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nUNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE HISTÓRIA

MARIANA VERAS CAVALCANTE DA COSTA


NOEMIA DAYANA DE OLIVEIRA

MARGARIDA, MARGARIDAS: MEMÓRIA DE MARGARIDA MARIA


ALVES (1933-1983) ATRAVÉS DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS DAS
MARGARIDAS

Resenha do livro de Ana Paula Romão,


mestre pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da
Paraíba e doutora pelo mesmo programa.
Exercício apresentado a disciplina de
História da Paraíba II para obtenção de nota.

Campina Grande – Outubro/2016


Resenha: FERREIRA, Ana Paula Romão de Souza. Margarida, Margaridas: Memória
de Margarida Maria Alves (1933-1983) através das práticas educativas das Margaridas.
João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2006.

O livro Margarida, Margaridas: Memória de Margarida Maria Alves (1933-


1983) através das práticas educativas das Margaridas é fruto da pesquisa de mestrado
da professora Ana Paula Romão no programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Paraíba, defendido no ano de 2005. Sob orientação e
apresentação do professor Dr. Charliton José dos Santos Machado, o livro foi publicado
um ano depois da defesa da dissertação pela Editora Universitária da UFPB. É dividido
em cinco partes, sendo o primeiro capítulo referente a introdução e o último as
consideração finais, traz ainda recortes de jornais sobre a morte da líder sindical,
Margarida Maria Alves.
A autora do livro tem a trajetória acadêmica marcada pelo seu engajamento nas
lutas políticas, especificamente no movimento estudantil e no movimento feminista, o
que dá ao seu trabalho tom peculiar em termos teóricos e metodológicos. Atualmente
ela é professora do ensino superior privado e desenvolve pesquisas sobre os
movimentos sociais campesinos, com recorte de gênero. Na época do seu mestrado, foi
selecionado pela Fundação Ford, o que deu possibilidades de aperfeiçoar os seus
estudos no Arkansas – Estados Unidos.
Situada com as discussões da Nova História Cultural, sob a perspectiva da
História dos Vencidos, Ana Paula tomou essa vertente teórico-metodológica também
para a sua dissertação, configurando assim a localização e o universo histórico-social de
Margarida Maria Alves. Seu principal objetivo foi o de “analisar a memória de
Margarida, na trajetória política-educativa no movimento sindical e de mulheres na
perspectiva de focalizar o sentido histórico-cultural das suas práticas e representações”
(p. 12), as quais ganharam construções através dos interesses oligárquicos, categoria
dirigente do Brejo paraibano na época de sua atuação e morte. Para tanto, a autora
recorreu a múltiplas fontes (jornais, documentos oficiais, poesias, músicas, fotografias e
a História Oral) que evidenciaram um novo modelo de representação feminina, cuja
atuação política gera conflitos com os valores arraigados no seio da sociedade rural
brasileira.
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No terceiro capítulo, intitulado Do pé que plantou Margarida... Muitas Marias,
Joanas, Raimundas e Diolindasnasceram, a autora se reporta ao conceito de
configuração, de acordo com a perspectiva de Norbert Elias, que afirma ser necessário
perceber o indivíduo e refletir a sociedade num espaço coexistente e de integração, onde
espaço e tempo são evidenciados para compreender os sujeitos históricos estudados.
Nesse caso, Margarida Maria Alves é situada no seu espaço-tempo para melhor analisar
quais foram as suas práticas e ações políticas no recorte temporal da pesquisa (1933-
1983). Vale ressaltar que a atuação da líder camponesa coincide com o envolvimento de
mulheres no cenário dos movimentos sociais, que passavam por uma expressiva
ascensão, e a interiorização do método de Educação Popular, desenvolvido por Paulo
Freire.
Moradora do Brejo paraibano (cidade de Alagoa Grande/PB), as informações
sobre a vida de Margarida são descritas no texto a partir de informações já conhecidas
do público, isto é, sobre a sua origem, morte e atividade sindical. Por isso, no capítulo
três não se encontra ineditismo, mas apenas uma nova maneira de observar os fatos.
Retomando o conceito de configuração, o capítulo traz para a discussão que em 1970, a
cana-de-açúcar era cultivada em Alagoa Grande/PB (cidade da líder) com finalidade de
produzir rapadura, água ardente, etc., e somente em 1980 sua produção vai se voltar
para o Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL), desenvolvido pelos militares em
decorrência da crise do petróleo. Esse programa gerou o Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (FUNRURAL), que tinha como objetivo reduzir os encargos
previdenciários (visando a maior produção de álcool) para os latifundiários, o que
ocasionou uma série de desvantagens para os direitos trabalhistas do campo.
Em paralelo a essas mudanças, os latifundiários paraibanos se organizavam
politicamente em um grupo que visava a ampliação da acumulação de terra e do poder
local, conhecido como o Grupo da Várzea. Esse grupo tinha representação nas câmaras
municipais, estaduais e até no governo do estado. Em resposta a isso e aos problemas
enfrentados pelo PROALCOOL, os trabalhadores e as trabalhadoras paraibanas
passaram a se organizar para reivindicar direitos, dando origem ao primeiro foco de
resistência em Alagoa Grande/PB em 1975.
Situada temporal e espacialmente, Margarida passa então a ser descrita
biograficamente por Ana Paula, que assim como foi dito anteriormente, não dispõe de
informações novas, mas apenas vistas de outra perspectiva, isto é, das lembranças e das
memórias. Nascida em um sítio em Alagoa Grande/PB no ano de 1933, Margarida foi
morar na cidade aos 28 anos em decorrência da expulsão que sofreu, juntamente com
seus pais, da terra de fazendeiros da região. Em 1971 casou-se e logo teve seu primeiro
filho, que ficou órfão de mãe muito cedo. Começou cedo a sua atuação, e em 1973
tomou posse pela primeira vez como presidente do sindicato rural da cidade. Foi reeleita
várias vezes, atuando por mais de vinte anos nesse mesmo sindicato. Participou e
constituiu o (CENTRU) em 1980, pois acreditava na educação como uma forma de
transformar a sociedade. Era católica e por esse motivo se engajou na luta política pelos
trabalhadores rurais. Apoiou o Partido Democrático Social (PDS), o que resultou, na
concepção de alguns pesquisadores, numa identidade dúbia, ora conservadora, ora
progressista.
Nas suas atuações sociais e políticas, Margarida lutava pelos principais
instrumentos de resistência do trabalhador: a educação e a terra. Em 1980, na Fundação
da Sede Nacional do CENTRU em Recife/PB, ela esteve ao lado de Paulo Freire, Luís
Inácio Lula da Silva e de Betinho. Dentre os temas tratados nesse espaço, as mulheres, a
seca e o analfabetismo foram como “bandeiras” para a líder sindical, que alguns anos
depois seria assassinada pelos donos de terras da sua cidade. A militância irreverente de
Margarida perturbava a ordem vigente, mas também os valores arraigados na sociedade
patriarcal. Ser mulher, e mais ainda, ser mulher militante, era motivo de ameaças,
desrespeito e preocupação por parte dos homens.
No quarto capítulo, intitulado Por que Lembrar das Flores?, Ana Paula analisa
outras mulheres e suas lutas na Paraíba, bem como as organizações as quais fizeram
parte. A referência da análise não deixou de ser Margarida, mas através do relato de
outras figuras, a autora pôde reconstituir o passado da camponesa, trazendo a tona
informações que reverberam o seu estudo. Nesse sentido, os nomes de Elizabeth
Teixeira e o de Maria da Penha (companheira política de Margarida Maria Alves) foram
mencionados pela autora como exemplos de lideranças importantes para os movimentos
campesinos da Paraíba. Contudo, essas mulheres não se tornaram importantes somente
pelas suas atitudes, mas pelos seus discursos que emanava com o caráter educativo pra
elas e pros que estivessem ao redor delas. A atuação dessas duas mulheres, portanto,
deslocava o sentido da educação da “esfera formal” para a esfera da experiência.
Para tanto, a autora se utiliza de outras vozes com o intuito de subsidiar o debate
sobre latifúndio/camponês e homem/mulher, que estão diretamente ligados as práticas
educativas das mulheres que aprenderam com Margarida, e depois de sua morte
continuaram atuando em prol de uma educação libertadora. Esse capítulo privilegia o
diálogo, que através das técnicas da História Oral, detecta duas mulheres (aparecem no
texto com nomes fictícios) que estava no Fórum Social Nordestino em 2004, onde Ana
Paula estava atuando com uma oficina. Essas figuras são entrevistadas com a finalidade
de apreender o contexto estudado na dissertação a partir da representação de Margarida
Maria Alves. Nesse momento, a autora assume o papel de facilitadora do diálogo com
as militantes, que conheceram a líder sindical e atuaram com ela em Alagoa Grande/PB.
As entrevistadas frisaram o discurso de Margarida como uma segurança e um
sustentáculo para os camponeses, cuja confiança rendeu a ela a liderança do movimento
por muitos anos. As ameaças que recebeu nos últimos dias de vida são as respostas dos
latifundiários ao seu discurso encorajador e desafiante. As propostas dos homens do
poder à Margarida era o de deixar o discurso, abandonar ao seu posto e voltar ao “seu
papel original”: o de mulher submissa. Entretanto, como que prevendo a morte, ela se
fez eterna ao dizer era melhor morrer na luta do que morrer de fome.

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