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INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: BOITEUX, Luciana.

A proibição como estratégia


racista de controle social e a guerra às drogas. Le Monde Diplomatique Brasil. São
Paulo, v. 13. No. 145. p. 4-6. Ago., 2019.

 “[...] a política se radicalizou com a ideia construída de uma “guerra às drogas”,


que durante muito tempo justificou a intervenção norte-americana no mundo”.
(p. 4)
 “[...] Tal modelo repressivo de controle foi adotado acriticamente [...]. Foi uma
decisão política que levantou à proscrição de algumas substâncias que se
tornaram ilícitas mediante a criação de uma norma proibitiva e penas severas.
[...] David Nutt, Leslie A. King e William Saulsbury contestam as bases não
cientificas da proibição, não havendo motivos para essa classificação
internacional atual.” (p. 4)
 “[...] nos Estados Unidos a propaganda oficial relacionava o uso de drogas a
minorias: negros, mexicanos, chineses, tarados, desempregados e criminosos.
Em 1901-1902, em decorrência do pânico racista do sul, foram feitas as
primeiras associações entre negros e consumo de cocaína: uma campanha aduzia
que homens negros tomavam cocaína antes de estuprar mulheres brancas, com a
identificação social dos negros como maiores consumidores de cocaína, o que os
tornaria sexualmente agressivos. [...] a opção pelo modelo proibicionista em sua
origem baseava-se no racismo e visava proteger a classe dominante”. (p. 4)
 “No Brasil, [...] A proibição da maconha tem origem autóctone: data de 1830
uma postura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, considerada o primeiro
documento que penalizava a venda e o uso do “pito de pango”, como era
conhecida a Cannabis em nosso país, cujo hábito de consumo recreativo era
associado aos africanos escravizados que teriam trazido essa cultura (e as
sementes) de seu continente de origem. A erva tinha diversos nomes de origem
africana, como diamba, bangue, maconha, fumo de angola, pito de pango,
riamba e liamba [...]. Em clara expressão de racismo estrutural, no século XIX
no Rio de Janeiro punia-se com prisão, muito antes de qualquer convenção
internacional, o usuário, negro escravizado ou pessoa pobre, enquanto um
eventual vendedor seria punido apenas com multa.” (p. 4)
 “Enquanto o uso medicinal tinha grande aceitação por parte da classe médica no
início do século XX, o consumo não médico de maconha era considerado
socialmente um “vício barato” [...]. Tal discurso racista permitia legitimar a
ideia de inferioridade do negro em relação ao branco e também serviu para a
construção de uma política criminal que ampliasse o controle sobre o negro,
especialmente no pós-abolição, quando outras engrenagens tiveram de ser
estrategicamente pensadas para controlar essa classe perigosa, após o fim formal
da escravidão sem nenhum tipo de reparação ou política social.” (p. 4)
 “Na esfera internacional, contudo, a Cannabis foi incluída no rol das substâncias
ilícitas em 1925, com apoio do Brasil, onde foi criminalizada oficialmente em
1932 (nos Estados Unidos isso aconteceu em 1937) [...].” (p. 4)
 “Com a ampliação da repressiva política de drogas, chegamos ao modelo atual
de superencarceramento, pois, com a estratégia de controle racial e social de
minorias sociais indesejáveis, estas se tornam alvo da polícia e acabam
sobrerrepresentadas no sistema penitenciário. Sobre o tema, Michelle Alexander
traz uma fala do reverendo Al Sharpton em um protesto em Lousiana: “Fomos
das plantações para as penitenciárias... Eles tentaram criar um sistema de justiça
criminal que mira particularmente nossos jovens homens negros. [...] Ela aponta
que a guerra às drogas é a engrenagem por meio da qual um número
extraordinário de homens negros é levado à prisão nos Estados Unidos. Os
números são os mesmo impressionantes: mais de 1 milhão de homens negros
estão presos nos Estados Unidos por crimes ligados a drogas [...]. Além disso, a
lei prevê longas sentenças por crimes de drogas, responsabilidade objetiva e
penas mínimas altíssimas para posse ou tráfico de crack, substância identificada
como sendo consumida pelos negros e pessoas mais pobres nas ruas norte-
americanas, enquanto a cocaína, mais cara, usada por brancos de classe mais
alta, tem escalas penais menores.” (pp. 4-5)
 “[...] Nosso país recebeu mais de 4,8 milhões de negros escravizados traficados
do continente africano, a maior população da história já calculada, tanto de
número de indivíduos quanto na duração temporal, sendo o Brasil hoje o
segundo país com maior população negra do mundo, só ficando atrás da Nigéria:
46,5% brasileiros se declararam pardos; 9,3%, pretos; e 43,1%, brancos.” (p. 5)
 “[...] O fato de o Brasil e os Estados Unidos, de passado escravocrata, estarem
entre os três países que mais encarceram no mundo já indica a resposta.” (p. 5)
 “[...] Dados apontam para um aumento constante da população penitenciária
desde a década de 1990, tanto em números absolutos como em relativos,
passando de 451 mil pessoas (238,1 presos por 100 mil/habitantes) em 2008 para
cerca de 726 mil (350,4 por 100 mil/habitantes) em junho de 2017.” (p. 5)
 “[...] a representação de pessoas negras nas prisões é de 64% (42,2% pardos,
17,3% negros e 35,4% brancos), superior à da população em geral (55,4%).” (p.
5)
 “Nessa linha, há um crescimento constante no número de presos por crimes de
tráfico de drogas, tendo seu número passado de 77.371 em 2008 para 140.798
em 2017, com 29,26% dos homens e quase 65% das mulheres presos
respondendo por tráfico.” (p. 5)
 “[...] Foram mais de 65.602 mortes violentas no Brasil em 2017, com taxa de
31,6 por 100 mil/habitantes, um triste recorde, sendo 75,5% das vítimas pessoas
negras. Entre 2007 e 2017, a taxa de negros cresceu 33,1% sendo a maioria de
jovens”. (p. 5)
 “Esse crescimento do número de homicídios no Brasil decorre da posição
estratégica do país como entreposto para a exportação de cocaína para África e
Europa, como já apontou o UNODC (2015, p.54), e ainda da expansão
econômica e do aumento da lucratividade das facções que controlam o tráfico
ilícito de drogas, o que levou à ampliação das disputas territoriais entre elas por
esse rentável mercado.” (p. 5)
 “[...] se diz que “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”.” (p. 6)

INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: MEDEIROS, Flavia. Políticas de vida e de morte


no controle proibicionista das drogas. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, v. 13.
No. 145. p. 6-7. Ago., 2019.

 O Brasil tem “[...] mais de 800 mil pessoas encarceradas no sistema prisional,
[...] das quais cerca de 40% ainda aguardam julgamento [...]. Das pessoas presas
no Brasil, a grande maioria é homem, dos quais cerca de 30% são acusados por
crimes relacionados ao varejo de substâncias psicoativas tratadas como ilícitas
[...]. Quando olhamos para as mulheres encarceradas, somam-se mais de 60%
destas sob acusação de crimes nos quais as “drogas” – notadamente pequenas
quantidades de substâncias como maconha e cocaína – servem como material
para incriminação. Ainda, cada vez mais observamos, com base em pesquisas
realizadas no sistema prisional junto a mulheres presas provisórias, o grande
número daquelas que, por seus vínculos afetivos, pessoais e sociais com outros
sujeitos já criminalizados, são encarcerados sob a categoria penal do crime de
“associação ao tráfico”.” (p. 6)
 “[...] em 2018, mais de 65 mil pessoas cuja vida foi eliminada tiveram sua morte
registrada oficialmente como “homicídio” [...]. Segundo o CNJ, menos de 10%
desses crimes são investigados e encaminhados ao sistema de justiça criminal”.
(p. 6)
 “Isto é, o encarceramento em massa, ou o hiperencarceramento de um segmento
específico da população, não corresponde à responsabilização por aquele que
seria um dos crimes mais graves e relevantes, a saber, o crime de matar alguém.”
(p. 6)
 “Por outro lado, das vítimas de “homicídios”, cerca de 75% delas são jovens
homens negros. [...] Proporcionalmente, quase 64% do total de mulheres
assassinadas são negras, de acordo com dados apresentados no Atlas da
violência elaborado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.” (pp. 6-7)
 “Tais acusações estigmatizantes e incriminatórias ganham ainda mais
legitimidade por meio da Súmula 70, decisão colegiada dos desembargadores do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que autoriza que, em casos nos quais
houve apreensão de drogas ilícitas, os policiais responsáveis pela ocorrência
sejam as únicas testemunhas do fato.” (p. 7)
 “O modo como o controle da população tem sido exercido pelas instituições
estatais pode ser observado pelas ferramentas e técnicas organizadas por uma
burocracia policial e judicial que tem entre suas principais características
elementos da tradição cartorial inquisitorial e de desigualdade jurídica, como
tem examinado o antropólogo Roberto Kant de Lima. [...] “Guerra” essa que tem
sido usada para justificar uma atuação do Estado cujos efeitos têm sido a morte e
o encarceramento da juventude negra e pobre. Em vez de uma política para a
promoção da vida e do bem viver, executa-se uma política que redunda na
produção de morte, sofrimentos e ódio, operada por um mecanismo estatal de
execuções extrajudiciais que, desde institutos médico-legais, delegacias, fóruns e
tribunais, são repercutidas pela mídia e encontram ressonância em uma parte da
sociedade.” (p. 7)

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