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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RENATA DE LIMA VELLOSO

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E DE TEORIA DA MENTE NOS


TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO COM A APLICAÇÃO
DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTADO
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

São Paulo
2011
RENATA DE LIMA VELLOSO

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E DE TEORIA DA MENTE NOS


TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO COM A APLICAÇÃO
DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTADO
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutora.

Orientador:
Prof. Dr. José Salomão Schwartzman

São Paulo
2011
V441a Velloso, Renata de Lima.

Avaliação de linguagem e de teoria da mente nos trans-


tornos do espectro do autismo com a aplicação do teste
traduzido e adaptado para a língua portuguesa/
Renata de Lima Velloso. -

111 f. : il. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Distúrbios do Desenvolvimento) -


Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.

Bibliografia: f. 88-98.

1. Transtornos do Espectro do Autismo. 2. Linguagem. 3.


Teoria da mente. I. Título.
ii

RENATA DE LIMA VELLOSO

AVALIAÇÃO DE LINGUAGEM E DE TEORIA DA MENTE NOS


TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO COM A APLICAÇÃO
DO TESTE STRANGE STORIES TRADUZIDO E ADAPTADO
PARA A LÍNGUA PORTUGUESA

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em


Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial
para obtenção do título de Doutora.

Aprovada em 02 de fevereiro de 2012.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Salomão Schwartzman Orientador


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Maria Cristina T V Teixeira


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Lucas de Francisco Carvalho


Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Ceres Alves de Araújo


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Profa. Dra. Ana Luiza Gomes Pinto Navas


Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
iii

Aos indivíduos com Transtornos do Espectro do


Autismo e suas famílias, com o desejo de acres-
centar conhecimento a esta área.
iv

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. José Salomão Schwartzman, por de forma tão generosa dividir seus
conhecimentos, ajudando no meu crescimento profissional e pessoal intensamente,
minha eterna admiração.

Às famílias dos indivíduos que participaram do estudo, que se mostraram sempre


dispostas a ajudar e muito interessadas na pesquisa.

Ao MackPesquisa, pelo apoio financeiro sem o qual não seria possível a conclu-
são deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Décio Brunoni e à Profa Dra Maria Eloísa Famá D ntino, que partici-
pam do Grupo de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mac-
kenzie, por engrandecer meus conhecimentos por meio do convívio e das reuniões.

Às amigas que participam também desse grupo, sempre dispostas a ajudar: Cintia
Perez Duarte, Alessandra Aronovich Vinic e Tatiana Pontrelli Mecca.

À Profa Dra Roberta Monterazzo Cysneiros, à Profa Dra Maria Cristina Triguero Ve-
loz Teixeira e à Profa Dra Cristiane Silvestre de Paula, que participam também das
discussões do grupo, dividindo suas experiências.

À Profa Dra Ceres Alves de Araújo, que contribuiu de forma rica para que este tra-
balho se tornasse uma tese.

Ao Prof. Dr. Geraldo Fiamenghi Júnior, que colaborou muito com sugestões para
este estudo.
v

Ao Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo, pelas orientações e conselhos.

A Silvana Santos, pelo apoio na conclusão do trabalho.

Aos meus pais, Célia e Gerson, pelo incentivo, pelo amor, pela ajuda e pela dedi-
cação durante todos esses anos, que possibilitaram a conquista de mais uma vitória
importante em minha vida.

À minha avó, que de forma especial e pessoal contribuiu para minha formação.

Ao meu avô, com muita saudade, que representou fonte de sabedoria e força.

Ao meu marido, Leonardo, por acreditar em mim: Obrigada por ficar ao meu lado
mesmo nos momentos difíceis!
vi

O presente trabalho foi realizado com apoio do


Instituto Presbiteriano Mackenzie, por intermédio
do MACKPESQUISA.
vii

RESUMO

Os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) se caracterizam por prejuízos


significativos na interação social, na comunicação verbal e não verbal e pela ausên-
cia de atividades imaginativas, substituídas por comportamentos repetitivos e este-
reotipados. Os pesquisadores vêm há muitos anos propondo teorias explicativas do
prejuízo primário nos TEA, prevalecendo atualmente duas vertentes teóricas: a teo-
ria desenvolvimentista e a teoria cognitivista. O objetivo deste estudo foi a avaliação
de habilidades de linguagem e de Teoria da Mente em indivíduos com TEA e indiví-
duos-controle, com a aplicação do teste , traduzido e adaptado para
a Língua portuguesa. Participaram do estudo 28 crianças com TEA e 56 crianças-
controle, todas do sexo masculino e na faixa etária entre seis e 12 anos. A versão
brasileira do teste foi aplicada, seguindo os mesmos procedimentos,
tanto ao grupo experimental quanto ao grupo-controle. Os resultados indicaram dife-
renças significativas entre os escores médios dos grupos experimental e controle em
cada uma das 12 histórias do teste e na soma dos escores de todas as histórias. Os
escores médios registrados para todas as histórias foram significativamente maiores
no grupo-controle do que no grupo experimental (crianças com TEA). Observou-se
correlação positiva entre quociente de inteligência e soma dos escores médios para
o grupo experimental, e correlação positiva entre idade e soma dos escores médios
para o grupo-controle. Observou-se ótima consistência interna do protocolo. Os re-
sultados foram discutidos sob a perspectiva cognitivista e desenvolvimentista. Con-
cluiu-se que as habilidades de linguagem e de Teoria da Mente avaliadas pelo teste
se mostraram alteradas no grupo de crianças com TEA quando
comparadas às crianças do grupo-controle.

Palavras-chave: Transtornos do Espectro do Autismo, Linguagem, Teoria da Mente.


viii

ABSTRACT

Autistic Spectrum Disorders (ASD) refer to important deficits in social interac-


tion, in verbal and nonverbal communication, and in imaginative activities, which are
replaced by repetitive and stereotyped behaviors. For several years, researchers
have been proposing theories for explaining the primary deficit in the ASD, and cur-
rently two theoretical approaches are preponderant: the developmental theory and
the cognitive theory. This study has aimed at assessing abilities of language and of a
theory of mind in children with ASD and in control children, with the application of the
Strange Stories Test translated into Portuguese and adopted for Brazilian culture.
Male children with ASD (28) and male control children (56) aged 6 to 12 years old
took part in this study. The Brazilian version of the Strange Stories Test was applied
following the same procedures to both experimental and control groups. Findings
evidenced significant differences between mean scores of the groups in every of the
12 histories composing the test as well as in the sum of mean scores for all histories.
Mean scores in all histories were significantly higher in the control group compared to
the experimental group (children with ASD). Significant positive correlation was es-
tablished between the estimated intelligence quotients and the sum of mean scores
in the ASD group, and between the age and the sum of mean scores in the control
group. Optimal internal consistence of the protocol was observed (0.955). Results
were discussed under developmental and cognitive theories. It is concluded that the
abilities of language and of a theory of mind assessed by the Strange Stories Test
presented altered in children with ASD compared to children with typical develop-
ment.

Keywords: Autistic Spectrum Disorders, Language, Theory of Mind.


ix

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Representação gráfica da diferença nas pontuações dos grupos expe-


rimental e controle em cada uma das histórias ....................................... 69

Figura 2 Gráficos de dispersão para idades QIe (A), idades so-


mas dos escores de todas as histórias (B) e QIe somas dos
escores de todas as histórias (C) no grupo experimental (indivíduos
com TEA) ................................................................................................. 71

Figura 3 Gráficos de dispersão para idades QIe (A), idades so-


mas dos escores de todas as histórias (B) e QIe somas dos
escores de todas as histórias (C) no grupo-controle ............................... 72

Figura 4 Escores médios e desvios-padrão registrados para cada história no


grupo experimental .................................................................................. 74

Figura 5 Escores médios e desvios-padrão registrados para cada história no


grupo-controle .......................................................................................... 75
Figura 6 Representação dos valores extremos de QIe observados no grupo ex-
perimental (vermelho) e no grupo-controle (azul), ilustrando diferença
de 30 pontos no maior estremo e de 20 pontos no menor extremo ........ 79
x

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Termos e abreviaturas utilizados na apresentação dos Resultados do


estudo ...................................................................................................... 67

Tabela 2 Comparação entre as médias de idade e de QIe dos grupos experi-


mental e controle ..................................................................................... 67

Tabela 3 Comparação entre os escores médios registrados para os grupos ex-


perimental e controle em cada história e no total equivalente à soma de
todas as histórias ..................................................................................... 68

Tabela 4 Coeficientes de Correlação de Pearson entre idades, QIe e somas dos


escores de todas as histórias no grupo experimental (indivíduos com
TEA) e no grupo-controle ........................................................................ 69

Tabela 5 Escores médios registrados para cada história no grupo experimental


(indivíduos com TEA) .............................................................................. 74

Tabela 6 Valores de calculados na comparação dos escores médios de cada


par de histórias registrados no grupo experimental (indivíduos com
TEA) ......................................................................................................... 74

Tabela 7 Escores médios registrados para cada história no grupo-controle .......... 75

Tabela 8 Valores de calculados na comparação dos escores médios de cada


par de histórias registrados no grupo-controle ........................................ 75

Tabela 9 Valores de Alfa de Cronbach para determinação da consistência interna


do protocolo nos grupos experimental e controle e na amostra geral ....... 76
xi

SUMÁRIO

Resumo ............................................................................................................................. vi
Abstract ............................................................................................................................. vii
Lista de Tabelas ................................................................................................................ viii
Lista de Figuras ................................................................................................................. ix

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 12

2. REVISÃO DA LITERATURA ......................................................................................... 14


2.1 Os transtornos do espectro do autismo TEA ....................................................... 14
2.2 Teorias sobre o prejuízo primário nos TEA ............................................................ 19
2.2.1 Teoria psicanalítica ....................................................................................... 19
2.2.2 Teorias cognitivas ......................................................................................... 21
2.2.3 Teorias afetivas ............................................................................................ 24
2.2.4 Teorias desenvolvimentista e cognitivista .................................................... 26
2.3 Teoria da Mente ..................................................................................................... 28
2.3.1 A Teoria da Mente ........................................................................................ 28
2.3.2 Teste avançado em Teoria da Mente ................................. 36
2.4 Linguagem .............................................................................................................. 39
2.5 Linguagem e Teoria da Mente ................................................................................ 48

3. OBJETIVOS .................................................................................................................. 53

4. CASUÍSTICA E MÉTODO ............................................................................................ 54


4.1 Casuística ............................................................................................................... 54
4.1.1 Grupo experimental ...................................................................................... 54
4.1.2 Grupo-controle .............................................................................................. 56
4.2 Método .................................................................................................................... 57
4.2.1 Procedimentos para tradução e adaptação do instrumento de pesquisa ...... 57
4.2.1.1 O instrumento de pesquisa .............................................................. 58
4.2.2 Procedimentos para seleção e composição das amostras .......................... 59
4.2.3 Procedimentos para aplicação do instrumento ao grupo experimental e ao
grupo-controle ....................................................................................................... 62
4.2.3.1 Aplicação do instrumento ................................................................. 62
4.2.3.2 Registro de escores ......................................................................... 63

5. RESULTADOS .............................................................................................................. 66

6. DISCUSSÃO ................................................................................................................. 77

7. CONCLUSÕES ............................................................................................................. 87

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 88

ANEXO A
Critérios Diagnósticos do DSM-IV ..................................................................................... 99
xii

ANEXO B
Critérios Diagnósticos da CID-10 ...................................................................................... 101
ANEXO C
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ao sujeito da pesquisa) ............................ 103
ANEXO D
Carta de Informação à Instituição ....................................................................................... 104
ANEXO E
Tradução do Teste .................................................................................... 105
ANEXO F
Teste Avançado em Teoria da Mente (Happé, 1994) ............................... 107
ANEXO G
Dados das crianças do grupo experimental ........................................................................ 109
ANEXO H
Dados das crianças do grupo-controle ............................................................................... 111
13

1. INTRODUÇÃO

Os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) se caracterizam por prejuízos

severos na interação social e na comunicação e por ausência de atividades imagina-

tivas, substituídas por comportamentos repetitivos e estereotipados (Wing e Gould,

1979).

As dificuldades apresentadas nos indivíduos com TEA foram atribuídas, ao

longo dos anos, a prejuízos primários sociais, afetivos e cognitivos.

Duas habilidades são citadas, dentre outras, como amplamente prejudicadas

nos TEA: a Teoria da Mente e a Linguagem. Os sujeitos com TEA apresentam difi-

culdade em levar em consideração os próprios estados mentais e os das outras

pessoas, com a finalidade de compreender e predizer comportamentos (Baron-

Cohen, 1995), o que envolve a Teoria da Mente. Esses sujeitos apresentam também

grave comprometimento de Linguagem, com grande prejuízo na comunicação.

A maioria dos estudos que investigam a relação entre Linguagem e Teoria da

Mente fornece poucos dados e usa testes restritos à Teoria da Mente. Além disso,

há escassez no Brasil de instrumentos formais e objetivos disponíveis comercial-

mente e indicados para avaliação e diagnóstico de linguagem nos TEA, o que indica

a necessidade de pesquisas nesta área.

É de extrema importância que as habilidades e dificuldades dos sujeitos com

TEA sejam avaliadas por meio de testes adaptados que contemplem situações natu-

ralísticas e que, assim, apresentem questões para respostas mais reais. É também
14

muito importante que essas habilidades e dificuldades sejam estudadas além das

diferenças entre as concepções teóricas sobre os TEA, uma vez que influenciarão

diretamente sobre a abordagem utilizada na intervenção do indivíduo. Uma visão

abrangente das concepções cognitivista e desenvolvimentista pode resultar em in-

tervenção adequada.

No sentido de contribuir para o esclarecimento dessas questões foi proposta a

realização deste estudo, que inclui a tradução e a adaptação para a Língua portu-

guesa do Teste , cuja aplicação permite a avaliação da linguagem e

da Teoria da Mente, e a discussão dos achados à luz das teorias cognitivista e de-

senvolvimentista.
15

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 OS TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO TEA

O autismo foi descrito pela primeira vez por Leo Kanner, psiquiatra infantil, em

1943, após estudar 11 crianças com idade de dois a 11 anos, sendo oito meninos e

três meninas, com quadro caracterizado por isolamento extremo, atividades repetiti-

vas e estereotipadas, aparente incapacidade inata de relacionamento com as pes-

soas e intensa resistência a mudanças. O autor observou variações nos níveis de

isolamento apresentados por essas crianças, e nomeou este quadro de Distúrbio

Autístico do Contato Afetivo.

Kanner (1943) relatou também que essas crianças apresentavam dificuldades

para assumir postura antecipatória para serem carregadas; dificuldades para usar a

linguagem para a comunicação; repetição de fala tardia; reação de horror diante de

barulhos com volume alto; e aspecto físico essencialmente normal. Descreveu como

particularidade a existência de habilidades excepcionais, como a memória.

Em 1944, quase na mesma época, o pediatra Hans Asperger desenvolveu sua

tese, discorrendo sobre crianças que apresentavam habilidades intelectuais normais,

mas tinham a comunicação não verbal empobrecida e se isolavam do convívio social,

com manifestações clínicas semelhantes àquelas descritas por Kanner, e que pare-

Outros comportamentos observados por Asperger fo-


16

ram: pobreza de contato de olho, limitação de empatia, fala pedante e com pouca

modulação, intenso envolvimento com tópicos específicos de interesse, grande re-

sistência a mudanças e falhas nas habilidades motoras. Asperger nomeou este qua-

dro de Psicopatia Autista.

Muitos anos depois, Lorna Wing (1981) analisou as descrições de comporta-

mento feitas por Asperger (1944) e encontrou similaridades com aquelas feitas por

Kanner (1943), atribuindo, então, o termo Síndrome de Asperger para nomear o

quadro. Até a sua introdução na literatura por Lorna Wing em 1981, essa condição

era praticamente desconhecida da comunidade científica. A autora considerou a

possibilidade de compreensão de ambas as descrições como um conjunto de ele-

mentos variáveis em grau, e propôs a expressão ou de De-

sordens Autísticas (Wing, 1988).

Muitos estudos foram realizados desde então, e, com o passar do tempo, os

critérios diagnósticos sofreram alterações. A ideia de que o autismo de Kanner faria

parte de um amplo espectro de desordens começou a ser seriamente considerada

nos anos 1970 e 1980, o que possibilitou uma série de estudos posteriores a esse

respeito (Szatmari, 1992; Wing, 1996; Berney, 2000; Beglinger e Smith, 2001; Wil-

lemsen-Swinkels e Buitelaar, 2002).

Na tentativa de identificar e caracterizar os sintomas mais comuns que fariam

parte do autismo, Wing e Gould (1979) descreveram uma tríade de comprometimen-

tos muito específicos e característicos do distúrbio: prejuízos severos na interação

social, dificuldades severas nas comunicações tanto verbais como não verbais, e

ausência de atividades imaginativas, substituídas por comportamentos repetitivos e

estereotipados.
17

Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-

IV (APA, 2002) utiliza o termo Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) para

caracterizar esses quadros com prejuízos no desenvolvimento, nas habilidades de

interação social, de comunicação e de comportamento, e com presença de interes-

ses e atividades estereotipados. Os TGD englobam o Transtorno Autista, o Trans-

torno de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infância, o Transtorno de Asperger e o

Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Os critérios diag-

nósticos propostos pelo DSM-IV se encontram detalhados no Anexo A.

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relaciona-

dos à Saúde - CID-10 (OMS, 2000) também utiliza o termo Transtornos Globais do

Desenvolvimento (TGD), que englobam: Autismo Infantil, Autismo Atípico, Síndrome

de Rett, Outro Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno com Hipercinesia

Associada a Retardo Mental e a Movimentos Estereotipados, Síndrome de Asperger,

Outros Transtornos Globais do Desenvolvimento e Transtornos Globais Não Especi-

ficados do Desenvolvimento. Os critérios diagnósticos detalhados da CID-10 se en-

contram no Anexo B.

Considerando a heterogeneidade de quadros, o diagnóstico diferencial dos

TEA nem sempre é um trabalho fácil. Seria possível, segundo Perissinoto (2003),

reagrupá-los em duas categorias de alterações qualitativas no comportamento: a

primeira seria composta por Transtorno de Rett e Transtorno Desintegrativo da In-

fância, caracterizando-se por perda de habilidades já adquiridas em diferentes áreas

do desenvolvimento, com prejuízos cognitivos, motores e físicos específicos; a outra

categoria seria composta por Transtorno Autista e por Transtorno de Asperger, sen-

do mais polêmica e bastante controversa em suas distinções.


18

Rutter (2005) ressalta a ampliação do diagnóstico de autismo que ocorreu nos

últimos 40 anos. Essa mudança ocorreu não pela determinação de características

sintomatológicas de um único distúrbio, mas pela introdução da ideia de um espec-

tro, conhecido como (ASD), ou Transtorno do Espectro do

Autismo (TEA). Neste estudo, será utilizado o termo TEA (Transtornos do Espectro

do Autismo) para os diagnósticos de Autismo, Síndrome de Asperger e Transtorno

Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGD/SOE), levando-se em

conta as semelhanças de manifestações encontradas nesses diagnósticos.

Discutindo os critérios diagnósticos, Rapin e Tuchman (2009) salientam que al-

cançar consenso é essencial para a capacitação de clínicos e pesquisadores no uso

de um sistema de diagnóstico comum ao se referir a indivíduos com TEA. Mas, os

subtipos do DSM-IV, com exceção da Síndrome de Rett, ainda não satisfazem os

critérios de um transtorno biologicamente específico. Os autores referem, ainda, que

esses sistemas de classificação, como o DSM-IV e a CID-10, estão em constante

aperfeiçoamento, e continuarão a evoluir à medida que se acumularem novas infor-

mações. É provável que, no futuro, a Síndrome de Rett, originalmente considerada

um tipo de TGD, seja retirada dessa lista no DSM-V, uma vez que os critérios para o

seu diagnóstico se baseiam em critérios bastante singulares: quadro clínico, formas

de transmissão e marcadores biológicos específicos.

Devido à modificação dos critérios diagnósticos, a literatura registra variações

na estimativa da prevalência do autismo. Em 2003, Fombonne averiguou a preva-

lência média de TEA nos últimos 37 anos e percebeu aumento de 4,4:10.000 (entre

1966 e 1991) para 12,7:10.000 (entre 1992 e 2001). Estudos atuais estimam taxas

de prevalência mais altas: 13:10.000 para indivíduos com autismo; 2,5-3:10.000 para

indivíduos com a Síndrome de Asperger; e entre 30 e 60:10.000 para indivíduos com


19

TEA (Fombonne, 2003; Yeargin-Allsopp et al., 2003; Rutter, 2005; Chakrabarti e

Fombonne, 2005). Frente a esses dados, Fombonne (2003) discute essa prevalên-

cia maior justificando-a por evidências de mudança na definição e pelo conhecimen-

to mais amplo e mais disseminado do transtorno.

Sigman e Capps (1997) relatam que há maior número de meninos do que de

meninas com autismo, na proporção de 4:1, e de meninos com melhor índice de de-

sempenho medido por QI (Quoeficiente Intelectual).

A etiologia dos TEA clinicamente definidos é complexa e multifatorial, pois, em

geral, sofre forte influência genética e ambiental, embora também compreenda cau-

sas ocasionais não genéticas (Muhle et al., 2004).

Diante de um quadro de heterogeneidade sintomática e da grande incidência

na população, cada vez mais as pesquisas apontam para recursos diagnósticos que

diferenciem as características das crianças dentro do espectro do autismo. Uma

compreensão completa do quadro autístico envolve quatro níveis do conhecimento:

etiologia, estruturas e processos cerebrais, neuropsicologia, sintomas e comporta-

mento (Gadia et al., 2004).

O desenvolvimento de procedimentos de avaliação mais precisos pode ser diri-

gido para a avaliação neuropsicológica e estudos de processos biológicos dessas

crianças. Assim, novas possibilidades de determinar um marcador preciso para o

autismo vêm sendo amplamente discutidas na literatura, tais como a estratégia de

usar endofenótipos biológicos ou marcadores biológicos, ou endofenótipos compor-

tamentais, como a história de regressão comportamental, estereotipias ou transtorno

da linguagem, a fim de restringir a busca por etiologias subjacentes (Gottesman e

Gould, 2003).
20

2.2 TEORIAS SOBRE O PREJUÍZO PRIMÁRIO NOS TEA

Os pesquisadores vêm há muitos anos relatando teorias que buscam explicar a

natureza do prejuízo primário nos TEA. Serão relatadas a seguir as principais teorias

discutidas, nesta ordem: Teoria Psicanalítica, Teorias Cognitivas (Teoria da Mente,

Teoria da Coerência Central e Teoria da Disfunção Executiva) e Teoria Afetiva. Pre-

tende-se, ao final deste capítulo, retomar essas teorias, levantando as duas princi-

pais vertentes teóricas que hoje são discutidas em relação ao prejuízo primário nos

TEA: a teoria desenvolvimentista e a teoria cognitivista.

2.2.1 Teoria psicanalítica

Kanner relatou em 1943 que crianças autistas sofriam de uma inabilidade inata

de se relacionarem emocionalmente com outras pessoas. Foi, então, levantada a

hipótese de que o autismo estaria relacionado à depressão materna, o que influenci-

aria na capacidade da mãe em se envolver emocionalmente e cuidar do bebê. As

causas do autismo foram, então, atribuídas a fatores psicogênicos, sob a abordagem

psicanalítica.

Melanie Klein (1965) reconheceu a presença, nas crianças com autismo, de ca-

racterísticas qualitativamente diferentes de outras crianças consideradas psicóticas,

mas não distinguia os quadros autistas da esquizofrenia infantil. A autora foi a pre-

cursora no reconhecimento e no tratamento da psicose em crianças.

Em 1967, Bettelheim definiu o autismo como uma reação independente da cri-

ança à rejeição materna; sua interpretação do mundo seria a imagem da sua cólera
21

e desesperança. O autor defendia que os pais de crianças autistas não forneciam

condições emocionais necessárias para que a criança saísse do seu isolamento,

embora salientasse que esse não seria o único fator causal implicado no autismo.

Esses conceitos levaram à formação de comunidades terapêuticas nas quais

as crianças eram afastadas do convívio familiar.

Margaret Mahler (1968) foi quem estudou primariamente as psicoses infantis,

fazendo delas um modelo para o estudo do desenvolvimento da criança. Identificou

diferentes fases no desenvolvimento psicológico do bebê, sendo a primeira a do

narcisismo primário. Na segunda, haveria uma consciência de que a satisfação das

necessidades viria de algum lugar externo ao eu. Em seguida, viria a fase de simbi-

ose normal, na qual o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade

dual. Então, na fase de separação-individuação, haveria a organização do indivíduo

(Mahler, 1975).

Mahler (1968) defendia a teoria evolutiva, e incluía o autismo num subgrupo

das psicoses infantis com uma regressão ou fixação a uma fase inicial do desenvol-

vimento de não diferenciação perceptiva, que promoveria dificuldades em integrar

sensações vindas do mundo externo e interno e em perceber a mãe como represen-

tante do mundo exterior.

O autismo foi também interpretado como uma forma de ausência completa de

fronteira psíquica decorrente de uma falta de diferenciação entre o animado e o ina-

nimado (Mazet e Lebovici, 1991).

Em 1981, Tustin propôs que o autismo seria uma reação traumática à experi-

ência de separação materna, que envolveria o predomínio de sensações desorgani-

zadas, levando a um colapso depressivo. Esse colapso ocorreria em consequência


22

da incapacidade da criança autista em filtrar as experiências sensoriais, na qual a

s de proteção do que compensatória. Em

1994, Tustin já não usava mais o termo autismo psicogênico, e ressaltava a impor-

tância de se desenvolver uma técnica psicoterapêutica apropriada às necessidades

e características específicas da criança autista, alegando ser um erro tratar a criança

autista com um método de psicoterapia baseada nas manifestações apresentadas

por pacientes neuróticos.

Maratos (1996) pondera a contribuição das teorias psicanalíticas e discute a

noção de o transtorno ser decorrente de problemas na qualidade da maternagem,

criticando o fato de grande parte dos psicanalistas dar enfoque à descrição do fun-

cionamento mental, dos estados afetivos e do modo como as crianças de relacionam

com as pessoas, e deixar de lado as questões etiológicas.

O tratamento psicanalítico é defendido e utilizado por determinados grupos de

profissionais para indivíduos com TEA. Barros (2011) ressalta que, apesar de ainda

haver uma forte tendência para a psicanálise ser considerada como forma antiquada

e ultrapassada de atendimento a estas crianças, essa é uma generalização indevida.

Tal discussão não será aqui aprofundada, uma vez que o intuito deste capítulo é a-

penas descrever o histórico das principais teorias que buscam, ao longo dos anos,

explicar a natureza do prejuízo primário nos TEA.

2.2.2 Teorias cognitivas

Procurando entender as características presentes nos TEA, algumas teorias

cognitivas têm sido propostas e estudadas, e as mais exploradas são a Teoria da

Mente, a Teoria da Coerência Central, e a Teoria da Disfunção Executiva. Entre es-


23

sas teorias, a Teoria da Mente é a que mais tem sido utilizada para investigar os as-

pectos cognitivos em indivíduos com TEA.

O termo Teoria da Mente se refere à capacidade da criança de levar em con-

sideração os próprios estados mentais e os das outras pessoas, com a finalidade de

compreender e predizer o comportamento (Baron-Cohen, 1995). Essa capacidade

daria à criança a possibilidade de considerar o que as outras pessoas pensam e fa-

zem, habilidade necessária em quase todas as situações sociais (Jou e Sperb,

1999). Em item posterior deste estudo, a Teoria da Mente será mais bem descrita,

uma vez que está diretamente relacionada ao objetivo da pesquisa.

Frith (1989) apresentou o termo Teoria da Coerência Central para se referir à

falta da tendência natural a juntar partes de informações para formar um todo com

significado, característica marcante nos TEA. Segundo essa teoria, sujeitos com TEA

não integram as informações a que são expostos, e são inaptos para fazer inferências

e identificar as relações de causa e efeito entre as ações, pois não constroem inter-

pretações compreensivas das situações (Frith, 1996; Happé, 1993).

Hermelin e O`Conor (1970) observaram desempenho superior de crianças com

TEA, quando comparadas com crianças típicas, em tarefas de memorização de uma

série de palavras sem sentido em vez daquelas com significado. Shah e Frith (1993)

relataram resultados superiores apresentados por crianças com TEA, comparadas

com grupo-controle, em tarefas de localização de figuras escondidas. Da mesma

forma, Happé (1993) relatou resultados superiores apresentados por crianças com

TEA nas escalas de Weschler que envolvem reunião e classificação de imagens por

séries. Esses autores levantaram a hipótese de que esse desempenho superior em

algumas atividades pelas crianças com TEA pode ser explicado pela tendência a ver

partes em vez da figura inteira, e a preferir uma sequência randômica em vez de


24

uma sequência munida de significado (contexto), questões essas explicadas pela

Teoria da Coerência Central.

Bosa (2001) ressaltou a importância de essa teoria enfocar tanto as deficiên-

cias quanto as habilidades dos indivíduos com TEA. A autora discutiu também o fato

de essa teoria não esclarecer a sua relação com os déficits sociais e comunicativos,

recorrendo à Teoria da Mente, e se relacionar com questões de função executiva, o

que ainda não está esclarecido.

Alguns pesquisadores (Ozonoff et al., 1991) argumentaram que as suposições

da Teoria da Mente, por si só, não justificam os comportamentos repetitivos, os inte-

resses restritos ou as ilhas de habilidades apresentados pelos indivíduos com TEA.

A falha nessas funções seria anterior à Teoria da Mente, devendo-se antes a um

dano cerebral no córtex pré-frontal.

A suposição de comprometimento das funções executivas como prejuízo subja-

cente aos TEA surgiu em decorrência da similaridade entre o comportamento de indi-

víduos com disfunção cortical pré-frontal e aqueles com TEA (Ozonoff et al., 1991).

Segundo Duncan (1986), a habilidade de planejamento e desenvolvimento de

estratégias para atingir metas está ligada ao funcionamento dos lobos cerebrais

frontais. Kelly et al. (1996) referiram que essas habilidades englobam flexibilidade de

comportamento, integração de detalhes isolados num todo coerente, e o manejo de

múltiplas fontes de informação, ordenados por meio de conhecimento obtido.

Harris (1994) também atribuiu os comportamentos dos indivíduos com TEA a

falhas nas funções executivas, mais especificamente no planejamento de ações fu-

turas com objetivos específicos.


25

Ao relacionarem os comportamentos apresentados pelos indivíduos com TEA

com uma disfunção executiva, Ozonoff et al. (1991) referiram que esses sujeitos

apresentam angústia frente a mudanças no ambiente; insistem em seguir suas roti-

nas com detalhes; são perseverantes, focados em interesses restritos; apresentam

comportamentos estereotipados, dificuldades de antecipação de consequências, de

autorreflexão e de automonitoramento; mostram-se impulsivos e apresentam dificul-

dade em inibir respostas.

Alguns pesquisadores referem a linguagem como comprometimento cognitivo

causador do prejuízo nas diversas áreas dos TEA. Rutter (1976) enfocou a impor-

tância do prejuízo da linguagem ao considerar essa falha como um aspecto central

do déficit cognitivo associado ao autismo, e passou a desenvolver pesquisas nessa

área. Este aspecto, a linguagem, será mais bem abordado em item posterior deste

estudo, uma vez que, ao lado da Teoria da Mente, se relaciona diretamente ao obje-

tivo da pesquisa.

Segundo Assumpção e Pimentel (2000), não há nenhuma teoria cognitivista

específica que explique ou justifique completamente os TEA, mas há nelas vários

aspectos que podem auxiliar na explicação do funcionamento cognitivo e comporta-

mental dos indivíduos com TEA.

2.2.3 Teorias afetivas

Hobson (1989, 1990) começou a estabelecer os fundamentos das teorias afeti-

vas atuais sobre o autismo. O autor referiu que a criança com TEA apresentaria uma

dificuldade primária na capacidade de relação interpessoal, em que há impedimento

inato da habilidade de perceber e responder ao afeto. Para justificar sua hipótese, o


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autor retomou a formulação original de Kanner (1943), que descreveu a escassez de

contato afetivo nas crianças com TEA.

O engajamento social com o outro e as relações interpessoais, segundo Hob-

son (1989, 1990, 2004), são processos básicos que iniciam o ser humano no pen-

samento e na linguagem, ou seja, as relações interpessoais precedem a linguagem

e dão origem ao pensamento. Desta forma, o autor remete à teoria da intersubjetivi-

dade, uma vez que defende a hipótese de que os indivíduos com TEA não experi-

mentam as formas de engajamento social esperadas no desenvolvimento típico, o

que ocasiona as demais dificuldades apresentadas.

Mundy e Sigman (1989) ressaltaram a importância para as crianças de relacio-

nar a representação do afeto vivido pelo próprio eu com o de outras pessoas. A ex-

periência interna de outros e a concomitante expressão afetiva apresentada por eles

seriam contrastados com a própria experiência da criança. Essas interações propicia-

riam o contexto em que tais esquemas de ação social surgem, quando se dá o de-

senvolvimento da cognição social.

Segundo Mundy et al. (1993), crianças com TEA apresentam, desde muito ce-

do, respostas afetivas atípicas diante de estimulação social, e distúrbios na autorre-

gulação de estímulos. Essas características podem ser observadas em pesquisas

experimentais que visam à compreensão do comportamento de atenção comparti-

lhada e de expressão da emoção nas crianças com TEA.

Baron-Cohen (1995), pesquisador que estuda a Teoria da Mente, questionou a

afirmação de que os prejuízos sociais decorreriam de problemas no sistema afetivo

com bases inatas, pois seriam pré-existentes à habilidade de metarrepresentar. Em

contrapartida, as teorias afetivas destacam o fato de os teóricos da mente não con-


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siderarem o componente afetivo na representação de estados mentais (Bosa e Cal-

lias, 2000).

Portanto, segundo a Teoria Afetiva, as trocas afetivas fundamentam a diferen-

ciação entre as pessoas e os objetos e marcam o início da própria vida mental e o

reconhecimento da mente do outro. O prejuízo inato nessa área justificaria a dificul-

dade que o indivíduo com TEA apresenta para participar da interação social e de-

senvolver formas mais sofisticadas de compreensão social, incluindo a percepção do

ponto de vista do outro (Stern et al., 1977; Trevarthen, 1996).

Ao discutir as teorias afetivas sobre os TEA, Araújo (2011a) refere que o mútuo

engajamento com o outro é parcial ou ausente nos indivíduos com TEA, o que traz

implicações sobre a capacidade de pensar da criança. Ao salientar a importância da

experiência individual de uma pessoa com outra para a construção do pensamento,

a autora discute a possível relação do fato de muitas crianças com TEA nunca fala-

rem, com a questão de que a maior motivação para se aprender linguagem é afetar

a mente dos outros.

2.2.4 Teorias desenvolvimentista e cognitivista

Retomando as teorias descritas acima, observa-se que as dificuldades apre-

sentadas pelos indivíduos com TEA foram atribuídas, ao longo dos anos, a prejuízos

primários sociais, afetivos e cognitivos.

Lampreia (2004) discriminou três fases nesse sentido. Na primeira fase, a da

formulação inicial de Kanner (1943), o autismo é definido como um distúrbio de con-

tato afetivo. Na segunda fase, o autismo passa a ser visto, nas décadas de 1970 e
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1980, como um distúrbio cognitivo; o autismo é, então, definido como um transtorno

do desenvolvimento que envolve déficits cognitivos severos com origem em disfun-

ção cerebral em que estão implicados processos de atenção, memória, sensibilidade

a estímulos e linguagem. Na terceira fase (final da década de 1980), muitos pesqui-

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