudo pela
Capes para criar um sistema de pós-graduação nacional, visando a reduzir a dependência
internacional no que tange à formação de quadros altamente qualificados. Esse esforço
foi consubstanciado no chamado Programa Nacional de Pós-Graduação (PNPG).
Elaborados esporadicamente pela Capes, os PNPG são grandes relatórios com a
finalidade de oferecer diagnósticos do estado do ensino superior no país, ao mesmo tempo
em que formulam ações que devem nortear as políticas direcionadas ao setor. O I PNPG
(1975-1979) foi implementado num contexto de abundância de recursos destinados às
políticas de expansão do ensino superior, e expressava a necessidade de um planejamento
105

estatal da expansão das pós-graduações. Ele apontou a necessidade da formação de


pessoal altamente qualificado em território nacional para contribuir para o
desenvolvimento econômico. Por isso, também ganhou relevo a importância da
capacitação docente (MARTINS, 2018).
O II PNPG (1982-1985) e o III PNPG (1986-1989)40 corroboraram o diagnóstico
do I, aprofundando as diretrizes para o fortalecimento do sistema de ensino superior do
Brasil. O II procurava estabelecer uma maior articulação da comunidade científica na
avaliação da qualidade e no desempenho da produção científica, ao mesmo tempo que
traçou estratégias de sua integração às demandas econômicas e sociais de
desenvolvimento nacional e regional. Ademais, o III conferiu relevo à pesquisa no âmbito
das pós-graduações, apontando formas de melhorias da pesquisa no país, além de propor
uma maior integração entre ensino superior e os órgãos de fomento à ciência (MARTINS,
2018). É, pois, a partir da década de 1970 que, nos quadros estabelecidos pelos Planos, a
mobilidade internacional é fomentada de forma mais sistemática por órgãos nacionais
como a Capes e o CNPq. O seu principal objetivo é capacitar pesquisadores e docentes
para atuarem no país. Martins (2018, p. 23) afirma que foram as ações implementadas
pelos PNPGs que possibilitaram “a construção de um amplo sistema de bolsas no país e
no exterior que contribuiu de forma efetiva para a capacitação de docentes e de
pesquisadores que atuam no ensino superior do país”.
O IV PNPG (1990 – 2000), por fim, reforçou todos esses aspectos, ao concentrar-
se na expansão do sistema de PPGs e postulando diretrizes para sua inserção internacional
(NEVES & CAVALCANTI, 2018). Os gráficos abaixo mostram o crescimento do
número de bolsas no exterior concedidas a estudantes de ciências sociais, comparando-as
com aquelas destinadas às demais áreas.

40
Os V e VI PNPG será abordado no capítulo terceiro, dado que ele privilegia o tema da internacionalização
da produção científica.
106

Gráfico II – Bolsas no exterior – CNPq (1970 – 1987)

900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
1965 1970 1975 1980 1985 1990

Ciências Sociais Demais áreas

(Elaboração própria a partir de dados contidos em Miceli (1990))

Os maiores contingentes de pesquisadores financiados pelo CNPq no exterior destinam-


se aos EUA e à França, e menor escala à Inglaterra (MICELI, 1990, p. 42). Em 1984,
contudo, a distância entre o número de bolsistas que escolhe instituições americanas e
francesas aumenta, os primeiros representando cerca de 41% do total de bolsas no
exterior, os segundos 22%. Além disso, os dados refletem o lugar ocupado pelas ciências
sociais em relação às outras disciplinas. Se no início dos anos 1970 elas correspondiam a
um valor ínfimo diante do total de bolsas concedidas, a partir de 1982 esse valor ficou
próximo dos 30%, alcançando esse teto em 1983 e 1984. Vale ressaltar que o
financiamento do CNPq para estudos no exterior representou, no período coberto pelo
estudo de Miceli, cerca de 40% do total de investimentos de todos os órgãos de fomento.
Se os dados dos bolsistas de agências anteriores à década 1980 são bastante
restritos, aqueles dos anos posteriores são de mais fácil acesso. Em sua pesquisa, Mazza
(2009) coligiu os dados dos bolsistas de três agências de fomento (Capes, CNPq e Fapesp)
de meados dos anos 1980 até 200041, e por isso nos oferece um ótimo panorama do
sentido e das características da mobilidade internacional fomentadas pelos governos para
o período. A autora utilizou a tabela da Capes de classificação por área, por isso

41
Mais especificamente, os dados da Capes correspondem ao período entre 1987 a 2000; CNPq de 1986 a
1999 e Fapesp de 1992 a 1999 (MAZZA, 2009).
107

consideraremos as ciências sociais um subconjunto da Área 7 – Ciências Humanas (em


azul). O gráfico abaixo situa as ciências sociais em relação às demais áreas.

Gráfico III – Quantidade de bolsas no exterior por agência de financiamento e


área (1986 – 2000)

3500

3000

2500

2000

1500

1000

500

0
Capes CNPq Fapesp

VII I + III II + IV Demais

(Elaboração própria a partir de dados contidos em Mazza (2009))

As Ciências Humanas, dentre as quais situam-se as ciências sociais, correspondem a


aproximadamente 17% das bolsas concedidas pela Capes, a 11% pelo CNPq e 11% pela
Fapesp. Nos gráficos, reuni as áreas I com a III (Exatas e da Terra, Engenharias) e as
áreas II com a IV (Biológicas, Ciências da Saúde). O CNPq constituiu a agência que mais
outorgou bolsas ao exterior (total de 7730), priorizando as ciências exatas e tecnológicas.
A Capes foi a segunda agência a ofertar mais bolsas (6089), apresentando um maior
equilíbrio entre as áreas discriminadas. Por fim, a Fapesp apresenta números mais
modestos, por ser restrita ao estado de São Paulo (total de 2071 bolsas), priorizando, como
o CNPq, as áreas de maior aplicação tecnológica.
Quando olhamos para os países receptores, os dados confirmam a primazia dos
EUA como destino das escolhas, assinalando o papel de destaque que o sistema científico
e de ensino daquele país assumiu no período pós-II Guerra. Contudo, os pesquisadores
das Ciências Humanas destoam desse padrão, elegendo a França como principal destino.
108

Gráfico IV – Principais destinos dos bolsistas no exterior por área e agência de


fomento

Ciências Humanas Demais áreas

2743
1605

1146
1021

877

880
867
366

265
192

192

180
172

132
123

67
59

22
EUA FRANÇA GB EUA FRANÇA GB EUA FRANÇA GB
CAPES CNPQ FAPESP

(Elaboração própria a partir de dados contidos em Mazza (2009))

Vários fatores concorreram para a tendência de os pesquisadores das ciências sociais e


humanas elegerem a França como principal destino para seus estudos de pós-graduação.
Pode-se aventar a influência que o modelo daquele país exerceu sobre os domínios do
ensino e pesquisa no Brasil (MAZZA, 2009). Essa influência, como vimos, deriva da
própria fundação das ciências sociais, nos quadros da Missão Francesa na Usp. Essa
influência é materializada no (re)conhecimento das instituições franceses e do seu
universo intelectual, particularmente parisiense, conforme constataram pesquisas
qualitativas de Xavier de Brito (2000) com bolsistas brasileiros estudando na França.
Vários pesquisadores entrevistados por Xavier de Brito acionaram redes de contato e
influência pessoais que os ajudaram no processo de escolha de instituições francesas para
realizarem seus estudos pós-graduados.
Outro importante fator de atração dos estudantes brasileiros de ciências sociais e
humanas para a França diz respeito ao convênio Capes-Cofecube, em 1978. O acordo
privilegiava, num primeiro momento, estudantes provenientes de instituições do Nordeste
(XAVIER DE BRITO, 2000; BARREIRA et al, 2018)). Xavier de Brito (2000) aventa a
109

hipótese de que três pressupostos norteavam a implantação do acordo: I) uma política de


discriminação positiva que procurava equilibrar as desigualdades regionais do sistema de
pós-graduação; II) o preconceito implícito, por parte das autoridades competentes, de que
esses estudantes eram intelectualmente inferiores, devido à pressão exercida pelo Brasil
para um acompanhamento mais rigoroso desses bolsistas; III) constituiu fator importante
de escolha da França o fato de o valor dos estudos serem relativamente baixos e os
critérios de seleção menos rigorosos. Esta última hipótese ganha impulso na medida em
que acordos de semelhantes características não foram realizados com instituições
americanas e inglesas. Dessa forma, embora o diagnóstico da Capes de que era necessário
diminuir as desigualdades educacionais no âmbito regional fosse acertado, a solução
proposta amparou-se em noções preconceituosas42 e contribuiu para uma maior
segmentação no plano internacional. Ao ofertar as bolsas para as instituições de maior
renome internacional (americanas e inglesas) aos estudantes de programas do Sul e
Sudeste, relegou, num primeiro momento, aos estudantes das outras regiões as bolsas para
instituições de menos prestígio. Ao fim e ao cabo, em decorrência do sucesso do acordo,
estudantes das outras regiões passaram a reivindicar sua participação no convênio, o que
levou a Capes a ampliá-lo para todo o Brasil.
Por fim, cabe ressaltar que a década de 1990 observou uma dupla mudança no que
tange às mobilidades: por um lado, aumentou substancialmente o número de bolsas para
o exterior, configurando um aparente paradoxo quanto às diretrizes dos PNPG, já que a
mobilidade era estratégica para a consolidação de um sistema nacional de pós-graduação
(GUIMARÃES et al, 2001; MAZZA, 2009); por outro lado, e explicando o aparente
paradoxo, as agências de financiamento concederam um volume maior de bolsas de
doutorado sanduíche, diminuindo assim drasticamente aquelas de modalidade plena
(VELHO, 2001; SCHWARTZMAN, 2009; RAMOS, 2018). Essa estratégia procurou
economizar custos, ao mesmo tempo em que não rompia os vínculos com os centros
internacionais.
O financiamento público dos cursos de doutorado pleno no exterior estabelecia (e

42
Xavier de Brito (2000) relata como, em suas entrevistas, os interlocutores provenientes do Nordeste
encontraram bastante resistência ao tentarem uma vaga nos cursos de ciências humanas e sociais nas regiões
Sul e Sudeste. Muitos salientaram o desprezo de seus colegas de classe, e um forte sentimento
“colonialista”.
110

ainda estabelece) como contrapartida o retorno compulsório do bolsista ao término dos


estudos. Ao mesmo tempo, os órgãos competentes dos governos brasileiros procuravam,
via acordos internacionais, formas de impedir a concessão de vistos de permanência para
esses estudantes no exterior. Essa atitude, que visa a impedir o fenômeno conhecido como
brain drain, foi reforçada com a adoção massiva da modalidade sanduíche, a qual
mantinha o vínculo dos bolsistas com universidades nacionais. Vários autores criticam
enfaticamente tanto o retorno compulsório de bolsistas de doutorado pleno, quanto a
implantação da modalidade de doutorado sanduíche (SCHWARTZMAN, 2009; VELHO,
2001; RAMOS & VELHO, 2011; BALBACHEVSKY & COUTO E SILVA, 2011).
O primeiro aspecto das críticas é que as promessas de emprego quando
retornassem não se concretizaram: os anos 1990 foram marcados por fortes políticas de
austeridade que afetaram diretamente as universidades públicas, e um número expressivo
de recém-doutores encontravam-se em uma delicada situação sem certezas de que seriam
empregados (SCHWARTZMAN, 2009). Além disso, a modalidade sanduíche não
oferece o mesmo tipo de integração cultural e institucional que a plena: os bolsistas
permanecem no exterior em média um ano, não precisando escrever uma tese no idioma
local e sem de fato incorporar-se a todos os espaços disponíveis na universidade receptora
(VELHO, 2001). Assim, procurando reduzir custos, um volume enorme de recursos foi
injetado nessa modalidade sem que, de fato, ela venha a representar um real benefício
para o desenvolvimento científico nacional.

Epílogo

O capítulo explorou as dimensões internacionais que figuraram relevantes para a


constituição de um campo sociológico no Brasil, com ênfase nas mobilidades.
Certamente, outros aspectos ficaram de fora da análise, como por exemplo os
intercâmbios intelectuais que se realizaram no âmbito individual, o que exigiria um
estudo de trajetória de vida. Com o exposto, é hora de elaborar algumas conclusões
prévias.
Primeiramente, os três casos analisados – missões francesas, Fundação Ford e
políticas públicas de mobilidade – e, em menor medida, a vinda de pesquisadores
americanos para o Brasil, expressam a importância das trocas internacionais para a
constituição de campos científicos periféricos. Como corolário, devemos abandonar a
ideia de que um campo científico emerge independentemente de variáveis externas ao
111

contexto nacional, como se fosse resultado unicamente de forças endógenas. Dessa


forma, corroborando trabalhos anteriores (KEIM, 2014), postula-se que a circulação do
conhecimento internacional não se dá entre campos culturais previamente estruturados,
os quais deformariam o conteúdo do conhecimento na medida em que associados a
agentes em homologia estrutural (BOURDIEU, 1999). Antes, a circulação internacional
constitui um importante componente, mas não o único, no processo de estruturação de
campos periféricos.
Por outro lado, pode-se argumentar que o fenômeno da circulação internacional e
seu papel na consolidação de campos científicos não são restritos aos campos periféricos.
É conhecido o papel que a circulação internacional desempenhou na formação dos
próprios campos centrais, se temos em mente a influência que a mobilidade internacional
desempenhou em trajetórias individuais no alvorecer da formação da disciplina
sociológica. Os exemplos de Max Weber, Émile Durkheim e Talcott Parsos são
elucidativos, dado o peso que a mobilidade teve para a institucionalização da sociologia
em seus países (SHRECKER, 2010; ORTIZ, 2015). Todavia, e essa é a segunda
conclusão sugerida, o sentido das dimensões internacionais no Brasil ao longo do século
XX exprimem uma relação de dependência.
Num primeiro momento, os três casos analisados têm muito pouco em comum
além do fato de consistirem em formas de interlocução entre agentes nacionais e
internacionais. Contudo, é possível conectá-los em torno de dois eixos.
Do ponto de vista dos agentes idealizadores – elites intelectuais e industriais
paulistas e setores políticos da França; dirigentes da Fundação Ford nos EUA e no Brasil;
e os formuladores de políticas educacionais e científicas –, mas também de membros da
intelligentsia com formação nas metrópoles, havia o entendimento de que o Brasil deveria
seguir o modelo civilizacional das potências ocidentais, francês num primeiro momento
e posteriormente americano. Como o fio de Ariadne a conectar todos os casos expostos,
há o pressuposto de que a promoção do progresso e da modernidade – assentadas numa
perspectiva evolucionista perene desde finais do século XVII – deveria amparar as
dimensões analisadas. Ainda que estas não se tratem, strictu sensu, de cooperação
científica ou técnica (com exceção, talvez, das missões francesas), a analogia com esse
fenômeno é pertinente, por compartilharem os mesmos pressupostos. Pinheiro (2018)
salienta que a noção de cooperação como sinônimo de aquisição, importação,
transferência de expertise, de tecnologia e conhecimento apresenta três pressupostos: 1)
cooperação científica como sinônimo de desenvolvimento; 2) a ciência ocidental como
112

modelo de modernidade; e 3) a orientação Norte-Sul como a única direção capaz de


promover o progresso.
Do ponto de vista dos agentes beneficiados – frações de classe média paulista com
acesso à universidade; pesquisadores em busca de prestígio profissional e oportunidades
de carreira; e estudantes à procura de formação no exterior – as relações de dominação
simbólica expressas nas dimensões internacionais analisadas figuram de forma ambígua,
minimizada, por vezes naturalizada, constituindo aquilo que Dezalay e Garth (2000a)
denominaram de “estratégia internacional”. O conceito se refere à forma como indivíduos
utilizam o capital internacional adquirido (títulos universitário, conhecimento técnico e
teórico, contatos e recursos) para construir suas carreiras em seus países natais. É
justamente nesse aspecto que, de acordo com os autores, mais se evidencia a agência dos
indivíduos com trajetória internacional. As estratégias estão presentes nos estilos de
produção científica e de trabalho acadêmico, nas influências teóricas adquiridas e nas
“escolas” formadas. Todavia, é no caso dos beneficiados pela Fundação Ford que essa
estratégia ganha contornos mais claros, dado que a cooperação com a fundação
filantrópica reforçou as clivagens pré-existentes no campo sociológico ainda em
formação, prestigiando aqueles agentes beneficiados com os volumosos recursos e o
recrutamento em universidades americanas.
113

CAPÍTULO III

DIMENSÕES INTERNACIONAIS DO CAMPO SOCIOLÓGICO NACIONAL


NA ATUALIDADE: O PONTO DE VISTA DAS POLÍTICAS DE MOBILIDADE
E DE AVALIAÇÃO

“La interpretación de nuestra realidad con esquemas ajenos sólo


contribuye a hacernos cada vez más desconocidos, cada vez menos libres,
cada vez más solitários”.

Gabriel Garcia Marquez, em discurso ao


receber o Prêmio Nobel da Literatura em
1982.

“I wouldn’t be productive enough for today’s academic system”.

Peter Higgs
114

Prelúdio

As disputas que ocorrem no interior de qualquer campo científico num dado momento
são estruturadas por dinâmicas pretéritas, que condicionam os horizontes possíveis dos
agentes. Vimos como a segunda metade do século XX foi marcada por processos
determinantes para a conformação das clivagens tanto do campo sociológico nacional
quanto de um espaço global das ciências sociais. É com isso em mente que agora
analisarei as dimensões internacionais, especificamente as políticas de mobilidade e
práticas de publicação, no campo sociológico nacional na atualidade. Para isso, o presente
capítulo seguirá dois eixos interdependentes de argumentação: um relativo às condições
institucionais que propiciaram a autonomização do campo sociológico nacional; e outro
que delineia as condições institucionais que condicionam as práticas dos agentes na
atualidade, considerando sua interlocução com as dimensões internacionais.
Primeiramente, esboçarei os indicadores que expressam a autonomização do
campo sociológico nacional, como o crescimento do número de PPGs e a diferenciação
em relação às outras áreas das ciências sociais. Em seguida, delineio as condições
institucionais que condicionam as práticas dos agentes, especificamente as políticas de
mobilidade e de avaliação.

Consolidação de um campo sociológico nacional

Os primeiros anos do século XXI testemunharam o crescimento significativo do ensino


superior e dos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil, contribuindo
decisivamente para a diversificação e consolidação do campo sociológico nacional. Num
período de 10 anos, entre 1998 e 2008, o número de instituições de ensino superior
expandiu de 973 para 2252, um aumento de cerca de 131%. Ainda que esse crescimento
tenha beneficiado sobretudo instituições privadas, ele é indicativo de um projeto de
democratização do ensino superior, oportunizando não apenas a matrícula de um grande
contingente de estudantes, como também ampliando o mercado de trabalho para o
professor universitário. Emblemáticos dessa expansão foram os programas federais
Reuni, por interiorizar o ensino superior público, e o Prouni e Fies, pela concessão de
bolsas de estudo e financiamento estudantil para estudantes provenientes da classe
trabalhadora. Somada a essa expansão, observamos a adoção bem-sucedida de políticas
115

afirmativas de acesso ao ensino superior, por meio das cotas sociais e raciais (LIMA,
2014).
Ainda no que tange às políticas voltadas para o ensino superior, o período
compreendeu os esforços coordenados dos V e VI PNPGs. Como destacam Neves e
Cavalcanti (2018), o primeiro (2005 – 2010) enfatizou a necessidade de um crescimento
equânime do sistema de pós-graduação nacionalmente, da importância de rever a
avaliação e qualidade da produção científica e do financiamento. O segundo (2011 –
2020), por sua vez, imprimiu a necessidade de inovar a pós-graduação, em seu arranjo
institucional e nas agendas de pesquisa, para os desafios do século. De fato, ao darem
relevo para a avaliação de pesquisa, para a internacionalização da produção científica e
para a mobilidade internacional, podemos dizer que os PNPGs expressam o interesse
público pela inserção da universidade na chamada “economia global do conhecimento”,
marcada pela formação de um ensino superior transnacional (MARTINS, 2015).
Tanto as políticas de expansão de acesso ao ensino superior quanto as ações
coordenadas da Capes favoreceram a criação de novos programas de pós-graduação em
sociologia. De fato, de 2000 a 2015 foram criados 23 programas na área, totalizando 53
PPGs acadêmicos alocados conforme classificação da Capes como “sociologia”43. A
despeito dessa expansão, observa-se ainda uma concentração na região Sudeste, a qual
congrega quase 50% do total de programas (24 programas). O Nordeste se destaca em
seguida com 12 programas, seguido do Sul (10), Centro-Oeste (4) e Norte (2). A expansão
de PPGs após 2000 reforçou essa clivagem, pois dos 23 criados, 11 pertencem apenas ao
SE44.
Em seguida, complementando o Gráfico I, foram acrescentados o número de
programas criados a partir de 2001.

43
Neste período houve variação, pois alguns programas recém-criados foram descredenciados devido ao
fato de não obterem nota superior a “3” nas avaliações trienais e quadrienais. Minha contagem os leva em
consideração. Exceção é feita para aqueles que deixaram de existir, como o Iuperj em 2010.
44
A ênfase na pós-graduação se deve, em consonância com o recorte metodológico exposto na Introdução,
pela razão de ser neste âmbito em que, de fato, o conhecimento científico é produzido, além de constituir
importante etapa na socialização acadêmica e na identificação profissional do sociólogo (Dwyer et al, 2013)
116

Gráfico V – Crescimento dos PPGs acadêmicos em sociologia e ciências sociais


(1941 – 2015)

50 51
47 48
45
41
37 38
34 35
31
28 29

21 22 23
18 19 20
15 16
13
11 12
9
7 8
1 2 3 4 5
1941
1945
1967
1969
1970
1973
1974
1976
1977
1979
1980
1981
1982
1985
1987
1988
1990
1994
1995
1999
2000
2003
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2015
(Expansão dos PPGs acadêmicos de sociologia. Dados coligidos a partir de Barreira et
al (2018) e do site da Capes ((http://www.capes.gov.br/cursos-recomendados). Ele
inclui os PPGs anteriores à padronização requerida pela Reforma de 1968)

A expansão do sistema de pós-graduação nacional constitui importante processo para a


consolidação das bases institucionais para que a sociologia se tornasse um campo
relativamente autônomo em relação às outras ciências sociais. Outros processos cruciais
para essa consolidação é a formação de associações profissionais e a criação de uma
infraestrutura propícia para a comunicação científica entre pares. Quanto à primeira,
destacam-se duas associações: a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e a já referida
Anpocs. Aquela, diferentemente desta, possui um histórico que remonta à década de
1930, com a criação da Sociedade Paulista de Sociologia45, à época com escopo estadual.
Em 1950 adquire a feição nacional, realizando seu 1º Congresso em 1954. Em sua 19ª

45
As informações históricas foram obtidas em http://www.sbsociologia.com.br, Acesso em fevereiro de
2019.
117

diretoria, conta com a participação de professores de sociologia vinculados a


departamentos e PPGs de universidades de diversas regiões.
Quando olhamos para a comunicação científica, encontramos uma tendência de
longa data de publicação em periódicos nacionais e na realização de eventos. A Revista
Dados, por exemplo, teve sua fundação em 1966, primeiramente vinculada ao Iuperj e,
após 2010, ao Iesp. Barreira et al (2018) destacam a existência de 27 revistas científicas
vinculadas atualmente a PPGs de sociologia – 20 das quais criadas após 1990. Além
dessas, sublinha-se aquelas revistas editadas por associações científicas, como a Revista
Brasileira de Sociologia e a Sociologies in Dialogue, publicadas pela SBS, e a Revista
Brasileira de Ciências Sociais (RBCS) e a Revista Brasileira de Informação Bibliográfica
em Ciências Sociais (BIB), pela Anpocs. Da mesma forma que as revistas, os congressos
acadêmicos desempenham papel relevante na comunicação científica e na sociabilidade
entre cientistas. Delimitando apenas os eventos realizados pelas duas principais
associações científicas do campo, deparamo-nos com uma tradição que remonta desde
meados do século passado. A SBS organiza seus congressos bianualmente, realizando seu
19º Congresso em 2019. Já a Anpocs organiza seus Encontros anualmente, e sediará neste
ano a sua 43ª edição.
Além da expansão dos PPGs, da fundação de associações profissionais e do
desenvolvimento de uma infraestrutura de comunicação científica, podemos acrescentar
um último indicativo da consolidação das bases institucionais que condiciona a maturação
de um campo científico. O número de bolsistas de pós-graduação (mestrado e doutorado)
em programas de sociologia e o de grupos de pesquisa revelam a 1) entrada de novos
agentes no campo, e 2) o engajamento no campo sociológico para a produção do
conhecimento, na medida em que esses grupos congregam pesquisadores seniors e
novatos em torno de uma temática específica. Nesse sentido, este último também sugere
o grau de diversificação das temáticas pesquisadas. Os gráficos abaixo ilustram o
financiamento de bolsistas (mestrado e doutorado) pelas duas principais agências de
fomento científico, como também o crescimento de grupos de pesquisa de sociologia
cadastrados na Plataforma Lattes46, do CNPq.

46
Dados coligidos de http://www.lattes.cnpq.br/web/dgp
118

Gráfico VI – Evolução do financiamento de bolsistas de pós-graduação em


sociologia (mestrado + doutorado) entre 1995 e 2019.

1800

1600

1400

1200

1000

800

600

400

200

0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
Capes CNPq

(Número de bolsas concedidas a estudantes de pós-graduação em sociologia. Dados


coligidos a partir do Portal Geocapes (http://geocapes.capes.gov.br/geocapes/) e do
portal de investimentos do CNPq
(http://fomentonacional.cnpq.br/dmfomento/home/fmthome.jsp))

A Capes consolida-se como a agência que concede maiores recursos destinados ao


pagamento de bolsas de pós-graduação em instituições nacionais na área. Destaca-se o
expressivo aumento a partir de 2008, quando foram financiados 696 estudantes, tendo
esse valor mais do que duplicado em 2015, quando foram concedidas 1580 bolsas. O
gráfico indica uma estabilização a partir deste período, não havendo mais dados que
informassem a tendência até o presente. De fato, essa agência financiou nos últimos 4
anos mais bolsas para as Ciências Humanas, seguida das Ciências da Saúde, Agrárias e
Engenharias. O CNPq, por outro lado, destina uma quantidade menor de bolsas. Poder-
se-ia presumir que essa disparidade se deve ao fato dessa agência favorecer outras áreas
de pesquisa. Ao olhar os dados de 201847, entretanto, constatamos que a diferença de
financiamento entre as grandes áreas é pequena, no que tange aos recursos destinados ao

47
Ver portal de investimentos do CNPq: http://fomentonacional.cnpq.br/dmfomento/home/fmthome.jsp
119

pagamento de bolsas de mestrado e doutorado no Brasil48: 19% do total foram destinados


a estudantes das Engenharias, 17% àqueles das Ciências Exatas e da Terra, 16% aos de
Ciências Biológicas, 15% de Ciências Agrárias, 14% de Ciências Humanas, 8% Ciências
da Saúde, 6% Ciências Sociais Aplicadas, e apenas 5% aos alunos de Linguística, Letras
e Artes.
Por fim, um indicativo do crescimento da capacidade científica de um campo pode
ser inferido pelo engajamento dos seus agentes em grupos de pesquisa. Dados da
Plataforma Lattes mostram que houve um crescimento substantivo nos últimos 20 anos
no número de grupos de sociologia cadastrados. Essa ampliação demarca, além do mais,
a diversificação temática dos pesquisadores brasileiros. Vale lembrar que eles não
indicam os únicos grupos nos quais pesquisadores que atuam em sociologia podem fazer
parte. A classificação demarca, antes, a orientação geral da temática de pesquisa, podendo
conter pesquisadores também de outras áreas de atuação.

Gráfico VII – Evolução do número de grupos de pesquisa de sociologia (1993 –


2016)

663
621

470

382
344
296
240
187
149
88 100

1993 1995 1997 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2014 2016

(Dados coligidos a partir da Plataforma Lattes)

48
Excetuam-se nessa descrição, por enquanto, aqueles valores referentes aos demais tipos de bolsa.
120

Os dados são sugestivos. Entre 1993 e 2016, houve um aumento de cerca de 753% no
número de grupos de pesquisa em sociologia. Comparando-se com o total de grupos
cadastrados no último ano (37640), o número parece, à primeira vista, irrisório,
representando apenas 1,8% do total. Quando relacionado com os números de outras
disciplinas, temos uma noção mais ampla. De 84 áreas cadastradas na Plataforma Lattes,
seleciono algumas: antropologia, 393 (1%), ciência política, 387 (1%), bioquímica, 466
(1,2%), ecologia, 596 (1,65), geociências, 685 (1,8%), física, 801 (2,1%), ciência da
computação, 1115 (3%), medicina, 1619 (4,3%), educação, 3595 (9,6%) etc.
Nesta seção, reuni indicativos que ilustram a consolidação institucional do campo
sociológico nacional na contemporaneidade, quais sejam: políticas públicas de expansão
do ingresso ao ensino superior, ampliação do número de PPGs de sociologia,
amadurecimento de associações profissionais, aumento do número de periódicos
nacionais, ocorrência regular de congressos acadêmicos, política de financiamento de
bolsas de mestrado e doutorado, e o crescimento de grupos de pesquisa de sociologia.
Agora, passemos para duas dimensões internacionais que atuam no campo sociológico
como um todo na atualidade: políticas de mobilidade internacional e o sistema de
avaliação de desempenho e pesquisa.

Integração dependente? Políticas de mobilidade e avaliação de desempenho

A consolidação do campo científico como um todo no Brasil, expressa pela expansão e


fortalecimento do sistema de pós-graduação, foi acompanhada por uma maior inserção
internacional da produção científica e de pesquisadores via mobilidade internacional.
Para isso, afiguraram-se decisivas as políticas de internacionalização adotadas pelo
governo, com vistas a fomentar a mobilidade de pesquisadores e professores, além de
valorizar a publicação em periódicos internacionais. Nesta seção analisarei tais políticas
e suas implicações para a ciência brasileira, em geral, e para a sociologia, em particular,
na primeira década e meia do século XXI.

Mobilidade internacional de pesquisadores e assimetrias globais

O fenômeno contemporâneo da mobilidade internacional de pessoal altamente


qualificado está relacionado com a integração (desigual) do campo econômico à escala
global, possibilitada, entre outras coisas, pelas políticas estatais de desregulamentação de
121

mercados e a associação entre setores produtivos e instâncias legitimadas de produção de


conhecimento científico e tecnológico. A despeito deste cenário, é consenso para a
literatura o caráter multidimensional do fenômeno, especificamente quando diz respeito
à mobilidade acadêmica, podendo esta ser apreendida em seus aspectos epistemológicos,
geopolíticos e até ontológicos (AUPETIT & GÉRARD, 2009; JÖNS, 2015;
ROBERTSON, 2010; KIM, 2010; BAUDER, 2012; FAHEY & KENWAY, 2010;
GARCIA JR, 2013; BILECEN & VAN MOL, 2017; GERHARDS et al 2018). Em face
dessa diversidade de enfoques, delimitarei nesta seção as políticas de mobilidade
internacional adotadas pelos governos, enfatizando suas relações com padrões mais
amplos de desigualdades próprios da geopolítica do conhecimento.
Como vimos no capítulo segundo, a política de mobilidade internacional de
bolsistas de pós-graduação teve como função, no decorrer da segunda metade do século
XX, recrutar pessoal qualificado visando ao desenvolvimento da capacidade científica
nacional. Esperava-se que o retorno dos bolsistas, e a sua consequente integração nas
universidades, contribuísse para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional,
diminuindo a dependência de formação científica no exterior. Pode-se dizer que essa
política foi bem-sucedida (RAMOS & VELHO, 2011), na medida em que se revelou
crucial para a criação e expansão dos programas de pós-graduação nacionais, dando
condições para a autonomização e reprodução do campo científico nacional.
A partir da década de 1990, também exposto no capítulo anterior, a política de
mobilidade sofrerá uma inflexão, priorizando estadias de curta duração no âmbito do
doutorado dentro dos marcos do que ficou conhecido como modalidade sanduíche. Essa
tendência se manteve nos primeiros anos do século XXI. O objetivo norteador das
políticas de internacionalização (atuais), contudo, difere daquelas de mobilidade
internacional (pretéritas) décadas precedentes, apontando para a necessidade da produção
de conhecimento científico internacionalizada, a inovação tecnológica, e a sua
correspondente integração aos agentes econômicos.
O V PNPG (2005 – 2010), por exemplo, dedica poucas páginas para a
internacionalização, ao destacar a produção de artigos em periódicos de prestígio, e as
políticas de cooperação internacional e recrutamento de recursos humanos no exterior.
Sobre estas últimas, frisa que tais políticas devem seguir duas premissas norteadoras: o
aprimoramento da pós-graduação, atrelado ao avanço do conhecimento, e a sua interação
com os planos de desenvolvimento econômico e social do país (BRASIL, 2004, p. 61).
Já o VI PNPG (2011 – 2020), volumes I e II, dedica mais de 30 páginas apenas ao tema
122

da internacionalização, sugerindo-nos a importância concedida ao tópico para o


desenvolvimento da pós-graduação na segunda década do século XXI. De maneira geral,
o VI Plano também salienta, como o último, o crescimento da produção brasileira
indexada em bases internacionais. Além disso, e mais importante, detalha as ações de
cooperação internacional empreendidas pelas principais agências de fomento, como
também a inserção internacional de empresas e institutos dedicados à produção de
conhecimento e de tecnologia, como a Petrobrás, Embrapa e Fiocruz.
Essas diretrizes, aqui esboçadas de forma demasiado genérica, ilustram a visão
estratégica de instâncias competentes do Estado, visando a fomentar a internacionalização
da produção científica brasileira num contexto de uma economia do conhecimento
globalizada, tendo como principal vetor de internacionalização a mobilidade de
estudantes e pesquisadores. Os dados disponibilizados pelas duas maiores agências de
fomento de pesquisa podem lançar luz sobre 1) o lugar ocupado pelo financiamento de
bolsas de estudo e pesquisa no exterior em relação aos outros investimentos, como
também 2) as variações internas do quantitativo de bolsistas no exterior no decorrer dos
anos.
O seu uso, além do mais, constitui uma valiosa oportunidade de se debruçar sobre
o fenômeno da mobilidade internacional de pesquisadores considerando a realidade
brasileira, dado que pesquisas têm salientado a dificuldade de se obter tais informações
sobre os países latino-americanos (AUPETIT & GÉRARD, 2009; GARCÍA DE
FANELLI, 2009). Uma desvantagem dos dados, porém, reside no fato de que eles
circunscrevem o universo de análise aos bolsistas de agências públicas de fomento,
deixando de lado a mobilidade daqueles pesquisadores e estudantes que fizeram uso de
outros recursos (por exemplo, bolsas de outros países, de agências transnacionais ou de
recursos próprios). De qualquer forma, os números, valores, modalidades e destinos aqui
examinados refletem boa parte da dimensão internacional associada à mobilidade no
Brasil, considerando a obrigatoriedade do retorno dos bolsistas e as baixas taxas de brain
drain verificadas no campo científico nacional (BALBACHEVSKY & MARQUES,
2009).
Eles foram coligidos tendo em vista a discriminação dos montantes direcionados
ao financiamento de bolsas no país, no exterior, a algumas modalidades de fomento de
pesquisa e estudos e o seu destino. Foram excluídos da análise demais investimentos com
manutenção de funcionários, prédios e construções, e o financiamento de programas
focalizados (parceira com empresas e indústrias, por exemplo).
123

Gráfico VIII – Evolução dos investimentos discriminados da Capes (2004 – 2018)

6.000.000.000

5.000.000.000

4.000.000.000

3.000.000.000

2.000.000.000

1.000.000.000

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Bolsas País Bolsas Exterior CsF Fomento à Pós-Graduação

(Dados agrupados a partir de planilha disponibilizada pela Capes:


https://www.capes.gov.br/orcamento-evolucao-em-reais. Todos os anos fazem
referência ao montante de orçamento executado, com exceção de 2018 (assinalado
como orçamento previsto, acesso em 01/05/2019)).

Gráfico IX – Evolução dos investimentos discriminados pelo CNPq (2001 – 2018) –


em mil Reais

1600000
1400000
1200000
1000000
800000
600000
400000
200000
0
2000 2005 2010 2015 2020

Bolsa país Auxílio pesquisa Bolsa exterior

(Dados coligidos e agrupados a partir do Painel de Investimentos do CNPq


(http://memoria.cnpq.br/painel-de-investimentos, acesso em 30/04/2019)).
124

Algumas considerações sobre os dados. A discriminação dos investimentos das duas


agências de fomento converge em dois aspectos: maior parte das bolsas é destinada ao
financiamento de bolsas de graduação e, sobretudo, de programas de pós-graduação
nacional; e a partir de 2011 observa-se um aumento considerável no pagamento de bolsas
para o exterior, em decorrência da implantação do programa Ciência Sem Fronteiras
(CsF). Outro aspecto a ser notado é o declínio dos valores referentes a esse programa,
pela Capes, a partir de 2017 e, de forma mais discreta, a diminuição de bolsas nacionais
em 2018. Pelo CNPq, é impactante a redução acentuada do financiamento em todas as
modalidades de bolsas e auxílio a partir de 2015.
O direcionamento das verbas para programas nacionais evidencia a robustez e a
abrangência do sistema de pós-graduação nacional, destino da maioria dos estudantes
brasileiros que optam por uma especialização acadêmica ou que estão em estágio
formativo de suas carreiras acadêmicas. Por outro lado, a acentuada inflexão observada a
partir de 2011 aponta para a priorização da formação no exterior, no âmbito do programa
instituído pelo governo do primeiro mandato de Dilma Rousseff (2010 – 2014), e que
perdurou até meados de seu segundo mandato, mesmo após sua deposição pelo processo
de “impeachment” em agosto de 2016. O CsF é um programa “que busca promover a
consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da
competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional”49. As
bolsas e auxílio foram ofertadas a pesquisadores e alunos de disciplinas consideradas
pelo governo como prioritárias e estratégicas para o desenvolvimento. Nessa visão, foram
excluídas as ciências humanas e sociais – o que não faz sentido, considerando a
contribuição dessas para a compreensão do fenômeno caracterizado como
“desenvolvimento”. Ainda que não seja objetivo desta dissertação analisar o programa
CsF, cabe dedicar algumas linhas para o seu exame, na medida em que ele constituiu uma
das maiores, senão a principal, política de grande envergadura no âmbito da
internacionalização via mobilidade internacional no Brasil em sua história – tema desta
dissertação.
Apesar da exclusão das ciências humanas e sociais, entre as quais encontra-se a
sociologia, não há dúvida de que se tratou de uma tentativa do governo de fomentar o
desenvolvimento científico e tecnológico nos quadros de uma competição global pela

49
Informação obtida no sítio eletrônico do Programa (http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/o-
programa, acesso 01/05/2019).
125

produção de conhecimento e inovação. Uma visão mais crítica, contudo, exige que nos
debrucemos sobre o perfil dos contemplados com os recursos. Por isso, vejamos os dados
referentes ao perfil das bolsas de estudo e pesquisa no exterior por modalidade, por meio
do quantitativo do somatório de ambas as agências de fomento.

Gráfico X – Discriminação das modalidades contempladas com bolsas no exterior.


Capes e CNPq* (2000 – 2018)

70000

60000

50000

40000

30000

20000

10000

0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 2018

Doutorado pleno Doutorado sanduíche Graduação sanduíche Pós-Doutorado

(Dados coligidos e agrupados a partir do Portal Geocapes


(https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/) e do Painel de Investimentos do CNPq
(http://memoria.cnpq.br/painel-de-investimentos).
*O CNPq possui dados referentes aos bolsistas de graduação sanduíche apenas a partir
de 2012).

Os dados mostram que os volumosos recursos investidos no financiamento de bolsas para


o exterior a partir de 2011 privilegiaram sobretudo estudantes de graduação de cursos das
ciências exatas, da Terra, da natureza e biológicas. Tal desnível entre as modalidades de
contemplados suscita algumas observações. Em primeiro lugar, se os principais objetivos
eram, como diz o sítio eletrônico do Programa, investir na formação qualificada para
avançar a chamada “sociedade do conhecimento” e aumentar a presença de pesquisadores
e alunos em instituições de excelência, a escolha de privilegiar alunos de graduação se
126

mostrou nem um pouco estratégica, para não dizer desastrosa do ponto de vista
orçamentário. São inúmeras as pesquisas (VELHO, 2001; SCHWARTZMAN, 2009;
RAMOS, 2018, RAMOS & VELHO, 2011; LOMBAS, 2017) enfatizando que é no
âmbito do doutorado, especificamente em sua modalidade plena, que de fato há produção
de conhecimento de ponta, inovação tecnológica e uma maior integração institucional na
universidade receptora, propiciando a formação de redes de longa duração. A
consequência de tal escolha, aqui enunciada de forma presumível, é o mal uso de recursos
escassos e o pouco retorno do ponto de vista dos objetivos manifestos. Recursos que, se
bem aplicados também a pesquisadores de outras áreas no âmbito do doutorado,
certamente teria mais chances de propiciar um retorno desejável (e durável) do ponto de
vista do conhecimento necessário para o chamado desenvolvimento econômico,
científico e social do Brasil50.
Em segundo lugar, e relacionado à restrição temática do Programa, está o seu
impacto sobre o campo científico. Uma consequência não intencional de alocar
volumosos recursos para determinadas disciplinas em detrimento de outras é o
agravamento da heteronomia do campo científico. Para Azevedo & Catani (2013), a
centralização da política científica em tal magnitude, e a publicização da concorrência
por recursos públicos, expressam a regulamentação estatal sobre dinâmicas e decisões
próprias do campo. Ao fim e ao cabo, essa regulação estatal agrava os desníveis nas
posições entre disciplinas previamente estabelecidas no interior do campo, alterando o
cenário de disputas internas (por recursos e tomadas de posição) e externas (legitimidade
social das ciências consideradas inaptas para a contribuição do desenvolvimento).
Após essa incursão sobre o financiamento público de bolsas no exterior e o
Programa Ciências sem Fronteiras, cabe analisar o lugar da sociologia nas políticas de
mobilidade internacional e o vetor do fluxo de bolsistas. Como os gráficos XVIII e IX
assinalam, foram relativamente poucos os recursos destinados a bolsas no exterior para
pesquisadores e alunos fora do âmbito do CsF. A série história mostra que, uma vez
consolidado o sistema nacional de pós-graduação, os governos priorizaram o
financiamento de bolsistas no território nacional. O gráfico X evidencia que, dessas

50
Não é ocioso lembrar que as ciências sociais têm muito a oferecer para o fomento de uma reflexão pública
qualificada a respeito dos rumos do desenvolvimento econômico e social do país, além de contribuir com
conhecimento científico sobre as condições sociais, a dinâmica e as consequências de políticas e projetos
empreendidos pelo Estado, empresas, ongs, e demais agentes.
127

bolsas, a maior parte foi destinada à modalidade de doutorado sanduíche. É dentro desse
quadro, pois, que devemos posicionar os bolsistas na área de sociologia. Aqui, a despeito
de sua proximidade temática e institucional com as outras ciências sociais, analisarei
apenas o financiamento de bolsas alocadas na categoria “sociologia” pelos órgãos de
fomento, em consonância com o desenvolvimento e maturação do campo sociológico
nacional, conforme exposto no início deste capítulo.

Tabela III – Evolução do número de bolsistas no exterior (doutorados pleno e


sanduíche) de sociologia em relação às demais áreas (CNPq e Capes)

Ano Sociologia % Economia % Química % Total

2000 42 2% 100 4% 81 3% 2372


2001 53 2% 152 6% 60 2% 2506
2002 55 2% 161 6% 61 2% 2518
2003 55 2% 139 5% 77 3% 2572
2004 64 2% 121 5% 74 3% 2580
2005 62 2% 96 3% 106 4% 2755
2006 62 2% 82 3% 119 4% 2911
2007 73 3% 85 3% 121 4% 2910
2008 76 3% 71 2% 131 5% 2897
2009 95 3% 64 2% 138 5% 2977
2010 89 3% 38 1% 142 5% 3096
2011 85 2% 57 2% 167 5% 3510
2012 127 3% 72 1% 225 5% 4966
2013 148 2% 87 1% 311 5% 6895
2014 157 2% 125 1% 380 4% 9165
2015 173 2% 140 1% 431 4% 10836
2016 77 1% 89 1% 305 4% 7121
2017 106 1% 107 1% 320 4% 8529
2018 6 0% 7 1% 82 6% 1342

(Dados coligidos e agrupados do sítio eletrônico Fomento Nacional CNPq


(http://fomentonacional.cnpq.br/dmfomento/home/fmthome.j) e Portal Geocapes
(https://geocapes.capes.gov.br/geocapes/) Acesso 01/05/2019)
128

Quando analisamos a proporção de bolsas de doutorado pleno no exterior e sanduíche51


concedidas à sociologia, vemos que seu número é muito baixo quando comparado ao total
ao longo dos anos. Olhando outras duas disciplinas, uma social aplicada e outra ciência
da natureza, escolhidas apenas para fins de comparação, vemos que a sociologia ocupa
uma posição historicamente semelhante à da economia. No começo do século, química e
sociologia compartilhavam números de bolsas concedidas próximos, a primeira
distanciando-se gradativamente ao longo dos anos, acentuando-se decisivamente nos
anos iniciais do CsF.
Restrinjamos, agora, nossa análise à mobilidade de pesquisadores alocados na
categoria “sociologia” pelos órgãos de fomento. Nas páginas que seguem, procurarei
destrinchar seus fluxos internacionais, tendo em vista as desigualdades na produção e
circulação do conhecimento. Sobre isso, o interesse pelas conexões entre mobilidade e a
(re)produção de desigualdades no âmbito geopolítico tem sido o mote de inúmeros
trabalhos, como aqueles dedicados às razões econômicas e políticas macrossociais
(CHEN & BANNETT, 2000); aos processos de internacionalização de disputas
domésticas e importação de paradigmas teóricos (DEZALAY & GATH, 2000;
DEZALAY & MADSEN, 2013; GARCIA Jr, 2013); à mobilidade como um indicativo
de dependência acadêmica (KEIM, 2008; KREIMER, 2006; GERHARDS et al, 2018); à
perspectiva das assimetrias no mercado de trabalho internacionalizado (BÁLAN, 2009;
BAUDER, 2012); e à sua relação com a constituição de espaços globais (MARGINSON,
2008; BILECEN & VAN MOL, 2017; BÖRJESSON, 2017) e “centros de cálculo”
(JÖNS, 2015). Em consonância com essa perspectiva, a mobilidade internacional de
estudantes e cientistas pode ser considerada, para os fins dessa pesquisa, uma chave
privilegiada para compreender 1) o espaço global da sociologia, considerando-se o
histórico particular da institucionalização da sociologia brasileira; 2) os centros
reconhecidos como prestigiosos pelos pesquisadores; e 3) a sua relação com um quadro
mais amplo de dependência acadêmica. Os dados seguintes dizem respeito às
modalidades doutorado pleno no exterior e sanduíche, pós-doutorado e estágio sênior no
exterior.

51
A escolha das duas modalidades de doutorado se dá porque é nessa modalidade que de fato 1) há a
obtenção de um título acadêmico; 2) ser uma etapa em que há produção de conhecimento inovador; e 3) ao
excluir a graduação sanduíche, é possível melhor comparação com as disciplinas contempladas com o CsF.
129

Um primeiro passo constitui identificar os países de destino dos pesquisadores de


sociologia no período contemporâneo. Em seguida, farei a discriminação temporal e por
regiões, de forma a ter uma visão mais diacrônica das tendências dos destinos. por
modalidade de bolsas, considerando as diferenças entre elas em termos de propósitos e
formas de integração institucional. Por fim, analisarei as principais instituições de
destinos e os possíveis desníveis quanto às relações de gênero.

Figura VII – Destinos das bolsas no exterior concedidas pela Capes e CNPq (2000
– 2016) na área de sociologia

(Mapa gerado no software de geoprocessamento QGIS (versão 2.18). A grossura das


linhas e o tamanho dos centroides representam, ambos, a diferença quantitativa do
atributo “número de bolsas” por país de destino.
Dados da Capes obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Dados do CNPq coligidos do Painel de Investimentos do CNPq)

Quando agregamos os dados referentes ao número de bolsas concedidas a pesquisadores


das modalidades doutorado pleno, doutorado sanduíche, pós-doutorado e estágio sênior,
notamos uma concentração histórica na escolha da França como principal destino: 405
bolsas, ou 33,36% do total. Em seguida, Portugal, com 233 bolsas (19,19%), EUA, 169
bolsas (13,92%) e Reino Unido, com 97 bolsas (8%). Espanha, Alemanha, Canadá e
Holanda se destacam, compartilhando 6,4%, 4,61%, 2,47% e 2,22% respectivamente. Os
demais destinos não ultrapassam a faixa dos 2% do volume total de bolsas concedidas.
130

A distribuição regional e temporal dos dados pode lançar luz sobre a tendência
histórica das mobilidades. Por isso, discriminei os dados conforme número anual das
bolsas, entre 2000 e 2016, como também por regiões. Exceção foi feita para a França,
dado o elevado número de pesquisadores que a escolhe como destino. Além disso,
considerando o baixíssimo número de pesquisadores que tiveram as regiões e continentes
da América Latina, Ásia, África e Oceania como destino, agrupei-os como “Sul Global”.
Tal categorização, além do mais, fundamenta-se não numa suposta homogeneidade ou
similaridade cultural ou histórica52. Seu uso, por outro lado, procura enfatizar como as
políticas científicas são orientadas conforme a produção de geografias morais da
desigualdade (PINHEIRO, 2018).

Gráfico XI – Principais destinos das bolsas de doutorado pleno no exterior,


doutorado sanduíche, pós-doutorado e estágio sênior – Capes e CNPq - Sociologia
(2000 – 2016)

160

140

120

100

80

60

40

20

0
2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016

Sul Global Canadá + EUA Península Ibérica França Europa: outros

(Elaboração própria. Dados da Capes obtidos via Lei de Acesso à Informação. Dados do
CNPq coligidos do Painel de Investimentos do CNPq)

52
A não ser, certamente, a convergência na experiência histórica de subjugação ao colonialismo europeu e
ao imperialismo americano (SH ALATAS, 2000; CONELL, 2012; RIBEIRO, 2014).
131

Alguns aspectos se sobressaem na análise da distribuição de bolsas no exterior. Destaca-


se, primeiramente, a posição privilegiada da França e Portugal como principais destinos
dos bolsistas. Conforme algumas pesquisas pretéritas, é possível aventar algumas
sugestões explicativas para o fenômeno. No caso francês, como demonstra Xavier de
Brito (2000), as redes ocorrem no âmbito propriamente acadêmico, graças às referências
prévias de orientadores brasileiros, que indicam instituições e colegas franceses para seus
orientandos. Além das referências profissionais, também há aquelas teóricas,
materializadas nos problemas, autores e tradições em comum. Dessa forma, há uma
proximidade intelectual prévia condicionando o horizonte de possíveis para que ocorra a
mobilidade. Com efeito, o intercâmbio internacional entre pesquisadores de distintos
países, via mobilidade, quando realizado de forma duradoura ao longo do tempo e entre
mesmas instituições, é capaz de consolidar tradições intelectuais e influências mútuas
(GÉRARD & MALDONADO, 2009). Como vimos no capítulo precedente, é
significativa a influência das ciências sociais francesas na estruturação do campo
congênere no Brasil. Já para o caso português, a atração pela pátria de Pessoa parece estar
mais ligada às redes familiares e em decorrência da proximidade linguística. Como
constataram empiricamente Araújo & Silva (2014), o interesse crescente pelos estudos e
pesquisa em Portugal ocorre porque muitos brasileiros contam com familiares que vivem
ou que já viveram no país. Além disso, as instituições universitárias lusitanas são vistas
como prestigiosas, frequentemente associadas a uma suposta “excelência europeia” cujo
acesso é facilitado pela semelhança do idioma. Dessa forma, ocorre uma proximidade
familiar e linguística.
Os dados também corroboram tendências mais amplas de análises amparadas pela
perspectiva da dependência acadêmica (ALATAS, 2003; PINHEIRO, 2018; KEIM,
2008), que apontam para a concentração dos fluxos internacionais em determinados polos
reconhecidos como prestigiosos. Além de França e Portugal, Estados Unidos, Reino
Unido e Alemanha despontam como principais destinos de estudantes e pesquisadores –
fenômeno da ordem estrutural, considerando a formação histórica de um espaço global
das ciências sociais (BEIGEL, 2013; BÖRJESSON, 2017). Ao fim e ao cabo, as políticas
científicas de mobilidade, nesse cenário, tendem a retroalimentar as assimetrias globais,
em decorrência do 1) valor pago a instituições receptoras, muitas vezes privadas, que se
beneficiam das altas taxas pagas pelos governos emissores para oferecer melhores
condições materiais e de trabalho; e 2) muitas pesquisas realizadas nos âmbitos do
132

doutorado e pós-doutorado dizerem respeito a demandas e dinâmicas próprias do campo


científico do país receptor.
Sobre isso, Balán (2009) argumenta que os estudantes estrangeiros de pós-
graduação nos EUA têm contribuído para a manutenção da capacidade científica e
tecnológica daquele país, suprindo uma demanda por massa crítica que não encontra
lastro populacional no país, já que os jovens cada vez mais se interessam por carreiras
não acadêmicas. Além disso, as taxas (“fees”) de estudo cobradas por estudantes
estrangeiros é maior do que aquelas exigidas dos estudantes do próprio país, o que
contribui para os altos custos de manutenção das universidades de elite. Dinheiro, vale
lembrar, muitas vezes pagos pelos governos de países periféricos, como é o caso do
Brasil. Esse aspecto estrutural da geopolítica do conhecimento reflete o caráter
propriamente relacional das mobilidades, na medida em que contribuem para a co-
constituição de posições assimétricas no espaço acadêmico global, em geral, e das
ciências sociais, em particular. Quanto ao pós-doutorado, Balán (2009) também
argumenta que a alta produtividade científica dos EUA se deve, em parte, à existência de
uma oferta abundante de jovens cientistas estrangeiros mal remunerados, com empregos
precários e carreiras incertas, dispostos a trabalhar em centros de prestígio internacional.
A despeito da diferença de destino, não parece haver uma diferenciação
significativa em torno das modalidades de bolsa: todas as regiões de destino têm taxas
parecidas de variação. Exceção ocorre nos doutorados plenos: nenhuma bolsa foi
direcionada a instituições de países do Sul Global. Por outro lado, a modalidade “estágio
docente” se faz presente apenas nessa nos países e regiões agrupados nessa categoria . As
porcentagens foram relativas ao total de bolsas por região, e não do somatório total de
bolsas do universo.
133

Tabela IV – Proporção relativa das modalidades de bolsas de sociologia por região


(2000 – 2016)

PhD Sanduíche Pós-doc Est. Est.


Sênior Docente
Sul 0% 74% 14% 8% 4%
Global

França 4% 66% 25% 5% 0%

Canadá + 9% 58% 25% 8% 0%


EUA

Península 5% 68% 21% 6% 0%


Ibérica

Europa: 17% 51% 20% 12% 0%


outros

(Elaboração própria a partir de dados agrupados do Portal Geocapes e do Painel de


Investimentos do CNPq)

Igualmente importante ao examinar o fluxo internacional de bolsistas é identificar aqueles


que escolheram o Brasil como destino, e quais as políticas de atração implementadas
pelos governos. Dentre essas, destaca-se o Programa de Estudantes-Convênio de Pós-
Graduação (PEC – PEG), cujo objetivo é aumentar a qualificação de graduados,
professores e pesquisadores provenientes de “países em desenvolvimento” com
cooperação cultural, científica e educacional com o Brasil (MOROSINI, 2011). De fato,
não se trata de um programa novo: data da década de 1980, tendo contemplado cerca de
1600 estudantes na última década (GUILHERME et al, 2018). Desde 2006, o programa
contemplou 60 bolsistas na área de sociologia, provenientes sobretudo da América Latina
e da África lusófona.
134

Figura VIII – Origem dos bolsistas da Capes e do CNPq contemplados com o PEC-
PG entre 2006 e 2018.

(Mapa gerado pelo software de geoprocessamento QGIS, versão 2.18. Dados da Capes
obtidos pela Lei de Acesso à Informação. Dados do CNPq extraídos do Painel de
Investimentos)

Os dados confirmam que, fora da América Latina, os contemplados fazem parte da


Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com os quais os governos do PT
mantiveram relações de cooperação. Moçambique destaca-se dentre todos, com 26
bolsistas. Os demais (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau e Timor Leste) não
ultrapassando a quantidade de 3 contemplados. Na América Latina, o principal provedor
foi a Colômbia, com 16 bolsistas, os demais países não ultrapassando a marca de 3.
É esperado que o fluxo internacional via PEC-PG beneficiasse países da região e
aqueles lusófonos, dada as políticas de cooperação internacional que o Brasil estabeleceu
nos últimos anos. Contudo, o que apontariam os dados relativos aos bolsistas estrangeiros
não vinculados àquele programa? Será que o fluxo continuaria seguindo a orientação Sul-
Sul? Infelizmente, obtive apenas os dados da Capes, via Lei de Acesso à Informação. A
despeito da resposta negativa do CNPq, creio que os números de que disponho podem
indicar tendências mais gerais sobre a nacionalidade dos bolsistas que vieram realizar sua
pós-graduação em sociologia aqui. Um exame mais aprofundado sobre esse influxo
exigiria, além do mais, uma apreciação das linhas de pesquisa e escopo temático nas teses
e dissertações desenvolvidas por esses bolsistas.
135

Figura IX – Origem dos bolsistas estrangeiros na modalidade sociologia – Capes


(2000 – 2018)

(Mapa criado no software de geoprocessamento QGIS, versão 2.18. Dados obtidos via
Lei de Acesso à Informação)

Os dados corroboram a tendência observada nos bolsistas do PEC-PG, ou seja, de que a


maioria dos estudantes estrangeiros são provenientes da região latino-americana e da
África lusófona. Em ordem decrescente, os principais países de origem são: Colômbia
(38 bolsas), Guiné-Bissau (37), Moçambique (20), Argentina (17), México (14), Haiti
(11), Itália (9), EUA (8), Portugal e África do Sul (7), Peru (6), Suíca, El Salvador, Canadá
e Costa Rica (5), Angola (4), Honduras, Bolívia e Cuba (3), Andorra, Uruguai e Chile
(2), e Benim (1). O fato de o Brasil ser destino, no âmbito da formação pós-graduada,
sobretudo de estudantes e pesquisadores do Sul Global é visto por alguns autores como
dois modelos de internacionalização: a Cooperação Internacional Tradicional, voltada
para a formação de brasileiros no exterior (Norte) e marcada pela competição global entre
instituições de ensino superior; e a Cooperação Internacional Horizontal, caracterizada
pelos traços de solidariedade e consciência crítica internacional (MOROSINI, 2011).
Seguindo o trabalho de Pinheiro (2018), essas duas tendências marcam aspectos
estruturais da formação de geografias do desenvolvimento, historicamente associadas à
dimensão temporal da modernidade eurocentrada Ou seja, o Norte como sinônimo de
progresso e desenvolvimento, e o Sul visto da perspectiva da ajuda e da falta
136

(“Cooperação”). As políticas científicas podem contribuir, dessa forma, para essa


clivagem.
Por fim, o último aspecto a ser analisado no âmbito das mobilidades
internacionais, sob o ângulo do financiamento das agências de fomento, é a distinção de
gênero entre bolsistas. Infelizmente, os dados quantitativos de que disponho são
insuficientes para uma análise mais aprofundada da forma como homens e mulheres
vivenciam a mobilidade acadêmica internacional – isso porque a mobilidade, como
fenômeno presente nas relações sociais, é ela mesma dotada de práticas e representações
(CRESSWELL, 2010). Sob essa ótica, a mobilidade – em sua generalidade – também é
atravessada pelas relações de gênero, este concebido como forma primária de dar
significado ao poder em relações sociais fundamentadas na divisão percebida entre os
sexos (SCOTT, 1995).
Para uma descrição dos dados, foi necessário discriminá-los por agência de
fomento, pela diferença significativa entre seus valores. De forma geral, há mais mulheres
do que homens sendo financiados para pesquisar ou estudar no exterior – em parte devido
ao fato de as ciências sociais, especificamente antropologia e sociologia, contarem com
certa igualdade de gênero em relação ao número de praticantes.

Gráfico XII – Diferenças entre o gênero dos bolsistas, discriminado por agência de
fomento (2000 – 2016).

100%
90%
80% 41 33 24 264
42 98
70% 9
60% 21
50%
40%
30% 59 40 37 400
35 97
20% 5
10% 7
0%
PhD

PhD
Est. Sênior

Est. Sênior
Pós-Doc

Pós-Doc
Sanduíche

Sanduíche

CNPq Capes

Mulher Homem

(Elaboração própria. Dados da Capes obtidos via Lei de Acesso à Informação.


Dados do CNPq obtidos pelo Painel de Investimentos)
137

Sob o ponto de vista exploratório quantitativo, os dados sugerem uma presença maior de
mulheres nas modalidades doutorado pleno (no caso da Capes), sanduíche e pós-
doutorado, o último encontrando praticamente igualdade numérica nas bolsas financiadas
pela Capes. De fato, pesquisas sobre mobilidade acadêmica internacional e gênero
apontam para a sua “feminização” nos primeiros estágios da carreira científica,
característica que declina com o tempo de carreira (ACKERS, 2005; JÖNS, 2011). Essa
tendência internacional pode estar sendo representada no predomínio masculino na
modalidade de bolsa “Estágio Sênior”, direcionada a pesquisadores que obtiveram seu
doutoramento nos últimos 8 anos ou mais em relação à data do edital de concessão.
O contraste entre o percentual de homens e mulheres na modalidade doutorado
pleno entre CNPq e Capes também sugere dinâmicas distintas nos processos de seleção e
concessão de bolsas entre as agências. A primeira, vale lembrar, conta com recursos mais
escassos, frequentemente distribuídos conforme critérios “meritocráticos”53, o que
indicaria um mecanismo produtor e reprodutor de desigualdades de gênero no campo
científico. É sabido que critérios meritocráticos insensíveis às desigualdades de gênero,
provenientes dos papeis socialmente atribuídos às mulheres e homens nos ambientes
doméstico e familiar, impactam diferencialmente as carreiras de pesquisadores –
inclusive carreiras consideradas mais equânimes em termos de relações de gênero, como
as ciências sociais (CORDEIRO, 2013).
Nesta subseção, vimos como se deu a dimensão internacional da sociologia
brasileira no âmbito das políticas científicas de internacionalização via mobilidade. Esta,
conforme o exposto, afigurou como uma modalidade estratégica para a inserção
internacional da ciência nacional nos primeiros anos do século XXI, seguindo tendência
global de imposição de uma “economia do conhecimento”. Expressão maior dessa
política foi a implementação do programa Ciências Sem Fronteiras, cuja condução, a meu
ver, mostrou-se calamitosa do ponto de vista orçamentário e pouco estratégico. Em
seguida, analisei os fluxos internacionais de estudantes e pesquisadores sob a ótica
estrutural da geopolítica do conhecimento, especificamente a forma como as mobilidades
são ordenadas segundo uma “geografia moral das desigualdades”. Por fim, debrucei-me
sobre a variável de gênero entre os bolsistas, sugerindo algumas explicações para os

53
Como é o caso da distribuição de bolsas de alguns programas de pós-graduação, por meio da qual aquelas
provenientes do CNPq são concedidas aos estudantes que obtiveram as primeiras colocações nos processos
seletivos.
138

desníveis refletidos nos dados. Na próxima seção, voltaremos nossa atenção para outra
dimensão internacional da prática científica que afeta diretamente o cotidiano dos
pesquisadores: a avaliação de pesquisa.

Avaliação (e classificação) da pesquisa: periódicos e programas de pós-graduação

A mobilidade de pesquisadores e estudantes constitui a dimensão internacional mais


evidente na dinâmica dos campos científicos, figurando como tema de inúmeras
pesquisas sobre internacionalização. Uma dimensão menos óbvia, mas nem por isso
desimportante, é aquela referente às práticas de publicação internacional, considerando o
imperativo avaliativo de estratificação do campo científico e alocação de recursos. De
fato, o fenômeno não é novo: há mecanismos de avaliação de pesquisa e pares desde o
século XVII (GINGRAS, 2016). Em 1665, na aurora da institucionalização da ciência, a
Royal Society of London passou a submeter suas propostas de publicação ao crivo de
fortes avaliações de pares, abandonando aquelas consideradas pouco originais. Hoje,
porém, o fenômeno ganhou dimensões surpreendentes: avaliam-se países, universidades,
programas de pós-graduação, departamentos, revistas e indivíduos. Ao mesmo tempo, em
decorrência dessas avaliações são estabelecidos rankings entre agentes do campo,
contribuindo não apenas para a sua hierarquização, mas também para a heteronomia do
campo – a internacionalização desempenhando importante papel no processo.
Estudioso da dinâmica contemporânea de financiamento da ciência, Whitley
(2007) define a avaliação nesse âmbito como o conjunto de procedimentos de avaliação
dos méritos de pesquisa empreendidas em organizações financiada com recursos
públicos, e são implementados regularmente normalmente por agências estatais, variando
de país para apaís conforme a periodicidade, transparência e padronização. No Brasil,
pelo menos duas formas de avaliação complementares de pesquisa afetam diretamente a
prática cotidiana dos cientistas e estudantes: a dos programas de pós-graduação e dos
periódicos. Dado que o primeiro engloba o segundo, comecemos por ele. A avaliação dos
PPGs54 data de 1977, ano em que a Capes organizou comissões disciplinares para

54
Importante salientar que a avaliação da Capes recai sobre uma coletividade, no caso programas de pós-
graduação, qualificando-os quanto à formação de recursos humanos altamente qualificada. Esta avaliação
é diferente daquela empreendida, por exemplo, pelo CNPq, que visa aos indivíduos, concedendo bolsas
139

acompanhar o desenvolvimento dos cursos num momento de expansão do sistema de pós-


graduação nacional. Nesse período, os programas eram classificados como A (Muito
bom), B (Bom), C (Regular), D (Fraco) e E (insuficiente), e as informações não eram
públicas, sendo pois restritas apenas às instituições. Na década de 1990, passou-se a
avaliar conforme notas de 1 a 5, adotando entre seus critérios a quantidade de artigos
publicados, além de padronizar os quesitos norteadores entre todas as disciplinas. Ao final
da década, também decidiu-se qualificar os veículos das publicações (periódicos) dos
docentes pesquisadores, por meio da avaliação de pares. Nesse momento, cada área
pensou suas especificidades, classificando os periódicos em três estratos: A, B e C. Esse
modelo de avaliação perdurou até 2007, quando o número de estratos passou para 7: A1,
A2, B1, B2, B3, B4 e B5 – a categoria C indicando que o veículo em questão não possuía
os padrões mínimos para enquadrar-se como periódico científico (BARATA, 2016).
Além disso, passaram a ser avaliados também livros, e os programas passaram a ser
avaliados segundo notas de 3 a 7, este último e seu antecessor considerados de padrão de
excelência internacional. Em 2013, a periodicidade da avaliação passou a ser quadrienal,
diferentemente dos anos anteriores cujas avaliações ocorriam trienalmente.
A ficha avaliativa é composta atualmente por 5 tópicos, e cada área de avaliação
é livre para definir o peso atribuído a cada um: proposta do programa; corpo docente;
corpo discente, teses e dissertações; produção intelectual; inserção social. O seu objetivo
é, como afirmam Adorno e Ramalho (2018) avaliar a qualidade da formação dos recursos
humanos nos âmbitos do mestrado e doutorado. A comissão de avaliação de cada área é
presidida por um coordenador e um coordenador adjunto, e o comitê de avaliação é
formado por docentes de vários programas de pós-graduação, de forma a preservar a
autonomia e a imparcialidade. Um dado interessante é que, pelo menos desde a
reformulação da avaliação trienal em 2007, a coordenação e coordenação adjunta da área
de sociologia é presidida por agentes de programas de pós-graduação avaliados como 6
ou 7, ou seja, aqueles considerados como de padrão de excelência internacional. Não se
trata de algo trivial, dado que podemos considerar tais cargos como posições que
conferem poder temporal aos agentes, dotando-os não apenas de capital específico, mas
também de uma margem de ação mais ampla sobre decisões importantes da dinâmica

àqueles que atendem aos critérios de produtividade científica. Para um quadro comparativo, cf. Carvalho
et al., 2013.
140

interna do campo. A permanência de agentes ligados aos programas melhor avaliados


pode indicar um mecanismo de reprodução de posições estabelecidas55.

Tabela V – Coordenação da área de sociologia da avaliação Capes (2004 – 2022)

Período Coordenadores

Coordenador: Sérgio Adorno (Usp)


Triênio 2004 – 2006 Coordenador adjunto: José Ramalho
(UFRJ)

Coordenador: Sérgio Adorno (Usp)


Triênio 2007 – 2009 Coordenador adjunto: José Ramalho
(UFRJ)

Coordenador: Jacob Lima (UFSCAR)


Triênio 2010 - 2012 Coordenadora adjunto: Soraya Cortes
(UFRGS)

Coordenadora: Celi Scalon (UFRJ)


Quadriênio 2013 - 2016 Coordenador adjunto: Richard Miskolci
(Unifesp)

Coordenador: Marcelo Rosa (UnB)


Quadriênio 2017 - 2021 Coordenador adjunto: Álvaro Comin
(Usp)

(Elaboração própria. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação)

55
Exceção é o caso do prof. Jacob Lima que, no ano em que compôs a coordenação, pertencia a um
programa de nota 5. Contudo, ao deixar o cargo, o programa acendeu a nota 6, o que confirma a hipótese
aqui apenas sugerida.
141

Ao narrar sua experiência como coordenadores da área de sociologia entre 2004 e 2009,
Adorno e Ramalho (2018) chamam a atenção para a complexidade da avaliação,
enfatizando a interlocução constante com os agentes do campo sociológico para o
estabelecimento de critérios relevantes e reconhecidos pelos pares no processo avaliativo.
Tal interlocução, apontam, ocorreu com coordenadores de programas de pós-graduação
e em encontros de associações científicas, como a Anpocs e SBS. Essa característica da
avaliação é importante, pois ilustra a autonomia do campo em estabelecer os seus próprios
julgamentos, ao mesmo tempo em que se diferencia dos parâmetros estabelecidos por
outras disciplinas.
A despeito da autonomia relativa no estabelecimento de parâmetros socialmente
reconhecidos de qualidade da produção científica e da formação de recursos humanos, é-
lhes exigido seguir padrões de excelência internacional quanto à qualidade dos
programas. Por “excelência internacional”, entende-se aquelas instituições reconhecidas
como as mais prestigiosas, entendidas como modelos a serem seguidos e implementados.
O modelo, como é de se esperar, é procurado no Norte Global, índice histórico de
desenvolvimento e progresso:

Ao longo do triênio, a direção da CAPES estimulou os programas que, na sua


definição de critérios para atribuição de notas 6 e 7, buscassem equivalentes em
programas de excelência no exterior. Nunca se tratou de tarefa fácil, pois exigiria
um conhecimento interno desses programas, nem sempre passível de ser aferido
através de suas correspondentes páginas web. De todo modo, em uma das
reuniões do CTC, a área de Sociologia sugeriu como “modelos” de excelência
os seguintes programas: LSE, Cambridge, Oxford (Grã-Bretanha); Chicago,
Harvard, Columbia, NY School for Social Sciences, University of California at
Berkeley, MIT e Stanford (EUA); École des Hautes Études em Sciences Sociales
(França), Institut for Social Sciences Research (Frankfurt). Na verdade, trata-se
de apenas sugestões, pois as estruturas dos cursos são muito distintas dos
programas brasileiros na área de sociologia (ADORNO & RAMALHO,

2018, p. 42)

Não é apenas no modelo institucional que se inspira o modelo de prática científica a ser
seguido no Brasil (e, mais amplamente, no Sul Global). As publicações científicas
materializam de forma dramática as assimetrias globais na produção e circulação do
conhecimento, e elas constituem o segundo elemento da avaliação sobre o qual nos
debruçaremos. Os artigos científicos não são avaliados individualmente, e sim os
142

periódicos nos quais foram publicados. Os livros e capítulos, por sua vez, são avaliados
individualmente, e é levado em conta a sua contribuição para a discussão de determinado
tópico em sua área, entre outros aspectos. A decisão de incluir livros e capítulos na
avaliação constitui importante conquista das ciências humanas e sociais, considerando
suas especificidades temporais e epistemológicas.
Todavia, concentraremos nossa atenção às publicações em periódicos científicos,
dado que é nessa prática que são observados critérios mais heterônimos de avaliação
relacionados à internacionalização (GINGRAS, 2016; BEIGEL, 2013). E o motivo não é
ocioso: cada vez mais instâncias reguladoras e de fomento adotam métricas quantitativas,
como a bibliometria, para classificar periódicos. No Brasil, a Qualis é o instrumento
utilizado pela Capes na avaliação de periódicos, alocando-os entre 7 classificações.
Antes, porém, de analisar de que forma os periódicos em sociologia são classificados, é
preciso compreender como uma técnica destinada inicialmente para fins científicos
converteu-se em principal dispositivo de avaliação.
Artefatos, como é sabido, têm história. A bibliometria surgiu por volta de 1920,
como uma técnica auxiliar (manual e rudimentar) para compreender o desenvolvimento
das publicações de uma disciplina científica. Todavia, foi no contexto pós-II Guerra, nos
EUA, que ela de fato ganhou ímpeto e abrangência, com a criação do Institute for
Scientific Information (ISI), tendo como seu grande idealizador Eugene Garfield.
Inspirado em índices que congregavam documentos jurídicos, Garfield idealizou um
indexador de artigos científicos que reunisse em apenas um catálogo informações sobre
periódicos, contendo, além do título, os autores e seus vínculos institucionais, resumo e
referências bibliográficas.
Em sua empreitada, Garfield contou com volumosos recursos da National Science
Foundation (NSA) e da National Institutes of Health (NIH). O interesse pelas agências
americanas em alocar recursos para a sua criação não é supérfluo. Como pesquisas
históricas demonstram (WOUTERS, 1999; GINGRAS, 2016; BEIGEL, 2013) a ideia de
um indexador científico que congregasse informações atualizadas sobre de cientistas veio
a ter uma função relevante na disputa acirrada da Guerra Fria, contexto no qual a inovação
científica e tecnológica eram o mote para conquistar a hegemonia internacional. Além
disso, e talvez mais importante, também resolvia a “crise informacional” pela qual
passava o mundo da ciência, dado o crescimento exponencial de publicações e a
impossibilidade de se manter atualizado constantemente. Nascia, assim, o Science
143

Citation Index (SCI), em 1964, concebido originalmente como uma ferramenta de gestão
de literatura científica.
Mantendo o monopólio da indexação de literatura científica até início da década
de 2000, com a criação do Scopus (pela Elsevier) e Google Scholar, o ISI criou outros
índices, como o Social Science Citation Index (SSCI) e o Arts and Humanities Citation
Index (AHCI)56. Desde início, contou com o apoio de sociólogos da ciência, dentre os
quais Robert Merton e Derek de Solla Price. Com efeito, a reunião atualizada da literatura
científica trouxe grandes avanços para a bibliometria, na medida em que oferecia uma
perspectiva privilegiada para compreensão da dinâmica interna e desenvolvimento da
ciência (sobretudo americana). Sua utilidade, além do mais, não está restrita à sociologia
da ciência, sendo de interesse também de historiadores, economistas, gestores,
bibliotecários e formuladores de políticas públicas.
É a partir da década de 1980, e decorrer da 1990, que surgem os primeiros ensaios
para aplicar a bibliometria com fins de avaliação de pesquisa. A adoção de técnicas de
knowledge management e do benchmarking – espelhando lógicas empresarias e de
mercado – primeiramente por setores da administração pública e depois por universidades
americanas, consolidou essa modalidade de uso. Ao fim e ao cabo, a bibliometria serviu
de base para avaliar programas de pós-graduação, departamentos, laboratórios,
financiamento de pesquisas, universidades e indivíduos.

56
Atualmente, o SCI, SSCI e AHCI estão englobados pela Web of Science (WoS), indexador mantido pela
corporação Clarivate Analytics – Thomson Reuters.
144

Figura X – Usos da bibliometria e da cientometria

Política
científica

Sociologia Bibliotecono
mia e
das ciência da
ciências informação

Cientometria e
bibliometria

História Economia
das das
ciêncais ciências
Avaliação
da
pesquisa

(Elaboração própria, adaptado de Gingras (2016, p. 47))

Dessa forma, os grandes indexadores de periódicos também são responsáveis pelas


métricas bibliométricas, como o Fator de Impacto (FI)57. Ademais, uma revista é
considerada prestigiosa se estiver indexada no WoS e Scopus, pois será vista como de
alcance internacional. Todavia, como mostram uma série de estudos (MOSBAH-
NATANSON & GINGRAS, 2014; GINGRAS, 2016; BEIGEL, 2014; ORTIZ, 2008), o
caráter “internacional” de tais indicadores mascara a concentração de periódicos
anglófonos provenientes do Norte Global, principalmente dos EUA e Reino Unido. Como
corolário, as revistas publicadas em outros idiomas, e com regras editorias distintas
daquelas exigidas por aqueles indexadores, ficam invisíveis não apenas das métricas
bibliográficas, mas também das instâncias responsáveis pela avaliação. Essa
“invisibilidade”, como afirmam Vessuri et al (2013), tem consequências práticas para o
desenvolvimento das ciências do Sul Global, dado que o ingresso ao “debate científico
internacional” exige cada vez mais a adequação aos tópicos, temas e metodologias do

57
Medida que calcula a razão entre a quantidades de citações que uma revista recebeu, pelo número de
artigos nela publicados nos dois últimos anos. Serve, inicialmente, para indicar a probabilidade de um artigo
ser citado, e da possível influência e importância do periódico para determinada literatura específica.
145

Norte. Outro problema é que, além de invisibilizadas, também são pouco citadas, uma
vez que o reconhecimento da competência científica se encontra em outras latitudes.
Discutindo a possibilidade de existência dos entes do mundo sensível confiando
apenas na percepção, o filósofo irlandês George Berkeley se perguntava, no século XVIII,
se uma árvore ou um livro existiriam caso ninguém a visse ou o lesse. Transpondo para
nosso problema, cabe perguntar: um conhecimento que, embora publicado, não é lido
nem reconhecido, existe de fato? Fundamental para responder à questão é verificar como
os comitês de avaliação hierarquizam as publicações periódicas, sob quais critérios e se
há diferença entre diferentes campos disciplinares.
Fazendo uso dos relatórios da última avaliação quadrienal (2013 – 2016), escolhi
os seguintes critérios quanto às publicações de periódicos: porcentagem diante do total
dos quesitos avaliados; indexadores exigidos nos estratos mais altos (A1 e A2); e se o FI
é um critério diferenciador. Sua escolha se dá pois são neles que ficará mais evidente em
que medida as dimensões internacionais influem na prática de escrita e circulação do
conhecimento científico nacional. Para fins de comparação, e considerando que os
campos disciplinares se relacionam entre si, compondo o campo científico mais
amplamente, escolhi, seguindo classificação de áreas da Capes, uma disciplina das
Ciências Biológicas (Ciências Biológicas I, englobando biologia geral e genética); uma
das Ciências da Saúde (Medicina I); umas das Ciências Sociais Aplicadas (Administração
Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo); uma das Ciências Exatas e da
Terra (Física e Astronomia); uma das Engenharias (Engenharia II, englobando
engenharias de minas, nuclear e química); uma das Linguísticas, Letras e Artes
(Linguística e Literatura); e outra, além de sociologia, nas Ciências Humanas (História).

Tabela VI – Critérios de avaliação das revistas com estratos mais altos do Qualis
(A1 e A2)

Produção FI ou
Área de Avaliação intelectual Indexadores equivalente

Ciências 35% Web of Science – ISI e Scimago - Sim


Biológicas I Scopus
146

Medicina I 40% Web of Science – ISI e Scimago - Sim


Scopus

Administração 35% Web of Science – ISI e Scimago - Sim


Pública e de Scopus
Empresas, Ciências
Contábeis e
Turismo

Astronomia/Física 35% Web of Science – ISI e Scimago - Sim


Scopus

Engenharia II 40% Web of Science – ISI e Scimago - Sim


Scopus

Sociologia 40% SciELO, Redalyc, SCOPUS, Não


Sociological Abstracts, EBSCO,
International Bibliography of the
Social Science, Institut
d´Information Scientifique et
Technique, Current Contents/Social
& Behavioral Sciences, Social
Science Citation Index (SSCI),
Anthropological Index, Linguistics
and Behavior Abstracts, Social
Planning/Policy & Development
Abstracts, Latin American American
Periocals Tables of Contents, MLA
International Bibliography, Latindex

Linguística e 35% Scielo e Web of Science Sim


Literatura
147

História 40% Web of Science, Scopus, Scielo, Sim


ESCI, AHCI, CCAH

(Elaboração própria. Dados obtidos dos Relatórios da Avaliação Quadrienal da Capes,


2017)

As revistas classificadas como A1 e A2 são aquelas consideradas as mais prestigiosas


pelos agentes de determinado campo científico, além de cumprirem os requisitos
reconhecidos como de alta padrão de cientificidade. Para classificá-las, a maioria das
áreas de avaliação adota o Fator de Impacto ou equivalentes como critério de corte –
indexadas tanto pela Web of Science – ISI, quanto pela Scopus (Scimago). Como vimos,
esses indexadores constituem aquilo que Beigel (2010; 2014; 2016) classificou como
pertencentes ao SAM, baseado na universalização da bibliometria como critério
avaliativo (FI), no inglês como idioma dominante e na concentração de capital científico
em determinados polos. É na exigência de integração a esse circuito que, diz Beigel,
reside o caráter contemporâneo da dependência acadêmica, na medida em que
condicionaria a estratificação interna dos campos periféricos.
Os dados dos relatórios apontam que a publicação possui um peso relativamente
considerável na avaliação – entre 35 e 40%. Vale lembrar que a categoria “Produção
Intelectual” inclui também a publicação de livros (para a sociologia) e a criação de
patentes. Todavia, é na publicação de artigos em periódicos que reside o maior peso nesse
quesito (70% para a sociologia)
As Ciências Exatas, Biológicas, Engenharias e da Saúde adotam como único
critério de estratificação de periódicos a indexação de revistas naqueles naquelas bases
mencionadas, e com FI alto58. Duas considerações podem ser feitas sobre isso. A primeira
é que as publicações em outros idiomas que não o inglês e em outros indicadores são
sumamente invisibilizadas, quando não desencorajadas. Para Vessuri et al (2013) isso
pode trazer consequências negativas para os países do Sul Global, especialmente no
caráter prático que o conhecimento científico pode ter na resolução de problemas e para
o desenvolvimento locais. Os autores argumentam que a “ciência internacional”, na
medida em que beneficia os campos científicos do Norte, também prioriza problemas e

58
O quão alto deve ser o FI ou equivalentes é determinado por cada área. Em comum, todas estabelecem
valores mínimos desse índice bibliométrico para classificar as revistas mais prestigiadas.
148

temas de seu interesse. Por outro lado, Ortiz (2008) argumenta que, nessas ciências, o
inglês de fato funciona como uma língua franca, uma vez que a linguagem dos seus
artigos e livros conseguem transcender o contexto local. Nas ciências humanas e sociais
isso não ocorreria, para o autor, pois a linguagem é componente essencial do seu objeto,
por isso tal dissociação seria mais problemática.
A área de avaliação concernente ao campo sociológico distingue-se das demais
por não utilizar o FI como critério de corte, preferindo dessa forma concentrar-se nos
indexadores. Por isso, destoa das outras áreas de avaliação nesse âmbito – inclusive de
disciplinas também sociais, como História, Administração e Turismo. Por outro lado,
todas adotam o Scielo como indexador regional, contrapondo-se às outras áreas de
avaliação acima abordadas. Se num primeiro momento isso pode parecer um aspecto
positivo quanto ao fomento de circuitos regionais de consagração científica, quando
analisamos os seus critérios de indexação, constatamos uma emulação dos parâmetros
dos indexadores como o WoS e Scopus, como a exigência de uma cota mínima de títulos
em inglês e o uso de índices bibliométricos para calcular o “impacto”59. Essas
características distinguem-se de outras tentativas de fortalecimento de circuitos regionais
e transnacionais de consagração científica, dos quais a América Latina é pioneira, como
o RedALyc e o Latindex (DELGADO, 2010; VESSURI et al, 2013). Considerando toda
a discussão a respeito da geopolítica do conhecimento e da dependência acadêmica
abordada ao longo da dissertação, podemos dizer que o campo sociológico nacional está
mais atento às assimetrias que estruturam o espaço internacional das ciências, ao valorizar
a publicação em circuitos regionais e transnacionais de prestígio, além e não utilizar o FI
e equivalentes como determinante na estratificação de periódicos.
Cabe, por fim, uma última discussão. A avaliação da Capes e o Qualis não
pretendem avaliar a qualidade dos docentes, nem de suas publicações individualmente,
mas sim examinar a formação de recursos humanos qualificados pelos PPGs. Como
aponta Whitley (2007) as agências de avaliação se tornaram cada vez mais influentes num
contexto de expansão das comunidades científicas e da escassez de recursos. Contudo,
sua função vai além de avaliar, possuindo também poder classificatório no interior do
campo, contribuindo para a estruturação de práticas e estratégias de consagração, além de

59
Para mais informações sobre as condições de indexação da Scielo Brasil, ver
http://www.scielo.br/avaliacao/Criterios_SciELO_Brasil_versao_revisada_atualizada_outubro_20171206
.pdf. Acesso em 20 de maio de 2019.
149

fomentar a competição entre agentes, em detrimento de sua solidariedade. Assim, se o


seu resultado deveria interessar principalmente aos coordenadores das pós-graduações,
de forma a aperfeiçoar o recrutamento dos futuros ingressantes ao campo científico, acaba
por se tornar um elemento de distinção entre os agentes do campo. Dizer-se parte do
famigerado “Capes 7” é posicionar-se entre os eleitos60, de uma elite científica que, como
afirma também Whitley, tenderá a espelhar nos sistemas de avaliação as suas concepções,
seus padrões de cientificidade e suas agendas. Esse fenômeno, para o autor, acontece não
apenas entre agentes de um mesmo campo, mas entre campos científicos mais centrais –
como aqueles das ciências naturais. Quanto a isso, é digno de nota o esforço do campo
sociológico em estabelecer seus próprios critérios, e não emular modelos de prática
científica que lhe são alheios.

Epílogo

Neste capítulo, discorri sobre as condições institucionais de consolidação do campo


sociológico nacional, examinando em seguida as políticas científicas que condicionam as
práticas e tomadas de posição dos agentes. Argumentei que o desenvolvimento de
autonomização do campo sociológico foi possível graças ao incentivo estatal, através do
investimento massivo em ciência, tecnologia e ensino superior. Recorri empiricamente,
para embasar esse ponto, à expansão do número de pós-graduação de sociologia, ao
financiamento de bolsas recrutamento de pessoal na pós-graduação, e à expansão dos
grupos de pesquisa e dos veículos de comunicação científica.
Também comentei sobre as políticas de mobilidade internacional, argumentando
que seu financiamento massivo veio acompanhado de questões problemáticas. Em
primeiro lugar, as escolhas de financiamento do CsF foram de encontro à literatura
especializada sobre mobilidade internacional e desenvolvimento científico e tecnológico,
ao privilegiar estudantes de graduação de áreas consideradas “estratégicas” para o

60
No contexto atual de destruição de todas as conquistas sociais adquiridas desde a promulgação da
Constituição de 1988 – entre elas o acesso à educação superior pública e de qualidade – avaliação da Capes
também contribuiu para classificar aqueles programas indignos de funcionamento. Recentemente, foram
cortadas as bolsas destinadas ao financiamento de estudantes de programas de pós-graduação alocados na
nota 3: https://oglobo.globo.com/sociedade/veja-na-tabela-quais-universidades-tiveram-novos-cortes-nas-
bolsas-da-capes-23720064. Acesso 05/06/2019.
150

“desenvolvimento econômico” do país61. Além disso, as mobilidades refletem geografias


morais da circulação do conhecimento, nas quais o Norte é qualificado como lugar
adequado de aquisição de conhecimento, treinamento e formação, e o Sul como sinônimo
de cooperação e ajuda – em consonância com o ideal eurocêntrico de Modernidade.
Por fim, tratei das políticas de avaliação, especificamente a avaliação dos
programas empreendida pela Capes, que, vale ressaltar, é realizada periodicamente pelos
próprios pares. A publicação internacional afigura com peso significativo na avaliação,
especificamente quando indexada nos circuitos internacionais mais prestigiosos, ou
mainstream. Um dado relevante é que, a despeito dessa tendência de imposição de
parâmetros que beneficiam os campos científicos centrais, o campo sociológico nacional
adotou como critério de estratificação dos periódicos não medidas bibliográficas de
impacto, como o FI, privilegiando assim bases de indexação – dentre as quais muitas
regionais e transnacionais.
Um fato que merece ser enfatizado é que aqueles programas hoje melhor
classificados pelo sistema de avaliação da Capes são também os que receberam, no
decorrer do século XX, financiamento de agências internacionais (especificamente, da
Fundação Ford) ou que, no caso da Usp, tenha sido o centro das missões francesas. Esse
dado aponta para o efeito duradouro que as dimensões internacionais possuem na
estruturação do campo sociológico. Também aponta para o fato de que as atuais
exigências de internacionalização não encontram uma tábula rasa; deparam-se, antes,
com programas e agentes com interlocução internacional prévia. Assim, é possível dizer
que as exigências de internacionalização atuais são desigualmente incorporadas pelos
agentes no campo, beneficiando aqueles que, historicamente, já se internacionalizaram
de alguma maneira.
O próximo e último passo constitui uma mudança de perspectiva: das condições
institucionais para as práticas dos agentes – e como estas refletem assimetrias nos âmbitos
global e nacional.

61
Não é meu interesse aqui analisar os efeitos do programa. Ainda é prematuro dizer, pois muitas pesquisas
ainda estão em andamento. Meu objetivo é salientar a discrepância entre a política adotada e o que diz a
literatura especializada.
151

CAPÍTULO IV

DIMENSÕES INTERNACIONAIS DO CAMPO SOCIOLÓGICO NACIONAL


NA ATUALIDADE: PUBLICAÇÃO E MOBILIDADE COMO PRÁTICAS E
TOMADAS DE POSIÇÃO DOS AGENTES

“[...] o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode
ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe
são sujeitos ou mesmo que o exercem”

Pierre Bourdieu, Poder Simbólico (1989, p.


7-8)
152

Prelúdio

O campo científico, por definição, é o resultado também de disputas anteriores entre os


agentes por posições. Por conta disso, seu estudo deve, necessariamente, levar em conta
as condições de possibilidade no espaço social no qual práticas, tomadas e posição e
disputas estão inseridas. Fizemos esse percurso nos capítulos 2º e 3º, ao analisar,
respectivamente, a formação histórica do campo das ciências sociais no Brasil, e a
consolidação da sociologia em termos institucionais como campo relativamente
autônomo. Neste capítulo, analisarei, em ordem, as mobilidades internacionais, a
publicação de artigos, livros e capítulos de livros, e, por fim, o exercício de atividades
editoriais, como editores, membros de corpo editoriais e revisores. Procurarei examinar
em que medida elas refletem clivagens tanto no espaço global, quanto no campo nacional.
Essas dimensões internacionais serão consideradas práticas dos agentes do campo –
estratégias mobilizadas por eles que refletem tomadas de posição num espaço socialmente
estruturado e estruturante.

Dimensões internacionais como práticas e tomadas de posição de agentes

No capítulo precedente, abordei a consolidação do campo sociológico nacional no início


do século XXI, enfatizando a sua interlocução internacional. Demonstrei que o
recrutamento de pesquisadores se dá tanto externamente, ou seja, com o envio de bolsistas
para o exterior (especificamente, o Norte), como internamente, com bolsistas estrangeiros
no país (especificamente, do Sul). Em seguida, também abordei como a dimensão
internacional se faz presente nas práticas avaliativas por órgãos de fomento, sugerindo
que sua classificação extrapola o âmbito da avaliação, convertendo-se em princípios
classificatórios e de distinção interiormente ao campo. Também salientei o fato de que
aqueles programas mais bem avaliados são os mesmos que foram recipientes de
investimentos internacionais ou foco das missões francesas. Por fim, veremos agora as
dimensões internacionais nas práticas concretas dos agentes e em suas tomadas de
decisão. O ponto de partida empírico deixa de ser as bases de dados consolidadas
publicamente, e passa a ser constituído pelas práticas de publicação e as mobilidades
internacionais dos agentes do campo – aqui delimitados, vale lembrar, como os
professores pesquisadores filiados aos programas de pós-graduação de nota 6 e 7.
153

A categoria profissional constituída pelos professores universitários é fortemente


segmentada e hierarquizada. Como aponta Coradini (2013), essa heterogeneidade se
relaciona com o vínculo institucional dos professores, sua origem familiar e formação.
Indicativo dessa hierarquização é que o estrato de professores que de fato realiza pesquisa
é minoria, estando ligados a programas de pós-graduação, principalmente em instituições
de ensino superior públicas – os outros, ou a maioria, trabalham em condições precárias,
em instituições privadas com fins lucrativos, dedicando-se apenas à docência. Dentro do
seleto grupo de professores-pesquisadores vinculados aos programas de pós-graduação,
essa pesquisa traçou, pois, outro recorte.
Com isso, o corte não se deve ao fato de considerar os professores vinculados aos
programas notas 6 e 7 como pertencentes às posições dominantes de todo o campo – fazê-
lo constituiria um procedimento errôneo do ponto de vista metodológico e
epistemológico. Metodologicamente, pois a identificação de agentes dominantes exigiria
a construção de topologias sociais que distribuíssem relacionalmente os agentes conforme
a posse de determinados capitais, procedimento comumente feito com o uso de técnicas
de análise de correspondências. Em termos epistemológicos, atribuir a posição de
dominantes a agentes conforme classificação de um sistema de avaliação de programas
configura um critério errôneo e heterônomo de hierarquização do campo.
Dessa forma, a delimitação do conjunto de professores vinculados a apenas 7
programas de pós-graduação, alocados nas notas 6 e 7 da avaliação da Capes, justifica-se
por constituir um locus privilegiado de análise das dimensões internacionais presente no
campo sociológico. Esses programas são considerados pelos pares como aqueles com
maior interlocução internacional, por meio de publicações no exterior, mobilidade de
pesquisadores e redes científicas. Além do mais, dentre dessa universo de análise, será
possível identificar em que medida o vínculo internacional está relacionado com a
distribuição de capitais específicos e temporais.

Aspectos morfológicos: gênero, formação e trajetórias

Nesta subseção, analisaremos as características gerais da população analisada, de forma


a obter uma visão mais ampla. São 175 docentes, distribuídos em 7 programas de pós-
graduação: 3 programas com de 7, e 4 de nota 6. A população do Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFRJ é reduzida pois foram
escolhidos apenas aqueles docentes vinculados ao departamento de sociologia da
154

instituição. Em termos de gênero, a população está distribuída razoavelmente de forma


equivalente – discrepância ocorrendo mais acentuadamente na Usp, Unicamp e UFPE.

Gráfico XIII – Número de docentes vinculados aos programas por gênero

100%

90%

80% 9
9
18 14
70% 10 21
15
60%

50%

40%

30% 13
11
16 13
20% 6 13
7
10%

0%
PPGSA - PPGS - PPGS - UnB PPGS - UFPE PPGS - PPGS - PPGS - Usp
UFRJ UFRGS UFSCAR Unicamp

Mulher Homem

(Elaboração própria a partir dos dados fornecidos pelo portal dos programas)

Quanto à geração, a maior parte dos pesquisadores obteve o seu doutoramento entre 2001
e 2010. O segundo maior grupo, entre 1991 e 2000. Os dados indicam, assim, uma grande
quantidade de professores em estágio intermediário em suas carreiras. A maior fração dos
professores em estágio avançado, ou seja, que se doutoraram antes dos anos 1990, está
vinculada à Usp (11 docentes), ao passo que a UFRGS congrega aqueles o maior número
daqueles que se doutoraram entre 2001 e 2014 (22 docentes).
155

Gráfico XIV – Distribuição do número de docentes por década de obtenção do


doutorado

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículo Lattes)

Um dado relevante para compreender a dinâmica de reprodução do campo, mas pouco


debatido na literatura das ciências sociais brasileiras, é o que poderíamos chamar de
endogamia do campo. Evidentemente, trata-se de uma metáfora, representando a
reprodução de quadros formados na mesma universidade, caracterizada pela pouca
mobilidade interinstitucional no âmbito da formação pós-graduada. Vejamos,
primeiramente, o número de agentes que se graduaram, obtiveram mestrado e doutorado
na mesma universidade62 - ou seja, aquilo que poderíamos qualificar como um forte grau
de endogamia.

62
A unidade de análise, aqui, deixou de ser o programa de pós-graduação e passou a ser a universidade a
que ele está vinculado.
156

Gráfico XV – Proporção de agentes que fizeram graduação, mestrado e doutorado


na mesma IES por programa

100%
90%
80%
70% 18
24 11
60% 19 16 23 16
50%
40%
30%
20% 16
10 5
10% 3 3 4 4
0%
PPGS - PPGS - PPGS - PPGS - PPGS - PPGS - PPGSA -
UFPE UFRGS UFSCAR UnB Unicamp Usp UFRJ

Mesma IES Outros

(Elaboração própria a partir de dados das informações contidas nos currículos Lattes)

Com exceção dos PPGSs da Usp e da UFRGS, as taxas de endogamia forte são
relativamente baixas, ficando entre 10 e 15% da quantidade total de docentes por
programa. No total, 45 agentes se encaixam nessa categoria. Temos um quadro totalmente
diferente quando considerados aquilo que poderíamos chamar de um baixo grau de
endogamia institucional, ou seja, quantos agentes obtiveram pelo menos um título na
mesma IES em que atualmente trabalham.

Gráfico XVI – Proporção de agentes que obtiveram pelo menos um título na


mesma IES a que estão atualmente vinculados

100%
90% 8 7
6 5
80% 9
13
70%
60% 14
50%
40% 26 27
16 11
30% 11
14
20%
10% 5
0%
PPGS - PPGS - PPGS - PPGS - PPGS - PPGS - PPGSA -
UFPE UFRGS UFSCAR UnB Unicamp Usp UFRJ

Mesma IES Outros

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)


157

Os dados apontam que, com exceção do PPGS da UFSCAR, as outras instituições contêm
em seus quadros uma maior porcentagem de agentes que obtiveram pelo menos um título
acadêmico na mesma universidade em que trabalham, especialmente os PPGs da UFPE,
UFRGS e Usp. Concluímos que, ao fim e ao cabo, a maioria dos docentes (110 ao total)
atua como docentes e pesquisadores vinculados a universidades pelas quais já estudou
em algum nível de suas carreiras. Os dados sugerem, portanto, uma tendência do quadro
de recrutamento acadêmico da área de sociologia, a Usp se destacando como aquela mais
endogâmica. De fato, 27 docentes obtiveram seu doutoramento nessa mesma IES.
Quanto à nacionalidade dos professores, a grande maioria se trata de brasileiros –
170, ou 97%. Dos outros 5, 3 são argentinos, 1 francesa e 1 alemã. Tal dado é interessante
pois, como vimos, um número não desprezível de bolsistas veio do exterior para estudar
em programas de pós-graduação em sociologia no Brasil. Destes, nenhum ingressou no
corpo docente dos programas sob análise63.
Por fim, vejamos a área do doutorado dos docentes, de forma a examinar o grau
de homogeneização no que tange à especialização de sua formação. A maioria, com
efeito, se doutorou em programas de sociologia (121, ou 69%); ciências sociais aparece
em segundo, com 18 agentes doutorados (10%); antropologia com 10 (6%), ciência
política 7 (4%); e 19 doutoraram-se em outras áreas, incluindo filosofia, direito, literatura,
estatística, cursos muldisciplinares, estudos culturais, educação e economia. Assim, o
universo compreendido pelos professores dos PPGS notas 6 e 7 é composto em sua
maioria por especialistas da grande área das ciências sociais, especialmente sociólogos.

Mobilidades internacionais: modalidades, fluxos e assimetrias

Fenômeno usualmente tido como indicador de internacionalização, a mobilidade


internacional, para os fins deste capítulo, deve ser considerada não como um bloco
homogêneo, dada a diferença de propósito e de estágio de carreira. Dessa forma,
discriminei a interlocução internacional dos agentes via mobilidade em três categorias:
formação doutoral (plena e sanduíche), estágio pós-doutoral, e como visitante (professor
e pesquisador). Não se trata, evidentemente, de um exame normativo, que privilegie
determinada mobilidade em detrimento de outras, ou até mesmo da própria imobilidade.

63
Referente a bolsistas estrangeiros de sociologia. Evidentemente, quando consideramos aqueles e aquelas
que vieram realizar seus estudos em outras áreas, como Antropologia, o quadro é distinto.
158

Ao fazê-lo, almejo simplesmente compreender as diferenças existentes nas várias


mobilidades, entendidas aqui como tomadas de posição no campo. Nesta subseção,
portanto, preocupo-me pelas assimetrias que ocorrem no âmbito do espaço global da
sociologia.
Em primeiro lugar, temos a obtenção do título de doutorado no exterior em sua
modalidade plena. Os dados espelham as políticas de recrutamento de pessoal qualificado
empreendidas pelas agências de fomento no decorrer da segunda metade do século XX,
quando vigorava a modalidade plena. A sanduíche, por sua vez, começou a ser
introduzida na década de 1990, ganhando impulso dramático na primeira década e meia
do século XXI.

Tabela VII – Formação doutoral, modalidade plena

Destino 1970 - 80 1981 - 90 1990 - 00 2001 – 10 2011 - 14 Total

Alemanha 1 0 0 0 0 1
Canadá 0 1 0 0 0 1
Espanha 0 0 0 1 0 1
EUA 2 1 2 6 0 11
França 6 5 4 0 0 15
Israel 1 0 0 0 0 1
México 0 1 0 0 0 1
Reino 1 2 6 0 1 10
Unido

Total 11 10 12 7 1 41

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

De 175, 41 agentes (23%) realizaram seu doutorado integralmente no exterior. Destes, 33


se doutoraram antes de 2000. Se levarmos em conta o financiamento dos estudos, pode-
se dizer com segurança que o seu perfil é de bolsistas de doutorado financiados pelas
agências brasileiras de fomento à ciência e ensino superior: 28 receberam bolsa da Capes
e do CNPq, apenas 4 receberam bolsas de agências governamentais do país ou
159

universidade de destino, 2 da Fundação Ford (década de 1970), 1 da Fundação Rockfeller


(1988) e 6 não disponibilizaram essa informação em seus Currículos Lattes. Finalmente,
os três países de maior destino são, de forma esperada, França, EUA e Reino Unido,
respectivamente.
Já quando examinamos o doutorado sanduíche, constatamos que 36 agentes foram
contemplados por essa modalidade, ou 20,5% do total. Destes, a maior parte, como
esperado, escolheu instituições francesas para cursar parte do doutorado (13), seguida do
Reino Unido (9), EUA (6), Alemanha (3), Argentina e Portugal (2), e Suíça (1). Com
isso, 77 (44%) agentes realizaram integral ou parcialmente no exterior. Os dados refletem,
assim, a consolidação do sistema da pós-graduação brasileira, e a tendência a uma
formação nacional e institucionalmente endogâmica.
Diferentemente do doutorado, o pós-doutorado não confere título ao postulante.
Trata-se de um estágio de pesquisa, eventualmente também de ensino, no qual o bolsista
aperfeiçoa técnicas de pesquisa e aprofunda determinada temática de investigação.
Porém, a diferença não reside apenas na ausência de título, mas também nas suas
características quanto à socialização acadêmica e ao pertencimento institucional: é mais
especializada, o contato é restrito a um número de investigadores específicos e há maior
isolamento em relação à universidade (VELHO, 2001, KREIMER, 2006). Velho (ibid.)
também sublinha uma tendência global do aumento do número de pós-doutores, devido
1) à diminuição dos cargos efetivos nas universidades; 2) ao aumento no número de
doutores titulados; e 3) crescimento da atividade de pesquisa, sua importância e
financiamento.
160

Gráfico XVII – Intervalo de anos entre a obtenção do título de doutor e o primeiro


estágio pós-doutoral, por geração

2011-2014 10 10

2001-2010 21 8 10 7 0

1991-2000 4 12 11 9 3

1981-1990 2 1 8 3 3

1970-1980 0 3 2 5 4

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

0a2 3a5 6 a 10 11 a 15 > 16

(Elaboração própria a partir de informações disponíveis nos currículos Lattes)

Entre os agentes cujas tomadas de posição no campo estão sob análise, 127 realizaram
estágio pós-doutoral. O seu sentido para a carreira do pesquisador, todavia, varia
conforme sua geração (Gráfico XVII). Para aqueles que se doutoraram entre as décadas
de 1970 e 1980, o primeiro pós-doutorado era realizado na maioria das vezes mais de 11
anos após a obtenção do título de doutor, sinalizando para uma possível função de
atualização da carreira. Quanto mais recente é o doutoramento, menor é o tempo de
realização do primeiro pós-doutorado, sugerindo que ele deixa de ser uma atualização de
conhecimentos e práticas de pesquisa e é tido como o primeiro emprego – uma forma de
se manter inserido no vida acadêmica até a efetivação em um cargo docente.
Essa mudança no intervalo temporal entre o doutorado e o pós-doutorado é
acompanhada de outra mudança, no âmbito institucional. Se as gerações mais antigas
tenderam a realizar o pós-doutorado como uma atualização científica, também preferiram
fazê-lo no exterior. As gerações mais novas, cujo sentido do pós-doutorado aponta para
um vínculo empregatício temporário, passaram a ver o Brasil como um horizonte possível
– um número razoável destes vinculando-se na mesma universidade de doutoramento,
reforçando a tendência de endogamia institucional.
161

Tabela VIII – Destino institucional do primeiro pós-doutorado, por ano de


obtenção do título de doutor

Onde trabalha Outra Outra no


brasileira exterior Total
1970 - 1980 0 1 13 14
1981 – 1990 0 1 16 17
1991 – 2000 1 4 34 39
2001 – 2010 13 15 18 46
2011 - 2014 6 3 2 11
Total 20 24 83 127

(Elaboração própria a partir de informações coletadas nos currículos Lattes)

Levando em consideração a especificidade da socialização no âmbito do pós-doutorado


– participação de um núcleo, rede ou laboratório restritos, ênfase na pesquisa e maior
especialização temática – podemos considerar a mobilidade internacional através dessa
modalidade como um dos indicativos de redes internacionais estabelecidas pelos agentes
do campo nacional. Visualmente, a distribuição do fluxo global de bolsistas de pós-
doutorado coincide parcialmente com aquele observado nos doutorados pleno e
sanduíche.

Figura XI – Lugar de realização do doutorado pleno e sanduíche (centroides) e


destino do pós-doutorado (linhas)

(Mapa gerado no software de geoprocessamento QGIS, versão 1.8, a partir dos dados
disponíveis nos Currículos Lattes. O tamanho dos centroides e a espessura das linhas
representam a diferença nos valores dos atributo)
162

Os três principais destinos em ambas as mobilidades permanecem a tríade França, EUA


e Reino Unido, refletindo os laços históricos da formação das ciências sociais brasileiras.
As mobilidades dispersas, sobretudo no âmbito do pós-doutorado, sugerem trajetórias
alternativas de carreira, quando não idiossincráticas. Como no caso do doutorado, o pós-
doutorado é financiado majoritariamente por recursos públicos (78% no mínimo), sendo
que aqueles que receberam financiamento internacional, seja do governo do país de
destino ou de agências filantrópicas, constituem um grupo minoritário (10%). Cerca de
12% não identificaram a fonte de recurso.
A última mobilidade a ser averiguada nesta subseção é aquela estabelecida nos
vínculos de professor e pesquisador visitante. Trata-se do acadêmico que frequenta
temporariamente uma universidade em outro país, para dar aula ou participar de algum
projeto de pesquisa, e é caracterizada pela curta estadia no exterior. Por isso, seu
movimento é classificado como sendo de brain circulation. Para Shimmi (2017), essa
mobilidade contribui para a formação de redes acadêmicas internacionais, transferência
e troca de conhecimento, além de dotar o seu postulante com conhecimentos e práticas
aplicáveis a sua instituição e país de origem. Também considerei nessa categoria estadias
mais longas que, embora raras, são significativas para a trajetória interacional dos
agentes.
Em relação ao universo de análise, 73 agentes foram professores ou pesquisadores
visitantes. Se computarmos cada uma das vezes que essa mobilidade ocorre, teríamos o
total de 196 estadias no exterior como visitante – quantitativo fortemente assimétrico em
sua distribuição. Das mobilidades, um elemento considerado na distribuição geopolítica
dos fluxos dessa mobilidade é a sua relação com políticas científicas e agendas de
cooperação mais amplas. Por exemplo, a parceria estabelecida entre agentes do PPGS da
UFRGS com congêneres na Universidade Pública de Cabo Verde, através do qual se deu
um forte intercâmbio. Agentes vinculados ao PPGS da UFSCAR também aturaram como
visitantes na Universidade de Córdoba, Argentina, nos quadros de acordos de Cooperação
entre Brasil e Argentina.
Ainda que a assimetria dos fluxos persista, há maior intercâmbio com países do
Sul, como aqueles da América Latina, África e Ásia. França e EUA mantém o posto de
principal destino, seguidos da Alemanha e Reino Unido.
163

Figura XII – Países de destino como professores e pesquisadores visitantes

(Mapa gerado pelo software de geoprocessamento QGIS (versão 1.8). Informações


obtidas nos Currículos Lattes. A espessura das linhas e o raio dos centroides refletem
as diferenças quantitativas dos atributos)

Por fim, os dados sugerem uma pequena diferença quantitativa quanto à variável gênero,
i.e qual gênero é considerado “mais ou menos” móvel. Olhando tanto o número total de
mobilidades por gênero, quanto o número de homens e mulheres por modalidade,
verificamos que, da mesma forma como ocorre com os bolsistas de sociologia no capítulo
anterior, a mobilidade associada ao início da carreira (no caso, doutorado pleno e
sanduíche) encontra maior equidade quantitativa.
164

Gráfico XVIII – Número total de mobilidades por gênero e modalidade

100%
90%
80% 57 82
39
70%
60%
50%
40%
30% 93 114
38
20%
10%
0%
Doutorado (pleno no Pós-Doutorado Visitante
exterior + sanduíche)

Homem Mulher

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

Gráfico XIX – Número de homens e mulheres por tipo de mobilidade

100%
90%
80% 30
39 42
70%
60%
50%
40%
30% 43
38 50
20%
10%
0%
Doutorado (pleno no Pós-Doutorado Visitante
exterior + sanudíche)

Homem Mulher

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

Por outro lado, quando deixamos de relacionar os gêneros entre os pesquisadores que já
realizaram algum tipo de mobilidade internacional, e comparamos as relações de gênero
165

entre aqueles que nunca saíram do Brasil e os que já o fizeram, nos damos conta de que
há uma pequena vantagem das mulheres sobre homens – com exceção da categoria
“professor ou pesquisador visitante”. Assim, uma conclusão possível é que mais mulheres
do que homens realizam mobilidade internacional quando temos em mente o conjunto
total de agentes do campo. Contudo, dentre esses que realizam mobilidade internacional,
os homens são mais “móveis” que as mulheres.

Gráfico XX – Mobilidade internacional – relação por gênero entre quem realizou e


quem não realizou

100%
90%
80% 35
40 47 53
70% 58 49
60%
50%
40%
30% 44
39 49 43
20% 38 30
10%
0%
Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem
Doutorado Pós-doc Visitante

Sim Não

(Elaboração própria a partir dos dados obtidos nos currículos Lattes)

Tomando como referência as tendências apontadas pela literatura (ACKER, 2005; JÖNS,
2011), podemos dizer há mais mulheres realizando doutorado e pós-doutorado no exterior
pois se tratam de estágios iniciais da carreira. Como vimos, o pós-doutorado tem se
tornado efetivamente o primeiro emprego para pesquisadores nas últimas década e meia.
É nos estágios mais avançados que as mulheres ficam menos “móveis”, considerando as
barreiras da divisão social do trabalho doméstico e familiar. Com efeito, a pesquisa não
dá conta da dimensão qualitativa – a mais importante – das relações de gênero nas
mobilidades internacionais: as negociações, as vivências e representações
diferencialmente experimentadas pelos gêneros. Os dados apontam para a importância
dessas dimensões, ao mostrar que homens, quando realizam tal mobilidade, fazem-na em
maior número de vezes que mulheres.
166

Práticas de publicação internacional: produção e circulação de artigos e livros

Ao lado das mobilidades, as práticas de publicação podem ser consideradas um elemento


chave na compreensão das dimensões internacionais que participam da dinâmica do
campo científico. As políticas de avaliação de pesquisa, desempenho e produtividade têm
contribuído para a segmentação dos campos científicos periféricos, ao impor a
internacionalização no circuito mainstream como condição para alocação de recursos,
promoção de carreira, avaliação de qualidade e distribuição de prestígio (BEIGEL, 2013;
2014; VESSURI et al, 2013; KEIM, 2011). No caso brasileiro, como vimos, esse
fenômeno ganha realidade na avaliação dos programas de pós-graduação empreendida
pela Capes, estratificando-os conforme a busca pelo de “excelência internacional”, no
qual é conferido grande peso à publicação. No caso da sociologia, a imposição do modelo
mainstream de publicação internacional é contrabalanceada pela ênfase nos indexadores
de periódicos, e não em medidas bibliométricas de impacto internacional. Ao fazê-lo,
valoriza também os circuitos regionais e transnacionais.
Ao mudar o ponto de vista analítico dos critérios institucionais de avaliação para
a prática de publicação dos agentes, nesta subseção pretendo examinar os circuitos de
consagração científica mobilizados pelos agentes. Essa escolha metodológica, ademais,
vem sendo empregada por pesquisas empíricas recentes que têm se debruçado sobre a
temática da dependência acadêmica e internacionalização, e com as quais procuro
dialogar (BEIGEL, 2017; BEIGEL & SALATINO, 2015; SALATINO, 2018; MARTÍN,
2015; 2018; COLLYER, 2018; MOSBAH-NATANSON & GINGRAS, 2014; KOCH &
VANDERSTRAETEN, 2018) Um olhar sobre as práticas também permitirá investigar
as condições de colaboração internacional, entendida aqui como a publicação em
coautorias, e se os agentes se engajam em atividades editoriais, considerado nesta
pesquisa uma atividade essencial para o funcionamento do campo científico, ainda que
pouco explorado e reconhecido.
Primeiramente, elucidemos a razão da escolha dos artigos publicados em
periódicos não editados no Brasil. Como indica a literatura sobre o tema (MARTIN, 2015;
DWYER, 2013), a publicação dos sociólogos é predominantemente nacional, sugerindo
que a construção de carreiras e prestígio no campo prioriza o próprio país como horizonte
de diálogo. A escolha da pesquisa pelos agentes vinculados aos programas 6 e 7
propiciou, por outro lado, um olhar aprofundado sobre as publicações que não têm apenas
o Brasil como horizonte de diálogo. Isso não quer dizer, evidentemente, que os periódicos
167

nacionais não circulem para além das fronteiras nacionais. Como mostrei em outra
oportunidade (BRAGA FILHO, 2017), as publicações brasileiras possuem grande
circulação regional, em indexadores como o Latindex e RedALyc. Além do mais, a Scielo
Brasil cada vez mais está adotando critérios do circuito mainstream, como a publicação
em inglês, inclusive com indexação em bases como a Web of Sciences (VESSURI, et al,
2013). A ênfase em periódicos não editados no Brasil, todavia, põe em evidencia aqueles
agentes que deliberadamente optaram por outros canais de interlocução. É nesse sentido
que a publicação, além de uma prática, também constitui uma tomada de posição.
Apesar de possuírem maior circulação transnacional, a quantidade de artigos
publicados em periódicos não nacionais é bem inferior ao número total daqueles
publicados no Brasil no período analisado: 392 frente a 1609, distribuídos
assimetricamente entre 111 docentes (de 175). Considerando a centralidade das
publicações para a compreensão das estruturas que condicionam as práticas dos agentes
e a circulação do conhecimento (VANDERSTRAETEN, 2010), a seguir analisarei
algumas de suas características que refletem assimetrias em sua circulação, e alguns
mecanismos que a reforçam. São eles: idioma do artigo, vínculo institucional, editoração
e circuito de consagração.
Quanto ao primeiro, o inglês predomina nas publicações, correspondendo a 184
artigos (47%), seguido do espanhol, com 87 (22%), português, com 61 (16%), francês,
com 51 (13%), italiano e alemão com 6 e 3 respectivamente (somando 2%). O português
se destaca pois muitas publicações na América Latina são neste idioma, graças à
proximidade com o espanhol. É recorrente a afirmação de que o inglês desempenha para
a ciência internacional contemporânea o mesmo papel do latim na idade média e moderna,
como língua franca da comunicação erudita. Como nos informa Ortiz (2008), para que
uma língua se torne franca é necessário que o seu uso procure ao máximo tornar o discurso
impessoal e descontextualizado, de forma que o seu conteúdo se desvincule ao máximo
do objeto e do processo de construção do conhecimento64. Como para as ciências
humanas e sociais a linguagem é parte essencial da construção do objeto e da
hermenêutica conceitual, além de seu enraizamento a um contexto sociocultural, seria
impossível qualquer idioma desempenhar a função de língua franca.

64
Com efeito, essa descontextualização de todas as relações sociais na escrita das ciências é um
procedimento eminentemente retórico, não implicando de forma alguma que o produto do conhecimento
científico de fato se torne descontextualizado. Para essa argumentação, cf. Latour (2000).
168

Como explicar a supremacia do inglês na circulação internacional do


conhecimento científico, e nas ciências sociais em particular? A razão não repousa sobre
supostas estruturas linguísticas inerentes ao idioma, que o fariam mais
“internacionalizável”; tampouco sobre uma afinidade entre a língua inglesa e o modo de
se fazer e organizar ciência. Trata-se de uma relação de poder historicamente constituída
num modelo particular de prática científica. Em primeiro lugar, o desenvolvimento
exponencial da ciência americana no contexto da Guerra Fria alavancou aquele país e o
seu idioma à posição de potência científica, tecnológica e militar mundial. Em segundo
lugar, à medida que determinados padrões de publicação e avaliação se generalizam, eles
privilegiam determinado idioma e campos científicos. Nesse contexto, bases de dados e
indexadores deixam de apenas agregar informações: eles se tornam artefatos de
construção de prestígio e segmentação de campos periféricos (ORTIZ, 2008; BEIGEL,
2013; 2017).
O vínculo institucional dos periódicos em que os agentes publicaram é um
indicativo daquilo que podemos chamar de mediadores da circulação do conhecimento,
ou seja, aqueles agentes do espaço global das ciências sociais que são responsáveis pelos
processos de gestão dos periódicos.
Durante a coleta e classificação dos dados, muitos foram os tipos de instituições
encontrados: associações científicas locais, regionais e internacionais, agências
científicas nacionais, editoras, organizações privadas, governamentais e não
governamentais, universidades, departamentos e programas de pós-graduação. Para fins
de síntese e inteligibilidade dos dados, congreguei-os em torno de 5 categorias:
associação científica (englobando aquelas profissionais e governamentais, de todos os
alcances espaciais); universidades (além destas, incluindo departamentos, programas,
laboratórios), organizações (privadas, governamentais não científicas e não
governamentais), editoras (empresas privadas que gerem publicações) e indefinido
(quando não há nenhuma referência às outras categorias). Cabe aqui uma elucidação.
Muitas instituições, como universidades ou de associações científicas, hospedam
periódicos em grandes editoras. É o caso, por exemplo, de Current Sociology, que,
embora publicada pela SAGE, está vinculada à International Soiological Association.
Nesse caso, e noutros congêneres, classifiquei como “associação científica”. Quando o
periódico está hospedado numa editora, mas não faz menção a nenhuma instituição,
classifiquei como “editora”.
169

Gráfico XXI – Vínculo institucional dos periódicos por idioma do artigo

100% 1
3 2 13 1
7 5 9 1
90%
1 0
80%
56
70%
0 2
60% 44
55 31
50%

40%
72
2
30%
3 0
3
20% 11

10% 15
10 34
11
0% 0 0
Alemão Espanhol Francês Inglês Italiano Português

Associação científica Editora Universidade Organizações Indefinido

(Elaboração própria a partir das informações dos currículos Lattes e das páginas
institucionais dos periódicos)

Quando discriminados por idioma da publicação, os dados apontam algumas tendências


observadas pela literatura (VESSURI et al, 2013; COLLYER, 2018). Por exemplo, o peso
institucional da universidade como principal mantenedora de publicações na América
Latina é representado pela porcentagem que esta ocupa nas publicações em português e
espanhol. Nesta região, as universidades públicas cumprem uma função social
importante, refletida no ideal de acesso gratuito à produção e circulação do conhecimento
(VESSURI et al, 2013) Trata-se de um modelo de circulação distinto daquele observado
nos circuitos preponderantemente anglófonos, nos quais as grandes editoras comerciais
ganham espaço. Collyer (2018), em pesquisa sobre os padrões de publicação global,
destaca alguns mecanismos que estão por trás da (re)produção de assimetrias
geopolíticas, entre os quais há criação de um mercado global de publicações, com a
concentração de poucas grandes casas editoriais. Uma das consequências sendo
justamente a padronização de um modelo único de circulação do conhecimento. Quando
verificamos especificamente a natureza das editoras que administram os periódicos nos
quais os artigos foram publicados, esse mecanismo é ainda mais evidente. Aqui, classifico
170

a editora – em nosso exemplo anterior, a Current Sociology é categorizada como “Editora


comercial”.

Gráfico XXII – Natureza das editoras por idioma da publicação

100%

90% 36
2
80%
8
70% 49 29 18
2 43
60% 1
50% 0
1 1
40%
122
30% 24 12 2
3
20%
1
16
10% 9
13
0% 0 0
Alemão Espanhol Francês Inglês Italiano Português

Editora comercial Fundação científica ou cultural Indefinido Universitária

(Elaboração própria, a partir das informações obtidas dos currículos Lattes e das páginas
online dos periódicos)

Já quando discriminados pelo que considero a natureza da editora, a tendência apontada


por Collyer (2018), fica ainda mais clara, qual seja, a formação de um mercado privado
da circulação do conhecimento. Acompanhando essa tendência há uma outra: a
concentração desse mercado nas mãos de algumas poucas editoras. Assim, das 147 artigos
publicados em editoras comercias, 88 (ou 60%) estão congregadas em apenas 5 casas
editoriais: Taylor & Francis (Routledge), SAGE, Elsevier, Springer e Wiley.
Considerando que a maior parte dos artigos publicados por elas, se não a sua totalidade,
está em inglês, poderíamos usar o quantitativo relativo a este idioma. A concentração
passaria a ser, então, de 72%.
Admitindo a circulação do conhecimento como uma forma de mobilidade
(SHELLER & URRY, 2006) – no caso, mobilidade da comunicação científica – as
instituições que gerem os periódicos integrariam as estruturas que lhe conferem
materialidade. Como tal, constituiriam uma instância de poder, na medida em que teriam
171

controle sobre o fluxo de conhecimento, a forma de publicação e o estilo de escrita. A


generalização desses modelos, via políticas de avaliação, vai de encontro ao modelo de
circulação de regiões como a América Latina, onde as universidades públicas
desempenham (até agora) uma função social importante na produção e circulação do
conhecimento65.
Após analisar o idioma, os vínculos institucionais e a edição dos artigos e
periódicos, passemos para a análise dos circuitos de consagração. O conceito foi proposto
por Beigel em suas pesquisas sobre dependência acadêmica na América Latina. Como
vimos no capítulo primeiro, para ela o fenômeno não envolve a assimilação passiva de
paradigmas teóricos e metodológicos do Norte; decorre, antes, da segmentação dos
circuitos de publicação e circulação do conhecimento e de pesquisadores. A adoção
generalizada de padrões avaliativos e de desempenho que espelham modelos de outras
latitudes de produção e circulação do conhecimento têm, em sua visão, contribuído para
a heteronomia dos campos periféricos. Por isso, a demanda pela publicação nos circuitos
mais “internacionalizados” também contribui para o reforço de clivagens entre as
posições dos agentes: uma “elite” altamente internacionalizada (e prestigiada), e uma
maioria que privilegiaria circuitos locais, nacionais e regionais.
Os circuitos compreendem artefatos que possibilitam a circulação do
conhecimento científico, constituindo dessa forma canais de comunicação, interlocução
e, ultimamente, de prestígio e consagração. Integram os circuitos as bases de dados, os
repositórios e indexadores de periódicos científicos, papers, livros, relatórios, e outros
veículos de comunicação científica. Beigel (2010; 2013;2014) diferencia 5 circuitos:

• Circuito mainstream: corresponde aos indexadores considerados mais prestigiosos


internacionalmente, especificamente aqueles vinculados ao Web of Science (Clarivate
Analytics, antes ISI – Thomson Reuters), como o Science Citation Index (SCI) e o Social
Science Citation Index (SSCI), ao Scopus (Elsevier) e a outros que utilizam medidas
bibliométricas de impacto, como o Fator H (como o Google Scholar)66. O idioma central

65
Reflexo desse papel é a já mencionada iniciativa, pioneira da região, de publicações abertas (open access).
Cf. Vessuri et al (2013) e Delgado (2010).
66
Em artigo mais recente, Beigel (2017) classifica o Google Scholar como componente dos circuitos
transnacionais, diferentemente do que vinha fazendo em seus trabalhos anteriores. Contudo, não elucida as
razões para tal mudança. Mantive-o como pertencente ao circuito mainstream, pelo fato de utilizar em larga
escala medidas bibliométricas de impacto e por ser gerido por uma grande corporação privada (Google), a
172

é o inglês, e esses indexadores beneficiam as produções dos campos centrais, como


aqueles dos EUA, Reino Unido e, em menor medida, Europa Central.

• Ciruitos transnacionais: incluem repositórios open acess de periódicos, congregando a


produção em larga escala de cientistas de mais de uma região global. Os principais são o
DOAJ, Dialnet e, em minha pesquisa, também considerei o OpenEditions e, em menor
medida, o CAIRN67, que compreende periódicos de países francófonos.

• Circuitos regionais: constituídos por repositórios que congregam periódicos e artigos


open access da América Latina, principalmente Scielo, RedALyc e Latindex.

• Circuitos nacionais e locais: em minha pesquisa, aglutinei ambos os circuitos, por


entender que sua circulação é mais limitada. Incluem repositórios universitários ou de
escopo nacional. A maioria, porém, não está associada a nenhum indexador.

Com efeito, os circuitos podem se entrecruzar, sugerindo a maneira como eles estão se
tornando cada vez mais complexos. Esse processo, todavia, não é destituído de relações
de poder, como veremos. Os diagramas de Venn podem ser utilizados para representar
graficamente o entrecruzamento de circuitos, na medida em que os indexadores também
podem ser considerados conjuntos de periódicos.

despeito de ser “gratuito”. Em minha pesquisa, correspondeu à menor parte dos indexadores do circuito
mainstream. Para uma crítica do Fator H utilizado pelo Google Scholar e pela organização de sua base de
dados, cf. Gingras (2016).
67
O CAIRN possui tanto artigos open aceess quanto pagos, pois congrega algumas editoras comerciais em
seu repositório.
173

Figura XIII – Circuitos de circulação e consagração dos periódicos a partir dos


artigos publicados

Mainstream

126

12
15
37
Transnacional

49 44
46
Regional

Local ou nacional 63

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes e nos
endereços online dos periódicos)

O circuito mainstream afigura como principal canal de interlocução dos sociólogos


brasileiros. Considerando que o universo da pesquisa corresponde aos agentes vinculados
aos programas reconhecidos como os mais “internacionalizados”, é esperado que este
circuito fique inflacionado. Por outro lado, sugere que é uma das principais fontes de
prestígio acadêmico, considerado o peso das publicações para a avaliação dos programas.
Esse aspecto das circulação das publicações se relaciona com predomínio do inglês como
174

idioma dominante no sistema acadêmico mundial, visto anteriormente neste capítulo. As


intersecções revelam, entretanto, que há uma tendência dos circuitos regionais e
transnacionais a adotarem, como contrapartida de indexação, a adoção de critérios e
parâmetros dos circuitos mainstream (BEIGEL, 2014; COLLYER, 2018; VESSURI et
al, 2013), como a publicação em inglês – o SciELO Brasil constituindo talvez o melhor
exemplo. De fato, em minha pesquisa verifiquei uma quantidade significativa de
periódicos editados em países da América Latina que estão no repositório da Web of
Science denominado Emerging Sources Citation Index (ESCI), ao lado dos já conhecidos
SCI e SSCI. Trata-se de um indexador “intermediário”, no qual são incluídos aqueles
periódicos que almejam fazer parte de fato do panteão do prestígio científico. São
elegíveis aqueles que se adequam a critérios mínimos de “cientificidade”, entre os quais
consta a publicação e informações bibliográficas em inglês. Eis a razão de um periódico
circular tanto por circuitos mainstreams, quando regionais e/ou transnacionais.
Apesar dessa tendência, é de se notar que há um número significativo de
periódicos pertencentes aos circuitos regionais e/ou transnacionais, fruto também do
entrecruzamento de repositórios distintos – é comum, por exemplo, encontrar o mesmo
tanto no DOAJ quanto no RedALyc. Por fim, num número relativamente inferior, mas
não desprezível, de periódicos não se encontram indexados, ou possuem circulação
restrita ao âmbito nacional. É o caso, como pude constatar, de pequenas editoras locais,
sobretudo em países da América Latina que fazem circular suas publicações conforme
outras lógicas de produção do conhecimento, mais voltada para um público local.
Outro elemento a ser explorado sobre os artigos é a forma como eles se inserem
no espaço global das ciências sociais através da colaboração internacional (entendida aqui
como coautoria de artigos). Estudos recentes apontam para a tendência de colaboração
desigual em publicações do circuito mainstream (MOSBAH-NATANSON &
GINGRAS, 2014), através da qual pesquisadores do Sul escreveriam artigos junto a seus
congêneres do Norte. Essa colaboração, segundo alguns (ALATAS, 2003) seria marcada
por uma divisão internacional do trabalho acadêmico. Esse último aspecto não poderá ser
analisado aqui, pois exigiria um procedimento metodológico qualitativo. Apesar disso,
será possível ter um panorama das coautorias dos sociólogos brasileiros.
Do total das publicações analisadas (392), 54% foram feitas em coautoria (ou
212). É uma proporção razoável, considerando a tendência história da publicação
individual nas ciências humanas e sociais (GINGRAS, 2016). Restringi a análise até a
terceira coautoria, pelo melhor manuseio dos dados. Ao fazê-lo, podemos verificar que
175

as publicações em coautoria são, em sua maioria, escritas com apenas mais um colega:
131 publicações (33% do total); com mais 2 colegas, 51 (13%); e com 3 colegas ou mais,
30 (ou 8%).
A maioria das coautorias também é feita com colegas de instituições brasileiras:
dos 212, 161 (ou 76%) não escritas apenas com colegas que trabalham no país. Se
incluirmos os artigos que foram escritos por pesquisadores do Brasil e de instituições
vinculadas a outros países, a proporção chega a 81%. Em termos gerais, portanto, os
sociólogos brasileiros publicam em coautoria com seus compatriotas. Resta examinar as
publicações que circulam no circuito mainstream. Para isso, selecionei apenas os
periódicos contidos exclusivamente nesse circuito, para evitar os entrecruzamentos entre
publicações de alcance regional e transnacional – um total, assim, de 126 periódicos (ver
Figura XIII). Destes, 82 foram escritos em coautoria, consistindo na totalidade analisada.

Gráfico XXIII – País da instituição do coautor de periódicos da corrente


mainstream

Com EUA China


10% 2%
Europa
7%
Outra
4% México
Apenas
1%
Brasil
79% Equador
1%

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes e páginas
institucionais dos coautores)

No caso da publicação de artigos dos sociólogos brasileiros, os dados indicam que não há
uma forma de inserção internacional dependente, pelo menos no aspecto quantitativo. Os
pesquisadores que publicam em periódicos prestigiosos internacionalmente assinam os
artigos principalmente com colegas brasileiros. Por outro lado, os dados também sugerem
pouca colaboração internacional, refletindo o caráter propriamente nacionalizado da
176

produção do conhecimento sociológico. Ou seja, além de ter o Brasil como principal


horizonte de diálogo, quando publicam no circuito mainstream, também o fazem junto a
brasileiros.
Por fim, o último objeto de análise quanto à publicação internacional de artigos é
a atuação como editores, revisores e membros de corpo editorial dos periódicos não
nacionais. Como aponta Martín (2015) e Vanderstraeten (2010), as atividades editoriais
são fundamentais para o funcionamento da ciência, pois integram aquele conjunto
“invisível” do trabalho acadêmico, feito nos bastidores, sem os quais não haveria
publicação científica respeitável e confiável. Contudo, apesar de importantes, são pouco
valorizadas, pois não “contam” critério de produtividade nas avaliações. Assim, um
trabalho que demanda tempo, rigor e dedicação é relegado à marginalização do ponto de
vista da lógica de produção “publish or perish” (WATERS, 2006). As razões pelas quais
os agentes engajam nessas atividades podem incluir, a meu ver, desde o prestígio (capital
simbólico), o domínio e conhecimento sobre a produção de determinada especialidade,
até relações que se estabelecem sob uma lógica de dádiva68. A autora (MARTÍN, 2017)
também destaca outra importância dessas atividades: a participação nas decisões e no
estabelecimento dos critérios de relevância (local, nacional, regional e internacional)
sobre a circulação do conhecimento científico. Ora, sendo o espaço global das ciências
sociais também ele um espaço de disputas (ver Capítulo 1º), as atividades editoriais
constituem uma instância estratégica para os agentes diferencialmente posicionados
naquele espaço.
Como destaca Bringel (2015), muitos são os agentes que integram, no espaço
global, aquelas instâncias responsáveis pela editoração de periódicos: editoras e grandes
publishers, como Springer, SAGE, Wiley e Taylor & Francis; indexadores e repositórios;
agências públicas de fomento à ciência, tecnologia e inovação; os editores e os próprios
pesquisadores, que atuam como revisores, membros de corpos editoriais, validando o
conhecimento e participando dos critérios de relevância.
Dentre os agentes, no Brasil e em outros contextos do Sul Global há um problema
específico quanto ao financiamento pelos órgãos de fomento. Além da imposição do

68
Poder-se-ia, também, alegar razões como a valorização de um ethos científico, nos termos mertonianos,
como a promoção de valores como o comunitarismo (ou “comunalismo”), o desinteresse e o ceticismo
organizado (cf. MERTON, 2013). A resposta, contudo, exigiria uma investigação empírica de cunho
qualitativo própria.
177

modelo mainstream de produção e circulação do conhecimento, sobretudo via sistemas


de avaliação, não há uma política de financiamento efetiva e de valorização dos
periódicos. Dessa forma, pesquisadores que também atuam como editores apontam para
o fomento insuficiente, “curto-prazista”, intermitente dos periódicos nacionais, além de
sua natureza pouco profissionalizada, por vezes amadora (BRINGEL, 2015;
BAUMGARTEN, 2016). Trata-se, assim, de um grande paradoxo: exige-se cada vez mais
dos pesquisadores que publiquem artigos em revistas qualificadas; ao mesmo tempo, os
recursos são insuficientes, a editoração é artesanal, e o trabalho é desvalorizado pelas
agências de avaliação! Essa situação aprofunda a dependência acadêmica devido à
predominância do circuito mainstream e das assimetrias que lhe são constitutivas. Por
isso a importância, também, de examinar a inserção dos agentes nacionais nesses espaços
internacionais de editoração.
Com um total de 273 periódicos não editados no Brasil identificados nos
currículos Lattes, 93 pesquisadores atuam ou atuaram como membros de corpo editorial,
revisores e editores (uma média 2,8 artigos por pesquisador). Em sua pesquisa, Martín
(2015) aponta para o fato de que a maioria dos pareceres realizados pelos professores
vinculados aos PPGs de sociologia eram realizados para periódicos nacionais (cerca de
85%). Ao delimitar o conjunto dos professores dos programas considerados mais
“internacionalizados”, a pesquisa atual foi capaz, assim, de examinar tanto o idioma
preponderante dos periódicos, como também os circuitos através dos quais eles circulam.
Quanto ao primeiro aspecto, o inglês se sobressai como principal idioma, em 52%
dos periódicos (141 casos); em seguida o espanhol, com 30% (81); francês, com 11%
(30); português, com 5% (13); e outros, englobando russo, croata, sérvio, italiano, alemão
e coreano, com 3% (8 casos). Deduz-se, portanto, uma participação considerável dos
agentes nacionais nas instâncias editoriais do circuito mainstream – o que se confirma
analisando, dessa vez, os indexadores e repositórios aos quais os periódicos estão
vinculados.
178

Figura XIV – Circuitos de circulação e consagração dos periódicos a partir da


atuação como editores, membros de corpo editorial ou revisores

132
Mainstream

12 3

Regional 27

20 20 Transnacional

36

23 Local ou nacional

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos Currículos Lattes e nos endereços
online dos periódicos)

Se a maioria dos sociólogos, conforme literatura, realiza atividades editoriais em


periódicos nacionais, os dados revelam uma razoável presença nessas atividades
exclusivamente no circuito mainstream. O número, inclusive, suplanta o de periódicos
publicados nesse circuito (ver Figura XIII). É preciso ter em mente, entretanto, que não é
possível dizer que a mesma representatividade ocorre nos periódicos em si, já que se toma
como ponto de partida aqui as práticas dos agentes. Tema pouco explorado, as poucas
pesquisas sobre a composição do corpo dos membros editoriais de revistas de ciências
sociais do circuito mainstream mostram que ainda prevalece a sub-representação de
179

autores de campos periféricos (RIBEIRO, 2018), reforçando as assimetrias da geopolítica


do conhecimento. Por isso, a participação nessas instâncias é fundamental caso se queira
um espaço global das ciências sociais menos desigual – ainda mais num contexto de
redução dos investimentos em ciência e tecnologia, no qual o financiamento dos
periódicos nacionais tende a diminuir dramaticamente, ao passo que a demanda por
publicação internacional permanece incólume.
Finalmente, concentremos nossa atenção na publicação e circulação de livros e
capítulos de livros no exterior. Sua inclusão justifica-se pela importância dos livros para
a circulação do conhecimento nas ciências humanas e sociais, desde os clássicos da
disciplina, discussões teóricas, ensaios e até pesquisas empíricas, obedecendo uma
temporalidade e argumentação distintas daquelas observadas nos artigos
(VANDERSTRAETEN, 2010) Indicativo dessa importância, como vimos, é a sua
inclusão no sistema de avaliação dos PPGs de Sociologia da Capes. Para os fins dessa
pesquisa, examinarei o idioma, o país de edição e a editora. Como afirmar Sapiro (2018),
a circulação internacional de livros acadêmicos funciona conforme uma lógica de campo,
com disputas por hegemonia e distribuição desigual de capital simbólico. Dentre os
inúmeros fatores apontados que afetam a circulação69, segundo a autora, encontram-se
justamente a centralidade do idioma, o capital simbólico da editora e de instituições
acadêmicas.
Quanto aos livros, esses se dividem em duas categorias: coletâneas e livros
autorais. No primeiro caso, o agente do campo atuou como organizador, sozinho ou não,
de um livro contendo capítulos com autoria de autores convidados, sendo a introdução e
a conclusão geralmente escritas pelo(s) organizador(res). Já o livro autoral pode ser
escrito individualmente ou em coautoria, e costuma ser estruturado segundo um
argumento organicamente desenvolvido. Em alguns casos, trata-se também de uma
coletânea de artigos publicados esparsamente em várias revistas, e que o autor decidiu
congregar em apenas um livro – modalidade, inclusive, cada vez mais comum entre as
publicações das ciências sociais, em parte, decerto, pelo regime temporal cada vez
acelerado das publicações. No universo de análise, no período indicado (2010 – 2018),
foram produzidas 31 coletâneas (49%) e 32 livros autorais (51%), e seus dados serão
aglutinados (63 livros).

69
Ainda que trate em particular da tradução de livros, a autora fornece elementos para analisar a circulação
de livros no geral.
180

Relativo ao idioma da edição, o inglês novamente é dominante. Contudo,


diferentemente dos artigos em periódicos, a discrepância em relação aos outros idiomas
é menor.
Gráfico XXIV – Idioma dos livros (autorais e coletâneas)

Chinês Coreano
Italiano
3% 2%
5%
Português
6%

Inglês
38%
Francês
19%

Espanhol
27%

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

A proporção significativa de livros publicados em espanhol e francês sugere que os


agentes têm procurado canais de interlocução com outros públicos, menos
“internacionalizados”. Especificamente, o idioma dos livros indica uma interlocução
significativa com colegas da América Latina e da França.
Ainda sobre os idiomas, é possível esboçar circuitos de consagração que operam
na circulação dos livros, ao modo daqueles que operam com os periódicos. Com efeito,
Beigel (2017) leva a cabo essa classificação, que aqui enunciarei apenas como analogia.
A autora considera que os livros publicados (em inglês) por grandes editoras comerciais,
como Routledge (Taylor & Francis), SAGE e Springer, como também pelas editoras de
universidades melhor ranqueadas internacionalmente, como Cambridge, Oxford, Harvard
e Stanford, integram o circuito mainstream da circulação dos livros. Sapiro (2018)
argumenta na mesma linha, ao enfatizar que determinadas editoras, como as mencionadas
acima, afetam a circulação internacional dos livros devido à sua concentração de capital
simbólico no mercado editorial (também em inglês). Nos âmbitos nacionais, também há
181

a formação de campos de disputas editoriais, o que exigiria uma pesquisa comparativa de


maior fôlego para qualificá-los.
Dessa forma, quando olhamos as editoras conforme o idioma de publicação do
livro70, verificamos essa diferença de capital simbólico. Os livros em inglês – idioma
dominante do espaço global das ciências sociais – foram em sua maioria publicados no
que poderíamos chamar de circuito mainstream (70%), constituído por grandes editoras
comerciais com escritórios em vários países: Routledge (4); Universidades de Princeton,
North Carolina, Cambridge, Stanford e Illinois (6); Palgrave Macmillan (2); Polity Press,
Brill, Emerald e SAGE (5). Quanto ao espanhol, mesmo não sendo possível estabelecer,
nesta pesquisa, as principais editoras acadêmicas da América Latina, destaca-se o número
de livros publicados por editoras científicas com ampla circulação regional (BEIGEL,
2017), como a Clacso (5). Além desta, também há editoras de universidades públicas e
sem fim lucrativo (3) e livros de pequenas editoras locais ou nacionais com segmento
especializado em ciências sociais (10), entre outras.
Os capítulos de livros também refletem a dinâmica observada nos livros. Os
agentes publicaram 403 capítulos no período analisado. O primeiro aspecto relevante
desse valor é a sua importância para a produção do conhecimento em sociologia – afinal,
supera o número de artigos publicados (392)!

70
Considerando o mercado global do mundo editorial, não faria sentido delimitar o circuito pelo país, pois
as grandes editoras mantêm escritórios em vários deles.
182

Gráfico XXV – Idioma dos capítulos de livros publicados

Francês
14%
Mandarim
Português 2% Italiano
12%
Espanhol 1%
26% Alemão
2%
Outra
2% Coreano
1%
Russo
0%
Inglês
42% Indonésio
0%

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

Como nos livros, a diferença entre os idiomas é menor do que aquela observada entre os
artigos, com o espanhol e francês se destacando. O mandarim aparece em apenas nove
capítulos (2%), e é o resultado, como no caso dos livros, de um dos poucos projetos Sul-
Sul de larga escala empreendido pelos sociólogos brasileiros. Trata-se do BRICS
University Network, que contempla diversos programas de pós-graduação de várias
disciplinas. Na sociologia, é coordenado por Thomas Dwyer, do PPGS da Unicamp. A
rede propõe-se a compreender a realidade social dos países do BRICS, por meio de
estudos comparativos e a criação de conceitos, metodologias e temas próprios (cf.
SCALON & MISKOLCI, 2018)71.
Naquilo que podemos considerar como o circuito mainstream dos livros, 108
(63%) dos capítulos foram publicados por livros editados por aquelas editoras com maior
capital simbólico internacional; das quais 71 incluem apenas a Routledge, SAGE,

71
O projeto é reflexo, além do mais, de dinâmicas que estão além do poder de decisão dos agentes, pois
envolve a sazonalidade dos interesses dominantes do campo de poder mais amplo. No período em que o
projeto ocorreu, o Brasil projetava-se internacionalmente nos âmbitos econômico e político com certa
relevância. É fruto, pois, da concepção política dos governos do período. No contexto atual as políticas
internacionais dos Ministérios da Educação e das Relações Exteriores são extremamente regressivas,
tornando difíceis, senão inviáveis, um projeto semelhante.
183

Springer e Palgrave Macmillan. Os outros são distribuídos entre outras grandes casas
editoriais (Wiley – Blackwell), Polity Press, Emerald) e editoras privadas de
universidades “world class” (Cambridge, Oxford, Harvard e Duke). Já em relação ao
espanhol, 47 (45%) dos capítulos foram publicados em livro que integrariam um provável
“circuito regional”. São editoras vinculadas às universidades públicas e centros de
pesquisa, associações científicas regionais (como Clacso e Flacso) e editoras de largo
alcance regional (Fondo de Cultura Economica). As demais consistem em editoras
pequenas de alcance local, de universidades espanholas ou de editoras fora da região.
Finalmente, vejamos as relações de gênero no que tange às publicações. Essa
variável se torna relevante na medida em que o regime de produtividade e a vivência
temporal que ele acarreta são experimentados diferentemente entre os gêneros
(CORDEIRO, 2013). Como no caso das mobilidades, quando colocamos em relação o
número de quem publicou em editoras não nacionais com aquele de quem não o fez,
constatamos pouca diferença. Esta se afigura com maior discrepância considerando o
gênero dos agentes que já publicaram para além de fronteiras nacionais.

Gráfico XXVI – Relação entre autores de artigos em periódicos no exterior por


gênero

100%
90%
24 28
80% 31 33

70%
60% 62 79
50%
40%
55 68
30% 48 63

20%

10% 17 17
0%
Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens
Artigos Livros Capítulos

Sim Não

(Elaboração própria a partir dos dados contidos nos currículos Lattes)


184

Gráfico XXVII – Total de artigos publicados em periódicos no exterior, por gênero

100%

90%

80%

70% 36 222
239
60%

50%

40%

30%

20% 28 181
153
10%

0%
Artigos Livros Capítulos

Mulheres Homens

(Elaboração própria a partir de dados obtidos nos currículos Lattes)

Homens e mulheres apresentam praticamente as mesmas proporções quando comparamos


o total de professores. Restringindo-nos apenas àqueles que publicam no exterior, vemos
que os homens publicam mais. Apesar dessa diferença, quando examinamos a proporção
das publicações por número de homens e mulheres, observamos que ela diminui
significativamente. Isso ocorre porque uma apreciação mais precisa das clivagens
quantitativas deve levar em conta a proporção de homens e mulheres que publicam
conforme o tipo. Assim, quanto aos artigos, há a média de 3,79 de publicações por
homem, e 3,18 por mulher; sobre os livros, 2,1 por homens e 1,64 por mulheres; e quanto
aos capítulos, 3,26 por homem e 3,29 por mulher.
O mesmo ocorre com relação às funções editoriais. Num primeiro momento, há a
vantagem masculina sobre o quantitativo de periódicos por gênero: 113 para as mulheres
(41%) e 160 para os homens (59%). Dividindo esse valor sobre o número de mulheres e
homens que efetivamente deram parecerem e foram membros de corpos editoriais
(respectivamente, 38 e 58), temos ao média de 2,97 para as primeiras e 2,75 para os
segundos. Contudo, diferentemente dos artigos, a proporções dos que realizaram funções
editoriais com o total do universo pende para a maioria masculina, indicando sua maior
inserção internacional nessa dimensão da circulação de artigos: 60% de todos os homens
185

do universo, e 48% das mulheres. Em suma, mais homens realizam pareceres em relação
ao total de pesquisadores, mas as mulheres o fazem em maior quantidade.

Dimensões internacionais, assimetrias nacionais

A última seção deste capítulo trata de examinar uma das hipóteses que norteou o
desenvolvimento dessa dissertação: em que medida as assimetrias nas dimensões
internacionais também expressam clivagens no âmbito do campo sociológico nacional.
Ou seja, trata-se de analisar a relação entre as dimensões internacionais e a distribuição
de capitais específicos à dinâmica do campo. Para isso, considerei tanto o capital
simbólico (científico), quanto o temporal (BOURDIEU, 2003; 2004). Lembremos que o
primeiro diz respeito ao reconhecimento dos pares em relação à competência científica
de determinado agente, à sua contribuição para o conhecimento específico do campo. Já
o capital temporal se refere àqueles recursos que o agente acumula ao assumir posições
em instâncias de decisão e de chefia sobre os meios de produção científica: associações
científicas, órgãos de avaliação, conselhos científicos, laboratórios, universidades etc.
Visando à sua operacionalização, selecionei dois indicadores empíricos para
examinar a distribuição de capitais. Não se trata aqui de realizar uma topografia do campo
sociológico, do tipo daquelas realizadas por Bourdieu (2011) e Hey (2008) por meio de
análise de correspondência – técnica mais apropriada para tal. Usá-los-ei a seguir como
variáveis, de forma a traçar correlações e hierarquias quanto às dimensões internacionais.
No caso do simbólico, adotei o fato de o agente receber (ou ter recebido) a bolsa de
produtividade do CNPq. No caso do capital temporal, considerei as posições como
membro de diretorias, conselhos, presidência e coordenação de associações científicas
nacionais e internacionais (Anpocs, SBS, ISA, por exemplo), de agências de fomento
(Capes, CNPq, Faperj, Fapesp etc.) de sociedades científicas (SBPC, ABC, por exemplo)
e de instâncias governamentais que lidem com recursos caros ao campo científico
(Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia).
Os dados foram coligidos diretamente dos currículos Lattes. Para a bolsa de
produtividade, a página do currículo indica abaixo do nome se o pesquisador é
contemplado ou não, e em que nível. Não havendo (ou seja, se no momento da coleta ele
não era bolsista), procurei ao longo das informações se havia algum indício de que em
algum momento do passado o pesquisador tenha recebido. Dado que pode haver algum
lapso no preenchimento do currículo (esquecimento ou engano), recorri como última
186

fonte ao Painel de Investimentos do CNPq, contendo informações dos professores


contemplados com a bolsa desde 2006. Dessa forma, a PQ como um indicador de capital
simbólico ganha aqui representatividade fiel à realidade. O mesmo não se passa em
relação ao capital temporal, pois a principal fonte de obtenção das informações é o próprio
currículo. Para confirmar ou adicionar alguma informação não informada pelos
pesquisadores, recorri apenas ao histórico das diretorias das principais associações
científicas nacionais – Anpocs e SBS. Dado a multiplicidade de associações nacionais e
internacionais, caso tenha ocorrido algum lapso no preenchimento do currículo de algum
pesquisador, esse erro não pode ser totalmente corrigido. Apesar disso, creio ter coligido
quantidade suficiente de dados que propicie a análise confiável de ambos os indicadores.
A bolsa de produtividade de pesquisa do CNPq (“PQ”) é uma modalidade que
procura contemplar aqueles pesquisadores que tenham destacada e relevante contribuição
para a área. Guedes et al. (2015) afirmam que, desde meados da década de 1990, ela já
funcionava como um instrumento de diferenciação simbólica entre os pares. Hoje,
segundo os autores, a bolsa se consolidou como sistema hierarquizado de posições,
tipificando um perfil de excelência do que pode ser considerado uma elite científica. A
sua concessão é fortemente restritiva e seletiva, pois fundada na distinção simbólica. Ela
é destinada aos pesquisadores que já possuem determinado capital científico acumulado,
reconhecido pelos pares, e por isso pode ser considerada um indicador objetivo de capital
simbólico a ser integrado à luta pela autoridade científica (GUEDES et al., 2015;
CARVALHO et al., 2013). Além disso, o CNPq também reconhece a autonomia da
comissão de avaliação, desde que siga algumas diretrizes gerais a todas as áreas de
avaliação, como relevância da produção e formação de pessoal no âmbito da pós-
graduação. Por fim, ela é hierarquizada como 1, 2 e Sênior, o primeiro indo de A a D; os
pesquisadores 1A e 1B considerados a “elite da elite”.
Antes de examinarmos as dimensões internacionais conforme a distribuição de
capitais, cabe uma apreciação crítica quanto aos critérios de seleção deste que pode ser
considerado o “panteão” do campo científico. Para isso, valho-me das observações feitas
por Coradini (2013). Para o autor, a bolsa produtividade concedida aos pesquisadores de
maior prestígio é associada a dinâmicas sociais que se distanciam do que poderíamos
chamar de uma avaliação calcada unicamente conforme os méritos científicos do seu
proponente, dependendo também do capital de relações sociais estabelecido em instâncias
políticas (capital temporal). Chamado por Coradini de spoil system, essa rede de capital
187

social que estrutura a hierarquização da elite científica também é a que mais circula
internacionalmente.
Quando nos debruçamos sobre os critérios estabelecidos pelo CNPq para a
concessão de bolsa de produtividade, constatamos as dimensões sublinhadas pelo autor.
Nos editais das chamadas de 2017 e 2018, os agentes que tiveram seus projetos aprovados
pela seleção seriam avaliados conforme: a) mérito científico do projeto; b) relevância,
originalidade e repercussão da produção científica do candidato; c) formação de recursos
humanos em nível de Pós-Graduação; d) contribuição científica, tecnológica e de
inovação, incluindo patentes; e) coordenação ou participação em projetos e/ou redes de
pesquisa; f) inserção internacional do proponente; g) participação como editor científico;
h) participação em atividades de gestão científica e acadêmica72. Em itálico, destaquei
aqueles critérios que correspondem à hierarquização segundo a interlocução internacional
e o capital político, conforme apontado por Coradini como integrando o spoil system.
Outras pesquisas também constataram o entrelaçamento entre consagração
científica e o capital temporal sobre instituições políticas e científicas, questionando
portanto a separação primariamente proposta por Bourdieu. Vale lembrar que para o
sociólogo francês, ainda que passíveis de reconversão, os dois tipos de capitais operam
segundo lógicas distintas de acumulação. Assim, o fenômeno é observado por Hey (2008)
para a formação do polo dominante do campo dos estudos de ensino superior no Brasil.
Também é observado por Hey & Rodrigues (2017) a respeito dos cientistas sociais que
integram a Academia Brasileira de Ciências. Estes correspondem, para as autoras, a um
grupo cujos investimentos mais duradouros na esfera científica dirigiram-se para o polo
do poder temporal. Beigel (2010; 2014) também tem demonstrado em seus trabalhos que,
na América Latina, os sistemas de avaliação de instâncias científicas e a hierarquização
dos campos científicos periféricos não conhecem a separação plena entre os dois capitais.
Uma das razões, para essa autora, é a própria especificidade da institucionalização e
profissionalização das ciências sociais na região, cujas histórias são marcadas pela
aproximação entre instâncias de poder temporal e de consagração científica.
Com essas observações, procurarei analisar como as dimensões internacionais das
mobilidades, publicações e editoração se relacionam com a distribuição desigual de
capitais simbólicos e temporais – e em que medida ambos também estão entrelaçados.

72
Os editais podem ser acessados na aba “Chamadas” no site do CNPq (http://www.cnpq.br)
188

Em primeiro lugar, vejamos como se distribuem os capitais sobre os 175 agentes cujas
práticas estão sob escrutínio.

Tabela IX – Distribuição dos capitais simbólico e temporal entre os agentes

Capital Capital
simbólico Porcentagem temporal Porcentagem
Sim 92 53% 78 45%
Não 83 47% 97 55%
Total 175 100% 175 100%

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

Tabela X – Distribuição cruzada de capitais simbólico e temporal entre os agentes

Capital Temporal
Sim Não Total
Capital Sim 61 31 92
Simbólico Não 17 66 83
Total 78 97 175

(Elaboração própria a partir das informações contidas nos currículos Lattes)

Podemos ver que os capitais, da forma como foram operacionalizados, não constituem
trunfos deveras escassos entre os agentes. Ao mesmo tempo, também não são fartamente
distribuídos. Encontrando uma medida em comum entre ambos, podemos dizer que
praticamente metade dos agentes possuem capitais e a outra metade não (50% - 50%).
Acrescente-se o fato de que, dentre aqueles que foram contemplados com a bolsa
produtividade do CNPq, apenas 12 o foram apenas no passado, e não no momento da
obtenção dos dados. No Painel de Investimentos do CNPq não consta o nível em que estes
foram classificados à época em que receberam a bolsa. Deixando-os de lado
temporariamente, a distribuição dos atuais bolsistas de produtividade não é equânime: 19
são bolsistas 1A; 16 são 1B; 12 são 1C; 8 são 1D; 23 são 2; e apenas 1 é bolsista Sênior.
Cruzadas essas informações com a posse daquilo que denominei capital temporal
principal – a ocupação de posições de coordenação, presidência e titular de associações
189

como a Anpocs, Capes, SBS e ABC – verificamos o fenômeno insinuado por Coradini
(2013), de que as hierarquias mais altas das bolsas de produtividade correspondem
também às hierarquias mais alta do capital temporal. Isto é, aquelas posições de poder
temporal mais prestigiosas foram ocupadas por quem, hoje, está no topo da hierarquia de
capital simbólico, e não que a posição nesses cargos é requisito para compor os grupos
com maior consagração científica.

Tabela XI – Relação entre os níveis da bolsa de produtividade e as posições de


maior prestígio em associações científicas

Ocupou posições de maior prestígio em


Nível da bolsa produtividade do CNPq associações científicas (Anpocs, SBS,
Capes, ABC etc.)
1A 12
1B 3
1C 2
1D 0
2 1
Não é bolsista 1
Total 19

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

A exceção apresentada na tabela confirma, na verdade, a tendência. O único agente que


conta como “Não bolsista” e que ocupou um cargo de prestígio é o professor Glauco
Arbix, da Usp, assumindo postos de presidência do Finep e Ipea. Contudo, quando
verificamos o histórico de bolsas concedidas no Painel de Investimentos do CNPq, Arbix
consta na lista de bolsistas durante vários anos73.
Verifiquemos, agora, em que medida as mobilidades internacionais e a publicação
internacional se relacionam com a distribuição de capitais. Não se trata, evidentemente,
de uma relação mecânica de causalidade do tipo “publicação internacional à prestígio

73
Não foi possível obter o nível específico, pois o Painel não discrimina e não consta a informação em seu
Lattes.
190

nacional”, até porque, como veremos, há carreiras fortemente internacionalizadas que não
refletem prestígio no âmbito nacional, mas sim internacional. Ou o contrário, em que
carreiras nacionalizadas, mas com forte integração institucional, garantem o prestígio
científico. Os dados refletem, assim, tendências de consagração nacional, por meio da
correlação entre variáveis teoricamente pertinentes.
Quando não discriminamos pelo tipo de capital, i.e agentes que possuem capital
simbólico ou temporal, vemos que a proporção daqueles que realizam mobilidades
internacionais é alta. Em outras palavras, entre os que realizaram pós-doutorado no
exterior, 82% possuem algum tipo de capital; para os que foram visitantes, a proporção é
de 86%!

Gráfico XXVIII – Relação entre distribuição de algum capital e a realização de


mobilidade internacional

100%
90% 16 10
80%
70% 50 56
60%
50%
40% 72 63
30%
20% 37 46
10%
0%
Sim Não Sim Não
Pós-doc no exterior Visitante no exterior

Com capital Sem capital

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

A proporção de posse de capital por agente que não tenha realizado nenhuma mobilidade
internacional descrita é menos discrepante. Indica, assim, que alguns pesquisadores com
prestígio no campo possuem uma carreira cuja trajetória é mais nacionalizada. Já quando
discriminamos as mobilidades conforme os dois tipos de capitais, a desigualdade se
mantém. No caso do capital simbólico, a proporção entre aqueles com sua aquisição e
que não tenham realizado mobilidade é menor.
191

Gráfico XXIX – Relação entre distribuição de capital simbólico e mobilidade


internacional

100%
90%
24 18
80%
70% 65
59
60%
50%
40%
64 55
30%
20% 37
28
10%
0%
Realizou Não realizou Realizou Não realizou
Pós-doc no exterior Visitante no exterior

Com capital simbólico Sem capital simbólico

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Os dados revelam que há uma forte correlação entre a posse de capital simbólico e a
mobilidade internacional, nas modalidades pós-doutorado no exterior e como pesquisador
ou professor visitante. Dentre aqueles que realizaram a primeira, 73% possuem o trunfo
do capital simbólico reconhecido pelos pares no âmbito nacional. Para os que foram
visitantes, a proporção chega a 75%. Vemos, ao mesmo tempo, que entre aqueles que não
realizaram tais mobilidades no exterior, a porcentagem dos que não possuem o indicador
de capital simbólico é superior aos que o possuem: 68% para o pós-doutorado e 64% para
os visitantes.
Como o capital simbólico é ele mesmo hierarquizado, vale a pena verificar a
segmentação desses valores tendo em vista o nível da bolsa de produtividade, sendo,
como dito anteriormente, 1A e 1B aqueles tidos como mais prestigiosos, a “elite da elite”.
Classifiquei como “Indefinido” aqueles que foram bolsistas no passado e, não mais o
sendo no momento da coleta, não informaram em seus currículos o nível quando foram
outorgados. Podemos constatar que, em todos os níveis das bolsas, há mais agentes que
realizaram mobilidade no exterior do que os que não o fizeram. A existência de agentes,
ainda que minoritários, com alta hierarquia no campo científico e pouca circulação
192

internacional reforça o enunciado mais acima de que é possível construir uma carreira
priorizando mais o circuito nacional.

Gráfico XXX – Segmentação dos níveis de capital simbólico por tipo de mobilidade

100%

90%
25 18
80%

70% 6
7 59 66
60% 12
14
50%
6
6
40%
11 10
30% 5
4
9 11
20% 10 10
2 2
2 3
10% 6 6
14 11
5 8
0%
Sim Não Sim Não
Pós-doc Visitante

1A 1B 1C 1D 2 Indefinido Não

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

A mesma tendência é observada quando tratamos da posse ou não de capital temporal. E


aqui, vale reforçar, inclusas não apenas aquelas posições mais prestigiosas delineadas
anteriormente, como presidência, coordenação e titular de associações reconhecidas pelo
campo. A diferença quanto ao capital simbólico é que, neste, a discrepância é
proporcionalmente menor. Do total que realizou pós-doutorado no exterior, 60%
acumularam alguma forma de poder temporal no campo. Para visitantes, esse proporção
chega a 59%. Atentando para aqueles que não realizaram o pós-doutorado no exterior,
71% não acumularam poder temporal; no caso dos visitantes, essa proporção é de 66% -
valores levemente superiores àqueles observados quando considerado o capital
simbólico.
193

Gráfico XXXI – Relação entre distribuição de capital temporal e mobilidade


internacional

100%

90%
80% 35 30
70%
67
62
60%

50%

40%
30% 53 43
20%
35
25
10%

0%
Realizou Não realizou Realizou Não realizou
Pós-doc no exterior Visitante no exterior

Com capital temporal Sem capital temporal

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Finalmente, uma última forma de examinar a relação entre capitais e mobilidade


internacional é saber, entre aqueles que realizaram tais mobilidades, quais são mais
móveis. Para isso, computei cada destino como uma mobilidade, obtendo assim um valor
referente à quantidade de vezes que tal agente, formalmente, esteve fora do país para
realizar seu pós-doutorado ou para ser visitante. Os dados apontam novamente que
aqueles com maior inserção internacional, i.e maior número de mobilidades computadas,
são aqueles com posse de ambos os capitais – o simbólico novamente com diferenças
mais discrepantes que sua contraparte temporal. Ao mesmo tempo, ainda que a número
de pesquisadores seja inversamente proporcional ao número de mobilidades, a proporção
dos que contam com alguma forma de capital é significativamente menor entre aqueles
que realizaram poucas ou nenhuma mobilidade.
194

Tabela XII – Cômputo das mobilidades segundo o tipo de capital

PÓS-DOUTORADO NO EXTERIOR
Capital simbólico Capital temporal
Quantidade Sim Não Sim Não
>3 10 0 8 2
1a2 54 24 45 33
0 28 58 25 62
VISITANTE NO EXTERIOR
Capital simbólico Capital temporal
Quantidade Sim Não Sim Não
>3 17 3 12 8
1a2 38 15 31 22
0 37 65 35 67

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

O número “3” foi escolhido como valor mínimo de indicativo daqueles mais móveis pois
ele representa um ponte de corte sobre a distribuição do cômputo das mobilidades. Acima
deles, há poucos agentes, destoando-se daqueles que tiveram até duas mobilidades
internacionais computadas. A partir dele, os valores também são erráticos, com alguns
casos raros (2 ou 3 agentes) passando de 10. Com isso, podemos ver pela tabela que
quanto maior o número de mobilidades, mais desigual é a distribuição de capitais,
sobretudo o simbólico. Podemos concluir, em suma, que aqueles agentes com maior
aquisição de alguma forma de capital possuem maior circulação internacional como pós-
doutores e visitantes.
Vejamos como essa distribuição ocorre, agora, quando examinamos as
publicações em periódicos, livros e capítulos de livros. Os artigos em revistas não
editadas no Brasil refletem, como dito anteriormente, a tomada de posição do agente em
dialogar com uma audiência que está além da fronteira nacional. Quanto à ocorrência de
clivagens no campo sociológico, observa-se uma maior desigualdade quando agregamos,
como feito com as mobilidades, os dois tipos de capitais. Dessa forma, 70% daqueles que
publicaram no exterior distinguem-se dos outros quanto à aquisição de capital simbólico
ou temporal. Paralelamente, para aqueles que não publicaram essa proporção é de 48%.
195

Quando especificamos a publicação pelo tipo de capital, considerando apenas o capital


simbólico, essa proporção é de 61% e 37%, respectivamente. Já quanto ao capital
temporal, de 48% e 39%, respectivamente. Portanto, do ponto de vista das publicações,
temos que os capitais congregados são elemento de distinção. Porém, quando
especificamos o tipo de capital, vemos que a aquisição apenas de poder temporal não
segue o mesmo padrão.
Tomando como ponto de partida a aquisição de capitais, vemos que de fato
aqueles que o possuem também têm maior interlocução para outras audiências, como
indica o gráfico abaixo.

Gráfico XXXII – Relação entre distribuição de capitais e publicação de artigos em


periódicos no exterior

100%

90%
31 24
25
80% 39
40
70% 53
60%

50%

40%
78 68
53
30% 58
43
20% 33
10%

0%
Com capital Sem capital Com capital Sem capital Com capital Sem capital
simbólico simbólico temporal temporal
Não especificado Especificado

Publicou no exterior Não publicou no exterior

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Note-se que, aqui, os eixos e coordenadas são o oposto dos gráficos anteriores, visando
ao maior número de informações. Nele também vemos que a discrepância entre quem
publica no exterior e quem não o faz é maior quando não especificamos os tipos de
capitais. O capital simbólico também parece ser, como nas mobilidades e quando
196

tomamos como variável principal as publicações, um critério maior de distinção entre os


agentes quando lidamos com as dimensões internacionais.
Finalmente, quando nos detemos nos diferentes circuitos de consagração, os dados
revelam um aspecto importante. Num primeiro momento, poderíamos imaginar que o
circuito mainstream é destino daqueles com maior consagração nacional, o inverso
acontecendo para os outros circuitos, priorizados em maior medida por aqueles que não
desfrutam de tanto prestígio. Ocorre que, se é verdade que os circuitos anglófonos e em
indexadores reconhecidos tem mais publicações de agentes com capitais no campo
nacional, também o é o fato de que esses agentes também são maioria nos circuitos de
circulação regional e de idiomas dominados, como o espanhol e, em menor medida, o
português.

Gráfico XXXIII – Relação entre os diferentes circuitos e a distribuição de capitais


simbólico e temporal

100%
90% 6 11
18
80% 48 60 55
70%
60%
50%
40% 20 35
43
30% 66 89 74
20%
10%
0%
Sim Não Sim Não Sim Não
Circuito mainstrean Circuito regional Circuito nacional/local

Possui capital Não possui capital

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Vemos que, proporcionalmente, não há muita diferença na distribuição de capitais entre


os circuitos mais e menos prestigiados, respectivamente, o mainstream, o regional e o
nacional/local. Uma possível explicação para esse aparente paradoxo é que, lembremos,
a sociologia, em sua avaliação dos programas empreendida pela Capes, adota como
principal critério de estratificação de periódicos os indexadores nos quais eles se
197

encontram, valorizando com isso também aqueles de circulação regional. Em suma, os


portadores de capitais simbólico e temporal publicam mais para audiências outras que as
nacionais; apensar disso, não há uma hierarquização quanto aos diferentes circuitos, pois
agentes com maior prestígio nacional publicam tanto em indexadores mainstream, como
também naqueles regionais. Aventa-se, aqui, a hipótese de que a razão para tal é a
valorização dos circuitos regionais e transnacionais pelo sistema de avaliação.
Passemos nossa atenção para os livros. Encontramos uma quantidade bastante
reduzida destes, comparando-se com o número de artigos e capítulos. No caso dos livros
autorais, esse menor volume pode ser explicado pela dinâmica temporal que a escritura
de um livro acarreta, além do domínio de outro idioma. Para as traduções, aciona-se
outros investimentos, como o ônus financeiro, além do interesse de editoras estrangeiras
em traduzir um livro que, a princípio, fora publicado no Brasil. Por fim, a coletânea
demanda do agente domínio de idioma estrangeiro, como também capital social, por meio
do estabelecimento de redes transnacionais. Em suma, é de se esperar que, considerando
o alto grau de investimento simbólico e financeiro, a publicação de livros fora do Brasil
seja encabeçada por aqueles com maior prestígio no campo nacional.

Gráfico XXXIV – Relação entre publicação de livros no exterior e tipo de capital

Capital temporal 21 14

Capital simbólico 29 6

Capital não especificado 31 4

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Sim Não

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Considerando que apenas 35 agentes publicaram livros, incluí no gráfico apenas as


informações dos agentes que o fizeram, especificando conforme o tipo de capital ele é
198

portador. Vemos que 31 agentes (ou 89%) são portadores de algum tipo de capital. Essa
proporção diminui quando consideramos apenas a aquisição de capital temporal, caindo
para 60%. O capital simbólico, novamente, aparece como principal trunfo de distinção
nas dimensões internacionais das práticas e tomadas de posição dos agentes, presente em
83% dos agentes que publicaram livros no exterior no período.
A relação entre aquisição de capitais e circulação internacional ganha, assim,
maior expressão a publicação de livros – gênero específico que, como vimos, demanda
outra temporalidade, domínio de idioma e capital social internacional. Os capítulos de
livros têm outra dinâmica. Os dados não refletem a mesma discrepância observada nos
livros, mas reforçam algumas tendências já observadas nas outras práticas.

Tabela XIII – Relação entre distribuição de capitais e publicação de capítulos de


livros no exterior

Capital simbólico
Sim % Não % Total
Publicou 76 63% 45 37% 100%
Não publicou 16 30% 38 70% 100%
Capital temporal
Sim % Não % Total
Publicou 61 50% 60 50% 100%
Não publicou 17 31% 37 69% 100%
Capital simbólico ou temporal
Sim % Não % Total
Publicou 86 71% 35 29% 100%
Não publicou 23 43% 31 57% 100%

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Destaca-se, em primeiro lugar, o fato de que considerado isoladamente, o capital temporal


encontra nos livros a sua proporção menos desigual, assinalando tendência observada de
que os agentes com maior consagração científica no campo nacional circulam mais
internacionalmente. Considerados em seu conjunto, temporal ou simbólico, a aquisição
de capital corresponde a 71% de todos os capítulos publicados no exterior. Essa diferença
199

justifica-se, com efeito, pelo fato de que o mesmo agente não possui ambos os capitais,
mas apenas um.
Finalmente, vejamos como ocorre a relação entre a distribuição de capitais e a
participação em atividades editoriais. Estas, como vimos, integram atividades tão
importantes quanto as publicações, senão mais, para a inserção internacional dos
sociólogos brasileiros, pois dizem respeito às decisões de relevância e dos critérios de
circulação do conhecimento científico. Quando consideramos a editoração de periódicos
no exterior, sem especificar o circuito, constatamos que o capital temporal isoladamente
não constitui um recurso desigualmente distribuído entre os agentes, pelo contrário:
apenas 48% dos que editaram periódicos no exterior possuem alguma forma de poder
temporal. Quanto à consagração científica, o valor é superior: 60%. Quando
consideramos ambos, ou capital temporal ou simbólico, a porcentagem chega a 68%, não
muito discrepante. Essas informações provisórias confirmam a importância da
consagração científica sobre o poder temporal quanto à inserção internacional, além de
indicar, novamente, trajetórias distintas de carreira acadêmica.
Mais importante, contudo, é examinar, como no caso dos artigos, se há diferença
quanto aos circuitos nos quais os periódicos estão vinculados. Para isso, empreendi
seleção similar àquela feita com os artigos, selecionado um circuito prestigiado
internacionalmente e outro regionalmente. Não escolhi o circuito local/nacional pelo
pouco número de agentes que neles atua editorialmente.
200

Gráfico XXXIV – Relação entre distribuição de capitais e a atuação em atividades


editoriais em periódicos do circuito regional

100%
90%
4
80% 5 62
7 76
70% 92
60%
50%
40%
10
30% 9 99
7 85
20% 69
10%
0%
Atuou Não atuou Atuou Não atuou Atuou Não atuou
Capital simbólico Capital temporal Capital simbólico ou
temporal

Sim Não

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

No caso dos periódicos vinculados ao circuito regional, há diferença significativa quando


agregamos o capital simbólico ao temporal, alcançando 71% da distribuição entre os que
exercem alguma função editorial. Não há desigualdade quando analisamos isoladamente
o capital simbólico. Quanto ao capital temporal, há uma leve vantagem sobre quem não
possui esse capital. Em suma, não é possível dizer que há diferença significativa quanto
à distribuição de capitais, salvo quando eles aparecem agregados.
201

Gráfico XXXV – Relação entre distribuição de capitais e a atuação em atividades


editoriais em periódicos do circuito mainstream

100%

90%
17
80% 22 49
61 28
70% 69

60%

50%

40%
40
30% 35 69
57 29
20% 49

10%

0%
Atuou Não atuou Atuou Não atuou Atuou Não atuou
Capital simbólico Capital temporal Capital simbólico ou temporal

Sim Não

(Elaboração própria a partir de informações contidas nos currículos Lattes)

Em contraste agora com os dados relativos ao circuito mainstream, notamos poucas


diferenças. A principal, decerto, é o maior peso do capital simbólico entre aqueles que
exerceram funções editoriais, diferentemente do observado no circuito regional. Os
valores contidos no capital temporal são praticamente idênticos, fato que ocorre no capital
simbólico do circuito regional. Quando agregamos os capitais, obtemos exatamente 70%,
o mesmo valor para o circuito regional. Podemos dizer, portanto, que as diferenças entre
os dois circuitos, quanto à distribuição de capitais simbólico e temporal, é pequena. Ela
aparece na pequena vantagem que o capital temporal desempenha para o circuito regional,
e naquela observada no capital simbólico para o circuito mainstream.
202

Epílogo

Este capítulo tratou de responder as hipóteses de pesquisa à luz das práticas atuais dos
agentes do campo sociológico. Vimos que, do ponto de vista dos fluxos internacionais,
há assimetria quanto ao destino dos pesquisadores como visitantes e pós-doutorandos. Os
dados apontam também como, no caso da última modalidade, ela também está
relacionada a dinâmicas geracionais do campo. Sobre a circulação de artigos, livros e
capítulos, essa também se dá assimetricamente, contudo não é desprezível a importância
dos circuitos regionais e transnacionais como canais de diálogo e de consagração dos
agentes. Por fim, quando consideramos as atividades editoriais, quando tomamos a
perspectiva das práticas dos agentes, vemos que eles atuam mais em periódicos do
chamado circuito mainstream, ainda que, de fato, a proporção de pesquisadores do Sul
nos corpos editoriais de tais periódicos possa ser pequena.
Do ponto de vista das assimetrias no próprio campo, os dados sugerem que a posse
de capitais simbólico e temporal estão associados à maior circulação internacional de seus
portadores. Ou seja, há uma tendência de reconversão, no âmbito nacional, de
experiências internacionais em capitais. Contudo, os dados também apontam que em
determinadas dimensões internacionais essa tendência não é tão forte, como na
segmentação por circuitos de consagração. Agentes consagrados nacionalmente publicam
regional e internacionalmente na mesma medida. Finalmente, o capital simbólico aparece
com maior peso distintivo que o capital temporal, principalmente quando consideramos
a participação de agentes como membros de corpos editoriais e como pareceristas de
periódicos do circuito mainstream.
203

CONCLUSÃO

“Autonomy is not a given, but a historical conquest, endlessly having to


be undertaken anew”.

Pierre Bourdieu, Science of Science and


Reflexivity (2004)

“É preciso imaginar Sísifo feliz”.

Albert Camus, O mito de Sísifo


(2018[1942])
204

O que chamamos de realidade social é, como ensinou o autor de “Ciência como vocação”,
um complexo de fenômenos que adquirem inteligibilidade e sentido aos olhos daquele
que procura interpretá-la. Não há ponto de vista absoluto, porque é da natureza do objeto
sociológico ser efêmero e multifacetado. É preciso, pois, tomar um ponto de partida; um
fio a partir do qual possamos desfazer o emaranhado de nós.
Nesta dissertação, interessei-me por compreender a formação do campo
sociológico no Brasil, tendo como ponto de vista analítico as dimensões internacionais
que lhe foram e são constitutivas. Tive como norte de pesquisa as hipóteses, amparadas
pela literatura, de que os fluxos internacionais operam assimetricamente, além de
refletirem e fomentarem clivagens no interior do próprio campo. A argumentação seguiu
um percurso dedutivo: comecei com uma discussão conceitual sobre dependência
acadêmica e geopolítica acadêmica, dialogando com a literatura que tem problematizado
a relação entre campos centrais e periféricos. Estabelecidos os termos, empreendi uma
análise da importância das dimensões internacionais para a formação histórica do campo
sociológico nacional, e como elas contribuíram para o fortalecimento das primeiras
clivagens estruturais entre as posições dos agentes. Isso porque todo campo, já o sabemos,
é também o espaço de disputas anteriores, que condicionam as tomadas de posição dos
agentes no presente. Já na contemporaneidade, esbocei as políticas de mobilidade e de
avaliação que condicionam as atuais tomadas de posição dos agentes no campo,
considerando os imperativos de “internacionalização” da ciência. Por fim, detive-me nas
práticas concretas dos agentes no campo na atualidade, especificamente as suas práticas
de publicação e mobilidades internacionais.
Gostaria, dessa forma, de enfatizar alguns pontos que, creio, minha dissertação
tenha contribuído para a literatura. A primeira é a noção de que os campos científicos, em
especial aqueles periféricos, conhecem dimensões internacionais desde sua gênese até o
seu desenvolvimento. Esse enunciado é reforçado por trabalhos que questionam a visão
primeiramente elaborada por Bourdieu (1999) de que a circulação internacional é
refratada pelos campos nacionais; estes sendo, pois, anteriores àquela (KEIM, 2014;
MEDINA, 2014).
Em primeiro lugar, argumentei, amparado por literatura, que a gênese institucional
– logo as condições de possibilidade de existência de um campo – das ciências sociais no
Brasil não pode ser entendida sem levar em conta a sua interlocução internacional,
primeiro com os franceses e depois, talvez de forma mais dramática, com os americanos,
via Fundação Ford. A bibliografia e os dados mostram que, sem o financiamento
205

estrangeiro num momento conturbado da política nacional e de financiamento público


errático, várias instituições importantes para o funcionamento do campo sociológico não
existiriam. Esses recursos provenientes da Fundação, além do mais, constituíram em
elementos de distinção simbólica no interior do campo, contribuindo pois para o
aprofundamento de clivagens prévias.
Em segundo lugar, o recrutamento de pessoal altamente qualificado no exterior
como política científica pública no último quarto do século XX embasou-se na concepção
moderna segundo a qual o progresso e desenvolvimento deviam ser procurados no Norte.
Esse recrutamento se mostrou exitoso do ponto de vista dos objetivos manifestos, pois os
agentes, ao retornarem, foram incorporados aos programas de pós-graduação, então em
expansão. Ao fim e ao cabo, a consolidação do sistema de pós-graduação nacional no
Brasil só foi possível com o recrutamento de pesquisadores no Norte Global.
Em terceiro lugar, creio ser pertinente enfatizar que a dissertação aponta para o
fato de que as dimensões internacionais que integraram a formação do campo sociológico
no Brasil no século XX – especificamente o investimento da Fundação Ford e as Missões
Francesas – contribuíram não apenas para a sua estruturação, como também tiveram
impacto duradouro sobre as capacidades de internacionalização contemporânea dos
agentes e suas práticas. Em outras palavras, os programas mais bem “avaliados”
atualmente e os mais internacionalizados são justamente aqueles que tiveram maior
interlocução internacional no passado.
Enfim, as dimensões estão presentes na atualidade sobretudo nos imperativos de
“internacionalização” da produção do conhecimento científico, i.e a publicação de artigos
em periódicos indexados em base de dados reconhecidas como prestigiosas,
majoritariamente anglófonas e que fazem uso de medidas bibliográficas para medir o
“impacto” de seus periódicos. No Brasil, as demandas por internacionalização afetam
todas as disciplinas, especialmente as ciências biológicas e naturais. Uma razão para isso
é a funcionalidade do inglês como língua franca para essas ciências, diferentemente do
que ocorre nas ciências humanas e sociais. Outra razão, mais propriamente sociológica,
é a possível reflexividade dos agentes dos campos de ciências humanas e sociais em
reconhecer as desigualdades presentes no processo de internacionalização, levando-os a
valorizar circuitos alternativos de consagração. Contudo, como os dados apontaram,
mesmo os circuitos regionais estão sendo – a metáfora biológica é oportuna – fagocitados
pela lógica e mecanismos próprios dos circuitos mainstream.
206

Outro ponto que gostaria de sublinhar quanto à contribuição da dissertação foi a


análise das publicações e mobilidades como práticas e tomadas de decisão dos agentes,
i.e estratégias mobilizadas pelos agentes no interior do campo. Quando associadas a
algum indicador teoricamente pertinente de hierarquização das posições dos agentes,
como aqueles referentes aos capitais simbólico e temporal, as práticas ganham densidade
caso se queira averiguar como elas correspondem não só a assimetrias no âmbito
internacional, mas também refletem assimetrias no interior da estrutura do campo. A ideia
de associar variáveis aparentemente não relacionadas entre si – consagração e poder
temporal, de um lado, e práticas de publicação e mobilidade, de outro – amparou-se em
trabalhos recentes que postulam a segmentação de campos periféricos conforme a lógica
de internacionalização (BEIGEl, 2010; 2013; 2014; 2017; VESSURI et al, 2013;
MEDINA, 2014; KRAUSE, 2014). Pudemos ver que, conforme os indicadores adotados,
há distribuição desigual de capitais, sobretudo simbólico, quando levamos em conta as
mobilidades internacionais como um todo, e as publicações no exterior. Contudo, não foi
observada diferença significativa quando especificamos os diferentes circuitos, sugerindo
a importância do sistema de avaliação para a valorização de circuitos alternativos de
circulação.

* * * * * *

Uma das definições de campo científico é que ele é um espaço social relativamente
autônomo frente às outras dinâmicas da sociedade, como os imperativos econômicos e
políticos. Essa autonomia não se deve a um processo espontâneo ou fortuito do
desenvolvimento das sociedades modernas, mas às lutas dos próprios agentes em
estabelecer um espaço seguro e independente de atuação. É, assim, uma conquista
história, constantemente ameaçada por forças externas. Essa autonomia depende de uma
série de condicionantes políticos e sociais, como o financiamento público em sociedades
que reconhecem o conhecimento científico como um bem também público.
Vimos ao longo da dissertação como um dos momentos mais críticos da
autonomia de um campo sociológico ainda em vias de formação se deu no regime
ditatorial militar que assolou o Brasil entre 1964 e 1985, com a censura ao pensamento
livre, emparelhamento universitário, perseguição a professores e cientistas. Marca da
ambivalência do período foi a ideologia nacionalista, responsável também pelo
desenvolvimento e fortalecimento institucional do sistema de pós-graduação nacional.
207

Apesar disso, o financiamento público se dava, via agências de fomento, de forma errática
e com restrições quanto ao investimento. Nesse contexto de repressão e investimento
cambiante, foi significativa a dependência de recursos americanos para a vertebração
institucional de muitas organizações e associações fundamentais para o campo das
ciências sociais, cujas funções são indispensáveis até os dias de hoje.
Após aquilo que talvez tenha sido um dos momentos de exceção da história
brasileira, em que o investimento público e a valorização da ciência ocorreram num
contexto democrático, o campo científico, e o sociológico em particular, está novamente
em xeque. Mais uma vez, por ingerências políticas e econômicas, mas também por novas
dinâmicas societárias. Não bastasse o ressurgimento do autoritarismo, do
recrudescimento da violência de Estado, e do aprofundamento das políticas neoliberais
de sucateamento dos bens públicos, presenciamos o questionamento da verdade como um
valor socialmente legítimo, com consequências sobre várias instâncias institucionais,
como a ciência e universidade e o jornalismo.
A sociologia, como ciência que procura romper epistemologicamente com o senso
comum quanto à vida social, tem uma dupla missão, algo inglória: resistir aos ataques
que são desferidos contra o campo científico e lutar por condições de reproduzir-se
autonomamente como campo; ao mesmo tempo em que deve procurar compreender o
sentido das transformações e crises da atualidade, incumbência que lhe deu nascimento e
razão de ser na modernidade. Os desafios são grandes. A opinião dos especialistas nunca
esteve tão questionada, em especial a dos sociólogos – entre outras coisas, podemos
aventar, devido à nova arquitetura que estrutura o fluxo de informações nas sociedades,
e à crise da divisão desigual do trabalho entre produtores e consumidores do
conhecimento.
Se é possível aprender algo com a história, é que nos momentos de crise a
dependência externa quanto aos recursos financeiros, e o fenômeno conhecido como
brain drain, tendem a aumentar, fortalecendo a posição periférica de determinados
campos científicos frente ao espaço global de produção e produção do conhecimento.
Nesses momentos, aqueles grupos e agentes mais bem integrados aos circuitos
mainstream de consagração tendem a reforçar também a sua posição dominante nos
campos nacionais.
Em um texto provocador no qual reflete sobre o livro “Southern Theory”, de
Raewyn Connell, Michael Burawoy (2015) afirma que as desigualdades globais na
produção e circulação do conhecimento são muito mais estruturais do que imagina a
208

autora australiana. Estamos lidando, para o autor, com uma distribuição de recursos
materiais e simbólicos tão desigualmente distribuídos, que interferem nas capacidades
criativas e nas agendas intelectuais de forma dramática. Esse fato é agravado pelo
reconhecimento, por parte de muitas instâncias e pesquisadores de campos periféricos, da
validade e superioridade dos critérios de qualidade, avaliação e modos de produção do
Norte. Por isso, superar essas formas de desigualdade é, na feliz analogia do autor, um
esforço de Sísifo.
Não é possível dizer se algum dia as desigualdades na geopolítica do
conhecimento serão superadas (e desejadas...); há trabalho de mais a ser feito, pedras em
excesso para empurrar até o topo da montanha. Irremediavelmente reflexiva, à sociologia
compete exercer sua vigilância epistemológica, olhando-se no espelho e refletindo as suas
condições de possibilidade como ciência da sociedade. O conhecimento dos mecanismos
(re)produtores das desigualdades globais insere-se nesse esforço, sempre coletivo, e com
o qual espero ter contribuído. De posse dele, não há mais espaço para inocência.
209

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