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Afinal, existe algum aspecto positivo no modelo da Escola

Tradicional?

Fernando Henrique Protetti*

Resumo: O artigo apresenta elementos de reflexão sobre o campo da educação


escolar, relativo às distintas teorias pedagógicas e suas concepções sobre o
processo do trabalho educativo. Objetiva-se compreender a relação entre o
modelo pedagógico da Escola Tradicional e o debate existente com outras
perspectivas pedagógicas, na procura de responder a questão que corresponde ao
título do artigo: afinal, existe algum aspecto positivo no modelo pedagógico da
Escola Tradicional? Inicialmente, realiza-se a exposição do modelo pedagógico
da Escola Tradicional, na definição dos elementos singulares do seu método de
ensino. No segundo momento, investigam-se as diferentes críticas recebidas pela
Escola Tradicional por meio da exemplificação de duas teorias pedagógicas,
Escola Nova e Pedagogia das Competências, com a intenção de identificar as
características comuns que envolvem ambas as críticas, a partir da tese que versa
sobre a existência de “pedagogias negativas”, a negação de tudo aquilo a que se
refere à Educação Tradicional. Finalmente procura-se responder através a
seguinte questão: a partir da consideração de que todas as críticas recebidas
figuram a Escola Tradicional como um modelo pedagógico atrasado e
anacrônico, será possível a existência de algum aspecto positivo nesta concepção
de trabalho educativo?
Palavras-chave: Teorias pedagógicas; Modelo pedagógico da Escola
Tradicional; Pedagogias negativas.

1. Considerações iniciais Inicialmente, realizarei uma sumária


exposição do modelo pedagógico da
Escola Tradicional pela definição das
Este artigo de caráter ensaístico objetiva raízes históricas e dos elementos
compreender o modelo pedagógico da singulares deste método de ensino. No
Escola Tradicional a partir das críticas segundo momento da análise,
realizadas por outras perspectivas apresentarei as diferentes críticas
pedagógicas, na procura de responder, recebidas pela Escola Tradicional por
no limite do texto, se existe algum meio da exemplificação de duas teorias
aspecto positivo no modelo pedagógico pedagógicas, a Escola Nova e a
da Escola Tradicional1. Pedagogia das Competências, com a
intenção de identificar as características
comuns que envolvem ambas as
1
A primeira versão deste texto foi apresentada
críticas. Finalmente, a partir da relação
no GT 6 - Educação, Capitalismo e Socialismo, entre o modelo pedagógico da Escola
integrante do 6º Colóquio Internacional Marx e Tradicional e as críticas elaboradas pela
Engels, promovido pelo Centro de Estudos Escola Nova e a Pedagogia das
Marxistas (Cemarx) e Instituto de Filosofia e Competências, procuro responder a
Ciências Humanas da UNICAMP em novembro
de 2009. Essa versão apresenta um refinamento
seguinte questão: considerando que as
teórico e analítico com relação ao texto anterior. críticas analisadas figuram a Escola

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Tradicional como um modelo Antigo Regime, e a preparação de
pedagógico atrasado e anacrônico, será cidadãos mais esclarecidos e ilustrados,
possível a existência de algum aspecto a Educação é defendida como um
positivo nesta concepção de trabalho direito de todos os indivíduos
educativo? (cidadãos) e um dever do Estado
Moderno. Para a efetivação deste direito
são criadas escolas, instituições
2. Escola Tradicional e o seu
educativas responsáveis pela instrução
método de ensino
de crianças e jovens desta nascente
sociedade. Segundo o educador
Compete previamente salientar o leitor
Dermeval Saviani (2000, p. 4), o papel
que esta investigação sobre a teoria
dessas instituições é a difusão da
pedagógica da Escola Tradicional
instrução e a transmissão dos
centra-se essencialmente no seu modelo
conhecimentos acumulados
laico. Esta advertência é necessária
historicamente pela humanidade.
visto que na maioria das vezes existe
uma disposição no campo científico da Para a efetivação deste processo de
Educação em conceituar e identificar a aprendizagem nas escolas é estabelecido
Escola Tradicional como um único oficialmente um determinado método de
modelo pedagógico de ensino. Acredito ensino que se torna hegemônico dentre
que este fenômeno pode obscurecer a os diferentes métodos pedagógicos
compreensão da existência de uma existentes2. Este método, denominado
diferenciação importante entre a Escola inicialmente pelas críticas da Escola
Tradicional de característica religiosa e Nova, e posteriormente por outras
a sua forma laica; a primeira com concepções pedagógicas, como
grande influência da Igreja Católica e os Tradicional, organiza-se de acordo com
valores da ordem social medieval, e a Saviani (2000, p. 4) do seguinte modo:
segunda livre das influências religiosas, O mestre-escola será o artífice
mas ligada ao Estado Moderno e aos dessa grande obra. A escola se
valores da nascente ordem social organiza como uma agência
burguesa capitalista. Satisfeita esta centrada no professor, o qual
distinção importante, inicio a análise transmite, segundo uma gradação
pelo processo de constituição histórica lógica, o acervo cultural aos alunos.
da Escola Tradicional laica e os A estes cabe assimilar os
aspectos relativos ao seu método de conhecimentos que são
ensino. transmitidos.
A origem dos “sistemas nacionais de
ensino” na Europa datada a partir de No método da Escola Tradicional, o
meados do século XIX insere-se no processo educativo tem sua centralidade
movimento mais amplo de superação da na figura do professor enquanto sujeito
ordem social feudal pela capitalista. responsável pelo ensino dos
Este momento histórico indica a conhecimentos universalmente elevados
ascensão da burguesia como nova classe (ciências, literatura, artes e filosofia)
social dominante consolidada no poder aos alunos, de modo gradual e
(econômico e político) e o próprio sistematizado. Para os alunos, o
entendimento que esta classe tem da
Educação e de seu papel social. 2
Destaco o método de ensino mútuo
Enquanto elemento-chave para a
(Lancasteriano) ou mesmo o método intuitivo
eliminação da ignorância, própria do (“Lição de Coisas”).

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processo educativo é representado pela O método de ensino da Escola
aquisição de conhecimentos de modo Tradicional, portanto, possibilita aos
gradual, realizado através do contato alunos o processo de aquisição do
com os grandes modelos da conhecimento de agir e refletir sobre a
humanidade, principalmente por aulas realidade social através do contato com
expositivas. O núcleo central e os grandes modelos culturais, grandes
aglutinador do método da Escola obras humanas universais, uma vez que
Tradicional é exatamente o a própria realidade social não é
procedimento educativo da apreendida pelo aluno no imediato de
confrontação do aluno com os grandes sua vida cotidiana. No entanto, vale
modelos das ciências, da literatura, das destacar duas dificuldades
artes e da filosofia; em outros termos: o experimentadas pelo aluno durante o
contato do aluno com os grandes processo de ensino conduzido pelo
patrimônios culturais produzidos pela professor, organizador e transmissor de
humanidade3. Como adverte o educador modelos:
francês George Snyders (1974, p. 17- a) A realidade (social,
18) no livro Pedagogia Progressista, política, econômica e cultural)
momento em que realiza a análise da apresenta-se ao aluno como uma
proposta Tradicional, multiplicidade de conhecimentos
não preparados para a sua
Educar é propor modelos, escolher objetivação de modo imediato. Este
modelos, conferindo-lhes uma fato impulsiona a organização do
clareza, uma perfeição, em suma, currículo e da didática, dimensão
um estilo que, através da realidade explorada pelo professor, já que os
do dia a dia, não será possível conhecimentos são apresentados de
atingir. [...] Trata-se sempre de forma gradual e sistematiza, daí o
colocar a criança face a face com o seu inevitável caráter superficial.
valor essencial que neste caso é a
presença da sociedade, a b) O recorrente e autoritário
consciência de fazer parte do grupo, exercício de autodomínio
o sentimento de que a sociedade ao (autocontrole) escolar estabelecido
mesmo tempo domina, ultrapassa o pelo próprio método pedagógico ao
indivíduo e constitui o melhor dele aluno. Apesar destas inerentes
mesmo. Educar é pôr o aluno em características, seu objetivo é
confronto com as “grandes idéias proporcionar ao aluno o domínio de
morais do seu tempo e do seu país” si mesmo, das suas paixões
[citação de Durkheim, do livro caracteristicamente egocêntricas.
Educação e Sociologia]. Destacam-se, neste sentido, os
exercícios da caligrafia,
procedimento pedagógico que cria
3
no aluno fatores como o
“Uma fórmula de Guéhenno [no Colóquio do autodomínio, a calma, a
Centro Internacional de Estudos Pedagógicos
regularidade e o equilíbrio físico e
em Sévres, em 1968], que deve, julgamos nós,
servir de base à reflexão sobre o ensino
intelectual. É certo que a criação
tradicional, é bem a síntese dos seus objetivos: desta disciplina pelo aluno servirá
‘Ponhamos os novos em face das grandes posteriormente para o seu contato
personagens, dos grandes artistas singulares. com os modelos, estabelecendo
Poderão assim ouvir a sua voz, reconhecer os assim, um valor moral com estes e
seus tormentos e é possível que se sintam uma aprendizagem de conduzir-se
possuídos do desejo de irem também até ao por si mesmo.
fundo de si mesmos’.” (SNYDERS, 1974, p. 16-
17).

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Nas considerações esboçadas acima aquilo que se refere à Educação
referentes aos fatores históricos e Tradicional. De tal modo,
pedagógicos da Escola Tradicional Elas [construtivismo, pedagogia do
percebe-se a existência de uma busca professor reflexivo, pedagogia das
por esta teoria pedagógica de competências, pedagogia dos
apresentação a todas as crianças e projetos e pedagogia
jovens do que existe de mais ativo e multiculturalista] podem ser
consideradas pedagogias negativas,
perfeito na cultura humana universal. O
na medida em que aquilo que
processo de aprendizagem, assim, guia- melhor as define é sua negação das
se no sentido de apreensão dos grandes formas clássicas de educação
modelos. Enfim, como observa Snyders escolar. Essa atitude negativa em
(1974, p. 47), é reconhecível relação à escola, seus métodos, suas
[...] a ousadia – extraordinária, se a práticas e seus conteúdos clássicos
entrevirmos por entre os hábitos e não é um fenômeno exclusivo do
rotinas – do ensino tradicional que final do século XX e início do
se propõe apresentar a todas as século atual. Ela remonta ao
crianças o que há de mais perfeito movimento escolanovista do início
numa cultura. Os modelos valem do século passado e, recuando mais
para todos, devem ser atingidos por no tempo, a Pestalozzi, Froebel
todos, podem ser atingidos por (ARCE, 2002), na primeira metade
todos. Não, evidentemente, todos os do século XIX, os quais tentaram
modelos. Algumas crianças colocar em prática as idéias
avançarão no que respeita a educacionais rousseaunianas. Essa
Pitágoras; outras, no que respeita a filiação das pedagogias
Balzac. Há modelos que hegemônicas na atualidade em
correspondem a uma relação aos ideais escolanovista não
especialização, a uma vocação deve ser vista, entretanto, como um
particular. Nem todas as crianças indicador de anacronismo das
lerão Mallarmé. Mas certos mesmas. Elas estão inteiramente em
modelos – os maiores sem dúvida – sintonia com o universo ideológico
são acessíveis a todas. Não há contemporâneo. As idéias
criança que não sinta alegria e defendidas por estas pedagogias,
elevação ao pôr-se em contacto mesmo quando sejam idéias com
com determinada obra prima. mais de um século de existências,
assumem novos sentidos dados
principalmente pelo contexto
3. Dois exemplos das críticas ideológico no qual predomina uma
recebidas pela Escola visão de mundo pós-moderna
Tradicional acrescida de elementos neoliberais
quase nunca admitidos como tal.
Neste momento, pretendo recuperar (DUARTE, 2007, p. 2)
algumas críticas efetuadas por outras
perspectivas pedagógicas à Escola Deste modo, investigarei a seguir as
Tradicional. Para isso, recorrerei à tese críticas recebidas pela Educação
de Newton Duarte (2007) que denomina Tradicional por duas teorias
diversas teorias pedagógicas enquanto pedagógicas; primeiro a Escola Nova e,
“pedagogias negativas”, pois posteriormente, a Pedagogia das
apresentam como característica Competências. Ambas as perspectivas
predominante o fato de negarem tudo inserem-se no universo contemporâneo
das “pedagogias negativas”. Neste
sentido, a investigação destas críticas

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será fundamentada em trabalhos transmitido ao aluno como no método
significativos de cada perspectiva da Escola Tradicional, mas sim,
pedagógica, com vista à apresentação vivenciado, experimentado e sentido. A
das concepções sobre o trabalho este respeito, Bloch (1951, p. 42-43,
educativo e à essência fundamental itálico do autor) argumenta que,
destas críticas à Escola Tradicional. Só há trabalho efetivamente
educativo, quando a criança resolve
3.1 A Escola Nova e sua crítica seus próprios problemas. Mas que
são esses problemas próprios senão
No primeiro capítulo do livro Filosofia os que nascem de suas próprias
da Educação Nova intitulado “A necessidades, da diferença que ela
Educação Nova” e publicado observa entre suas necessidades e
originalmente em 1948, Bloch (1951) as possibilidades de satisfazê-la?
apresenta os princípios da Escola Nova Retornamos, assim, ao princípio da
e seu método de ensino como uma educação funcional. A criança não
se instrue e todas as suas
tendência de superação e
possibilidades intelectuais não
aperfeiçoamento dos conhecimentos entram em ação, senão quando “tem
científicos no campo da Educação4. um problema seu e está ativamente
Com a fundamentação teórica ancorada ocupada em procurar e escolher
em autores como Dewey, materiais que lhe permitam resolvê-
Kerchensteiner e Claparède, Bloch lo” [citação de Dewey do livro A
(1951) defende uma concepção Escola e a criança].
educativa a partir do conceito de
“educação funcional”. Neste sentido, oposto a Escola
A “educação funcional”, para o autor, Tradicional, Bloch (1951, p. 59)
configura-se como toda e qualquer entende que
atividade educativa gerada pelas O movimento de educação nova
necessidades da própria criança e que reclama bem mais, exige que o
tem algum valor para a sua própria conhecimento dos interesses
preceda aos programas e lhes
realidade. Esta idéia do caráter
determine a estrutura e o conteúdo,
funcional do processo educativo que o interesse seja considerado de
encontra sua referência na concepção de começo e não acidentalmente
que a atividade do sujeito e por agregado depois; que a criança
extensão a sua educação deve ser trabalhe no que a interesse
desencadeada pelos seus problemas profundamente, em virtude das
reais. Consequentemente, a Educação é necessidades natas e radicais de sua
concebida com uma atividade com natureza, em lugar de tentar
características autogeradora, livre e interessá-la num trabalho prescrito
espontânea. O conhecimento, então, não independentemente delas.
deve ser aprendido, ensinado e/ou
É possível identificar nos excertos
4
A partir da expressão comum entre os acima destacados a defesa da superação
escolanovistas, de que a Escola Nova da Escola Tradicional, identificada
representaria similarmente uma Revolução como uma “pedagogia do esforço” e
Copernicana na Educação, Bloch (1951)
defende a idéia da passagem de uma concepção constituída de atividades não
onde o centro educativo estaria no professor e provenientes dos interesses da criança.
nos conteúdos, para uma mudança no processo Assim, a afirmação da perspectiva
educativo, onde a centralidade agora está no pedagógica da Escola Nova tem seu
aluno.

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núcleo central na defesa da “pedagogia da educação. (AZEVEDO et. al.,
do interesse”, fundamentada a partir do 1984, p. 416)
princípio pedagógico da “educação
funcional”. No excerto acima é evidente a
No Brasil, o princípio da “educação concepção já observada em Bloch
funcional” também está presente nas (1951) de que a Escola Nova avalia a si
primeiras críticas veiculadas ao método própria como uma teoria pedagógica de
pedagógico da Escola Tradicional. No caráter revolucionária, principalmente
início da década de 1930 o movimento pela defesa da concepção funcional do
escolanovista, constituído pela reunião processo educativo através do interesse
de vinte e seis importantes intelectuais do aluno. A “educação funcional”,
da época5, publica O Manifesto dos identificada como elemento essencial e
Pioneiros da Educação Nova (1932), inerente ao processo educativo
documento que sinaliza de modo escolanovista, novamente aparece como
enfático e explícito os fundamentos das núcleo aglutinador e teórico para as
críticas a Escola Tradicional. Segundo o críticas ao modelo pedagógico da
próprio Manifesto6, a Escola Nova ou Escola Tradicional, pois,
A nova doutrina, que não considera O que distingue da escola
a funcção educacional como uma tradicional a escola nova, não é, de
funcção de superposição ou de facto, a predominancia dos
acrescimo, segundo a qual o trabalhos de base manual e
educando é “modelado corporal, mas a presença, em
exteriormente” (escola tradicional), todas as suas actividades, do
mas uma funcção complexa de factor psychobiologico do
acções e reacções em que o espírito interesse, que é a primeira
cresce de “dentro para fóra”, condição de uma actividade ao
substitue o mecanismo pela vida educando (creança, adolescente
(actividade funccional) e transfere ou joven) a buscar todos os
para a creança e para o respeito da recursos ao seu alcance, “graças á
sua personalidade o eixo da escola e força de attracção das
o centro de gravidade do problema necessidades profundamente
sentidas”. E’ certo que,
deslocando-se por esta fórma, para
a creança e para os seus interesses,
5
Dentre eles, por exemplo, destacam-se moveis e transitorios, a fonte de
Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, inspiração das actividades
Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Roquete- escolares, quebra-se a ordem que
Pinto, Sampaio Dória, Almeida Júnior, Mario apresentavam-se os programmas
Casassanta, Atílio Vivaqua, Francisco Venâncio tradicionaes, do ponto de vista da
Filho, Edgar Süssekind de Mendonça, Armanda
logica formal dos adultos, para os
Alvaro Alberto, Cecília Meireles, entre outros.
6
Optei em conservar a ortografia em uso na pôr de accôrdo com a “logica
época. Vale ressaltar ao leitor que a análise das psychologica”, isto é, com a logica
críticas a Escola Tradicional presentes em O que se baseia na natureza e no
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova funcionamento do espírito infantil.
limita-se apenas ao conceito e fundamentos da (AZEVEDO et. al., 1984, p. 416,
educação na perspectiva escolanovista. Sem grifos meu)
dúvida, não deslegitimo princípios importantes
e originais defendidos neste documento no De tal modo, através desta breve
contexto da educação brasileira do período,
como a defesa por uma escola essencialmente
exposição procurei tornar mais evidente
pública, gratuita, obrigatória, laica e de o condicionante norteador (“educação
qualidade. funcional”) que alimenta algumas das

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críticas veiculadas pela Escola Nova a 1998 e 1999-2002), sobretudo pelos
Escola Tradicional e a defesa de idéias princípios que nortearam os
radicais como: “Parâmetros Curriculares Nacionais”
Não é imperioso ensinar (PCN’s) aprovados em 1997. Em
matemáticas, mas é necessário entrevista concedida à “Revista Nova
não ensinar, em todos os graus, Escola”, veículo de ampla circulação e
da escola maternal à impacto nas instituições educacionais
Universidade, senão o que brasileiras, Perrenoud apresenta uma
interesse, dando a esta palavra seu síntese de suas idéias pedagógicas de
inteiro sentido: o mais exigente e o modo claro e conciso, bem como suas
mais forte. (BLOCH, 1951, p. 74, críticas relativas ao modelo pedagógico
grifos meu) da Escola Tradicional.
As “competências” para Perrenoud
Ou ainda, que (2000) devem ser compreendidas
Professor e aluno devem viver em
através da distinção entre dominar
mundos iguais. O primeiro conhecimentos usados apenas para a
colaborando com seu conhecimento vida escolar e mobilizar conhecimentos
e sua experiência com o aluno que para a resolução de problemas práticos
aprende, enquanto este vivendo, da realidade do indivíduo. Neste
realmente, sua vida de “aprendiz”. sentido, as “competências” ligam-se às
Repetindo Cousinet, os métodos situações e às práticas contextualizadas
ativos atendem ao princípio de e são dependentes do contexto social,
que “quanto menos se é ensinado cultural e econômico de cada indivíduo,
mais se aprende porque ser sendo definidas exclusivamente pelas
ensinado é receber informações e
práticas dos próprios alunos e práticas
aprender é procurá-las”.
(CINTRA, 1973, p. 42, grifos meu)
sociais determinadas. Observa o autor
que “Competência é a faculdade de
mobilizar um conjunto de recursos
3.2 A Pedagogia das cognitivos (saberes, capacidade,
Competências e sua crítica informações etc.) para solucionar com
pertinência e eficácia uma série de
A Pedagogia das Competências, teoria situações” (PERRENOUD, 2000, p. 1).
pedagógica disseminada na década 1990 A partir desta noção de competência, a
no Brasil, está fundamentada crítica estabelecida a Escola Tradicional
especialmente pelos trabalhos do é de que este modelo pedagógico não
educador francês Philippe Perrenoud7. permite ao aluno, depois do processo de
De modo geral, é frequentemente escolarização, a mobilização dos
conhecida à ampla influência desta conhecimentos aprendidos na escola
concepção pedagógica nas políticas para sua prática cotidiana e profissional,
educacionais durante os dois governos ou seja, a própria realidade do
de Fernando Henrique Cardoso (1995- educando. Perrenoud (2000, p. 2, grifos
meu) destaca de modo claro sua crítica
7
Assessor do Banco Internacional para a a Escola Tradicional pela afirmação da
Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), Pedagogia das Competências: “luta-se
dentre seus livros mais expressivos destacam-se
Construir competências desde a escola, Dez
abertamente contra a tentação da escola:
competências para ensinar, Pedagogia de ensinar por ensinar, de marginalizar
Diferenciada: das intenções à ação e Prática as referências às situações da vida; e de
Reflexiva no Ofício do Professor, todos ao perder tempo treinando a
publicados no Brasil pela Editora Artmed.

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mobilização de saberes para situações modelo da Escola Tradicional, a
complexas.” Adverte ainda que “Os negação radical de tudo o que possa
professores devem parar de pensar que representar clássico na educação
dar o curso é o cerne da profissão. escolar: (1) os saberes mais
Ensinar, hoje, deveria consistir em desenvolvidos (saber objetivo), (2) o
conceber, encaixar e regular situações ensino de modelos “clássicos” no
de aprendizagem, seguindo os conhecimento humano (currículo) e (3)
princípios pedagógicos ativos a transmissão de conteúdos mais
construtivistas.” (PERRENOUD 2000, desenvolvidos aos alunos. A Escola
p. 3) Nova e a Pedagogia das Competências
É perceptível pela análise destas críticas ignoram a distinção fundamental entre o
que a Pedagogia das Competências que é tradicional e clássico na
defende uma concepção de trabalho Educação. Não consideram que
educativo na qual se desvaloriza o peso Tradicional é o que se refere ao
dos conteúdos disciplinares por um tipo passado, ao arcaico, ultrapassado, o
específico de competências adaptadas e que nos leva a combater a
provenientes da realidade social pedagogia tradicional e reconhecer
específica do aluno (regionalização do a validade de algumas críticas que a
ensino). Além disso, parece evidente Escola Nova formulou à pedagogia
sua concepção relativa ao processo de tradicional. No entanto, isso não
transmissão do conhecimento, elemento pode diminuir a importância do
fundamental do modelo da Escola elemento clássico na educação, pois
Tradicional. Na Pedagogia das este não se confunde com o
tradicional. Clássico é aquilo que
Competências o trabalho educativo é
resistiu ao tempo, logo sua validade
determinado pela valorização das extrapola o momento em que ele foi
formas de aprendizagem em que o aluno proposto. (SAVIANI, 2005, p. 101)
busca os conhecimentos para a
resolução de problemas práticos. Em
outros termos: uma aprendizagem Embora as críticas recebidas pela
orientada segundo a significância para o Escola Tradicional caracterizem-na
sujeito conhecedor. como um modelo pedagógico arcaico e
anacrônico que deve ser superado a
4. É possível existir algum qualquer custo, é possível apreender a
aspecto positivo na Escola existência de pelo menos um aspecto
Tradicional? positivo neste modelo pedagógico: o
ensino dos conteúdos escolares e
A investigação proposta neste artigo disciplinares a todos os alunos.
objetivou compreender, a partir dos A proposta da Escola Tradicional de
fundamentos históricos e pedagógicos ensinar de forma igualitária os
da Escola Tradicional e as críticas conteúdos mais desenvolvidos, no dizer
realizadas pela Escola Nova e de Snyders (1974) os grandes modelos
Pedagogia das Competências da humanidade, demonstra sua
(pedagogias negativas), a apreciação de radicalidade enquanto modelo
algum aspecto positivo na concepção do pedagógico que expressa a crítica da
trabalho educativo proposto pelo crítica, uma negação da negação das
modelo da Escola Tradicional. Ambas formas escolares dos períodos anteriores
as críticas partem de um princípio (antigo e feudal) em que prevaleciam a
epistemológico e pedagógico distinto do distinção e a desigualdade de acesso ao
conhecimento enquanto princípio

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norteador. Se “A pedagogia clássica tem CINTRA, M. A. Os Métodos Ativos e a Escola
plenamente razão em sua exigência de Nova. In: CASTRO, A. D. de (Org.). Didática
para a Escola de 1° e 2° Graus. 2. ed. São
cultura humana autêntica, em sua Paulo: Editora Edibel, 1973, p. 37-48.
convicção de que somente as leis
abstratas nos permitem compreender o DUARTE, N. O debate contemporâneo das
concreto, e de que as obras-primas do teorias pedagógicas. No prelo, 2007.
passado sempre nos iluminam o
PERRENOUD, P. A arte de construir
caminho” (REBOUL, 1974, p. 71), a competências. Revista Nova Escola. São Paulo,
defesa intransigente dos conteúdos Abril Cultural, set. 2000. Disponível em
escolares e disciplinares torna-se http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/docum
elemento essencial para efetivação do entos/espaco-virtual/espaco-educar/ensino-
ensino escolar, um dos aspectos fundamental/ensino-fundamental/fundamental-
I/artigos/entrev~2.pdf. Acesso em 15.10.2008.
principais da Educação. Fica claro então
que as críticas ao modelo da Escola REBOUL, O. Filosofia da Educação. São
Tradicional, tanto pela Escola Nova Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985.
como pela Pedagogia das
Competências, invertem questões SAVIANI, D. A Pedagogia Histórico-Crítica e a
Educação Escolar. In:______. Pedagogia
primárias por secundárias, valorizam o Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 9.
método em detrimento do ensino de ed. Campinas: Autores Associados, 2005, p. 89-
conteúdos. 103.

Referências ______. As teorias da educação e o problema da


marginalidade. In: ______. Escola e
AZEVEDO, F. de et. al. O Manifesto dos
Democracia. 33. ed. São Paulo: Cortez &
Pioneiros da Educação Nova. Revista
Autores Associados, 1989, p. 3-34.
Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 65, n.
150, p. 407-425, 1984.
SNYDERS, G. A educação tradicional. In:
_______. Pedagogia Progressista. Coimbra,
BLOCH, A. A educação Nova. In: ______.
Portugal: Livraria Almedina, 1974, p. 13-48.
Filosofia da Educação Nova. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1951, p. 35-48.

*
FERNANDO HENRIQUE PROTETTI é mestrando no Programa de Pós-Graduação em
"Educação Escolar" pela UNESP, Campus Araraquara (SP).

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