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CUIDADO: acolhida amorosa de si mesmo

“A compaixão é aquilo que nos torna verdadeiramente humanos;


temos compaixão pelos fracos: nós mesmos” (Anatole France)

A nossa cultura é controlada pela idéia de que o ser humano pode e deve ser
“perfeito”.
Anos e anos a idéia de “perfeição” vem modelando nossa mente e petrificando
nosso coração.
O conceito de perfeição está presente ativamente em todas as dimensões da
vida, sob diversas formas:
a sede insaciável de possuir e de fazer, a ilusão do “nascido para vencer”, a mística do
sucesso e
da eficiência, o “ser o 1 º” que respiramos por todos os povos, o medo do fracasso, a busca
da au-
to-glorificação, a ânsia de poder...
Desde a nossa infância somos impelidos a procurar a perfeição.
Esse conceito assumiu um valor central na compreensão e na orientação da
nossa vida. Mesmo na espiri-tualidade reforça-se a idéia de que tudo aquilo
que se endereça a Deus deve ser perfeito.
E a santidade passou a ser considerada como sinônimo de perfeição.
Nesta ótica, aquilo que é “humano” passou a representar decadência,
fragilidade, limite...
Para ser “perfeito” tornava-se necessário sair da “condição humana”:
sufocar o humano, dominar e controlar a condição humana... e buscar viver no
nível “sobre-humano”.
Além disso, o homem começou a perder a “visão humana” das coisas, da
natureza, dos outros... afastan-do-se totalmente das “outras coisas criadas” (EE. 23).
No entanto, a convivência no recinto da perfeição é inumana.
A expressão “atingir a perfeição” é uma imprudência. A procura da perfeição
não ajuda a pessoa a viver, a amar, a sonhar, a sorrir, a perdoar, a ser feliz...
Nas suas formas mais graves, a busca da perfeição é estressante, conduz ao
desprezo de si mesmo, torna insuportável a relação com os outros e pode
conduzir à auto-mutilação.
Isso não é vida. Queremos residir num lugar onde a compaixão e o cuidado possam abraçar nossas
fragilidades e limites. Devemos passar de um humanismo da “auto-exaltação” para um humanismo da
“auto-acolhida”.

“Acolher-se” significa compreender que a coisa mais importante não é o erro, o


fracasso, a fragilidade...
mas sou eu mesmo. Esta experiência é um ingrediente da
condição humana. É a matéria
prima da vida.
A “acolhida de si” me afirma como sou, aqui e agora. Devo cuidar de mim
mesmo, dado que sou um valor pelo fato mesmo de existir. O fato de me aceitar
em profundidade se revela como um gesto de coerência, de ternura para comigo
mesmo.
Parece que o ser humano não tem prazer em auto-aceitar-se. Suporta mal o seu ser. Não se ama e nem se
entusiasma a ponto de aceitar a fundo a bondade do próprio ser.O ser humano tende a desconhecer a
humanidade dentro de si a ponto de fazer da culpa a medida da vida.

- É a “consciência do limite”, fundada na auto-compaixão, que nos ensina a


suportar o golpe, a subir
de novo a ladeira, a escolher a vida, a confiança, a transformar o erro em
ocasião para sermos mais hu-
manos. Ela sabe quando temos a necessidade de ter cuidado de nós: nos
momentos duros, nos fracas-
sos, nas decepções...
- A “consciência do limite” alimenta a lealdade para nós mesmos. A raiva, o
ressentimento, a angústia
o desprezo pelo erro cometido, o sentimento de culpa, a auto-imagem negativa, o medo do
castigo...
não são mais que uma falta de lealdade para com o nosso ser.
- A “consciência do limite” substitui a disposição de castigar pela disposição
de perdoar.
Ela realiza uma conversão que faz do perdão a medida definitiva da vida.
“Perdoar é cuidar-se”.
- Na “consciência do limite” aprendemos a recorrer à compaixão em vez de
recorrer ao auto-desprezo.
É assumir uma atitude de verdadeira atenção e cuidado de nós mesmos.
O tecido da vida cotidiana oferece muitas ocasiões para esta prática de bondade
consigo mesmo.
Uma vida sem erros é estressante, martirizante, não tem sentido, não tem nada
de superior, é uma vida eternamente complicada.
Ao oferecer-me um gesto de perdão em vez de um gesto de repulsão ou de
condenação torno-me mais humano. Demonstro-me humano com quem mais
precisa de humanidade: eu mesmo.
É o momento da compaixão.
A compaixão faz parte da essência da pessoa humana. É a mais humana de
todas as virtudes humanas.
É a ocasião de aprender a tratar-nos como amigos em vez de tender a nos tratar
como estranhos.
A compaixão afirma o “eu real” contra as pretensões do “eu ideal”.
A compaixão orienta-nos para a realidade profunda da nossa fragilidade; na
compaixão alcançamos
a nós mesmos; a compaixão nos leva de volta à casa.
“A pedra angular da auto ajuda é a compaixão pelo eu.
Isto significa viver num estado de graça consigo mesmo, significa perdoar-se sempre, significa
também não condenar-se jamais, nem mesmo como único remédio aos erros que obviamente se
cometem. Significa absoluta, constante, inquebrantável lealdade para consigo mesmo.
Significa não abandonar jamais o próprio eu e não se unir a seu inimigo.
Significa opor-se ao auto-ódio cada vez que se determina e sob qualquer forma que se apresente:
recriminação, rememorações e mudanças de opiniões, depressões, auto deploração, afetações,
doenças psicossomáticas, amizade com seus detratores e outras atividades perigosas”
(Isaac Rubin)
Tratar-nos com compaixão não é egoísmo.
Oferecer a mim mesmo amor e calor é um ato humano.
Se não consigo ser humano comigo mesmo, como poderei sê-lo com os outros?
Se não sou capaz de cuidar de mim mesmo, como cuidar dos outros?
Graças à compaixão para comigo, posso levantar-me depois de cada queda, abrir-me novamente à
minha realidade, continuar a amar tudo aquilo que dentro e fora do meu ser se apresenta sob as vestes
do humano.
Deste modo, realizo uma orientação sadia no fundo do meu ser.
Textos bíblicos: 2Cor. 12,1-10 2Cor. 13,1-10

Na oração: Ninguém pode exigir de você imediata


solução de problemas nem chegada súbita
ao cume da perfeição; porém, tudo em você pede a
atitude de busca persistente em todas as áreas de seu
ser, fazer e conviver.
Sua missão é transformar, pouco a realidade, muito
a si mesmo.

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