Você está na página 1de 14

SE FOR APROVADO NO VESTIBULAR SEM TER OBTIDO CONCLUSÃO DO

ENSINO MÉDIO CONSEGUIREI CURSAR A FACULDADE ?

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO


MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR -
COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E
PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E
DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR
DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E
DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA
VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.

CAROLINA AMÂNCIO TOGNI BALLERINI SILVA,


ADVOGADA, ESPECIALISTA EM DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. AUTORA DE ARTIGOS
JURÍDICOS

Certos países do mundo, notadamente os que


ostentam IDH mais elevado, acabam prestigiando que pessoas superdotadas acabem
por obter estímulos e não barreiras por seu empenho e habilidades, estimulando-se o
seu sucesso, ao contrário de sistemas educacionais que nivelam por baixo. A
imposição do ensino fundamental e médio por lei e pela Constituição, até mesmo pela
ideia de unicidade constitucional deve ser garantido para quem dele precise e não ser
imposto para quem demonstre por seu desempenho acadêmico que não necessita de
tais cursos para ter acesso ao ensino superior ou profissionalizante.

Imagino o que seriam de Mozart ou Einstein se


tivessem estudado no Brasil. Nossa legislação – a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação parece andar na contramão da esteira do estímulo do sucesso acadêmico,
obrigando que alunos bem sucedidos passem por inúmeros obstáculos mesmo que
consigam lograr êxito com a aprovação em certames vestibulares, sem a conclusão do
ensino médio.
No entanto, como forma de colaborar para a
facilitação do sucesso dessas pessoas, como professor que sou há cerca de três
décadas e inconformado com esse estado de coisas, apresento uma série de
argumentos e precedentes judiciais que possam ser úteis na defesa dos interesses de
pessoas nesta situação.

Cumpre salientar que a Constituição da República


determina que o acesso à educação deve ser disponibilizado de forma universal e
igualitária, com observância das capacidades individuais de cada um, sem
restrições etárias abstratamente impostas.

De igual modo, a educação infantil se apresenta


como prerrogativa constitucional indisponível, sendo direito amparado também por
normas infraconstitucionais, especialmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
devendo ser assegurado às crianças acesso aos meios que lhes propiciem integral
desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação profissional.

O ensino fundamental é obrigatório e representa a


segunda fase da educação básica, tendo por finalidade a formação do cidadão,
assegurado nos artigos 208,I e § 1º da Constituição Federal de 1988 e pelas leis
Federais nº 8.069/90, artigos 53, inciso V e 54, inciso I e nº 9.394/96 em seu artigo
32, "in verbis":

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a


garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; [...] § 1º - O acesso
ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno


desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: (...) V - acesso à escola
pública e gratuita próxima de sua residência.
Art. 54 - É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino
fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram
acesso na idade própria;

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,


gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por
objetivo a formação básica do cidadão.

Observe-se que o texto constitucional estabelece


que tal direito seria publico e subjetivo, logo não seria um dever para o seu beneficiário
– cuida-se de posição jurídica ativa e não passiva (como apontaria Giuseppe Lumia,
em seu conhecimento Elementos de Direito e Ideologia – Ed. Martins Fontes).

De igual modo, tanto o ECA quanto a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação, aduzidos linhas acima, parecem colocar como
obrigatórios os 9 anos do ensino fundamental, o que não se aplicaria ao ensino médio,
e, ademais, se o ensino médio não se encontra inserido no artigo 208 CF sua
exigência como meio de acesso ao ensino superior pareceria implicar em requisito
inconstitucional ao direito público e subjetivo garantido pela Carta Magna.

Mais ainda, não haveria óbice, por exemplo, para


que se deferisse a matrícula na faculdade e se condicionasse a expedição do termo de
colação de grau, fosse o caso, à conclusão do ensino médio admitindo que ambos
fossem cursados de modo concomitante diante das possibilidades do aluno. Nada
mais razoável e proporcional para quem já demonstrou que os conhecimentos
disponibilizados em grades curriculares às mais das vezes ultrapassadas (aguarda-se
a superação do Gramscismo cultural das escolas públicas e privadas que transformam
até a matemática em madraçais ideológicos, com a reformulação do setor
educacional).
Não se vislumbra qualquer razoabilidade na
negativa de matrícula de adolescente em universidade fixado em Resoluções do
Conselho Nacional de Educação ou do Conselho Estadual de Educação, sobretudo se
sopesado que a Constituição da República determina que o acesso à educação deve
ser disponibilizado de forma universal e igualitária, com observância das capacidades
individuais de cada um, sem restrições.

E é importante não se esquecer de que se deva


sempre aplicar, em situações como tal, a Teoria do Fato Consumado, a qual consagra
que as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por
decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança
jurídica e da estabilidade das relações sociais (STJ. REsp 709.934/RJ). Mais ainda, no
mesmo sentido, de se pedir vênia para destacar:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA, COM


PEDIDO DE LIMINAR, OBJETIVANDO O INGRESSO DA AUTORA NO
CURSO SUPERIOR DE DIREITO. MATRÍCULA GARANTIDA POR MEIO
DE LIMINAR CONCEDIDA EM 2012. DECORRIDOS 4 ANOS A
SITUAÇÃO ESTÁ CONSOLIDADA PELO DECURSO DO TEMPO.
CURSO QUE POSSUI DURAÇÃO TOTAL DE 5 ANOS. APLICAÇÃO DA
TEORIA DO FATO CONSUMADO. PRECEDENTES: AGRG NO RESP
1.467.314/PR, REL. MIN. ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 9.9.2015 E
AGRG NO AG 1.338.054/SC, REL. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, DJE 5.11.2015. DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO
RECURSO ESPECIAL MANTIDA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.  1. Aplica-se a teoria do fato consumado ao caso dos
autos porque a liminar que lhe garantiu a matrícula no curso superior foi
concedida em 2012, há 4 anos, tempo que equivale à quase totalidade do
curso que é de 5 anos. 2. Não se pode deixar de observar o enorme
prejuízo experimentado pela estudante com a eventual reforma da decisão
e, ao revés, não se vislumbra, em absoluto, qualquer dano a ser
experimentado pela Instituição de Ensino interessada, cabendo, portanto, a
manutenção do aresto recorrido, por considerar consolidada a situação de
fato. Precedentes: AgRg no REsp. 1.467.314/PR, Rel. Min. ASSUSETE
MAGALHÃES, DJe 9.9.2015 e AgRg no Ag 1.338.054/SC, Rel. Min.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 5.11.2015. 3. Agravo Interno da
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1402122/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016)

Antes de mais nada, portanto, o que se tem em jogo é a


preservação do princípio da harmonia da jurisdição, eis que não se pode admitir a
coexistência de pessoas que se encontrem em uma mesma situação jurídica e que
sejam tratadas de modo diferente. Aliás, nada parece desgastar mais a imagem do
Poder Judiciário do que o fato de um jurisdicionado obter uma tutela, enquanto outro,
nas mesmas condições, não a consegue.

E são inúmeros e notórios os fatos de jurisdicionados que


conseguem medidas liminares, como bem o revelam notícias a respeito do mais jovem
advogado do país que conseguiu colar grau e ingressar nos quadros da OAB, em
certames, aos dezoito anos de idade
(https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI284628,91041
Brasiliense+de+18+anos+e+o+advogado+mais+jovem+do+pais).

O candidato em questão obteve liminar para cursar o


curso de direito em universidade pública (UNB), com 14 anos de idade e sem concluir
o ensino médio, embora aprovado em vestibular. Certamente tal pessoa não havia
cursado e concluído o ensino médio.

Dando conta de que inúmeras pessoas conseguem se


matricular em instituições de ensino superior no país, sem a conclusão do ensino
médio a recomendar que a jurisprudência estimule ao invés de impor obstáculos a
isso, podem ser destacadas (com isso se tem que se cuida de fatos públicos e
notórios eis que amplamente divulgados na mídia e nas redes sociais), no âmbito, por
exemplo da Justiça de Alagoas: fonte:
http://cadaminuto.com.br/noticia/2011/08/02/justica-garante-matricula-em-faculdade-
de-aluna-do-ultimo-ano-do-ensino-medio

Negar liminar para garantir matrículas a jovens que ainda


não concluíram o ensino médio, desafia o próprio princípio da isonomia, eis que
pessoas na mesma condição jurídica, estão sendo tratadas de modo diferenciado por
órgãos judiciários, às mais das vezes, por simples postulados ideológicos
incompreensíveis.

Não obstante exista a regra legal para alunos medianos,


tem-se que isso não seria aplicável aos gênios e aos superdotados. Não parece
razoável, nem legítimo, nem atende a quaisquer prelados de interesse público que
alunos que consigam galgar aprovação em sistema de meritocracia, pessoas que
muito colaborarão para o desenvolvimento do país, tenham suas capacidades tolhidas
quando outros não as tem, obtendo liminares que lhes permitam concluir cursos a
evidenciar o quão draconiana se revela a postura do MEC e quão abusivas à luz do
direito constitucional (social) à educação previsto nos artigos 205 e 208 CF.

O entendimento no sentido de negativa de tais liminares,


em condições como tal, parece ir contra prelados de eticidade (na acepção entendida
por autores do quilate de um Karl Larenz) e socialidade (artigo 5º LINDB – conceito
caro a doutrinadores como Miguel Reale e Roberto Senise Lisboa e que se encontra
previsto no advento da norma contida no artigo 5º LINDB), sendo medida draconiana
que não resta lançada pelos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade que
devem nortear os atos do Poder Judiciário.

Como é sabido, por esse princípio de razoabilidade,


o administrador não pode atuar segundo seus valores pessoais, optando por adotar
providências segundo o seu exclusivo entendimento, devendo considerar,
primeiramente, valores ordinários, comuns a toda a coletividade. A propósito, a
professora LÚCIA VALLE FIGUEIREDO conclui, em seu “Curso de Direito Administrativo”,
pág. 47: “Em síntese: a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre as
situações postas e as decisões administrativas. Vai se atrelar às necessidades da
coletividade, à legitimidade, à economicidade”.

Por seu turno, o princípio da proporcionalidade


obriga a permanente adequação entre os meios e os fins, banindo-se medidas
abusivas ou de qualquer modo com intensidade superior ao estritamente necessário.
O publicista JUAREZ FREITAS assim registra, in “O controle dos atos administrativo e os
princípios fundamentais”, 2ª. ed., São Paulo, Editora Malheiros, 1999, p. 57): “O
administrador público, dito de outra maneira, está obrigado a sacrificar o mínimo para
preservar o máximo de direitos”

Bem lembrado, por MÁRCIO ELIAS FERNANDO


ROSA, em seu “Direito Administrativo”, Editora Saraiva, quando leciona: “A Lei
9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal,
expressamente adota o princípio em seu art. 2º, parágrafo único, VI. Assim como o
princípio da razoabilidade, o da proporcionalidade interessa em muito nas hipóteses
de atuação administrativa interventora na propriedade, no exercício do poder de
polícia e na imposição de sanções.”

Ainda com relação aos princípios da razoabilidade


e da proporcionalidade, JUAREZ FREITAS, in Revista de Doutrina, publicação da Escola
da Magistratura do TRF da 4ª Região – EMAGIS, ao discorrer sobre
“Responsabilidade civil do Estado e o princípio da proporcionalidade”, escreve:
“Cumpre notar que o princípio da proporcionalidade não estatui simples adequação
meio-fim. Para ser preciso, a violação à proporcionalidade ocorre, não raro, quando,
na presença de valores legítimos a sopesar, o agente público dá prioridade a um em
detrimento exagerado ou abusivo de outro”

O mesmo autor, no mesmo estudo citado,


complementando a sua linha de raciocínio, aponta: “O princípio da proporcionalidade
determina que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente,
na consecução dos seus objetivos. Desproporções – para mais ou para menos –
caracterizam violações ao princípio e, portanto, antijuridicidade”

Segundo JOSÉ ROBERTO DE OLIVEIRA PIMENTA, in


“Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo”,
Coleção Temas de Direito Administrativo, 16, Ed. Malheiros, 2006, capítulo 2, n. 2.3.2.
pág. 151: “Sublinha Luiz Roberto Barroso, que “princípio da razoabilidade é um
parâmetro de valorização dos atos do Poder Público para aferir se eles estão
informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo
mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de
proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É
razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o
que não seja arbitrário ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos
valores vigentes em dado momento ou lugar’
Assim, julgadores devem, até para cumprir com
prelados de operabilidade, tratar desigualmente os desiguais, para igualá-los. Há
fatores diferenciais (distinguishings) que tornam constitucionais esses tratamentos (O
Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade – Celso Antônio Bandeira de Mello). Logo
adiante, ademais, escreve o mesmo autor (José Roberto de Oliveira Pimenta): O
próprio STF já decidiu que “os atos do Poder Público, além de sujeitos aos princípios
da legalidade e moralidade, também devem atender a princípio da justiça”, em que
esta última referência foi atrelada expressamente à “falta da razoabilidade“ de certa
norma editada pela Administração Pública.

Nesse sentido, o mesmo Autor, em sua obra já


citada, agora, à pág. 158, ensina: “Nesta vertente, Marçal Justen Filho afirma que o
princípio denominado indistintamente proporcionalidade/razoabilidade exige, em
primeira linha, o dever de ponderação. Segundo o Autor, “em primeiro lugar, a
proporcionalidade se relaciona com a ponderação de valores. Não há uma
homogeneidade absoluta nos valoroso buscados por um dado Ordenamento Jurídico.
É inevitável um certo atrito entre os valores. [...] Nessa linha, a proporcionalidade
relaciona-se com o dever de realizar, de modo mais intenso possível, todos os valores
consagrados pelo Ordenamento Jurídico. O princípio da proporcionalidade impõe, por
isso, o dever de ponderar os valores.”

Em sequencia, reproduz a lição de JUAREZ


FREITAS, quando trata da proporcionalidade ou da adequação axiológica, e da
correspondente vedação de sacrifícios excessivos, anotando que: “a violação à
proporcionalidade ocorre quando, tendo dois valores legítimos a sopesar, o
administrador prioriza um em detrimento ou sacrifício exagerado do outro. Comum que
haja sacrifícios na aplicação do Direito. No entanto, o erro está em realizar o sacrifício
excessivo a um direito [...] o administrador público, dito de outra maneira, está
obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos.”

Em sua obra já citada, JOSÉ ROBERTO PIMENTA


OLIVEIRA, preleciona, à pág. 500: A maior problemática afeta ao controle judicial das
sanções administrativas reside nos efeitos que podem irradiar na ordem jurídica, como
instrumento de preservação da legalidade substancial do exercício do jus puniendi
pela Administração Pública. É a indagação pertinente à possibilidade judicial,
cumulada à invalidação do provimento sancionatório, de exclusão, redução, conversão
ou substituição dos gravames impostos. Não há dúvida de que, como direito
público subjetivo do infrator, encontra-se “o de sofrer apenas a sanção razoável
e proporcional ao ilícito praticado, consideradas as demais circunstâncias
previstas em lei”. Todavia, firmada a premissa de que “é imprescindível que a
autoridade pública observe, ao impor a penalidade administrativa, a correlação
entre os meios e fins, sob pena de cometer ilegalidade”, problema está nas
conseqüências, no nível do exercício legítimo da jurisdição nos quadrantes do
Estado de Direito, quando incidente sobre a atividade sancionatória.

No caso da questão em estudo, parece não ser


adequado não se permita a quem já demonstrou ter maturidade e capacidade para o
curso, seja indevidamente impedido de cursar o curso para o qual aprovado, por conta
de filigranas decorrentes de uma elaboração legislativa que nivele as pessoas por
baixo, enquanto outras pessoas conseguem liminares e não tem suas vidas
paralisadas, nas mesmas condições.

E isso evidenciaria a ideia que já seria hora de se


derrogar o entendimento de alguns Juízes que sistematicamente negam liminares em
condições como tal, eis que a realidade do país levaria à necessidade de superação
desse entendimento restritivo de capacidades de pessoas que tenham mérito para
cursar vagas nas universidades (situação de overruling do entendimento em testilha).

Tanto é assim que inúmeros arestos dos Tribunais pátrios


tem reconhecido para pessoas que conseguem liminares, em condições como essa
aplicando-se a já mencionada incidência da teoria da situação jurídica consolidada no
tempo – ou seja, no estado em que estão as coisas, alguns conseguem cursar e tem a
proteção judicial, o que gera desgaste da máquina judiciária estatal, na forma acima
apontada, notadamente à luz do princípio da harmonia da jurisdição. Como exemplos
disso, de se destacar, além do aresto do STJ aludido acima:
TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL (AC) AC
0007980112016401380300079801120164013803 (TRF-1) Data de
publicação: 18/02/2019 EMENTA ENSINO SUPERIOR. APROVAÇÃO EM
VESTIBULAR ANTES
DA CONCLUSÃO DO ENSINOMÉDIO. CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO 
ANTES DO INÍCIO DAS AULAS NO CURSOSUPERIOR. MATRÍCULA:
POSSIBILIDADE. TEORIA DO FATO CONSOLIDADO. APLICAÇÃO.
SENTENÇA MANTIDA. I - Nos termos do disposto no art. 44 , II , da Lei nº
9.394 /96, os cursos de graduação em nível superior são abertos a
candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham
sido classificados em processo seletivo, de modo que legítima a conduta
de instituição de ensino superior em recusar a matrícula de aluno que
ainda não concluiu o ensino médio. II - A orientação jurisprudencial desta
Corte sobre a matéria é firme no sentido de apenas ser possível a
realização de matrícula de aluno que, embora não apresente certificado
de conclusão de ensino médio no respectivo ato, o faz antes do início do
período letivo do curso superior, o que é o caso do autos. III - Deferida a
medida liminar em 23/06/2016 (fls. 35/39), foi realizada
a matrícula no curso de Engenharia Mecânica Integral, restando
consolidada situação de fato que deve ser prestigiada, visto que a
estudante está cursando o curso superior há dois anos. IV - Recurso de
apelação e remessa oficial aos quais se nega provimento.
STJ - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL AgInt no REsp
1522478 RN 2015/0064855-0 (STJ) Data de publicação: 07/06/2019
EMENTA ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA NO CURSO DE
PSICOLOGIA. APROVAÇÃO NO ENEM. PENDÊNCIA DO CERTIFICADO
DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. MATRÍCULAGARANTIDA POR
MEIO DE LIMINAR CONCEDIDA EM 2013. SITUAÇÃO SOBRE A QUAL
O TEMPO ESTENDEU O AMPLO MANTO DA SUA JUSTA
IMODIFICABILIDADE. AGRAVO INTERNO DA UNIÃO DESPROVIDO. 1.
A demanda objetivou a matrícula de aluno no Cursode Psicologia da
UNIVERSIDADE POTIGUAR-UNP, diante da aprovação da parte Autora
no ENEM, com a pendência do certificado de conclusão do ensino médio,
tendo sido garantido o direito à matrícula no referido Curso Superior por
força de liminar concedida em 2013 e confirmada pela sentença. 2. Trata-
se, portanto, de situação já estabilizada no tempo e impassível de
modificação, porquanto passados mais de 4 anos da concessão da
segurança; se a parte impetrante ainda não concluiu o curso superior,
encontra-se em etapa avançada dos estudos. 3. Patente que a reforma da
decisão acarretaria enorme prejuízo ao estudante, e que não se vislumbra
dano a ser experimentado pela Instituição de Ensino ou pela coletividade;
outra não deverá ser a solução que não a de se considerar consolidada a
situação de fato, mantendo-se, assim, o acórdão, sob pena de causar à
parte impetrante desnecessário prejuízo. É um caso excepcional em que a
restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos do que a
manutenção da situação consolidada. Precedentes: AREsp. 883.574/MS,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 19.10.2017; AgRg no
AREsp. 445.860/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 28.3.2014 e AgRg
no Ag 1.397.693/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 23.3.2012.
4.
TJ-ES - Apelação APL 00156461020138080030 (TJ-ES) Data de
publicação: 21/08/2017 EMENTA REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO
CÍVEL – VESTIBULAR – APROVAÇÃO EM CURSOSUPERIOR –
SEM CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO – GREVE NA INSTITUIÇÃO
DE ENSINO – LIMINAR DEFERIDA HÁ MAIS DE TRÊS ANOS – TEORIA
DO FATO CONSUMADO – RECURSO IMPROVIDO. 1 – A medida liminar
foi deferida em 20 de janeiro de 2014, estando o apelado cursando a
faculdade de Engenharia de Produção há mais de três anos e meio – ou
seja, é provável que já esteja iniciando o 8º período letivo, não sendo
razoável fazer a estudante voltar ao ensino médio. 2 - ¿Conforme a
orientação jurisprudencial do STJ, aplica-se a teoria do fato consumado
nas hipóteses em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais
danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso
do tempo em razão de ordem judicial concedida em mandado de
segurança. 4. Agravo regimental não provido¿. (STJ, Relator: Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 20⁄03⁄2014, T2 -
SEGUNDA TURMA). 4 - Recurso improvido.

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1660391 RN 2017/0007002-5 (STJ)


Data de publicação: 12/05/2017 EMENTA ENSINO. EXPEDIÇÃO DE
CERTIFICADO
DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. APROVAÇÃOEM CURSO SUPE
RIOR. ACÓRDÃO A QUO. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E
INFRACONSTITUCIONAIS. NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126/STJ. 1. O acórdão
recorrido assentou que negar o direito de matrícula à recorrida
ofende o princípio do direito de acesso à educação. Assim, incabível
a análise do acerto da fundamentação do Tribunal de origem, uma vez
que tal matéria, de ordem constitucional, não pode ser revista,
mediante Recurso Especial, sob pena de usurpação de competência
do STF. Ademais, o recorrente não atacou, via Recurso
Extraordinário, o referido fundamento constitucional. Incidência da
Súmula 126 do STJ . 2. Recurso Especial não conhecido.

Observe-se que o aresto do STJ é datado de 2019,


portanto, entendimento recente, uma verdadeira luz no final do túnel em relação ao
tema que se debate. Reconhecendo o avanço da jurisprudência pátria no sentido da
possibilidade de reserva de vaga, em condições como tal:
TJ-AM - 40052743020168040000 AM 4005274-30.2016.8.04.0000 (TJ-
AM) Data de publicação: 26/06/2017 EMENTA
APROVAÇÃO EM CURSO SUPERIOR.NÃO CONCLUSÃO DO ENSINO 
MÉDIOAVANÇO DE CURSO POR MEIO DO SUPLETIVO.
CERTIFICADO DE CONCLUSÃO ANTES DO INÍCIO DO ANO LETIVO.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO. 1. Caminha a jurisprudência pátria no sentido de ser
possível reservar vaga de aluno aprovado em vestibular de
universidade que ainda não tenha o certificado
de conclusão do ensino médio, desde que este (certificado) seja
adquirido antes do início do ano letivo, o que aconteceu no caso em
tela, porquanto que, o início do ano letivo ocorreu no dia 20/02/2017,
tendo a agravante concluído o ensino médio no dia 02/01/2017. 2. Em
uma interpretação hermenêutica concretizadora, ou seja, que dê
eficácia à constituição , verifica-se que a educação é o pilar basal da
construção do homem em seu sentido lato, posto que não se pode
negar que somente através da educação podermos garantir o
desenvolvimento nacional, combater a pobreza, a marginalização e, o
principal, concretizar ao máximo a igualdade substancial tanto
almejada pelo constituinte. 3. Recurso conhecido e provido

Tudo isso sem prejuízo da própria constatação no sentido


de que há efetiva violação ao quanto destacado nos artigos 205 e 208 da Constituição
Federal e artigos 54 ECA e 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, diplomas
que garantem o exercício do direito de obter educação, notadamente por parte de
pessoa menor, que, repita-se, tem o direito público e subjetivo de obter o ensino médio
o que não pode ser exercido como um dever (posição jurídica passiva contra a sua
vontade). Impor a um médico aulas de sociologia e filosofia por razões de pura
ideologia (este autor lê livros desta matéria e reconhece sua relevância mas entende
haver abuso na imposição obrigatória fora das ciências humanas e sociais – depois de
formado haverá tempo para leituras deste jaez, se houver interesse do profissional)
quando o mesmo já comprovou ter conhecimentos necessários em tal seara tendo
sido aprovado no certame se revela como medida draconiana, efetiva teratologia.

Para que não se questione algum tipo de preconceito


contra a filosofia ou a sociologia citadas como exemplos para um médico, poderia se
prosseguir dando-se o exemplo, de obrigar um profissional do direito a ter que
conhecer limites e derivadas na seara matemática, o que pouco importará em seu dia
a dia no exercício profissional, embora o estudante possa ser um virtuose em ciências
políticas muito úteis para a compreensão da teoria do Estado e dos demais ramos do
direito público – não há sentido em exigir-se excelência em todas as matérias do ciclo
do ensino médio quando o aluno já demonstrou ter suficiência na aprovação no
certame universitário seja pela via do vestibular, seja pelos critérios do ENEN, com
suas barreiras, o que deveria ser repensado pelo MEC para conferir maior coerência
com os propósitos desses certames.

Observe-se que a norma contida no artigo 205 CF que


estabelece que o acesso à educação deva ser estimulado e não tolhido, observe-se:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Isso já bastaria para caracterizar a


inconstitucionalidade da exigência legal de comprovação da conclusão do ensino
médio enquanto critério eleito pelo legislador pátrio, numa interpretação estruturante
do texto constitucional (Canotilho).
De igual modo o artigo 208 da mesma Carta
Política aponta no sentido de uma garantia de acesso aos níveis mais elevados de
educação segundo a capacidade de cada um – ou seja, há uma regra geral que não
impede que seja superada pela capacidade individual de cada indivíduo. E o
artigo 54 ECA praticamente reproduz a redação do artigo 208 CF.
Essas as razões que se chama para a reflexão em
torno do tema.

Você também pode gostar