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'Este ensaio é uma versão reduzida e adaptada do artigo "Concepção de Língua Falada nos Ma-
nuais de Português de 1®e 2* Graus" publicado na revista Trabalhos em Lingüística Aplicada, n®
30, 1997, pp. 39-79.
Luiz Antônio Marcusd
22 Oralidade e ensino de lingua: uma questão pouco "falada".
do ensino de
lingua, o que não
significs 1 23
elas são incidentais geral
no contexto ca
não tomem um bom espaço (pelo
menos gráfico).2 a) heterogeneidade (que constitui um dos motivos de sua variaço históri-
que
dos LDP permite identificar que a linoa
Esta breve revoada na estrutura geral ca, dialetal, social e assim por diante);
é tida por eles como: (a) um cornjunto regras gramaticais (ênfase no estudo da
de b) indeteminação (seja do ponto de vista sintático ou semântico, o que
plo, "lingua portuguesa", lingua alemn", "lingua francesa" e assim por diante.
Cada língua tem suas características típicas sob vários aspectos, seja O lugar e o papel da oralidade no ensino de lingua
fonológico, morfológico, semäntico, pragmático ou cognitivo. Percebe-se nos mais diversos LDP, mesmo naqueles mais equivocados quan-
to às suas posições teóricas, clareza sobre o "papel central da escola": ensinar a
Em suma, tomamos a noção de linguagem como uma faculdade humana uni-
escrita.Tanto assim que, com facilidade e desenvoltura, conseguem selecionar
Versal e a noção de língua como uma dada manifestação particular, histórica, so- textos escritos e criar exemplos para estudo das mais diversase intricadas regras
cial e sistemática de comunicação humana. Explicitando mais a questão, pode- No entanto, a inserção de reflexöes e dados sobre a língua falada
gramaticais.
mos dizer que as línguas são não apenas um código para comunicação, mas afigura-se penosa. Claudicam a teoria, a terminologia e as observações empíricas.
fundamentalmente uma atividade interativa (dialógica) de natureza sócio-cogni-
tiva e histórica. As línguas assim concebidas apresentam caraterísticas tais como: Convém esclarecer que existem escritas formais e informais e, entre ambas, um contínuo de
variações. A ignorância desse fato leva muitos autores de livros didáticos a considerarem a
Atualmente, já em plena era de vigência dos PCN, temos uma grande tendência a um
novo quadrinizagão (sobretudo as produções lingüisticas constantes nos balões dos quadrinhos) como
produção oral e não como um tipo de escrita. O mesmo acontece com o gênero carta pessoal,
bloco temático genericamente denominado "Tem is transversais", envolvendo ética, meio am-
biente, saude, segurança, lazer, vida social, cultur: e assim por diante. que é tido como uma imitação da escrita e não um exenmplar de escrita.
Luiz Antônio Marcuschi Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco "falada".
25
24
ainda não sabem onde e como
didáticos, em sua maioria, tratamento interpessoal, às relaçöes interculturais e muitos outros que podem
Os autores de manuais
fala. A visão monolitica da lingua leva a postular um dialeto da
situar o estudo da ser facilmente observados na produção lingüistica na própria sala de aula.
sem maior atenção para as relações de influênciae deve-se frisar que não se trata de transformar
a
fala padrão calcado na escrita, Não obstante essas posições,
ensinar a falar. Trata-se de
escrita. Certamente, não se trata de fala num tipo de conteúdo autônomo no ensino de língua: ela tem de ser vista
mituas entre fala e
variedade de usos da lingua. Talvez, a melhor ma. com a escrita. Por isso, é necessário ter clareza quan-
identificara imensa riqueza e integradamente relação
e na
do estudo da fala em sala de aula seja especificando to ao papel deste tipo de trabalho. Assim, às razões lembradas acima, podemos
neira de determinar o lugar
os aspectos nos quais
um tal estudo tem a contribuir. acrescer outras, que justificam o estudo da oralidade numa perspectiva mais
central no estudo da fala éa variação. Será de estudo
Quanto a isso, um aspecto ampla do que a simples observação do código lingüístico. Por exemplo: o
falada é variada e que a noção de um da oralidade pode mostrar que fala mantém escrita relações mútuas e
da escri-
dialeto padrão uniforme (não apenas Português,
no qualquer
mas em língua) diferenciadas, influenciando uma a outra nas diversas fases aquisição
da
tem um equivalente empírico. Assim, entre mui. ta. Como Franchi (1984) mostra como a reflexão do aluno sobre suas atividades
é uma noção teórica e não
da fala permite entrar em questões geralmente com a escrita revela o processo de construção do próprio conhecimento que leva
tas outras coisas, a abordagem
como as de variação e nudança, dois pontos à escrita, sendo que fala aparece como uma espécie de mediadora da escrita.
evitadas no estudo da língua, tais
vistos. Noções como "norma", "padrão", O trabalho com a oralidade pode,ainda, ressaltar a contribuição da fala na
de extrema relevância raramente
formação cultural e na preservação de tradições não escritas que persistem
"dialeto","variante", "sotaque", "registro", "estilo", "giria"podem
tornar-se cen-
mesmo em culturas em que a escrita já entrou de forma decisiva. Veja-se
o caso
trais no ensino de língua e ajudar a formar a consciência de que a língua n o só no
tão ilustrativo dos contos populares ainda tão vivos em nosso povo não
é homogênea nem monolítica. mas também em áreas urbanas. Dedicar-se ao estudo da fala é tam-
caso se queira mostrar algumas variações
interior,
Isto é facilmente comprovável, bém uma oportunidade singular para esclarecer aspectos relativos ao precon-
sobre os quais já se dispõe de conhecimentos
relativas aos falares regionais ceito e à discriminação lingüística, bem como suas formas de disseminação.
e de fatos morfossintáticos. Já
razoáveis tanto do léxico como das prosódias Além disso, é uma atividade relevante para analisar em que sentido a língua
é
se conhece razoavelmente
bem a questão da variação sociolingüística sob os de esquemas de dominação e
um mecanismo de controlesociale reprodução
até mesmo no que respeita à lingua literária, como já vista suas ínti-
seus diversos aspectos,
os estudos do
poder implícitos em usos lingüísticos na vida diária, terndo em
mostrou Preti (1997, 1984 e 1993) e como têm mostrado grupo com as estruturas sociais.
mas, complexas e comprovadas relações
do Rio de Janeiro, dedicado ao trabalho com a variação lingüística. Já existem reflexões claras a respeito do lugar da
oralidade no ensino de
como suas formas de
Também é possível analisar níveis de uso da língua, bem língua. Poucas, é verdade; bem menos do que o desejável,
mas já se vislum-
mais formal, seja na fala ou na escrita, bra uma viravolta. Para citar um exemplo aponto o que chamaria de "posição
realização, desde o mais coloquial até o
de constituídos pelo MEC na
ater a estritamente lexicais, como costumam fazer os autores oficial", isto é, a posição emanada de consultores
sem se aspectos
sabe-se o ensino fun-
LDP. Há, sobre a questão, muito trabalho publicado e, de modo especial, elaboração dos padrões curriculares de Língua Portuguesa para
maneiras de se dirigir ao interlocutor con- damental. Veja-se, a propósito, esta passagem dos PCN (1997:12) quando,
que é de interesse distinguir as várias
siderando algumas de suas características específicas, tais como idade, posição no item "1.4.2.Que fala cabe à escola ensinar?", afirmam:
variedades dialetais. Identi
relativos à polidez, ao "A Lingua Portuguesa, no Brasil, possui muitas
Social, sexo, profissão (cargo), papel social etc. Aspectos
e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas
ficam-se geográfica
relativo que é atribuído
elementos teóricos básicos ao
há muitos preconceitos decorrentes do valor social
Não se trata de ensinar Lingüística aos alunos, mas de fornecer escolha do suposto considerarem as varieda-
professor de lingua. Ele deve saber, por exemplo, que a decisão a respito da aos diferentes modos de falar: é muito
comum se
dialeto padrão de uma lingua no é tomada com base em critérios lingüisticos (teoricanmente como inferiores ou erradas. // O pro-
des de menor
lingüísticas prestígio
justificados), mas com base em decisöes de natureza politica. às falas diale
Cometendo toda sorte de injustiças com os bons trabalhos hoje existentes nessa área, lembra blema do preconceito disseminado na sociedade em relação
& Souza e Silva (1996) e deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional
Tta, entre muitos outros, Tarallo (1990, 1995), Mollica (1994), Scherre da
tais
isso, e também
Maccdo/Roncarati & Mollica (1996) e os estudos em: Pesquisa e Ensino de Líingua: contribuições
23-25 de
mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para
Anais do lI Nacional do GT de Sociolingüística da ANPOLL,
OCIoiIngistica. Simpósio
outubro de 1995, UFRJ.
LUIZ ANTOIO CUschi
um única
mitos: o de que existe o tratamento dispensado à oralidade em LDP
é da fala e, sendo assim, para o ensino
espelho fundamental,
-
escrita o
aescrita eo de que a seria as tendências mais marcantes poderiam ser assim resumidas:
fala do aluno para evitarque ele escreva errado. Essa a) A terminologia para tratar a oralidade ainda não se acha bem fixada.
preciso 'consertar' a sas
prática de mutilação cultural que, além da As designações são variadas e
duas crenças produziram uma e
pouco precisas. Em muitos casos confun
desvalorizar a forma de falar do aluno,
tratando sua comunidade como Se de-se gíria
dialeto e regionalismo. Inexiste a
com
distinção entre oral e
fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de
coloquial. Falta uma concepção de língua falada. São poucos os casos de
uma língua não corresponde inteiramente
a dialetos. no
nenhum de seus
clareza sobre o assunto.
deles tenha em um momento histórico."
mais prestigio que um b) Percebe-se uma tendência a dicotomizar a produção lingüistica entre,
de um lado, 0 padrão (equivalente à escrita) e, de outro, o não-padräo (equi-
Este tipo de visão já é um bom começo e pode levar os novos autores de valente à fala), o que pode trazer um
duplo inconveniente: visão monolitica
LDP a se empenharem em evitar de maneira clara e decisiva os problemas e uniformizada, a par da
desvalorização da língua falada.
ao se referirem à oralidade.
que no passado ocorreram
(1)
Leia os quadrinhos do Chico Bento:
É um dado curioso e constitui um ponto a favor dos livros didáticos atuais Chico! Aonde você vai?
o fato de não considerarem mais de maneira tão incisiva a fala como o lugar -
Levá o meu priminho pra passiá, tia!
do erro. Há, no entanto, que suspeitar do mérito dessa postura, pois ela se O Chico! Aqui na cidade, a gente leva com carrinho!
deve muito mais ao silêncio dessas obras sobre a fala do que à avaliação da E muito mais fácil!
fala em suas condições de uso. Em outras palavras, nota-se, por parte dos Num acho!
próximos anos teremos cada vez mais observações sobre a questão. Isto num
Geralmente, as observações sobre a língua falada não são sistemáticas Essas expressões pertencem a linguagem do dia-a-dia (coloquial) ou a uma lingua-
e) Trata-se de
propósito e a de elementos não centrais. gem mais formal? Elas estão adequadas as personagens desse texto? Por quë?
mas pontualizadas
usos de alguns verbos e colocacão (Cócco&Hailer, v.3, p.54)
construções gramaticais particulares,
há a noção de processos e estratégias para carac.
de pronomes. Quase não
O aspecto das reduções morfológicas, em es. h) Poucas obras demonstram uma consciência sistemática das relações
terizar a relação fala-escrita. entre fala e escrita como duas modalidades de uso da língua com funções
verbais é muito apontado.
pecial nas formas
igualmente importantes na sociedade, sendo ambas responsáveis pela for-
(3) texto mação cultural de um povo.
autor utilizou a gente, uma vez que o se caracteriza
7. No último parágrafo, o
coma linguagem oral. Reescreva a frase utilizandoopronome
nós, (6)
pela aproximação (Tiepolo et al, v.4, p.64) 3. Descubra o significado de algumas palavras que envelheceram, palavras que
voce, provavelmente, conhece, que quase não são mais usadas:
não
"... lá tem tanta que nem faz falta". i) Apesar de já haver observações se
ou a poesia popular em que
todo Sábado dá um pouco de feijão e de arroz para ajudar
eles". contram indicações da literatura de cordel
"Dindinha, minha avó, Patativa do Assaré, Zé Praxédi e
destacadas foram usadas escreve imitando a fala, tal como fazem
entre menino e a professora, as palavras discriminador.
o estudo decorrente é
Na conversa o
Ascenso Ferreira, entre muitos outros,
adequadamente? Por que?
(7)
vai uma reportagem citando
as falas do
4. Leia atentamente o texto seguinte e, depois, responda às questões:
Imagine que você é um jornalista e escrever
contextos
não a
falante e
de sentido na fala. As Drá
oró. suposta unidade lingüística?
sobre as formas de construção
consistente até mesmo fazer
ção fala não apontam para a possivel mudanca Para tanto, poder-se-ia apresentar gravações de falas e
de reesCrita de debates televisivos
prias atividades Isto sugere
uma crença subjacente e nãa uso de gravações audio-visuais de novelas,
entrevistas ou
formulação.
de sentido na nova
para discutir questões relativas a preconceitos e outros aspectos igualmente
perfeita.
possibilidade de tradução desenvolvidos pelos grupos
explicitada na relevantes. Neste caso, temos os estudos já
e com
Análise da Conversação
que trabalham com Sociolingüística,
a a
(8)
trecho na norma padrão: Atlas Lingüísticos em diversos pontos do país.
5. Reescreva o seguinte
cantemos assim
nóis e
"E pra esquecê O
querida
-
O que leva um distinguir uma pessoa de outra pela fala? que
indivíduo a
saudosa maloca maloca
que a fala revela em relação
aos falantes?
Di dindonde nóis passemo tais como os
Os textos recentemente publicados por Preti (1997) outros,
e
vida". de Pós-Graduação
Dias feliz de
produzidos em variadas teses e dissertações em Programas
nossa
(Tiepolo et al, v.3, p.96)
oferecer subsídios relevantes para uma definição desses aspectos.
podem
no bar e um
Quais as diferenças típicas entre a fala no caso de
uma conversa
-
qual escrita e de qual fala estamos tratando, afastando-se assim um olna oralidade analisando as produções de
fala de cada aluno, já
em que consiste a
dicotômico sobre essa relação.
Luiz Antonio Marcuschi
ensino de "falada".
Oralidade e lingua: uma questão pouco 33
32 básica
algumas,
nao muitas perguntas básicas. Até
Basta sugerir
onquistas da Etnografia não
todos falam. incorporaram as conq demonstrar como
que ainda não A lista poderia prosseguir. Mas isso já ésuficiente para
os
manuais
pod
perspectivas de grande oder descrit reduzir a observaço ao
existe a menor razão para, em questões de língua falada,
momento,
ambas
da Etnometodologia, nto da
funcionamento da reali. de
Comunicação, da organização
e de a fala é apenas uma questão
relação
fenômenos
aspecto lexical e passar ao aluno a idéia que
e explicativo
com
firmando na chamada SociolingüísticaInteracio
Sociolingiuistica Interacio registro e nível de lingua, solúvel no aprendizado
de umas poucas estratégias
e
vem se
dade sociocultural, que teórica e sem tratamento explícito d
um tratamento d. técnicas de reescrita. Também não se trata apenas de variações
morfolbgicas,
sofisticação
Mesmo sem grande
transcritos, já que isso demandaria
ma como no caso reduções do tipo: pra, prun, pro, tá, qué,
das famosas
to etc.
base em textos
fenomeno oral
com
da variação? Será que
é possível tratar
a oralidade significativamenta no A questão é: há, na fala, algum limitepara a aceitação
conhecimento, desta natureza
trabalho e
os autores de LDP não podem mais ignorar- toda e qualquer variação é bem-aceita? Respostas a questões
fundamental. Portanto, não abstratos. Tudo
ensino
obtidas no contexto das relações interDescoaais devem ser dadas em contextos de fala situacionais e