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Assinatura Musical: a Identidade Sonora da Marca.

Aluno de Iniciação Científica (CNPq e MackPesquisa): Luísa Iolanda de Souza Borges


(luiolanda@msn.com)
Orientadora: Gláucia Davino (gcine@arquitetos.com)

Resumo
Esta pesquisa buscou investigar e apontar alguns parâmetros para a criação de
uma Identidade Sonora, identificando semelhanças e analogias entre a linguagens
sonora e a imagética, fatores culturais, etários e psicológicos que influenciam o processo
de memorização de uma frase musical, contando com a observação de aspectos teóricos
de ciências como semiologia, Gestalt e psicologia, além de teoria musical.
Considerando que as grandes empresas procuram construir estratégias para uma
comunicação mais próxima e memorável com o consumidor, de forma que se sinta
seguro e fiel a uma marca que garanta um ideal, um compromisso e um status, e que,
diferentemente das imagens, o som contamina o ser humano sem necessariamente ser
percebido, (o que faz da Identidade Sonora a dimensão sonora que torna uma marca
única), as reflexões que incitaram a pesquisa foram a coerência de uma sonoridade com
uma marca e sua atuação na memorização dos conceitos que ela significa.
Com o objetivo de confirmar a conclusão desta pesquisa, analisou-se assinaturas
sonoras presentes na mídia e consideradas bem-sucedidas por indicar sua marca e ter
fácil memorização verificando se os dados pesquisados se aplicavam.

Palavras-chave: Identidade Sonora; Cognição; Memória Sonora; Branding

Introdução
“O produto é algo que é feito na fábrica; a marca é algo que é comprado pelo
consumidor: O produto pode ser copiado pelo concorrente; a marca é única.
O produto pode ficar ultrapassado rapidamente; a marca bem sucedida é
eterna”. Stephen King in (AAKER, 1998, p.1)

Há pouco mais de cem anos atrás, com a Revolução Industrial, o artesanato dava
espaço para a produção em larga escala e o homem se apaixonava pela máquina, que
tornaria os objetos mais baratos e acessíveis para toda a humanidade. Máquinas
trabalhavam a todo vapor. Neste período, a propaganda tinha os olhos voltados para

1
Este artigo resultou da pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida na Universidade Presbiteriana

1
dentro das empresas e limitava-se a comunicar aos consumidores o que via: chocolates
de cacau, mesas de madeira e refrigerantes de coca. (COBRA, 1992).
A Segunda Guerra Mundial abalou a economia e mudou esse cenário. Já não se
comprava tanto quanto se produzia, então surgiu uma nova preocupação: vendas.
Durante muitos anos utilizou-se a técnica agressiva de vendas, cuja estratégia era
confundir a pessoa entre palavras e negociações. A tática funcionou por algum tempo,
até que as pessoas perceberam o truque e deixaram de comprar.
Além do consumidor desconfiado, a empresa enfrentava a concorrência
crescente, cujas qualidades se superavam a todo instante. As corporações começaram a
se dividir em categorias de acordo com a qualidade e o preço do produto. Em pouco
tempo, empresas pertencentes a um mesmo segmento começaram a se igualar em
qualidade e o consumidor, com tantas opções, ficou volúvel.
A maneira que as empresas encontraram para garantir a venda passou a ser uma
espécie de casamento do produto (vinculado à marca) com o seu público. Em outras
palavras, a empresa precisava criar uma relação humana com seus consumidores: uma
maneira de cativar um lugar em seus corações, ou em termos apropriados, suas mentes
(Share of Mind).
No final do século XX, o foco de vendas deixou de ser um objeto para se tornar
algo que proporcionaria uma experiência – em um conjunto de ações chamado
branding2. (Como disse Howard Schultz, presidente e principal estrategista da
Starbucks, “Sabemos que há muito tempo que a Starbucks é mais que uma maravilhosa
xícara de café. É uma experiência”3.).
Atualmente lucro não é apenas relacionado a finanças, mas também ao prestígio
atribuído à marca.
A meta em branding é descobrir o que o consumidor espera da empresa e
oferecer isto a ele através das características da marca. (Aaker, 1998). Esta é uma
maneira de entrar na mente do consumidor, descobrindo uma lacuna e focar a promessa
da empresa na mesma. (Al Ries, 1993). Intel, por exemplo, descobriu que havia espaço
para uma marca de alta tecnologia em microprocessadores e desde então assumiu este

Mackenzie entre 2006 e 2007.


2
Atualmente existe, uma denominação para o conjunto de ações voltadas à construção de imagem -
Branding - que vem do inglês brand e significa "marca", originalmente utilizado pelos norte-americanos
para nomear os processos de marcação a quente para identificação de gado. De forma sintetizada, pode-se
conceituar o branding como o conjunto de ferramentas voltado ao gerenciamento do principal ativo
intangível da empresa: sua marca.
http://www.universia.com.br/html/materia/materia_bcib.html (último acesso em 12/12/2006)

2
atributo como norte principal em todas as suas ações. A identidade da marca é composta
por características que lhe conferem singularidade e mantém na memória do
consumidor. (Aaker, 1998).

A Voz da Marca
A identidade de uma marca envolve atributos, características e certa
personalidade, tornando a relação entre a empresa e seu consumidor mais emocional ou
conceitual do que as qualidades do produto em si. A marca sofre uma personificação
nesse processo: passa a ter formas, cores, cheiros e uma voz própria, objeto de estudo
desta pesquisa.
“A voz de uma personagem em uma animação é um elemento chave para
que aceitemos o desenho como uma pessoa: um menino fraco com tom de
voz extremamente grave pode soar engraçado, mas dificilmente seria aceito
como real.” 4

A verdade percebida pelo público na representação sonora criada para uma


marca se dá quando a percepção da marca é correspondida. Entre as etapas de
composição da identidade sonora, verificou-se que planejar elementos como timbre,
tonalidade e ritmo, de acordo com as características principais da marca e o seu público-
alvo, é um meio de garantir a eficiência da mesma.

1. Signo e Significado Musical


Em teorias mais antigas do significado, algo tem significado quando
representa, de alguma forma, nossa experiência do mundo ou de nós mesmos.
O cérebro testemunha a representação e circuitos associados se acendem. Isso
é evidente em nossa compreensão das palavras. Ouvimos a palavra “tigre” e
reagimos ativando circuitos que caracterizam felinos e que formam uma
infinidade de elos associativos com florestas, patas rastejantes e caçadores
com capacetes de cortiça. A representação age como uma espécie de meio
ambiente artificial, que trás à tona reações específicas a um tigre, apesar da
ausência de um tigre real. Em princípio, a rede conceitual ativada, num
cérebro que ouve a palavra “tigre”, também está ativa no cérebro que fala a
palavra "tigre”. O significado serve para transferir estados cognitivos entre
cérebros. E isso, em primeiro lugar, parece que tem a ver com comunicação.
(JOURDAIN, 1998, p. 345).
Entende-se por semiótica, “a ação que o signo desenvolve” (Santaella, in Lia
Tomás, p. 19, 1998), ou seja, é a ciência que estuda os signos e as suas formas de
significação. Pierce, grande contribuidor da semiologia, elaborou três etapas universais
de apreensão do signo: a primeiridade, ou o momento de exposição ao mesmo; a

3
http://www.5e.com.br/infodesign/103/Branding_Learning.pdf (último acesso em 21/02/2007)
4
Professor Msc. Marcelo Caires Luz, na aula de “Linguagem do Som e da Imagem I”, no curso de
Propaganda, Publicidade e Criação, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2006.

3
secundidade, que compreende a sensação imediata após o contato com ele e a
terceiridade, na qual se compreende o signo sob os próprios conhecimentos sobre o
assunto5. Valente e Ferrari Nunes (in Lia Tomás, 1998), observam que primeiridade e
secundidade predominam no universo musical, pois os conhecimentos musicais da
maioria dos ouvintes não ultrapassam o nível básico. Em outras palavras, a experiência
musical está concentrada nos atos de qualificar e categorizar, formando a cadeia de
absorção do signo musical apresentada adiante:

2. Processos Cognitivos e Afetivos na Percepção Musical:


“O ar vibrante que sai de um instrumento não contém sensações, apenas
padrões. Quando um cérebro é capaz de modelar um padrão, surge a sensação
significativa”. (JOURDAIN, 1998, p. 23).

Segundo Jourdain (Ibid.), a atenção humana está direcionada para as


características que determinam as “beiradas” da música, selecionando informações,
como os pontos mais agudos e os mais graves, mudanças de tom na harmonia,
mudanças no padrão métrico ou o começo e fim de uma frase musical, ou seja, os
limites entre um momento e outro. É uma maneira de simplificar as informações:
Leis da Gestalt - Pregnância: a mais importante de todas, possivelmente, ou
pelo menos a mais sintética. Diz que todas as formas tendem a ser percebidas
em seu caráter mais simples: uma espada e um escudo podem tornar-se uma
reta e um círculo, e um homem pode ser um aglomerado de formas
geométricas. É o princípio da simplificação natural da percepção. Quanto
mais simples, mais facilmente é assimilada: desta forma, a parte mais
facilmente compreendida em um desenho é a mais regular, que requer menos
simplificação.6
2.1 Memória
Segundo Jourdain (1998), o cérebro humano registra as relações mais profundas
das informações recebidas anteriormente para consultá-las e compreender um novo
acontecimento do mesmo padrão. Roederer acrescenta que uma mensagem musical será
significativa se “atribuirmos a ela certo valor como resultado de uma série de
operações cerebrais de análise, comparação com mensagens previamente
armazenadas, armazenagem na memória e associações.” (Roederer, 2002: 23).
Jourdain (1998) divide a memória em dois modelos: de longo prazo e de curto
prazo (ou “em ação”). Guardamos na memória de curto prazo os acontecimentos
instantâneos que precisamos lembrar para continuar exercendo alguma tarefa, mas que

5
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65641999000200006&script=sci_arttext (último acesso em
23/09/2006). Texto de Maria Lúcia Santaella Braga, Diretora do programa de Pós-Graduação de
Comunicação e Semiótica da PUC.

4
provavelmente esqueceremos pouco tempo depois de terminá-la. Quando ouvimos uma
nova música, por exemplo, podemos cantarolar o que acabamos de aprender, ainda que
esqueçamos instantes depois.
Quando a informação é passada para a memória de longo prazo, as relações entre
os elementos do evento são registradas como modelos. Vejamos o caso da música: ela é
composta basicamente por elementos sonoros e pausas, organizados no tempo. Segundo
Pederiva (2006), a maioria das pessoas que não possuem conhecimentos musicais
captam estes elementos em sua forma geral, como se a disposição destes formasse uma
linha que desenha a música.
A respeito da escuta, Jourdain (1998) descreve a apreensão de uma música como
um movimento de expectativa e antecipação. Quando se ouve, espera-se reconhecer
tudo o que se tem guardado na memória sobre aquela música. Entretanto é possível
fazer previsões sobre uma música que nunca se ouviu, se a mesma seguir regras de
estrutura familiares à cultura musical do ouvinte. É com o intuito de tornar a
antecipação possível que o cérebro humano foca os padrões musicais e cria categorias.
Segundo Jourdain, lembrar de padrões é como criar as “habilidades de um motorista
que viaja por uma estrada montanhosa familiar” (1998, p. 338), e a maneira como estes
padrões refletem em nossa experiência produz significado. Em relação às assinaturas
sonoras, observemos a lei da Gestalt:
Experiência Passada: Esta última se relaciona com o pensamento pré-
Gestáltico, que via nas associações o processo fundamental da
percepção da forma. A associação aqui, sim, é imprescindível, pois
certas formas só podem ser compreendidas se já a conhecermos, ou se
tivermos consciência prévia de sua existência. Da mesma forma, a
experiência passada favorece a compreensão metonímica: se já
tivermos visto a forma inteira de um elemento, ao visualizarmos
somente uma parte dele reproduziremos esta forma inteira na
memória.7

O ato de reconhecer de padrões (intervalos entre as notas, pausas entre os


acordes, ritmo, etc.) conduz o cérebro à aceitação. Entretanto, de acordo com Jourdain
(1998), pesquisas mostraram que há maior interesse por melodias um pouco mais
desafiadoras, “como um jogador de tênis que sempre preferisse jogar com alguém
ligeiramente melhor” (ibid. , 1998, p. 331), pois é um novo aprendizado, uma nova
informação para o acervo de relações conhecidas. Entretanto, se este desafio excede os
limites de previsão, o cérebro o entenderá como um barulho de alta qualidade.

6
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gestalt (último acesso em 19/02/2007)
7
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gestalt (último acesso em 19/02/2007)

5
Segundo o autor, a preferência pelo desafio cresce conforme aumenta a idade do
indivíduo, pois seus conhecimentos de relações presentes na música também aumentam.
Porém, segundo o mesmo, define-se preferências de estilos musicais na adolescência e
estas são mantidas até o fim da vida.
2.2 Ritmo
Jourdain (ibid.) explica que nos relacionamos com o mundo observando-o,
sentindo-o e gerando uma representação dele no nosso cérebro. O prazer desta relação,
segundo Jourdain (Ibid.), num sentido amplo, está no fato de nosso cérebro organizar os
eventos do mundo externo e assim poder prever os próximos. Esta organização (em
níveis mais profundos) está de alguma forma relacionada com os neurônios. O espaço
de tempo que leva o envio de uma informação ao cérebro e deste de volta ao corpo
necessita de um ritmo. As informações não podem se sobrepor, precisam de
organização. Em seu livro, Jourdain (ibid.) conta a história de uma mulher que sofria de
Mal de Parkinson, (doença que causa uma confusão nas transmissões neurológicas,
cujas conseqüências incluem o movimento desordenado dos membros). As atividades
cerebrais da paciente voltavam ao normal quando ela ouvia música. Aparentemente, os
padrões bem organizados da música se transferiam para o seu corpo, organizando
também seus padrões internos – o que o autor cita como uma das explicações para a
sensação de prazer proporcionada pela música: se o mundo externo é complexo e
confuso, nosso cérebro trabalha para organizar as informações que recebe dele,
simplificando-as. No caso da música, quando é extensa, o ritmo é o meio que a mente
humana encontrou para compreender o todo, através do metro e do fraseado.
As duas concepções de ritmo são, às vezes designadas como vocal (para o
fraseado) e instrumental (para o metro). O fraseado é “vocal” porque surge
naturalmente da canção e, assim, da fala. O metro é “instrumental” por
derivar da maneira como tocamos instrumentos musicais, geralmente
permitindo maior velocidade que a voz e uma exatidão temporal superior.
Um deles é o ritmo da garganta, o outro, o ritmo das mãos. (...) A música
dificilmente existiria sem os dois tipos de ritmo. O metro dá ordem ao tempo.
Organiza grupos de notas pequenos e, algumas vezes, maiores, fornecendo
uma espécie de grade sobre a qual a música é esboçada. Por outro lado o
fraseado confere à música uma espécie de narrativa. É o mecanismo através
do qual uma composição pode desempenhar um grande drama. (JOURDAIN,
1998, p. 167-168)

O metro é o componente musical que simplifica a melodia para o cérebro. Em


uma melodia são contados os tempos de um pedaço para o outro e estes tempos são
chamados de compassos, descritos na partitura como o número de batidas sobre a
duração da nota (3/4, por exemplo: três batidas, com a duração de um quarto de nota,

6
cada uma). Esta divisão facilita a compreensão de toda a música, pois assim é possível
ao cérebro separar pequenas partes para analisar, compreender e prever a parte seguinte,
chegando ao final dela compreendendo e memorizando (ou não) o conjunto. Pode-se
comparar o processo à alimentação: ao invés de mastigar uma refeição inteira de uma só
vez, ela é dividida em pedaços menores e ingerida. Entretanto, o aproveitamento é o
mesmo, com maior conforto.
O fraseado diz respeito aos movimentos da música. Se o metro é como a divisão
de uma grande tela para facilitar sua compreensão, o fraseado é o desenho contido nela,
a paisagem que a música descreve em sua evolução.

3. Música e Imagem.

3.1Timbre
Há um fator que rege imagens e música: o tempo. Segundo Salles (2002),
Kandisnky, em seu livro Ponto e Linha revelou analogias que encontrara entre a música
e seu comportamento ao longo do tempo e características de ponto, linha e traço,
relacionadas ao timbre. De acordo com o pintor, a maioria dos instrumentos musicais
são de característica linear, pois seu comportamento no tempo se assemelha ao de uma
linha contínua – fina se for produzida por instrumentos como violino, flauta e píccolo,
média com viola e clarinete e grave e larga com contrabaixo e tuba. O piano é
considerado pelo autor como instrumento de ponto.

Flauta, violino e píccolo Viola e clarinete Contrabaixo e tuba Piano

3.2 Contorno
Quanto ao contorno melódico, Salles (Ibid.) fundamenta-se em Schoemberg para
relacionar as linhas e seus percursos com tons musicais. Segundo o autor, notas mais
agudas situam-se em patamares mais elevados e notas mais graves nos patamares mais
baixos, efeito da constituição física do som, cuja sustentação harmônica está nos tons
baixos (ou graves). Entretanto, Jourdain (1998) considera que quanto mais próximas
estão as notas de uma melodia, mais fácil será sua memorização.

7
4. Fatores culturais:
A “Mousiké”. Música de berço da civilização ocidental.
Segundo Pereira (2001), as tragédias escritas na
Grécia do séc. V a.C., são chamadas “melos-epos” –
parte melódica, parte dramática. Segundo Pereira (ibid.),
havia um elemento utilizado para conectar a melodia e a
Pereira (p. 335, 2001)
palavra que indicava o caráter de uma determinada
Harmonia frígia
composição, como calma ou exaltada, lamentosa ou
vitoriosa, por exemplo. Este elemento era dado aos
músicos como base para as composições melódicas e
estes elaboravam-nas baseados em escalas: os chamados
Pereira (p. 336, 2001)
modos gregos.
Harmonia Dória
Segundo o autor, as harmonias que
acompanhavam as tragédias eram a dórica, a mixolídia e a frígia. A esta última,
atribuía-se caráter heróico ou agitado, capaz de transmitir um estado passional frenético,
à dórica atribuía-se a tranqüilidade, viril e apropriada à educação, apontada por
Heráclides Pôntico como majestosa, sombria e impetuosa8, e à mixolídia, o oposto da
primeira, passiva e lamentosa.
Quanto ao ritmo, a harmonia frígia era freqüentemente ligada a uma métrica
caracterizada por dois tempos breves seguidos por dois longos, sucessivamente. De
acordo com Pereira (2001), Aristóteles atribui à harmonia frígia a alegria e a
embriaguez do deus Baco, características transferidas pelas marcações e cadência
ritmada. Seu tom era originalmente agudo e suas características musicológicas são
parecidas com as da harmonia dória (figuras 6 e 7). As notas longas eram utilizadas para
expressar momentos calmos enquanto as curtas expressavam agitação.
Aristóxeno aponta outra seqüência rítmica padronizada, chamada
enópilo, de origens espartanas, ainda utilizada em marchas militares: Meio tempo

Um tempo

Pereira (2001, p. 89)

Quanto à altura, o autor informa que filósofos como Aristóteles e Aristides


Quintiliano consideravam que estava relacionada com o movimento da melodia: as

8
Apud Ateneu, XIV, 624 d.

8
notas graves eram tidas como repousantes e as notas agudas como agitadas, do
movimento do grave para o agudo (ou o contrário). (Luiz Tatit (1986) afirma que em
muitas músicas as notas graves são utilizadas para fechar uma idéia).
Segundo Pereira (2001), Aristides Quintiliano classifica as melodias como
diretas quando se movem do som grave para o agudo, de retorno quando se movem na
direção inversa e, como circulares, aquelas em que se modula, como sair de uma série
seqüencial de notas de um acorde para uma série aleatória dentro do acorde.

5. Estudo de Casos:
5.1 Sorriso
De acordo com Dimi Kireeff9, a fabricante de creme dental Kolynos era a marca
líder do segmento quando a Colgate-Palmolive a comprou, no final dos anos 9010. Então
o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), verificando a enorme fatia
que a marca possuía na mente dos consumidores e do mercado (chamados share of mind
e market share, respectivamente), considerou que a compra gerava uma concorrência
desleal e determinou à marca cinco anos sem veicular publicidade. Kolynos então
mudou seu nome para Sorriso, que manteve as características da antecessora (logotipo,
cores e identidade sonora) e a superou no seguimento da higiene bucal no Top of Mind
de 2003.
Durante aula especial do curso de Música para Cinema, Televisão e Publicidade,
no Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, cuja novidade era a participação do
publicitário Danilo Martins, ex-diretor de criação da McCann, Danilo contou a história
da assinatura musical de Sorriso e comentou a importância dela quando a marca teve de
mudar de nome, do ponto de vista de quem acompanhou todo o processo “nos
bastidores”.
Segundo Danilo, a assinatura musical da Sorriso é o “Ah!”, que denota a
sensação de refrescância que a pasta proporciona, e a frase cantada (“Sorriso”) ou
instrumental (dó, mi, ré) foi criada como caminho para chegar a ela, por volta dos anos
40. De acordo com o publicitário, quando havia se esgotado o tempo determinado pelo
CADE e a pasta poderia voltar a se chamar Kolynos, havia quem defendesse a volta, por
acreditar que era uma marca de sucesso. Mas o consenso foi manter Sorriso, mudando a

9
Professor do curso de Música para Cinema, Televisão e Publicidade, no Centro de Estudos Musicais
Tom Jobim e produtor de trilhas da empresa S de Samba, em depoimento realizado no dia 10 de outubro
de 2006.

9
linguagem (visual e sonora) para atingir o público jovem e manter elementos que
“deram certo”, como a identidade musical.
Este é um case de rejuvenescimento da marca cujo resultado poderia ser menos
satisfatório, posto que mudaram o nome e a linguagem. Porém, as características
principais da marca (incluindo a identidade sonora) foram mantidas, evitando-se assim
que o público desligasse a nova marca da antiga.

5.2 Intel11
Assim como Sorriso, a Intel também formulou um programa de marketing
reagindo a uma determinação judicial. No final dos anos 80, notas legais negaram aos
microprocessadores da Intel o status de marca registrada, abrindo portas à concorrência.
Como conseqüência cada empresa buscaria mostrar seus diferenciais e assim fez a Intel.
Consolidada como marca, a fabricante passou a veicular anúncios em mídia
impressa para explicar a logomarca para os consumidores e, em 1992, o seu primeiro
anúncio em televisão, que enfatizava a velocidade, o poder e a garantia. A tecnologia de
ponta foi demonstrada na linguagem imagética e sonora do comercial, que utilizava os
efeitos especiais mais modernos da época para levar o espectador por uma viagem
dentro do computador. A televisão foi fundamental para a veiculação de um jingle
pentatônico de três segundos, que acompanhava a logo – a identidade sonora da Intel. A
escala pentatônica e o timbre escolhidos para representar a marca eram signos de
rapidez e alta tecnologia, que as pesquisas haviam apontado como as características da
companhia, segundo os seus consumidores. A melodia da Intel é composta pelas notas:
do, fá, do, sol. As notas fá e sol são adjacentes e distantes do dó, contrariando a tese do
contorno melódico. Entretanto, a nota dó permanece, é compreendida como sustentação
para a melodia que acontece acima, com notas adjacentes (fá e sol), confirmando a
mesma tese, sobre as notas de patamares baixos.

6. Conclusão
Definir padrões rígidos, quando se trata de comunicação, é tentar tornar estático
algo caracterizado pela mudança constante, por ser formado por pessoas, cujos
universos também variam constantemente. Há pouco mais de cem anos atrás a música
de Debussy, por exemplo, era considerada agressiva aos ouvidos acostumados com os

10
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kolynos (último acesso em 22/10/06)

10
compositores que seguiam à risca todas as regras de composição. Porém, recentemente
sua Clair de Lune foi tema de amor em uma novela. Como escreveu Jourdain (1998), o
ser humano está sempre atento a novas formas de compreender o mundo, desde que a
novidade não perca o elo com o que está gravado em sua memória.
Entretanto, a própria memorização é um fator decisivo quanto à eficiência da
identidade sonora, pois a contribuição desta para a marca é obter mais espaço na mente
dos consumidores. Para tanto, foram encontrados ao longo da pesquisa os seguintes
parâmetros para a composição da frase musical:
• Atenção ao tamanho da frase: além de ser flexível a diversos tipos de mídia,
deve-se considerar quão fácil é sua memorização. O princípio assemelha-se ao
do slogan publicitário;
• De acordo com Jourdain (1998), quando a melodia pode ser cantarolada ou
reproduzida sem auxílio de instrumentos complexos, sua memorização é
facilitada;
• A intenção do trabalho cerebral para compreender uma música é simplificá-la e
armazenar seus padrões para uma consulta posterior. Portanto, a clareza da
composição agiliza o processo, colaborando para a memorização;
• A atenção a novidades aumenta conforme aumenta a idade do indivíduo.
Paradoxalmente, suas preferências musicais são fixadas no início da
adolescência;
• Conforme estudado, o ser humano é capaz de reconhecer padrões em uma
música que nunca tenha ouvido antes. Se o estilo pertencente a estes padrões
agrada o ouvinte, provavelmente a nova música também o agradará;
• A cultura musical ocidental tem estabelecidos muitos estereótipos quanto aos
timbres. Solos de saxofone, por exemplo, são clichês em temas sensuais, assim
como o piano que pontua os movimentos de um desenho animado sem falas;
• Entre os cases observados, é inegável o papel da repetição da assinatura para o
público-alvo. Não existem fatores que garantam sobrevivência à melodia na
memória do consumidor se este não for exposto a ela repetidas vezes.
A respeito da associação entre as linguagens musical e imagética, verificou-se que é
possível criar desenhos melódicos novos e interessantes (como no case da assinatura

11
http://www.intel.com/pressroom/intel_inside.htm (último acesso em 29/12/2006)

11
sonora da Intel), através de modulações inesperadas entre as alturas das notas descritas
ao longo da melodia.

7. Referências Bibliográficas:

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