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INTEGRIDADE

psíquica

ADRIANA COSTA
INTEGRIDADE PSÍQUICA

Apresentação

Viver implica não somente um ato físico mas um esforço contínuo de


capacitação para a vida.
Nos embates com as circunstâncias o homem vai gerando formas
pessoais e compreensivas de si e do mundo.
O curso inteiro da nossa vida é um nascimento ininterrupto, auto-posse,
somos pessoa na medida em que vivemos.
Este processo de vir a ser é difícil e permeado de crises.
O homem tem de opor-se a complexidade da vida, para absorve-la
energicamente na superior integridade da pessoa.
A psique é esta força de integração, capacidade de unificação
complexa.

O indivíduo é portanto uma força criativa agente,


não existe uma pessoa massificada, mas sim
diminuída em sua força psíquica.
A Integridade Psíquica

Conteúdos :

Crise e Autoconsciência  01
A criação de um mundo pessoal e moral.

Sofrimento e Temperamentos 02
Morbidez, Angústia, Depressão e Delírio

A escrita de si e os processos criativos 03


Os escritores como fonte de aprendizagem dos processos
compreensivos

Arké : princípios da Biosofia 04


A força do ser, as buscas do conhecer-se e seus
princípios ordenadores

CUIDADORIAS
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Integridade Psíquica

Crise e autoconsciência

Crise - palavra de origem grega (crisis), significava separação , abismo e também


juízo e decisão.
Somos crises e não podemos viver sem estas tensões que dão dinamismo em nossa
vida.
É nas crises que desenvolvemos a nossa autoconsciência, como diz o filósofo Mario
Ferreira dos Santos :
"O homem é a consciência da crise (crisis), pois a somos quando nos erguemos da
animalidade, quando em
nós ela se torna consciência. A própria consciência é condicionada por ela, pois,
para afirmar-se,
precisa separar, para marcar a nitidez do que é, e do objeto sobre a qual ela realiza
o pleno exercício de si mesma.
Ela precisa separar, precisa da crise"
Querer é um ato ativo.
O voluntário não se opõe ao irracional do desejo, nem se opõe ao determinado, pré-
volitivo, sim se opõe ao espontâneo, ao involuntário.
Estar triste não é simplesmente ter uma determinada tonalidade vital ou
psicológica. Quem está triste, sente-se triste por causa de uma realidade conhecida
ou desconhecida fonte de sua tristeza.
A unidade entre a vontade habitual e o sentimento pode criar uma conformação
volitiva, um estado.
Esta desordem é de ordem moral, uma desmoralização, uma ansiedade que
paralisa a realidade enquanto possibilidade para a minha vida, uma ausência de
razão de ser.
A vontade como capacidade de criar sua força de querer pode ser afetada em sua
estrutura pática,
Esta estrutura é composta de três unidades compossíveis :
o que se quer - tendência
o ato do que se quer
o ato ativo do que se quer - esforço (duração)

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CUIDADORIAS
Integridade Psíquica

Precisamos conviver com a tensão de ter que ser e o esforço de preferir


humanamente, ou seja, ter clareza de que somos , um ser limitado e ilimitado,
simultaneamente.
Nenhuma realidade ou filosofia pode ser reduzida à um sistema.
A autopoiesis na vida humana, não é simples autoconstrução de um sistema de vida
específico, e sim a construção de si mesmo, como pessoa autônoma, livre para
eleger e efetuar sua conduta desde os seus próprios critérios.
Toda forma de consciência tem uma base ôntica (valor) e cognitiva na existência.
A Literatura tem muito que ensinar sobre os momentos em que perdemos este
equilíbrio entre o que somos e o que conhecemos.
Em nossa pesquisa trabalhamos com três situações, comuns em nossa vida:
solidão, separação e morte.

http://psicopatologiaeliteratura.blogspot.com/ CUIDADORIAS
Sofrimentos e
temperamentos

CUIDADORIAS
A enfermidade psíquica é uma perturbação da liberdade comportamental,
uma desapropriação ou desrealização pessoal, na qual a pessoa se aliena do
que lhe é próprio, convertendo- o em estranho.
O que adoece não é um organismo e sim um sistema vivo, comportamental
, um nicho ecológico de condutas e de intercâmbios energéticos  e
informacionais.
Atualmente , em nossa sociedade, nos deparamos com uma postura
empirista de classificação dos sintomas, signos decodificados e
classificados.
Em nossa compreensão é necessário uma análise mais contextualizada e
processual, o entendimento da cosmovisão da pessoa adoecida e das suas
apreensões.A enfermidade é um aspecto do todo vivente que é uma
individualidade.
Os pacientes que se declaram enfermos (ou são declarados como tais pelo
seu entorno) sofrem de alguma incapacidade para continuar realizando a
sua vida habitual ou não são capazes de empreender novas ações que são
imprescindíveis na realização da sua vida.
O sofrimento que padecem reside em sua dificuldade de viver de acordo
com as suas pretensões de vida; no caso psicopatológico é necessário
distinguir entre enfermidade e estado de enfermidade. 
Numa síndrome, o sujeito corrobora os comportamentos que configuram o
seu sofrimento.Estamos falando de condutas, onde a pessoa apresenta o
sintoma como uma necessidade para alcançar algo imprescindível, no caso
das adicções ou filias ou experimenta o sentimento de ser alcançado por
algo ameaçador: fobias.
Nesta perda gradativa da unidade coerente de sua vida há também a perda
do sentido da existência.
A Literatura tem esta bondade de representar uma história vivencial, os
personagens são amalgamados em contextos complexos e  seu vocabulário
sentimental surge à partir de sofrimentos vividos.
É fundamental perceber que muitas vezes o sofrer não encontra palavras
para a sua expressão, os escritores são os mestres nesta habilidade de
revelar página a página, as sutilezas de uma alma e das múltiplas geografias
sentimentais de um único acontecimento.Ler atentamente é
simultaneamente aprender estes meandros psíquicos, sua riqueza e
diversidade, bem como encontrar novas possibilidades
das palavras, ou seja,  novas janelas de entendimento da dor humana.
Todos os romances de todos os tempo
se voltam para o enigma do eu "
Milan Kundera

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TEMPERAMENTOS

O que são os Temperamentos ?

Os temperamentos são estruturas de relação modal entre a pessoa e o mundo.


Um modo de estar e sentir a relação vital entre as estruturas do do mundo de
vida e a consistência interna do estar e se dispor ao mundo.
Na psicopatologia é importante perceber se a pessoa sente que está
independente e segura em sua circunstância de vida.
O temperamento aponta para um sentido de confiança ou descofiança na sua
relação vital, sua estabilidade ou instabilidade no enfrentamentos das
dificuldades e sua assunção dos problemas ou negação dos mesmos.
O temperamento é o eixo estrutural da personalidade e consequentemente a
forma de dar sentido ou lidar com as vulnerabilidades.
.Neste estudo de temperamentos e personagens literários , selecionamos quatro
formas de ordenação psíquica:
"Não existe nenhuma situação que não  se possa enobrecer ou pelo agir ou pelo
suportar "
Goethe

Buscar a significação espiritual de um acontecimento é caminhar para o interior de si


mesmo e espiritualizar, no sentido de buscar os valores que ordenam a circunstância.
Na Literatura podemos visualizar as dificuldades deste processo e por vezes, a
opacidade cognitiva com que são tomadas as decisões.
A escrita de si e os
processos criativos
“ A criação como rede pode ser descrita como um processo contínuo de
interconexões instáveis, gerando nós de interação, cuja variabilidade obedece a
alguns tipos de princípios direcionadores. 
Essas interconexões envolvem a relação do artista com seu espaço e seu tempo,
questões relativas à memória, à percepção, recursos criativos, assim como, os
diferentes modos como se organizam as tramas do pensamento em criação” 
(www.redesdecriação.org.br)
Na Literatura trabalhamos com alguns rastros deste processo criativo : diários,
cartas, anotações em pequenos blocos de notas e entrevistas gravadas ou
publicadas com o escritor.

Quando lemos estes materiais percebemos que ele tem uma dupla face, de um
lado apresenta personagens,tramas e conversas sobre a palavra e as agruras do
processo de escrita. Por outro lado, traz a intimidade do escritor, suas angústias,
vivências e reflexões sobre seu estar no mundo.
Lavelle revela que o papel da escrita não pode ser de
“eternizar o que passa, é antes extrair daquilo que passa o que é eterno”.
Nos convida a uma escrita cujo ideal é
“colocar-nos na presença do pensamento nu”
Esta escrita sincera é o que permite a percepção das ambiguidades, sutilezas da
alma e portanto enriquece nossa aprendizagem da escuta. ou mesmo de leitura,
como aconselha Virgínia Woolf:
"O primeiro processo - receber impressões com o máximo entendimento - é
apenas metade do processo de leitura  precisa ser complementado por outro
para obtermos todo o prazer de um livro. Podemos avaliar essas inúmeras
impressões,  precisamos converter essas formas fugidias numa que seja firme e
duradoura. Mas não diretamente. Antes espere a poeira da leitura se assentar,
o conflito e o questionamento cessarem; ande, fale, arranque as pétalas
fanadas de uma rosa, durma. Então, de repente, sem intervenção de nossa
vontade, pois é assim que a Natureza realiza essas transições, o livro voltará,
mas diferente. Subirá como um todo ao alto da mente. E o livro como um todo é
diferente do livro recebido geralmente em frases separadas. Os detalhes agora
se encaixam em seus lugares. Vemos a forma do começo ao fim, é um celeiro,
um chiqueiro ou uma catedral "
O fundamental é não se apressar no julgamento da situação e sim tentar
entender a experiência, como aconselha Henry James :

"A experiência nunca é limitada e nunca é completa; ela é uma imensa


sensibilidade, uma espécie de vasta teia de aranha, da mais fina seda,
suspensa no quarto de nossa consciência, apanhando qualquer partícula de ar
em seu tecido. É a própria atmosfera da mente; e quando a mente é
imaginativa - muito mais quando acontece de ela ser a mente de um gênio -
ela leva para si mesma os mais tênues vestígios de vida, ela converte as
próprias pulsações do ar em revelações "

É este estado aberto e atento o que nos ensinam os escritores.


Esta generosidade da alma .

A filósofa francesa Simone Weil (1909-1943)


afirma que a condição para a atenção é um olhar
e não um apego.
E, de fato, a posição interpretativa do sujeito nesse estado de atenção se torna, de
alguma maneira, “enfraquecida”, diluída, suspensa.
Ocupar essa posição pode ter algo de desconfortável ou incômodo.
Afinal, permanecemos à procura, sem guias, sem explicações.
Mas é nesse estado de exposição que se torna
possível também se surpreender.
Nessa condição é possível deixar de lado, pelo menos temporariamente, aquilo
em que acreditamos, gostamos, conhecemos para entrar em contato com a obra
ou a pessoa, de outra maneira.
Estabelece-se aqui uma importante relação a respeito do que seriam a
“passividade” e a “atividade”do observador, implícitas nessa estrutura.
O observador não decide o caminho, mas entrega-se à experiência a partir dos
recursos oferecidos, o tempo de observação prolongado,
o contexto de compartilhamento).
“As relações recíprocas e bidirecionais exigem que a pessoa supere a cisão entre aqui e o
lá, entre o dentro e o fora, entre o exclusivamente meu e o retraidamente teu.”
Existe portanto uma  tensão , que denomina campo de jogo que atua
como uma mediação
entre as pessoas , um ENTRE.

“um pensamento que é capaz de distinguir as diferentes relações entre as coisas e o


movimento interior que faz com que participem dos contrários” .
O que faz com que esta tensão não seja uma fonte de “stress” entre as pessoas é a
capacidade que tem de colaborar positivamente na busca da verdade.
O foco não é o outro mas a verdade que buscam juntos.
Sem este esforço mediador a relação se transforma num jogo de domínio
sobre o outro.

“Relações despojadas de todo artifício, não arrastam consigo o peso do


ontem e a imagem de amanhã.
É preciso tentar amar sem imaginar.
Amar a aparência despida e sem interpretação.
Contemplar um mal possível durante muito tempo sem o realizar opera
uma espécie de transubstanciação.
Se lhe resistimos com energia finita, esta energia esgota-se dentro de
certo tempo, e quando se esgota, cedemos.
Se nos mantivermos imóveis e atentos, é a
tentação que se esgota - e recolhemos a energia graduada.

Esta força interior é o que vamos adquirindo com o exercício da auto-consciência e a


meditação sobre os princípios do que conquistamos em nossa jornada da vida.
Arké : princípios da
Biosofia
O baralho ARKÉ  é uma forma lúdica, para apoiar a construção de uma unidade
compreensiva dos processos de ser e conhecer.
A nossa vida é complexa e dinâmica, e muitas vezes nos sentimos perdidos em
nossa vida interior.
É quando as respostas em partes identitárias : carreira, amor, saúde, vida
financeira ou propósitos, não são suficientes. precisamos buscar sentidos mais
profundos, razões para ser e valores que fundamentam nossa existência.
Esta síntese compreensiva pode ter apoio em nossa biografia: histórias que
compõe o nosso estar hoje no mundo, relações que nos entretecem e
aprendizagens colhidas no percurso vivido.
A história biográfica pode nos apoiar, mas não basta, é preciso um ponto mais
alto de entendimento, como se subíssemos em uma montanha para visualizar
toda a paisagem, obtendo uma visão mais integral.
Problema é a consciência de uma contradição, por vezes vivemos situações em
que tudo fica tão confuso que não conseguimos responder :
Afinal, qual é o problema ? ou
Quais são as contradições que estão impedindo a
minha vitalidade psíquica ?

Pensando nesta necessidade de clarear, mapear e elucidar o conflito vivido foi


que criamos esta dinâmica com palavras chaves, que orientam um processo de
Curadoria e Cuidadoria em busca da integridade psíquica.
Todo processo terapêutico é um esforço pessoal, não se trata de que cada um
deva começar do zero, ou inventar um sistema próprio.
Os repertórios científicos e artísticos contam as experiências psíquicas vividas
pelos seres humanos, mas acredito que cada pessoa deve caminhar , tatear,
degustar e sentir a sua ARKÉ - seus princípios pulsantes, sua sabedoria.
A inquietude é parte constitutiva e intrínseca ao ser humano, e é no diálogo
constante com nossas experiências que atualizamos nosso próprios
fundamentos.
É neste sentido que organizamos em nossas cartas dois movimentos
complementares : Curadoria e Cuidadoria
Curadoria é a aprendizagem e consciência de nossos modos de apreensão da
realidade.

O que te toca, (co)move ?


Como você compreende o que te comove ?

Como você compartilha o que compreendeu ?

Este simples processo cognitivo, da inteligência senciente, pode ter seus desafios.
No exercício da Biosofia, aprendemos a percorrer com sutileza e detalhe este
percurso, abrindo com atenção todos os seus sentidos.

Um segundo movimento concomitante ou sequencial é a Cuidadoria.


Este exercício de auto-consciência nos faz atentar para suas ações ou intenções
no mundo.
Existem relações intrincadas em nossos processos criativos que articulam :
a iniciativa, autonomia e autoria.
Tempo e espaço não são entidades geométricas, mas algo que afeta a nossa ação
formal, fazendo dela não simplesmente uma tensão,
mas uma ex-tensão e/ou uma dis-tensão.
Em sentido ativo a vida psíquica é o que confere qualidade a
estes fluxos: no caso do tempo - duração e no caso do espaço - presença.
São estas duas forças que dão substância aos nossos relacionamentos.
Presença e duração configuram nossas responsabilidades e altruidades.

Crises podem gerar enfraquecimentos nestes vínculos ou desvitalizações no


nosso agir, minando a própria vontade em sua capacidade de manter vivo
processos do querer.
Cuidar de nossa vitalidade psíquica é rever com lucidez nossas escolhas e os eixos
de sustentação da nossa liberdade do agir.
Dentro deste entendimento é importante percebermos o modo como mantemos
nossas escolhas, e como nosso ego reafirma esta decisão em nossa narrativa e
história pessoal.
No decorrer da vida, revemos constantemente nossa auto- representação (ego)
desmontamos e recriamos esta auto- imagem sempre que ampliamos nosso
horizonte de consciência, revendo valore e crenças.
Como diz, Michele Frederico Sciacca em seu livro Morte e Imortalidade :

"Ora, o problema do homem não é o da sua vida, mas o da sua existência no curso
do seu estar no mundo, não se trata pois de viver bem toda a vida, mas de existir
bem, mesmo nas circunstâncias em que se vive mal.
Nas situações infelizes, se a existência se valoriza mais do que a própria vida, a
iniciativa de liberdade, empenha-se em aceita-la, como é, empenha-se em
contribuir nela e com ela como pode a pessoa "

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