ATIVIDADE FINAL DA DISCIPLINA ARTE E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
No dia 7 de agosto de 2018, iniciavam-se as aulas da disciplina Arte e
Cultura Afro-brasileira, com os professores Thalita Reis e Francione Carvalho, que, ao longo desse segundo semestre do ano, foi muito mais que uma disciplina, mas uma verdadeira experiência. Chegar na sala de aula, formar uma roda e sentar no chão teria sido um acontecimento escasso, quase nulo, se não houvesse me matriculado nessa matéria, quanto mais todas as cantorias, danças, massagens, exercícios de sentir o corpo que praticamos em conjunto. Uma colega explicitou que nos sentíamos carentes de momentos como esses, de alegria e coletividade, de subversão do espaço da sala de aula, e como esse momento reservado, da terça-feira à noite era capaz de contemplar essa ausência e nos acalentava.
Mas para além dessa questão, a disciplina Arte e Cultura Afro-brasileira
possui uma importância fundamental para a formação de professores e educadores, que é muito mais que o cumprimento da Lei 10.639/03, mas o cumprimento de um compromisso que não devemos deixar de honrar com as nossas raízes, com os povos que foram trazidos forçadamente até aqui, nesse território de disputas que foi, e ainda é, o Brasil. É um absurdo o vazio cultural que nos deixam cultivar à respeito das culturas afro-brasileira, africana e indígena, primando única e exclusivamente para a “tradicional” cultura do colonizador branco europeu, que devastou e apagou perversa e intencionalmente tudo aquilo que não lhe dizia respeito, que não lhe servia e que poderia atrapalhar o processo de dominação que aqui se instaurou. Não fazemos mais do que nossa obrigação, como brasileiras(os), como futuras educadoras (ou não), estudar e expandir nossos conhecimentos sobre a arte e a cultura produzida pelos nossos, muito mais do que pelos europeus e estadunidenses (aqui me refiro àqueles que são identificados como símbolos de colonização e imperialismos).
Ao estudar as manifestações da arte e cultura afro-brasileira e trazê-las
para o ambiente educacional, seja ele a sala de aula, um museu ou um almoço em família, estamos buscando cumprir nosso papel de expandir o repertório cultural carente e/ou ignorante de uma diversidade de pessoas com as quais vamos nos relacionar. Além disso, talvez mais importante, estaríamos buscando incluir nesse movimento educacional aqueles que se sentem excluídos desde que começam a frequentar as aulas de história, artes, e outras humanidades, e não se veem representados, não encontram ali suas histórias, suas expressões culturais, mas apenas de homens de uma realidade completamente distante das suas. A importância da formação docente inteirada sobre todas as manifestações culturais e artísticas possíveis é a de uma educação inclusiva, materialista, contextualizada, contínua, não abstrata. Uma educação que busca pensar todas as situações possíveis de serem encontradas e que dialogue, se funda, e não que se imponha, colonizadora, à elas. Para isso, não basta apenas um currículo escolar que contenha em si “conteúdos ligados à cultura afro-brasileira e a história dos povos africanos no período anterior ao sistema escravista colonial”, mas um corpo docente preparado e formado para empreender a tarefa de fazê-lo valer de maneira proveitosa e politicamente bem intencionada. Assim, fizeram-se importantes os conteúdos, e mais do que isso, as experiências proporcionadas na disciplina Arte e Cultura Afro-brasileira, que contribuíram e contribuirão para a formação da educadora que quero me tornar.
A escola contemporânea deve ser vista como o tempo
educacional da descolonização, da reinvenção dos sistemas de ensino, com vistas à diversidade e ao reconhecimento da pluralidade dos saberes e das experiências ssim, necessário descolonizar o processo educacional, isso significa liberá-lo, ou emancipá-lo, do monismo ocidentalista que reduz todas as possibilidades de saber e enunciação da verdade à dinâmica cultural de um centro. Esse movimento traz consigo igualmente a descolonização da crítica, não compactuando com a ideia de ue o con ecimento algo exclusivo de alguns grupos. (CARVALHO, F., REIS, T, p.6, 2017)
O percurso pedagógico tomado foi inusitado e muito interessante, uma
vez que a maioria das aulas eram compostas por dois momentos, um deles mais lúdico e corpóreo, outro focado no “conteúdo formal” da disciplina, mas que em nenhum momento deixaram de ser coerentes com a práxis educacional adotada pelos professores. Em todas as atividades podia-se perceber alguns dos valores civilizatórios afro-brasileiros, quando não todos juntos, dos quais os mais predominantes, em minha percepção eram o comunitarismo, a ludicidade, a corporeidade, musicalidade e a circularidade. As leituras e pesquisas eram enriquecedoras, pois, apesar de já possuir uma postura de busca por artistas que não se encontram no circuito do homem branco cisgênero, a tarefa estabelecida dá mais força a isso, de modo que me deparei com muitas artistas que não conhecia, uma vez que as/os artistas negras e negros que eu conhecia eram majoritariamente de outros países, poucos brasileiros.
As visitas e viagens à instituições culturais foi uma das partes mais
proveitosas para mim, como estudante de artes, e ver exposições que contemplavam o tema de nossos estudos. A visita ao Museu de Arte Murilo Mendes, com a fala e a vernissage do artista Jorge dos Anjos, o qual conhecia pouco e ver de perto, com sua fala tão didática e desmistificada, deixou-me com vontade de conhecer mais. Não pude ir visitar a exposição Preto ao Cubo, na Galeria Guaçuí do IAD com a turma no dia, mas fui algumas outras vezes antes. A viagem a São Paulo, a primeira vez que fui, foi uma experiência e tanto, no bom e no mal sentido, pois fui muito adoecida e por esse aspecto a viagem foi um pouco cansativa, mas muito feliz por ter me esforçado para ir, pois assim tive a oportunidade de visitar o apaixonante Museu Afro Brasil. O museu me encantou muito, principalmente por sua organização muito pouco comum, algo que eu nunca tinha visto antes; por suas cores e também pela quantidade de artistas incríveis que eu não conhecia e fiquei curiosa para pesquisar mais depois. Além disso, pude ver pessoalmente as tapeçarias da artista que pesquisei para uma das tarefas da aula, Madalena dos Santos Reinboldt, que, muito dialogando com Maria Auxiliadora, possui uma obra que a princípio seria bidimensional, mas que ao nos aproximarmos, vemos toda a riqueza dos bordados que saltam para fora do suporte, configurando-se num lindo e tridimensional entrelaçar de fios coloridos. Por fim, no MASP, deparei- me com mais outra infinidade de artistas, algumas que já conhecia, outras que acabara de conhecer no Museu Afro, e outras que com certeza quero conhecer mais.
Assim, conhecendo todos esses artistas durante as visitas e viagens,
pude perceber que a maioria das obras de arte afro-brasileira dialogavam em algum momento com os valores civilizatórios que aprendemos, e principalmente com o que diz respeito à memória e à religiosidade, mas também com muitos outros. Quero destacar o conjunto de quadros da artistas Andressa Silva, que já vinha admirando em sua conta do instagram (@dessa_pessega), e, ao vê-los pessoalmente me encantaram mais ainda, principalmente porque eu conhecia a narrativa por traz deles por meio de relatos que ela compartilhava em sua conta, e pude relacioná-los também com os valores da memória, ancestralidade e da circularidade.
Quanto a todas as trocas e diálogos que essa disciplina proporcionou,
devo dizer que muito se deve às experiências, e às práticas. Eu nunca teria trocado tantos olhares e sorrisos com pessoas que não conheço se não houvessem os momentos em que estamos em roda e dançamos pela sala, se todas as cadeiras estivessem dispostas numa posição fixa e ficássemos sentados todo o tempo prestando atenção no que dizia o professor. Apesar de ser muito tímida, aos poucos senti meu corpo se soltando, na medida em que conseguia, envolvendo-se com mais pessoas do que apenas aquele único rosto conhecido. Os exercícios em grupo proporcionaram que eu conhecesse e conversasse com pessoas muito interessantes e que permitiam que eu me abrisse e pudesse expor algumas ideias, como no exercício em que montamos uma ação pedagógica pensando na ideia das etapas da chegança, vivência e diálogo.
Penso que a melhor parte da disciplina, o que mais gostei de ter
vivenciado, foi todo o ambiente e o clima de comunitarismo, acolhimento e entrosamento que senti, por mais que eu por vezes me senti muito retraída para participar das atividades, e somente no fim de cada uma delas começava a me sentir mais a vontade com meu corpo solto. Isso porque tudo era novidade e me inspirava mais e mais a seguir como professora de artes visuais, pois eu percebia que as aulas não precisavam mais ficar presas ao modo de educação ocidental que coloca como centro de tudo o conhecimento racional, a tradição intelectualista. Com as experiências vivenciadas em aula pude me imaginar, após um maior aprofundamento e experimentação, enfim, a professora que quero ser.
Entretanto, acredito que eu deva buscar me entender melhor e quebrar
as muitas barreiras que ainda possuo em relação ao corpo, ao movimento do corpo, mais especificamente. Essa disciplina me deu a primeira chave para buscar isso, portanto, o que deveria e gostaria de me aprofundar melhor seria essa questão da corporeidade na educação, nas artes, baseadas no entendimento do corpo como fonte e produtor de conhecimento pelo viés da Pedagoginga e dos valores civilizatórios afro-brasileiros. Também gostaria de me aprofundar mais na questão das artistas negras brasileiras, conhecê-las mais e melhor, em quantidade mas também em aprofundamento, principalmente aquelas que dialogam com a “art naif” ou arte popular (não sei se esses termos são os melhores), como é o caso de Madalena.
Como estudante de artes, penso em cultura e educação quase sempre
de uma maneira muito entrelaçada, uma vez que os enxergo sempre em dialética, onde um se encontra e constitui o outro. Depois que conheci os valores civilizatórios afro-brasileiros, não consigo mais desassociá-los também de tudo que aprendo, experimento. Assim, acredito que a cultura possua fundamentalmente os valores de circularidade, pensando sempre no movimento histórico-dialético da vida, no valorização do ciclo e do retornar das coisas, valorizando a tradição, mas nunca deixando de se entender o presente e pensar o futuro como parte de todo esse movimento; a oralidade, aliada à memória também se faz essencial para a disseminação e preservação das culturas e saberes que ainda não são hegemônicos (como a cultura afro- brasileira e indígena) e que sistematicamente tem suas raízes atacadas como estratégia de manutenção da tradição opressora no poder; bem como o comunitarismo como forma de pertencimento à uma determinada cultura, de modo que ela se apresente legítima e resistente à todos os ataques e preservada, unindo e permitindo a existência de uma coletividade que se reconhece e conhece suas raízes, suas memórias. A educação como instrumento e meio de criação de condições para que se erga a cultura tal como ela deve ser tratada, deve estar ciente da importância também da coletividade, isto é, da existência histórica e social de um grupo de indivíduos, para a manutenção de si mesma e da cultura, para a continuidade e a possibilidade de um mundo mais igualitário e justo. Faz-se importante também a corporeidade e a ludicidade como formas de conhecimento legítimas para a educação, de modo que consigamos reconhecer outras formas de saberes que não aquele única e exclusivamente intelectual, racional, uma vez que esses valores são essenciais para a produção de conhecimento a partir do corpo e das experiências estéticas e sensoriais. A oralidade também deve se fazer presente na educação da mesma forma, para que se preservem saberes que não estão contidos apenas na tradição escrita, mas aqueles que são passados de geração em geração e reproduzidos com maestria e propriedade a partir da experiência. Por fim, penso que a ancestralidade e a memória devam ser valorizados pela educação como forma de identidade de uma cultura, como forma de pertencimento de indivíduos à uma sociedade, valorizando sua existência, suas raízes, sua história, para que não se criem e não se reproduzam preconceitos que são gerados a partir da ignorância desses contextos.
Por último, a disciplina Arte e Cultura Afro-brasileira ficará inscrita no
meu corpo como aquela me deu um sacolejo e me pediu para que eu mexesse os meus ossos, que meu corpo também falasse, quando minha boca não consegue se expressar (como muitas vezes não consegue). Ficarão inscritos no meu corpo todos os momentos de diversão e energia gostosa que vivi depois de uma longa terça-feira, depois de duas aulas e uma hora nadando na Faefid, que deveriam mais me cansar mas acabaram regenerando em mim energias que eu não sabia que ainda tinha, que me animaram depois de um dia triste ou estressante, que aliviaram até minha TPM e cólicas menstruais. Espero viver mais experiências na faculdade como essas que vocês, Thalita e Francione, nos proporcionaram, e estarei atenta, buscando que essa energia me chame e que estarei mais solta, mais preparada para libertar e desenferrujar meu corpo. Obrigada!