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FICHA TÉCNICA

TÍTULO : Pátria
AUTORIA : R. A. Salvatore
EDITOR : Luís Corte Real
Esta edição © 2015 Edições Saída de Emergência

Título srcinal Book One of the Dark Elf Trilogy © 1990 TSR, Inc.
Publicado srcinalmente nos EUA por TSR, Inc., 1990
TRADUÇÃO : Mário Matos
REVISÃO : Sofia Dias
DESIGN DA CAPA : Saída de Emergência
ILUSTRAÇÃO DA CAPA : Todd Lockwood
DATA DE EDIÇÃO E-BOOK : Março, 2015
ISBN : 978-989-637-753-3
EDIÇÕES SAÍDA DE EMERGÊNCIA
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INTRODUÇÃO

Por Ed Greenwood

Ah, os drow. Dedos esguios fechando-se em volta de um cálice de cristal fino,


encerrando um vinho brilhante em dedos tão escuros como as trevas a toda a
volta.… Lábios cruéis e mentes mortiferamente ágeis, com que não se deve
brincar.…
Os jogadores mais experientes lembram-se bem da pequena surpresa do final
dos módulos dos Gigantes, do elo que fazia deles apenas a primeira parte daquilo
que viria a ser a primeira aventura épica publicada para o jogo avançado de
Dungeons & Dragons. Essas aventuras levaram intrépidos aventureiros a ficar
cara a cara (e espada contra espada), pela primeira vez, contra os sinistros e
letais drow.
Os elfos negros com pele de obsidiana, magros, belos e cruéis, estavam entre
asaster
mais que
fascinantes
jogasse criações de Gary
ou espreitasse umGygax. Quase
jogo dos todo «D»
módulos o jogador Dungeon
queriaoumais: mais
sobre o estranho mundo do Underdark — do Subescuro — com os seus fungos e
as suas estranhas irradiações, as suas caravanas de lagartos. Por toda a parte
havia os drow, com as setas lançadas pelos pequenos arcos de mão avançando à
sua frente, com os pesados dardos dos seus atlatals seguindo-se depois, e com as
suas cruéis sacerdotisas de chicotes nas mãos, guinchando ordens na escuridão
de veludo.
O Cofre dos Drow foi a nossa primeira cidade subterrânea, e os jogadores
ficaram francamente fascinados pelos seus clãs em guerra e pelas Casas drow.
Reconhecíamos um vilão verdadeiro e letal quando o víamos — e acima de
todos, a sinistra Deusa Aranha, Lolth (ou, se preferirem, Lloth), com o seu
domínio em forma de teia e os seus portais para outros planos ou mundos, e as
suas yochlol. Mortífera, e no entanto fascinante.
Um dos que responderam ao seu suave e sinistro apelo foi Bob Salvatore.
Mais do que qualquer outro escritor, trouxe os drow à vida na página impressa,
dando-nos o heroísmo de Zaknafein Do’Urden e do seu famoso filho, Drizzt. Se
pusermos de parte as deusas aranhas, Drizzt é claramente o mais conhecido e
mais influente elfo negro, não apenas entre as gentes de superfície do mundo de

Forgotten Realms, mas em todos os jogos de fantasia. Tal como as aventuras que
apresentaram os drow eram clássicos, Drizzt é uma personagem clássica; nobre e
mortífero, torturado e no entanto triunfante — e que pode bem sobreviver-nos a
todos.
Foi minha orgulhosa tarefa dar aos jogadores regras e descrições dos elfos
negros, por mais de uma vez — mas foi Bob quem nos deu Menzoberranzan
com todaPátria
romance a sua. Foi
decadência,
Bob quemintrigas selvagens
nos mostrou ume elfo
negro esplendor,
negro no grande
a erguer-se dessa
cidade sinistra para coisas maiores, mais brilhantes. Nessas sagas, os leitores
encontraram inspiração, e é meu prazer apresentar as obras clássicas que estão
nestas páginas mais uma vez. Enquanto me recosto na cadeira, com a sombra de
Elminster acenando em concordância por detrás das minhas costas, invejo
aqueles que conhecerão Drizzt pela primeira vez aqui: a excitação está à espera
dessa gente afortunada. Pela minha parte, fico muito contente por Bob ter trazido
Drizzt para o meu mundo, para os Realms que todos agora partilhamos, e digo de
novo, como um amigo diria para outro: Tecedor de Lendas, eu te saúdo!
PREFÁCIO

Por R. A. Salvatore

Queriam Drizzt.
Os leitores da trilogia Icewind Dale queriam Drizzt; o pessoal da TSR queria
Drizzt; e — bem, para ser honesto quanto a isso — eu também o queria. Queria
descobrir de onde tinha ele vindo, e por que razão tinha agido daquela forma
durante as três histórias de Icewind Dale1: semi-louco, a maior parte do tempo
com boa disposição, mas com um lado negro. Sei que isso soa estranho; estamos
aqui a falar de uma personagem de ficção, e de uma personagem que eu criei;
por isso, não deveria o passado dele ter uma importância mínima, ou ser talvez
completamente irrelevante? Não poderia eu fazer dele aquilo que desejasse?
Numa só palavra: não.
É isso que é interessante nas personagens de ficção: têm tendência para se
tornar reais — e não apenas reais para as pessoas que as lêem, mas
surpreendentemente tridimensionais também para o autor. Acabo sempre por
amar, odiar, admirar ou desprezar as personagens que crio nos meus livros. Para
que isso aconteça, cada uma delas tem de agir de forma consistente no âmbito
das suas experiências, quer esses acontecimentos apareçam ou não no livro.
Assim, quando a minha editora da TSR me telefonou, em finais de 1989 ou
inícios de 1990, pouco tempo antes da publicação de The Halfling’s Gem, e me
propôs que fizesse mais uma trilogia, sendo esta a pormenorizar o passado de
Drizzt Do’Urden, isso quase não me surpreendeu. Os livros da Icewind Dale
tinham sido bastante bem sucedidos. Sabia, pelas muitas cartas que tinha
recebido e pelas muitas pessoas com quem tinha falado em sessões de
autógrafos, que Drizzt, por qualquer razão, se destacava das outras personagens.
Nessa altura, recebia em média dez cartas de leitores por semana, e pelo
menos oito de entre essas dez afirmavam que Drizzt era a personagem favorita.
Perguntavam-me repetidamente como tinha ele chegado aonde estava e como se
tornara aquilo que era. O pessoal da TSR, evidentemente, também andava a
ouvir as mesmas perguntas.
Assim, pediram-me uma trilogia que antecedesse a anterior e, como tenho três
filhos para sustentar, e porque estava nessa altura a planear deixar o meu
emprego de dia ainda nesse ano (o que acabei por fazer em Junho de 1990), e
acima de tudo porque também eu queria esclarecer o mistério por detrás desta
personagem, aceitei de bom grado.
Sabia onde Drizzt fora concebido, evidentemente; no meu gabinete, no meu
emprego de dia. E sabia quando ele tinha nascido: Julho de 1987, logo a seguir a
ter sido
de ter aceite a minha
começado proposta
realmente o livro. The Crystal Shard, e mesmo antes
de escrever
a escrever
Foi um dos mais estranhos episódios da minha carreira de escritor. Na altura
em que comecei a escrever o que me tinha sido proposto, o cenário de Forgotten
ealms não era mais do que um protótipo e um único romance, o excelente
Darkwalker on Moonshae, de Doug Niles. Quando a TSR me pediu que
escrevesse um livro para os Realms, mandou-me tudo o que tinham, e que
consistia em… Darkwalker on Moonshae. Assim, acabei por acreditar que as
Ilhas Moonshae eram o cenário de Dark Realms.
Bom, as Moonshae não são um sítio assim tão grande. Qualquer narrativa
épica a ter lugar nessa região, nessa altura, teria de, pelo menos, mencionar o
enredo e personagens do excelente livro de Doug. Fiquei encantado com a ideia
de trabalhar com Douglas Niles, mas não queria roubar-lhe as personagens.
Cheguei a uma solução de compromisso que implicava usar Daryth, do livro de
Doug, para apresentar o herói do meu livro: Wulfgar, filho de Beornegar, das
tribos bárbaras de Icewind Dale.
Quando mais tarde descobri o verdadeiro tamanho e amplitude dos Realms e
me foi dito que a TSR não queria partilhar personagens (como tinham feito na
saga Dragonlance), fiquei verdadeiramente aliviado, e a coisa ficou por aí — por

algum tempo.
Depois, a proposta foi aceite e, quando Mary Kirchoff, então editora sénior do
departamento editorial da TSR, me disse que eu iria escrever o segundo livro dos
Forgotten Realms, lembrou-me que agora que tínhamos colocado o cenário do
livro a milhares de quilómetros do território de Doug, precisava de uma
personagem complementar para Wulfgar. Garanti-lhe que iria pegar nisso de
imediato e voltaria com alguma ideia na semana seguinte.
— Não, Bob — respondeu-me, usando palavras que pareço ouvir com
bastante frequência da parte dos meus editores. — Não está a perceber. Vou
agora mesmo para uma reunião, para vender esta proposta. Preciso de uma
personagem complementar.
— Agora? — respondi eu, com a ingenuidade de quem nunca estivera no
mundo da edição.
— Agora mesmo — respondeu-me, com uma certa malícia.
E foi então que aconteceu. Não sei como. Não sei porquê. Simplesmente
respondi:
— Um drow.
Houve uma pausa, seguida das palavras, num tom vagamente hesitante:
— Um elfo negro?
— Pois — respondi, ganhando mais confiança, à medida que a personagem
começava a ganhar uma forma mais definida na minha cabeça. — Um ranger
drow.
A pausa foi mais longa, desta vez. Depois, quase num sussurro, com o receio
de ter de ir contar isto aos chefes evidente no tom de voz, perguntou-me:
— E como se chama ele?
— Drizzt Do’Urden, de Daermon N’a’shezbaernon, Nona Casa de
Menzoberranzan.
— Ah… — outra pausa. — Podes soletrar-me isso?
— Nem por sombras.
— Um ranger drow?
— Pois.
— Drisst? — perguntou.
— Drizzt — corrigi eu, pela primeira de 7,3 milhões de vezes.
— Muito bem — concordou a confundida editora, provavelmente pensando

queMas
poderia fazer-me mudar
não conseguiu, claro.de ideias
Isto é umamais tarde.
homenagem a Mary Kirchoff: deixava a
pessoa criativa que contratava tratar das coisas criativas e depois esperava para
ver os resultados, antes de puxar pelo machado (o que nunca chegava a
acontecer).
Assim nasceu Drizzt. Alguma vez o fiz correr num jogo? Não. Há alguém em
quem o tenha baseado? Não. Simplesmente apareceu, inesperadamente, com
muito pouca conjectura prévia. Era para ser uma personagem complementar,
afinal de contas; uma peça curiosa com um ligeiro desvio. Sabem como é: como
Robin está para Batman, ou Kato para A Vespa Verde.
Não foi assim que acabou por acontecer. No primeiro capítulo de The Crystal
Shard, Drizzt corria pela tundra e era emboscado por um iéti. Na página três eu
á sabia.
Drizzt seria a estrela de tudo aquilo.
Estava agora, pois, pronto para me sentar e escrever a trilogia, para contar a
história deste ranger
conhecêramos drow,Icewind
na trilogia de como tinha
Dale acabado
. Queria fazerpor ser a personagem
qualquer que
coisa diferente,
algo mais intenso e mais pessoal. Dado que adoro descrever acção, e
especialmente cenas de batalha, não queria escrever os livros de um ponto de
vista de primeira pessoa. Tive a ideia dos ensaios que Drizzt escreve para
prefaciar cada secção dos livros, e penso que terei recebido mais cartas sobre
esses ensaios do que alguma vez recebi sobre qualquer outra coisa que tenha
escrito.
À medida que a trilogia de Drizzt começava a ganhar forma, surgiram
algumas inconsistências. Isso já era de esperar. A forma como tinha adquirido a
pantera, ou mesmo a sua idade, tal como tinha sido descrito na trilogia Icewind
Dale, não parecia adequado à existência anterior dele. Decidi que a trilogia Elfo
egro não deveria ser limitada por aquilo que tinha sido dito antes, e por isso, se
o leitor olhar com atenção, verá que alguns pormenores mudaram em edições
subsequentes de The Crystal Shard.
Suponho que isso seja apropriado, dado que esta história — que em breve
contará com onze livros, quatro contos, e que ainda está a crescer — parece ter
uma vida própria. É uma coisa em crescimento e em mutação e nem sempre
avança nas direcções que previra. Pensei que estava morta e, pasme-se, está a

respirar de que
fim, quero novo, tãoa história
toda forte como
sejaantes. Voue crível
coerente ter de dentro
cortar do
aquicontexto
e ali, porque, no
do género
de fantasia.
A verdade, pura e simples, é que escrevi esta história por apenas uma razão:
queria contá-la. Queria que as pessoas a apreciassem.
Espero que o leitor aprecie.
1 Nota de tradutor: A personagem de Drizzt do’Urden surgiu pela primeira vez na trilogia Icewind Dale
constituída pelos livros The Crystal Shard, Streams of Silver e The Halfling’s Gem (que a Saída de
Emergência publicará brevemente). A Trilogia do Elfo Negro consiste numa prequela escrita posteriormente
que revela as srcens de Drizzt.
MAPA MENZOBERRANZAN
PRELÚDIO

unca uma estrela agracia esta terra com a luz tremeluzente de mistérios de um
poeta, nem o Sol manda para aqui os seus raios de calor e de vida. Isto é o
Subescuro, o mundo secreto por debaixo da palpitante superfície dos Reinos
Esquecidos, cujo céu é um tecto de pedra sem coração e cujas paredes mostram
o cru cinzento da morte à luz dos archotes dos loucos habitantes da superfície
que tenham a infelicidade de aqui cair. Este não é o mundo deles, não é o mundo
da luz. A maioria dos que aqui vêm sem ter sido convidados já não regressa.
Aqueles que conseguem escapar e regressar à segurança dos seus lares da
superfície, esses regressam alterados. Os seus olhos viram as trevas e o sombrio
agoiro do Subescuro.
Escuros corredores serpenteiam pelo reino do negrume, por percursos
sinuosos que ligam cavernas grandes e pequenas, com tectos altos ou baixos.
Picos de pedra tão afiados como os dentes de um dragão adormecido apontam
para baixo numa ameaça muda, ou erguem-se para bloquear o caminho dos
intrusos.
Há aqui um silêncio profundo e aziago, o sussurro de um predador contido,
prestes a saltar. Demasiadas vezes, o único som, a única coisa que relembra aos
viajantes do Subescuro que não perderam por completo o sentido da audição, é o
eco de um distante pingar de água, batendo como o coração de uma fera,
correndo por entre as pedras escorregadias até aos profundos lagos de água
gelada do Subescuro. O que haverá para lá da superfície, imóvel como ónix,
desses lagos, apenas se pode tentar adivinhar. Que segredos esperam os bravos,
que horrores aguardam os tolos, apenas a imaginação pode revelar — até que a
imobilidade seja perturbada.
Isto é o Subescuro.
Há aqui bolsas de vida; cidades tão grandes como as da superfície. Dobrada
alguma das incontáveis esquinas e curvas da pedra cinzenta, um viajante poderia
subitamente dar consigo no perímetro de uma dessas cidades, em contraste total
com o vazio dos corredores. Estes sítios não são, porém, portos de abrigo; só o
viajante mais insensato o poderia presumir. São o lar das mais malignas raças de
todos os Reinos e, entre elas, das mais notórias: os duergar, os kuo-toa e os
drow.
Numa dessas cavernas, com três quilómetros de largura e trezentos metros de
altura, ergue-se Menzoberranzan, um monumento à graça do outro mundo,
derradeiramente mortífera, que caracteriza a raça dos elfos drow.
Menzoberranzan não é uma grande cidade, pelos padrões drow: apenas vinte mil
elfos negros aqui vivem. Onde, em eras passadas, houve uma caverna vazia com
estalactites
artístico, come fila
estalagmites
após fila detoscamente formadas,naergue-se
castelos esculpidos agora onuma
pedra, pairando engenho
aura
de magia. A cidade é perfeição de formas, em que nem uma pedra foi deixada na
sua aparência srcinal. Este sentido de ordem e de controlo, porém, não passa de
uma cruel fachada, de uma ilusão enganadora que esconde o caos e a maldade
que regulam os corações dos elfos negros. Tal como as suas cidades, são um
povo belo, elegante e delicado, com feições angulosas e ameaçadoras. Contudo,
os drow são os senhores deste mundo sem regras, os mais fatais de entre os
mortíferos, e todas as outras raças tomam cautelosa atenção à sua passagem. A
própria beleza empalidece diante da ponta da espada de um elfo negro. Os drow
são os sobreviventes, e isto é o Subescuro, o vale da morte — a terra dos
pesadelos sem nome.
Estatuto: em todo o mundo dos drow, não há palavra mais importante do
que esta. É o chamamento da sua — da nossa — religião, o incessante
apelo das esfaimadas fibras do coração. A ambição domina o bom senso
e diante dela a compaixão é deitada fora, e tudo em nome de Lolth, a
Rainha Aranha.
A ascensão ao poder na sociedade drow é um simples processo de
assassinato. A Rainha Aranha é uma deidade do caos, e ela e as suas
altas sacerdotisas, as verdadeiras governadoras do mundo drow, não
vêem com maus olhos os indivíduos ambiciosos que carregam punhais
envenenados.
Evidentemente, há regras de comportamento; toda a sociedade tem de
fazer gala de as ter. Cometer assassinato abertamente ou fazer a guerra é
chamar a si o simulacro da justiça, e as penas aplicadas em nome da
justiça drow são impiedosas. Cravar um punhal nas costas de um rival
durante o caos de uma batalha maior, ou nas sossegadas sombras de uma
viela, contudo, é algo de muito aceitável — até mesmo aplaudido. A
investigação não é o forte da justiça drow. Ninguém se rala o suficiente
para que alguém se dê ao trabalho de o fazer.
Estatuto é o caminho de Lolth, a ambição que ela alimenta para manter
o caos, para manter os seus «filhos» drow no rumo desejado de auto-
cativeiro. Filhos? Peões, mais correctamente; marionetas da Rainha
Aranha, bonecos presos pelos fios imperceptíveis, mas inquebráveis, da
sua teia. Todos sobem as escadas da Rainha Aranha; todos caçam para
seu prazer; e todos caem presas dos que andam à caça do seu prazer.
Estatuto é o paradoxo do mundo da minha gente, a limitação do nosso
poder dentro da nossa fome de poder. É ganho por meio de traição e
convida à traição contra aqueles que a ganham. Os mais poderosos de
entre os de Menzoberranzan passam os seus dias espreitando por cima do
ombro, à cata dos punhais que poderão encontrar a caminho das suas
costas. Geralmente, as suas mortes ocorrem pela frente.
— Drizzt Do’Urden
A um habitante da superfície poderia passar imperceptível, mesmo estando
apenas a vinte centímetros de distância. Os pés almofadados do lagarto que lhe
servia de montada eram demasiado suaves para serem ouvidos, e a armadura
flexível e perfeitamente manufacturada que tanto ele como a montada
envergavam dobrava-se e encolhia-se com os movimentos de ambos, tão bem
como um fato que tivesse crescido colado às suas peles.
O lagarto de Dinin trotava num passo leve, mas rápido, flutuando por cima do
solo irregular, pelas paredes, e até correndo pelo tecto do longo túnel. Os
lagartos subterrâneos, com os seus pés pegajosos e macios de três dedos, eram a
montada de eleição, simplesmente por causa desta capacidade para escalarem as

pedras
deixavacom tanta
rastos facilidade
no mundo como uma
iluminado aranha. Atravessar
da superfície, mas quaseterreno
todas assólido não
criaturas
do Subescuro possuíam infravisão, a capacidade para ver no espectro infra-
vermelho. As pegadas deixavam um resíduo de calor que podia ser facilmente
detectado, se seguissem um rumo previsível ao longo do chão de um corredor.
Dinin firmou-se com força à sela, enquanto o lagarto corria por uma parte do
tecto e depois se lançava numa descida em ziguezague até um ponto mais
adiante da parede. Dinin não queria ser seguido.
Não tinha luz que o guiasse, mas também não precisava de nenhuma. Era um
elfo negro, um drow, um primo de pele de ébano daquelas gentes silvânias que
dançavam debaixo das estrelas na superfície do mundo. Para os olhos superiores
de Dinin, que traduziam subtis variações de calor por imagens vívidas e
coloridas, o Subescuro estava longe de ser um lugar sem luz. As cores de todo o
espectro deslizavam diante dele na pedra das paredes e do chão, aquecidas por
alguma fissura distante ou alguma corrente de ar quente. O calor das coisas vivas
era o mais discernível, o que permitia ao elfo negro ver os seus inimigos em
pormenores tão intricados como os que qualquer habitante da superfície poderia
ver à luz plena do dia.
Normalmente, Dinin não deixaria a cidade sozinho; o mundo do Subescuro
era demasiado perigoso para passeios solitários, até mesmo para um elfo drow.
Este dia, porém, era diferente. Dinin tinha de ter a certeza de que nenhum olhar
drow inimigo dava pela sua passagem.
Um suave fulgor mágico azul, tremeluzindo por detrás de uma arcada
trabalhada, disse ao drow que estava perto da entrada da cidade, e por isso fez
abrandar o passo do lagarto. Poucos usavam este estreito túnel, que dava para
Tier
a nãoBreche, secção norte
ser as mestras de Menzoberranzan,
e mestres, dedicada à Academia;
instrutores da Academia, e ninguém,
podia passar por aqui
sem atrair as suspeitas.
Dinin ficava sempre nervoso quando chegava a este ponto. Das centenas de
túneis que davam para a caverna principal de Menzoberranzan, este era o melhor
guardado. Para lá da arcada, estátuas gémeas de gigantescas aranhas montavam
uma sentinela silenciosa. Se um inimigo passasse, as aranhas animavam-se e
atacavam, e soavam alarmes por toda a Academia.
Dinin desmontou, deixando o lagarto confortavelmente alapado a uma parede,
à altura do seu peito. Enfiou a mão por baixo do colarinho do piwafwi, a capa
mágica de protecção, e retirou a bolsa de trazer ao pescoço. Daí tirou a insígnia
da Casa Do’Urden, uma aranha segurando várias armas em cada uma das oito
patas, e gravada com as letras «DN», de Daermon N’a’shezbaernon, designação
antiga e formal da Casa Do’Urden.
— Esperarás aqui pelo meu regresso — sussurrou Dinin para o lagarto,
enquanto lhe mostrava a insígnia. Como acontecia com todas as casas drow, a
insígnia da Casa Do’Urden continha vários encantamentos mágicos, um dos
quais dava aos membros da família um controlo absoluto sobre os animais da
casa. O lagarto obedecer-lhe-ia infalivelmente, mantendo a sua posição como se

estivesse
dormitasseenraizado
a poucosna pedra, e mesmo
centímetros das suasque um gordo rato, seu petisco favorito,
mandíbulas.
Dinin respirou fundo e avançou com desenvoltura até à arcada. Podia ver as
aranhas observando-o de cima, da sua altura de três metros. Era um drow da
cidade, não um inimigo, e podia passar por qualquer outro túnel sem
preocupações, mas a Academia era um lugar imprevisível; Dinin já ouvira dizer
que as aranhas muitas vezes recusavam a entrada — ferozmente — até mesmo a
drow, se não tivessem sido convidados.
Não podia ser atrasado por receios e possibilidades, lembrou a si próprio. O
seu assunto era da máxima importância para os planos de batalha da família.
Olhando em frente, e para longe das aranhas ameaçadoras, passou por elas e
chegou ao solo da Tier Breche.
Desviou-se para um lado e esperou, primeiro para se assegurar de que não
havia ninguém à espreita por perto, e depois para admirar a vista arrebatadora de
Menzoberranzan. Ninguém, fosse drow ou não, jamais olhara a partir deste local
sem uma
ponto sensação
mais elevadodedo
maravilhamento
chão da cavernaperante a cidade
de três drow. Tier
quilómetros, Breche era
permitindo umao
vista panorâmica do resto de Menzoberranzan. O recinto da Academia era
estreito, contendo apenas três estruturas que compunham a escola drow: Arach-
Tinilith, a escola em forma de aranha de Lolth; Sorcere, a torre graciosamente
recurvada e espiralada da feitiçaria; e Melee-Magthere, a estrutura piramidal um
pouco feia onde os guerreiros masculinos aprendiam o seu ofício.
Para lá de Tier Breche, através das colunas de estalagmites ornamentadas que
marcavam a entrada para a Academia, a caverna descia rapidamente na distância
e abria-se largamente, indo até bem para lá da linha de visão de Dinin, a ambos
os lados, e mais longe do que os seus olhos podiam ver. As cores de
Menzoberranzan eram triplamente fortes para os sensíveis olhos do drow. Os
padrões de calor de várias fissuras e fontes quentes rodopiavam por toda a
caverna. Púrpuras e vermelhos, amarelos vivos e azuis subtis, todas as cores se
cruzavam e mesclavam, corriam pelas paredes e pelas estalagmites, ou
deslizavam singularmente em linhas entrecruzadas contra o fundo de pedra
cinzenta e pálida. Mais restritas do que esta graduação natural e generalizada de
cores do espectro infravermelho eram as regiões de magia intensa, como as
aranhas por que Dinin acabara de passar, e que brilhavam virtualmente de

energia. Pordas
iluminadas fim,casas.
haviaOs
as drow
verdadeiras
tinhamluzes da cidade,
orgulho fogodos
na beleza feérico
seus edesenhos,
esculturase
colunas especialmente ornamentadas ou gárgulas perfeitamente esculpidas
estavam quase sempre banhadas em luz mágica permanente.
Mesmo desta distância, Dinin conseguia divisar a Casa Baenre, Primeira Casa
de Menzoberranzan. Contava com vinte pilares de estalagmite e metade desse
número em estalactites gigantescas. A Casa Baenre existira durante cinco mil
anos, desde a fundação de Menzoberranzan, e durante todo esse tempo os
trabalhos de aperfeiçoamento da arte da casa nunca tinham parado. Praticamente
cada centímetro da imensa estrutura brilhava de fogo feérico, azul nas torres
mais avançadas e púrpura brilhante na enorme cúpula central.
A luz crua de velas, estranhas ao Subescuro, tremeluzia por detrás de algumas
anelas das casas mais distantes. Só as sacerdotisas ou os magos podiam acender
esses fogos — como Dinin bem sabia —, que eram uma pena necessária no seu
mundo de pergaminhos e rolos.
Istovinte
aqui; era Menzoberranzan, a cidade
mil soldados do exército do dos
mal.drow. Vinte mil elfos negros viviam
Um sorriso perverso passou pelos lábios finos de Dinin quando pensou em
alguns dos soldados que haveriam de morrer nessa noite.
Dinin estudou Narbondel, o enorme pilar central que servia de relógio de
Menzoberranzan. Narbondel era a única maneira que os drow tinham de marcar
a passagem do tempo, num mundo que, a não ser assim, não conhecia a
passagem de dias ou estações. Ao fim de cada dia, o Arquimago nomeado pela
cidade lançava os seus fogos mágicos para a base deste pilar de pedra. O feitiço
aí permanecia ao longo de todo o ciclo — um dia completo, à superfície — e
espalhava gradualmente o calor pela estrutura de Narbondel, até que toda ela
rebrilhasse a vermelho no espectro infravermelho. O pilar estava agora
completamente escuro, arrefecido desde que os fogos do mágico tinham
expirado. Outro mago estaria agora precisamente junto à base do pilar, calculou
Dinin, pronto para reiniciar o ciclo.
Era meia-noite, a hora combinada.
Dinin afastou-se das aranhas e da saída do túnel e avançou cautelosamente por
um lado de Tier Breche, procurando as «sombras», ou padrões de calor da
parede, que esconderiam eficazmente o contorno das temperaturas do seu

próprio corpo.entre
estreita viela Chegou
a basepor fim da
curva a Sorcere,
torre e a aparede
escolaexterior
de feitiçaria,
de Tiere Breche.
deslizou pela
— Estudante ou mestre? — chegou-lhe o já esperado sussurro.
— Só um mestre pode caminhar no exterior de Tier Breche, durante a morte
negra de Narbondel — respondeu Dinin.
Uma figura pesadamente envolta numa capa contornou o arco da estrutura
para se colocar à frente de Dinin. O estranho ficou na posição habitual de um
mestre da Academia drow, com os braços à frente e dobrados pelos cotovelos, as
mãos unidas, uma em cima da outra, diante do peito.
Essa pose era a única coisa que parecia normal a Dinin neste mestre.
— Saudações, ó Sem Rosto — disse Dinin, por sinais, no código gestual e
silencioso da linguagem drow, tão pormenorizada como a palavra falada. O
tremor nas suas mãos traía porém a calma aparente do rosto, pois a visão deste
feiticeiro deixava-o mais perto do limite dos nervos do que alguma vez estivera.
— Segundo Rapaz Do’Urde — respondeu o feiticeiro no código gestual. —
Tens
— o Serás
meu pagamento?
recompensado — gesticulou Dinin secamente, recuperando a
compostura das primeiras manifestações do seu temperamento. — Atreves-te a
duvidar das promessas de Malice Do’Urden, Matrona Mãe de Daermon
’a’shezbaernon, Décima Casa de Menzoberranzan?
O Sem Rosto recuou, sabendo que tinha errado.
— As minhas desculpas, Segundo Rapaz Do’Urden — respondeu, caindo
sobre um joelho numa atitude de rendição. Desde que alinhara com esta
conspiração, o feiticeiro receara que a sua impaciência lhe custasse a vida. Fora
apanhado pelos violentos efeitos de uma das suas próprias experiências mágicas,
tendo-lhe essa tragédia derretido todos os traços faciais e deixado apenas um
ponto em branco de massa viscosa e esverdeada. A Matrona Malice Do’Urden,
reputadamente mais hábil do que qualquer outro habitante da cidade na mistura
de poções e mezinhas, oferecera-lhe uma réstia de esperança de que não podia
prescindir.
Nenhuma piedade encontrou caminho até ao coração empedernido de Dinin,
mas a Casa Do’Urden precisava do feiticeiro.
— Terás a tua mezinha — prometeu Dinin calmamente. — Assim que Alton
DeVir esteja morto.

— Comcruzou
Dinin certezaos—braços
concordou o feiticeiro.
e ponderou — EstaAnoite?
a questão. Matrona Malice dera-lhe
instruções de que Alton DeVir deveria morrer assim que a batalha entre as
famílias começasse. Esse cenário parecia agora demasiado limpo, demasiado
fácil a Dinin. O Sem Rosto não deixou de perceber a faísca que subitamente
iluminou a aura púrpura dos olhos sensíveis ao calor do jovem Do’Urden.
— Espera até que a luz de Narbondel se aproxime do zénite — respondeu
Dinin, com as mãos afadigando-se excitadamente nos sinais, e com o esgar
assemelhando-se cada vez mais a um sorriso retorcido.
— Deverá o rapaz condenado saber do destino da sua Casa antes de morrer?
— perguntou o feiticeiro, adivinhando as maliciosas intenções por detrás das
instruções de Dinin.
— Quando o golpe fatal estiver para se abater sobre ele — respondeu Dinin
—, que Alton DeVir morra sem esperança.
Dinin regressou à sua montada e galopou pelos corredores vazios, encontrando
um caminho de intersecção que o levaria por outra entrada até à cidade. Entrou
pelo lado leste da grande caverna, a secção de produção alimentar de
Menzoberranzan, onde nenhuma família de Menzoberranzan veria que tinha
estado fora dos limites de cidade e onde apenas alguns pilares de estalagmite se
erguiam acima da pedra lisa. Dinin esporeou a montada ao longo das margens do
Donigarten, o pequeno lago da cidade, com a sua pequena ilha coberta de
musgos que albergava uma manada de tamanho razoável de criaturas
semelhantes a gado chamadas rothe. Uma centena de duendes e de orcs desviou
o olhar dos seus deveres de pastar e pescar para seguir a passagem veloz do
drow. Sabendo das suas restrições enquanto escravos, tomaram o cuidado de não
olhar Dinin nos olhos.
Dinin não lhes teria prestado qualquer atenção, de qualquer forma. Estava
demasiado assoberbado pela urgência do momento. Esporeou o lagarto para uma
velocidade ainda maior, quando já se encontrava de novo nas planas e sinuosas
avenidas entre os castelos brilhantes dos drow. Dirigiu-se para a região centro-
sul da cidade, para o jardim de cogumelos gigantes que delimitava a secção das
melhores casas de Menzoberranzan.
Ao sair de uma curva apertada, quase atropelou um grupo de quatro bugbears
errantes. As gigantescas e peludas criaturas-duendes pararam por um momento,
para observar o drow, e depois desviaram-se de forma ostensivamente lenta do
seu caminho.
Os bugbears tinham-no reconhecido como membro da Casa Do’Urden, como
Dinin percebeu. Era um nobre, um filho de uma alta sacerdotisa, e o seu apelido,
Do’Urden, era o nome da sua casa. Dos vinte mil elfos negros de
Menzoberranzan, só cerca de mil eram nobres, sendo na verdade filhos das
sessenta e sete famílias reconhecidas da cidade. Os restantes eram soldados
comuns.
Os bugbears não eram criaturas estúpidas. Distinguiam um nobre de um
comum, e ainda que os elfos drow não usassem as insígnias de família à vista, o
corte em bico e bem arranjado dos seus cabelos brancos e o padrão distinto de
linhas vermelhas e púrpura do seu piwafwi preto disse-lhes o suficiente para
saberem quem ele era.
A urgência da missão pressionava Dinin, mas não poderia ignorar o gesto dos
bugbears.
ou de umaAdasquesete
velocidade teriam dispersado,
casas governantes? se fosse membro da Casa Baenre
— interrogou-se.
— Já vão aprender a respeitar a Casa Do’Urden! — sussurrou o elfo negro,
enquanto fazia o lagarto dar a volta e carregar sobre os bugbears. Estes
começaram a correr, entrando por uma viela pejada de pedras e lixo.
Dinin ficou satisfeito ao invocar os poderes inatos da sua raça. Convocou um
globo de escuridão — impenetrável tanto para a visão normal, como para a visão
infravermelha — e lançou-o no caminho das criaturas em fuga. Calculou que
fosse pouco sensato chamar dessa forma as atenções para si próprio, mas um
momento depois, quando ouviu os trambolhões e as imprecações surdas dos
bugbears a tropeçarem às cegas nas pedras, sentiu que tinha valido a pena correr
esse risco.
Com a ira saciada, pôs-se de novo a caminho, seguindo um percurso mais
cauteloso pelas sombras de calor. Como membro da décima casa da cidade,
Dinin podia andar por onde quisesse na enorme caverna, sem que ninguém o
questionasse, mas a Matrona Malice tinha deixado bem claro que ninguém
ligado à Casa Do’Urden deveria ser apanhado perto do jardim dos cogumelos.
Não era aconselhável zangar a Matrona Malice, mãe de Dinin; mas, afinal de
contas, tratava-se apenas de uma regra. Em Menzoberranzan, havia uma regra

queNoseextremo
sobrepunha a todas
sul do asdos
jardim outras, que eramomenores:
cogumelos, impetuosonão ser apanhado.
drow encontrou aquilo
que procurava: um grupo de cinco enormes pilares que iam do chão até ao tecto
e que tinham sido escavados interiormente, transformando-se num labirinto de
câmaras; estavam ligados por parapeitos de pedra e metal e por pontes. Gárgulas
que brilhavam a vermelho, e que eram o padrão da casa, olhavam fixamente para
baixo, instaladas numa centena de nichos, como sentinelas silenciosas. Esta era a
Casa DeVir, Quarta Casa de Menzoberranzan.
Um aglomerado de cogumelos altos pejava este local, sendo um em cada
cinco deles um uivante, um fungo senciente, assim chamado (e preferido como
guardião) devido aos agudos gritos de alarme que emitia sempre que um ser vivo
passava por ele. Dinin manteve uma distância cautelosa, não querendo despertar
um dos uivantes, e sabendo também que outros e mais mortíferos guardas
protegiam a fortaleza. A Matrona Malice trataria desses.
Um murmúrio expectante pairava no ar desta secção da cidade. Era do
conhecimento
DeVir, já não de todosnasemboas
estava Menzoberranzan queaaRainha
graças de Lolth, Matrona Ginafae,
Aranha, da Casa
deidade de
todos os drow e verdadeira fonte de força de todas as Casas. Tais circunstâncias
nunca eram discutidas abertamente entre os drow, mas toda a gente que sabia
disto estava à espera que alguma família mais baixa na hierarquia da cidade em
breve haveria de atacar a debilitada Casa DeVir.
A Matrona Ginafae e a sua família tinham sido os últimos a saber do
desagrado da Rainha Aranha — pois esses eram os modos de sempre de Lolth —
e Dinin conseguiu perceber, apenas por sondar o exterior da Casa DeVir, que
esta família condenada não tivera muito tempo para erguer defesas de monta.
DeVir contava com quase quatrocentos soldados, muitos deles femininos, mas
todos os que Dinin agora conseguia ver nos seus postos ao longo dos parapeitos
pareciam nervosos e inseguros.
O sorriso de Dinin rasgou-se ainda mais quando pensou na sua própria casa,
cujo poder crescia de dia para dia sob a orientação astuta da Matrona Malice.
Com as suas três irmãs a aproximarem-se rapidamente do estatuto de altas
sacerdotisas, com o irmão já feiticeiro com provas dadas e com o seu tio
Zaknafein, melhor mestre de armas de toda a Menzoberranzan, atarefado a
treinar os trezentos soldados, a Casa Do’Urden era uma força preparada. E a

Matrona Malice, ao contrário de Ginafae, contava com a total confiança da


Rainha Aranha.
— Daermon N’a’shezbaernon — murmurou Dinin, usando a ancestral e
formal referência à Casa Do’Urden. — Nona Casa de Menzoberranzan.
Gostou de como isto soava.
Do outro lado da cidade, logo depois da varanda brilhando como prata e da
entrada em arco que subia a seis metros de altura na parede ocidental da caverna,
estavam os principais da Casa Do’Urden, reunidos para delinear os planos finais
do trabalho dessa noite. Na cadeira elevada ao fundo da sua pequena sala de
audiências estava sentada a Matrona Malice, com a barriga protuberante e nas
suas horas finais de gravidez. Ladeando-a nos lugares de honra estavam as três
filhas, Maya, Vierna e Briza — a mais velha, recentemente ordenada alta
sacerdotisa de Lolth. Maya e Vierna pareciam versões mais novas da mãe —
magras e enganadoramente pequenas, muito embora possuidoras de grande
força.
— Briza,para
enorme, porém, quase não
os padrões trazia
drow — eem si semelhanças
arredondada de família.
nos ombros e nasEra grande
ancas. Os
que conheciam Briza calculavam que o seu tamanho era meramente uma
circunstância decorrente do temperamento; um corpo mais pequeno
simplesmente não conseguiria conter a ira e os acessos de brutalidade da nova
alta sacerdotisa da Casa Do’Urden.
— Dinin deve estar a regressar, por esta altura — notou Rizzen, actual patrono
da família —, para nos informar se este é o momento certo para atacar.
— Partiremos antes que Narbondel encontre o seu brilho matinal! —
respondeu-lhe bruscamente Briza, na sua voz profunda, mas cortante como uma
lâmina. Depois dirigiu um sorriso malévolo à mãe, procurando obter dela a
aprovação por ter posto o macho no seu lugar.
— A criança chega esta noite — explicou a Matrona Malice ao ansioso
marido. — Partiremos, sejam quais forem as notícias que Dinin trouxer.
— Será um rapaz — resmungou Briza, sem fazer nenhum esforço por ocultar
o seu desapontamento. — O terceiro filho vivo da Casa Do’Urden.
— Para ser sacrificado a Lolth — acrescentou Zaknafein, antigo patrono da
sua casa, que agora mantinha a importante posição de mestre de armas. O destro
combatente drow parecia bastante agradado com o pensamento do sacrifício, tal

como
era o Nalfein, o filho
primogénito, maisprecisava
e não velho da família,
de maisque estava ao lado
concorrência parade Zak.deNalfein
além Dinin
dentro das fileiras da Casa Do’Urden.
— De acordo com os costumes — regozijou-se Briza, enquanto o vermelho
dos seus olhos rebrilhava — e para ajudar à nossa vitória.
Rizzen remexeu-se desconfortavelmente.
— Matrona Malice — atreveu-se a dizer —, conheces bem as dificuldades do
parto. Não poderá a dor distrair-te…
— Como te atreves a questionar a Matrona Mãe? — disparou imediatamente
Briza, deitando a mão ao chicote com cabeças de serpente tão confortavelmente
enrolado — e contorcendo-se — no seu cinto.
A Matrona Malice fê-la parar, estendendo uma mão.
— Aprecia o combate — disse a Matrona a Rizzen. — E deixa que as fêmeas
da casa tratem dos aspectos importantes da batalha.
Rizzen mudou de posição e baixou os olhos.
Dinin chegou à vedação magicamente erguida que ligava a barbacã da parede
ocidental da cidade a duas pequenas torres de estalagmite da Casa Do’Urden, e
que formavam o pátio do edifício. A vedação era de adamantite, o metal mais
forte do mundo, e a adorná-la havia cem gravações de aranhas armadas, cada
uma delas enfeitiçada com glifos e encantamentos mortais. O imponente portão
da Casa Do’Urden era a inveja de muitas casas drow, mas vendo-a logo depois
das casas espectaculares junto ao jardim dos cogumelos, Dinin só conseguiu
sentir desapontamento quando olhou para a sua própria morada. O complexo era
feio e de certo modo despido, tal como a secção de parede, com a notável
excepção da varanda de admantite e mihtral que corria ao longo do segundo
nível, junto à entrada em arco reservada à nobreza da família. Cada balaustrada
dessa varanda exibia mil gravações, todas mescladas numa única peça de arte.
A Casa Do’Urden, ao contrário da grande maioria das casas de
Menzoberranzan, não estava erguida isolada entre grupos de estalagmites e
estalactites. O grosso da estrutura ficava dentro de uma gruta, e embora essa
disposição fosse sem dúvida defensável, Dinin deu consigo a desejar que a
família pudesse mostrar um pouco mais de grandeza.
Um soldado excitado correu a abrir o portão ao Segundo Rapaz que
regressava. Dinin passou por ele rapidamente, sem sequer uma palavra de
saudação, e atravessou o pátio, consciente dos mais de cem olhares curiosos que
o seguiam. Os soldados e os escravos sabiam que a missão dele nessa noite tinha
algo a ver com a batalha que se esperava.
Nenhuma escadaria levava à varanda prateada do segundo nível da Casa
Do’Urden. Também isso era uma medida de precaução concebida para segregar
os chefes da casa dos escravos e da populaça. Os nobres drow não precisavam de
escadas; outra manifestação das suas capacidades mágicas inatas conferia-lhes o
poder da levitação. Sem praticamente nenhuma consciência desse acto, Dinin
deslizou rapidamente pelo ar e pousou na varanda.
Apressou-se pelas arcadas e até ao corredor principal da casa, que estava
fracamente iluminado pelas tonalidades suaves de fogo feérico, permitindo a
visão no espectro normal de luz, mas não suficientemente fortes para impedir o
uso da visão de infravermelhos. A porta metálica ornamentada ao fim do
corredor marcava o destino do Segundo Rapaz, e fez uma pausa diante dela para
permitir
corredor,aos seusdoolhos
a sala outroregressarem
lado dessa ao espectro
porta infravermelho.
não tinha Ao contrário
nenhuma iluminação. Eradoa
sala de audiências das altas sacerdotisas, a antecâmara da grande capela da Casa
Do’Urden. As salas sacerdotais drow, de acordo com os ritos negros da Rainha
Aranha, não eram locais de luz.
Quando sentiu que estava preparado, Dinin empurrou a porta e entrou,
passando entre as duas guardas sem hesitação e avançando ousadamente até ficar
de pé diante da mãe. Todas as três filhas da família semicerraram os olhos
quando viram o seu impetuoso e convencido irmão. Entrar sem permissão! Dinin
sabia que era isso que estavam a pensar. Se ao menos fosse ele quem iria ser
sacrificado nesta noite!
Por muito que gostasse de esticar a corda das limitações do seu estatuto
inferior de macho, Dinin não podia ignorar as danças ameaçadoras de Vierna,
Maya e Briza. Sendo fêmeas, eram maiores e mais fortes do que ele, e todas as
suas vidas tinham treinado o uso dos maléficos poderes sacerdotais drow. Dinin
observou as extensões encantadas das sacerdotisas, os temidos chicotes com
cabeças de serpente: presos às cinturas das suas irmãs, começavam a contorcer-
se em antecipação dos castigos que poderiam aplicar. Os punhos eram de
adamantite e bastante vulgares, mas a extensão dos chicotes e as múltiplas

cabeças
maligno eram serpentes
de seis cabeças,vivas. O chicote
dançava de Briza,enrolando-se
e contorcia-se, em especial,em
umnós
dispositivo
em volta
do cinto que o segurava. Briza era sempre a mais rápida a castigar.
A Matrona Malice, no entanto, parecia agradada pela entrada de Dinin. O
Segundo Rapaz sabia bastante bem qual era o seu lugar, na sua opinião, e seguia
as ordens sem medo e sem questionar.
Dinin reconfortou-se com a calma do rosto da mãe, bem oposta aos rostos
aquecidos até ao branco brilhante das três irmãs.
— Está tudo pronto — disse-lhe. — A Casa DeVir está concentrada dentro
dos seus aposentos, excepto Alton, evidentemente, que está a fazer os seus
estudos em Sorcere.
— Encontraste-te com o Sem Rosto? — perguntou a Matrona Malice.
— A Academia estava muito sossegada esta noite — respondeu Dinin. — O
nosso encontro correu na perfeição.
— Concordou com o nosso contrato?

se —
da Alton
ligeiraDeVir será tratado
alteração como
que fizera aosdeve ser de
planos — riu-se Dinin.
Matrona Depois,
Malice, lembrou-a
retardando
execução de Alton para seu próprio prazer e para uma crueldade ainda maior.
Esse pensamento evocou outra lembrança: as altas sacerdotisas de Lolth tinham
um enervante talento para ler as mentes. — Alton morrerá esta noite —
completou rapidamente a resposta, tranquilizando as outras, antes que o
sondassem em busca de mais pormenores.
— Excelente — rosnou Briza.
Dinin respirou um pouco mais facilmente.
— Para o antro — comandou a Matrona Malice.
Os quatro machos drow ajoelharam-se diante da Matrona e das suas filhas:
Rizzen perante Malice, Zaknafein perante Briza, Nalfein perante Maya e Dinin
perante Vierna. As sacerdotisas cantaram em uníssono, colocando uma mão
delicadamente sobre a testa do seu respectivo soldado, sintonizando-se com a
paixão deles.
— Conhecem os vossos lugares — disse a Matrona Malice quando a
cerimónia terminou. Depois, fez um esgar devido à dor de mais uma contracção.
— Que o nosso trabalho comece.
Menos de uma hora mais tarde, Zaknafein e Briza estavam juntos na varanda, lá
fora, por cima da entrada superior para a Casa Do’Urden. Por baixo deles, no
chão da caverna, a segunda e a terceira brigadas do exército da família, as de
Rizzen e de Nalfein, afadigavam-se a equipar-se com correias de couro e placas
de metal — camuflagem contra uma forma distinguível de elfos para olhos drow
sensíveis ao calor. O grupo de Dinin, a força de ataque inicial que incluía uma
centena de duendes escravos, já tinha partido havia muito.
— Seremos conhecidos depois desta noite — disse Briza. — Ninguém
suspeitaria de que uma décima casa se atrevesse a ir contra outra tão poderosa
como a Casa DeVir. Quando os rumores se espalharem após o serviço sangrento
desta noite, até Baenre terá em conta Daermon N’a’shezbaernon!
Inclinou-se na varanda para ver as duas brigadas a formar fileiras e a começar
a avançar, em silêncio, por caminhos separados que as levariam através da
sinuosa cidade até ao jardim dos cogumelos e à estrutura de cinco pilares da
Casa DeVir.
Zaknafein
desejando olhou
mais do para as costas
que enfiar da um
nelas filhapunhal.
mais velha
Comodasempre,
Matronaporém,
Malice,o nada
bom
senso de Zak manteve as suas bem treinadas mãos no lugar.
— Tens os artigos? — inquiriu Briza, mostrando para com Zak bastante mais
respeito do que quando a Matrona Malice estava protectoramente sentada ao seu
lado. Zak era apenas um macho, um comum a quem fora permitido usar o nome
da família como seu, porque por vezes servira a Matrona Malice em modos
maritais e em tempos fora patrono da casa. Mesmo assim, Briza receava zangá-
lo. Zak era o mestre de armas da Casa Do’Urden, um macho alto e musculado,
mais forte do que a maioria das fêmeas, e aqueles que já tinham visto a sua ira
em combate consideravam que estava entre os melhores guerreiros de qualquer
dos sexos em toda a Menzoberranzan. Para além de Briza e da sua mãe, ambas
altas sacerdotisas da Rainha Aranha, Zaknafein, com a sua destreza sem rival no
uso da espada, era um trunfo da Casa Do’Urden.
Zak pôs para trás o capuz negro e abriu a pequena bolsa do cinto, mostrando
várias pequenas esferas cerâmicas.
Briza sorriu com maldade e esfregou as mãos esguias.
— A Matrona Ginafae não ficará nada contente — murmurou.
Zak devolveu-lhe o sorriso e virou-se, para ver os soldados que partiam. Nada

dava ao mestre
sacerdotisas de armas maior prazer do que matar elfos drow, e especialmente
de Lolth.
— Prepara-te — disse Briza, daí a uns minutos.
Zak sacudiu os cabelos espessos da cara e ficou rígido, com os olhos
firmemente fechados. Briza moveu uma mão lentamente, iniciando o cântico que
activaria o dispositivo. Tocou num ombro de Zak, depois no outro, e depois
manteve a varinha imóvel sobre a cabeça dele.
Zak sentiu os borrifos gélidos caindo sobre ele, penetrando-lhe as roupas e a
armadura, e até mesmo a pele, até que ele e tudo o que tinha consigo arrefeceu a
uma temperatura e tom uniformes. Zak odiava o arrefecimento mágico — dava
uma sensação que imaginava que seria como a de estar morto —, mas sabia que,
sob a influência daquele borrifo da varinha, ficava indetectável aos olhos
sensíveis ao calor das criaturas do Subescuro, tão cinzento como a pedra comum,
e impossível de ser notado.
Zak abriu os olhos e estremeceu, mexendo os dedos para se assegurar de que
ainda podiam
á estava desempenhar
a meio a sua arte
do segundo ao máximo. que
encantamento, Olhouerade anovo para Briza,Este
convocação. que
demoraria um pouco, e por isso Zak encostou-se à parede e voltou a reflectir
sobre a tarefa agradável, embora perigosa, que tinha por diante. Que amável da
parte da Matrona Malice deixar todas as sacerdotisas da Casa DeVir para ele!
— Está feito — anunciou Briza ao fim de alguns minutos. Guiou o olhar de
Zak para a escuridão abaixo do tecto invisível da imensa caverna.
Zak avistou logo o trabalho de Briza: uma corrente de ar que se aproximava,
tingida de amarelo e mais quente do que o ar normal da caverna. Uma corrente
de ar vivo.
A criatura, uma conjuração de um plano elementar, rodopiou até pairar logo
abaixo da borda da varanda, esperando obedientemente as ordens da
convocadora.
Zak não hesitou. Saltou para o meio do torvelinho, deixando que este o
mantivesse suspenso acima do chão.
Briza deu-lhe uma saudação final e mandou-o embora.
— Boa luta — disse para Zak, embora este já estivesse invisível no ar por
cima dela.
Zak riu-se perante a ironia das palavras de Briza, enquanto a cidade de

Menzoberranzan rodopiava
sacerdotisas da Casa DeVir por baixo dele.
tão mortas quantoBriza queria
ele, mas por certamente as
razões muito
diferentes. Pondo de parte todas as complicações, Zak mataria também
alegremente todas as sacerdotisas da Casa Do’Urden.
O mestre de armas pegou numa das suas espadas de adamantite, uma arma
drow magicamente criada e incrivelmente afiada.
— Sim, boa luta… — murmurou.
Se ao menos Briza soubesse como seria boa…
Dinin notou com satisfação que todos os bugbears vagabundos, ou quaisquer
outros elementos das várias raças que compunham Menzoberranzan, incluindo
drow, agora se apressavam a fugir do seu caminho. Desta vez, o Segundo-Rapaz
da Casa Do’Urden não estava só. Quase sessenta soldados da Casa marchavam
em fileiras cerradas atrás dele. Depois deles, igualmente ordenados, embora com
muito menos entusiasmo, vinha uma centena de escravos ou raças menores
armados — duendes, orcs e bugbears.
Não podia haver dúvidas, para quem os via: uma casa drow avançava para a
guerra. Isto não era um acontecimento de todos os dias em Menzoberranzan, mas
também não era nada de inesperado. Pelo menos uma vez em cada década, uma
Casa decidia que a sua posição na hierarquia da cidade podia ser melhorada
através da eliminação de outra casa. Era um empreendimento arriscado, porque
todos os nobres da casa «vítima» tinham de ser eliminados e rápida e
discretamente. Bastava que um deles sobrevivesse para fazer uma acusação
contra o perpetrador, e a casa atacante seria erradicada pelo sistema de «justiça»
impiedoso de Menzoberranzan.
Se o ataque fosse executado com perfeição, porém, não haveria repercussões.
Toda a cidade, incluindo o Conselho Governante das oito mães principais,
aplaudiria secretamente os atacantes pela sua coragem e inteligência, e nem mais
uma palavra seria dita sobre o incidente.
Dinin tomou um atalho, não querendo seguir o caminho mais curto entre a
Casa Do’Urden e a Casa DeVir. Meia hora mais tarde, pela segunda vez nessa
noite, esgueirou-se pelo extremo sul do jardim dos cogumelos, até ao grupo de
estalagmites que sustentava a Casa DeVir. Os seus soldados seguiam em fila
atrás dele, ansiosos, preparando as armas e avaliando bem a estrutura que tinham
à frente.
Os escravos eram mais lentos nos seus movimentos. Muitos deles olhavam em
redor, em busca de uma via de fuga, pois sabiam, no fundo, que estavam
condenados nesta batalha. No entanto, receavam mais a ira dos elfos negros do
que a própria morte, e não tentariam fugir. Como todas as saídas de
Menzoberranzan estavam protegidas por perversa magia drow, para onde
haveriam de ir? Todos eles tinham testemunhado os castigos brutais que os elfos
drow impunham aos escravos recapturados. A uma ordem de Dinin, saltaram
para as suas posições em volta da cerca de cogumelos.
Dinin meteu
aquecida. Fez o aobjecto
mão na grande
brilhar por bolsa e retirou
três vezes de si,
atrás de lá faiscante
uma folhano de metal
espectro
infravermelho, para assinalar a aproximação das brigadas de Nalfein e de
Rizzen. Depois, com o habitual exibicionismo, fê-lo girar no ar rapidamente,
apanhou-o e voltou a colocá-lo no segredo da bolsa que escondia o calor.
Respondendo ao sinal, a brigada drow de Dinin posicionou os dardos encantados
nos seus pequenos arcos e apontou aos alvos designados.
Um em cada cinco cogumelos era um uivante, e cada dardo continha um
encantamento mágico capaz de calar o rugido de um dragão.
— Dois,… Três… — contou Dinin, com a mão a assinalar o ritmo, uma vez
que nenhuma palavra poderia ser ouvida dentro da esfera de silêncio mágico em
que as suas tropas estavam encerradas. Imaginou o «clique» da corda esticada do
pequeno arco ao ser libertada, lançando o dardo para o cogumelo uivante mais
próximo. E assim aconteceu a toda a volta da Casa DeVir, com a primeira linha
de alarme sistematicamente silenciada por três dúzias de dardos encantados.
Entretanto, no outro lado de Menzoberranzan, a Matrona Malice, as suas filhas e
quatro das sacerdotisas comuns da casa estavam reunidas no malévolo círculo de
oito de Lolth. Oravam a um ídolo da sua malvada divindade, um baixo-relevo de
uma aranha com rosto de drow numa pedra preciosa, e pediam a Lolth que as
ajudasse nas suas lutas.
Malice estava sentada à cabeceira, numa cadeira preparada para o parto. Briza
e Vierna ladeavam-na, com Briza a segurar-lhe uma mão.
O grupo selecto cantava em uníssono, combinando as energias num único
feitiço ofensivo. Um momento mais tarde, quando Vierna, mentalmente ligada a
Dinin, percebeu que o primeiro grupo de ataque estava em posição, o círculo de
oito da Casa Do’Urden enviou as primeiras ondas de energia mental intrusivas
para a casa rival.
A Matrona Ginafae, as suas duas filhas e as cinco principais sacerdotisas das
tropas comuns da Casa DeVir reuniram-se na antecâmara escura da capela
principal da casa das cinco estalagmites. Tinham-se reunido ali numa prece
solene todas as noites desde que a Matrona Ginafae soubera que tinha caído em
desgraça junto de Lolth. Ginafae compreendia o quanto a sua casa estava
desprotegida até poder encontrar maneira de apaziguar a Rainha Aranha. Havia
mais sessenta
atrever-se e oitoa Casa
a atacar casas DeVir
em Menzoberranzan,
quando esta se das quais vinte
encontrava poderiam
em tão óbvia
desvantagem. As oito sacerdotisas estavam agora ansiosas, suspeitando, de
alguma forma, que esta noite seria cheia de acontecimentos.
Ginafae sentira-o primeiro, como um sopro gelado de confusas percepções
que a levaram a gaguejar durante a sua prece de pedido de perdão. As outras
sacerdotisas da Casa DeVir olharam nervosamente para ela perante o invulgar
atabalhoar das palavras da Matrona, procurando confirmação.
— Estamos sob ataque — sussurrou-lhes Ginafae, com a cabeça já a doer-lhe
surdamente sob o ataque crescente das poderosas sacerdotisas da Casa
Do’Urden.
Um segundo sinal de Dinin pôs as tropas escravas em movimento. Continuando
a usar a camuflagem como aliada, correram silenciosamente para a cerca de
cogumelos e abriram caminho por ela com as espadas de gume largo. O
Segundo-Rapaz da Casa Do’Urden observava e apreciava enquanto o pátio da
Casa DeVir era assim facilmente invadido.
— Uma guarda não muito bem preparada… — murmurou num sarcasmo
silencioso perante as gárgulas que brilhavam a vermelho nos muros altos. As
estátuas tinham parecido uma guarda tão aterradora antes, nessa noite… Agora,
limitavam-se a olhar, impotentes.
Dinin percebeu a expectativa crescente, mas comedida, dos soldados que o
rodeavam; a sua sede de combate drow mal se conseguia conter. De vez em
quando, havia um sinal de uma morte, quando um dos escravos tropeçava num
glifo de vigia, mas o Segundo-Rapaz e os outros drow apenas se riam perante
esse espectáculo. As raças menores eram apenas a carne para canhão do exército
da Casa Do’Urden. A única razão para trazer os goblinóides até à Casa DeVir era
para activarem as armadilhas mortais e as defesas ao longo do perímetro,
abrindo o caminho para os elfos drow, que eram os verdadeiros soldados.
A cerca estava agora aberta e o secretismo foi posto de parte. Os soldados da
Casa DeVir depararam com os escravos invasores, enfrentando-os no recinto.
Dinin mal tinha erguido a mão para dar ordem para o ataque quando os seus
ansiosos sessenta guerreiros drow saltaram e carregaram, com os rostos
contorcidos por uma aura de malvadez, brandindo ameaçadoramente as armas.

umaPorém,
últimasustiveram o assalto
tarefa atribuída. no momento
Todos certo, lembrando-se
os drow, nobres de que tinham
ou comuns, possuíam certas
capacidades mágicas. Convocar uma orbe de escuridão, como Dinin fizera com
os bugbears na rua, pouco antes nessa noite, era coisa que até o mais vulgar dos
elfos drow conseguia fazer facilmente. E assim acontecia agora, com sessenta
soldados da Casa Do’Urden escurecendo o perímetro da cerca da Casa DeVir
com orbe após orbe de escuridão.
Apesar de todas as precauções e medidas furtivas, a Casa Do’Urden sabia que
muitos olhos estavam a observar o ataque. As testemunhas não eram grande
problema; não poderiam identificar, nem se dariam a esse incómodo, a casa
atacante. Mas os costumes e as regras exigiam que certas tentativas de manter o
secretismo fossem seguidas, de acordo com a etiqueta drow de fazer a guerra.
o piscar de um olho vermelho faiscante de drow, a Casa DeVir tornou-se, para
o resto da cidade, uma mancha negra na paisagem de Menzoberranzan.
Rizzen aproximou-se por trás do filho mais novo.
— Está a correr bem — gesticulou na intricada linguagem de dedos dos drow.
— Nalfein já entrou pelas traseiras.
— Uma vitória fácil — gesticulou em resposta o arrogante Dinin. — Desde
que a Matrona Ginafae e as suas sacerdotisas sejam mantidas à distância.

— eConfia
filho seguiunaasMatrona Malice
suas tropas — foi
através a resposta
da cerca de Rizzen.arrombada.
de cogumelos Bateu no ombro do

Muito acima do núcleo da Casa DeVir, Zaknafein pairava confortavelmente nos


braços de ar do servo aéreo de Briza, observando enquanto o drama se
desenrolava. Desse ponto privilegiado de observação, Zak conseguia observar o
interior do anel de escuridão e conseguia ouvir no interior do anel de silêncio
mágico. As tropas de Dinin, que eram as primeiras tropas drow a entrar, tinham
encontrado resistência atrás de cada porta e estavam a ser fortemente batidas.
Nalfein e a sua brigada, as tropas da Casa Do’Urden mais experientes em
práticas de magia, entraram pela cerca das traseiras do complexo. Relâmpagos e
bolas mágicas de ácido abateram-se no pátio, na base das estruturas da Casa
DeVir, abatendo simultaneamente os escravos da Casa Do’Urden e as suas
próprias defesas.
Na parte da frente do pátio, Rizzen e Dinin comandavam os melhores
guerreiros
pôde da Casa Do’Urden.
Zak perceber As bênçãos
quando a batalha de Lolth
começou estavam
em força, com
pois os agolpes
sua casa,
dos
soldados da Casa Do’Urden eram mais rápidos do que os dos seus inimigos, e a
sua pontaria mostrava-se mais certeira. Em minutos, a batalha já estava a ser
travada no interior de todos os cinco pilares.
Zak estendeu o incessante vento para fora dos braços e pôs o servo aéreo em
acção. Mergulhou na sua cama de ar e depois deixou-se cair livremente nos
últimos metros para o terraço por cima dos aposentos principais do pilar central.
De imediato, dois guardas, um deles uma fêmea, se apressaram a vir ao seu
encontro.
No entanto, hesitaram, confusos, tentando perceber a verdadeira forma
daquele borrão cinzento — e demoraram demasiado.
Nunca tinham ouvido falar de Zaknafein Do’Urden. Não sabiam que a morte
se estava a abater sobre eles.
O chicote de Zak disparou como um raio, enrolando-se na garganta da fêmea,
enquanto a outra mão conduzia a espada numa série de golpes e defesas com
mestria, que deixaram o macho desequilibrado. Zak acabou com ambos num
único movimento, atirando a fêmea enrolada no chicote para fora do terraço com
um golpe do punho, e desferindo ao mesmo tempo um golpe na cara do macho

queZak
o deixou
entrou prostrado no chão
então, e outro da caverna.
guarda foi ao seu encontro mas caiu aos seus pés.
Zak deslizou pela parede da torre de estalactite, com o seu corpo arrefecido a
misturar-se perfeitamente com a pedra. Soldados da Casa DeVir corriam por
todo o lado, à sua volta, tentando descortinar alguma defesa contra a legião de
intrusos que já tinha conquistado os níveis mais baixos de toda a estrutura e que
á tinha tomado por completo dois dos pilares.
Zak não estava preocupado com eles. Calou o tilintar das armas de
adamantite, os gritos de ordens e os uivos de morte, concentrando-se, em vez
disso, num único som que o levaria até ao seu destino: um cântico frenético, em
uníssono.
Descobriu um corredor vazio coberto de relevos de aranhas e que corria até ao
centro do pilar. Tal como na Casa Do’Urden, este corredor terminava num
grande conjunto de portas duplas ornamentadas, com as decorações dominadas
por formas aracnídeas.

UmaDeve ser aqui
aranha — murmurou
gigante Zak,
correu para foraajustando o capuz sobre
do seu esconderijo a cabeça.
e aproximou-se de
lado.
Zak caiu para a frente e começou a pontapear aquela coisa, rolando até
conseguir enfiar a espada profundamente no corpo bulboso do monstro. Fluidos
pegajosos escorreram para o mestre de armas e a aranha estremeceu, num rápido
estertor de morte.
— Pois… — murmurou Zak, limpando os líquidos da aranha da cara. — Deve
ser mesmo aqui.
Empurrou o monstro morto de novo para dentro do esconderijo e enfiou-se
também lá dentro, esperançado de que ninguém tivesse dado pela luta.
Pelo som do retinir das armas, Zak conseguia perceber que os combates já
quase tinham chegado àquele andar. A Casa DeVir parecia agora, porém, ter as
suas defesas em posição, e estava finalmente a resistir.
— Agora, Malice — sussurrou, esperando que Briza, sintonizada com ele,
sentisse a sua ansiedade. — Não nos atrasemos!
a antecâmara sacerdotal da Casa Do’Urden, Malice e as suas subordinadas
continuavam o brutal ataque mental contra as sacerdotisas da Casa DeVir. Lolth
ouvia as suas preces mais fortes do que as das suas adversárias, dando às
sacerdotisas da Casa Do’Urden os encantos mais poderosos nesse combate
mental. Já tinham conseguido facilmente colocar as suas inimigas numa posição
defensiva. Uma das sacerdotisas menores do círculo de oito da Casa DeVir tinha
sido esmagada pelas insinuações mentais de Briza e jazia morta no chão, a
poucos centímetros dos pés da Matrona Ginafae.
Mas o ímpeto tinha abrandado subitamente e a batalha parecia estar a
regressar a um nível mais equilibrado. A Matrona Malice, debatendo-se com o
parto que estava a chegar, não se conseguia concentrar e, sem a sua voz, os
encantamentos do malévolo círculo enfraqueciam.
Ao lado da mãe, a poderosa Briza agarrava-lhe a mão com tanta força que o
sangue desaparecera, deixando-a fria — o único ponto frio da fêmea em trabalho
de parto — aos olhos das restantes. Briza estudou as contracções e observou a
coroa de cabelo branco da criança que estava a nascer, calculando o momento
para o parto. Esta técnica de traduzir a dor do parto num encantamento de ataque
ofensivo
momentonunca tinhaosido
certo seria usada
factor antes, a não ser nas lendas, e Briza sabia que o
crítico.
Sussurrou ao ouvido da mãe, vertendo as palavras de um encantamento
mortal.
A Matrona Malice repetiu como um eco o início do encantamento,
combatendo o impulso de arquejar e transformando a sua raiva agonizante num
poder ofensivo.
— Dinnen douward ma brechen tol — implorava Briza.
— Dinnen douward… maaa… brechen tol! — uivou Malice, tão determinada
a concentrar-se, apesar da dor, que rasgou um lábio com os dentes cerrados.
A cabeça do bebé apareceu, desta vez mais completamente, e desta vez para
ficar.
Briza estremeceu e ela própria mal se conseguia lembrar do encantamento.
Sussurrou a runa final ao ouvido da Matrona, quase receando as consequências.
Malice recuperou o fôlego e a coragem. Conseguia sentir o formigueiro do
encantamento quase tão bem como as dores do parto. Para as suas filhas, de pé
em redor do ídolo, olhando-a incrédulas, parecia um borrão vermelho de fúria
escaldante, escorrendo linhas de suor que brilhavam tão fortemente como o calor
de água a ferver.

—— Abec
Abec . — começou a Matrona, sentindo a pressão a crescer cada vez mais.
Sentiu o calor da pele que se rasgava, o abrupto escorregar do bebé enquanto a
cabeça saia, o súbito êxtase do parto.
— Abec di’n’a BREG DOUWARD! — gritou Malice, empurrando para longe
toda a agonia numa explosão final de poder mágico que abalou até as
sacerdotisas da sua própria casa.
Levado pelo impulso de exultação da Matrona Malice, o encantamento abateu-se
como um trovão na capela da Casa DeVir, estilhaçou o ídolo de pedra de Lolth,
escancarou as portas duplas deixando-as uma pilha de metal retorcido, e atirou
com a Matrona Ginafae e as suas subordinadas ao chão.
Zak abanou a cabeça, incrédulo, quando as portas da capela se abateram à sua
frente.
— Belo coice, Malice — riu-se Zak enquanto entrava para a capela. Usando a
sua infravisão,
escura, deu uma olhadela
todas debatendo-se, rápida
a tentar e contou
pôr-se as com
de pé, sete ocupantes vivas
as vestes em da sala
farrapos.
Sacudindo de novo a cabeça perante o poder brutal da Matrona Malice, Zak
puxou o capuz para cobrir a cara.
Um estalar de chicote foi a única explicação que deu enquanto fazia partir-se
um pequeno globo de cerâmica debaixo dos pés. A esfera estilhaçou-se,
deixando sair uma pepita que Briza tinha encantado apenas para ocasiões como
esta; uma pepita que brilhava com o fulgor da luz do dia.
Para olhos habituados à escuridão, sintonizados para emanações de calor, a
intrusão desta radiação aparecia como um relâmpago de agonia. Os gritos de dor
das sacerdotisas apenas auxiliaram Zak na sua sistemática caminhada pela sala, e
sorria prazenteiramente por baixo do capuz cada vez que sentia a espada morder
carne drow.
Ouviu o início de um encantamento a meio do caminho e percebeu que uma
das DeVir tinha recuperado o suficiente do ataque para se tornar perigosa. O
mestre de armas, porém, não precisava dos olhos para fazer pontaria, e o estalido
do chicote arrancou a língua da Matrona Ginafae para fora da boca.
Briza colocou o recém-nascido sobre o dorso do ídolo aranha e ergueu o punhal
cerimonial, fazendo uma pausa para admirar a sua cruel construção. O punhal
era um corpo de aranha com oito pernas, eriçado de farpas para imitar pelos, mas
com estas voltadas para baixo, para servirem de lâminas. Briza ergueu o
instrumento acima do peito do bebé.
— Dá o nome à criança — pediu à mãe. — A Rainha Aranha não aceitará o
sacrifício enquanto a criança não tiver nome!
A Matrona Malice abanou a cabeça, tentando perceber o que queria dizer a
filha. A matrona investira tudo no momento do encantamento e no parto, e
estava quase incoerente.
— Dá nome à criança! — mandou Briza, ansiosa por alimentar a sua faminta
deusa.
— Está perto do final — disse Dinin para o irmão, quando se encontraram num
átrio inferior de um dos pilares menos importantes da Casa DeVir.
— Rizzen está a vencer tudo até ao topo, e crê-se que o negro trabalho de
Zaknafein já estará acabado.
— Duas brigadas de soldados da Casa DeVir já juraram fidelidade ao nosso
lado — respondeu Nalfein.
— Já viram o final — riu-se Dinin. — Uma casa serve-lhes tão bem como
outra qualquer, e aos olhos dos comuns nenhuma casa vale o sacrifício da morte.
A nossa tarefa estará concluída em breve.
— Demasiado depressa para que alguém pudesse dar por isso. — disse
alfein. — Agora, Do’Urden, Daermon N’a’shezbaernon, é a Nona Casa de
Menzoberranzan e a Casa DeVir que se dane!
— Atenção! — gritou subitamente Dinin, com os olhos muito abertos num
horror simulado, enquanto olhava por cima do ombro do irmão.
Nalfein reagiu imediatamente, girando para enfrentar o perigo atrás de si, mas
virando as costas para o verdadeiro perigo. Porque mesmo no momento em que
alfein percebeu o logro, a espada de Dinin enterrou-se-lhe na espinha. Dinin
encostou a cabeça ao ombro do irmão e pressionou a sua cara contra a dele,
observando o fulgor vermelho dos seus olhos a abandoná-lo.
— Demasiado depressa para que alguém desse por isso — gracejou Dinin,
fazendo eco das palavras do irmão.
Deixou a massa sem vida cair aos seus pés.
— Agora, Dinin é o Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden, e Nalfein que se
dane.
— Drizzt — sussurrou a Matrona Malice. — O nome do rapaz é Drizzt!
Briza segurou com mais força o punhal e começou o ritual.
— Rainha das Aranhas, recebe este infante — começou. Ergueu o punhal,
para desferir o golpe. — Drizzt Do’Urden, oferecemos-te como pagamento pela
nossa gloriosa vit……
— Espera! — gritou Maya, do outro lado da sala. A sua ligação com o irmão
alfein tinha subitamente cessado. — Nalfein está morto — declarou. — Esse
bebé já não é o terceiro filho vivo.
Vierna olhou intrigada para a irmã. No mesmo momento em que Maya sentira
a morte de Nalfein, Vierna, ligada a Dinin, sentira um forte pico emocional.
Satisfação? Vierna levou um dedo esguio aos lábios cerrados, interrogando-se se
Dinin teria sido o autor desse assassinato.
Briza ainda mantinha o punhal em forma de aranha por cima do peito do bebé,
querendo entregá-loà aRainha
— Prometemos Lolth. Aranha o terceiro filho vivo — avisou Maya. — E
esse já foi dado.
— Mas não em sacrifício — argumentou Briza.
Vierna encolheu os ombros, intrigada.
— Se Lolth aceitou Nalfein, então foi oferecido. Oferecer mais um poderia
suscitar a ira da Rainha Aranha.
— Mas não lhe oferecer o que foi prometido seria ainda pior! — insistiu
Briza.
— Então, acaba com isso — disse Maya.
Briza segurou o punhal com força e começou de novo o ritual.
— Detém-te! — mandou a Matrona Malice, erguendo-se na cadeira. — Lolth
está satisfeita; a nossa vitória está ganha. Dá, pois, as boas vindas ao teu irmão,
mais recente membro da Casa Do’Urden.
— É apenas um macho — comentou Briza, com óbvio desprezo, afastando-se
do ídolo e da criança.
— Para a próxima faremos melhor — riu-se a Matrona Malice, embora
interrogando-se se haveria uma próxima vez. Estava a aproximar-se do quinto
século de vida, e os elfos drow, mesmo os mais jovens, não eram uma espécie

especialmente fértil.séculos
nos quase quatro Briza nascera de Malice
desde então, na jovem
Malice apenasidade de cemmais
produzira anos,cinco
mas
filhos. Mesmo este bebé, Drizzt, surgira como uma surpresa, e Malice já nem
esperava voltar a conceber.
— Basta de cogitações — murmurou Malice para si mesma, exausta. —
Haverá muito tempo……
Deixou-se cair de novo na cadeira e mergulhou em sonhos conturbados,
embora terrivelmente agradáveis, de poder acrescido.
Zaknafein caminhou pelo pilar central do complexo DeVir, com o capuz na mão
e o chicote e a espada de novo solidamente colocados no cinturão. De vez em
quando, soava um alarme de batalha, mas terminava rapidamente. A Casa
Do’Urden tinha avançado rapidamente para a vitória, a décima Casa tinha
tomado a quarta Casa, e agora tudo o que restava por fazer era eliminar vestígios
e testemunhas. Um grupo de sacerdotisas menores passou por ele, tratando dos
feridos Do’Urden edeanimando
suas capacidades, forma a osque
cadáveres daqueles
os corpos que estavam
pudessem afastar-separa
da além
cena das
do
crime. No complexo Do’Urden, os que não estivessem para além de qualquer
recuperação seriam ressuscitados e postos de novo ao serviço.
Zak virou costas com um arrepio visível enquanto as sacerdotisas avançavam
de sala em sala, com o exército de zombies Do’Urden marchando, cada vez mais
numeroso, atrás delas.
Por muito desagradável que Zaknafein considerasse este grupo, aquele que se
seguia era ainda pior. Duas sacerdotisas Do’Urden lideravam um contingente de
soldados pela estrutura, usando magias de detecção para descobrir os
esconderijos dos DeVir sobreviventes. Uma delas parou no átrio a apenas alguns
passos de Zak, e os seus olhos reviraram-se enquanto sentia as emanações do
feitiço. Manteve os dedos esticados à sua frente, desenhando uma linha,
lentamente, como uma macabra varinha, em direcção a carne drow.
— Ali dentro! — declarou, apontando para um painel na base da parede. Os
soldados saltaram para o local como uma alcateia de lobos raivosos e rasgaram a
porta secreta. Dentro de um pequeno compartimento estavam aninhadas as
crianças da Casa DeVir. Estas eram nobres, e não comuns, e não podiam ser
levadas dali vivas.

Zak apressou
vividamente os passos
os gritos para seindefesas
das crianças afastar daquela
enquantocena, mas ouviu
os soldados ainda
Do’Urden
esfaimados terminavam o seu trabalho. Agora, estava quase a correr. Saiu do
átrio virando uma esquina apressadamente e quase deitou abaixo Dinin e Rizzen.
— Nalfein está morto — declarou impassivelmente Rizzen.
Zak lançou imediatamente um olhar de suspeita para o filho Do’Urden mais
novo.
— Matei o soldado DeVir que cometeu esse acto — assegurou Dinin, sem
sequer esconder o sorriso manhoso.
Zak já andava por ali havia quase quatro séculos, e claro que não ignorava os
modos desta raça ambiciosa. Os príncipes irmãos tinham vindo, defensivamente,
no final das fileiras, com uma multidão de soldados Do’Urden entre eles e o
inimigo. Quando, e se, encontrassem um drow que não fosse da sua própria
Casa, a maioria dos soldados DeVir sobreviventes já teriam mudado de lado,
tornando-se fiéis à Casa Do’Urden. Zak duvidava de que qualquer dos irmãos
Do’Urden tivesse entrado
— A descrição em acção
da carnificina contra
na sala deum DeVir.
oração espalhou-se pelas fileiras —
disse Rizzen ao mestre de armas. — Desempenhaste as tuas funções com a tua
habitual perícia, tal como nos habituámos a esperar.
Zak lançou um olhar de desdém ao patrono e seguiu caminho, pelas portas
principais da estrutura, lá para fora, para lá da escuridão e do silêncio mágicos,
para o escuro amanhecer de Menzoberranzan. Rizzen era o actual parceiro da
Matrona Malice, mais um numa longa sucessão de parceiros, e nada mais do que
isso. Quando Malice se fartasse dele, relegá-lo-ia de novo para as fileiras dos
soldados comuns, retirando-lhe o nome Do’Urden, ou eliminá-lo-ia. Zak não lhe
devia, pois, qualquer respeito.
Zak afastou-se por entre os cogumelos até ao ponto de observação mais
elevado que conseguiu encontrar, e depois deitou-se no chão. Observou,
espantado, quando, uns momentos mais tarde, o cortejo do exército Do’Urden, o
seu patrono e o filho, os soldados e as sacerdotisas, bem como a lenta fila de
duas dúzias de zombies, retomavam o caminho para casa. Tinham perdido, e
deixado para trás, quase toda a sua carne para canhão escrava, mas a fila que
agora saía da Casa DeVir era mais longa do que a fila que viera no sentido
oposto nessa noite. Os escravos tinham sido substituídos em dobro pelos

escravos DeViracapturados
demonstrando e por drow,
típica lealdade mais de
se cinquenta tropas comuns
tinham juntado DeVir, que,
voluntariamente aos
atacantes. Esses drow traiçoeiros seriam interrogados — magicamente
interrogados — pelas sacerdotisas Do’Urden, para se assegurarem da sua
sinceridade.
Todos passariam o teste sem falhas, e Zak sabia disso. Os elfos drow eram
criaturas de sobrevivência, e não de princípios. Os soldados receberiam novas
identidades e seriam mantidos dentro da privacidade do complexo Do’Urden
durante alguns meses, até a queda da Casa DeVir se tornar uma história velha e
esquecida.
Zak não os seguiu imediatamente. Em vez disso, cortou caminho por entre as
fileiras de cogumelos e entrou um recanto discreto, onde se aninhou numa faixa
de musgo e ergueu os olhos para a eterna escuridão do tecto da caverna — e para
a eterna escuridão da sua própria existência.
Teria sido mais prudente manter-se em silêncio, nessa altura; era um invasor
na
suassecção maisnos
palavras, poderosa
mesmosdaelfos
vastanegros
cidade.que
Pensou nasestado
tinham potenciais testemunhas
a observar a quedadas
da
Casa DeVir, e que tinham apreciado profundamente esse espectáculo. Perante
este comportamento e uma carnificina como a que esta noite tinha visto, Zak não
pôde conter as emoções. O lamento saiu-lhe como uma prece a um deus
qualquer que estava para além da sua experiência.
— Que sítio é este que é o meu mundo? Que negro novelo tem o meu coração
aprisionado? — sussurrou Zak, no pedido de perdão que sempre fora parte dele.
— À luz, vejo a minha pele negra; na escuridão, brilha ofuscante com o calor
desta raiva que não consigo evitar. Quem me dera ter a coragem para partir, deste
sítio ou desta vida, ou para me opor abertamente à maldade destes que são a
minha família. Procurar uma existência que não vá contra aquilo em que
acredito, aquilo que considero com fidelidade ser a verdade. Zaknafein
Do’Urden, esse é o meu nome, mas não sou um drow, nem por escolha, nem por
actos. Que descubram este ser que sou, pois. Que descarreguem a sua ira sobre
estes velhos ombros já tão carregados pelo desespero de Menzoberranzan.
Ignorando as consequências, o mestre de armas pôs-se de pé e gritou:
— Menzoberranzan, que inferno és tu?
Um momento mais tarde, e quando nenhuma resposta ecoou da cidade

silenciosa, Zak sacudiu


cansados. Encontrou o que
algum restavaquando
conforto do friosentiu
da magia de Briza
o chicote dos músculos
no cinturão — esse
instrumento que tinha arrancado a língua de uma matrona.
Masoj, o jovem aprendiz — coisa que, neste ponto da sua carreira de utilização
de magia, significava que não era mais do que um criado de limpezas —
inclinou-se sobre a vassoura e observou Alton DeVir a entrar pela porta que dava
para o quarto mais alto da espiral. Masoj quase sentiu simpatia pelo estudante,
que tinha de entrar e enfrentar o Sem Rosto.
Porém, Masoj sentiu também excitação, sabendo que o fogo-de-artifício que
se seguiria entre Alton e o mestre sem rosto valeria bem a pena ser visto.
Dedicou-se de novo a varrer, usando a vassoura como desculpa para avançar
mais pela sala, até junto da porta.
— Pediste a minha presença, Mestre Sem Rosto — disse de novo Alton DeVir,
mantendo uma mão diante da cara e semicerrando os olhos, devido ao brilho
ofuscante das três velas acesas da sala. Alton avançou desconfortavelmente, pé
ante pé, pela porta da sala.
Inclinado, a meio do caminho, o Sem Rosto estava de costas para o jovem
DeVir. Era melhor despachar este assunto rapidamente, lembrou o mestre a si
mesmo. Sabia, porém, que o encantamento que estava agora a preparar mataria
Alton antes que este pudesse saber o destino da sua família, antes que o Sem
Rosto pudesse cumprir completamente as instruções finais de Dinin Do’Urden.
Havia demasiado em jogo. Era melhor despachar isto rapidamente.
— O senhor… — começou Alton, de novo; mas, prudentemente, calou as
suas palavras e tentou perceber a situação com que se deparava. Era muito
invulgar ser chamado aos aposentos privados de um mestre da Academia, antes
mesmo de as lições do dia terem começado.
Quando recebera a convocatória, Alton receara que tivesse, por qualquer
motivo, faltado a alguma das aulas. Isso podia ser um erro fatal em Sorcere.
Alton estava perto de concluir os estudos, mas o desprezo de um dos mestres era
o suficiente para pôr um fim a isso.
Tinha-se saído bastante bem nas aulas com o Sem Rosto, e acreditara até que
o seu misterioso mestre o tinha por favorito. Poderia tratar-se simplesmente de
uma cortesia, de uma felicitação pelo seu terminar dos estudos? Não era
provável, concluiu Alton, contra as suas esperanças. Os mestres da academia
drow não felicitavam os estudantes frequentemente.
Alton ouviu então o cântico em surdina e reparou que o mestre estava a meio
de um encantamento. Agora, algo lhe gritava que havia alguma coisa muito
errada;
modos ehavia
usos algo nesta
estritos da situação
Academia.queAlton
não se enquadrava
firmou de chão
os pés no formae alguma
contraiunos
os
músculos, seguindo o conselho do lema que era martelado na cabeça de todos os
estudantes da Academia, o preceito que mantinha os elfos drow vivos numa
sociedade tão devotada ao caos: manter-se alerta.
As portas explodiram à sua frente, varrendo a sala com lascas de pedra e
atirando Masoj de encontro à parede. Este achou que o espectáculo valia bem
essas inconveniências e as equimoses nos ombros, quando Alton DeVir saiu
cambaleando da sala. As costas e o braço esquerdo do estudante deixavam para
trás plumas de fumo, e havia a mais invulgar das expressões de terror e de dor
que Masoj jamais vira cravada no rosto do nobre DeVir.
Alton caiu no chão e enrolou-se, desesperado por ganhar algum terreno entre
ele e o seu mestre assassino. Conseguiu deslizar e descer pelo chão encurvado da
sala e passar pela porta que dava para a sala seguinte, mais abaixo, no preciso
momento em que o Sem Rosto apareceu à porta destruí-da da primeira sala.
O mestre parou para cuspir uma maldição à sua própria falha e para considerar
qual seria a melhor maneira de substituir aquela porta.
— Limpa-me isto! — disparou para Masoj, que estava de novo encostado
descontraidamente à vassoura, com o queixo repousando sobre as mãos.
Masoj baixou obedientemente a cabeça e começou a varrer as lascas de pedra.
Mas levantou os olhos enquanto o Sem Rosto passava por ele e, cautelosamente,
começou a segui-lo.
Alton não tinha hipótese de escapar, e esse espectáculo seria bom demais para
perder.
A terceira sala, que era a biblioteca privada do Sem Rosto, era a mais iluminada
das quatro dentro da espiral, com dúzias de velas acesas em cada parede.
— Raios partam esta luz! — praguejou Alton, avançando aos tropeções pelo
meio daquela luz estonteante até à porta que dava para o átrio dos aposentos do
Mestre Sem Rosto e que era a sala mais baixa. Se conseguisse descer da espiral e
sair da torre para o pátio da Academia, talvez conseguisse ganhar vantagem
sobre o mestre.
O mundo de Alton continuava a ser a escuridão de Menzoberranzan, mas o
Sem Rosto, que passara muitas décadas à luz das velas de Sorcere, acostumara
os O
olhos
átrioa estava
verem graus de luz,
apinhado e não de ecalor.
de cadeiras arcas, mas apenas uma vela ali ardia, e
Alton conseguia agora ver suficientemente bem para evitar obstáculos ou saltar
por cima deles. Correu para a porta e girou a pesada aldraba. Esta girou com
bastante facilidade, mas, quando Alton tentou empurrar a porta com o ombro,
esta não se mexeu e um relâmpago de energia azul e faiscante atirou-o ao chão.
— Amaldiçoado lugar! — rugiu Alton. O portal estava magicamente selado.
Conhecia um feitiço para abrir portas seladas magicamente, como esta, mas
duvidou de que a sua magia fosse suficientemente forte para contrariar os
feitiços de um mestre. Com a pressa e o medo, as palavras do encantamento
correram pela mente de Alton num murmúrio indecifrável.
— Não fujas, DeVir — veio a voz do Sem Rosto desde a sala anterior. —
Apenas prolongarás o teu tormento!
— Que a maldição caia sobre ti também! — respondeu Alton, ofegante. Alton
esqueceu o estúpido feitiço; nunca lhe viria à mente a tempo. Percorreu a sala
com os olhos, à procura de outra opção.
Os olhos de Alton encontraram algo invulgar a meio de uma das paredes,
numa abertura entre dois grandes armários. Recuou alguns passos, para ver de
um ângulo melhor, mas viu-se apanhado dentro do raio de iluminação de uma

das
comovelas, dentro do campo enganador onde os seus olhos captavam tanto a luz
o calor.
Apenas conseguia discernir que esta secção da parede mostrava um brilho
uniforme no espectro de calor e que a tonalidade era subtilmente diferente da
pedra das paredes. Outra passagem? Apenas podia esperar que a sua suspeita
fosse verdadeira. Correu de novo para o centro da sala, ficou de frente para o
objecto e forçou os olhos a afastarem o espectro infravermelho, concentrando-se
completamente na luz visível.
Enquanto os seus olhos se adaptavam, aquilo que viu espantou e confundiu o
ovem DeVir. Não viu nenhuma porta, nem nenhuma abertura que desse para
outra sala. Aquilo para que estava a olhar era um reflexo de si próprio, e de uma
parte da sala onde se encontrava. Alton, nos seus cinquenta e cinco anos de
idade, nunca vira tal espectáculo, mas já ouvira os mestres de Sorcere falar
destes aparelhos. Era um espelho.
Um movimento na porta superior da sala lembrou a Alton que o Sem Rosto
estava
opções.quase
Baixoua a apanhá-lo. Não podia
cabeça e atirou-se contrahesitar enquanto ponderava nas suas
o espelho.
Talvez fosse um portal de teletransporte para outra secção da cidade, ou talvez
uma simples porta para outra sala. Ou talvez, atreveu-se Alton a imaginar nesses
poucos segundos de desespero, aquilo fosse um portal interplanar que o levasse
para outro plano estranho e desconhecido de existência.
Sentiu o formigueiro da excitação e da aventura a empurrá-lo enquanto se
aproximava daquela coisa maravilhosa — depois, apenas sentiu o impacto, o
vidro a partir-se e a parede de pedra inamovível atrás dele.
Afinal, talvez fosse apenas um espelho.
— Olha para os olhos dele — murmurou Vierna para Maya enquanto
examinavam o mais recente membro da Casa Do’Urden.
Os olhos do bebé eram verdadeiramente notáveis. Embora a criança estivesse
fora do útero havia apenas uma hora, as pupilas das suas orbes disparavam para
um lado e para o outro, inquisidoramente. Embora mostrassem o esperado brilho
irradiante de olhos que viam no espectro infravermelho, a vermelhidão familiar
era tingida por uma sombra de azul, dando-lhes uma tonalidade violeta.
— Cego? — interrogou-se Maya. — Talvez este, afinal, ainda venha a ser
oferecido à Rainha Aranha.
Briza olhou para elas, ansiosa. Os elfos negros não admitiam que crianças que
mostrassem deficiências físicas vivessem.
— Não é cego — respondeu Vierna, passando a mão por cima da criança e
lançando um olhar irado para ambas as suas irmãs. — Segue os meus dedos com
os olhos.
Maya viu que Vierna estava a dizer a verdade. Inclinou-se mais para perto do
bebé, estudando-lhe o rosto e os estranhos olhos.
— Que vês tu, Drizzt Do’Urden? — perguntou suavemente, não num gesto de
carinho para com o bebé, mas para não perturbar a mãe, que descansava na
cadeira junto à cabeça do ídolo da aranha. — Que vês tu que nós não
conseguimos ver?
Os vidros estilhaçaram-se debaixo do peso de Alton, abrindo feridas profundas
enquanto mudava de posição, num esforço por se pôr de pé. «Que diferença fará
isso?», pensava.
— O meu espelho! — ouviu o Sem Rosto dizer, enquanto olhava para cima,
para ver o mestre que se lançava sobre ele.
Como parecia enorme a Alton! Tão grande e poderoso, bloqueando
completamente a luz das velas naquela pequena alcova entre dois armários, com
a sua forma aumentada dez vezes aos olhos da sua indefesa vítima pela simples
insinuação da sua presença.
Alton sentiu então uma substância pegajosa descendo sobre ele, uma teia que
encontrava pontos de fixação peganhentos nos armários, na parede, no próprio
Alton. O jovem DeVir tentou pôr-se de pé num salto e fugir, mas o feitiço do
Sem Rosto já o tinha bem preso, aprisionando-o como uma reles mosca teria
sido aprisionada na teia de uma aranha.
— Primeiro, a minha porta! — rosnou o Sem Rosto. — E agora isto! O meu
espelho! Tens ideia de quanto me custou adquirir uma coisa tão rara?
Alton abanou a cabeça, não como resposta, mas para libertar a cara da
substância pegajosa.
— Porque não ficaste quietinho e não deixaste o acto ser consumado
rapidamente? — resmungou o Sem Rosto, profundamente enojado.
— Porquê? — gaguejou Alton, cuspindo alguma da substância dos lábios. —
Porque hás-de querer matar-me?
— Porque me partiste o espelho! — disparou o Sem Rosto em resposta.
Isto não fazia qualquer sentido, claro; o espelho só fora partido depois do
ataque inicial. Mas para o mestre, pensou Alton, nada disto tinha de fazer
sentido. Alton sabia que a sua causa estava perdida, mas prosseguiu os esforços
para dissuadir o oponente.
— Conheces a minha Casa, a Casa DeVir — disse Alton, indignado. — A
quarta Casa da cidade. A Matrona Ginafae não ficará satisfeita. Uma alta
sacerdotisa tem sempre meios para descobrir a verdade em tais situações!
— A Casa DeVir? — riu-se o Sem Rosto. Talvez os tormentos que Dinin
Do’Urden pedira não estivessem afinal fora de questão. Alton tinha-lhe partido o
espelho!
— A Quarta Casa! — cuspiu Alton.
— Jovem tonto… — riu-se o Sem Rosto. — A Casa DeVir já não existe. Já
não é quarta, nem quadragésima quarta, nada.…

lheAlton deixou-se
manter o corpo abater,
erecto. embora
Do que aestaria
teia que o envolvia
o mestre fizesse o seu melhor para
a falar?
— Estão todos mortos — provocou-o o Sem Rosto. — A Matrona Ginafae já
vê Lolth mais claramente, hoje — a expressão de horror na cara de Alton
agradou ao mestre desfigurado. — Todos mortos — voltou a rir-se. — Excepto o
pobre Alton, que continua vivo para saber as notícias da queda da sua família.
Mas esse deslize será agora remediado!
O Sem Rosto ergueu as mãos para lançar um feitiço.
— Quem? — gritou Alton. O Sem Rosto parou e pareceu não compreender.
— Que Casa fez isto? — esclareceu o estudante condenado. — Ou que
conspiração de Casas trouxe a queda da Casa DeVir?
— Ah, tens de saber isso — respondeu o Sem Rosto, apreciando obviamente a
situação. — Suponho que seja teu direito saberes isso antes de te reunires aos
teus no reino da morte — um sorriso abriu-se no local onde em tempos tinha
havido lábios. — Mas partiste o meu espelho! — rosnou o mestre. — Morre,
rapaz estúpido! Descobre tu próprio as respostas!
O peito do Sem Rosto sacudiu-se subitamente e foi abalado por convulsões,
vociferando pragas numa língua que estava muito para além da compreensão do
aterrorizado estudante. Que vil encantamento tinha aquele cruel mestre

preparado paraaos
desconhecida ele,ouvidos
tão arrasador
do cultoque o seutãocântico
Alton, soava numamaligno
inominavelmente língua arcana
que a
sua semântica quase escapava ao controlo do próprio mestre? O Sem Rosto caiu
depois para a frente e morreu.
Atordoado, Alton seguiu a linha do capuz do mestre ao longo das costas —
até encontrar a ponta de um dardo. Alton viu como aquele objecto envenenado
estremecia ainda devido ao impacto com o corpo, e depois sondou o centro da
sala, onde estava o jovem ajudante de limpezas, calmamente de pé.
— Bela arma, ó Sem Rosto! — vangloriou-se Masoj, fazendo rodar um arco
nas mãos. Lançou um sorriso malicioso a Alton e ajustou um novo dardo.
A Matrona Malice içou-se da cadeira e obrigou-se a ficar de pé.
— Saiam da frente! — ordenou às filhas.
Maya e Vierna afastaram-se rapidamente do ídolo da aranha e do bebé.
— Vê os olhos dele, Matrona Mãe — atreveu-se Vierna a sugerir. — São tão
invulgares!

queA assim
Matrona
era,Malice
já queestudou
Nalfein,a ocriança. Parecia
rapaz mais ter tudo
velho no lugar,
da Casa e aindaestava
Do’Urden, bem
morto, e este rapaz, Drizzt, teria pela frente a difícil tarefa de substituir o valioso
filho.
— Os olhos dele — disse Vierna de novo.
A Matrona lançou-lhe um olhar venenoso, mas inclinou-se para ver a que se
devia toda aquela agitação.
— Púrpura? — disse a Matrona Malice, espantada. Nunca tinha ouvido falar
de tal coisa.
— Não é cego — apressou-se a esclarecer Maya, vendo o desdém a alastrar
pelo rosto da mãe.
— Tragam-me uma vela — mandou a Matrona Malice. — Vejamos como são
estes olhos perante o mundo da luz.
Maya e Vierna dirigiram-se imediatamente para o gabinete sagrado, mas Briza
impediu-as.
— Só uma alta sacerdotisa pode tocar nas coisas sagradas — lembrou-lhes,
num tom de voz que trazia em si o peso de uma ameaça. Virou costas
pesadamente, dirigiu-se ao gabinete e voltou de lá com uma única vela vermelha
consumida até meio. As sacerdotisas esconderam os olhos e a Matrona Malice

pôs umachama
pequena mão cautelosa sobre drow,
— que, a olhos o rosto do bebé
parecia enquantoflamejante.
uma intrusão Briza acendia uma
— Traz-ma — disse a Matrona Malice ao fim de um momento para ajustar os
olhos.
Briza trouxe a vela até perto dos olhos de Drizzt, e Malice afastou lentamente
a mão.
— Não chora — notou Briza, espantada por o bebé aceitar calmamente uma
luz tão cegante.
— Púrpura de novo — sussurrou a Matrona, sem prestar nenhuma atenção aos
murmúrios da filha. — Em ambos os mundos, os olhos desta criança são
púrpura.
Vierna abafou visivelmente um pequeno grito, quando voltou a olhar para o
seu pequeno irmão e para as suas órbitas cor de alfazema.
— É teu irmão — lembrou-lhe a Matrona Malice, vendo aquele grito abafado
como um sinal do que aí viria. — Quando crescer e estes olhos te penetrarem,
lembra-te, na tua costas,
Vierna virou vida, que é teu deixando
quase irmão. escapar uma resposta que depois se
arrependeria de ter dado. As façanhas da Matrona Malice com quase todos os
soldados da Casa Do’Urden — e muitos outros que a sedutora Matrona
conseguira afastar de outras Casas — eram quase lendárias em Menzoberranzan.
Quem era ela para estar agora a lançar sermões sobre comportamentos próprios
ou impróprios? Vierna mordeu o lábio e esperou que nem Briza, nem Malice
estivessem a ler-lhe os pensamentos nesse momento.
Em Menzoberranzan, pensar tais coisas acerca de uma alta sacerdotisa, fossem
ou não verdade, levava a uma dolorosa execução.
Os olhos da mãe de Vierna semicerraram-se, e pensou que tinha sido
descoberta.
— Cabe-te a ti prepará-lo — disse-lhe a Matrona Malice.
— Maya é mais jovem — atreveu-se Vierna a protestar. — Eu poderia chegar
ao nível de alta sacerdotisa em apenas alguns anos, se pudesse manter os meus
estudos.
— Ou nunca — lembrou-lhe severamente a Matrona. — Leva a criança para a
capela, como deve ser. Ensina-lhe as palavras e ensina-lhe tudo o que terá de
saber para servir adequadamente como príncipe mais novo da Casa Do’Urden.

— Tratarei
deslizar para odele
seu — ofereceu-se
chicote Briza,decom
de cabeças uma mão,
serpente. inconscientemente,
— Tenho tanto gosto ema
ensinar aos machos o seu devido lugar no mundo.
Malice olhou-a fixamente.
— És uma alta sacerdotisa. Tens outros deveres mais importantes do que
ensinar um varão a falar — depois, disse para Vierna: — O bebé é teu; não me
desiludas com isto! As lições que ensinares a Drizzt reforçarão o teu próprio
entendimento dos nossos usos. Este exercício de «maternidade» ajudará o teu
caminho para vires a ser Alta Sacerdotisa — permitiu a Vierna um momento
para considerar a tarefa de um ponto de vista mais positivo, e depois o seu tom
tornou-se de novo claramente ameaçador: — Poderá ajudar-te, mas também
poderá muito seguramente destruir-te!
Vierna suspirou, mas manteve os seus pensamentos em segredo. A tarefa
doméstica que a Matrona Malice acabara de despejar-lhe em cima consumiria a
maior parte do seu tempo por pelo menos dez anos. Essa perspectiva não
agradava a Vierna: ela
anos. A alternativa, e a criança
porém de olhos
— que era violeta
a ira da juntosMalice
Matrona durante dez longos
Do’Urden —
parecia de longe algo pior.
Alton cuspiu mais um bocado de teia da boca.
— És apenas um criado, um aprendiz — gaguejou. — Por que razão…
— O matei? — terminou Masoj. — Não para te salvar, se era essa a tua
esperança — cuspiu no corpo do Sem Rosto. — Olha para mim: um príncipe da
Sexta Casa e estou aqui feito criado de limpezas deste desgraçado.…
— Hun’ett — interrompeu Alton. — A sexta Casa é Hun’ett.
O jovem drow levou um dedo aos lábios cerrados.
— Espera… — notou com um sorriso rasgado, um sorriso malicioso e
sarcástico — Agora somos a quinta Casa, calculo, se a Casa DeVir foi extinta.
— Ainda não! — rosnou Alton.
— Mas daqui a nada… — assegurou-lhe Masoj, passando os dedos pela corda
do arco.
Alton deixou-se cair ainda mais no seio da teia. Ser morto por um mestre já
era mau, mas a indignidade de ser morto por um rapaz…
— Calculo que deva agradecer-te — disse Masoj. — Andava a planear matá-
lo há muitas semanas.
— Porquê? — questionou Alton. — Porque havias de te atrever a matar um
mestre de Sorcere, simplesmente porque a tua família te colocou ao serviço
dele?
— Porque ele era arrogante comigo! — gritou Masoj. — Durante quatro anos,
fui escravo dele, desse miserável pedaço de animal. Limpava-lhe as botas.
Preparava as mezinhas para aquela horrenda cara! Mas alguma vez isso era o
suficiente? Não para esse aí — cuspiu de novo para o corpo e prosseguiu,
falando mais para si próprio do que para o estudante aprisionado. — Nobres que
aspirem à feitiçaria têm a vantagem de ser treinados como aprendizes antes de
chegarem à idade adequada para entrarem para Sorcere.
— Claro — respondeu Alton. — Eu próprio fui aprendiz de……
— Mas este queria manter-me fora de Sorcere! — resmungou Masoj,
ignorando completamente Alton: — Ter-me-ia mandado à força para Melee-
Magthere, para a escola dos guerreiros. Escola de guerreiros! O meu vigésimo
quinto aniversário
subitamente, como seé de
já repente
daqui aseduas semanas
tivesse — Masoj
apercebido de que levantou
não estavaossozinho
olhos
na sala. — Sabia que teria de matá-lo — prosseguiu, falando agora directamente
para Alton. — E depois apareceste tu e tornaste tudo muito mais simples. Um
estudante e um mestre que se matam um ao outro numa luta? Já aconteceu antes.
Quem poria isso em dúvida? Por isso, suponho que te devo agradecer, Alton
DeVir de Casa Nenhuma que Valha a Pena Mencionar — brincou Masoj com
uma grande e ostensiva vénia. — Isto, antes de te matar, claro.
— Espera! — gritou Alton. — Que ganhas com isso?
— Um álibi.
— Mas já tens o teu álibi e podemos torná-lo ainda melhor!
— Explica-te — disse Masoj, que, aparentemente, não estava particularmente
apressado. Até porque o Sem Rosto era um feiticeiro de alto nível; as teias não
cederiam tão depressa.
— Liberta-me — disse Alton, com simplicidade.
— Será que és mesmo tão estúpido como o Sem Rosto dizia que eras?
Alton aguentou o insulto com estoicismo — até porque o rapaz é que tinha o
arco.…
— Liberta-me, para que eu assuma a identidade do Sem Rosto — explicou. —

A morte de um mestre levanta suspeitas, mas se ninguém souber que ele está
morto…
— Então e isto? — perguntou Masoj, dando um pontapé no corpo.
— Queima-se — disse Alton, com o seu plano desesperado a tornar-se cada
vez mais claro. — Que seja Alton DeVir. Já não há Casa DeVir, logo não haverá
retaliações, nem perguntas.
Masoj parecia céptico.
— O Sem Rosto era praticamente um eremita — prosseguiu Alton. — E eu
estou quase licenciado; decerto poderei lidar com as tarefas simples do ensino
básico, ao fim de trinta anos de estudos.
— E o que ganho eu com isso?
Alton riu-se alto, quase ficando soterrado em teias, como se a resposta fosse
óbvia.
— Um mestre em Sorcere a quem poderás chamar mentor. Alguém que pode
aligeirar-te os anos de estudo.
——
eito E acrescentou
alguém queMasoj,
poderámatreiro.
desfazer-se de uma testemunha assim que lhe der
— Mas então o que ganharia eu com isso? — disparou Alton. — Incorrer na
ira da Casa Hun’ett, Quinta Casa da cidade? Logo eu, sem família atrás de mim
para me proteger? Não, meu jovem Masoj, não sou tão estúpido como o Sem
Rosto dizia que eu era.
Masoj bateu com uma unha longa e espessa contra os dentes e considerou as
possibilidades. Um aliado entre os mestres de Sorcere? Isso tinha potencial.
Outro pensamento surgiu na mente de Masoj, e foi abrir o armário ao lado de
Alton, começando a remexer no conteúdo. Alton estremeceu quando ouviu
alguns contentores de cerâmica e de vidro a partirem-se, pensando nos
componentes, e até possivelmente nas poções já preparadas, que se poderiam
perder devido ao descuido do aprendiz. Talvez Melee-Magthere tivesse sido de
facto melhor escolha para este rapaz, pensou Alton.
Pouco depois, porém, o jovem drow reapareceu e Alton lembrou-se de que
não estava em posição para fazer tais juízos.
— Isto é meu — exigiu Masoj, mostrando a Alton um pequeno objecto preto;
era uma pequena e incrivelmente detalhada figura de uma pantera em ónix. —
Foi um presente de um miserável dos planos inferiores, por uma ajuda que lhe

dei.— Ajudaste uma tal criatura? — teve Alton de perguntar, achando difícil de
acreditar que um mero aprendiz tivesse os recursos necessários para sequer
sobreviver ao encontro com um adversário tão imprevisível e tão poderoso.
— O Sem Rosto — e Masoj pontapeou de novo o cadáver — ficou com o
crédito e com a estatueta, mas são ambos meus! Tudo o mais que aqui há ficará
contigo, claro. Conheço os encantamentos de quase tudo o que aqui há, e
mostrar-te-ei o que é o quê.
Ganhando alma com a esperança de que conseguiria afinal sobreviver a este
dia horrendo, Alton pouco se importou com a estatueta, de momento. A única
coisa que queria era ver-se livre das teias, para poder saber a verdade acerca do
destino da sua Casa. Depois, Masoj, como sempre um jovem drow imprevisível,
virou-se de repente e afastou-se.
— Onde vais? — perguntou Alton.
— Buscar o ácido.
— Ácido?
sensação de ter—compreendido
Alton disfarçou bem
o que o pavor,
Masoj muitofazer.
pretendia embora tivesse a terrível
— Vamos querer que o disfarce pareça autêntico — explicou Masoj, como se
não fosse nada. — Caso contrário, não seria grande disfarce. Temos de
aproveitar a vantagem da teia enquanto esta durar. A teia segurar-te-á.
— Não — Alton começou a protestar, mas Masoj passou por ele sem ligar,
com um sorriso malicioso bem escancarado no rosto.
— Parece que dói um bom bocado, e que não será coisa fácil de aguentar,
realmente — admitiu Masoj. — Não tens família e não encontrarás aliados em
Sorcere, porque o Sem Rosto era desprezado pelos outros mestres — ergueu o
arco, apontou-o ao nível dos olhos de Alton e aprontou outro dardo envenenado.
— Talvez prefiras a morte.
— Traz o ácido — gritou Alton.
— Para quê? — troçou Masoj, sacudindo o arco. — Que tens tu para viver,
Alton DeVir de Casa Nenhuma que Valha a Pena Mencionar?
— Vingança — murmurou Alton, com a ira do seu tom a levar o confiante
Masoj a ficar em sentido. — Ainda não aprendeste isso, mas vais aprender, meu
ovem pupilo… Nada na vida dá mais alento do que a sede de vingança!
Masoj baixou o arco e olhou para o drow aprisionado com respeito, quase com

medo. Mesmo
afirmação assim,
de Alton o aprendiz
até este Hun’ett
insistir, desta vez não
com pôde avaliar
um sorriso a gravidade
ávido no rosto: da
— Traz o ácido.
Quatro ciclos de Narbondel — quatro dias — mais tarde, um disco brilhante azul
pairou sobre o caminho de pedra ladeado de cogumelos que levava até ao portão
coberto de aranhas da Casa Do’Urden. Os sentinelas viram-no das janelas das
duas torres mais exteriores do complexo, enquanto este pairava pacientemente a
um metro do chão. As notícias chegaram à família reinante apenas alguns
segundos mais tarde.
— Que poderá ser? — perguntou Briza a Zaknafein, quando ela, o mestre de
armas, Dinin e Maya se reuniram na varanda do nível superior.
— Uma convocação? — perguntou Zak, quase respondendo ao mesmo tempo.
— Não saberemos enquanto não investigarmos.
Subiu para o varandim e saiu para o vazio, levitando depois até ao chão do
complexo. Briza fez sinal a Maya e a mais jovem das irmãs Do’Urden seguiu
Zak.
— Tem o emblema da Casa Baenre — disse Zak para cima, depois de se ter
aproximado mais. Ele e Maya abriram os grandes portões e o disco deslizou para
dentro, não mostrando quaisquer movimentos hostis.
— Baenre — repetiu Briza por cima do ombro, para o fundo do corredor, onde
a Matrona Malice e Rizzen esperavam.
— Parece que te pedem uma audiência, Matrona Mãe — interveio Dinin,
nervosamente.
Malice
— avançou
Sabem até àataque?
do nosso varanda—e perguntou
o marido seguiu-a
Briza noobedientemente.
código silencioso. E todos
os membros da Casa Do’Urden, nobres e comuns, partilhavam desse mesmo
pensamento desagradável.
A Casa DeVir fora eliminada apenas uns dias antes e um cartão-de-visita da
Primeira Matrona Mãe de Menzoberranzan dificilmente poderia ser visto como
apenas uma coincidência.
— Todas as casas sabem — respondeu Malice em voz alta, não crendo que o
silêncio fosse uma precaução necessária dentro dos limites do seu próprio
complexo. — Serão as provas contra nós tão esmagadoras que o Conselho
Governante seja forçado a entrar em acção? — olhou fixamente para Briza, com
os seus olhos escuros alternando entre o brilho vermelho da infravisão e o verde
profundo da aura da luz normal. — Essa é que é a pergunta que temos de fazer.
Malice avançou até à varanda, mas Briza agarrou a parte de trás do seu pesado
vestido negro, para a deter.
— Não vais
O olhar mesmoem
de Malice, com essa coisa?
resposta, — perguntou.
mostrou ainda mais espanto.
— Mas é claro que sim — respondeu. — A Matrona Baenre não me
convidaria abertamente se me quisesse fazer mal. Nem mesmo os poderes dela
são tão grandes que possa ignorar os governantes da cidade.
— Tens a certeza de que ficas em segurança? — perguntou Rizzen,
verdadeiramente preocupado. Se Malice fosse morta, Briza tomaria o controlo da
Casa, e Rizzen duvidava que a filha mais velha quisesse qualquer macho a seu
lado. Mesmo que a maliciosa fêmea desejasse um patrono, Rizzen não quereria
estar nessa posição. Não era pai de Briza, nem sequer era tão velho como ela.
Era evidente que o actual patrono da casa tinha muito em jogo com a
continuação da boa saúde da matrona Malice.
— A tua preocupação comove-me — respondeu Malice, sabendo bem quais
os verdadeiros receios do marido. Sacudiu-se das mãos de Briza e saiu do
varandim, ajeitando o vestido enquanto descia lentamente.
Briza abanou a cabeça desdenhosamente e fez sinal a Rizzen para a seguir de
volta para dentro, considerando que não seria sensato deixar a maior parte da
família assim exposta a olhares inimigos.
— Queres uma escolta? — perguntou Zak, assim que Malice se sentou no

disco.
— Tenho a certeza de que encontrarei uma escolta à minha espera assim que
sair do perímetro do nosso complexo — respondeu Malice. — A Matrona
Baenre não se arriscará a expor-me a qualquer perigo enquanto estiver ao
cuidado da sua Casa.
— De acordo — disse Zak. — Mas queres uma escolta da Casa Do’Urden?
— Se uma tal escolta fosse desejada, teriam chegado dois discos — disse
Malice, com um tom de quem encerra o assunto.
A Matrona começava a considerar asfixiantes as preocupações dos que a
rodeavam. Afinal, ela era a Matrona Mãe; a mais forte, a mais velha e a mais
sábia, e não apreciava que outros tivessem segundas opiniões. Voltando-se para o
disco, disse:
— Executa a tua tarefa e despachemos isto!
Zak quase deu uma risada perante a escolha de palavras da Matrona.
— Matrona Malice Do’Urden — disse a voz mágica vinda do disco. — A
Matrona Baenreem
não vos sentais apresenta as suas saudações. Há demasiado tempo que vós duas
audiência.
— Nunca… — gesticulou Malice para Zak. — Então leva-me à Casa Baenre!
— exigiu Malice. — Não desejo desperdiçar o meu tempo a conversar com uma
boca mágica!
Aparentemente, a Matrona Baenre tinha antevisto a impaciência de Malice,
porque, sem mais uma palavra, o disco saiu disparado do complexo Do’Urden.
Zak fechou o portão assim que a Matrona saiu, e depois fez sinal aos soldados
para se porem em marcha. Malice não queria qualquer companhia abertamente,
mas a rede de espionagem Do’Urden seguiria ocultamente todos os passos do
veículo Baenre, até aos portões do grande complexo da Casa governante.
A suposição de Malice quanto a uma escolta provou estar correcta. Assim que o
disco deslizou do caminho de entrada da Casa Do’Urden, vinte soldados da Casa
Baenre, todos femininos, saíram dos seus esconderijos ao longo da alameda.
Formaram um diamante defensivo em volta da Matrona Mãe convidada. Os
guardas em cada extremo da formação usavam vestes negras ornamentadas nas
costas com um grande desenho, violeta e vermelho, de uma aranha — eram as
vestes de altas sacerdotisas.
— As próprias filhas de Baenre — pensou Malice divertida, pois só as filhas
de uma nobre podiam chegar a tal posto. Que cuidadosa que a Primeira Matrona
Mãe tinha sido para se assegurar de que Malice estaria em segurança durante a
sua viagem!
Escravos e drow comuns tropeçavam uns nos outros num esforço frenético
para se afastarem do caminho do grupo que se aproximava, enquanto abria
caminho pelas ruas sinuosas até ao jardim dos cogumelos. Os soldados da Casa
Baenre exibiam as suas insígnias abertamente, e ninguém queria concitar a ira da
Matrona Baenre, fosse porque fosse.
Malice arregalava os olhos, em descrença, e esperou que um dia pudesse ter
tal poder, antes de morrer.
Uns minutos mais tarde, arregalou de novo os olhos quando o grupo se
aproximou da Casa governante. A Casa Baenre tinha vinte altas e majestosas
estalagmites, todas interligadas por pontes e parapeitos graciosamente
arqueados. Fogos mágicos e feéricos brilhavam de milhares de esculturas, e uma
centena formação.
perfeita de guardas em uniformes sumptuosos circulava por toda a parte em
Ainda mais cativantes eram as estruturas inversas, as trinta estalactites mais
pequenas da Casa Baenre. Desciam do tecto da caverna, com as raízes perdidas
na escuridão. Algumas delas estavam ligadas, nas pontas, às estalagmites,
enquanto outras pairavam apenas como lanças apontadas. As varandas,
encurvando-se como um parafuso, tinham sido construídas ao longo de todas
elas, brilhando com uma superabundância de desenhos mágicos iluminados.
Mágica era também a vedação que ligava as bases das estalagmites exteriores,
fechando todo o complexo. Era uma teia gigante, prateada, em contraste com o
resto do complexo exterior. Havia quem dissesse que tinha sido um presente da
própria Lolth, com fios fortes como aço, tão grossos como um braço de um elfo
drow. Qualquer coisa que tocasse na vedação de Baenre, mesmo que fosse a
mais afiada das armas drow, simplesmente ficaria ali firmemente presa até que a
Matrona Mãe acedesse a deixá-la partir.
Malice e a sua escolta avançaram directamente para uma secção circular e
simétrica da vedação, entre as torres mais altas e mais exteriores. Enquanto se
aproximavam, o portão fez um movimento em espiral e rolou para dentro,
deixando uma abertura suficientemente grande para a entrada da caravana.

Malice manteve-se sentada em silêncio, tentando não parecer muito


impressionada.
Centenas de soldados curiosos observaram o cortejo enquanto este avançava
até à estrutura central da Casa Baenre, com a sua grande cúpula violeta. Os
soldados comuns abandonaram o cortejo, deixando apenas as quatro sacerdotisas
para escoltarem a Matrona até ao interior.
A visão para lá das grandes portas da capela não desapontou Malice. Um altar
central dominava o local, com uma fila de bancos que se alongava em espiral por
várias voltas ao longo do perímetro da grande sala. Podiam sentar-se ali dois mil
drow, e ainda sobrava espaço. Estátuas e ídolos demasiado numerosos para se
poderem contar estavam acima do local, rebrilhando numa luz negra e serena.
o ar, bem acima do altar, pairava uma gigantesca imagem brilhante, uma ilusão
óptica em vermelho e preto que, lenta e continuamente, mudava entre as formas
de uma aranha e de uma bela fêmea drow.
— Um trabalho de Gomph, meu principal feiticeiro — explicou a Matrona
Baenre do seu
que alguma veztrono acima
tinham do altar,
visitado adivinhando
a capela, que Malice,
estaria espantada comtalaquela
como visão.
todos —
os
Até os feiticeiros têm o seu lugar.
— Desde que saibam que lugar é esse — respondeu Malice, deslizando para
fora do disco.
— Concordo — disse a Matrona Baenre. — Os machos conseguem ser tão
presunçosos, por vezes.… Especialmente os feiticeiros! Mesmo assim, gostava
de ter Gomph ao meu lado mais frequentemente, hoje em dia. Foi nomeado
Arquimago de Menzoberranzan, sabes? E parece estar sempre a trabalhar em
arbondel, ou noutras tarefas dessas.
Malice limitou-se a acenar com a cabeça e manteve-se calada. Claro que sabia
que o filho de Baenre era o feiticeiro principal da cidade. Toda a gente sabia
disso. Toda a gente sabia, também, que a filha de Baenre, Triel, era a Matrona
Mestra da Academia, uma posição de honra em Menzoberranzan que só ficava
atrás do título de Matrona Mãe de qualquer família. Malice tinha poucas dúvidas
de que a Matrona Baenre acabaria por arranjar maneira de mencionar isso a meio
da conversa, e que não demoraria muito a fazê-lo.
Antes que Malice desse um passo em direcção aos degraus do altar, o mais
recente elemento da sua escolta saiu das trevas. Malice estremeceu visivelmente

quando
Estava deviupé,a tinha
coisa,quase
umaum
criatura
metroconhecida
de altura, epor
unsilithid, um leitor
bons trinta de mentes.
centímetros mais
do que Malice, sendo que a maior parte dessa diferença se devia à enorme
cabeça da criatura. Brilhando de lodo verde, a cabeça parecia a de um polvo,
com olhos brancos como leite e sem pupilas.
Malice recompôs-se rapidamente. Os leitores de mentes não eram
desconhecidos em Menzoberranzan, e havia rumores de que um deles era amigo
da Matrona Baenre. Estas criaturas, porém, mais inteligentes e mais malignas do
que até mesmo os drow, inspiravam quase sempre arrepios de repulsa.
— Podes chamar-lhe Methil — explicou a Matrona Baenre. — O verdadeiro
nome dele escapa até à minha capacidade de pronunciação. É um amigo.
Antes que a Matrona Malice pudesse responder, Baenre acrescentou:
— Sim, é claro que Methil me dá uma vantagem nas nossas discussões, e não
estás acostumada a ilithids.
Depois, enquanto a boca de Malice se abria em espanto, a Matrona Baenre
mandou embora
— Leste o ilithid.
os meus pensamentos — protestou Malice.
Poucos se conseguiriam insinuar por entre as barreiras mentais de uma alta
sacerdotisa suficientemente bem para lhe lerem os pensamentos, e essa prática
constituía um crime da maior gravidade na sociedade drow.
— Não! — explicou a Matrona Baenre, imediatamente na defensiva. — Com
o teu perdão, Matrona Malice, Methil lê pensamentos, até mesmo os
pensamentos de uma alta sacerdotisa como tu, tão facilmente como eu ou tu
ouvimos palavras. Comunica telepaticamente. Dou-te a minha palavra de que
nem sequer me tinha apercebido de que não tinhas expressado os teus
pensamentos por palavras.
Malice esperou enquanto via a criatura sair da grande sala, e depois subiu os
degraus para o altar. Apesar dos seus esforços contra essa acção, não conseguia
evitar olhar de vez em quando para a imagem em transformação entre aranha e
drow.
— Como está a Casa Do’Urden? — perguntou a Matrona Baenre, simulando
delicadeza.
— Bastante bem — respondeu Malice, mais interessada nesse momento em
estudar a sua interlocutora do que em conversar. Estavam sozinhas no topo do

altar,
sombrasmuito emborasala,
da grande uma dúzia deumsacerdotisas
mantendo andassem
olhar vigilante sobre a decerto
situação.por ali nas
Malice já consumira tudo o que podia para esconder o seu desprezo pela
Matrona Baenre. Malice era velha, tinha quase quinhentos anos, mas a Matrona
Baenre era uma anciã. Os seus olhos tinham visto a ascensão e a queda de um
milénio, segundo alguns relatos, muito embora os drow raramente vivessem para
além dos setecentos anos, e muito menos para além dos oitocentos. Embora os
drow normalmente não demonstrassem a idade — e Malice era ainda tão bela e
vibrante agora como fora no seu centésimo aniversário — a Matrona Baenre
estava pálida e enrugada. As rugas em volta da boca assemelhavam-se a uma teia
de aranha, e mal conseguia manter as pálpebras erguidas. A Matrona Baenre já
devia estar morta, notou Malice, mas continuava a viver.
A Matrona Baenre, ainda que parecendo estar tão para além do seu tempo de
vida, estava grávida, e o parto seria daí a uma ou duas semanas.
Também nesse aspecto, a Matrona Baenre desafiava a norma dos elfos negros.
Gerara filhos vintee vezes,
Menzoberranzan, desses,o dobro
quinzedotinham
que erasido
normal para todas
fêmeas, as outras
e todas em
elas altas
sacerdotisas! Dez dos filhos de Baenre eram mais velhos do que Malice.
— Quantos soldados tens agora às tuas ordens? — perguntou a Matrona
Baenre, aproximando-se mais, para mostrar interesse.
— Trezentos — respondeu Malice.
— Ah — riu-se a velha drow, levando um dedo aos lábios. — Tinha ouvido
dizer que eram trezentos e cinquenta.
Malice fez uma careta, apesar de tentar escondê-la. Baenre estava a provocá-
la, referindo-se aos soldados que a Casa Do’Urden tinha adicionado depois do
seu raide à Casa DeVir.
— Trezentos — repetiu Malice.
— Com certeza — replicou Baenre, recostando-se de novo.
— E a Casa Baenre tem mil? — perguntou Malice, sem outra razão que não
fosse a de se manter em pé de igualdade na conversa.
— Esse é o nosso número desde há muitos anos.
Malice interrogou-se de novo sobre por que razão estaria aquela velha coisa
decrépita ainda viva. Decerto mais do que uma das filhas de Baenre aspirava ao
lugar da mãe. Porque não teriam elas conspirado para acabar com a Matrona

Baenre? E porque
vida, saído não tinha
para formar a sua nenhuma delas,
própria Casa, tal ecomo
algumas
era ajánorma
nas fases
para finais da
as filhas
nobres quando ultrapassavam o quinto século? Enquanto vivessem sob o ceptro
da Matrona Baenre, os seus filhos nem sequer seriam considerados nobres, antes
sendo relegados para as fileiras dos comuns.
— Já ouviste o destino que teve a Casa DeVir? — perguntou a Matrona
Baenre directamente, começando a ficar tão cansada da conversa de
circunstância como a sua interlocutora.
— Que Casa? — perguntou Malice interessada. Nesse momento, já não havia
Casa DeVir em Menzoberranzan. Para os drow, essa casa já não existia; nunca
tinha existido.
A Matrona Baenre deu uma gargalhada.
— Claro — respondeu. — És agora a Matrona Mãe da Nona Casa. Uma
grande honra.
Malice assentiu:
— Sim, mas não tão grande como a honra de ser Matrona Mãe da Oitava
Casa.
— Sim — concordou Baenre. — Mas a Nona está apenas um degrau abaixo
de um lugar no Conselho Governante.
— Isso seria, de facto, uma honra — respondeu Malice. Começava a
compreender que Baenre não estava apenas a provocá-la, mas sim, também, a
felicitá-la, e a incentivá-la a proezas ainda maiores. Malice rejubilou com esse
pensamento. Baenre estava nas melhores graças da Rainha Aranha. Se ela estava
satisfeita com a ascensão da Casa Do’Urden, então Lolth também estava.
— Não é uma honra tão grande como poderias pensar — disse Baenre. —
Somos apenas um grupo de velhas fêmeas intrometidas, que se encontravam de
vez em quando para descobrir maneiras de deitar a mão a coisas que não nos
pertencem.
— A cidade reconhece o vosso governo.
— E terá alguma escolha? — riu-se Baenre. — Seja como for, os assuntos dos
drow ficam melhor nas mãos das matronas mães das casas individuais. Lolth não
admitiria um Conselho que presidisse e que exercesse algo que se assemelhasse,
nem que fosse de longe, a um domínio total. Não crês que a Casa Baenre poderia
ter já conquistado toda a Menzoberranzan, há muito tempo, se esse fosse o

desejo da Rainha
boquiaberta Aranha?
perante —tão
palavras Malice endireitou-se
arrogantes. — Nãoorgulhosamente
agora, claro — na cadeira,a
explicou
Matrona Baenre. — A cidade já é demasiado grande para tal acção, nos tempos
que correm. Mas há muito tempo, antes mesmo de tu teres nascido, a Casa
Baenre não teria tido grandes dificuldades em executar tal conquista. Mas essa
não é nossa atitude. Lolth encoraja a diversidade. Agrada-lhe que as Casas se
mantenham, equilibrando-se umas às outras, prontas para lutarem lado a lado,
em momentos de necessidade comum — fez uma pausa e deixou que um sorriso
assomasse aos lábios gretados. — E prontas a abater-se sobre alguma que caia
em desgraça.
Outra referência directa à Casa DeVir, notou Malice, desta vez directamente
ligada ao agrado da Rainha Aranha. Malice descontraiu-se da sua postura
zangada e considerou o resto da conversa com a Matrona Baenre — quase duas
horas — bastante agradável.
Mesmo assim, quando regressou ao disco e flutuou para fora do complexo,
para lá uma
Perante da maior e mais
tão aberta forte de
exibição Casa de Menzoberranzan,
poder, não podia esquecerMalice não sorria.
que a intenção da
Matrona Baenre ao convocá-la tivera dois aspectos: felicitá-la privada e
cripticamente pelo golpe perfeito; e avisá-la claramente de que não se tornasse
demasiado ambiciosa.
Durante cinco longos anos, Vierna devotou quase todos os seus momentos de
vigília ao cuidado do bebé Drizzt. Na sociedade drow, este não era tanto um
tempo de educação, mas mais um tempo de doutrinação. A criança tinha de
aprender as destrezas básicas motoras e de linguagem, como acontecia com as
crianças de qualquer raça inteligente; mas um elfo drow tinha também de ser
instruído sobre os preceitos que mantinham unida aquela sociedade caótica.
No caso de uma criança macho, como Drizzt, Vierna passava horas
intermináveis a lembrá-lo de que era inferior às fêmeas drow. Dado que quase
toda esta parte da vida de Drizzt era passada na capela da família, não se
encontrava com nenhuns outros machos, a não ser durante os momentos de culto
comuns. Mesmo quando toda a gente da Casa se reunia para as cerimónias
religiosas, Drizzt permanecia em silêncio ao lado de Vierna, com o olhar
obedientemente dirigido para o chão.
Quando Drizzt se tornou suficientemente crescido para seguir ordens, o fardo
de Vierna tornou-se menos pesado. Mesmo assim, passava muitas horas a
ensinar o irmão mais novo — estavam agora a trabalhar nos intricados
movimentos faciais, de mãos e do corpo do código silencioso. Muitas vezes,
porém, Vierna apenas o mandava tratar da interminável tarefa de manter limpa a
capela abobadada. A sala era apenas um quinto do tamanho da grande sala de
Baenre, mas podia conter todos os elfos negros da Casa Do’Urden e ainda
sobravam cemjálugares.
Ser tutora não era agora tão mau, pensava Vierna; mas mesmo assim,
desejava poder dedicar mais do seu tempo aos estudos. Se a Matrona Malice
tivesse nomeado Maya para a tarefa de cuidar da criança, Vierna já poderia ter
sido ordenada como alta sacerdotisa. Mas ainda tinha mais cinco anos de deveres
para com Drizzt; Maya poderia, por isso, chegar ao alto sacerdócio antes dela!
Vierna sacudiu essa ideia. Não podia dar-se ao luxo de se preocupar com tais
problemas. Terminaria as suas funções de tutora dentro de poucos anos. Por
volta do seu décimo aniversário, Drizzt seria nomeado príncipe da família e
serviria em pé de igualdade à Casa. Se o seu trabalho com Drizzt
não desapontasse a Matrona Malice, Vierna sabia que receberia o que lhe era
devido.
— Vai até à parede — instruiu Vierna. — Trata daquela estátua — apontou
para uma escultura de uma fêmea drow nua, a cerca de seis metros do chão. O
ovem Drizzt olhou para cima, confuso. Não podia subir até à escultura e limpá-
la ao mesmo
elevado tempo que
de qualquer se segurasse—aou
desobediência qualquer
mesmocoisa. Mas
de uma Drizzt sabia
hesitação o preço
— e por isso
estendeu os braços, à procura do primeiro ponto de apoio para subir.
— Não é assim — censurou Vierna.
— Como, então? — atreveu-se Drizzt a perguntar, porque não fazia ideia do
que a irmã lhe estava a sugerir.
— Eleva-te pela força de vontade até à gárgula — explicou Vierna.
O pequeno rosto de Drizzt contorceu-se, confuso.
— És um nobre da Casa Do’Urden! — gritou-lhe Vierna. — Ou, pelo menos,
um dia hás-de receber essa distinção. Na tua bolsa de trazer ao pescoço trazes o
emblema da Casa, que é um objecto de poder mágico considerável.
Vierna ainda não estava convencida de que Drizzt estivesse pronto para tal
tarefa; a levitação era uma alta manifestação da magia drow inata, certamente
mais difícil de dominar do que banhar objectos em luz mágica ou convocar
globos de escuridão. O emblema Do’Urden aumentava estes poderes inatos dos
elfos drow, uma magia que emergia normalmente à medida que um drow ia
amadurecendo. Enquanto a maioria dos nobres drow podia convocar a energia
mágica para levitar pelo menos uma vez por dia, os nobres da Casa Do’Urden,
usando a sua insígnia, podiam fazê-lo repetidamente.

Normalmente,
anos, mas Drizzt Vierna não tentariateristo
demonstrara-lhe numa
tanto criançanos
potencial macho com anos
últimos menos de não
que dez
viu mal algum em tentar.
— Põe-te simplesmente diante da estátua — explicou — e usa a força de
vontade para subir.
Drizzt olhou para cima, para a escultura feminina, e depois alinhou os pés
mesmo em frente ao objecto. Levou uma mão ao colarinho, tentando sintonizar-
se com o emblema. Já antes sentira que a medalha mágica possuía alguma forma
de poder; mas fora apenas uma sensação em bruto, uma intuição infantil. Agora
que tinha um foco onde se concentrar, Drizzt confirmou as suas suspeitas e
sentiu a vibração da energia mágica.
Uma série de inspirações profundas limpou os pensamentos que poderiam
distrair a mente do jovem drow. Bloqueou toda a visão do resto da sala; a única
coisa que via era a estátua, o seu destino. Sentiu-se a ficar mais leve, os
calcanhares ergueram-se, depois ficou apenas nas pontas dos pés, mas já nem
sentia
espanto,peso sobrecaiu
e depois eles.redondo
Drizzt no
olhou para Vierna, com um sorriso rasgado, de
chão.
— Macho tonto! — escarneceu Vierna. — Tenta de novo! Tenta mil vezes, se
for preciso — deitou a mão ao chicote de cabeças de serpentes. — Se falhares…
Drizzt desviou os olhos dela, amaldiçoando-se. A sua satisfação levara o
feitiço a falhar. Mas agora sabia que conseguia fazê-lo, e não tinha medo de ser
castigado. Concentrou-se de novo na escultura e deixou a energia mágica
acumular-se no corpo.
Vierna também sabia que Drizzt acabaria por ter sucesso. A mente dele era
penetrante, mais acutilante do que alguma que ela já vira, incluindo as de outras
fêmeas da Casa Do’Urden. E aquela criança era teimosa, também; Drizzt não
deixaria a magia derrotá-lo. Vierna sabia que ele ficaria ali diante da estátua a
tentar até desmaiar de fome, se tivesse de ser.
Viu-o passar por uma sucessão de pequenos sucessos e falhanços, o último
dos quais o fez cair de uma altura de quase dois metros. Vierna encolheu-se,
interrogando-se se Drizzt teria ficado seriamente magoado. Mas ele, ferido ou
não, nem sequer chorou, mas antes regressou à posição inicial e recomeçou a
concentrar-se mais uma vez.
— Ainda é demasiado novo para isso — ouviu-se atrás de Vierna. Esta virou-

se na cadeira
escárnio para ver Briza, de pé atrás dela, com o costumeiro sorriso de
no rosto.
— Talvez — respondeu Vierna. — Mas só saberei depois de o deixar tentar.
— Chicoteia-o quando falha — sugeriu Briza, puxando do seu cruel
instrumento de seis cabeças. Deu ao chicote um olhar apreciativo — como se
fosse uma espécie de animal de estimação — e deixou que uma cabeça de
serpente deslizasse pelo seu pescoço e rosto. — Serve de inspiração.
— Guarda isso — respondeu Vierna. — Compete-me a mim educá-lo, e não
preciso da tua ajuda para isso!
— Devias ter mais cuidado com a maneira como falas a uma alta sacerdotisa
— avisou Briza, ao mesmo tempo que todas as cabeças de serpente, que eram
extensões dos seus pensamentos, se viravam ameaçadoramente para Vierna.
— Tal como tu devias saber que a Matrona Malice saberá se interferires com
as minhas tarefas — respondeu Vierna rapidamente.
Briza recolheu o chicote, ao ouvir a menção à Matrona Malice.
— tal
para Astarefa.
tuas tarefas… — troçou
As crianças machoBriza,
têm decom
serdesdém. — És têm
disciplinadas; demasiado brandao
de aprender
seu lugar.
Mas, percebendo as consequências complicadas da ameaça da irmã, a mais
velha virou costas e saiu.
Vierna deixou que Briza tivesse a última palavra. A tutora olhou para Drizzt,
que ainda estava a tentar chegar à estátua.
— Basta! — comandou, apercebendo-se de que a criança estava a ficar
cansada; mal conseguia agora levantar os pés do chão.
— Eu consigo! — respondeu imediatamente Drizzt.
Vierna gostava da determinação dele, mas não gostou do tom da resposta.
Talvez houvesse alguma verdade nas palavras de Briza. Puxou do seu chicote de
cabeças de serpente. Um pouco de inspiração talvez ajudasse a avançar.
Vierna estava sentada na capela, no dia seguinte, a observar Drizzt a trabalhar
afincadamente, polindo a estátua da fêmea nua. Levitara toda a altura necessária
logo à primeira tentativa, neste dia.
Vierna não pôde deixar de se sentir desiludida por Drizzt não ter olhado para
trás, para lhe sorrir com o seu sucesso. Via-o agora, pairando no ar; as mãos
quase nem se viam, tal a rapidez com que trabalhava com as escovas. Mas o que
mais vivamente conseguia ver era, nas costas nuas do irmão, as cicatrizes que
eram a herança da discussão «inspiradora» que tinham tido na véspera. No
espectro infravermelho, as linhas desenhadas pelo chicote apareciam com
clareza, como riscos de calor nos locais onde as camadas isoladoras de pele
tinham sido rasgadas.
Vierna compreendia bem os benefícios de bater numa criança, e especialmente
uma criança drow macho. Poucos machos drow se atreviam alguma vez a erguer
uma arma contra uma fêmea, a não ser por ordem de outra fêmea.
— Quanto perderemos por causa disso? — interrogou-se Vierna em voz alta.
— Quão mais poderia alguém como Drizzt vir a ser?
Quando ouviu a suas próprias palavras ditas em voz alta, Vierna sacudiu
rapidamente esses pensamentos blasfemos da cabeça. Aspirava vir a ser uma alta
sacerdotisa da Rainha Aranha, Lolth a Impiedosa. Tais pensamentos não estavam
de acordo com a sua posição. Lançou um olhar irado para o irmão, transferindo a
suaTeria
culpa,
deevoltar
voltouaachicotear
puxar do Drizzt
instrumento de punição.
hoje, por causa dos pensamentos sacrílegos
que lhe inspirara.
Assim prosseguiu a relação entre ambos durante mais cinco anos, com Drizzt a
aprender as lições básicas da vida na sociedade drow, ao mesmo tempo que
limpava interminavelmente a capela da Casa Do’Urden. Para além da
supremacia da fêmea drow (lição sempre acentuada pela chicotada maligna do
chicote de cabeças de serpente), as lições mais repetidas eram as que diziam
respeito aos elfos de superfície. Os impérios do mal unem-se muitas vezes em
teias de ódio erguidas contra inimigos fabricados, e não havia ninguém em toda
a história do mundo que fosse melhor nisso do que os drow. Desde o primeiro
dia em que conseguiam compreender a palavra falada, as crianças drow eram
ensinadas de que o que quer que houvesse de errado nas suas vidas poderia ser
atribuído aos elfos da superfície.
Sempre que as presas do chicote de Vierna rasgavam as costas de Drizzt, este
gritava clamando pela morte dos elfos da superfície. O ódio condicionado
raramente era uma emoção racional.
Horas vazias, dias vazios.
Sinto que tenho poucas memórias desse primeiro período da minha
vida, desses primeiros dezasseis anos em que labutei como servo. Os
minutos tornavam-se horas, as horas tornavam-se dias, e assim por
diante, até que tudo parecia apenas um longo e desolado momento.
Várias vezes consegui escapulir-me para assomar a uma varanda da
Casa Do’Urden e para olhar para as luzes mágicas de Menzoberranzan.
Em todas essas sortidas secretas, dava comigo encantado pela luz
crescente, e depois minguante, de Narbondel, o pilar relógio. Olhando
agora para
feiticeiro trás, lentamente
a subir para essas pelo
longas horas
pilar a observar
e depois o brilho
a descê-lo, ficodo fogo do
espantado
com o vazio dos meus primeiros dias.
Lembro-me claramente da excitação, da euforia vibrante de cada vez
que conseguia sair de casa e colocar-me em posição para observar o
pilar. Era uma coisa tão simples, mas tão compensadora, quando
comparada com o resto da minha existência.
Sempre que ouço o estalido de um chicote, outra recordação — na
verdade, é mais uma sensação do que uma recordação — um arrepio
percorre-me a espinha. O choque e o torpor que se segue ao embate
dessas armas com cabeças de serpente não é coisa que alguma pessoa
esqueça com facilidade. Mordem debaixo da pele, enviando ondas de
energia mágica por todo o corpo, ondas que fazem os músculos estalar e
esticar-se para além de todos os limites.
Mesmo assim, tive mais sorte que a maioria. A minha irmã Vierna
estava prestes a tornar-se Alta Sacerdotisa quando lhe foi atribuída a
tarefa de me educar, e estava num período da sua vida em que possuía
muito mais energia do que essa tarefa exigia. Talvez, então, tenha havido
mais nesses primeiros dez anos da minha vida sob os cuidados dela do
que consigo agora recordar. Vierna nunca mostrou a intensa maldade da
nossa mãe — ou, mais especialmente, da nossa irmã mais velha, Briza.
Talvez tenha havido bons momentos na solidão da capela da Casa; é
possível que Vierna tenha permitido que um seu lado mais gentil se
mostrasse ao seu irmão mais novo.
Mas talvez
minhas irmãs,não.
as Muito embora tenha
suas palavras Vierna como
derramavam a mais
o veneno de gentil
Lolth das
tão
constantemente como as de qualquer sacerdotisa de Menzoberranzan.
Parece pouco provável que arriscasse as suas aspirações ao alto
sacerdócio apenas em prol de uma mera criança, e uma mera criança
macho.
Quer tenha havido alegria nesses primeiros anos, obscurecida pelo
assalto sem tréguas da maldade de Menzoberranzan, quer esse período
mais distante da minha vida tenha sido ainda mais doloroso do que os
anos que se seguiram — e tão dolorosos que a minha mente esconde
essas memórias — não posso ter a certeza. Apesar de todos os meus
esforços, não me consigo recordar deles.
Tenho uma ideia mais clara dos seis anos seguintes, mas a recordação
mais forte dos dias que passei a servir como criado na corte da Matrona
Malice — para além das minhas escapadelas para fora da Casa — é a
imagem dos meus próprios pés.
Um príncipe-pajem nunca pode levantar os olhos.
— Drizzt Do’Urden
Drizzt respondeu prontamente ao chamamento para ir junto da Matrona Mãe,

sem precisar
Quantas do incentivo
vezes já sentiradoochicote
ferrão que Brizatemida
dessa costumava
arma!usar para onão
Drizzt apressar.
tinha
pensamentos de vingança contra a irmã mais velha. Com todo o
condicionamento que recebera, receava demasiado as consequências de se virar
contra ela; e esse receio era demasiado grande para lhe permitir ter sequer tal
ideia.
— Sabes o que este dia assinala? — perguntou-lhe Malice quando Drizzt
chegou junto do grande trono da escura antecâmara da capela.
— Não, Matrona Mãe — respondeu, mantendo inconscientemente o olhar nos
pés.
Um suspiro resignado subiu-lhe à garganta enquanto reparava na visão sempre
repetida das pontas dos seus pés. A sua vida nunca fora mais do que pedra lisa e
pontas dos pés, pensou.
Fez deslizar um pé para fora da bota de cano curto e começou a garatujar no
chão com a ponta do dedo. O calor do corpo deixava rastos visíveis no espectro
infravermelho, e Drizzt era suficientemente ágil e rápido para completar
desenhos simples antes que as linhas iniciais tivessem arrefecido.
— Dezasseis anos — disse-lhe a Matrona Malice. — Há dezasseis anos que
respiras o ar de Menzoberranzan. Um importante período da tua vida passou já.
Drizzt não reagiu, não viu nenhuma importância ou significado nesta
declaração. A sua vida era uma rotina interminável e imutável. Um dia, dezasseis
anos. Que diferença fazia? Se a mãe considerava importantes as coisas que lhe
tinham sido impostas desde que se lembrava, Drizzt estremeceu ao pensar
naquilo que as próximas décadas lhe poderiam ainda reservar.
Tinha já quase completado a sua imagem de um drow de ombros redondos —
Briza — a ser mordido no rabo por uma enorme víbora.
— Olha para mim — comandou a Matrona Malice.
Drizzt sentiu-se perdido. A sua tendência natural fora, em tempos, para olhar
para a pessoa com quem estava a falar, mas Vierna não perdera tempo a fazer
desaparecer esse instinto à força de castigos. O lugar de um príncipe-pajem era a
servidão, e os únicos olhos que esse príncipe era digno de olhar eram os das
criaturas que percorriam o chão de pedra — excepto os olhos de uma aranha,
claro; Drizzt tinha de desviar o olhar sempre que uma dessas coisas de oito
pernas deslizava para o seu campo de visão. As aranhas eram demasiado boas
para
—os da laia
Olha paradomim
príncipe-pajem.
— disse Malice de novo, com o tom de voz a sugerir a sua
volátil impaciência. Drizzt já antes testemunhara as explosões de Malice: uma
ira tão incrivelmente vil que varria tudo e todos os que se encontrassem no seu
caminho. Até Briza, tão pomposa e tão cruel, fugia e se escondia quando a
Matrona Mãe se irritava.
Drizzt obrigou-se a levantar os olhos do chão, hesitante, seguindo com o olhar
as vestes negras da mãe, usando o padrão familiar em forma de aranha, ao longo
dos lados das vestes, para avaliar o seu ângulo de visão. Esperava
completamente, à medida que avançava cada centímetro, receber uma pancada
na cabeça, ou uma chicotada nas costas: Briza estava atrás dele, sempre com o
seu chicote de cabeças de serpente bem perto da mão ansiosa.
Depois viu-a; a poderosa Matrona Mãe Malice Do’Urden, com os olhos
faiscando a vermelho e com o rosto frio, e não ofuscante de calor irado. Mas
Drizzt manteve-se tenso, ainda esperando um golpe punitivo.
— A tua posição de príncipe-pajem expirou — explicou Malice. — És agora o
Segundo Rapaz da Casa Do’Urden e são-te atribuídos todos os…
O olhar de Drizzt deslizou de novo para o chão, inconscientemente.
— Olha para mim! — gritou a mãe, numa raiva súbita.

Aterrorizado,
vermelho DrizztPelo
ofuscante. voltou a olhar
canto paraviu
do olho o rosto dela,emque
o calor agora brilhava
movimento de
da mão
agitada de Malice, mas não foi tolo ao ponto de se desviar do golpe. Depois,
ficou caído no chão, com a cara a arder.
Mas mesmo enquanto caía, Drizzt estava suficientemente alerta para manter o
olhar ligado ao olhar de Malice.
— Já não és um servo! — rugiu a Matrona Mãe. — Se continuasses a
comportar-te como tal, serias uma desonra para a família — agarrou Drizzt pelo
pescoço e pô-lo de pé bruscamente. — Se desonrares a Casa Do’Urden —
prometeu, com a cara a um centímetro da dele — enfiarei agulhas nesses teus
olhos cor de violeta.
Drizzt não conseguia sequer piscar os olhos. Nos seis anos desde que Vierna
deixara de cuidar dele, colocando-o ao serviço geral de toda a família, acabara
por conhecer suficientemente bem a Matrona Malice para perceber todas as
subtis conotações das suas ameaças. Era sua mãe — valesse isso o que valesse
—, masnos
agulhas Drizzt não tinha quaisquer dúvidas de que teria prazer em enfiar-lhe
olhos.
— Este é diferente — disse Vierna —, e não é apenas na cor dos olhos.
— De que forma, então? — perguntou Zaknafein, tentando manter a
curiosidade a um nível profissional. Zak sempre gostara mais de Vierna do que
das outras, mas ela tinha sido recentemente ordenada Alta Sacerdotisa, e desde
então que se tornara demasiado ambiciosa para seu próprio bem.
Vierna abrandou o passo — a porta para a antecâmara da capela estava agora
diante deles.
— É difícil de dizer — admitiu. — Drizzt é mais inteligente do que qualquer
criança macho que já conheci; conseguia levitar aos dez anos. No entanto, depois
de se tornar príncipe-pajem, foram precisas semanas de castigos para lhe ensinar
o dever de manter o olhar sempre no chão, como se um acto tão simples fosse
contra a sua constituição natural.
Zaknafein parou e deixou que Vierna passasse antes dele.
— Natural? — sussurrou entredentes, avaliando a implicação das observações
de Vierna. Era invulgar, talvez, para um drow, mas exactamente aquilo que Zak
esperava — e desejava — de uma criança saída das suas entranhas.
Avançou atrás de Vierna até à antecâmara sem luz. Malice, como sempre,
estava sentada no trono à cabeça do ídolo da aranha, mas todas as outras cadeiras
da sala tinham sido afastadas para junto das paredes, muito embora toda a
família estivesse presente. Isto ia ser uma reunião formal, percebeu Zak, dado
que apenas a Matrona Mãe tinha direito ao conforto de um assento.
— Matrona Malice — começou Vierna na sua voz mais reverente. — Trago-te
Zaknafein, conforme me tinhas pedido.
Zak pôs-se ao lado de Vierna e trocou um aceno com Malice, mas estava mais
atento ao mais jovem Do’Urden, que estava de pé, de tronco nu, ao lado da
Matrona Mãe.
Malice levantou uma mão para mandar calar toda a gente, e depois fez sinal a
Briza, que segurava um piwafwi da Casa, para prosseguir.
Uma expressão de grande prazer iluminou o rosto infantil de Drizzt enquanto
Briza, entoando os cânticos encantatórios adequados, colocava a capa mágica,
preta e raiada de traços vermelhos e violeta, por cima dos seus ombros.
— Saudações,
concitando olhares Zaknafein
de espanto Do’Urden
de todos os—quedisse Drizztna com
estavam sala. entusiasmo,
A Matrona
Malice não lhe concedera o privilégio de falar; e nem sequer tinha pedido a
permissão dela! — Sou Drizzt, Segundo Rapaz da Casa Do’Urden, e já não o
príncipe-pajem. Agora já posso olhar para ti. Quero dizer: para os teus olhos, e
não apenas para as tuas botas. A Mãe assim mo disse.
O sorriso de Drizzt desapareceu quando viu o desprezo ardente no rosto da
mãe.
Vierna ficou como que petrificada, com a boca aberta e os olhos arregalados
de incredulidade.
Também Zak estava espantado, mas de forma diferente. Levou uma mão aos
lábios, cerrando-os para os impedir de se abrirem num sorriso que teria
inevitavelmente dado azo a uma valente gargalhada. Zak não se lembrava de
alguma vez ter visto o rosto da Matrona Mãe a brilhar tão intensamente!
Briza, na sua posição habitual atrás de Malice, remexia o chicote, demasiado
confundida pelas acções do seu jovem irmão para saber o que havia de fazer.
Isso era uma novidade, como Zak bem sabia, pois a filha mais velha de Malice
raramente hesitava quando se tratava de castigar.
Ao lado da Matrona, mas agora um prudente passo mais distante, Drizzt

calou-se e ficou imóvel,


sorriso permanecia mordendo
nos olhos o lábio.
do jovem drow.Zak conseguia ver,
A informalidade porém, quedeo
e desrespeito
Drizzt pela sua posição tinham sido mais do que um inconsciente deslize, e mais
do que apenas a inocência da inexperiência.
O mestre de armas deu um longo passo para diante, para desviar a atenção da
Matrona Mãe de Drizzt.
— Segundo Rapaz, hem? — perguntou, demonstrando-se impressionado,
tanto para agradar ao orgulho inchado de Drizzt como para aplacar e distrair
Malice. — Então é altura de começares a treinar.
Malice deixou que a sua ira se desvanecesse, o que era uma coisa rara.
— Apenas o mais básico da tua parte, Zaknafein. Se Drizzt vai substituir
alfein, o seu lugar na Academia deverá ser em Sorcere. Assim, o grosso da sua
preparação caberá a Rizzen e aos seus conhecimentos, por muitos limitados que
sejam, das artes mágicas.
— Tens a certeza de que a magia é o que lhe convém, Matrona? — perguntou
rapidamente
— Parece Zak.
ser inteligente — respondeu Malice. E lançou um olhar zangado a
Drizzt. — Pelo menos, algumas vezes. Vierna relatou-me grandes progressos
dele no comando dos poderes inatos. A nossa Casa precisa de um novo feiticeiro
— Malice fez um ligeiro sorriso reflexo, lembrando-se do orgulho da Matrona
Baenre com o seu filho feiticeiro, o Arquimago da cidade. Já tinham passado
dezasseis anos desde o seu encontro com a Primeira Matrona Mãe de
Menzoberranzan, mas nunca esquecera nenhum pormenor desse encontro. —
Sorcere parece ser o curso natural.
Zak retirou uma moeda da sua bolsa de trazer ao pescoço, fê-la girar entre os
dedos e depois atirou-a ao ar.
— Podemos verificar isso? — perguntou.
— Como queiras — concordou a Matrona Malice, nada surpreendida pelo
desejo de Zak de provar que estava errada.
Zak dava pouco valor à magia, preferindo o gume de uma lâmina ao
componente cristalino de um raio.
Pôs-se diante de Drizzt e entregou-lhe a moeda.
— Lança-a ao ar.
Drizzt encolheu os ombros, interrogando-se sobre que o que significaria toda

aquela
de umaconversa entre a mãe
futura profissão e o mestre
planeada para de
ele,armas. Até então,
ou acerca do seunada ouvira
lugar nesseacerca
sítio
chamado Sorcere. Com um encolher de ombros de assentimento, meteu a moeda
entre o dedo indicador dobrado e fê-la girar no ar com o impulso do polegar,
apanhando-a depois com facilidade. Depois, devolveu-a a Zak e lançou ao
mestre de armas um olhar intrigado, como se para perguntar o que haveria de tão
importante em tarefa tão simples.
Em vez de guardar a moeda, o mestre de armas retirou uma outra da bolsa.
— Experimenta com as duas mãos — disse a Drizzt, entregando-lhas.
Drizzt encolheu de novo os ombros e, num movimento fácil, fez saltar as duas
moedas e apanhou-as de novo.
Zak lançou um olhar à Matrona Malice. Qualquer drow poderia ter feito o
mesmo, mas dava gosto ver a facilidade com que este tinha executado o acto.
Mantendo um olhar desafio para a Matrona, Zak retirou mais duas moedas.
— Põe duas em cada mão e atira-as todas ao mesmo tempo — instruiu a
Drizzt.
Quatro moedas subiram no ar. Quatro moedas foram apanhadas. A única parte
do corpo de Drizzt que tinha mexido eram os braços.
— Duas mãos — disse Zak para Malice. — Este é um guerreiro. O lugar dele
é em Melee-Magthere.
— Já vi magos a fazerem essas proezas — retorquiu Malice, desagradada com
o ar de satisfação no rosto do perturbante mestre de armas. Zak fora em tempos o
marido declarado de Malice, e muitas vezes, desde esses tempos distantes, ela o
recebera como amante. A destreza e agilidade dele não estavam limitadas ao uso
das armas. Mas juntamente com os prazeres que Zaknafein dava a Malice, com a
destreza sensual que levara Malice a poupar-lhe a vida por mais de uma dúzia de
vezes, vinha uma série de dores de cabeça. Era o melhor mestre de armas de
Menzoberranzan, outro facto que Malice não podia ignorar, mas o seu desdém,
até mesmo desprezo, pela Rainha Aranha muitas vezes colocara a Casa
Do’Urden em sarilhos.
Zak deu mais duas moedas a Drizzt. Agora entusiasmado com o jogo, Drizzt
colocou-as em movimento. Seis moedas subiram no ar, seis foram apanhadas de
novo, caindo três em cada mão.
— Duas mãos — disse Zak de novo, mais enfaticamente ainda.

A Matronada exibição
graciosidade Malice fez-lhe
do filho sinal para prosseguir, incapaz de negar a
mais novo.
— És capaz de fazer isto outra vez? — perguntou Zak a Drizzt.
Com cada uma das mãos a trabalhar independentemente, Drizzt depressa ficou
com as moedas empilhadas sobre os dedos indicadores, prontas a serem
lançadas. Zak fê-lo parar e tirou mais quatro moedas, fazendo cada uma das
pilhas ficar com cinco moedas. Parou por um momento para apreciar a
concentração do jovem drow (e também para manter as suas próprias mãos por
cima das moedas, para se assegurar de que estivessem suficientemente
iluminadas pelo calor do seu corpo para que Drizzt as visse claramente enquanto
estivessem no ar.)
— Apanha-as todas, Segundo Rapaz! — disse, muito sério. — Apanha-as
todas, ou vais parar a Sorcere, a escola de magia. E não é lá que deves estar!
Drizzt só tinha uma ideia muito vaga do que Zak estava a falar, mas conseguia
ver pela intensidade do mestre de armas que devia ser algo importante. Respirou
fundo e endireitou-se,
seus trajectos, e depois
discernindo cada lançou as moedas
uma delas. ao ar. Rapidamente
As primeiras seguiu os
duas caíram facilmente
nas suas mãos, mas Drizzt viu que o padrão de dispersão das restantes não
seguiria uma queda tão linear.
Então, Drizzt pareceu explodir em gestos, executando um círculo perfeito, as
mãos transformadas num borrão indiscernível de movimentos. Depois, ficou
subitamente muito quieto e parado diante de Zak. Tinha os punhos fechados, ao
lado do corpo, e um sorriso sombrio no rosto.
Zak e a Matrona Malice trocaram um olhar, nenhum deles muito certo do que
teria acontecido.
Drizzt estendeu então os punhos cerrados para Zak e depois abriu-os
lentamente, com um sorriso confiante a abrir-se no seu rosto infantil.
Cinco moedas em cada mão.
Zak deu um assobio em surdina. Levara-lhe a ele, mestre de armas da Casa,
uma dúzia de tentativas para conseguir executar esta manobra com dez moedas.
Aproximou-se da Matrona Malice.
— Duas mãos — disse, pela terceira vez. — É um guerreiro e eu não tenho
mais moedas.
— Quantas conseguiria ele usar? — suspirou Malice, obviamente

impressionada,
— Quantas apesar de contrariada.
conseguíssemos dar-lhe — retorquiu Zak, com um sorriso
triunfante.
A Matrona Malice deu uma gargalhadinha e abanou a cabeça. Desejara que
Drizzt substituísse Nalfein como mago da Casa, mas o seu teimoso mestre de
armas conseguira, como sempre, fazê-la mudar de planos.
— Muito bem, Zaknafein — disse, admitindo a derrota. — O Segundo Rapaz
será um guerreiro — Zak fez um aceno com a cabeça e regressou para junto de
Drizzt. — E talvez um dia, não muito distante, venha a ser o mestre de armas da
Casa Do’Urden — acrescentou Malice nas costas dele.
O sarcasmo da Matrona Malice fez Zak parar e lançar-lhe um olhar por cima
do ombro.
— Com este — prosseguiu a Matrona Malice, trocista e, como sempre,
recuperando a posição de superioridade sem qualquer pudor — poderíamos
esperar alguma coisa menos do que isso?

—Rizzen, o actual
e toda gente patrono
sabia da incluindo
também, família, remexeu-se
os escravosdesconfortavelmente.
da Casa Do’Urden —Sabia
que
Drizzt não era seu filho.
— Três salas? — perguntou Drizzt quando ele e Zak entraram no grande salão
de treino do complexo mais a sul da Casa Do’Urden.
Bolas de luz mágica multicolor tinham sido colocadas ao longo da sala de
pedra de tecto alto, envolvendo-a inteiramente numa luz suave e confortável. A
sala tinha apenas três portas; uma para leste, que dava para outra sala exterior
que se abria para uma varanda da Casa; outra directamente em frente de Drizzt,
na parede sul, e que dava para a última sala da Casa; e a porta da entrada
principal por onde tinham acabado de entrar. Drizzt percebeu, devido às muitas
trancas que Zak estava agora a fechar atrás deles, que não voltaria a sair por
aquela porta tão depressa.
— Uma sala — corrigiu Zak.
— Mas mais duas portas — argumentou Drizzt, olhando para o outro lado da
sala. — Sem trancas.
— Ah! — corrigiu Zak — As trancas dessas são feitas de senso comum.
Drizzt estava a começar a ter uma ideia.
— Essa porta — prosseguiu Zak, apontando para sul — dá para os meus
aposentos privados. Não hás-de querer que eu alguma vez te encontre lá dentro.
A outra porta dá para a sala de tácticas, reservada para os tempos de guerra. Se, e
quando, alguma vez provares estar à altura do que espero de ti, poderei talvez
convidar-te a juntares-te a mim nessa sala. Esse dia está a anos de distância, por
isso contempla apenas esta única e magnifica sala e considera-a — e girou os
braços num arco largo — como o teu lar.
Drizzt olhou em volta, não muito entusiasmado. Atrevera-se a esperar que
tivesse deixado para trás este tipo de tratamento, juntamente com os seus dias de
príncipe-pajem. Mas esta situação, porém, trazia-o de regresso a essa década em
que estivera encerrado na capela da família com Vierna. Esta sala nem sequer era
tão grande como a capela, e era demasiado apertada para o gosto do jovem e
altivo drow. A pergunta seguinte saiu-lhe como um resmungo:
— E onde vou dormir?
— Em tua casa — respondeu Zak com simplicidade.

—E Emonde
tua vou
casa.comer?
Os olhos de Drizzt semicerraram-se até ficarem apenas como duas pequenas
fendas e o rosto iluminou-se de um calor vermelho.
— E onde… — começou teimosamente, determinado a abrir brechas na lógica
do mestre de armas.
— Em tua casa — respondeu Zak com o mesmo tom comedido e contido,
antes que Drizzt pudesse terminar o seu pensamento.
Drizzt assentou os pés firmemente no chão e cruzou os braços frente ao peito.
— Isso parece complicado — resmungou.
— É melhor que não seja — rabujou Zak em resposta.
— Então qual é a finalidade? — começou Drizzt. — Afastas-me da minha
mãe…
— Deves tratá-la sempre por Matrona Malice — avisou Zak. — Será sempre
Matrona Malice.
— Da minha mãe…
A interrupção seguinte de Zak não foi por palavras, mas por um punho
cerrado.
Drizzt acordou vinte minutos mais tarde.

— Primeira
a poucos lição —dele.
centímetros explicou Zak,teu
— Para encostado
próprio descontraidamente
bem. Referir-te-ás aa uma parede
ela sempre
como Matrona Malice.
Drizzt rebolou até ficar de lado e tentou erguer-se apoiando-se no cotovelo,
mas sentiu a cabeça a andar à roda assim que a levantou do chão escuro. Zak
agarrou-o e pô-lo para cima.
— Não é tão fácil como fazer malabarismos com moedas — notou o mestre
de armas.
— O quê?
— Aguentar um soco.
— Que soco?
— Limita-te a concordar, criança teimosa.
— Segundo Rapaz! — corrigiu Drizzt, com a voz de novo a conter um tom de
desafio e com os braços de novo desafiadoramente cruzados diante do peito.
Zak voltou a cerrar um punho, numa demonstração não muito subtil que
Drizzt não pôdededeixar
— Precisas dormirdemais
notar.
uma sesta? — perguntou calmamente o mestre de
armas.
— Os segundos-rapazes podem ser crianças — admitiu Drizzt, sensatamente.
Zak abanou a cabeça, incrédulo. Isto ia ser interessante.
— Poderás considerar o teu tempo aqui como agradável — disse a Drizzt,
enquanto o levava até uma longa, espessa e colorida (embora a maioria das cores
fossem sombrias) cortina decorada. — Mas apenas se puderes aprender a ter
algum controlo sobre essa tua língua demasiado comprida.
Um puxão seco fez descer a cortina, revelando a mais magnífica exposição de
armas que o jovem drow (tal como muitos outros drow mais velhos) alguma vez
vira. Maças de vários tipos, espadas, machados, marretas e todo o tipo de arma
que Drizzt conseguia imaginar — para além de uma série delas que nunca
imaginara — estavam ali numa exposição complexa.
— Examina-as — disse-lhe Zak. — Demora o teu tempo e aprecia. Aprende
quais sentes melhor nas tuas mãos, seguem mais obedientemente as ordens da
tua vontade. Quando tivermos acabado, conhecerás cada uma delas como um
companheiro de confiança.
De olhos arregalados, Drizzt avançou pelo expositor, vendo todo aquele local

eDurante
o potencial
toda ade
suatoda
vida,aquela
os seusexperiência a uma
dezasseis anos, luzmaior
o seu completamente diferente.
inimigo fora o tédio.
Agora, parecia que Drizzt tinha encontrado armas para vencer esse inimigo.
Zak dirigiu-se para a porta dos seus aposentos privados, pensando que seria
melhor deixar Drizzt sozinho nesses primeiros momentos estranhos que eram o
manejo de novas armas.
No entanto, o mestre de armas parou quando chegou junto da porta e olhou
para trás, para o jovem Do’Urden. Drizzt fazia rodopiar uma longa e pesada
albarda, com mais do dobro da sua altura, num arco lento. Apesar de todas as
suas tentativas de manter a arma sob controlo, o peso e o balanço da arma
fizeram o seu pequeno corpo cair redondo no chão.
Zak deu consigo a soltar uma pequena gargalhada, mas esse riso apenas o
lembrou da sombria realidade da sua tarefa. Treinaria Drizzt, tal como já treinara
milhares de elfos negros antes dele, para ser um guerreiro, para o preparar para
os testes da Academia e para a vida na perigosa Menzoberranzan. Treinaria
Drizzt
Como para serparecia
isso um assassino.
tão contrário à natureza deste! — pensava Zak. Os sorrisos
vinham a Drizzt com demasiada facilidade; o pensamento de o ver a trespassar o
coração de outro ser vivo com uma espada revoltava Zaknafein. Mas esse era o
modo dos drow, um modo de vida a que Zak se vira incapaz de resistir ao longo
dos seus quatro séculos de vida. Afastando o olhar do espectáculo de Drizzt a
divertir-se, Zak entrou na sua sala e fechou a porta.
— Serão todos assim? — perguntou para a sua sala quase vazia. — Possuirão
todas as crianças drow uma tal inocência, tais sorrisos tão simples, tão sem
maldade, que não podem sobreviver na fealdade do nosso mundo?
Dirigiu-se à pequena mesa de um dos lados do aposento, com a intenção de
retirar a pala de cima do globo cerâmico continuamente iluminado que servia de
fonte de luz do quarto. Mudou de ideias quando aquela imagem de Drizzt
deliciando-se com as armas se recusou a desvanecer-se, e em vez disso dirigiu-se
para a grande cama que havia do outro lado do quarto.
«Ou será que és especial, Drizzt Do’Urden?», continuou a pensar enquanto se
deixava cair na cama almofadada. «E se és diferente, qual, então, será a causa
disso? O sangue? O meu sangue que corre nas tuas veias? Ou os anos que
passaste com a tua tutora?»

Zak estendeu
perguntas. Drizzt um braço pordacima
era diferente dosacabou
norma, olhos por
e considerou as suas
concluir. Mas muitas
não sabia se
deveria agradecer isso a si próprio ou a Vierna.
Ao fim de algum tempo, o sono venceu-o. Mas pouco conforto trouxe ao
mestre de armas. Foi visitado por um sonho que já lhe era familiar, por uma
recordação viva que nunca se desvanecia.
Zaknafein ouviu mais uma vez os gritos das crianças da Casa DeVir enquanto
os soldados da Casa Do’Urden — soldados que ele próprio treinara — as
retalhavam à espada.
— Este é diferente! — gritou Zak, erguendo-se de um salto na cama. Limpou
o suor frio da testa. — Este é diferente.
Tinha de acreditar nisso.
— Queres mesmo tentar? — perguntou Masoj, com a voz num tom
condescendente
Alton virou o eseu
cheio
olhardehediondo
descrença.
para o estudante.
— Dirige a tua ira para outro sítio, ó Sem Rosto — disse Masoj, desviando o
olhar do rosto disforme do seu mentor. — Não sou eu a causa da tua frustração.
A pergunta é válida.
— Durante mais de uma década, tens sido estudante das artes mágicas —
respondeu Alton. — E mesmo assim receias explorar o mundo oculto ao lado de
um mestre de Sorcere.
— Nada recearia se estivesse ao lado de um verdadeiro mestre — atreveu-se
Masoj a murmurar.
Alton ignorou o comentário, tal como já fizera com tantos outros que já
aceitara da parte do seu aprendiz Hun’ett ao longo dos últimos dezasseis anos.
Masoj era o único elo entre Alton e o mundo exterior, e enquanto ele tinha uma
família poderosa, Alton só tinha Masoj.
Passaram pela porta da sala mais alta do complexo de quatro salas de Alton.
Havia apenas uma vela acesa, com a sua luz diminuída por uma abundância de
tapeçarias de cores escuras e pelo tom escuro dos tapetes e da pedra da sala.
Alton encavalitou-se no seu banco atrás da pequena mesa circular e colocou um
pesado livro diante de si.

— EsseMasoj,
protestou é um encantamento
sentado dianteque
doé Mestre
melhor Sem
ser deixado paraOsasmagos
Rosto. — sacerdotisas
mandam —
nos planos inferiores; os mortos competem apenas às sacerdotisas.
Alton olhou em volta com curiosidade, e depois franziu as sobrancelhas para
Masoj, com as suas feições grotescas aumentadas pela luz tremeluzente da vela.
— Parece que não disponho de nenhuma sacerdotisa às minhas ordens —
explicou o Sem Rosto sarcasticamente. — Preferirias que tentasse com um
qualquer ser inferior dos Nove Infernos?
Masoj recostou-se para trás na cadeira e abanou a cabeça, sem alternativa, e
com ênfase. Alton tinha razão nisso. Um ano antes, o Sem Rosto procurara
respostas para as suas perguntas arregimentando o serviço de um demónio do
gelo. Essa coisa volátil fizera gelar a sala até esta brilhar de negro no espectro
infravermelho e destruíra uma panóplia de equipamento alquímico digna do
tesouro de uma matrona mãe. Se Masoj não tivesse convocado a sua pantera
mágica para distrair o demónio de gelo, nem ele nem Alton teriam saído dali
com
—vida.
Muito bem, então — disse Alton de forma pouco convincente, cruzando os
braços diante dele sobre a mesa. — Convoca então o teu espírito e encontra as
tuas respostas.
Alton não deixou de perceber o estremecimento involuntário que as vestes de
Masoj traíram. Olhou fixamente para o estudante por um momento, e depois
dedicou-se de novo aos seus preparativos.
Quando Alton estava perto do momento de lançar o encantamento, a mão de
Masoj dirigiu-se instintivamente para um bolso, para agarrar a estatueta de ónix
do gato caçador de que tomara posse no dia em que Alton assumira a identidade
do Sem Rosto. A pequena estatueta estava encantada com um feitiço poderoso
que permitia ao seu possuidor convocar uma poderosa pantera para o seu lado.
Masoj usara o felino com parcimónia, dado que ainda não compreendia
completamente as limitações e os perigos potenciais daquele encantamento. «Só
para momentos de necessidade», relembrava Masoj a si próprio em silêncio
enquanto a sua mão sentia a estatueta. Mas porque seria que esses momentos
ocorriam sempre quando estava com Alton? — interrogava-se o aprendiz.
Apesar da sua bravata, desta vez Alton partilhava secretamente dos temores de
Masoj. Os espíritos dos mortos não eram tão destrutivos como os conjurados dos

planos inferiores, mas podiam ser igualmente cruéis e mais subtis nos seus
tormentos.
Mas Alton precisava da sua resposta. Durante mais de uma década e meia,
procurara a informação pelos canais convencionais, inquirindo mestres e
estudantes — de forma dissimulada, evidentemente — sobre os pormenores da
queda da Casa DeVir. Muitos conheciam os rumores dessa noite cheia de
acontecimentos; alguns até davam pormenores das técnicas de batalha usadas
pela Casa vitoriosa.
Ninguém, contudo, dizia o nome da Casa que perpetrara o acto. Em
Menzoberranzan, ninguém pronunciava o que quer que fosse que se
assemelhasse a uma acusação, mesmo que a crença fosse comummente
partilhada, a não ser que houvesse suficientes provas indesmentíveis contra os
acusados. Se uma casa falhava um raide e isso era descoberto, toda a
Menzoberranzan caía sobre ela até que o nome da família se extinguisse. Mas no
caso de um ataque bem-sucedido, como aquele que tinha caído sobre a Casa
DeVir, um de
um chicote acusador
cabeçasera
de quem mais provavelmente acabaria do lado errado de
serpente.
A vergonha pública, talvez mais do que quaisquer linhas de orientação e de
honra, faziam gorar as rodas da justiça na cidade dos drow.
Alton procurava agora novos meios para obter a solução da sua demanda.
Primeiro, tentara os planos inferiores, o demónio de gelo, com efeitos
desastrosos. Agora, tinha na sua posse um objecto que poderia pôr fim às suas
frustrações: um tomo redigido por um mago do mundo da superfície. Na
hierarquia drow, só as sacerdotisas de Lolth lidavam com o reino dos mortos,
mas noutras sociedades, os magos também lidavam com o mundo dos espíritos.
Alton encontrara o livro na biblioteca de Sorcere e conseguira traduzir dele o
suficiente — ou pelo menos assim pensava — para fazer um contacto com os
espíritos.
Agitou as mãos, abriu o livro com um gesto brusco na página marcada e leu
pela última vez o encantamento.
— Estás pronto? — perguntou a Masoj.
— Não.
Alton ignorou o sarcasmo interminável do estudante e colocou as mãos
abertas sobre a mesa. Lentamente, mergulhou no seu transe meditativo mais

profundo.
— Fey innad… — fez uma pausa e pigarreou disfarçando o erro. Masoj,
embora não tivesse examinado o encantamento com atenção, dera pelo erro.
— Fey innunad de-min… — outra pausa.
— Que Lolth esteja connosco! — resmungou Masoj quase em surdina.
Os olhos de Alton abriram-se muito e lançou um olhar penetrante para o
estudante.
— É uma tradução — rosnou. — Da língua estranha de um mago humano!
— É uma algaraviada — retorquiu Masoj.
— Tenho diante de mim o livro de encantamentos privado de um mago do
mundo da superfície — disse Alton num tom calmo. — Um Arquimago,
segundo as garatujas do ladrão orc que o roubou e que o vendeu aos nossos
agentes — recompôs-se de novo e abanou a cabeça sem cabelos, tentando
regressar às profundezas do seu transe.
— Um simples e estúpido orc conseguiu roubar um livro de encantamentos de
um arquimago
declaração — murmurou
falasse Masoj retoricamente, deixando que o absurdo dessa
por si mesmo.
— O mago estava morto! — rugiu Alton. — O livro é autêntico!
— Quem o traduziu? — respondeu calmamente Masoj.
Alton recusou-se a ouvir mais argumentos. Ignorando o olhar trocista da cara
de Masoj, recomeçou:
— Fey innunad de-min de-sul de-ket.
Masoj calou-se e tentou ensaiar uma lição de uma das suas aulas, esperando
que os soluços de riso não perturbassem Alton. Não acreditava, nem por um
momento, que os esforços de Alton tivessem sucesso, mas não queria ser ele a
fazê-lo enganar-se outra vez, para depois ter de ouvir o tonto a repetir aquele
ridículo encantamento todo desde o princípio.
Pouco tempo depois, quando Masoj ouviu o murmúrio excitado de Alton —
«Matrona Ginafae?» — centrou rapidamente a atenção de novo no assunto que
tinha em mãos.
De facto, uma invulgar bola de fumo esverdeado apareceu por cima da chama
da vela e foi tomando, gradualmente, uma forma mais definida.
— Matrona Ginafae! — murmurou Alton de novo quando a conjuração
terminou. Pairando diante dele estava a imagem indesmentível do rosto da mãe

morta de Alton.
O espírito perscrutou a sala, confuso.
— Quem és tu? — perguntou por fim.
— Sou Alton. Alton DeVir, teu filho.
— Filho? — perguntou o espírito.
— Teu filho.
— Não me recordo de nenhum filho tão feio.
— É um disfarce — respondeu apressadamente Alton, olhando de soslaio para
Masoj, à espera de ver algum sorriso de troça. Mas se Masoj tinha troçado e
duvidado de Alton até aí, agora mostrava apenas um respeito sincero.
Sorrindo, Alton prosseguiu:
— É apenas um disfarce, para que possa andar pela cidade e exercer a
vingança sobre os nossos inimigos.
— Que cidade?
— Menzoberranzan, evidentemente.
Mesmo
— assim,Ginafae?
És mesmo o espírito—parecia não
insistiu compreender.
Alton. — A Matrona Ginafae DeVir?
As feições do espírito contorceram-se num esgar de desdém enquanto
apreciava a pergunta.
— Já o fui, penso.
— Matrona Mãe da Casa DeVir, Quarta Casa de Menzoberranzan — sugeriu
Alton, cada vez mais entusiasmado. — Alta Sacerdotisa de Lolth.
A menção à Rainha Aranha fez um raio saltar dentro do espírito.
— Oh, não — vacilou. Ginafae lembrava-se agora. — Não deverias ter feito
isto, meu feio filho.
— É apenas um disfarce — insistiu Alton.
— Tenho de te deixar — continuou o espírito de Ginafae, olhando em volta
receosamente. — Tens de me deixar partir!
— Mas preciso de algumas informações tuas, Matrona Ginafae.
— Não me chames isso! — guinchou o espírito. — Não compreendes! Não
estou nas boas graças de Lolth.
— Sarilhos… — murmurou Masoj casualmente, nada surpreendido.
— Apenas uma resposta! — exigiu Alton, recusando-se a perder mais uma
oportunidade de saber a identidade dos seus inimigos.


— Depressa!
Diz-me que—Casauivou o espírito.
destruiu a Casa DeVir.
— A Casa? — pensou Ginafae. — Sim, lembro-me dessa noite maligna. Foi a
Casa…
A bola de fumo estourou num novelo e perdeu os contornos, retorcendo a
imagem de Ginafae e fazendo com que as palavras seguintes chegassem numa
toada indecifrável.
Alton pôs-se de pé num salto.
— Não! — gritou. — Tens de me dizer! Quem são os meus inimigos?
— Ter-me-ias na conta de um deles? — disse a imagem do espírito numa voz
muito diferente da que tinha usado anteriormente, com um tom de poder
absoluto que fez fugir todo o sangue do rosto de Alton. A imagem contorceu-se e
transformou-se em algo muito feio, muito mais feio até do que Alton. Hediondo
para além de qualquer experiência possível no Plano Material.
Alton não era um sacerdote, evidentemente, e nunca estudara a religião drow
para aléma dos
conhecia princípios
criatura básicos
que agora que no
pairava eram ensinados
ar diante dele,aos machos
pois da raça.como
esta aparecia Mas
um pedaço pegajoso e escorregadio de cera derretida: era uma yochlol, uma aia
de Lolth.
— Como te atreves a perturbar os tormentos de Ginafae? — interrogou a
ochlol.
— Raios — murmurou Masoj, deslizando lentamente para debaixo da toalha
preta que cobria a mesa. Até mesmo ele, apesar de todas as suas dúvidas acerca
de Alton, não esperara que o seu desfigurado mentor acabasse metido em
sarilhos desta magnitude.
— Mas… — gaguejou Alton.
— Nunca mais perturbes este Plano, fraco feiticeiro! — rugiu a yochlol.
— Não tentei chegar ao Abismo — protestou fracamente Alton. — Só queria
falar com…
— Com Ginafae! — retorquiu a yochlol. — Sacerdotisa caída em desgraça de
Lolth. Onde esperavas encontrar o espírito dela, macho tonto? A dançar no
Olimpo, com os falsos deuses dos elfos da superfície?
— Não pensei…
— Será que alguma vez o fizeste? — troçou a yochlol.

— fora
mais Nadinha — respondeu
do caminho Masoj
que fosse em surdina, com o cuidado de se manter o
possível.
— Nunca mais voltes a perturbar este Plano — avisou a yochlol uma última
vez. — A Rainha Aranha não é piedosa e não tolera machos intrometidos!
O rosto da criatura inchou e fez um «puf», expandindo-se para além dos
limites da bola de fumo. Alton ouviu ruídos de gorgolejos e soluços e caiu de
novo no seu banco, encostando as costas pesadamente à parede e colocando os
braços defensivamente à frente da cara.
A boca da yochlol abriu-se desmesuradamente e cuspiu uma chuva de
pequenos objectos. Estes fizeram ricochete em Alton e foram cravar-se na
parede em volta. Pedras? — interrogou-se o feiticeiro sem rosto, confundido.
Um dos objectos deu-lhe então a resposta à pergunta que não chegara a formular.
Agarrou-se às vestes longas e negras de Alton e começou a rastejar para cima,
até ao pescoço. Eram aranhas.
Uma onda de bichos de oito pernas correu por baixo da mesa, fazendo Masoj
sair a correr
virar-se, paradover
outro lado,a tropeçando,
Alton esbracejar edesesperado.
a bater comConseguiu pôr-se de pé e
os pés selvaticamente,
tentando fugir do grupo mais denso daquelas coisas rastejantes.
— Não as mates! — gritou Masoj. — Matar aranhas é proibido pelo…
— Que as sacerdotisas e as suas leis vão para os Nove Infernos! — uivou
Alton em resposta.
Masoj encolheu os ombros, num assentimento sem alternativa; vasculhou por
debaixo das pregas das vestes e retirou de lá o mesmo arco que usara para matar
o Sem Rosto, havia tantos anos. Apreciou a potente arma e as pequenas aranhas
que corriam pela sala.
— Será demasiado poder? — perguntou em voz alta. Não obtendo resposta,
encolheu os ombros e disparou.
O pesado dardo rasgou o ombro de Alton, deixando um golpe profundo. O
mago ficou a olhar, incrédulo, e depois dardejou uma careta mortífera contra
Masoj.
— Tinhas uma no ombro — explicou o estudante.
A expressão de fúria de Alton não diminuiu.
— Ingrato — riu-se Masoj. — Insensato Alton! Todas as aranhas estão do teu
lado da sala. Já reparaste? — Masoj virou-se para sair e ainda gritou por cima do

ombro:
Deitou—aBoa
mãocaçada.
ao puxador da porta, mas enquanto os seus longos dedos se
fechavam em volta deste, a superfície do portal transformou-se numa grande
imagem da Matrona Ginafae. Esta sorria largamente, demasiado abertamente, e
uma língua impossivelmente comprida e húmida espreitou para fora e lambeu
Masoj no rosto.
— Alton! — gritou Masoj, saltando para trás e encostando-se à parede, fora
do alcance daquele membro viscoso. Reparou que o mago estava a meio da
recitação de um encantamento. Alton estava a debater-se por manter a
concentração enquanto uma legião de aranhas prosseguia a sua esfaimada
ascensão pelas suas vestes.
— Estás morto — comentou Masoj, sem artifícios, abanando a cabeça.
Alton lutou para prosseguir o rigoroso ritual do encantamento; ignorou a
repulsa por aquelas coisas rastejantes e forçou a convocação até estar completa.
Em todos os seus anos de estudo, nunca teria acreditado que fosse capaz de fazer
uma tal muito
destino coisa.mais
Ter-se-ia rido só
preferível do de
quepensar nisso.pendente
o pesadelo Agora, porém, parecia-lhe um
da yochlol.
Deixou cair uma bola de fogo aos pés.
u e sem cabelo, Masoj saiu aos tropeções pela porta, fugindo daquele inferno.
O mestre sem rosto e em chamas foi atrás dele, caindo num rolo e rasgando as
vestes em fogo e descolando-as das costas enquanto avançava.
Enquanto observava Alton a apagar as últimas chamas com palmadas, uma
recordação agradável relampejou na mente de Masoj, e expressou o único
lamento que dominava todos os seus pensamentos nesse momento desastroso.
— Deveria tê-lo morto quando o tinha preso na teia.
Pouco tempo depois, após Masoj ter regressado ao quarto e aos estudos, Alton
enfiou as pulseiras metálicas ornamentais que o identificavam como mestre da
Academia e saiu da estrutura de Sorcere. Avançou até à larga e serpenteante
escadaria que descia desde Tier Breche e sentou-se a apreciar a vista de
Menzoberranzan.
Mesmo com essa visão, porém, a cidade pouco fazia para distrair Alton dos
pensamentos acerca do seu mais recente falhanço. Durante dezasseis anos pusera
de parte todos os outros sonhos e ambições, na sua desesperada busca para
encontrar a Casa culpada. Durante dezasseis anos, falhara.
Interrogou-se sobre quanto tempo mais conseguiria perseguir esta charada e
manter o ânimo. Masoj, seu único amigo — se era que Masoj se poderia chamar
um amigo — estava a mais de meio caminho nos estudos em Sorcere. Que faria
Alton quando Masoj completasse os estudos e regressasse à Casa Hun’ett?
— Talvez tenha de arrastar os meus fardos ainda durante séculos — disse em
voz alta —, para depois acabar assassinado por algum estudante desesperado, tal
como eu próprio — tal como Masoj — matámos o Sem Rosto. Será que também
esse estudante se irá desfigurar e assumir o meu lugar?
Alton não conseguiu impedir a risadinha irónica que lhe perpassou pela boca
sem lábios, perante a ideia de um «mestre sem rosto» perpétuo em Sorcere. Em
que ponto acabaria a Matrona Governanta da Academia por desconfiar de
alguma coisa? Mil anos? Dez mil? Ou poderia mesmo o Sem Rosto perdurar
para além da própria Menzoberranzan? A vida de mestre não era má, pensou
Alton. Muitos drow sacrificariam muita coisa para atingirem essa honra.
Alton deixou
pensamentos. o rosto
Não repousar
era um mestre na curva do nem
verdadeiro, braçoa eposição
obrigou-se a afastar
usurpada lhe esses
trazia
qualquer espécie de satisfação. Talvez Masoj devesse mesmo tê-lo morto nesse
dia, dezasseis anos antes, em que estava preso na teia do Sem Rosto.
O desespero de Alton apenas se tornou mais profundo quando apreciou a
verdadeira escala temporal implicada em tudo isto. Mal tinha completado o seu
septuagésimo aniversário e era ainda, pelos padrões drow, um jovem. A ideia de
que apenas um décimo da sua vida tinha ainda ficado para trás não era uma ideia
reconfortante para Alton DeVir, nessa noite.
— Quanto tempo sobreviverei? — perguntou-se. — Quanto tempo tenho até
que esta loucura que é a minha existência acabe por me consumir? — Olhou por
cima da cidade. — Mais valia que o Sem Rosto me tivesse morto — murmurou.
— Pois agora sou apenas Alton de Casa Nenhuma que Valha a Pena Mencionar.
Masoj atribuíra-lhe esse epíteto na primeira manhã após a queda da Casa
DeVir, mas nessa altura, com a vida presa por um fio, Alton não entendera as
implicações desse título. Menzoberranzan não era mais do que uma colecção de
casas individuais. Um comum vagabundo bem poderia bater à porta de uma
delas e passar a chamar-lhe sua. Mas um nobre caído em desgraça não seria
provavelmente aceite por nenhuma casa da cidade. Restava-lhe Sorcere, e nada

mais, atéteria
punições que então
a suadeverdadeira
enfrentar, identidade fosse
pelo crime de finalmente
matar descoberta.
um mestre Que
da Academia?
Ainda que tivesse sido Masoj a cometer o crime, esse tinha uma Casa para o
defender. Alton era apenas um nobre isolado.
Encostou-se, apoiando-se nos cotovelos, e observou a luz crescente de
arbondel. Enquanto os minutos se iam tornando horas, o desespero de Alton e
a sua auto-comiseração foram-se alterando inevitavelmente. Agora, voltava a
atenção de novo para as casas de Menzoberranzan, e não para o conglomerado
que fazia delas uma cidade, e interrogou-se sobre que negros segredos cada uma
delas esconderia. Uma delas, lembrou Alton a si mesmo, guardava o segredo que
ele mais ardentemente queria conhecer. Uma delas tinha eliminado a Casa DeVir.
Esquecido estava já o falhanço dessa noite com a Matrona Ginafae e a
ochlol; esquecido estava já o lamento por uma morte prematura. Dezasseis anos
não era assim tanto tempo, decidiu. Teria talvez sete séculos de vida no seu
corpo esguio. Se tivesse de ser, estava preparado para passar cada minuto desses
longos anos em —
— Vingança busca da Casa
uivou bem culpada.
alto, necessitado dessa lembrança audível da sua
única razão para continuar a respirar.
Zak continuou a pressionar com uma série de golpes baixos. Drizzt tentou recuar
rapidamente e regressar a pé de igualdade, mas o ataque sem tréguas seguia cada
passo que dava, e foi forçado a manter os movimentos exclusivamente na
defensiva. A maior parte das vezes, Drizzt acabava por ver os punhos das suas
armas mais próximos de Zak do que as lâminas.
Zak deixou-se então cair numa posição baixa e depois saltou avançando
contra a defesa de Drizzt.
Drizzt rodopiou as cimitarras numa cruz executada com mestria, mas teve de
se endireitar rapidamente para evitar o assalto igualmente ágil do mestre de
armas. Drizzt sabia que tinha sido emboscado e esperava já o ataque seguinte,
enquanto Zak mudava o peso do corpo para a outra perna e carregava, com as
pontas de ambas as espadas apontadas aos rins de Drizzt.
Drizzt rosnou uma maldição surda e colocou as suas cimitarras numa cruz
baixa, pretendendo usar o V formado pelas armas para aparar o golpe das
espadas do mestre. Num súbito impulso, hesitou enquanto interceptava as
espadas de Zak, e em vez disso saltou para trás, apanhando um doloroso golpe
no lado interior da coxa. Irritado, lançou ambas as cimitarras ao chão.
Zak também saltou para trás. Mantinhas as espadas ao lado do corpo, com um
ar de sincera confusão no rosto.
— Não devias ter falhado esse movimento — disse secamente.
— Os movimentos
Aguardando estão erradosZak
mais explicações, — baixou
respondeu Drizzt.
a ponta de uma espada e apoiou-se
na arma. Em anos passados, tinha ferido, e até morto, outros estudantes por um
desafio tão descarado.
— A posição em cruz baixa sustém o ataque, mas com que vantagem? —
prosseguiu Drizzt. — Depois de completado o movimento, as pontas das minhas
espadas continuam demasiado em baixo para qualquer rotina de ataque eficaz, e
tu ficas livre para recuar incólume.
— Mas derrotaste o meu ataque.
— Apenas para enfrentar outro a seguir — argumentou Drizzt. — A melhor
posição que posso esperar obter destas defesas em cruz baixa é uma posição de
igualdade.
— Sim… — incentivou Zak, sem compreender o problema do aluno com esse
cenário.
— Lembra-te da tua própria lição! — gritou Drizzt. — Cada movimento deve
trazer
em usaruma vantagem,
a cruz baixa. segundo me ensinaste, mas não vejo qualquer vantagem
— Estás a citar apenas uma parte dessa lição, para tua vantagem — troçou
Zak, agora a ficar igualmente zangado. — Completa a frase, ou então
simplesmente não a uses! «Cada movimento deve trazer uma vantagem ou
eliminar uma desvantagem». A cruz baixa derrota o duplo golpe baixo e o teu
oponente ganha obviamente a vantagem se tentar uma manobra tão ousada de
ataque! Regressar a uma posição de igualdade é de longe preferível, nesse
momento.
— Os movimentos estão errados — disse Drizzt teimosamente.
— Pega nas tuas armas — rosnou-lhe Zak, dando um passo ameaçador em
frente. Drizzt hesitou e Zak atacou, com as espadas em riste.
Drizzt baixou-se, pegou nas cimitarras e ergueu-se para enfrentar o assalto
enquanto se indagava se isto seria mais uma lição ou um verdadeiro ataque.
O mestre de armas carregou furiosamente, lançando golpe atrás de golpe e
fazendo Drizzt recuar em círculos. Drizzt defendeu-se bastante bem e começou a
notar um padrão muito familiar enquanto os ataques de Zak começavam a surgir
cada vez mais baixos, mais uma vez forçando os punhos das armas de Drizzt a
subir e a ficarem acima das lâminas.

Drizzt percebeu
palavras. Vendo a que
fúriaZak
no queria provar
rosto de Zak, oporém,
seu argumento comestava
Drizzt não acções, e não
certo de por
até
onde o mestre de armas estaria disposto a ir para provar o seu argumento. Se Zak
mostrasse estar certo nas suas observações, atacaria de novo a coxa de Drizzt?
Ou o coração? Zak subia e descia, e Drizzt endireitava-se e ficava em tensão.
— Duplo golpe baixo — rugiu o mestre de armas. E as suas armas
carregaram.
Drizzt estava pronto para ele. Executou uma cruz baixa, sorrindo trocista
perante o círculo de metal das suas cimitarras cruzadas diante das espadas que
avançavam para ele. Drizzt prosseguiu depois com apenas uma das suas lâminas,
pensando que conseguiria desviar suficientemente bem ambas as espadas de Zak
dessa forma. Agora, com uma lâmina livre do movimento previsto, Drizzt fê-la
rodar num contra-ataque traiçoeiro.
Assim que Drizzt mudou a direcção, Zak percebeu a manha — um truque que
á suspeitava que Drizzt tentasse. Baixou a ponta de uma das suas espadas — a
que
chão,estava maistentando
e Drizzt, perto domanter
punhoa da única espada
resistência de defesaaodelongo
e o equilíbrio Drizzt
da — até ao
cimitarra
de bloqueio, perdeu o pé. Era suficientemente rápido para se reequilibrar antes
de cambalear demasiado, ainda que os nós dos dedos tivessem chegado a roçar a
pedra do chão. Continuava a acreditar que tinha Zak apanhado na sua ratoeira, e
que poderia terminar o seu brilhante contra-ataque. Deu um pequeno passo para
diante, para recuperar o equilíbrio completo.
O mestre de armas agachou-se de imediato, sob o arco da cimitarra rodopiante
de Drizzt, e deu uma volta completa, levando um calcanhar a bater no joelho
exposto de Drizzt. Antes que Drizzt se desse sequer conta do ataque, deu
consigo caído de costas no chão.
Zak interrompeu abruptamente o seu próprio balanço e voltou a colocar os pés
no chão na posição normal. Antes que Drizzt conseguisse começar a perceber o
estonteante contra-contra-ataque, deu com o mestre de armas por cima dele, com
a ponta da espada a fazer jorrar uma minúscula e dolorosa gota de sangue no seu
pescoço.
— Tens mais alguma coisa a dizer? — rosnou Zak.
— Os movimentos estão errados — respondeu Drizzt.
A gargalhada de Zak veio-lhe das entranhas. Deitou a espada ao chão, baixou-

se e puxou
olhar o teimoso
a enfrentar aluno
o olhar para
cor de o pôr dedepé.
alfazema Acalmou-se
Drizzt, enquantorapidamente,
empurrava ocom o
aluno
para a distância de um braço. Zak admirava a facilidade com que Drizzt se
posicionava, a forma como manejava as cimitarras gémeas como se fossem uma
extensão natural dos braços. Drizzt apenas estava a treinar desde havia alguns
meses, mas já dominava o uso de quase todas as armas do vasto armorial da
Casa Do’Urden.
Aquelas cimitarras! As armas de eleição de Drizzt, com lâminas curvas que
aumentavam o estonteante rodopio do estilo de combate do jovem drow. Com
aquelas cimitarras nas mãos, este jovem drow, que pouco mais era ainda do que
uma criança, poderia vencer metade dos membros da Academia, e um arrepio
percorreu a espinha de Zak quando ponderou sobre o quão magnifico se tornaria
após anos de treino.
Mas não eram apenas as capacidades físicas e o potencial de Drizzt Do’Urden
que faziam Zak parar e apreciar o aluno. Zak acabara por perceber que o
temperamento
possuía de Drizzt
um espírito de era de factoediferente
inocência, do nenhuma
não tinha de um drow mediano;
maldade. ZakDrizzt
não
conseguia deixar de sentir-se orgulhoso quando olhava para Drizzt. Em todos os
aspectos, o jovem drow seguia os mesmos princípios — uma moral tão invulgar
em Menzoberranzan — que Zak.
Drizzt também reconhecera a ligação, embora não fizesse ideia de como as
visões partilhadas entre ele e Zak eram tão singulares naquele mundo drow tão
maligno. Percebia que o «Tio Zak» era diferente de qualquer outro dos elfos
negros que já conhecera, muito embora estes incluíssem apenas os da sua família
e umas dezenas de soldados da Casa. Zak era decerto muito diferente de Briza, a
irmã mais velha de Drizzt, com as suas ambições de zelo quase cego pela
misteriosa religião de Lolth. Zak era decerto diferente da Matrona Malice, mãe
de Drizzt, que parecia nunca dizer nada a Drizzt a não ser ordens.
Zak era capaz de sorrir perante situações que não provocavam
necessariamente sofrimento a ninguém. Era o primeiro drow que Drizzt
conhecera que estava aparentemente contente com a sua situação na vida. Zak
era o primeiro drow que Drizzt alguma vez ouvira rir.
— Boa tentativa — admitiu o mestre de armas perante o falhado contra-ataque
de Drizzt.


— Numa
Claro — verdadeira
disse Zakbatalha,
—, mas estaria
é pormorto — respondeu
isso mesmo Drizzt. O teu plano
que treinamos.
era de mestre, e o momento perfeito. Só que a situação era a errada. Mesmo
assim, volto a dizer que foi uma boa tentativa.
— Já estavas à espera disso — disse o estudante.
Zak sorriu e assentiu.
— Isso será talvez porque já vi essa manobra a ser tentada por outro aluno.
— Contra ti? — perguntou Drizzt, sentindo-se um pouco menos especial,
agora que sabia que as suas intuições em combate não eram tão singulares.
— Nada disso — respondeu Zak com uma piscadela de olho. — Vi o contra-
ataque falhar da mesma perspectiva que tu, com o mesmo resultado.
O rosto de Drizzt iluminou-se de novo.
— Pensamos da mesma maneira — comentou.
— É verdade — disse Zak —, mas o meu conhecimento foi crescendo com
quatro séculos de experiência, enquanto tu nem sequer ainda viveste muitos
anos. Acredita,
— Talvez — meu ambicioso
respondeu aluno. O movimento correcto é a cruz baixa.
Drizzt.
Zak disfarçou um sorriso.
— Quando encontrares um contra-ataque melhor, tentá-lo-emos. Mas até lá,
acredita no que te digo. Treinei mais soldados do que me consigo sequer
lembrar; todo o exército da Casa Do’Urden, e dez vezes esse número quando
servi como mestre em Melee-Magthere. Ensinei Rizzen, todas as tuas irmãs e
ambos os teus irmãos.
— Ambos?
— Eu… — Zak fez uma pausa e lançou um olhar intrigado a Drizzt. — Estou
a ver — disse por fim. — Nunca se deram sequer ao trabalho de te dizer.
Zak interrogou-se se lhe competiria a ele dizer a verdade a Drizzt. Duvidava
de que a Matrona Malice se importasse com isso; provavelmente, não dissera
nada a Drizzt simplesmente porque não considerara a história da morte de
alfein digna de menção.
— Sim, ambos — decidiu-se Zak a explicar. — Quando nasceste, tinhas dois
irmãos: Dinin, que conheces, e outro mais velho, Nalfein, que era um mago de
poder considerável. Nalfein foi morto em combate na mesma noite em que
nasceste.

— Contracomo
arregalados anões
umaoucriança
gnomosquemalignos? — história
implora uma murmurou Drizzt,antes
de arrepiar de olhos
de ir
para a cama. — Estava a defender a cidade de conquistadores malvados ou
monstros vagabundos?
Zak teve dificuldade em reconciliar as percepções distorcidas das crenças
inocentes de Drizzt. «Enterrem-se os jovens em mentiras», disse para consigo.
Mas a Drizzt respondeu:
— Não.
— Então contra algum oponente ainda mais manhoso? — insistiu Drizzt. —
Elfos perversos da superfície?
— Morreu às mãos de outro drow! — deixou escapar Zak, frustrado,
apagando o entusiasmo dos olhos brilhantes de Drizzt.
Drizzt recuou para considerar as possibilidades, e Zak mal conseguia suportar
a visão da confusão que fazia contorcer o rosto do jovem drow.
— Guerra contra outra cidade? — perguntou Drizzt sombriamente. — Não
sabia…
Zak deixou o assunto morrer aí. Voltou-se e dirigiu-se lentamente para o seu
aposento privado. Que Malice ou um dos seus lacaios destruíssem a lógica
inocente de Drizzt. Atrás dele, Drizzt conteve a sua linha de perguntas seguintes,
compreendendo que a conversa, e a aula, tinham acabado. E percebendo,
também, que alguma coisa importante tinha transpirado.
O mestre de armas lutou com Drizzt durante longas horas, à medida que os dias
se iam transformando em semanas, e as semanas em meses. O tempo tornara-se
algo sem importância; lutavam até a exaustão os dominar, e regressavam à arena
de combate assim que estavam capazes disso.
Ao terceiro ano, com dezanove anos, Drizzt era capaz de enfrentar o mestre de
armas durante horas, tomando até a ofensiva em muitos dos seus embates.
Zak apreciava estes dias. Pela primeira vez em muitos anos, encontrara
alguém com potencial para se tornar seu igual em combate. Pela primeira vez de
que Zak se lembrava, o riso acompanhava muitas vezes o clamor do embate de
armas de adamantite na sala de treino.
Viu Drizzt crescer até ficar alto e esguio, atento e sempre em tensão, para
além de inteligente. Os mestres da Academia teriam dificuldade em encontrar
um rival à altura de Drizzt, até mesmo ao fim do seu primeiro ano!
Esse pensamento entusiasmava o mestre de armas apenas durante o tempo
necessário para se lembrar dos princípios da Academia, dos preceitos da vida
drow, e do que fariam do seu maravilhoso aluno. Como apagariam aquele sorriso
dos olhos de alfazema de Drizzt…
Uma recordação acutilante desse mundo drow exterior à sala de treino visitou-
os um dia, na pessoa da Matrona Malice.
— Dirige-te a ela com o devido respeito — avisou Zak quando Maya
anunciou a entrada da Matrona Mãe.
O mestre de armas avançou prudentemente alguns passos para saudar em
privado a cabeça da Casa Do’Urden.
— As minhas saudações, Matrona — disse, com uma profunda vénia. — A
que devo a honra da tua presença?
A Matrona Malice riu-se dele, desfazendo aquela fachada.
— Tanto tempo que tu e o meu filho passam aqui — disse a Matrona. — Vim
para
—ver queexcelente
É um benefícios tem isso—para
guerreiro o rapaz. Zak.
garantiu-lhe
— É bom que seja — murmurou Malice. — Irá para a Academia dentro de um
ano.
Zak semicerrou os olhos para ela, perante as palavras de dúvida, e respondeu:
— A Academia nunca viu melhor espadachim.
A Matrona afastou-se de Zak e foi pôr-se diante de Drizzt.
— Não duvido das tuas proezas com a espada — disse a Drizzt, embora
lançando um olhar para trás, para Zak, enquanto dizia isto. — Tens o sangue
necessário. Mas há outras qualidades que fazem um guerreiro drow; qualidades
do coração. A atitude de um guerreiro!
Drizzt não sabia como lhe responder. Apenas a vira algumas vezes ao longo
daqueles três anos, e mal tinham trocado uma palavra.
Zak viu a confusão na cara de Drizzt e receou que o rapaz cometesse algum
deslize — que era precisamente o que a Matrona queria. Depois, Malice teria
uma desculpa para retirar Drizzt da tutela de Zak — desonrando-o de caminho
— para o entregar a Dinin ou a outro assassino qualquer sem paixão. Zak podia
ser o melhor instrutor com a espada, mas agora que Drizzt aprendera o uso das
armas, Malice queria-o emocionalmente endurecido.

Zak não podia


Desembainhou arriscar;
a espada dava demasiado
e carregou por trás da valor ao Malice,
Matrona seu tempo com Drizzt.
gritando:
— Mostra-lhe, jovem guerreiro!
Os olhos de Drizzt tornaram-se focos de chamas enquanto via a aproximação
do seu instrutor. As cimitarras surgiram-lhe nas mãos tão rapidamente como se
apenas tivesse exercido a vontade de as fazer aparecer.
E ainda bem que assim era! Zak avançou para Drizzt com uma fúria que o
ovem drow nunca antes vira, ainda mais do que quando Zak lhe mostrara o
valor do movimento de cruz baixa. Saltaram faíscas quando as espadas
embateram contras as cimitarras, e Drizzt deu consigo a recuar, com ambos os
braços já doridos devido à força do embate dos golpes do mestre.
— Que estás tu a… — tentou Drizzt perguntar.
— Mostra-lhe — rosnou Zak, assestando golpe atrás de golpe.
Drizzt escapou à justa a um golpe que o teria certamente deixado morto. Mas
a confusão mantinha os seus movimentos puramente na defensiva.
Zak bateu
guarda, numa
e depois dasuma
usou cimitarras de Drizzt, levando
arma inesperada, e depoisum
na pé
outra, fazendo
direito até aoabrir
nívela
do olhos e assestando depois um golpe com o calcanhar no nariz de Drizzt.
Drizzt ouviu o som de cartilagem a partir e sentiu o calor do seu próprio
sangue a correr-lhe pela cara. Recuou e rodopiou, tentando manter uma distância
segura do seu oponente enlouquecido, até conseguir recuperar os sentidos.
Agachado, viu Zak, a curta distância e a aproximar-se.
— Mostra-lhe! — uivava Zak zangado, a cada passo ameaçador.
As chamas púrpura do fogo feérico banhavam a pele de Drizzt, fazendo dele
um alvo ainda mais fácil. Respondeu da única maneira que podia; fez descer um
globo de escuridão sobre si próprio e Zak. Pressentindo o movimento seguinte
do mestre de armas, caiu para a frente e saltou para diante, mantendo a cabeça
baixa — o que foi uma escolha sábia.
Assim que se apercebeu da escuridão, Zak levitou rapidamente a três metros
de altura e rodopiou de novo, girando as suas lâminas ao nível da cara de Drizzt.
Quando Drizzt saiu pelo outro lado do globo escuro, olhou para trás e apenas
viu a metade inferior das pernas de Zak. Não precisou de ver mais nada para
perceber os ataques mortíferos do mestre de armas. Zak tê-lo-ia esquartejado, se
não se tivesse agachado na escuridão.

A ira tomou
levitação e saiu oa correr
lugar da
do confusão. Quando Zak
globo de escuridão, desceu
Drizzt da que
deixou sua aposição
sua irade
o
conduzisse de novo para a luta. Fez uma pirueta mesmo antes de atingir Zak,
com uma cimitarra a cortar uma linha em arco graciosa, e com a outra a segui-la
num golpe vertical traiçoeiramente certeiro.
Zak esquivou-se à ponta da primeira lâmina e ergueu um bloqueio à segunda.
Drizzt ainda não tinha acabado. Deu à sua lâmina atacante uma série de breves
e viciosos golpes em frente que mantiveram Zak na defensiva durante uma dúzia
de passos, ou mais, forçando-o a regressar à escuridão do globo. Tinham agora
de confiar apenas nos seus incrivelmente afinados sentidos de audição e nos
instintos. Zak conseguiu por fim recuperar o pé, mas Drizzt pôs imediatamente
os seus pés em movimento, pontapeando sempre que o equilíbrio das suas
lâminas rodopiantes o permitiam. Um pé conseguiu mesmo passar pelas defesas
do mestre de armas, fazendo o ar sair de súbito dos pulmões do mestre.
Saíram de novo do globo e também Zak brilhava agora bem à vista, banhado
pela luz feérica.
desenhava O do
no rosto mestre de armas
seu jovem sentiu-se
aluno, desgostado
mas percebeu com vez,
que desta o ódio
nemque se
a ele,
nem a Drizzt tinha sido dada hipótese de escolha. Esta luta teria de ser feia, teria
de ser real. Gradualmente, Zak recuperou um ritmo mais simples,
exclusivamente defensivo, e deixou que Drizzt, na sua fúria explosiva, se
desgastasse.
Drizzt continuou incessantemente, sem dar tréguas e sem dar sinais de
cansaço. Zak ia-o ludibriando, fazendo-o ver abertas onde afinal não as havia, e
Drizzt era sempre rápido a seguir as pistas enganadoras, lançando um golpe, uma
parada ou um pontapé.
A Matrona Malice observava o combate em silêncio. Não poderia negar a
magnitude do treino que Zak dera ao filho; Drizzt estava — fisicamente — mais
do que preparado para o combate.
Zak também sabia que, para a Matrona Malice, a simples perícia com as
armas poderia não ser suficiente. Zak tinha de impedir a Matrona de conversar
com Drizzt o mais possível. Porque ela não aprovaria as atitudes do filho.
Drizzt estava a começar a cansar-se, e Zak conseguia perceber isso, embora
reconhecendo que o cansaço evidente nos braços do aluno era, em parte, uma
artimanha.

— Avança
tornozelo, comcom isso —
o braço murmurou
direito a rodarsilenciosamente,
aberto enquantoe tentava
de súbito «torceu» o
equilibrar-se,
abrindo uma brecha nas suas defesas a que Drizzt não poderia resistir.
O golpe esperado veio num ápice e o braço esquerdo de Zak abateu-se num
contragolpe curto que fez saltar a cimitarra da mão de Drizzt.
— Ah! — gritou Drizzt, que já esperava o movimento e estava a lançar a sua
segunda astúcia. A cimitarra que lhe restava abateu-se sobre o ombro esquerdo
de Zak, carregando inevitavelmente sobre a sequência da troca de golpes.
Mas na altura em que Drizzt ia lançar o segundo golpe, Zak já estava de
oelhos. Enquanto a lâmina de Drizzt voava inofensivamente por cima dele, Zak
pôs-se de pé e lançou um gancho de direita, com o punho para a frente, que
apanhou Drizzt em cheio na cara. Um Drizzt estupefacto deu um salto para trás e
ficou em perfeita imobilidade durante um longo momento. A cimitarra que lhe
restava caiu no chão e os olhos brilhantes não pestanejaram.
— Uma manha dentro de outra manha, dentro de outra manha — explicou
Zak calmamente.
Drizzt caiu redondo no chão, inconsciente.
A Matrona Malice acenou em sinal de aprovação enquanto Zak regressava
para junto dela.
— Está pronto para a Academia — notou. O rosto de Zak tomou uma
expressão amarga. Não respondeu. — Vierna já lá está — prosseguiu ela. —
Para ensinar como Dama de Arach-Tinilith, a Escola de Lolth. É uma grande
honra.
Um louro na coroa da Casa Do’Urden, como Zak bem sabia; mas era
suficientemente esperto para se manter calado.
— E Dinin partirá em breve — disse a Matrona.
Zak ficou surpreendido. Dois filhos a servirem na Academia como mestres, ao
mesmo tempo?
— Deves ter trabalhado muito para conseguir essas disposições — atreveu-se
a notar.
A Matrona Malice sorriu.
— Favores que eram devidos, favores que foram cobrados.
— Para que finalidade? — perguntou Zak. — Para protecção de Drizzt?
Malice soltou uma gargalhada.


ZakPor aquilooque
mordeu vi,perante
lábio seria mais provável ser
o comentário daDrizzt a proteger
Matrona. os outros dois.
Dinin continuava a ser
duas vezes melhor guerreiro e um matador dez vezes mais desapiedado do que
Drizzt. Zak sabia que Malice teria outros motivos.
— Três das oito primeiras Casas serão representadas por não menos de quatro
filhos na Academia ao longo das próximas duas décadas — admitiu a Matrona
Malice. — O filho da Matrona Baenre começará na mesma classe de Drizzt.
— Tens, então, aspirações — disse Zak. — Quão alto, pois, subirá a Casa
Do’Urden sob a orientação de Matrona Malice?
— O sarcasmo ainda te há-de custar a língua — avisou a Matrona Mãe. —
Seríamos loucos se não aproveitássemos uma tal oportunidade para sabermos
mais acerca dos nossos rivais.
— As primeiras oito Casas — conjecturou Zak. — Tem cautela, Matrona
Malice. Não te esqueças de ser previdente para a hipótese de surgirem rivais nas
Casas menos importantes. Houve em tempos uma Casa, chamada Casa DeVir,
que—cometeu
Nenhumesse erro.virá pelas costas — desdenhou Malice. — Somos a Nona
ataque
Casa, mas possuímos mais força do que uma mão-cheia de outras. Nenhuma nos
atacará pelas costas; há alvos mais fáceis na fila.
— E tudo para nossa vantagem — acrescentou Zak.
— Esse é o objectivo de tudo, não será? — perguntou Malice, com um sorriso
malvado escancarado na boca.
Zak não precisava de responder; a Matrona conhecia os seus verdadeiros
sentimentos. Esse não era, precisamente, o objectivo.

— Fala menos, e o teu queixo sarará mais depressa — disse Zak mais tarde,
quando estava já de novo a sós com Drizzt.
Drizzt lançou-lhe um olhar de desprezo. O mestre de armas abanou a cabeça.
— Tornámo-nos grandes amigos — disse.
— Isso era o que eu pensava — resmungou Drizzt.
— Então, pensa com clareza — instou Zak. — Acreditas que a Matrona
Malice aprovaria uma tal ligação entre o seu mestre de armas e o seu filho mais
ovem — e mais valioso? És um drow, Drizzt Do’Urden, e de sangue nobre. Não
podes ter amigos!
Drizzt endireitou-se como se tivesse levado uma bofetada.
— Pelo menos, abertamente — concedeu Zak, pousando um mão
reconfortadora no ombro do jovem. — Amigos significam vulnerabilidade, uma
vulnerabilidade indesculpável. A Matrona Malice nunca aceitaria… — fez uma
pausa, percebendo que estava a ir depressa demais para o seu jovem aluno. —
Bom — admitiu numa conclusão simples —, pelo menos sabemos o que somos.
Por qualquer razão, a Drizzt isso não pareceu o suficiente.
— Vem, depressa — instruiu Zak a Drizzt uma noite, depois de terem acabado o
treino. Dada a urgência do tom do mestre de armas, e tendo em conta que Zak
nem sequer parara para esperar por ele, Drizzt percebeu que algo importante
estava a acontecer.
Apanhou finalmente Zak na varanda da Casa Do’Urden, onde já estavam
Maya e Briza.
— O que é? — perguntou Drizzt.
Zak puxou-o para perto e apontou para o outro lado da caverna, para os
limites nordeste da cidade. Havia luzes a relampejar e depois a morrer
lentamente, em jorros súbitos. Um pilar de fogo ergueu-se no ar e depois
desapareceu.
— Um raide — disse Briza sem emoção. — Casas menores, nada que nos
afecte.
Zak viu que Drizzt não estava a compreender.
— Uma Casa atacou outra — explicou. — Vingança, talvez, mas mais
provavelmente uma tentativa para subir a uma posição mais alta na cidade.
— A batalha está a ser longa — notou Briza. — E as luzes continuam a
relampejar.
Zak continuou a esclarecer o evento ao confuso Segundo Rapaz da Casa
Do’Urden.
—deOsescuridão.
anel atacantesOdeveriam
facto de ter
nãobloqueado a batalha
o terem feito poderá dentro
indicardos
que confins de um
a Casa sitiada
estava pronta para se defender do ataque.
— Não está a correr tudo bem para os atacantes — concordou Maya.
Drizzt mal conseguia acreditar no que estava a ouvir. Ainda mais alarmante do
que o acontecimento em si, era a forma como a sua família falava acerca dele.
Eram tão calmos nas suas descrições, como se tudo aquilo fosse uma
ocorrência já esperada.
— Os atacantes não podem deixar ficar nenhuma testemunha — explicou Zak
a Drizzt. — Caso contrário, incorrerão na ira do Conselho Governante.
— Mas nós somos testemunhas — argumentou Drizzt.
— Não — respondeu Zak. — Somos espectadores; esta batalha não nos diz
respeito. Só os nobres da Casa atacada têm o direito de fazer acusações contra os
seus atacantes.
— Se restarem alguns vivos — acrescentou Briza, apreciando obviamente o
drama.
Nesse momento, Drizzt não tinha a certeza se apreciava esta nova revelação.
Mas, sentisse o que sentisse, descobriu que não conseguia desviar os olhos do
espectáculo da batalha entre os drow. Todo o complexo Do’Urden estava agora
em rebuliço, com soldados e escravos correndo por todo o lado, em busca de um
local de observação e gritando descrições da acção e boatos acerca dos atacantes.
Isto era a sociedade drow em plena e macabra diversão, e se bem que tudo
isso parecesse derradeiramente errado ao mais jovem membro da Casa
Do’Urden, Drizzt não poderia negar a excitação daquela noite. Nem poderia
negar as expressões de óbvio prazer estampadas nos rostos dos três que com ele
partilhavam a varanda.
Alton dirigiu-se aos seus aposentos privados uma última vez, para se assegurar
de que quaisquer artefactos ou tomos que pudessem parecer minimamente
sacrílegos estivessem bem escondidos. Estava à espera de uma visita de uma
Matrona Mãe, o que era uma ocasião rara para um mestre da Academia sem
ligações a Arach-Tinilith, a Escola de Lolth. Alton estava mais do que um pouco
ansioso acerca dos motivos desta visitante em particular — a Matrona SiNafay
Hun’ett, cabeça da Quinta Casa da cidade e mãe de Masoj, parceiro de Alton
numa conspiração.
Uma batida na porta de pedra da sala mais exterior do seu complexo disse a
Alton que a convidada tinha chegado. Endireitou as vestes e deu mais uma
olhada em volta pelo quarto. A porta abriu-se antes que Alton conseguisse lá
chegar e a Matrona SiNafay entrou de rompante. Com que facilidade fizera a
transformação — sair do escuro absoluto do corredor exterior em direcção à luz
das velas da sala de Alton — sem sequer um pestanejar de olhos!
SiNafay era mais pequena do que Alton imaginara, pequena até pelos padrões
drow. Pouco mais teria do que um metro e vinte, e pesaria, pelo cálculo de Alton,
não mais do que vinte e cinco quilos. Mas era uma Matrona Mãe, e Alton
recordou a si mesmo que poderia fulminá-lo apenas com um simples
encantamento.
Alton desviou o olhar obedientemente e tentou convencer-se de que não havia
nada de invulgar nesta visita. Ficou menos à vontade, porém, quando Masoj
entrou na sala e foi pôr-se ao lado da mãe, com um sorriso descarado na cara.
— Saudações
e cinco da Casa
anos, ou mais, Hun’ett, Gelroos
já passaram — disse
desde a última a Matrona
vez SiNafay. — Vinte
que conversámos.
«Gelroos»?, interrogou-se Alton em silêncio. Pigarreou para disfarçar a
surpresa.
— As minhas saudações, Matrona SiNafay — conseguiu balbuciar. — Já
passou tanto tempo?
— Devias vir a Casa — disse a Matrona. — Os teus aposentos continuam
vagos.
«Os meus aposentos?» Alton começou a sentir-se muito agoniado.
SiNafay não deixou de perceber o olhar dele. Um sorriso de desdém
perpassou-lhe pelos lábios e os olhos semicerraram-se.
Alton suspeitou de que o seu segredo teria sido revelado. Se o Sem Rosto
tinha sido membro da família Hun’ett, como poderia Masoj ter esperado
conseguir enganar a Matrona Mãe da Casa? Procurou a melhor via de fuga, ou
pelo menos alguma maneira de conseguir matar aquele traiçoeiro Masoj, antes
que SiNafay o deitasse abaixo.
Mas quando voltou a olhar para a Matrona SiNafay, esta já começara a entoar
um encantamento quase silencioso. Os olhos abriram-se-lhe muito quando
completou o encantamento, com as suas suspeitas confirmadas.

— Quempreocupada.
realmente és tu? — perguntou, com uma voz que parecia mais curiosa do que
Não havia escapatória, nem havia maneira de chegar a Masoj, que se mantinha
prudentemente ao lado da poderosa mãe.
— Quem és tu? — perguntou de novo SiNafay, puxando de um instrumento
de três cabeças do seu cinto — o temido chicote com cabeças de serpente que
injectava o mais doloroso e incapacitante veneno conhecido dos drow.
— Alton — gaguejou, sem outro remédio que não fosse responder. Sabia que,
dado que ela estava agora prevenida, SiNafay usaria uma simples magia para
detectar quaisquer mentiras que ele inventasse. — Sou Alton DeVir.
— DeVir? — a Matrona SiNafay pareceu pelo menos intrigada. — Da Casa
DeVir que morreu há uns anos?
— Sou o único sobrevivente — admitiu Alton.
— E mataste Gelroos… Gelroos Hun’ett… E tomaste o lugar dele como
mestre em Sorcere — raciocinou a Matrona, com um tom jocoso. A tragédia
parecia
— Eucada
não…vez Eu
maisnão
prestes
podiaa saber
abater-se sobredele…
o nome Alton. E ele ter-me-ia morto! —
balbuciou Alton.
— Quem matou Gelroos fui eu — disse uma voz mais atrás.
SiNafay e Alton olharam para Masoj, que mais uma vez empunhava o seu
arco favorito.
— Matei-o com isto — explicou o jovem Hun’ett. — Na noite em que a Casa
DeVir caiu. Encontrei a minha desculpa na briga que Gelroos estava a ter com
esse aí.
Apontou para Alton.
— Gelroos era teu irmão — relembrou a Matrona SiNafay a Masoj.
— Que os seus ossos sejam amaldiçoados! — disse Masoj. — Durante quatro
miseráveis anos, servi-o. Servi-o como se fosse uma Matrona Mãe! E ele queria
mandar-me para fora de Sorcere e que fosse para Melee-Magthere.
A Matrona olhava alternadamente para Alton e para Masoj.
— E deixaste que este vivesse — conjecturou, com um sorriso de novo nos
lábios. — Mataste o teu inimigo e forjaste uma aliança com um novo mestre,
numa só jogada.
— Tal como fui ensinado a fazer — disse Masoj entredentes, sem saber se a

estas
— palavras se seguiria
Eras apenas um castigo
uma criança — notouou um elogio.apercebendo-se subitamente da
SiNafay,
cronologia dos factos.
Masoj aceitou o elogio em silêncio.
Alton observava tudo isto ansiosamente.
— Então e eu? — exclamou. — A minha vida está acabada?
SiNafay lançou-lhe um olhar intenso.
— A tua vida como Alton DeVir acabou, ao que parece, na noite em que a
Casa DeVir caiu. Assim, permanecerás o Sem Rosto, Gelroos Hun’ett. Dão-me
eito os teus olhos na Academia… Para vigiares os inimigos do meu filho e os
meus inimigos.
Alton quase não conseguia respirar. Dar consigo subitamente aliado a uma das
casas mais poderosas de Menzoberranzan! Uma torrente de possibilidades e de
perguntas inundou-lhe a mente, com uma em especial, que o vinha assediando
desde havia duas décadas.
A sua
— DizMatrona Mãea adoptiva
o que estás pensar —reconheceu a excitação.
ordenou-lhe.
— És uma alta Sacerdotisa de Lolth — disse Alton com ousadia, com aquela
ideia fixa a sobrepor-se a todas as cautelas. — Está dentro dos teus poderes
conceder-me o meu mais profundo desejo.
— Atreves-te a pedir um favor? — a Matrona SiNafay espantou-se, embora
visse o tormento no rosto de Alton e tivesse ficado intrigada pela aparente
importância do mistério. — Muito bem.
— Que Casa destruiu a minha família? — perguntou Alton. — Pergunta ao
Outro Mundo, imploro-te, Matrona SiNafay.
SiNafay considerou a questão cuidadosamente, e as possibilidades que se
abriam derivadas da aparente sede de vingança de Alton. Seria mais um
benefício consequente de permitir que aquele ser entrasse para a família?
SiNafay indagou-se.
— Isso já eu sei — respondeu. — Talvez quando tiveres demonstrado o teu
valor te diga.
— Não! — gritou Alton. Mas calou-se imediatamente, percebendo que tinha
interrompido uma Matrona Mãe, crime que implicava uma sentença de morte.
SiNafay conteve os seus ímpetos de ira.

— Essa
forma pergunta
tão tola deve ser muito importante para ti, para te levar a agir de
— disse.
— Por favor — implorou Alton. — Tenho de saber. Mata-me, se quiseres, mas
primeiro diz-me quem foi.
SiNafay gostou da coragem dele, e a obsessão de Alton só poderia mostrar ser
uma vantagem para ela.
— A Casa Do’Urden — disse.
— Do’Urden? — repetiu Alton, quase não conseguindo acreditar que uma
Casa tão recuada na hierarquia da cidade tivesse podido derrotar a Casa DeVir.
— Não encetarás nenhuma acção contra eles — avisou a Matrona SiNafay. —
E perdoar-te-ei a tua insolência, desta vez. És agora um filho da Casa Hun’ett;
lembra-te sempre do teu lugar!
E deixou ficar as coisas por ali, sabendo que alguém que fora suficientemente
esperto para pôr em prática um tal logro durante quase duas décadas não seria
suficientemente tolo para desobedecer à Matrona Mãe da sua Casa.
—que
para Vem, Masoj
possa — disse
ponderar a Matrona
na sua para o filho. — Deixemos este sozinho,
nova identidade.
— Tenho de te dizer, Matrona SiNafay — atreveu-se Masoj a dizer enquanto ele
e a mãe saíam de Sorcere —, que Alton DeVir é um fanfarrão. Pode trazer
problemas à Casa Hun’ett.
— Sobreviveu à queda da sua Casa — respondeu a SiNafay — e manteve o
ardil do Sem Rosto durante quase vinte anos. Fanfarrão? Talvez, mas pelo menos
um fanfarrão útil.
Masoj esfregou inconscientemente a área da sua sobrancelha que nunca
voltara a crescer.
— Tive de sofrer os estratagemas de Alton DeVir durante todos estes anos —
disse. — Ele tem, de facto, uma boa dose de sorte, admito, e consegue sair-se
dos sarilhos, mas esses sarilhos é geralmente ele quem os provoca!
— Não receies — riu-se SiNafay. — Alton traz valor para a nossa Casa.
— Que podemos esperar ganhar com ele?
— É um mestre da Academia — respondeu SiNafay. — Dá-me olhos onde eu
preciso deles agora — fez parar o filho e virou-o de forma a enfrentá-la, para que
percebesse bem as implicações de cada uma das suas palavras.
— A acusação de Alton DeVir contra a Casa Do’Urden pode trabalhar a nosso
favor. Era um nobre da Casa, com direitos de acusação.
— Pretendes usar a acusação de Alton para congregar as grandes Casas no
sentido de punirem a Casa Do’Urden? — perguntou Masoj.
— As grandes casas dificilmente teriam vontade de atacar por causa de um
incidente ocorrido há quase vinte anos — respondeu SiNafay. — A Casa
Do’Urden levou a efeito a destruição da Casa DeVir quase na perfeição; foi uma
liquidação limpa. Mencionar sequer uma acusação clara contra os Do’Urden
seria atrair a ira das grandes casas contra nós mesmos.
— Para que nos serve então Alton DeVir? — perguntou Masoj. — A acusação
dele é-nos inútil.
A Matrona respondeu-lhe:
— És apenas um macho e não consegues entender as complexidades da
hierarquia governante. Com a acusação de Alton DeVir sussurrada aos ouvidos
adequados, o conselho Governante poderá olhar para o outro lado se uma única
casa
—exercer a vingança
Com que em nome
finalidade? de Alton.
— notou Masoj, sem compreender a importância
disso. — Arriscar-te-ias às perdas de uma tal batalha só pela destruição de uma
casa menor?
— Foi assim que pensou a Casa DeVir acerca da Casa Do’Urden — explicou
SiNafay. — No nosso mundo, temos de nos preocupar tanto com as Casas
menores como com as grandes casas. Todas as grandes casas agiriam de forma
sensata neste momento se observassem atentamente os movimentos de Daermon
’a’shezbaernon, nona Casa, conhecida como Casa Do’Urden. Tem agora um
mestre e uma mestra a servir na Academia, e três altas sacerdotisas, com uma
quarta quase a atingir esse objectivo também.
— Quatro altas sacerdotisas? — ponderou Masoj. — E isso numa só Casa.
Só três das oito casas principais podiam gabar-se ter mais do que isso.
ormalmente, as irmãs que aspiravam a tais posições elevadas inspiravam
rivalidades que inevitavelmente reduziam as fileiras.
— E as legiões da Casa Do’Urden andam já em mais de trezentos e cinquenta
soldados — prosseguiu SiNafay —, todos eles treinados por aquele que é capaz
de ser o melhor mestre de armas de Menzoberranzan.
— Zaknafein Do’Urden, claro! — lembrou-se Masoj.


— Já
O ouviste falar dele?
nome dele é muitas vezes mencionado na Academia, e mesmo em
Sorcere.
— Ora bem — disse com suavidade SiNafay. — Então, perceberás o peso real
da missão que escolhi para ti.
Um brilho sôfrego surgiu nos olhos de Masoj.
— Outro Do’Urden deverá entrar para aqui em breve — explicou SiNafay. —
ão como mestre, mas como estudante. Segundo as palavras daqueles poucos
que já viram esse rapaz, Drizzt, a treinar, será um guerreiro da mesma fibra de
Zaknafein. Não deveremos permitir isso.
— Queres que mate o rapaz? — perguntou Masoj, expectante.
— Não — respondeu SiNafay. — Ainda não. Quero saber mais sobre ele,
compreender os motivos de cada passo que ele der. Se chegar de facto o
momento de o atacar, terás de estar preparado.
Masoj gostou da sua vil missão, mas uma coisa ainda o preocupava um pouco.
— Ainda
serão temos Altonpara
as consequências a considerar — disse.
a Casa Hun’ett — atacar
se ele É impaciente
a Casa eDo’Urden
ousado. Quais
antes
do momento devido? Poderemos invocar guerra aberta na cidade, com a Casa
Hun’ett a ser vista como o atacante?
— Não te preocupes, meu filho — respondeu a Matrona SiNafay. — Se Alton
DeVir cometer algum erro grave enquanto estiver a fazer-se passar por Gelroos
Hun’ett, expô-lo-emos como um impostor e assassino, e nunca membro da nossa
família. Será apenas um vilão sem abrigo, com um executor à sua espreita a cada
passo que der.
A explicação simples deixou Masoj mais tranquilo, mas a Matrona SiNafay,
tão conhecedora dos modos da sociedade drow, compreendera o risco que estava
a correr desde o momento em que aceitara Alton DeVir na sua casa. O seu plano
parecia à prova de fogo e os ganhos possíveis — a eliminação da cada vez mais
importante Casa Do’Urden — eram um isco demasiado tentador.
Mas os perigos eram, também, bem reais. Embora fosse perfeitamente
aceitável que uma casa destruísse outra dissimuladamente, as consequências de
um falhanço não podiam ser ignoradas. Na noite anterior, uma casa menor
atacara uma casa rival e, se os rumores eram verdadeiros, falhara. As
iluminações do dia seguinte forçariam provavelmente o Conselho Governante a

encenar
exemplo.umNa simulacro de justiça,
sua longa vida, para SiNafay
a Matrona fazer dos atacantes mal
testemunhara por sucedidos um
diversas vezes
essa «justiça».
Nem um único membro de qualquer casa atacante — cujos nomes nem lhe era
permitido recordar — alguma vez sobrevivera.
Zak acordou Drizzt bem cedo, na manhã seguinte.
— Vem — disse Zak. — Fomos convocados para sair de casa hoje.
Qualquer ideia de sono afastou-se imediatamente de Drizzt quando ouviu esta
novidade.
— Para fora da casa? — repetiu. Em todos os seus dezanove anos, Drizzt
nunca caminhara, nem por uma vez, para além da cerca de adamantite do
complexo da Casa Do’Urden. Apenas observara o mundo exterior de
Menzoberranzan da varanda da casa.
Enquanto Zak esperava, Drizzt pegou rapidamente nas botas e no seu
piwafwi.
— Não haverá aulas hoje? — perguntou.
— Veremos — foi a única resposta de Zak. Mas na sua mente, o mestre de
armas calculou que Drizzt era capaz de estar prestes a ter uma das mais
espantosas revelações da sua vida. Uma casa tinha falhado um raide, e o
Conselho Governante requerera a presença de todos os nobres da cidade, para
testemunharem o peso da justiça.
Briza surgiu no corredor exterior que dava para a porta da sala de treino.
— Despachem-se — incitou. — A Matrona Malice não quer que a nossa Casa
esteja entre os últimos grupos a juntar-se à reunião!
A própria Matrona Mãe, flutuando sobre um disco que rebrilhava a azul —
pois as Matronas Mães raramente caminhavam pela cidade — liderou o cortejo
que saiu da Casa Do’Urden pelo grande portão.
Briza caminhava ao lado da mãe, com Maya e Rizzen na segunda fila e Drizzt
e Zak no final. Vierna e Dinin, ocupados com os seus deveres na Academia,
tinham seguido para a reunião convocada pelo Conselho com um grupo
diferente.
Toda a cidade estava, nessa manhã, em movimento, pulsante de rumores
acerca do raide falhado. Drizzt caminhava pelo meio da agitação de olhos muito

abertos,
Escravosfitando maravilhado
de todas as decorações
as raças inferiores da casa
— duendes, drow,
orcs, agora
e até vistas—defugiam
gigantes perto.
do caminho, reconhecendo Malice, cavalgando o seu corcel mágico, como uma
Matrona Mãe. Os comuns drow paravam as conversas e permaneciam
respeitosamente em silêncio enquanto a família nobre passava.
Enquanto abriam caminho para a secção noroeste da cidade, localização da
casa culpada, chegaram a uma rua bloqueada por uma caravana rocambolesca de
duergar, anões cinzentos. Uma dúzia de carroças tinham sido viradas ou então
estavam ensarilhadas umas nas outras — aparentemente, dois grupos de duergar
tinham entrado na estreita rua ao mesmo tempo, sem que um desse direito de
passagem ao outro.
Briza puxou do chicote de cabeças de serpente e expulsou dali algumas das
criaturas, abrindo caminho para Malice poder flutuar até aos que pareciam ser os
líderes dos dois grupos.
Os anões viraram-se para ela irados — até se aperceberem da posição dela.
— Muitas
acidente, desculpas,
apenas isso. ‘Nha Senhora — gaguejou um deles. — Um infeliz
Malice observou o conteúdo de uma das carroças mais próximas: eram cestas
de pernas de caranguejo gigante e outras delícias do mesmo género.
— Atrasaram a minha jornada — disse Malice calmamente.
— Viemos à vossa cidade na esperança de fazer negócio — disse o outro
duergar. Lançou um olhar irado ao seu oponente e Malice percebeu que eram
rivais, provavelmente a tentar vender os mesmos bens à mesma casa drow.
— Perdoarei a vossa insolência… — ofereceu com majestade, ainda a olhar
para os cestos.
Os dois duergar já suspeitavam do que lá vinha. E Zak também.
— Esta noite comeremos bem — sussurrou para Drizzt com uma piscadela de
olho matreira. — A Matrona Malice nunca deixaria escapar uma oportunidade
destas sem aproveitar.
— Perdoarei, se conseguirem encontrar o caminho para entregarem metade do
conteúdo dessas carroças aos portões da Casa Do’Urden, ainda esta noite —
terminou Malice.
Os duergar começaram a protestar, mas depressa abandonaram a vã tentativa
de se recusarem ao pedido. Como odiavam ter de negociar com elfos drow!

— Serãonãocompensados
Do’Urden adequadamente
é uma Casa pobre. — asprosseguiu
Entre ambas Malice.ainda
vossas caravanas — Aficarão
Casa
com bens suficientes para satisfazer a encomenda da casa que vieram visitar.
Nenhum dos duergar podia refutar a lógica simples, mas sob estas
circunstâncias, em que tinham ofendido uma Matrona Mãe, sabiam que a
compensação pelos seus valiosos bens dificilmente seria a adequada. Mesmo
assim, os anões cinzentos só podiam aceitar tudo aquilo como sendo o risco de
fazer negócios em Menzoberranzan. Fizeram vénias educadas e mandaram o seu
pessoal abrir caminho para deixar passar o cortejo drow.
A Casa Teken’duis, casa dos atacantes sem sucesso da noite anterior, tinha-se
barricado no interior da estrutura de duas estalagmites, já à espera do que estava
para vir. Fora dos portões, todos os nobres de Menzoberranzan, mais de mil
drow, estavam reunidos, à frente, com a Matrona Baenre e as outras sete
Matronas Mães do Conselho Governante. Ainda mais desastroso para a casa
culpada eraterem
instrutores, o facto de a totalidade
rodeado o complexo dasTeken’duis.
três escolas da Academia, estudantes e
A Matrona Malice liderou o seu grupo até à linha da frente, logo atrás das
matronas governantes. Como era a matrona da Nona Casa, e estava a apenas um
passo do Conselho, os outros nobres drow desviavam-se rapidamente do seu
caminho.
— A Casa Teken’duis incorreu na ira da Rainha Aranha! — proclamou a
Matrona Baenre com a voz amplificada por encantamentos mágicos.
— Mas só porque falharam — sussurrou Zak para Drizzt.
Briza lançou aos dois machos um olhar irado.
A Matrona Baenre chamou três jovens drow, duas fêmeas e um macho, para o
seu lado.
— Estes são tudo o que resta da Casa Freth — explicou. — Podem dizer-nos,
órfãos da Casa Freth — perguntou-lhes —, quem atacou o vosso lar?
— A Casa Teken’duis — gritaram os três em uníssono.
— Ensaiados — comentou Zak.
Briza voltou-se de novo para trás:
— Silêncio! — sussurrou asperamente.
Zak deu uma palmada na cabeça de Drizzt.

— Simia—começar
Drizzt concordou. — Vê se mas
a protestar, ficasBriza
calado!
já se tinha voltado de novo para a
frente e o sorriso de Zak era demasiado aberto para se poder argumentar contra
ele.
— Então, é vontade deste Conselho Governante — dizia a Matrona Baenre —
que a Casa Teken’duis sofra as consequências das suas acções!
— E os órfãos da Casa Freth? — ouviu-se uma voz clamar na multidão.
A Matrona Baenre fez uma festa na cabeça da fêmea mais velha, uma
sacerdotisa que recentemente terminara os estudos na Academia.
— Nobres nasceram, e nobres continuarão — disse Baenre. — A Casa Baenre
aceita-os sob a sua protecção; ostentarão a partir de agora o nome Baenre.
Murmúrios dispersos percorreram a multidão. Três jovens nobres, dois dos
quais fêmeas, eram um prémio considerável. Qualquer casa da cidade os teria
aceitado de bom grado.
— Baenre… — sussurrou Briza para Malice. — Precisamente o que a
primeira casa mais
— Dezasseis precisa:
altas mais sacerdotisas!
sacerdotisas não lhe bastam, ao que parece — respondeu
Malice.
— E sem dúvida que Baenre acolherá quaisquer soldados sobreviventes da
Casa Freth — conjecturou Briza.
Malice não tinha tanta certeza disso. A Matrona Baenre estava a pisar um
risco perigoso ao aceitar estes três jovens nobres. Se a Casa Baenre se tornasse
demasiado poderosa, Lolth decerto exerceria alguma retaliação. Em situações
como esta, em que uma casa fora quase erradicada, os soldados comuns
sobreviventes eram normalmente leiloados entre as casas que os quisessem
aceitar. Malice teria de estar a atenta a algum leilão desse tipo. Os soldados não
eram baratos, mas nesta altura Malice receberia de braços abertos a oportunidade
de aumentar as suas forças, sobretudo se houvesse utilizadores de magia em
ogo.
A Matrona Baenre dirigiu-se à casa culpada.
— Casa Teken’duis! — chamou. — Quebrastes as leis e fostes devidamente
inculpados. Lutai, se assim quiserdes, mas sabei que trouxestes esta tragédia
sobre vós mesmos!
Com um aceno da mão, fez avançar a Academia, executora da justiça.

Grandes braseiros
Teken’duis, manejadostinham sidodecolocados
por aias em oito
Arach-Tinilith posições
e pelas em volta da Casa
sacerdotisas-estudantes
de posição mais elevada. As chamas ganharam vida com um rugido e subiram no
ar enquanto as altas sacerdotisas abriam portais para os planos inferiores. Drizzt
observava atentamente, fascinado e tentando avistar Dinin ou Vierna.
Criaturas dos planos inferiores, enormes monstros de muitos braços, cobertos
de lodo e cuspindo fogo, avançaram por entre as chamas. Até mesmo a alta
sacerdotisa que estava mais perto deles se afastou da horda grotesca. As criaturas
aceitaram alegremente este servilismo. Quando chegou o sinal da Matrona
Baenre, desceram esfaimados sobre a Casa Teken’duis.
Glifos e vigias explodiram em cada canto do frágil portão da casa, mas isso
eram apenas meros inconvenientes para as criaturas convocadas.
Os magos e estudantes de Sorcere entraram então em acção, fazendo abater-se
sobre o topo da Casa Teken’duis raios, bolas de ácido e bolas de fogo.
Estudantes e mestres de Melee-Magthere, a escola de guerreiros, corriam com
pesados arcos, disparando para as janelas por onde a família condenada poderia
tentar escapar-se.
A horda de monstros arrasou as portas. Havia relâmpagos e trovões por toda a
parte.
Zak olhou para Drizzt, mas agora o sorriso dera lugar a um sobrolho franzido.
Levado pela excitação — e tudo aquilo era decerto excitante — Drizzt tinha
agora uma expressão de espanto e terror.
Os primeiros gritos da família condenada ouviram-se, vindos da casa; eram
gritos tão horríveis e agonizantes que roubavam qualquer prazer macabro que
Drizzt pudesse ter chegado a sentir antes. Agarrou o ombro de Zak, fazendo-o
virar-se para ele, implorando uma explicação.
Um dos filhos da Casa Teken’duis, fugindo a um monstro de dez braços, saiu
para a varanda de uma janela muito alta. Uma dúzia de flechas atingiram-no
simultaneamente e, antes mesmo que caísse morto, três raios separados fizeram-
no elevar-se do chão e depois voltaram a deixá-lo cair.
Queimado e mutilado, o cadáver drow começou a cair da varanda, mas o
monstro grotesco lançou para fora uma enorme mão com garras e puxou-o de
novo para dentro, para o devorar.
— Justiça drow — disse Zak friamente. Não deu a Drizzt qualquer consolo:

queria queoaresto
drow para brutalidade daquele momento ficasse gravada na mente do jovem
da sua vida.
O assédio perdurou por mais de uma hora e, quando acabou, e quando as
criaturas dos planos inferiores foram despachadas de novo através dos portais de
fogo dos braseiros, e os estudantes e instrutores da Academia começaram a
marchar de regresso a Tier Breche, a Casa Teken’duis já não passava de um
monte de pedra derretida e brilhante, sem vida.
Drizzt viu tudo, horrorizado, mas demasiado receoso das consequências de
fugir dali. Não reparou nas obras artísticas de Menzoberranzan no caminho de
regresso à Casa Do’Urden.
—— Zaknafein
Mandei-o está
comforaRizzen
da Casa? — perguntou
à Academia, paraMalice.
entregar uma mensagem a Vierna
— explicou Briza. — Não regressará senão daqui a muitas horas, e nunca antes
de a luz de Narbondel ter começado a descer.
— Isso é bom — disse Malice. — Ambas compreenderam os vossos papéis na
farsa?
Briza e Maya assentiram.
— Nunca vi tamanha dissimulação — notou Maya. — É mesmo necessário?
— Foi planeada para outro da Casa — respondeu Briza, olhando para a
Matrona em busca de confirmação. — Há quase quatro séculos.
— Sim — concordou Malice. — A mesma coisa esteve para ser feita a
Zaknafein, mas a morte inesperada da Matrona Vartha, minha mãe, interrompeu
esses planos.
— Isso foi quando te tornaste Matrona Mãe — disse Maya.
— Sim — respondeu Malice. — Muito embora ainda não tivesse completado
o meu primeiro século e ainda estivesse a aprender em Arach-Tinilith. Não
foram tempos agradáveis na história da Casa Do’Urden.
— Mas sobrevivemos — disse Briza. — Com a morte da Matrona Vartha,
alfein e eu tornámo-nos nobres da Casa.

—O teste a Zaknafein
Demasiados nunca chegou
outros afazeres a ser tentado
sobrepuseram-se —— conjecturou
respondeu Maya.
Malice.
— Mas vamos tentá-lo com Drizzt — disse Maya.
— O castigo da Casa Teken’duis convenceu-me de que esta acção tem de ser
tomada — disse Malice.
— Sim — concordou Briza. — Não viste a expressão de Drizzt durante a
execução?
— Vi — respondeu Maya. — Estava revoltado.
— Nada adequado a um guerreiro drow — disse Malice. — E por isso temos
este dever. Drizzt partirá para a Academia daqui a pouco tempo; temos de lhe
manchar as mãos de sangue drow e de lhe roubar a inocência.
— Parece muito trabalho por causa apenas de um filho macho — resmungou
Briza. — Se Drizzt não consegue aderir aos nossos usos, porque não
simplesmente ofertá-lo a Lolth?
— Não terei mais filhos! — rosnou Malice em resposta. — Cada membro
desta família é importante,
Secretamente, se queremos
Malice esperava obter ganhar proeminência
ainda outro benefícionacom
cidade!
a conversão
de Drizzt aos usos malignos dos drow. Odiava Zaknafein tanto quanto o
desejava; tornar Drizzt um guerreiro drow, um verdadeiro guerreiro drow sem
coração, afectaria grandemente o mestre de armas.
— Vamos então a isto — disse Malice.
Bateu as mãos e uma grande arca entrou, suportada por oito pernas de aranha
animadas. Atrás vinha um nervoso escravo duende.
— Vem, Byuchyuch — disse Malice num tom reconfortante.
Ansioso por agradar, o escravo agachou-se diante do trono de Malice e ficou
completamente imóvel enquanto a Matrona Mãe recitava o encantamento de um
longo e complicado feitiço.
Briza e Maya observavam com admiração a destreza da mãe; as pequenas
feições do duende inchavam e retorciam-se e a pele escurecia. Uns minutos mais
tarde, o escravo já assumira a aparência de um macho drow. Byuchyuch olhou
para os seus novos traços alegremente, sem perceber que aquela transformação
era apenas o prelúdio da sua morte.
— És agora um soldado drow — disse-lhe Maya. — E o meu campeão. Terás
apenas de matar um único guerreiro inferior para ganhares o teu lugar como

comum livre
Depois de da
dezCasa
anosDo’Urden.
como servo menor dos malignos elfos negros, o duende
estava mais do que desejoso de dar esse passo.
Malice levantou-se e preparou-se para sair da antecâmara.
— Venham — mandou. E as duas filhas, o duende e a arca animada seguiram-
na em fila.
Foram dar com Drizzt na sala de treino, a polir o gume das suas cimitarras.
Pôs-se de pé num salto, ficando em sentido e em silêncio perante a inesperada
visita.
— Saudações, meu filho — disse Malice num tom mais maternal do que
Drizzt alguma vez ouvira. — Temos um teste para ti hoje; uma simples tarefa
necessária para a tua aceitação em Melee-Magthere.
Maya avançou até junto do irmão.
— Sou a mais nova, depois de ti — declarou. — Por isso, tenho o direito de
desafio, que agora exerço.
Drizzt
arca para ficou
junto calado, confuso. Nunca ouvira
de si e, reverentemente, abriu a falar
tampa.de tal coisa. Maya chamou a
— Tens as tuas armas e o teu piwafwi — explicou. — Agora, chegou a altura
de envergares o equipamento completo de um nobre da Casa Do’Urden.
Da arca, Maya retirou um par de botas pretas e altas e entregou-as a Drizzt.
Este descalçou rapidamente as suas botas e calçou as novas. Eram incrivelmente
macias e modificavam-se magicamente, adaptando-se até se ajustarem
perfeitamente aos seus pés. Drizzt conhecia a magia contida nas botas: permitir-
lhe-iam mover-se em silêncio absoluto. Antes que tivesse acabado de as admirar,
porém, Maya entregou-lhe o segundo presente, ainda mais magnífico.
Drizzt deixou o seu piwafwi cair no chão enquanto segurava num conjunto de
cota de malha prateada. Em todos os Reinos, não havia armadura mais subtil,
nem mais finamente trabalhada do que a cota de malha drow. Não pesava mais
do que uma camisa grossa e dobrava-se com a mesma facilidade do tecido;
porém, conseguia desviar a ponta de uma lança com tanta facilidade como a cota
grossa manufacturada pelos anões.
— Lutas com duas armas — disse Maya. — E por isso não precisas de
escudo. Mas coloca as tuas cimitarras nisto; é mais adequado a um nobre drow.
Entregou a Drizzt um cinturão de couro preto, cuja fivela era uma esmeralda

enorme, e cujas bainhas paras as armas estavam ricamente decoradas com pedras
preciosas.
— Prepara-te — disse Malice. — Os presentes têm de ser merecidos.
Enquanto Drizzt punha os novos adereços, Malice pôs-se ao lado do duende
alterado, que começava nervosamente a aperceber-se de que esta luta não seria
uma coisa simples.
— Quando o matares, as coisas serão tuas — prometeu Malice.
O sorriso do duende multiplicou-se por dez; não conseguia compreender que
não teria qualquer hipótese contra Drizzt.
Quando Drizzt voltou a apertar o seu piwafwi em volta do pescoço, Maya
apresentou-lhe o soldado drow simulado.
— Este é Byuchyuch — disse-lhe —, o meu campeão. Terás de o derrotar
para mereceres os presentes. E o teu devido lugar na família.
Nunca duvidando das suas capacidades, e pensando que o combate seria um
simples combate simulado, Drizzt concordou imediatamente.
—luxuosas
suas Pois quebainhas.
comece, então — disse Drizzt, desembainhando as cimitarras das
Malice deu a Byuchyuch um aceno reconfortante e o duende pegou na espada
e no escudo que Maya lhe tinha dado e avançou para Drizzt.
Drizzt começou lentamente, tentando avaliar o adversário antes de se atrever a
quaisquer movimentos de ataque. Ao fim de apenas um momento, porém,
percebeu o quão Byuchyuch manejava mal a espada e o escudo. Sem perceber a
verdadeira identidade da criatura, Drizzt mal conseguia acreditar que um drow
mostrasse tal inépcia com as armas. Interrogou-se se Byuchyuch estaria a tentar
enganá-lo e, com esse pensamento, continuou a aproximar-se cautelosamente.
Ao fim de mais alguns momentos de ataques desajeitados e desequilibrados
do duende, porém, Drizzt sentiu-se obrigado a tomar a iniciativa. Desferiu um
golpe de cimitarra contra o escudo de Byuchyuch. O drow duende respondeu
com um golpe desajeitado da espada e Drizzt fez-lhe a espada saltar da mão com
a outra cimitarra e executou uma pirueta simples que levou a ponta da cimitarra
a parar a apenas um centímetro do peito nu do duende.
— Demasiado fácil — murmurou Drizzt.
Mas o verdadeiro teste ainda agora estava a começar.
Nesse momento, Briza lançou um feitiço sobre o duende, fazendo-o ficar

petrificado
encontrava, na sua posição
Byuchyuch indefesa.
tentou Continuando
afastar-se, cientededos
mas o feitiço apuros
Briza em que no
mantinha-o se
mesmo sítio.
— Termina o ataque — disse Malice a Drizzt.
Drizzt olhou para a cimitarra, depois para Malice, sem querer acreditar no que
estava a ouvir.
— O campeão de Maya tem de ser morto — rosou Briza.
— Não posso… — começou Drizzt.
— Mata! — rugiu Malice, e desta vez a palavra carregava em si o poder de
uma ordem mágica.
— Carrega! — comandou Briza no mesmo tom.
Drizzt sentiu as palavras delas forçarem a sua mão a seguir as ordens.
Profundamente desgostado com o pensamento de matar um adversário indefeso,
concentrou toda a sua força mental em resistir. Embora conseguisse negar as
ordens por alguns segundos, descobriu que não conseguia retirar a arma.

— Mata!
Ataca!——gritou Malice.
rosnava Briza.
Isto durou mais alguns segundos agonizantes. O suor escorria pelas pálpebras
de Drizzt. Depois, a força de vontade do jovem drow quebrou. A cimitarra
deslizou rapidamente por entre as costelas de Byuchyuch e encontrou o coração
da desafortunada criatura. Briza libertou então Byuchyuch do seu feitiço, para
permitir a Drizzt ver a agonia no rosto do drow fingido e para ouvir o gorgolejar
do sangue enquanto o duende caía no chão.
Drizzt não conseguia recuperar a respiração enquanto olhava fixamente para a
sua arma manchada de sangue.
Era a vez de Maya agir. Atacou o ombro de Drizzt com a sua maça, fazendo-o
cair no chão.
— Mataste o meu campeão! — rugiu. — Agora tens de lutar contra mim!
Drizzt pôs-se de pé, afastando-se da fêmea enraivecida. Não tinha nenhuma
intenção de lutar, mas antes mesmo que pudesse deixar cair as armas, Malice
leu-lhe os pensamentos e avisou:
— Se não lutares, Maya matar-te-á.
— Não devia ser assim — protestou Drizzt. Mas as suas palavras perderam-se
no tilintar da adamantite enquanto aparava um golpe pesado com uma cimitarra.

Estava
hábil agoraasenvolvido
— todas na luta, muitas
fêmeas passavam quisessehoras
ou não. Mayacom
a treinar eraasuma combatente
armas — e era
mais forte do que Drizzt. Mas Drizzt era filho de Zak, o seu melhor estudante, e
quando admitiu para si mesmo que não tinha forma de escapar a esta situação,
carregou contra a maça e o escudo de Maya com todas as manobras mais
exímias que tinha aprendido.
As cimitarras voavam e carregavam numa dança que espantou Briza e Maya.
Malice mal reparou nisso, embrenhada em mais um poderoso feitiço. Malice
nunca duvidara de que Drizzt poderia derrotar a irmã; e já incluíra essa previsão
no seu plano.
Os movimentos de Drizzt eram todos defensivos, enquanto continuava a
esperar que qualquer réstia de razoabilidade se apoderasse da mãe, e que tudo
aquilo acabasse. Queria fazer Maya recuar, fazê-la tropeçar e acabar a luta
colocando-a numa posição indefensável. Drizzt tinha de acreditar que Briza e
Malice não o forçariam a matar Maya tal como o tinham obrigado a matar
Byuchyuch.
Por fim, Maya tropeçou. Lançou o escudo para a frente, para deflectir o golpe
de uma cimitarra, mas desequilibrou-se com o movimento, e o braço afastou-se
muito do corpo. A outra espada de Drizzt avançou então, para ficar encostada ao
peito de Maya e a forçar a recuar.
O feitiço de Malice apanhou a arma a meio caminho.
A lâmina de adamantite manchada de sangue ganhou vida e Drizzt deu
consigo a segurar a ponta de uma serpente, uma víbora com dentes aguçados que
se virou contra ele!
A cobra encantada cuspiu veneno para os olhos de Drizzt, cegando-o, e depois
sentiu a dor do chicote de Briza. Todas as seis cabeças de serpente da terrível
arma morderam as costas de Drizzt, perfurando a sua nova armadura e fazendo-o
saltar com uma dor excruciante. Caiu enrolando-se no chão, indefeso enquanto
Briza fazia estalar o chicote uma e outra vez.
— Nunca ataques uma fêmea drow! — gritava enquanto agredia Drizzt até
este ficar inconsciente.
Uma hora mais tarde, Drizzt abriu os olhos. Estava na cama, com a Matrona
Malice junto dele. A alta sacerdotisa tratara-lhe das feridas, mas a dor
permanecia, como lembrança viva da lição. Mas não tão viva como o sangue que

ainda
—A manchava
armaduraa será
cimitarra de Drizzt.
substituída — disse-lhe Malice. — Agora, és um guerreiro
drow. Mereceste-o.
Virou-se e saiu do quarto, deixando Drizzt entregue à sua dor e à sua
inocência perdida.
— Não o mandes para lá — argumentou Zak, tão enfaticamente quanto se
atrevia. Olhava para Malice, a rainha no seu trono de pedra e veludo negro.
Como sempre, Briza e Maya estavam ao seu lado.
— É um guerreiro drow — respondeu Malice, num tom ainda controlado. —
Tem de ir para a Academia. São os nossos costumes.
Zak olhou em volta, sem alternativas. Odiava aquele lugar, a antecâmara da
capela, com as suas esculturas da Rainha Aranha espreitando-o de cada canto e
com Malice sentada — em posição superior — acima dele no seu trono do
poder.
Zak sacudiu
mesmo asvez
que desta imagens da cabeçacoisa
tinha qualquer e recuperou a coragem,
por que valia relembrando a si
a pena argumentar.
— Não o mandes para lá! — rugiu. — Vão estragá-lo!
As mãos da Matrona Malice agarraram com firmeza os braços de pedra do
grande trono.
— Drizzt já é mais hábil do que todos os que estão na Academia —
prosseguiu Zak rapidamente, antes que a ira da Matrona rebentasse. — Dá-me
mais dois anos e farei dele o melhor guerreiro de Menzoberranzan!
Malice descontraiu-se um pouco no trono. Por aquilo que tinha visto dos
progressos do filho, não poderia negar as possibilidades da afirmação de Zak.
— Irá — disse calmamente. — Há mais na educação de um guerreiro drow do
que a simples destreza com as armas. Drizzt tem outras lições que precisa de
aprender.
— Lições sobre como ser traiçoeiro? — disse Zak, demasiado zangado para se
preocupar com as consequências.
Drizzt tinha-lhe contado o que Malice e as suas malévolas filhas lhe tinham
feito nesse dia, e Zak era suficientemente esperto para compreender essas
acções. A «lição» que lhe tinham ensinado quase arrasara o rapaz e tinham talvez
roubado para sempre a Drizzt os ideais que tanto prezava. Drizzt teria agora mais

dificuldade
de pureza ememque
manter
antes aassentara
sua morallhee tinha
os seus princípios,
sido roubado. uma vez que o pedestal
— Cuidado com a língua, Zaknafein — avisou a Matrona Malice.
— Eu luto com paixão! — respondeu o mestre de armas. — É por isso que
venço. O teu filho também luta com paixão; não deixes que os usos conformistas
da Academia lhe tirem isso!
— Deixem-nos — instruiu Malice às filhas.
Maya fez uma vénia e saiu rapidamente. Briza seguiu-a mais lentamente,
fazendo uma pausa para lançar um olhar de suspeita a Zak.
Zak não devolveu o olhar, mas entreteve-se com uma agradável fantasia que
implicava a sua espada e o sorriso sobranceiro de Briza.
— Zaknafein — começou Malice, chegando-se de novo mais à frente na
cadeira. — Tolerei as tuas crenças blasfemas durante todos estes anos devido à
tua destreza com as armas. Ensinaste bem os meus soldados, e o teu amor por
matar drow, e especialmente sacerdotisas da Rainha Aranha, tem vindo a ajudar
auma
ascensão
última da Casa
vez, queDo’Urden.
Drizzt é meuNãofilho,
sou,enem
não tenho
senhorsido,
de si.ingrata.
Irá paraMas aviso-te,
a Academia
e aprenderá aquilo que precisa de aprender para tomar o seu lugar como príncipe
da Casa Do’Urden. Se interferires com aquilo que tem de ser, Zaknafein, não
voltarei a desviar os olhos das tuas acções. O teu coração será entregue a Lolth!
Zak bateu com os calcanhares no chão e fez uma curta vénia com a cabeça.
Depois, deu meia volta e saiu, tentando encontrar alguma outra opção a esta
negra e desesperada situação.
Enquanto caminhava pelo corredor principal, ouviu de novo na sua cabeça os
gritos das crianças moribundas da Casa DeVir; crianças que nunca chegariam a
ter a oportunidade de testemunhar os males da Academia drow. Talvez
estivessem melhor assim, mortas.
Zak desembainhou uma das espadas e admirou os assombrosos pormenores da
arma. Esta espada, tal como a maioria das armas drow, fora forjada pelos anões
cinzentos, e depois vendida em Menzoberranzan. A mestria do trabalho duergar
era refinada, mas era o trabalho feito sobre a arma depois de os elfos negros a
terem adquirido que a tornava tão especial. Nenhuma das raças da superfície ou
do Subescuro seria capaz de ultrapassar os elfos negros na arte de encantar
armas. Imbuídas das estranhas emanações do Subescuro, o poder mágico
singular e exclusivo do mundo sem luz, e abençoadas pelas sacerdotisas
malignas de Lolth, nenhuma lâmina jamais assentara na mão de um guerreiro
com maior prontidão para matar.
Outras raças, especialmente anões e elfos da superfície, também se
orgulhavam das suas armas. Belas espadas e poderosas maças eram penduradas
sobre as lareiras como troféus, sempre com um bardo por perto para declamar a
lenda que as acompanhava e que quase sempre começava com «Em tempos que
á lá vão».
As armas drow eram diferentes; nunca eram troféus para exibir. Estavam
sempre presas nas necessidades do presente, e nunca apenas em reminiscências,
e a sua finalidade mantinha-se inalterada enquanto tivessem um gume
suficientemente afiado para uma batalha — suficientemente afiado para matar.
Zak aproximou a lâmina dos olhos. Nas suas mãos, a espada tornara-se mais
do queexistência
a uma um instrumento
que nãodeconseguia
batalha. Era uma extensão da sua raiva, a sua resposta
aceitar.
Era a sua resposta também, talvez, a outro problema que parecia não ter
solução.
Entrou na sala de treino, onde Drizzt se afadigava em movimentos de ataque
rotativos contra um manequim de treino. Zak fez uma pausa para ver o jovem
drow a praticar, interrogando-se se Drizzt alguma vez voltaria a considerar a
dança das armas como uma forma de brincadeira. Como as cimitarras voavam
guiadas pelas mãos de Drizzt! Cruzando-se com uma precisão assombrosa, cada
arma parecia antecipar os movimentos da outra e deslizava em perfeito
complemento.
Este jovem drow em breve seria um guerreiro sem igual, um mestre superior
até a Zaknafein.
— Conseguirás sobreviver? — murmurou Zak. — Terás o coração de um
guerreiro drow?
Zak estava
Drizzt esperava queseguramente
agora a resposta seria um enfático «não», mas fosse como fosse,
condenado.
Zak voltou a olhar para a sua espada e soube o que tinha de fazer.
Desembainhou a outra espada e começou a andar com determinação para Drizzt.
Drizzt viu-o aproximar-se e pôs-se em posição de alerta.
— Uma última luta antes de eu partir para a Academia? — riu-se.
Zak fez uma pausa para apreciar o sorriso de Drizzt. Uma fachada? Ou teria o
ovem drow realmente perdoado a si mesmo as suas acções contra o campeão de
Maya? Não importava, relembrou Zak a si mesmo. Mesmo que Drizzt tivesse
recuperado dos tormentos da mãe, a Academia destruí-lo-ia. O mestre de armas
nada disse; limitou-se a avançar num rodopio de golpes e ataques que colocaram
imediatamente Drizzt na defensiva. Drizzt considerou o combate com calma,
sem se aperceber ainda de que este recontro final com o seu mentor era muito
mais do que a habitual sessão de treino.
— Lembrar-me-ei de tudo o que me ensinaste — prometeu Drizzt,
esquivando-se a um golpe e lançando ele próprio um feroz ataque. — Hei-de ver
o meu nome gravado nas paredes de Melee-Magthere e tornar-te orgulhoso.
O desprezo no rosto de Zak surpreendeu Drizzt, e o jovem drow ficou ainda
mais confuso quando o ataque seguinte do mestre de armas fez uma espada

avançar
espada emdirectamente
desespero, eao seu àcoração.
evitou justa serDrizzt saltou para o lado, sacudindo a
trespassado.
— Tens assim tanta confiança em ti? — rosnou Zak, perseguindo
teimosamente Drizzt.
Drizzt recompôs-se enquanto as lâminas embatiam com clamor no ar.
— Sou um guerreiro! — declarou. — Um guerreiro drow!
— És um bailarino! — ripostou Zak num tom de troça. Fez a espada embater
na cimitarra de bloqueio de Drizzt com tanta força que o braço do jovem drow
ficou dormente.
— És um impostor! — gritou Zak. — Um pretendente a um título que nem
sequer consegues entender!
Drizzt passou à ofensiva. Havia fogo nos seus olhos cor de violeta e uma nova
força orientava os golpes certeiros das suas cimitarras.
Mas Zak não dava tréguas. Defendia-se dos ataques e prosseguia com a sua
lição.

com—oConheces as emoções do assassinato? — disparou. — Já te reconciliaste


acto que cometeste?
As únicas respostas de Drizzt foram um uivo frustrado e um novo ataque.
— Ah, o prazer de mergulhar a tua espada no peito de uma alta sacerdotisa —
desafiou Zak. — Ver o brilho do calor a sair do corpo dela enquanto os lábios
murmuram maldições silenciosas na tua cara! Ou alguma vez ouviste os gritos
de crianças?
Drizzt abrandou o ataque, mas Zak não permitia abrandamentos. O mestre de
armas voltou à ofensiva, com cada golpe direccionado a uma área vital.
— Que altos que são esses gritos! — prosseguiu Zak. — Ficam a ecoar
durante séculos na tua cabeça; perseguem-te por todos os caminhos durante toda
a tua vida.
Zak parou a acção, para que Drizzt pudesse sopesar cada uma daquelas
palavras.
— Nunca os ouviste, pois não, dançarino? — O mestre de armas estendeu
muito os braços, num convite. — Anda lá, então, e reclama a tua segunda
matança — disse, batendo com a mão na barriga. — Aqui, no estômago, onde a
dor é maior, para que os meus gritos fiquem a ressoar na tua cabeça. Prova-me
que és o guerreiro drow que afirmas ser.

As pontas
pedra. das cimitarras
Já não estava a sorrir. de Drizzt apontaram lentamente para o chão de
— Hesitas — riu-se Zak. — Aqui tens a tua oportunidade para fazeres o teu
nome. Um único golpe e a tua reputação chegará à Academia antes de ti. Outros
estudantes, até mesmo mestres, sussurrarão o teu nome quando passares. «Drizzt
Do’Urden», dirão. «O rapaz que matou o mais celebrado mestre de armas de
Menzoberranzan!» Não é isso que desejas?
— Maldito sejas! — gritou Drizzt em resposta, mas sem fazer qualquer
movimento de ataque.
— Guerreiro drow? — desafiou-o Zak. — Não sejas tão rápido a reclamar um
título que nem sequer consegues ainda compreender!
Drizzt atacou então, com uma fúria que nunca antes conhecera. Não tinha
intenção de matar, mas sim de derrotar o seu mestre, de calar os desafios na boca
dele com uma exibição de combate demasiado impressionante para ser
desprezada.
Drizzt
cima e porfoibaixo.
brilhante. Seguiu
Zak deu por sicada
maismovimento com
vezes a girar outros
sobre três e atacava
os calcanhares por
do que
apoiado nas plantas dos pés, demasiado ocupado a manter-se à distância dos
ataques sem tréguas do estudante para sequer pensar em passar à ofensiva.
Permitiu que Drizzt continuasse a ter a iniciativa durante muitos minutos,
receando a conclusão, o resultado que já decidira ser o preferível.
Zak decidiu então que já não podia adiar por mais tempo. Lançou uma espada
num ataque lento, e Drizzt fez-lha saltar imediatamente da mão.
Enquanto o jovem drow avançava, já antecipando a vitória, Zak enfiou a mão
livre num bolso e agarrou uma pequena bola mágica de cerâmica — uma
daquelas bolas que tantas vezes o tinham ajudado em combate.
— Desta vez não, Zaknafein! — proclamou Drizzt, mantendo os seus ataques
sob controlo, lembrando-se bem das muitas ocasiões em que Zak tinha
transformado uma aparente desvantagem numa clara vantagem.
Zak sentia a bola nos dedos, mas estava incapaz de decidir o que fazer.
Drizzt fê-lo responder a uma sequência de ataque, e depois outra, avaliando a
vantagem que tinha ganho ao privar o mestre de uma arma. Confiante na sua
posição, Drizzt avançou em baixa e com força, com um único golpe.
Embora Zak estivesse distraído nesse momento, conseguiu mesmo assim

bloquear
abateu-se osobre
ataque com a espada
a espada, forçandoque lhe restava.
a ponta desta aAbater
outranocimitarra
chão. Nodemesmo
Drizzt
movimento rápido como um relâmpago, Drizzt fez deslizar a primeira lâmina
para longe do bloqueio de Zak, parando o impulso a menos de um centímetro da
garganta do mestre.
— Venci-te! — gritou o jovem drow.
A resposta de Zak veio sob a forma de uma explosão de luz que estava para
além de qualquer coisa que Drizzt jamais imaginara.
Zak fechara prudentemente os olhos, mas Drizzt, surpreendido, não foi capaz
de se adaptar à súbita mudança. A cabeça parecia estourar-lhe em agonia e
cambaleou para trás, tentando afastar-se da luz, e do mestre de armas.
Mantendo os olhos firmemente fechados, Zak já se divorciara da necessidade
da visão. Deixava agora os seus apurados ouvidos guiarem-no, e Drizzt,
cambaleando e tropeçando, era um alvo fácil de discernir. Num único
movimento, o chicote saltou do cinturão de Zak e estalou para diante, agarrando
Drizzt pelos tornozelos
Metodicamente, e fazendo-o
o mestre cair. avançou, maldizendo cada passo, mas
de armas
sabendo que o seu curso de acção escolhido era o correcto.
Drizzt percebeu que estava a ser perseguido, mas não conseguia compreender
o motivo. A luz atordoara-o, mas estava ainda mais surpreendido pelo facto de
Zak continuar a batalha. Drizzt endireitou-se, incapaz de escapar à armadilha, e
tentou descortinar uma forma de escapar à sua perda de visão. Tinha de sentir o
fluir do combate, de ouvir o som do seu atacante e de antecipar cada golpe que
haveria de vir.
Ergueu as cimitarras mesmo a tempo de bloquear um golpe de espada que lhe
teria aberto a cabeça ao meio.
Zak não esperava a defesa de Drizzt. Recuou e voltou a avançar, de outro
ângulo. De novo foi derrotado.
Agora mais curioso do que querendo matar Drizzt, o mestre de armas fez uma
série de ataques, dando à espada movimentos que teriam derrotado as defesas de
muitos, mesmo que o pudessem ver.
Cego, Drizzt repelia-o, alinhando sempre uma cimitarra contra cada golpe
atacante.
— Traição! — gritava Drizzt, com resíduos dolorosos de luz ainda a explodir-

lhe na cabeça.
percebendo que Bloqueou
tinha poucasmaishipóteses
um ataque e tentou arecuperar
de continuar sacudir oso ataques
equilíbrio,
do
mestre de armas daquela posição baixa.
A dor da luz cegante era, porém, demasiado grande, e Drizzt, mal se
conseguindo sequer manter consciente, cambaleou e caiu de novo na pedra,
perdendo, de caminho, uma cimitarra. Girou sobre si mesmo rapidamente,
sabendo que Zak havia de estar a aproximar-se.
A outra cimitarra foi-lhe arrancada da mão.
— Traição — rugiu Drizzt de novo. — Detestas assim tanto perder?
— Mas será que não percebes? — gritou-lhe Zak de volta. — Perder é morrer!
Podes ganhar mil combates, mas só podes perder um! — pôs a espada à altura da
garganta de Drizzt. Seria um único golpe limpo. Sabia que devia fazê-lo,
piedosamente, antes que os mestres da Academia o substituíssem.
Zak mandou a espada a voar pela sala, e estendeu os braços, agarrando Drizzt
pela frente da camisa, fazendo-o pôr-se de pé.
Ficaram
brilho cara a ecara,
ofuscante, sem sem
que que nenhum
nenhum fossevisse o outro
capaz muito obem,
de quebrar devido
silêncio ao
tenso.
Após um longo momento em que ficaram ambos em suspenso, quase sem
respirar, o encantamento da pedra mágica desvaneceu-se e a sala tornou-se mais
confortável. Os dois elfos negros observaram-se a uma verdadeira nova luz.
— Um truque das sacerdotisas de Lolth — explicou Zak. — Têm sempre um
destes encantamentos de luz pronto a usar — um sorriso cansado passou-lhe pela
cara enquanto tentava acalmar a ira de Drizzt. — Muito embora tenha de dizer
que muitas vezes já usei este truque de luz contra sacerdotisas, até mesmo contra
altas sacerdotisas.
— Traição — rosnou Drizzt pela terceira vez.
— São os nossos usos — respondeu Zak. — Aprenderás.
— É o teu uso — troçou Drizzt. — Sorris quando falas de assassinar
sacerdotisas da Rainha Aranha. Gostas assim tanto de matar? De matar drow?
Zak não conseguiu encontrar uma resposta à pergunta acusadora. As palavras
de Drizzt magoaram-no profundamente porque tinham um fundo de verdade, e
porque Zak acabara por ver a sua tendência para matar sacerdotisas de Lolth
como uma resposta cobarde às suas próprias frustrações sem respostas.
— Ter-me-ias morto — disse Drizzt secamente.

— Mas não para


a Academia; o fiz receberes
— retorquiu
umZak. — Epelas
punhal agoracostas
continuarás vivo,
porque és para
cego ires
parapara
as
realidades do nosso mundo, porque te recusas a reconhecer aquilo que o nosso
povo é. Ou então, tornar-te-ás um deles — murmurou. — Seja como for, o
Drizzt Do’Urden que eu conhecia estará certamente morto.
O rosto de Drizzt contorceu-se, e nem sequer conseguiu encontrar as palavras
para disputar as possibilidades que Zak lhe estava a atirar para os olhos. Sentiu o
sangue a fugir-lhe do rosto, muito embora o seu coração batesse com força.
Afastou-se, deixando o brilho da sua presença pairar junto de Zak durante muito
tempo.
— Vai, então, Drizzt Do’Urden! — gritou-lhe Zak. — Vai para a Academia e
sacia-te na glória das tuas proezas. Lembra-te, porém, das consequências dessa
destreza. Há sempre consequências!
Zak retirou-se para a segurança do seu aposento privado. A porta para a sala
fechou-se atrás do mestre de armas com um tal som de finalidade que o fez
voltar-se
— Vai,para trásDrizzt
então, e fixarDo’Urden
com o olhar
— amurmurou
pedra nua.num lamento silencioso. — Vai
para a Academia e aprende quem és realmente.
Dinin foi ter com o irmão na manhã seguinte, bem cedo. Drizzt saiu lentamente
da sala de treino, espreitando por cima do ombro a cada passo para ver se Zak
sairia e o atacaria, ou se viria despedir-se.
Sabia, no seu coração, que Zak não o faria.
Drizzt pensara sempre que eram amigos, acreditara que o elo que ele e
Zaknafein tinham forjado ia muito para além das simples lições e do treino das
armas. O jovem drow não tinha respostas para as muitas perguntas que
rodopiavam na sua mente, e a pessoa que tinha sido o seu mestre durante os
últimos cinco anos nada mais tinha para lhe dar.
— O calor está a crescer em Narbondel — notou Dinin quando saíram para a
varanda. — Não nos podemos atrasar para o nosso primeiro dia na Academia.
Drizzt olhou para a miríade de cores e de formas que compunham
Menzoberranzan.
— Que lugar é este? — murmurou, apercebendo-se de como sabia pouco da
sua própria terra, para lá das paredes da sua própria casa. As palavras de Zak —
e a sua raiva — abateram-se sobre Drizzt enquanto estava ali, lembrando-lhe a
sua própria ignorância e sugerindo um caminho negro à sua frente.
— Isto é o mundo — respondeu Dinin, muito embora a pergunta de Drizzt
tivesse sido retórica. — Não te preocupes, Segundo Rapaz — riu-se, subindo
para o corrimão. — Aprenderás sobre Menzoberranzan na Academia.
Aprenderás quem és e quem é a tua gente.
Esta declaração incomodou Drizzt. Talvez — tendo em conta o seu último e
amargo encontro com o drow em quem mais confiava — esse conhecimento
fosse exactamente aquilo que mais temia.
Encolheu os ombros, resignado, e seguiu Dinin por cima da varanda, iniciando
uma descida mágica até ao chão do complexo: os primeiros passos ao longo de
um negro caminho.
Outro par de olhos observava atentamente enquanto Dinin e Drizzt saíam da
Casa Do’Urden.
Alton DeVir estava sentado, muito quieto, junto de um cogumelo gigantesco,
tal como fizera todos os dias na última semana, observando atentamente o
complexo Do’Urden.
Daermon N’a’shezbaernon, Nona Casa de Menzoberranzan. A casa que tinha
morto a sua mãe, as suas irmãs e irmãos, e tudo o que alguma vez existira da
Casa DeVir. Excepto ele próprio.
Alton pensou nos velhos tempos na Casa DeVir, quando a Matrona Ginafae
reunia a família para poderem discutir as aspirações da família. Alton, que era
apenas um estudante quando a Casa DeVir caíra, tinha agora uma visão mais
ampla desses tempos. Vinte anos tinham trazido uma grande experiência.
Ginafae fora a mais jovem matrona entre as famílias governantes, e o seu
potencial parecia ilimitado. Depois, ajudara uma patrulha de duendes, usara os
seus poderes conferidos por Lolth para atrapalhar os elfos drow que tinham
emboscado as pequenas criaturas nas cavernas às portas de Menzoberranzan — e
tudo apenas porque Ginafae desejava a morte de um único membro do grupo
atacante drow, um filho mago da Terceira Casa da cidade, da casa apontada
como próxima vítima da Casa DeVir.
A Rainha Aranha levara a peito a escolha das armas de Ginafae; os duendes
das profundezas eram o pior inimigo dos elfos negros em todo o Subescuro.
Com Ginafae caída em desgraça junto de Lolth, a Casa DeVir estava condenada.
Alton passara vinte anos a tentar saber tudo sobre os seus inimigos, tentando
descobrir que família drow se aproveitara do erro da sua mãe e chacinara a sua
família. Vinte longos anos, e depois a sua matrona adoptiva, SiNafay Hun’ett,
pusera fim à sua demanda de forma tão abrupta como tinha começado.
Agora, enquanto Alton se sentava ali a observar a casa culpada, sabia que
apenas uma coisa era certa: vinte anos nada tinham feito para diminuir a sua
raiva.
A Academia.
É a propagação das mentiras que mantêm unida a sociedade drow, a
derradeira perpetração das falsidades repetidas tantas vezes que acabam
por soar a verdades, apesar de toda a evidência em contrário. As lições
que os jovens drow aprendem sobre verdade e justiça são tão claramente
refutadas pela vida quotidiana na maldosa Menzoberranzan que é difícil
compreender como alguém poder acreditar nelas. Mas acreditam.
Mesmo agora, passadas décadas, pensar nesse local assusta-me, não
por causa de qualquer dor física, nem pela sensação sempre presente de
uma morte iminente — já percorri muitas estradas igualmente perigosas.
A Academia de Menzoberranzan assusta-me quando penso nos
sobreviventes, nos graduados, que existem — regozijando-se — dentro
das malévolas fabricações que conformam o seu mundo.
Vivem na crença de que tudo é aceitável desde que possa ser feito sem
se ser apanhado, que a auto-gratificação é o aspecto mais importante da
existência, e que o poder só é atingível por aqueles que sejam
suficientemente fortes e traiçoeiros para o agarrarem das mãos fracas
daqueles que já não o mereçam. A compaixão não tem lugar em
Menzoberranzan, e no entanto é a compaixão, e não o medo, que traz
harmonia à maioria das raças. É a harmonia, o trabalhar no sentido de
objectivos partilhados, que precede a grandeza.
As mentiras mergulham os drow no medo e na desconfiança, refutam a
amizade à ponta de uma espada benzida por Lolth. O ódio e a ambição
trazidos por estes princípios amorais são a condenação do meu povo,
uma fraqueza que vêem como força. O resultado é uma existência
paralisante, paranóica, a que os drow chamam estar sempre a postos.
Não sei como sobrevivi à Academia, como descobri as falsidades
suficientemente cedo para as usar como contraste, e assim fortalecer os
ideais que me são caros.
Foi Zaknafein, quero crer. O meu mestre. Através das experiências dos
seus longos anos, que o tinham amargurado e tanto lhe tinham custado,
acabei por ouvir os gritos; os gritos de protesto contra a traição
assassina; os gritos de ira das líderes da sociedade drow, as altas
sacerdotisas da Rainha Aranha, ecoando nos recantos da minha mente,
mantendo sempre um lugar dentro de mim. Os gritos de crianças a
morrer.
— Drizzt Do’Urden
Usando a roupagem de um filho nobre, e com um punhal escondido numa bota
— sugestão de Dinin — Drizzt subiu a vasta escadaria de pedra que levava a
Tier Breche, a Academia dos drow. Drizzt chegou ao topo e avançou por entre os
gigantescos pilares, sob o olhar impassível de dois guardas, estudantes do último
ano de Melee-Magthere.
Duas dúzias de outros jovens drow corriam pelo complexo da Academia, mas
Drizzt mal reparou neles. Três estruturas dominavam a sua visão e os seus
pensamentos. À sua esquerda estava a torre de Sorcere, a escola de magia, uma
estalagmite afiada. Drizzt passaria aí os primeiros seis meses do seu décimo e
último ano de estudos.
Diante dele, na parte de trás daquele andar, erguia-se a mais impressionante
das estruturas, Arach-Tinilith, a escola de Lolth, esculpida na pedra para se
assemelhar a uma gigantesca aranha. Aos olhos dos drow, este era o mais
importante edifício da Academia e, por isso, estava normalmente reservado às
fêmeas. Os estudantes masculinos só ficavam hospedados dentro de Arach-
Tinilith durante os seus seis últimos meses de estudos.
Embora Sorcere e Arach-Tinilith fossem as estruturas mais graciosas, o
edifício mais importante para Drizzt nesse momento estava na parede à sua
direita. A estrutura piramidal da Melee-Magthere, a escola dos guerreiros. Esse
edifício seria o lar de Drizzt durante os próximos nove anos. Os seus
companheiros, apercebia-se
andavam ali: guerreiros, agora,
como eram todos
ele próprio, aqueles
que iam outros
começar elfos
o seu negros
treino que
formal.
A turma, de vinte e cinco alunos, era invulgarmente grande para a escola de
guerreiros.
Ainda mais invulgar, a maioria dos novos estudantes eram nobres. Drizzt
interrogou-se como se mediriam as suas aptidões contra as deles, como se
comparariam as suas sessões com Zaknafein com as batalhas que estes outros
tinham sem dúvida tido com os mestres de armas das suas respectivas famílias.
Estes pensamentos levaram Drizzt inevitavelmente de regresso ao último
encontro com o seu mentor. Rapidamente sacudiu o pensamento desse duelo
desagradável e, mais rapidamente ainda, as perguntas perturbantes que as
observações de Zak o tinham forçado a considerar. Não havia, nesta ocasião,
lugar para tais pensamentos. Melee-Magthere estava diante dele, e era o maior
teste e a maior lição da sua jovem vida.
— As minhas saudações — disse uma voz atrás dele.

umaDrizzt
adagavoltou-se para enfrentar
desconfortavelmente noum colegae que
cinturão novato, queainda
parecia usavamais
umanervoso
espadadoe
que Drizzt — o que era uma visão reconfortante.
— Kelnozz, da Casa Kenafin, Décima Quinta Casa — disse o caloiro.
— Drizzt Do’Urden, de Daermon N’a’shezbaernon, Casa Do’Urden, Nona
Casa de Menzoberranzan — respondeu automaticamente Drizzt, exactamente
como Malice lhe tinha ensinado.
— Um nobre — notou Kelnozz, compreendendo o significado de Drizzt usar
o mesmo apelido da sua casa. Kelnozz baixou numa longa vénia. — Honras-me
com a tua presença.
Drizzt estava já a começar a gostar deste lugar. Dado o tratamento que
habitualmente recebia em casa, dificilmente se considerava um nobre. Quaisquer
noções de importância pessoal que lhe pudessem ter ocorrido perante a saudação
veneradora de Kelnozz foram desfeitas logo em seguida, porém, quando os
mestres saíram.
Drizzt viu o irmão, Dinin, entre eles, mas fingiu, tal como Dinin lhe tinha
instruído — não reparar, nem esperar qualquer tratamento especial. Drizzt correu
para dentro de Melee-Magthere juntamente com os restantes estudantes assim
que os chicotes começaram a estalar e os mestres começaram a gritar as

consequências severas
alguns corredores, se se
até uma atrasassem.
sala oval. Foram levados como um rebanho por
— Sentem-se ou fiquem de pé, como queiram! — rosnou um dos mestres.
Reparando em dois estudantes que murmuravam entre si, o mestre puxou do
chicote e deitou ao chão um dos prevaricadores.
Drizzt nem queria acreditar em quão rapidamente a sala ficou em ordem.
— Sou Hatch’net — começou o mestre numa voz tonitruante. — Mestre de
Lendas. Esta sala será a vossa sala de instrução durante cinquenta ciclos de
arbondel — olhou em volta, para os cinturões adornados de cada uma das
figuras. — Não trarão quaisquer armas para este local!
Hatch’net circulou pela sala, assegurando-se de que todos os olhos seguiam os
seus movimentos atentamente.
— Vocês são drow — disse subitamente. — Compreendem o que isso
significa? Sabem de onde vieram, e a história do nosso povo? Menzoberranzan
nem sempre foi o nosso lar, nem qualquer outra caverna do Subescuro. Em
tempos, andámos
com Drizzt. pelaacerca
— Sabes superfície do mundo—
da superfície? —rosnou-lhe
girou rapidamente
o mestre eHatch’net.
deu de caras
Drizzt recuou e abanou a cabeça.
— Um local terrível — prosseguiu Hatch’net, virando costas a todo o grupo.
— Todos os dias, enquanto o brilho começa a crescer em Narbondel, uma grande
bola de fogo nasce no céu aberto lá em cima, trazendo consigo horas de uma luz
mais forte do que os encantamentos punitivos das sacerdotisas de Lolth! —
estendeu os braços, com os olhos voltados para cima, e um esgar inacreditável
espalhou-se-lhe no rosto.
Ouviram-se murmúrios de espanto de todos os estudantes à sua volta.
— Mesmo à noite, quando a bola de fogo desce para além da orla do mundo
— continuou Hatch’net, proferindo as palavras como se estivesse a contar uma
história de terror — não se consegue fugir aos horrores incontáveis da superfície.
Pontos de luz — e por vezes uma bola menor de fogo prateado — mancham a
abençoada escuridão do céu, lembranças do que o dia seguinte trará. Em tempos,
o nosso povo caminhava pela superfície do mundo — repetiu, agora num tom de
lamento. — Em eras que já lá vão, há mais tempo do que o das linhagens das
grandes casas. Nessa idade distante, caminhávamos ao lado dos elfos de pele
branca!

— Isso nãoolhou
Hatch’net podepara
ser verdade! — gritousopesando
ele consternado, um estudante.
se haveria mais a ganhar em
castigar o estudante pela sua interrupção não solicitada, ou permitindo ao grupo
participar.
— É, sim — repetiu, escolhendo a segunda via. — Pensávamos que os elfos
brancos eram nossos amigos; chamávamos-lhes família! Não podíamos saber, na
nossa inocência, que eram a encarnação do logro e do mal. Não podíamos saber
que subitamente se haveriam de virar contra nós e afastar-nos deles, chacinando
os nossos filhos e os nossos mais velhos. Sem piedade, os malvados elfos
brancos perseguiram-nos por toda a superfície do mundo. Estávamos sempre a
pedir a paz, e sempre a ser respondidos com espadas e setas assassinas!
Fez uma pausa, com o rosto contorcendo-se num sorriso malévolo.
— Depois, encontrámos a deusa!
— Lolth seja louvada! — ouviu-se um grito anónimo.
Mais uma vez, Hatch’net deixou passar esse deslize sem punição, sabendo que
cada
na suacomentário excitado só levava a sua audiência a mergulhar cada vez mais
teia de retórica.
— Seja, sim — respondeu o mestre. — Louvemos a Rainha Aranha. Foi ela
que recebeu a nossa raça órfã e a acolheu a seu lado, ajudando-nos a lutar contra
os nossos inimigos. Foi ela quem guiou as nossas matronas ancestrais da nossa
raça para o paraíso do Subescuro. É ela — rugiu, com um punho cerrado no ar
— que agora nos dá a força e a magia para nos desforrarmos do nosso inimigo.
Somos os drow! — gritou Hatch’net. — Vocês são os drow, que nunca mais
serão espezinhados; serão senhores de tudo o que desejarem, conquistadores de
terras que decidam habitar!
— À superfície? — perguntou alguém.
— Na superfície? — riu-se Hatch’net. — Quem quereria regressar a esse
lugar tão vil? Que os elfos brancos fiquem com ele! Que ardam sob o fogo do
céu aberto! Nós reclamamos o Subescuro, onde podemos sentir o pulsar do
centro do mundo sob os nossos pés, e onde as pedras das paredes mostram o
calor do poder do mundo!
Drizzt estava sentado em silêncio, absorvendo cada palavra do muito ensaiado
discurso do talentoso orador. Drizzt tinha sido apanhado, tal como todos os
outros estudantes, pelas hipnóticas inflexões e pelos gritos de Hatch’net.

Hatch’net
gozando deera mestre
mais de Lendas
prestígio da Academia do
em Menzoberranzan havia
que mais de dois qualquer
praticamente séculos,
outro macho drow, e do que muitas das fêmeas. As matronas das famílias
governantes compreendiam bem o valor daquela língua bem experiente.
E assim era cada dia, com uma torrente interminável de retórica de ódio
dirigida contra um inimigo que nunca algum dos alunos alguma vez vira. Os
elfos da superfície não eram o único alvo das invectivas de Hatch’net. Anões,
duendes, humanos, halflings e todas as raças da superfície — e até raças
subterrâneas como os anões duergar, com quem os drow negociavam muitas
vezes e até chegavam a lutar lado a lado — encontravam sempre um lugar
desagradável nas perorações do mestre.
Drizzt acabou por perceber por que razão não eram permitidas armas na sala
oval. Sempre que saía das lições, todos os dias, dava consigo de mãos tensas ao
lado do corpo, procurando inconscientemente um punho de cimitarra. Era óbvio,
pelas brigas vulgares entre estudantes, que os outros sentiam a mesma coisa.
Porém, havia sempre
certa medida o factor
de controlo: aglutinante
a mentira que se sobrepunha
do mestre acerca dos ehorrores
que mantinha uma
do mundo
exterior e o laço reconfortante da herança comum dos estudantes; uma herança,
como os estudantes em breve haveriam de acreditar, que lhes dava suficientes
inimigos para combater para além de uns contra os outros.
As longas e cansativas horas na sala oval deixavam pouco tempo para os
estudantes conviverem. Partilhavam camaratas comuns, mas os extensos deveres
para além das aulas de Hatch’net — servir os estudantes mais velhos, preparar
refeições e limpar o edifício — quase não lhes deixavam tempo para tudo o
resto. Ao fim da primeira semana, estavam todos à beira da exaustão, condição
essa que, apercebeu-se Drizzt, contribuía para aumentar o efeito das aulas do
mestre Hatch’net.
Drizzt aceitou esta existência estoicamente, achando-a muito melhor do que
os seis anos em que tinha servido a mãe e as irmãs como príncipe-pajem. Mesmo
assim, havia um grande desapontamento para Drizzt nas suas primeiras semanas
em Melee-Magthere. Deu consigo com saudades das suas aulas de treino com
Zak.
Sentou-se na beira da sua cama, já tarde, certa noite, segurando uma cimitarra
diante dos olhos brilhantes, relembrando essas muitas horas empenhado a treinar
o combate com Zaknafein.
— Vamos para a aula daqui a duas horas — disse Kelnozz, da cama ao lado.
— Vê se descansas.
— Sinto a lâmina a fugir-me das mãos — respondeu Drizzt calmamente. — A
arma parece mais pesada, desequilibrada.
— As aulas de combate estão a apenas dez ciclos de Narbondel — disse
Kelnozz. — Então terás todo treino que quiseres! Não tenhas receio; qualquer
destreza que tenha sido embotada pelas aulas com o mestre de Lendas será em
breve recuperada. Durante os próximos nove anos, essa tua bela lâmina
raramente deixará as tuas mãos!
Drizzt enfiou de novo a cimitarra na bainha e deitou-se na cama. Tal como
acontecia com tantos outros aspectos da sua vida até aqui — e, começava a
recear, com tantos aspectos do seu futuro em Menzoberranzan — não tinha outra
escolha senão aceitar as circunstâncias da sua existência.
— Esta parte do vosso treino está a terminar — anunciou o mestre Hatch’net na
manhã do quinquagésimo dia. Outro mestre, Dinin, entrou na sala, trazendo atrás
de si uma caixa de metal magicamente suspensa cheia de paus toscamente
envoltos em material amortecedor, de todos os comprimentos e feitios
comparáveis às armas drow.
— Escolham o instrumento de treino que mais se assemelhe à vossa arma de
eleição — explicou Hatch’net enquanto Dinin caminhava pela sala. Chegou
unto do irmão, e os olhos de Drizzt pousaram de imediato na sua escolha: dois
paus ligeiramente recurvados com cerca de noventa centímetros de
comprimento. Drizzt tirou-os da caixa e fez um simples movimento de ataque. O
peso e equilíbrio dos paus assemelhavam-se bastante aos das cimitarras que se
tinham tornado tão familiares às suas mãos.
— Para orgulho de Daermon N’a’shezbaernon — sussurrou-lhe Dinin.
Depois, seguiu caminho.
Drizzt voltou a ensaiar movimentos com as armas fingidas. Era altura de
avaliar o valor das suas aulas com Zak.
— A vossa aula tem de ter uma ordem — dizia Hatch’net enquanto Drizzt
desviava a atenção das suas novas armas. — Daí o combate geral. Lembrem-se:
só pode haver um vencedor!
Hatch’net e Dinin levaram os estudantes para fora da sala oval e até para fora
de Melee-Magthere, pelo túnel que passava entre as duas aranhas guardiãs nas
traseiras de Tier Breche.
Para todos os estudantes, esta era mesmo a primeira vez que saíam de
Menzoberranzan.
— Quais são as regras? — perguntou Drizzt a Kelnozz, que caminhava na fila
ao seu lado.
— Se um mestre te disser que estás fora, estás fora — respondeu Kelnozz.
— Mas as regras de combate? — perguntou Drizzt.
Kelnozz lançou-lhe um olhar incrédulo.
— A regra é vencer — respondeu simplesmente, como se não pudesse haver
mais nenhuma resposta.
Pouco tempo depois, chegaram a uma caverna razoavelmente grande, que
seria a arena para o combate geral. Estalactites pontiagudas espreitavam para
baixo, porcomplexo
labirinto cima deles, e aglomerados
cheio de covas paradeemboscadas
estalagmitese transformavam o chão num
esquinas perigosas.
— Escolham as vossas estratégias e procurem o vosso ponto de partida —
disse o mestre Hatch’net. — O grande combate começa quando contar até cem!
Os vinte e cinco estudantes puseram-se em acção, alguns deles fazendo uma
pausa para avaliarem o terreno diante deles, e outros começando a correr para a
obscuridade do labirinto.
Drizzt decidiu encontrar um corredor estreito, para se assegurar de que
poderia lutar contra um de cada vez, e mal tinha começado a sua busca quando
foi agarrado por trás.
— Fazemos equipa? — propôs Kelnozz.
Drizzt não respondeu, duvidoso da valia em combate do outro e inseguro
quanto às práticas aceitáveis deste tipo de combate tradicional.
— Os outros estão a formar equipas — insistiu Kelnozz. — Algumas delas
com três elementos. Juntos, talvez tenhamos alguma hipótese.
— O mestre disse que só podia haver um vencedor — argumentou Drizzt.
— Quem será melhor do que tu para isso, a não ser que seja eu? — respondeu
Kelnozz com um piscar de olho. — Derrotemos os outros, e depois poderemos
decidir a questão entre nós.

Este raciocínio
aproximar-se pareciae cinco,
de setenta prudente, e com
Drizzt tinhaa pouco
contagem
tempodepara
Hatch’net
ponderarjá asa
possibilidades. Deu uma palmada no ombro de Kelnozz e fez o seu novo aliado
segui-lo pelo labirinto.
Tinham sido construídas passagens superiores por todo o perímetro da sala,
que até atravessavam o centro, para dar aos mestres avaliadores uma boa visão
da acção que decorria mais abaixo. Havia agora uma dúzia deles lá em cima,
todos esperando ansiosamente as primeiras batalhas, para poderem avaliar os
talentos desta turma de jovens.
— Cem! — gritou Hatch’net do seu lugar elevado.
Kelnozz começou a movimentar-se, mas Drizzt fê-lo parar, mantendo-o
recuado no corredor estreito, entre dois longos aglomerados de estalagmites.
— Deixa-os vir ter connosco — sinalizou Drizzt no código silencioso das
mãos e do rosto. Agachou-se, em prontidão para o combate. — Deixa-os lutar
uns contra os outros até se cansarem. A paciência é nossa aliada!
Kelnozz descontraiu-se, pensando que tinha feito a escolha acertada com
Drizzt.
Mas a paciência deles não foi posta à prova por muito tempo, porque pouco
depois um estudante alto e agressivo entrou de rompante na sua posição
defensiva, brandindo um longo pau em forma de lança. Foi direito a Drizzt,
rodopiando a ponta da lança, e depois erguendo-a para uma carga em cheio e
brutal destinada a uma morte rápida, num movimento forte e perfeitamente
executado.
Para Drizzt, porém, esta parecia a mais básica das rotinas de ataque — quase
demasiado básica, até, porque Drizzt mal conseguiu acreditar que um estudante
treinado atacasse outro combatente hábil de forma tão aberta. Drizzt convenceu-
se rapidamente de que este era, de facto, o método de ataque escolhido pelo
outro, e não um embuste, e lançou a defesa adequada. As suas cimitarras
fingidas surgiram à sua frente rapidamente, desviando a lança que avançava e
acabando num movimento que colocou a ponta de uma delas sobre a linha do
ombro do atacante.
O atacante agressivo, surpreendido pelo contra-ataque, deu consigo
desequilibrado e em posição indefesa. Um segundo depois, e antes que o
atacante conseguisse sequer começar a recuperar, o contra-ataque de Drizzt

levou primeiro
encostadas a ponta
ao peito de uma cimitarra, e depois a da outra, a ficarem
do oponente.
Uma luz azul suave apareceu no rosto do estudante surpreendido, e tanto este
como Drizzt seguiram a luz até à sua srcem, para encontrarem um mestre que
segurava uma varinha mágica e que olhava para baixo, para eles, desde uma das
passagens superiores.
— Estás derrotado — disse o mestre ao estudante mais alto. — Cai no sítio
onde estás!
O estudante lançou um olhar irado a Drizzt e depois deixou-se cair na pedra,
obedientemente.
— Vem — disse Drizzt a Kelnozz, lançando um olhar rápido para a luz que
revelava a presença do mestre. — Agora, todos os outros já sabem a nossa
posição. Temos de encontrar outra área defensiva.
Kelnozz fez uma breve pausa para apreciar as passadas graciosas de caçador
do seu parceiro. Tinha de facto feito uma boa escolha ao decidir-se por Drizzt,
mas
destrojá companheiro
sabia, após este únicoose simples
fossem últimos primeiro confronto,
dois a ficar de pé —queoseque
eleera
e ouma
seu
possibilidade bem real — não teria qualquer hipótese de clamar vitória.
Juntos, correram para uma esquina, dando de caras com dois oponentes.
Kelnozz correu atrás de um que fugiu assustado, e Drizzt parou para enfrentar o
outro, que estava armado com uma espada e um punhal fictícios.
Um grande sorriso de confiança crescente atravessou o rosto de Drizzt
enquanto o seu oponente tomava a iniciativa usando rotinas de ataque tão básicas
quanto as do atacante da lança tinha usado antes e que Drizzt tinha despachado
facilmente.
Uns quantos golpes hábeis das cimitarras, umas quantas pancadas para desviar
as armas do adversário, e a espada e o punhal foram arrancados das mãos do
oponente. O ataque de Drizzt surgiu mesmo pelo meio, executando um novo
duplo golpe directo ao peito do adversário.
A já esperada luz azul surgiu.
— Foste derrotado — ouviu-se a voz do mestre. — Cai no local onde te
encontras.
Agastado, o teimoso estudante atacou malevolamente Drizzt. Este bloqueou o
ataque com uma arma e golpeou com a outra o pulso do oponente, lançando a

espada ao chão.agarrou o pulso magoado, mas esse era o menor dos seus
O atacante
problemas. Um relâmpago de luz cegante foi disparado da varinha do mestre
observador, acertando-lhe em cheio no peito e lançando-o três metros para trás,
para se estatelar de encontro a uma estalagmite. Caiu no chão, uivando em
agonia, e uma linha de luz derivada do calor que lhe saía do peito começou a
subir do corpo chamuscado, caído contra a pedra cinzenta e fria.
— Foste derrotado! — disse de novo o mestre.
Drizzt começou a avançar para ajudar o drow caído, mas o mestre lançou-lhe
um enfático «não».
Depois, Kelnozz regressou para junto de Drizzt.
— Escapou-se-me — começou Kelnozz a dizer, mas começou a rir quando
viu o estudante caído. — Quando um mestre te diz que estás derrotado, estás
derrotado! — repetiu para o olhar vazio de Drizzt.
— Anda — prosseguiu Kelnozz. — A batalha está no auge. Vamos à procura
de Drizzt
mais diversão!
achou o seu companheiro bastante confiante para alguém que ainda
nem tinha usado as armas. Limitou-se a encolher os ombros e a segui-lo.
O encontro seguinte já não foi tão fácil. Entraram numa passagem dupla que
dava para várias formações rochosas e deram consigo de caras com um grupo de
três estudantes — nobres de casas principais, conforme Drizzt e Kelnozz
depressa se aperceberam.
Drizzt disparou em direcção aos dois à esquerda, os quais brandiam uma única
espada cada um, enquanto Kelnozz se esforçava por afastar o terceiro dali.
Drizzt tinha pouca experiência em combater múltiplos adversários
simultaneamente, mas Zak ensinara-lhe bastante bem as técnicas de uma batalha
deste tipo. Os seus movimentos foram, de início, apenas defensivos; depois, foi
adquirindo um ritmo confortável e permitiu aos oponentes que se cansassem e
começassem a fazer erros críticos.
Estes eram adversários astuciosos, porém, e estavam familiarizados com os
movimentos um do outro. Os ataques complementavam-se, avançando contra
Drizzt de ângulos opostos.
— Duas mãos — dissera em tempos Zak acerca de Drizzt; e agora tinha de
estar à altura do título. As cimitarras pareciam trabalhar de forma independente,

masDeemumperfeita
posto harmonia, seguindo os
superior próximo, cada ataque.Hatch’net e Dinin observavam,
mestres
com Hatch’net bastante impressionado e com Dinin inchado de orgulho.
Drizzt viu a frustração a crescer nos rostos dos oponentes e soube que a sua
oportunidade de atacar depressa chegaria. Então, estes uniram-se e avançaram
com golpes iguais, com as espadas apenas separadas por um centímetro.
Drizzt saltou para o lado e lançou um golpe de baixo para cima com a
cimitarra da esquerda, desviando ambos os ataques. Depois, inverteu o balanço
do corpo, deixou-se cair sobre um joelho, de novo alinhado para os adversários,
e atacou com dois golpes do braço direito que estava livre. A cimitarra atacante
apanhou o primeiro, e depois o segundo, em cheio no estômago.
Deixaram cair as armas ao mesmo tempo, agarrando as barrigas doridas, e
caíram de joelhos. Drizzt avançou para eles, tentando encontrar as palavras
certas para pedir desculpa.
Hatch’net acenou com a cabeça em sinal de aprovação para Dinin, enquanto
os —
doisAjuda-me!
mestres dirigiam
— gritouasKelnozz,
suas luzesdeazuis para
detrás da os dois de
parede derrotados.
estalagmites.
Drizzt rebolou por uma abertura na parede, ergueu-se rapidamente e abateu
um quarto adversário, que estava escondido para um ataque traiçoeiro, com um
golpe do punho da arma contra o peito. Drizzt parou para avaliar a sua última
vítima. Nem sequer tivera consciência de que o drow ali estava, mas a sua
pontaria fora perfeita!
Hatch’net deu um longo assobio enquanto lançava a luz azul para o rosto do
mais recente derrotado.
— Ele é bom! — murmurou o mestre.
Drizzt viu Kelnozz a pouca distância, praticamente forçado a deitar-se no chão
devido às manobras hábeis do seu oponente. Drizzt saltou para o meio dos dois e
desviou um ataque que teria certamente acabado com Kelnozz.
Este novo adversário, que brandia duas espadas fictícias, mostrou ser o maior
desafio a Drizzt até ao momento. O estudante avançou para Drizzt com uma
série de simulações e reviravoltas, forçando-o a recuar por mais de uma vez.
— Berg’inyon da Casa Baenre — sussurrou Hatch’net a Dinin.
Dinin compreendeu o significado disto e esperou que o seu jovem irmão
estivesse à altura do desafio.

Berg’inyon
destros não desapontava
e bem medidos, a sua distinta
e ele e Drizzt dançaramfamília. Osvários
durante seus movimentos
minutos semeram
que
qualquer deles conseguisse encontrar uma vantagem. O ousado Berg’inyon
avançou depois com uma rotina de ataque que era talvez das mais familiares
para Drizzt: o duplo golpe por baixo.
Drizzt executou a dupla defesa baixa em cruz com mestria, na defesa
adequada que Zaknafein tanta vez lhe demonstrara ser a mais correcta. Nunca
satisfeito, porém, Drizzt reagiu depois num impulso, fazendo agilmente subir um
pé por entre as suas espadas e direito à cara do adversário. O confundido filho da
Casa Baenre caiu de costas contra a parede.
— Eu sabia que esta defesa estava errada! — gritou Drizzt, já saboreando a
próxima vez em que tivesse a oportunidade de desarmar um ataque daqueles
numa sessão contra Zak.
— Ele é mesmo bom — sussurrou de novo Hatch’net para o seu companheiro
orgulhoso.
Confundido,Lançou
desvantagem. Berg’inyon
um globo nãodeconseguiu
escuridão àlutar para mas
sua volta, sair Drizzt
da situação
avançoudea
direito, mais do que preparado para lutar às cegas. Drizzt deu ao filho da Casa
Baenre uma série de rápidos ataques, terminando com uma das cimitarras
encostada ao pescoço de Berg’inyon.
— Estou derrotado — concedeu o jovem Baenre, sentindo a ponta da arma.
Ouvindo estas palavras, o mestre Hatch’net desfez o feitiço de escuridão.
Berg’inyon pousou ambas as armas no chão e deitou-se, enquanto a luz azul lhe
incidia no rosto.
Drizzt não conseguia disfarçar o sorriso cada vez mais descarado. Haveria por
ali ainda algum que o pudesse derrotar?, interrogava-se.
Depois, sentiu uma explosão na nuca que o fez cair de joelhos. Conseguiu
olhar para trás a tempo de ver Kelnozz a afastar-se.
— É um tonto — riu-se Hatch’net, fazendo incidir a sua luz sobre Drizzt, e
depois olhando para Dinin. — Um bom tonto.
Dinin cruzou os braços sobre o peito, com o rosto a ferver agora de embaraço
e ira.
Drizzt sentiu a pedra fria contra a cara, mas os seus únicos pensamentos nesse
momento estavam enraizados no passado, presos à afirmação sarcástica, mas

dolorosamente correcta, de Zaknafein: «São os nossos usos!»


— Desiludiste-me — disse Drizzt a Kelnozz nessa noite, na camarata.
A sala estava escura, e nenhum outro estudante se movia na cama, todos
exaustos devido à luta do dia e dos deveres intermináveis ao serviço dos
estudantes mais velhos.
Kelnozz já estava à espera desta conversa. Apercebera-se desde logo da
ingenuidade de Drizzt, quando este o interrogara sobre as regras de combate. Um
guerreiro drow experimentado, e especialmente um nobre, deveria saber mais do
que isso, deveria saber que a única regra da sua existência era a procura da
vitória. Agora, Kelnozz sabia bem que este tolo jovem Do’Urden não o atacaria
por causa das suas acções anteriores — a vingança impelida pela ira não era um
dos traços de personalidade de Drizzt.
— Porquê? — insistiu Drizzt, sem encontrar nenhuma resposta por parte do
comum da Casa Kenafin.
O volume da voz de Drizzt forçou Kelnozz a olhar em volta preocupado.
Deveriam estar a dormir; se um mestre os ouvisse…
— Qual é a dúvida? — sinalizou Kelnozz com as mãos, com o brilho quente
dos dedos a surgir claramente aos olhos sensíveis de Drizzt.
— Agi como tinha de agir, muito embora agora pense que devia ter esperado
um pouco mais. Talvez se tu tivesses derrotado mais alguns deles pudesse ter
acabado em terceiro da turma.

até—terSevencido,
tivéssemos trabalho em
ou terminado emconjunto,
segundo,como tínhamos
pelo menos — concordado, poderias
respondeu por sinais
Drizzt, com os movimentos bruscos das mãos a reflectirem a sua ira.
— Seguramente em segundo — respondeu Kelnozz. — Soube desde logo que
não estaria à tua altura. És o melhor guerreiro que já vi.
— Não de acordo com a opinião dos mestres — resmungou Drizzt, em voz
alta.
— Oitava não é assim tão baixo — sussurrou Kelnozz em resposta. —
Berg’inyon ficou apenas em décimo, e é da Casa reinante de Menzoberranzan.
Deverias ficar contente por a tua posição não ser demasiado invejada pelos teus
colegas — um ruído fora da camarata obrigou Kelnozz a regressar ao código
silencioso. — Ter uma posição mais alta só significa ter mais adversários a
espiar-te as costas, à cata de oportunidade para te enfiarem um punhal nelas.
Drizzt deixou passar as implicações da afirmação de Kelnozz; recusava-se a
admitir que houvesse tanta traição na Academia.
— Berg’inyon
Estava a derrotar-tefoiatéoeumelhor guerreiro
interceder por ti. que vi na batalha — gesticulou. —
Kelnozz sorriu e afastou o pensamento.
— Quero lá saber. Por mim, Berg’inyon pode bem servir de cozinheiro numa
casa inferior qualquer — murmurou ainda mais baixo do que antes — porque a
cama do filho da Casa Baenre ficava a apenas alguns metros. — Ele ficou em
décimo, enquanto eu, Kelnozz da Casa Kenafin, sou o terceiro!
— E eu sou oitavo — disse Drizzt, com um nervosismo invulgar na voz, mais
devido à raiva do que à inveja. — Mas conseguiria vencer-te com qualquer arma.
Kelnozz encolheu os ombros, num estranho movimento que criava um borrão
de luz para quem o via no espectro infravermelho. — Mas não venceste —
gesticulou. — Eu venci o recontro.
— Recontro? — gesticulou Drizzt. — Limitaste-te a atraiçoar-me, apenas
isso!
— Mas quem é que ficou de pé? — fez-lhe Kelnozz notar. — Quem é que
recebeu a luz azul da varinha de um mestre?
— A honra exige que haja regras para o combate — resmungou Drizzt.
— Só há uma regra — lançou-lhe Kelnozz. — Podes fazer o que quer que
seja, desde que te safes. Venci o nosso recontro, Drizzt Do’Urden, e fiquei com a

posição maisdaalta!
No calor É só issoasque
discussão, importa.
vozes de ambos tinham subido demasiado alto. A
porta da camarata abriu-se e um mestre entrou, com a sua silhueta vivamente
recortada pela luz azul do corredor. Ambos os estudantes se deitaram
prontamente e fecharam os olhos — e as bocas.
O tom final da última afirmação de Kelnozz levou Drizzt a algumas
observações prudentes. Percebeu então que a sua amizade com Kelnozz chegara
ao fim — e que talvez ele e Kelnozz nem nunca tivessem sequer sido amigos.
— Viste-o? — perguntou Alton, batendo ansiosamente com os dedos na pequena
mesa da sala mais alta dos seus aposentos privados. Alton tinha posto os
estudantes mais jovens de Sorcere a trabalhar na reparação do seu lar arruinado,
mas as marcas de fogo nas paredes de pedra ainda lá estavam, como legado da
bola de fogo que Alton lançara.
— Vi — respondeu Masoj. — E ouvi falar da destreza dele com as ramas.
— Oitavo da turma no grande combate — disse Alton. — Um feito
considerável.
— Segundo todos os relatos, tem aptidão para ser o primeiro — disse Masoj.
— Um dia há-de reclamar esse título. Hei-de ter cuidado perto dele.
— Não há-de viver o suficiente para reclamar o título! — prometeu Alton. —
A Casa Do’Urden tem grande orgulho no seu jovem de olhos cor de violeta, e
por isso me decidi a atacar o jovem Drizzt como meu primeiro alvo de vingança.
A morte dele trará grande desgosto à traiçoeira Matrona Malice!
Masoj viu nisto um problema, e decidiu encerrar a questão de uma vez por
todas.
— Não lhe farás mal — avisou. — Nem sequer te aproximarás dele.
O tom de Alton tornou-se menos sombrio.
— Esperei duas décadas… — começou a dizer.
— E podes esperar mais umas quantas — atalhou imediatamente Masoj. —
Lembro-te que aceitaste o convite da Matrona SiNafay para a Casa Hun’ett.
Uma tal aliança exige obediência. A Matrona SiNafay — a nossa Matrona Mãe
— colocou nos meus ombros a tarefa de lidar com Drizzt Do’Urden, e cumprirei
a vontade dela.
Alton recostou-se na cadeira, do outro lado da mesa, e assentou o que restava

do queixododilacerado
palavras pelosecreto.
seu parceiro ácido numa mão esguia, sopesando cuidadosamente as
— A Matrona SiNafay tem planos que te darão toda a vingança que possas
desejar — prosseguiu Masoj. — Aviso-te já, Alton DeVir — disse sublinhando o
apelido que não era Hun’ett — que se começares uma guerra com a Casa
Do’Urden, ou se sequer os puseres na defensiva devido a qualquer acto de
violência não aprovado pela Matrona SiNafay, incorrerás na ira da Casa Hun’ett.
A Matrona SiNafay expor-te-á como um impostor e assassino e exercerá todas as
punições permitidas pelo Conselho Governante sobre esses teus desgraçados
ossos!
Alton não tinha forma de refutar esta ameaça. Era um vagabundo, sem família
a não ser os Hun’ett que o tinham adoptado. Se SiNafay se voltasse contra ele,
não encontraria aliados.
— Que plano tem SiNafay… – A Matrona SiNafay – para a Casa Do’Urden?
— perguntou calmamente. — Fala-me da minha vingança, para que possa
sobreviver a estes
Masoj sabia quetorturantes
tinha de anos de espera.
agir cuidadosamente nesta matéria. A mãe não o
proibira de contar a Alton o futuro rumo das coisas, mas se quisesse que o volátil
DeVir o conhecesse, notou Masoj, ter-lho-ia dito ela própria.
— Digamos apenas que o poder da Casa Do’Urden cresceu, e continua a
crescer, ao ponto de se estar a tornar uma ameaça bem real para as outras
grandes casas — ronronou Masoj, adorando a intriga do posicionamento antes de
uma guerra. Testemunha disso é a queda da Casa DeVir, executada na perfeição,
sem deixar qualquer rasto evidente. Muitos dos nobres de Menzoberranzan
dormiriam mais descansados se… — ficou por aí, pensando que provavelmente
até já teria falado demais.
Pelo brilho quente dos olhos de Alton, Masoj conseguiu perceber que as suas
palavras tinham sido suficientemente fortes para comprar mais alguma paciência
a Alton.
A Academia guardava muitas desilusões para o jovem Drizzt, especialmente
nesse primeiro ano, em que tantas das negras realidades da sociedade drow,
realidades que Zaknafein só referira de relance, continuavam a embater contra o
reconhecimento de Drizzt com uma resistência teimosa. Sopesava as lições dos
mestres, de ódio e desconfiança, com as duas mãos; uma agarrava as visões dos
mestres no contexto das aulas, e a outra pegava nessas mesmas palavras segundo
a lógica muito diferente assumida pelo seu antigo mentor. A verdade parecia tão
ambígua, tão difícil de definir. Com todo esse exame, Drizzt descobriu que não
podia escapar a um facto arrasador: em toda a sua jovem vida, o único
comportamento traiçoeiro que já vira, e com muita frequência, era proveniente
dos próprios elfos drow.
O treino físico na Academia, horas sem fim de exercícios de duelo e de
técnicas de dissimulação, era mais do agrado de Drizzt. Aí, com as armas sempre
prontas nas mãos, libertava-se das questões sobre a verdade e aquilo que parecia
a verdade.
Aí, mostrava-se excelente. Se Drizzt já chegara à Academia com um nível de
treino e mestria superiores aos dos colegas, essa diferença só se tornava agora
cada vez maior, enquanto os meses de trabalhos iam passando. Aprendeu a ver
para além das rotinas de defesa e de ataque aceites e apresentadas pelos mestres
e criou
pelo os seus
menos próprios
— mas métodos,
a maior com
parte das inovações
vezes que quase
até excediam — assempre igualavam,
técnicas padrão.
Inicialmente, Dinin ouvia com cada vez maior orgulho quando os seus pares
elogiavam as proezas de guerreiro do irmão. Os elogios começaram a ser tão
ardentes que o filho mais velho da Matrona Malice começou a recebê-los com
uma preocupação nervosa. Dinin era o Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden,
título que tinha conquistado eliminando Nalfein. Drizzt, que mostrava potencial
para se tornar um dos melhores guerreiros de Menzoberranzan, era agora o
Segundo Rapaz da Casa Do’Urden, e talvez começasse a olhar com cobiça para
o título de Dinin.
De igual forma, os colegas estudantes de Drizzt não deixavam de testemunhar
a mestria crescente da sua dança de combate. Por vezes, observavam-na até
demasiado de perto para seu gosto! Olhavam para Drizzt com uma inveja
crescente, interrogando-se se alguma vez se poderiam comparar a ele no domínio
das cimitarras. O pragmatismo era sempre um traço forte nos elfos drow. Estes
ovens estudantes tinham passado o grosso dos seus anos a observar os mais
velhos das suas famílias a distorcer cada situação a uma luz mais favorável.
Cada um deles reconhecia o valor de Drizzt Do’Urden como aliado, e assim,
quando a grande batalha do ano seguinte chegou, Drizzt foi inundado de

propostas de parceria.
A proposta mais surpreendente veio de Kelnozz da Casa Kenafin, que
derrubara Drizzt à traição no ano anterior.
— Juntamo-nos de novo, desta vez até ao topo da turma? — perguntou o
descarado jovem guerreiro enquanto caminhava ao lado de Drizzt pelo túnel que
dava para a caverna preparada para o efeito.
Caminhava junto de Drizzt e punha-se à frente dele com facilidade, como se
fossem os melhores amigos, com os antebraços pousados sobre os punhos das
armas no cinturão e com um sorriso aberto e amigável no rosto.
Drizzt nem lhe conseguia responder. Virou costas e afastou-se, mantendo
propositadamente um olhar por cima do ombro enquanto se afastava.
— Porque estás tão surpreendido? — insistiu Kelnozz, apressando-se a ir ter
de novo com ele.
Drizzt enfrentou-o.
— Como me poderia juntar de novo com alguém que me enganou? —
escarneceu.
— Essa é— Não me esqueci
precisamente da —
a ideia tua argumentou
traição! Kelnozz. — Este ano já estás
de sobreaviso; eu seria certamente um grande tolo se fosse tentar de novo uma
acção dessas, não?
— De que outra maneira poderias vencer? — disse Drizzt. — Não me
consegues derrotar em combate cara a cara — estas palavras não eram
sobranceria, mas apenas um facto que Kelnozz aceitou tão simplesmente quanto
Drizzt.
— O segundo lugar é altamente honroso — respondeu Kelnozz.
Drizzt ficou a olhar para ele. Sabia que Kelnozz não se contentaria com nada
menos do que a derradeira vitória.
— Se nos encontrarmos no combate — disse com um tom frio e terminante
—, será como oponentes.
Afastou-se de novo, e desta vez Kelnozz não o seguiu.
A sorte bafejou Drizzt com uma certa dose de justiça nesse dia, porque o seu
primeiro adversário, e a sua primeira vítima na grande batalha, foi nada menos
do que o seu antigo parceiro. Drizzt encontrou Kelnozz no mesmo corredor que
tinham usado como ponto de defesa inicial no ano anterior e abateu-o com a sua
primeira combinação de ataque. Drizzt conseguiu a custo conter o seu ímpeto
atacante, embora desejasse realmente carregar a cimitarra fingida com toda a sua
força contra o peito de Kelnozz.
Depois, deslizou pelas sombras, escolhendo cuidadosamente o caminho, até o
número de estudantes sobreviventes começar a diminuir. Com a sua reputação,
Drizzt tinha de ser extremamente cuidadoso, porque os colegas de turma viam
uma vantagem comum em eliminar as proezas dele desde cedo na batalha.
Trabalhando sozinho, Drizzt tinha de avaliar cuidadosamente cada embate antes
de reagir, para se assegurar de que cada oponente não trazia companheiros
ocultos à espreita nas redondezas.
Esta era a arena de Drizzt, o local onde se sentia mais à vontade, e estava à
altura do desafio. Ao fim de duas horas, apenas cinco contendentes restavam, e
depois de mais duas horas de jogo do gato e do rato, apenas restavam dois:
Drizzt e Berg’inyon Baenre.
Drizzt saiu para uma extensão aberta da caverna.
— Anda, esai,
abertamente comestudante
honra! Baenre! — chamou. — Resolvamos este desafio
Observando do passadiço superior, Dinin abanou a cabeça, incrédulo.
— Abdicou de qualquer vantagem que tinha — disse o mestre Hatch’net, que
estava ao lado do Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden. — Sendo melhor
espadachim, tinha Berg’inyon preocupado e na incerteza quanto aos seus
movimentos. E agora o teu irmão está ali às claras, mostrando a posição.
— Continua a ser um tonto — resmungou Dinin.
Hatch’net detectou Berg’inyon a deslizar por trás de uma estalagmite, a
poucos metros por trás de Drizzt.
— Isto ficará resolvido em breve — comentou o mestre.
— Estás com medo? — gritava Drizzt para a penumbra. — Se queres
realmente merecer o primeiro lugar, como tantas vezes dizes, então sai e
enfrenta-me cara a cara. Prova as tuas palavras, Berg’inyon Baenre, ou nunca
mais te atrevas a pronunciá-las!
O já esperado movimento atrás dele levou Drizzt a rebolar para um lado.
— O combate é mais do que apenas o golpe de espadas! — gritou o filho da
Casa Baenre enquanto avançava, com os olhos rebrilhando com a sensação de
vantagem que parecia agora deter.

Mas
caiu deBerg’inyon tropeçou,
cara no chão. Drizzt atraiçoado por umelefionum
abateu-se sobre que relâmpago,
Drizzt tinhaapontando
instalado, ea
ponta da cimitarra à garganta do opositor.
— Isso já eu aprendi — respondeu Drizzt sarcasticamente.
— E assim um Do’Urden se torna campeão — observou Hatch’net, fazendo
incidir a sua luz azul na cara do filho derrotado da Casa Baenre. Depois, apagou
o sorriso escancarado da cara de Dinin com as palavras seguintes: — Os rapazes
mais velhos deverão sempre ter atenção aos segundos rapazes possuidores de tal
destreza.
Embora Drizzt pouco se orgulhasse da sua vitória no segundo ano, estava muito
satisfeito com a consolidação contínua das suas aptidões para o combate.
Praticava todas as horas do dia, desde que não estivesse ocupado nos muitos
deveres de serviço de um jovem estudante. Esses deveres iam sendo reduzidos à
medida que os anos iam passando — os estudantes mais jovens eram quem
trabalhava
para mais
o treino arduamente
privado. — e Drizzt
Comprazia-se comfoia encontrando cadalâminas
dança das suas vez mais tempoa
e com
harmonia dos movimentos. As cimitarras tornaram-se os seus únicos amigos, a
única coisa em que se atrevia a confiar.
Voltou a vencer a grande batalha no terceiro ano, e a do ano a seguir, apesar
das conspirações de muitos outros contra ele. Para os mestres, tornou-se evidente
que ninguém da sua turma seria capaz de vencer Drizzt, e no ano seguinte
colocaram-no na grande batalha contra os estudantes três anos mais avançados.
Venceu também dessa vez.
A Academia, mais do que qualquer outra coisa em Menzoberranzan, era um
local estruturado, e embora a destreza superior de Drizzt desafiasse essa
estrutura em termos de proezas em combate, a sua permanência ali enquanto
estudante não seria reduzida. Como guerreiro, passaria dez anos na Academia, o
que não era um tempo assim tão longo, em comparação com os trinta anos de
estudo que um mago tinha de passar em Sorcere, ou os cinquenta anos que uma
candidata a sacerdotisa tinha de passar em Arach-Tinilith. Enquanto os
guerreiros começavam o treino na idade jovem de vinte anos, os magos só
podiam começar os estudos aos vinte e cinco, e as sacerdotisas tinham de esperar
até aos quarenta anos.

Os primeiros
individual, quatro das
ao manejo anosarmas.
em Melee-Magthere eram
Nisso, os mestres dedicados
pouco podiamaoensinar
combatea
Drizzt que Zaknafein não lhe tivesse já mostrado.
Depois disso, porém, as lições tornaram-se mais colectivas. Os jovens
guerreiros drow passavam dois anos completos a aprender tácticas de combate
em grupo com outros guerreiros, e os três anos seguintes incorporavam essas
tácticas em técnicas de guerra lado a lado com magos e sacerdotisas, ou contra
estes.
O ano final da Academia completava a educação dos guerreiros. Os primeiros
seis meses eram passados em Sorcere, aprendendo as bases do uso da magia; e
os últimos seis meses, prelúdio da graduação, viam os guerreiros sob a tutela das
sacerdotisas de Arach-Tinilith.
Durante todo esse tempo, permanecia a retórica, o martelar de todos aqueles
preceitos que a Rainha Aranha tinha por caros, essas mentiras de ódio que
mantinham os drow num estado constante de caos controlado.
Para Drizzt,
privada a Academia
dentro da tornou-se
teia impenetrável das um
suasdesafio pessoal,
cimitarras uma sala
rodopiantes. de aula
Dentro das
paredes de adamantite que formava com essas lâminas, Drizzt descobriu que
podia ignorar as muitas injustiças que observava à sua volta, e que podia, de
certa forma, isolar-se contra aquelas palavras que lhe envenenariam o coração. A
Academia era um local de constantes ambições e traições, um campo de cultura
para a desenfreada fome de poder que marcava a vida de todos os drow.
Drizzt haveria de sobreviver-lhe sem se deixar afectar, prometera a si mesmo.
À medida que os anos passavam, porém, e à medida que as batalhas
começavam a ganhar os contornos da realidade brutal, Drizzt deu consigo
repetidamente no meio de situações que não podia tão facilmente pôr de lado.
Moviam-se pelos túneis serpenteantes tão silenciosamente como uma leve brisa,
com cada passo avaliado cuidadosamente e a terminar numa postura defensiva.
Eram estudantes do nono ano a completar o último ano em Melee-Magthere, e
era tão frequente treinarem fora da caverna de Menzoberranzan, como no seu
interior. Já não eram paus a fingir de armas que adornavam os seus cinturões;
agora havia neles armas de adamantite, finamente forjadas e cruelmente
aguçadas.
Por vezes, os túneis fechavam-se à sua volta, quase sem largura suficiente
para deixar passar um único elfo negro. Outras vezes, os estudantes davam
consigo em vastas cavernas com paredes e tectos que se perdiam de vista. Eram
guerreiros drow, treinados para operar em qualquer tipo de paisagem do
Subescuro, e conhecedores das técnicas de qualquer inimigo que pudessem
encontrar.
«Patrulhas de treino», chamara o mestre Hatch’net a estes exercícios, embora
tivesse avisado os estudantes de que essas «patrulhas de treino» davam muitas
vezes com monstros bem reais e pouco amistosos.
Drizzt, que ainda estava classificado no topo da sua turma e seguia na posição
de ponta de lança, liderava o seu grupo, com o mestre Hatch’net e dez outros
estudantes a segui-lo em formação. Só restavam vinte e dois dos vinte e cinco
membros iniciais da turma. Um tinha sido expulso — e subsequentemente
executado — por causa de uma tentativa falhada de assassinato de um estudante
de nível mais elevado; um segundo fora morto na arena de treino; e um terceiro
morrera na cama, de causas naturais — porque uma adaga no coração acaba
muito naturalmente com a vida de qualquer um.
Num outro túnel, a pouca distância, Berg’inyon Baenre, que tinha a segunda
posição na turma, liderava o mestre Dinin e a outra metade da turma num
exercício similar.
Dia após dia, Drizzt e os outros tinham-se esforçado por se manter sempre em
extrema prontidão. Em três meses destas patrulhas de treino, o grupo apenas
encontrara um monstro, um pescador das cavernas, uma criatura repelente do
Subescuro semelhante a um caranguejo. Até mesmo esse recontro proporcionara
apenas uma breve excitação, e não tinha qualquer valor como experiência,
porque a criatura deslizara ao longo do caminho escapando-se à patrulha drow
antes mesmo que esta tivesse oportunidade de a atacar.
Neste dia, porém, Drizzt sentia algo diferente. Talvez fosse apenas o tom
invulgar
caverna, da
umavoz do mestre
vibração subtilHatch’net,
que sugeriaou ao
um subconsciente
ecoar qualquerde nas pedras
Drizzt da
outras
criaturas no labirinto de túneis. Fosse qual fosse a razão, Drizzt sabia o
suficiente para seguir os seus instintos, e não ficou surpreendido quando o brilho
revelador de uma fonte de calor surgiu numa passagem lateral na periferia da sua
visão. Fez sinal aos restantes da patrulha para pararem, e depois trepou
rapidamente para uma posição mais elevada, numa laje de pedra por cima da
saída da passagem.
Quando o intruso apareceu no túnel principal, deu consigo caído de costas no
chão, com duas cimitarras cruzadas sobre o pescoço. Drizzt recuou
imediatamente quando reconheceu que a sua vítima era outro estudante drow.
— Que estás a fazer aqui? — perguntou o mestre Hatch’net ao intruso. —
Sabes bem que os túneis fora de Menzoberranzan não podem ser cruzados por
ninguém a não ser os das patrulhas!
— O teu perdão, mestre — pediu o estudante. — Trago notícias de um alerta.
Todos os da patrulha se reuniram à volta dele, mas Hatch’net afastou-os com
um olhar incisivo e mandou Drizzt colocá-los em posições defensivas.
— Desapareceu uma criança — prosseguiu o estudante. — Uma princesa da
Casa Baenre! Foram vistos monstros nos túneis!


UmQue
somespécie de monstros?
forte, como o de duas—pedras
perguntou Hatch’net.
a bater uma contra a outra, respondeu à
pergunta.
— Horrores de garras! — sinalizou Hatch’net para Drizzt, ao seu lado.
Drizzt nunca vira tais animais, mas já aprendera o suficiente sobre eles para
compreender por que razão o mestre passara subitamente a usar o código gestual
silencioso. Os horrores de garras caçavam com a ajuda de um sentido auditivo
mais desenvolvido do que o de qualquer outra criatura de todo o Subescuro.
Drizzt passou o mesmo sinal rapidamente para todos os outros, e todos ficaram
perfeitamente imóveis à espera de instruções do mestre. Esta era a situação para
que tinham sido treinados durante os últimos nove anos das suas vidas, e apenas
o suor nas mãos traía a calma prontidão destes jovens guerreiros drow.
— Feitiços de escuridão não conseguirão enganar os horrores de garras —
gesticulou Hatch’net para as suas tropas. — Nem isto — apontou para a besta de
mão que empunhava e para o dardo envenenado que esta continha, e que era
uma arma
recolheu de primeiro
a besta e sacou a ataque bastante comum dos elfos drow. Hatch’net
espada comprida.
— Têm de encontrar uma abertura na armadura óssea da criatura — lembrou-
lhes — e enfiar a arma por aí até encontrar a carne.
Deu uma pancada no ombro de Drizzt e avançaram juntos, com os outros
estudantes atrás em formação.
O ruído de pedras a bater ouvia-se claramente, mas, ecoando nas paredes de
pedra dos túneis, revelava-se um sinal confuso para os drow à caça. Hatch’net
deixou que Drizzt liderasse o caminho e ficou impressionado pela forma como o
estudante rapidamente discerniu o padrão do eco. Os passos de Drizzt ganharam
confiança, embora muitos outros do grupo olhassem em redor ansiosamente,
incertos do perigo e da distância a que este se encontraria.
Então, um som singular fê-los ficar imóveis no local onde estavam,
sobrepondo-se à batida regular do monstro e ecoando uma e outra vez,
envolvendo a patrulha na loucura ressoante de uma espera aterradora. Eram os
gritos de uma criança.
— Princesa da Casa Baenre! — gesticulou Hatch’net para Drizzt.
O mestre começou a dar instruções às suas tropas para se porem em formação
de combate, mas Drizzt não esperou para ver esses comandos. Aquele grito tinha

enviado uma onda


ouvir, acendeu de repulsa
um fogo a percorrer-lhe
de ira nos seus olhos cora de
espinha e, quando se voltou a
violeta.
Drizzt lançou-se a correr pelo túnel, com o frio metal das suas cimitarras a
abrir caminho.
Hatch’net organizou a patrulha numa rápida perseguição. Odiava a ideia de
perder um estudante tão hábil como Drizzt, mas também considerou os
benefícios das atitudes imprevisíveis de Drizzt. Se os outros vissem o melhor da
turma a morrer num acto de estupidez, isso seria uma lição que não esqueceriam
tão cedo.
Drizzt dobrou uma esquina e desceu uma área plana de paredes estreitas e
requebradas. Agora não ouvia nenhum eco, apenas o batimento regular do
monstro que esperava e os gritos abafados da criança.
Os seus ouvidos apurados apanharam o som surdo da patrulha, atrás dele.
Soube que, se ele os conseguia ouvir, os horrores de garras também podiam,
seguramente. Drizzt não desistiria do empenho ou da urgência da sua demanda.
Subiu
seguissepara uma laje
ao longo queo ficava
de todo a três do
comprimento metros do chão,
corredor. esperando
Quando deslizou que esta
por uma
última curva, mal conseguia distinguir o calor das formas do monstro através do
frio do exosqueleto ósseo, cujas camadas tinham quase a mesma temperatura da
pedra que o rodeava.
Percebeu que havia pelo menos cinco desses animais gigantescos, dois deles
alapados na pedra fria e guardando o corredor, e três outros mais atrás, num
pequeno beco, brincando com um objecto qualquer — algo que chorava.
Drizzt acalmou os nervos e prosseguiu pela laje, usando todas as capacidades
de dissimulação que aprendera para passar pelas sentinelas. Então viu a pequena
princesa, caída e enrolada no chão aos pés de um daqueles monstruosos bípedes.
As sacudidelas dos soluços indicaram a Drizzt que a criança estava viva. Drizzt
não tinha qualquer intenção de enfrentar os monstros, se o pudesse evitar,
esperando em vez disso ser capaz de entrar à socapa, raptar a criança e fugir.
Depois, a patrulha surgiu à sua frente após a curva do corredor, forçando-o a
entrar em acção.
— Sentinelas! — gesticulou, avisando, e provavelmente salvando as vidas dos
primeiros quatro do grupo. A atenção de Drizzt virou-se depois abruptamente
para a criança ferida, enquanto um dos monstros com garras erguia um pé

pesado e cheio
A grande de garras
besta para aoesmagar.
tinha quase dobro da altura de Drizzt e pesava pelo menos
cinco vezes mais do que ele. Estava completamente couraçada com as duras
conchas do exosqueleto e adornada com gigantescas mãos com garras e um
longo e poderoso bico. Havia três daqueles monstros entre Drizzt e a criança.
Drizzt não se podia importar com qualquer desses pormenores, nesse
momento crítico. Os seus receios pela criança sobrepunham-se a qualquer
preocupação com o perigo que se erguia à sua frente. Era um guerreiro drow, um
combatente treinado para lutar e equipado para o combate, enquanto a criança
estava indefesa.
Dois dos horrores de garras correram para a laje, dando a Drizzt a aberta de
que precisava. Pôs-se de pé e saltou por cima deles, descendo numa nuvem de
gestos de combate ao lado do horror de garras que restava. O monstro esqueceu
por completo a criança quando as cimitarras de Drizzt carregaram repetidamente
contra o seu bico, procurando desesperadamente uma abertura na armadura
facial.
O horror de garras caiu para trás, vencido pela fúria do oponente e incapaz de
responder a tempo aos movimentos velozes das lâminas de Drizzt.
Drizzt soube que estava em vantagem contra este, mas sabia também que os
outros dois depressa estariam atrás de si. Não esmoreceu. Desceu da posição
onde estava e rebolou para o lado do monstro, bloqueando-lhe a retirada, e
caindo entre as suas pernas semelhantes a estalagmites, fazendo-o tropeçar nas
pedras. Depois, ficou em cima dele, picando furiosamente enquanto o monstro
caia de borco.
O horror de garras tentava desesperadamente responder, mas a sua armadura
era demasiado pesada para lhe permitir virar-se e fugir ao ataque.
Drizzt sabia que a sua própria situação era ainda mais desesperada. A batalha
estalara no corredor, mas Hatch’net e os outros não poderiam passar pelas
sentinelas a tempo de parar os dois horrores de garras que decerto estariam a
avançar para as suas costas. A prudência recomendaria que Drizzt desistisse da
sua posição sobre este monstro e girasse para assumir nova postura defensiva.
O grito agonizante da criança, porém, sobrepôs-se à prudência. A raiva ardia
nos olhos de Drizzt de forma tão evidente que até mesmo o estúpido horror de
garras soube que a sua vida estava prestes a acabar. Drizzt colocou as pontas das

cimitarras a formar
força. Vendo um «V»
uma ligeira e mergulhou-as
abertura na crosta donamonstro,
nuca do Drizzt
monstro com toda
cruzou a sua
os punhos
das armas, inverteu as pontas, e rasgou uma abertura clara nas defesas do
monstro. Depois, uniu os punhos e mergulhou as lâminas em conjunto, a direito,
através da carne macia e até ao cérebro da criatura.
Uma pesada garra delineou uma linha profunda no ombro de Drizzt, rasgando-
lhe o piwafwi e fazendo brotar sangue. Drizzt saltou para a frente, rebolando, e
ergueu-se com as costas feridas contra a parede. Só um horror de garras
avançava para ele; o outro fora apanhar a criança.
— Não! — gritou Drizzt. Começou a avançar, para de imediato ser lançado de
novo para trás por uma palmada do monstro atacante. Então, paralisado, viu
horrorizado o outro monstro a pôr fim aos gritos da criança.
A raiva tomou o lugar da determinação nos olhos de Drizzt. O horror de garras
que estava mais próximo correu para ele, com intenção de o esmagar contra a
pedra. Drizzt percebeu essas intenções e nem tentou desviar-se do caminho. Em
vez disso, mudou
encostadas à parede,a acima
posição
dosdas mãos nos punhos das armas e empunhou-as
ombros.
Com o ímpeto dos quatrocentos quilos do monstro a avançar, nem mesmo a
casca da sua armadura o poderia proteger das cimitarras de adamantite. Esmagou
Drizzt contra a parede, mas ao fazê-lo trespassou-se com as espadas na barriga.
A criatura saltou para trás, tentando sacudir-se e libertar-se, mas não podia
escapar à fúria de Drizzt Do’Urden. Selvaticamente, o jovem drow fez girar as
lâminas enfiadas no monstro. Depois, afastou-se da parede com a força da ira,
forçando o monstro a recuar.
Dois dos inimigos de Drizzt estavam mortos, e outro de entre as sentinelas do
corredor tinha sido abatido, mas Drizzt não encontrou alívio nesse facto. O
terceiro horror de garras ergueu-se acima dele enquanto tentava
desesperadamente libertar as armas da vítima mais recente. Drizzt não tinha
maneira de escapar a este.
A segunda patrulha chegou nesse momento, e Dinin e Berg’inyon Baenre
correram para o beco, pela mesma laje que Drizzt usara. O monstro desviou a
atenção de Drizzt quando os dois hábeis guerreiros avançaram para ele.
Drizzt ignorou o doloroso golpe nas costas e as fracturas que sem dúvida teria
sofrido nas frágeis costelas. Respirar era-lhe doloroso, mas também isso não

tinha importância.
sobre as Conseguiu
costas do monstro. finalmente
Apanhado entrelibertar umahábeis,
três drow das armas,
o horrore de
carregou
garras
caiu em poucos segundos.
O corredor estava finalmente livre, e os elfos negros correram todos pelo
beco. Apenas tinham perdido um estudante na batalha contra as monstruosas
sentinelas.
— Uma princesa da Casa Barrison’del’armgo, notou um dos estudantes da
patrulha de Dinin, olhando para o corpo da criança.
— Disseram-nos que era da Casa Baenre — disse outro estudante do grupo de
Hatch’net. Drizzt não deixou de reparar na discrepância.
Berg’inyon Baenre correu para ver se a vítima era de facto sua irmã mais
nova.
— Não é da minha casa — disse com óbvio alívio depois de uma rápida
inspecção. Depois riu-se, quando um exame mais aprofundado revelou outros
pormenores do cadáver: — Nem sequer é uma princesa! — declarou.
Drizztimpassível,
atitude observavadura,
tudodosaquilo com curiosidade, notando acima de tudo a
seus companheiros.
Outro estudante confirmou a observação de Berg’inyon:
— Uma criança macho — disse. — Mas de que casa?
O mestre Hatch’net avançou para o pequeno corpo e baixou-se para retirar a
bolsa que estava pendurada ao pescoço da criança. Despejou o conteúdo nas
mãos, revelando a insígnia de uma casa menor.
— Um órfão perdido — riu-se para os estudantes, atirando a bolsa para o
chão, e metendo ao bolso o conteúdo. — Sem consequências.
— Uma bela luta — acrescentou logo Dinin. — Com apenas uma baixa.
Regressarão a Menzoberranzan orgulhosos do trabalho que hoje aqui cumpriram.
Drizzt fez bater as lâminas das suas cimitarras uma contra a outra, num tilintar
sonoro de protesto.
O mestre Hatch’net ignorou-o.
— Voltem a formar e regressemos — disse para os outros. — Todos se saíram
bem hoje — depois, olhou intensamente para o estudante irado, fazendo-o parar.
— Excepto tu! Não posso ignorar o facto de teres abatido dois dos monstros e de
teres ajudado a eliminar um terceiro — escarneceu Hatch’net —, mas puseste
em perigo todos os restantes com as tuas ousadias irracionais!


— Avisei-vos
Raios partamdasosentinelas
teu aviso!——
resmungou Drizzt. — Avançaste sem ordens!
gritou o mestre.
Ignoraste os métodos aceites de combate! Trouxeste-nos para aqui às cegas!
Olha para o cadáver do teu companheiro caído! — rugiu Hatch’net, apontando
para o estudante morto no corredor. — O sangue dele mancha as tuas mãos!
— A minha intenção era salvar a criança — argumentou Drizzt.
— Todos nós tínhamos essa intenção! — retorquiu Hatch’net.
Drizzt não tinha assim tanta certeza disso. Que andaria uma criança a fazer
por ali sozinha, naqueles corredores? Que conveniente que um grupo de horrores
de garras, uma criatura raramente vista na região de Menzoberranzan, calhasse
estar por ali, para proporcionar treino a esta «patrulha de treino». Demasiado
conveniente, sabia Drizzt, considerando que as passagens mais afastadas da
cidade eram vigiadas por verdadeiras patrulhas de guerreiros experientes, de
magos e até de sacerdotisas.
— Sabias o que estava para lá da curva, naquele túnel — disse Drizzt
calmamente,
A pancadasemicerrando
seca de uma os olhos em
espada paracheio
o mestre.
na ferida que tinha nas costas fez
Drizzt encolher-se de dor, e quase se foi abaixo. Virou-se para dar com Dinin a
olhar severamente para ele.
— Mantém as tuas palavras tontas para ti — avisou Dinin num sussurro irado
—, ou serei eu que te corto a língua.
— A criança foi um embuste — insistiu Drizzt quando ficou a sós com o irmão,
no quarto de Dinin.
A resposta de Dinin foi uma estalada violenta na cara de Drizzt.
— Sacrificaram-na apenas para a finalidade do exercício — resmungou o
teimoso Do’Urden mais jovem.
Dinin lançou um segundo golpe, mas desta vez Drizzt parou-lhe a mão a meio
do caminho.
— Sabes bem que as minhas palavras são a verdade — disse Drizzt. — Sabias
daquilo desde o início.
— Aprende o teu lugar, Segundo Rapaz — respondeu Dinin, numa ameaça
clara. — Na Academia e na família.
Afastou-se do irmão.
— Que a Academia vá para os Nove Infernos! — cuspiu Drizzt para Dinin. —
E se a família sustenta tais…
Reparou que as mãos de Dinin empunhavam agora uma espada e uma adaga.
Drizzt saltou para trás, puxando as cimitarras para uma posição de prontidão.
— Não tenho qualquer desejo de lutar contra ti, meu irmão — disse. — Mas fica
sabendo que, se atacares, me defenderei. E só um de nós sairá daqui vivo.
Dinin considerou cuidadosamente o seu passo seguinte. Se atacasse e
vencesse, poria fim à ameaça à sua posição no seio da família. Certamente que
ninguém, nem mesmo a Matrona Malice, questionaria a punição exercida contra
o seu impertinente irmão mais novo. Mas Dinin já vira Drizzt em combate. Dois
horrores de garras! Até mesmo Zaknafein teria dificuldade em proclamar uma tal
vitória. Mesmo assim, Dinin sabia que, se não levasse por diante a ameaça, se
deixasse que Drizzt o menosprezasse, poderia estar a dar-lhe a confiança
necessária para as futuras lutas contra ele, e possivelmente a incitar a traição que
sempre esperara que viesse do segundo Rapaz.

Os— Mas
dois o queviraram-se
irmãos vem a ser para
isto?ver
— aouviu-se
sua irmãuma voz mestra
Vierna, vinda da
deporta do quarto.
Arach-Tinilith.
— Baixem as armas — comandou. — A Casa Do’Urden não se pode dar ao luxo
de tais lutas internas neste momento!
Percebendo que se tinha livrado da situação, Dinin cumpriu imediatamente a
ordem, e Drizzt fez o mesmo.
— Considerem-se com sorte — disse Vierna — por eu não contar à Matrona
Malice esta estupidez. Não seria nada piedosa convosco, garanto-vos.
— Porque vieste tu a Melee-Magthere sem te fazeres anunciar? — perguntou
o Rapaz Mais Velho, perturbado pela atitude da irmã. Também ele era mestre da
Academia, mesmo sendo apenas um macho, e por isso merecia algum respeito.
Vierna olhou para a entrada, e depois fechou a porta trás de si.
— Vim avisar os meus irmãos — explicou calmamente. — Há rumores de
vingança contra a nossa casa.
— De que família? — insistiu Dinin. Drizzt limitava-se a manter-se num
silêncio confundido e deixou os outros continuar. — Por que acto?
— Pela eliminação da Casa DeVir, presumo — respondeu Vierna. — Pouco se
sabe; os rumores são vagos. Mas queria avisar-vos a ambos, para que
mantenham a guarda especialmente atenta nos meses que aí vêm.

—A
ainda serCasa DeVir caiu há muitos anos — disse Dinin. — Que punição poderia
exercida?
Vierna encolheu os ombros.
— São apenas rumores — disse. — Rumores a que devemos prestar atenção!
— Fomos acusados de um acto errado? — perguntou Drizzt. — Certamente a
nossa família deve chamar à pedra esse falso acusador!
Vierna e Dinin trocaram um sorriso.
— Errado? — riu-se Vierna.
A expressão de Drizzt revelava a sua confusão.
— Na própria noite em que nasceste — explicou Dinin —, a Casa DeVir
deixou de existir. Um excelente ataque, aliás.
— Foi a Casa Do’Urden? — perguntou Drizzt quase sem fôlego, incapaz de
lidar com estas notícias espantosas. Claro que Drizzt sabia acerca destas
batalhas, mas mantivera sempre a esperança de que a sua própria família
estivesse acima desse tipo de acção assassina.
— Uma das
vangloriou-se melhores
Vierna. eliminações
— Nenhuma que alguma
testemunha vez viva.
foi deixada levámos a cabo —
— Vocês… A nossa família… Assassinaram outra família?
— Cuidado com as tuas palavras, Segundo Rapaz — avisou Dinin. — O acto
foi perfeitamente executado. Aos olhos de Menzoberranzan, portanto, nunca
aconteceu.
— Mas a Casa DeVir deixou de existir — disse Drizzt.
— Até à última criança — disse Dinin, rindo-se.
Milhares de possibilidades assaltaram Drizzt nesse momento terrível, mil
perguntas urgentes que precisava de ver respondidas. Uma, em especial,
destacava-se vivamente, inchando como um nó de fel na sua garganta.
— Onde estava Zaknafein nessa noite? — perguntou.
— Na capela das sacerdotisas da Casa DeVir, claro — respondeu Vierna. —
Zaknafein desempenha muito bem o seu papel nesses assuntos.
Drizzt cambaleou sobre os calcanhares, quase incapaz de acreditar no que
estava a ouvir. Sabia que Zak já tinha morto outros drow, que já tinha morto
sacerdotisas de Lolth, mas sempre presumira que o mestre de armas agira por
necessidade, em auto-defesa.
— Deverias demonstrar mais respeito pelo teu irmão — avisou-o Vierna. —

Puxar de armas
— Sabes contra
disso? Dinin!Dinin,
— riu-se Deves-lhe a tuaum
lançando vida!
olhar curioso para Vierna.
— Estávamos em sintonia nessa noite — lembrou-lhe Vierna. — É claro que
sei.
— De que estão vocês a falar? — perguntou Drizzt, quase com medo de ouvir
a resposta.
— Eras para ser o terceiro macho nascido na família — explicou Vierna. — O
terceiro filho vivo.
— Ouvi falar do meu irmão Nalfein… — O nome parou na garganta de Drizzt
quando começou a perceber. Tudo o que conseguira saber acerca de Nalfein era
que tinha sido morto por outro drow.
— Aprenderás nos teus estudos em Arach-Tinilith que o terceiro filho vivo é
geralmente sacrificado a Lolth, a Rainha Aranha — prosseguiu Vierna. — E
assim tu tinhas sido prometido. Na noite em que nasceste, na noite em que a
Casa Do’Urden combateu a Casa DeVir, Dinin ascendeu à posição de rapaz mais
velho — lançoucruzados
orgulhosamente um olharsobreaoo peito.
irmão,—queAgorase posso
mantinha
falarcom
dissoos— braços
sorriu
Vierna para Dinin, que acenou com a cabeça em assentimento. — Aconteceu
tudo há demasiado tempo para que qualquer castigo recaia sobre Dinin.
— Que estão para aí a dizer? — perguntou Drizzt. O pânico abatia-se sobre
ele. — Que fez Dinin?
— Enfiou um punhal nas costas de Nalfein — disse Vierna calmamente.
Drizzt estava à beira da náusea total. Sacrifício? Assassinato? Aniquilação de
uma família, incluindo as crianças? De que estavam para ali a falar os seus
irmãos?
— Mostra respeito para com o teu irmão! — exigiu Vierna. — Deves-lhe a tua
vida. E aviso-vos aos dois — rosnou baixinho, com o seu olhar intenso a fazer
tremer Drizzt e fazendo Dinin descer do seu pedestal confiante: — A Casa
Do’Urden pode estar a caminho da guerra. Se algum de vocês atacar o outro,
chamará a si a ira de todas as nossas irmãs e da Matrona Malice. Quatro altas
sacerdotisas contra a vossa alma sem préstimo!
Confiante de que a sua ameaça tinha peso suficiente, virou costas e saiu do
quarto.
— Vou-me embora — murmurou Drizzt, apenas desejando deslizar para

algum canto quando


— Sairás escuro. te der permissão — escarneceu Dinin. — Lembra-te do teu
lugar, Drizzt Do’Urden, na Academia e na família.
— Tal como tu te lembraste do teu relativamente a Nalfein?
— A batalha contra a Casa DeVir estava ganha — respondeu Dinin, sem se
ofender. — O meu acto não acarretou perigo para a família.
Uma nova onda de nojo varreu Drizzt. Sentia-se como se o chão estivesse a
abrir-se debaixo dos pés para o engolir, e quase desejou que isso acontecesse
mesmo.
— Vivemos num mundo difícil — disse Dinin.
— Somos nós que o fazemos assim — replicou Drizzt. Queria ir mais além,
implicar a Rainha Aranha e toda aquela religião amoral que sancionava acções
tão traiçoeiras e destrutivas.
Mas, sensatamente, conteve-se. Dinin queria vê-lo morto; agora percebia isso.
Drizzt percebia também que, se desse ao irmão calculista uma oportunidade para
virar
— as irmãs
Tens de da família —
aprender contra ele,Dinin
disse este seguramente
de novo como um
fariatom
semcontrolado
hesitar. —, a
aceitar as realidades do que te rodeia. Tens de aprender a reconhecer os teus
inimigos e a derrotá-los.
— Por quaisquer meios que tenha — concluiu Drizzt.
— Essa é a marca que distingue um verdadeiro guerreiro! — respondeu Dinin
com um sorriso malévolo.
— E os nossos inimigos são elfos drow?
— Somos guerreiros drow — declarou Dinin com convicção. — Fazemos o
que temos de fazer para sobreviver.
— Tal como tu fizeste, na noite em que nasci — raciocinou Drizzt, embora,
nesta altura, já não houvesse vestígios de indignação no seu tom resignado. —
Foste suficientemente astuto para saíres imaculado do teu gesto.
A resposta de Dinin, embora completamente esperada, espantou
profundamente o jovem drow.
— Nunca aconteceu.
— Sou Drizzt…
— Eu sei quem tu és — respondeu o estudante mago, nomeado tutor de Drizzt
em Sorcere. — A tua reputação precede-te. A maioria na Academia já ouviu
falar de ti e das tuas proezas com as armas.
Drizzt fez uma vénia, um pouco embaraçado.
— Essa destreza com as armas será de pouca utilidade aqui — prosseguiu o
mago. — Compete-me ser teu tutor nas artes de magia, no lado negro da magia,
como lhe chamamos. Isto é um teste à tua mente e ao teu coração; meras armas
de metal não terão qualquer relevância. A magia é o verdadeiro poder da nossa
gente!
Drizzt aceitou o menosprezo das armas sem responder. Sabia que as virtudes
que este jovem mago estava a gabar também eram qualidades necessárias de um
verdadeiro guerreiro. Os atributos físicos só desempenhavam um papel menor no
estilo de batalha de Drizzt. Uma forte força de vontade e manobras bem
calculadas, tudo aquilo que o mago aparentemente acreditava que só os magos
conseguiam usar, ajudavam a vencer os duelos que Drizzt enfrentava.
— Mostrar-te-ei muitas maravilhas nos próximos meses — prosseguiu o
mago. — Artefactos que nem acreditarás e feitiços de uma força que nunca
viste!
— Posso saber o teu nome? — perguntou Drizzt, tentando soar de alguma
forma impressionado pela torrente contínua de auto-glorificação do estudante.
Drizzt já tinha aprendido bastante acerca dos magos com Zaknafein, e
sobretudo sobre as fraquezas inerentes à sua classe. Devido à utilidade da magia
em situações fora da batalha, os magos drow recebiam uma posição elevada na
sociedade, só atrás das sacerdotisas de Lolth. Era um mago, afinal de contas,
quem acendia a brilhante Narbondel, o relógio da cidade, e eram magos quem
acendia os fogos feéricos das esculturas das casas decoradas.
Zaknafein tinha pouco respeito pelos magos. Conseguiam matar rapidamente
e à distância, avisara Drizzt, mas quando se conseguia chegar perto deles, pouca
defesa tinham contra uma espada.
— Masoj — respondeu o mago. — Masoj Hun’ett, da Casa Hun’ett. Estou a
começar o meu trigésimo e último ano de estudo. Em breve serei reconhecido
como um mago de direito de Menzoberranzan, com todos os privilégios
decorrentes da minha posição.
— Saudações, Masoj Hun’ett — respondeu Drizzt. — Também a mim me
falta apenas um ano de treino na Academia, pois um guerreiro passa aqui apenas
dez anos.
— Um talento menor — notou imediatamente Masoj. — Os magos estudam
durante trinta anos até serem considerados devidamente experientes para saírem
e praticarem a sua arte.
Mais uma vez, Drizzt aceitou o insulto com graciosidade. Queria ver acabada
esta fase da instrução o mais depressa possível, e depois terminar o ano e sair de
uma vez por todas da Academia.
Drizzt acabou por considerar que os seus seis meses sob a tutela de Masoj eram,
na verdade, os melhores da sua estadia na Academia. Não que tivesse acabado
por simpatizar com Masoj; o vaidoso mago estava constantemente em busca de
maneiras para lembrar a Drizzt a inferioridade dos guerreiros. Drizzt pressentiu a
existência de uma competição entre ele próprio e Masoj, quase como se o mago
estivesse a prepará-lo para algum conflito futuro. O jovem guerreiro passou por
cima disso, como sempre fizera, e tentou absorver o mais que podia das suas
lições.
Descobriu que era bastante hábil com a magia. Todos os drow, incluindo os
guerreiros, possuíam um grau de talentos mágicos e certas capacidades inatas.
Até mesmo as crianças drow conseguiam convocar um globo de escuridão ou
confundir os seus oponentes com uma multiplicidade de chamas coloridas e
inofensivas. Drizzt lidava com estas tarefas com facilidade e, em poucas
semanas, já era capaz de executar vários truques e alguns feitiços menores.
Com os talentos mágicos inatos dos elfos negros vinha também uma certa
resistência a ataques mágicos, e fora aí que Zaknafein descobrira a principal
fraqueza dos magos. Um mago podia lançar o seu feitiço mais poderoso na
perfeição, mas se a sua vítima era um elfo drow, o mago podia ver os seus
esforços resultarem em falhanço. A segurança de um ataque bem executado com
uma espada sempre impressionara Zaknafein; e Drizzt, depois de ver os pontos
fracos da magia drow durante essas primeiras semanas com Masoj, começou a
apreciar o curso de treino que lhe tinha sido dado.
Continuava a encontrar grande prazer em muitas coisas que Masoj lhe
mostrava, e particularmente nas coisas enfeitiçadas guardadas na torre de
Sorcere. Drizzt empunhou varinhas com poderes incríveis e passou por várias
rotinas
sentiamdeumataque com uma
formigueiro só deespada tão fortemente encantada que as suas mãos
lhe pegar.
Também Masoj observava Drizzt atentamente durante todo esse tempo,
estudando todos os movimentos do jovem guerreiro, em busca de alguma
fraqueza que pudesse mais tarde explorar se a Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden
chegassem a entrar no esperado conflito. Por diversas vezes Masoj viu
oportunidade para eliminar Drizzt, e sentira no fundo que esse teria sido um acto
prudente. Mas as instruções da Matrona SiNafay tinham sido bem explícitas e
irrevogáveis.
A mãe de Masoj tinha secretamente manobrado para que ele fosse o tutor de
Drizzt. Esta era uma situação que nada tinha de invulgar; a instrução dos
guerreiros durante os seus seis meses em Sorcere era sempre dada
individualmente por estudantes de Sorcere de níveis mais elevados. Quando
falara a Masoj sobre este arranjo, SiNafay lembrara-lhe desde logo que as suas
sessões com o jovem Do’Urden não iriam além de uma missão de
reconhecimento. Não deveria fazer nada que pudesse sequer sugerir o conflito
planeado entre as duas casas. E Masoj não era tolo ao ponto de desobedecer.
Mesmo assim, havia um mago à espreita nas sombras e que estava tão
desesperado que nem mesmo os avisos da Matrona mãe conseguiriam fazer

muito para o deter.


— O meu estudante, Masoj, informou-me dos teus bons progressos — disse um
dia Alton DeVir a Drizzt.
— Obrigado, Mestre Sem Rosto — respondeu Drizzt, hesitante, e mais do que
um pouco intimidado por um mestre de Sorcere o ter convidado para uma
audiência privada.
— Que te parece a magia, jovem guerreiro? — perguntou Alton. — Masoj
impressionou-te?
Drizzt não sabia como responder. Na verdade, a magia não o impressionara
muito como profissão, mas não queria insultar um mestre dessa arte.
— Considero-a uma arte que está para além das minhas capacidades —
respondeu com tacto. — Para outros, parece um caminho poderoso, mas creio
que os meus talentos estão mais ligados à espada.
— Poderiam as tuas armas derrotar alguém com poderes mágicos? — troçou
Alton. Mas rapidamente apagou o sorriso trocista, tentando não denunciar as
suas intenções.
Drizzt encolheu os ombros.
— Cada coisa tem o seu lugar em batalha — respondeu. — Quem poderá
dizer qual delas é mais poderosa? Como em qualquer combate, isso dependo dos
indivíduos em questão.
— Bom, e quanto a ti? — desafiou Alton. — O primeiro da tua classe, ano
após ano, segundo tenho ouvido. Os mestres de Melee-Magthere falam
elogiosamente dos teus talentos.
Mais uma vez, Drizzt viu-se embaraçado pelos elogios. Mais ainda, pensou,
estava com curiosidade em perceber como era que um mestre e um estudante de
Sorcere pareciam saber tanto sobre ele.
— Conseguirias enfrentar alguém com poderes mágicos? — perguntou Alton.
— Um mestre de Sorcere, talvez?
— Não vou… — começou Drizzt a dizer; mas Alton estava demasiado
absorvido na sua própria peroração para o ouvir.
— Vamos ver! — gritou o Sem Rosto. Puxou de uma varinha estreita e lançou
imediatamente uma bola de luz a Drizzt.
Drizzt agachou-se antes mesmo de a varinha ter descarregado a sua magia. A

bola de luz arrasou


sala seguinte, a porta
partindo coisasdae chamuscando
sala de Altonase paredes.
depois andou a ricochetear pela
Drizzt rebolou e voltou a pôr-se de pé, de um lado da sala, com as cimitarras
desembainhadas e em prontidão. Continuava sem perceber ao certo as intenções
do mestre.
— De quantas te conseguirás desviar? — troçou Alton, girando a varinha num
círculo ameaçador. — E quanto às outras magias de que disponho, àquelas que
atacam o espírito e não o corpo?
Drizzt tentava perceber o propósito desta lição e o papel que se esperava que
desempenhasse nela. Deveria atacar o mestre?
— Estas não são espadas de treino — avisou, com as cimitarras apontadas a
Alton. — Sabes quem sou?
O momento de vingança de Alton chegara; que se danassem as ordens da
Matrona SiNafay!
No preciso momento em que Alton estava prestes a revelar a verdade a Drizzt,
uma silhuetadali,
esgueirar-se escura surgiu
mas deu atrásindefeso
consigo do mestre,
sob as deitando-o ao enorme
garras de uma chão. pantera
Tentou
negra.
Drizzt baixou as pontas das espadas; não conseguia compreender nada
daquilo.
— Chega, Guenhwyvar! — ouviu-se o chamamento por detrás de Alton.
Olhando para lá do mestre caído e do felino, Drizzt viu Masoj a entrar na sala.
A pantera saltou para longe de Alton, obediente, e foi ter com o dono. Fez
uma pausa no caminho, para avaliar Drizzt, que se mantinha alerta no meio da
sala.
Drizzt estava tão fascinado pelo animal, pelo gracioso fluir dos seus músculos
bem delineados e pela inteligência espelhada nos enormes olhos, que pouca
atenção deu ao mestre que acabara de o atacar, muito embora Alton, que
escapara ileso, estivesse de novo de pé e obviamente zangado.
— O meu animal de estimação — explicou Masoj. Drizzt viu espantado como
Masoj despachava o felino para o seu próprio plano de existência, reenviando a
sua forma corpórea de regresso para a mágica estatueta de ónix que tinha na
mão.
— Onde arranjaste um tal companheiro? — perguntou Drizzt.

— Nunca
estatueta numsubestimes o poder
bolso. O seu da triunfante
sorriso magia — transformou-se
respondeu Masoj,
numenfiando
esgar dea
desprezo quando olhou para Alton.
Também Drizzt olhou para o Mestre sem Rosto. Que um estudante se tivesse
atrevido a atacar um mestre parecia impossivelmente estranho ao jovem
guerreiro. Esta situação tornava-se cada vez mais intrigante.
Alton sabia que tinha ultrapassado os limites, e que teria de pagar um preço
elevado pela sua tolice, se não conseguisse encontrar uma saída airosa para a
situação complicada.
— Aprendeste a tua lição de hoje? — perguntou Masoj a Drizzt, embora
Alton tivesse percebido que a pergunta também lhe era dirigida a si próprio.
Drizzt abanou a cabeça.
— Não tenho bem a certeza de qual a intenção de tudo isto — respondeu com
sinceridade.
— Uma demonstração das fraquezas da magia — explicou Masoj, tentando
ocultar
causadasa pela
verdade acercaintensidade
necessária do recontro —, para
do lançar te mostrar
de um as desvantagens
feitiço; para te mostrar a
vulnerabilidade de um mago obcecado — e olhou directamente para Alton nesse
momento — com o lançamento de feitiços. A completa vulnerabilidade de um
mago quando a sua presa se torna o seu único ponto de atenção.
Drizzt percebeu claramente a mentira, mas não conseguia perceber os motivos
por detrás dos acontecimentos deste dia. Porque haveria um mestre de Sorcere
de o atacar? Porque haveria Masoj, que ainda era estudante, de arriscar tanto
para vir em sua defesa?
— Não incomodemos mais o mestre — disse Masoj, esperando com isso
desviar a curiosidade de Drizzt. — Vem comigo, para a nossa sala de
aprendizagem. Mostrar-te-ei mais sobre Guenhwyvar, o meu animal de
estimação mágico.
Drizzt olhou para Alton, interrogando-se sobre o que faria a seguir o
imprevisível mestre.
— Vai, vai — disse Alton calmamente, sabendo que a fachada que Masoj
construíra seria o único caminho para fugir à ira da sua Matrona adoptiva. —
Estou certo de que a lição deste dia foi aprendida — disse, olhando para Masoj.
Drizzt olhou de relance para Masoj, e depois de novo para Alton. Deixou ficar

a coisa por ali. Queria saber mais sobre Guenhwyvar.


Quando Masoj ficou com Drizzt de novo na privacidade do quarto do tutor, tirou
do bolso a estatueta de ónix polido com a forma de uma pantera e chamou
Guenhwyvar de novo para o seu lado. O mago respirava com mais facilidade
depois de ter apresentado o felino a Drizzt, pois Drizzt não mencionou mais o
incidente com Alton.
Nunca Drizzt vira coisa mágica tão maravilhosa. Sentia em Guenhwyvar uma
tal força, uma tal dignidade, que negavam a natureza mágica da criatura. Na
verdade, os músculos elegantes e os movimentos graciosos do animal resumiam
as qualidades de predador que os elfos drow tanto desejavam obter. Apenas por
observar os movimentos de Guenhwyvar, Drizzt acreditava que conseguiria
melhorar os seus próprios movimentos.
Masoj deixou-os brincar e lutar durante horas, agradecido por Guenhwyvar o
poder ajudar a fazer desvanecer-se qualquer dano que Alton pudesse ter criado.
Drizzt já tinha posto o encontro com o Sem Rosto para trás das costas.
— A Matrona SiNafay não compreenderia — avisou Masoj a Alton quando se
reuniram mais tarde, nesse dia.
— Vais contar-lhe… — conjecturou Alton com resignação. Tinha ficado tão
frustrado com o seu falhanço contra Drizzt, que pouco se importava.
Masoj abanou a cabeça.
— Não precisa de saber.
Um sorriso desconfiado conseguiu aparecer no rosto desfigurado de Alton.
— O que vais querer? — perguntou receoso. — O teu tempo aqui está quase
no fim. Que mais poderá um mestre fazer por Masoj?
— Nada — respondeu Masoj. — Não quero nada de ti.
— Então, porquê? — perguntou Alton. — Não desejo deixar dívidas por
pagar no meu caminho. Este assunto terá de ficar resolvido aqui e agora!
— Está resolvido — respondeu Masoj.
Alton não pareceu convencido.
— Que teria eu a ganhar em contar à Matrona SiNafay das tuas acções
insensatas? — argumentou Masoj. — O mais provável seria ela matar-te, e então
a guerra planeada contra a Casa Do’Urden deixaria de ter justificação. És o elo
de que precisamos para justificar o ataque. Eu quero essa batalha; não porei isso
em risco por troca com o pequeno prazer que me daria ver-te cair e ser torturado.
— Fui insensato — admitiu Alton, mais sombriamente. — Não tinha previsto
matar Drizzt quando o chamei aqui, apenas o queria observar e saber mais sobre
ele, para poder saborear melhor quando chegasse o momento de o matar. Mas ao
vê-lo diante de mim, ao ver um maldito Do’Urden ali especado e indefeso à
minha frente…
— Eu percebo — disse Masoj com sinceridade. — Eu próprio também tive
esses sentimentos ao olhar para ele.
— Mas não tens nenhuma questão com a Casa Do’Urden.
— Com a casa, não — explicou Masoj. — Mas com ele! Observei-o durante
quase uma década, estudei os seus movimentos e as suas atitudes.
— E não gostas do que vês? — perguntou Alton, com um tom esperançado na
voz.
— Ele não se enquadra — respondeu Masoj sombriamente. — Depois de seis
meses
conheci.aoNão
ladomostra
dele, qualquer
sinto queambição,
o conheço
e nomenos
entantoagora do que alguma
saiu vitorioso vez
das grandes
batalhas da sua classe durante nove anos seguidos. Uma coisa sem precedentes!
Os conhecimentos de magia dele são fortes; podia ter sido mago, e um mago
bastante forte, se tivesse escolhido esse curso de estudos.
Masoj cerrou os punhos, à procura das palavras para exprimir as suas
verdadeiras emoções acerca de Drizzt. — É tudo demasiado fácil para ele —
disse com sarcasmo. — Não há nenhum sacrifício nos gestos de Drizzt, nem
quaisquer cicatrizes como paga pelos grandes avanços que vai fazendo na sua
profissão escolhida.
— É dotado — notou Alton —, mas treina mais duramente do que qualquer
outro que já tenha visto, segundo todos os relatos.
— O problema não é esse — resmungou Masoj, frustrado. Havia
verdadeiramente qualquer coisa menos tangível no carácter de Drizzt Do’Urden
que verdadeiramente deixava desconfortável o jovem Hun’ett. Não conseguia
reconhecer o que seria, porque nunca tinha visto tal coisa em nenhum elfo negro,
e porque isso era tão completamente alheio à sua própria natureza. O que
incomodava Masoj — e muitos outros estudantes e mestres — era o facto de
Drizzt ser excelente em todas as capacidades de combate que os elfos drow mais

prezavam, mas não


que as restantes ter perdido
crianças por isso
drow eram a suaa pagar
levadas paixão.muito
Drizzt nãode
antes pagara
teremosequer
preço
entrado para a Academia.
— Não tem importância — disse Masoj ao fim de alguns minutos de inútil
contemplação. — Saberei mais acerca do jovem Do’Urden a seu tempo.
— A tua tutela sobre ele acabou, segundo penso — disse Alton. — Irá para
Arach-Tinilith para os seis meses finais do treino. Ficará completamente
inacessível para ti.
— Ambos nos graduaremos após estes seis meses — explicou Masoj. —
Passaremos o nosso tirocínio nas forças de patrulha juntos.
— Muitos partilharão esse tempo de tirocínio — lembrou-lhe Alton. —
Dezenas de grupos patrulham os corredores da região. Poderás nunca chegar a
ver Drizzt durante todos esses anos de tirocínio.
— Já tratei de que fiquemos juntos no mesmo grupo de patrulha — respondeu
Masoj. Meteu a mão no bolso e mostrou a estatueta de ónix da pantera mágica.

um—sorriso
Um acordo mútuo entre ti e o jovem Do’Urden — conjecturou Alton, com
de elogio.
— Parece que Drizzt se tornou muito afeiçoado ao meu animal de estimação
— riu-se Masoj.
— Demasiado afeiçoado, até? — avisou Alton. — Deverias estar atento às
tuas costas.
Masoj deu uma gargalhada.
— Talvez o nosso amigo Do’Urden fizesse melhor em cuidar das dele, não vá
haver garras de pantera a enterrarem-se nelas!
— Último dia — murmurou Drizzt, aliviado, enquanto envergava as vestes
cerimoniais.
Os primeiros seis meses do seu ano final, a aprender as subtilezas da magia
em Sorcere, tinham sido bastante aprazíveis, mas estes últimos seis na escola de
Lolth tinham sido os menos agradáveis. Todos os dias, Drizzt e os colegas
tinham sido sujeitos a encómios intermináveis da Rainha Aranha, a lendas e
profecias do poder dela e das recompensas que outorgava aos servos mais leais.
«Escravos» teria sido a palavra adequada, conforme Drizzt acabara por
perceber, pois nunca naquela grande escola da divindade drow ouvira alguma
coisa que fosse sinónimo, ou que sequer andasse lá perto, da palavra amor. O seu
povo adorava Lolth; as fêmeas de Menzoberranzan entregavam toda a existência
ao seu serviço. Essa dádiva era completamente forjada em egoísmo, porém; uma
sacerdotisa da Rainha Aranha só aspirava à posição de alta sacerdotisa devido ao
poder que acompanhava esse título.
Parecia tudo muito errado para o coração de Drizzt.
Drizzt tinha passado pelos seis meses de Arach-Tinilith com o seu habitual
estoicismo, mantendo os olhos baixos e a boca calada. Agora, finalmente,
chegara o último dia, o dia da Cerimónia de Graduação, um dos acontecimentos
mais sagrados para os drow e em que, prometera-lhe Vierna, acabaria por
compreender a verdadeira glória de Lolth.

ComPreocupava-o
vazio. passos hesitantes, Drizzt
que esta saiu doseabrigo
cerimónia do seu
tornasse pequeno
o seu quartopessoal.
julgamento quase
Até aqui, pouco da sociedade que o rodeava fazia qualquer sentido, e
interrogava-se, apesar das garantias da irmã, se os acontecimentos deste dia lhe
permitiriam ver o mundo da mesma forma que os da sua gente o viam. Os
receios de Drizzt tinham entrado numa espiral, com cada um deles a sair do
anterior, para o rodearem de uma perturbação a que não conseguia fugir.
Talvez, preocupava-se Drizzt, receasse realmente que os acontecimentos desse
dia cumprissem a promessa de Vierna.
Drizzt protegeu os olhos quando entrou na sala redonda de cerimónias de
Arach-Tinilith. Havia um fogo a arder no centro da sala, num braseiro de oito
pernas que se assemelhava, como tudo naquele local, a uma aranha. A mestra
principal de toda a Academia, e as outras doze altas sacerdotisas que serviam
como instrutoras de Arach-Tinilith, incluindo a irmã de Drizzt, estavam sentadas
de pernas cruzadas num círculo em volta do braseiro. Drizzt e os colegas da
escola
— Made ku!
guerreiros estavama de
— comandou pé ao longo
matrona mestra.daEparede atrásem
tudo ficou delas.
silêncio, restando
apenas o restolhar do fogo do braseiro. A porta para a sala abriu-se de novo e
uma jovem sacerdotisa entrou. Seria a primeira graduada de Arach-Tinilith nesse
ano, segundo tinham dito a Drizzt, e era a melhor estudante da escola de Lolth.
Por isso, tinham-lhe sido concedidas as maiores honras nesta cerimónia. Sacudiu
as vestes e avançou nua por entre o círculo de sacerdotisas sentadas, para se pôr
diante das chamas, de costas para a matrona mestra.
Drizzt mordeu o lábio, embaraçado e um pouco excitado. Nunca antes vira
uma fêmea daquela forma, e suspeitou de que o suor que lhe corria pela testa
seria devido a algo mais do que o calor do braseiro. Um rápido olhar em redor,
para os seus colegas, disse-lhe que todos estavam com ideias semelhantes.
— Bae-go si’n’ee calamay — murmurou a matrona mestra, enquanto fumo
vermelho subia do braseiro, colorindo a sala com uma névoa fluorescente. Trazia
consigo um aroma rico e enjoativamente doce. Enquanto Drizzt respirava aquele
ar, começou a sentir-se ficar mais leve, e interrogou-se se não começaria daí a
pouco a flutuar para longe do chão.
As chamas do braseiro subiram subitamente, com clamor, fazendo Drizzt
semicerrar os olhos por causa da luz e virar-se. As sacerdotisas começaram um

cântico ritual,nenhuma
lhes prestou cujas palavras,
atenção,porém, eram desconhecidas
de qualquer forma, porque para Drizzt.
estava Quase não
concentrado em
manter os seus próprios pensamentos contra a sedução inebriante daquela névoa
poderosa.
— Glabrezu — murmurou a matrona mestra, e Drizzt reconheceu no tom dela
uma convocação, o nome de uma criatura dos planos inferiores. Voltou a olhar
para os acontecimentos que se desenrolavam à sua frente e viu a matrona mestra
a segurar um chicote de uma só cabeça de serpente.
— Onde foi ela buscar aquilo? — murmurou Drizzt, percebendo depois que
tinha falado em voz alta, e esperando não ter perturbado a cerimónia. Ficou mais
tranquilo quando olhou em volta, porque muitos dos seus colegas também
estavam a murmurar para consigo mesmos, e alguns pareciam até mal conseguir
manter o equilíbrio.
— Chama-o — instruiu a matrona mestra à estudante nua.
Hesitante, a jovem sacerdotisa abriu muito os braços e murmurou:

As Glabrezu.
chamas dançaram pela borda do braseiro. O fumo vinha em ondas contra o
rosto de Drizzt, forçando-o a inalar. Sentia as pernas dormentes, mas, de alguma
forma, mais sensíveis, mais vivas do que alguma vez as tinha sentido.
— Glabrezu — ouviu a estudante dizer, agora mais alto, ouvindo ao mesmo
tempo o rugido das chamas. A luminosidade assaltou-o, mas, por qualquer
motivo, não parecia importar-se com isso. O seu olhar percorria a sala, incapaz
de encontrar um ponto de foco, incapaz de colocar a visão estranha e dançante
de acordo com os sons do ritual.
Ouvia as altas sacerdotisas sussurrando e incentivando a estudante, sabendo
que a conjuração estava prestes a chegar. Ouviu o estalar do chicote de serpente
— outro incentivo? — e os gritos de «Glabrezu!» da estudante. Tão primitivos,
tão poderosos eram estes gritos que atravessavam Drizzt e os outros machos
presentes na sala com uma intensidade que nunca teriam julgado possível.
As chamas ouviam o apelo. Rugiam cada vez mais alto e começavam a ganhar
forma. Uma visão surgiu aos olhos de todos os que estavam na sala nesse
momento — uma visão que perceberam e da que não se conseguiam desviar.
Uma cabeça gigantesca, um cão com chifres de cabra, apareceu entre as chamas,
aparentemente estudando aquela sedutora jovem estudante drow que se atrevera

a convocar o seulánome.
Algures para da forma ultra-planar, o chicote de serpente estalou de novo, e
a estudante repetiu o seu apelo, com o grito feito prece.
O gigantesco ser dos planos inferiores saiu de entre as chamas. O poder
sacrílego da criatura deixou Drizzt espantado. Glabrezu erguia-se com mais de
três metros de altura e parecia maior ainda, com braços musculados que
terminavam em gigantescas pinças em vez de mãos e com um segundo conjunto
de braços mais pequenos, normais, que saíam da frente do peito.
Os instintos de Drizzt diziam-lhe para atacar o monstro e salvar a estudante,
mas quando olhou em volta em busca de apoio, descobriu a matrona mestra e as
outras professoras da escola de regresso aos seus cânticos rituais, desta vez com
um tom excitado a perpassar por cada palavra.
Por entre toda aquela aura e aquela neblina, o aroma vertiginoso e sedutor do
incenso fumarento e vermelho continuava o seu ataque contra a realidade. Drizzt
tremia, mantido à beira do descontrolo, com uma raiva crescente a lutar contra a
confusa
os punhossedução do fumonoaromático.
das cimitarras cinturão. Instintivamente, as suas mãos procuraram
Depois, uma mão roçou-lhe pela perna.
Olhou para baixo e viu uma mestra, reclinada e a pedir-lhe que se lhe unisse
— numa cena que subitamente se generalizara por toda a sala.
O fumo continuava a assaltá-lo.
A mestra chamava-o, com as unhas a rasparem ao de leve a pele da perna.
Drizzt passou os dedos pelo espesso cabelo, tentando encontrar um ponto
focal no meio da sua tontura. Não gostava daquela perda de controlo, daquele
torpor mental que lhe retirava a vantagem dos reflexos e do estado de alerta.
Gostava ainda menos da cena que se desenrolava à sua frente. O erro total de
tudo aquilo ia contra a sua alma. Afastou-se do alcance desejoso da mestra e
cambaleou pela sala, tropeçando em numerosas figuras abraçadas, demasiado
envolvidas para darem por ele. Saiu tão depressa quanto conseguiu que as pernas
o levassem e correu dali para fora, fechando com força a porta atrás de si.
Apenas os gritos da estudante o perseguiam. Nenhuma pedra, nem nenhuma
barreira mental os poderia bloquear.
Drizzt encostou-se pesadamente contra a fria parede de pedra, agarrado ao
estômago. Nem sequer parara para pensar nas consequências do seu gesto;

apenas
Viernasabia que tinha
estava ao seude lado,
sair daquela
com a sala
vestemalévola.
aberta descontraidamente à frente.
Drizzt, com a cabeça a ficar mais desanuviada, começou a interrogar-se sobre o
preço das suas acções. O olhar no rosto da irmã — notou com ainda maior
confusão — não era de desprezo.
— Preferes a privacidade — disse Vierna, com uma mão pousada
descontraidamente no ombro dele. Não fez qualquer gesto para fechar o vestido.
— Compreendo — acrescentou.
Drizzt pegou-lhe no braço e afastou-o.
— Que loucura é esta? — perguntou.
O rosto de Vierna contorceu-se quando começou a compreender as
verdadeiras intenções do irmão ao sair da cerimónia.
— Recusaste uma alta sacerdotisa! — lançou-lhe. — De acordo com as leis,
ela poderia matar-te pela tua insolência!
— Nem sequer a conheço — lançou Drizzt em resposta. — Mas esperam que
eu…— Espera-se que faças o que te dizem!
— Não tenho nada a ver com ela — disse Drizzt, estupefacto. Descobriu que
não conseguia manter as mãos quietas.
— Pensas que Zaknafein se importava com a Matrona Malice? — respondeu
Vierna, sabendo que a referência ao herói de Drizzt decerto o tocaria. Vendo que
tinha de facto magoado o irmão, Vierna suavizou a expressão e pegou-lhe no
braço. — Anda, vamos regressar — sussurrou. — Ainda vais a tempo.
O olhar gelado de Drizzt fê-la parar tão decididamente como a ponta de uma
cimitarra.
— A Rainha Aranha é a divindade da nossa gente — lembrou-lhe Vierna com
severidade. — Eu sou uma das que expressam a sua vontade.
— Se fosse a ti, não me orgulharia tanto disso — retorquiu Drizzt, mantendo a
ira contra a onda de medo muito real que ameaçava derrotar a sua posição de
princípio.
Vierna deu-lhe uma forte estalada na cara.
— Volta para a cerimónia! — exigiu.
— Vai beijar uma aranha — respondeu Drizzt. — E que as garras dela te
arranquem essa língua amaldiçoada.

Agora,
— era ter
Devias Vierna
maisquem nãoquando
cuidado conseguia
falasmanter as mãos
com uma quietas. — avisou.
alta sacerdotisa
— Que se dane a tua Rainha Aranha! — rugiu Drizzt. — Se bem que tenho a
certeza que Lolth já encontrou a sua danação há muito tempo!
— Ela dá-nos poder! — guinchou Vierna.
— Rouba-nos tudo o que faria de nós algo mais valioso do que a pedra que
pisamos! — gritou Drizzt em resposta.
— Sacrilégio! — desdenhou Vierna, com a palavra a sair-lhe da boca como o
assobio do chicote de serpentes da matrona mestra.
Um grito angustiado, de auge, veio de dentro da sala.
— União malévola — murmurou Drizzt, olhando para outro lado.
— Há vantagens — respondeu Vierna, que rapidamente recuperara o controlo
do seu temperamento.
Drizzt lançou-lhe um olhar acusador.
— Tiveste experiências semelhantes?
— Souum
Havia umanegrume
alta sacerdotisa — respondeu
em Drizzt, elatão
um ultraje simplesmente.
intenso que quase se sentia
enjoado.
— Agradou-te? — perguntou.
— Deu-me poder — respondeu Vierna. — Não consegues perceber o valor
disso.
— Que te custou?
A estalada de Vierna quase fez Drizzt cair.
— Vem comigo — disse, agarrando-o pelas vestes. — Há um lugar que te
quero mostrar.
Saíram de Arach-Tinilith e atravessaram o pátio da Academia. Drizzt hesitou
quando chegaram aos pilares que marcavam a entrada de Tier-Breche.
— Não posso passar entre esses dois — lembrou à irmã. — Ainda não fui
graduado por Melee-Magthere.
— Isso é uma formalidade — respondeu Vierna, sem abrandar o passo. —
Sou uma mestra de Arach-Tinilith, e tenho poder para te graduar.
Drizzt não tinha a certeza de que isso fosse verdade, mas ela era de facto uma
mestra de Arach-Tinilith. Por muito que temesse os éditos da Academia, não
queria voltar a zangar Vierna.

da Seguiu-a
cidade. pelas largas escadarias de pedra e saíram para as serpenteantes ruas
— Para casa? — atreveu-se Drizzt a perguntar pouco depois.
— Ainda não — foi a curta resposta.
Drizzt não insistiu mais.
Seguiram para o extremo leste da grande caverna, do lado oposto à parede
onde ficava a Casa Do’Urden, e foram até às entradas de três pequenos túneis,
todos guardados por estátuas reluzentes de escorpiões gigantes. Vierna parou
apenas por um segundo, para avaliar qual era o caminho correcto, e depois
avançou de novo pelo túnel mais pequeno.
Os minutos transformaram-se numa hora, e continuavam a caminhar. A
passagem tornava-se mais larga e depressa os levou até uma catacumba
labiríntica de corredores. Drizzt depressa perdeu noção do caminho que tinha
deixado já para trás, enquanto avançavam, mas Vierna seguia um percurso
predeterminado que conhecia bem.
Depois,
consigo paraestreita
numa lá de uma pequena
passagem quearcada, o chão
dava para descia abismo.
um grande subitamente e deram
Drizzt olhou
para a irmã com curiosidade, mas conteve as perguntas ao ver que ela estava
profundamente concentrada. Vierna deu algumas instruções simples, e depois
deu uma pequena palmada na testa de ambos.
— Anda — instruiu-o. E ela e Drizzt saíram da passagem e levitaram até ao
chão do abismo.
Um fino nevoeiro, derivado de algum lago que não se via, pairava na pedra.
Drizzt conseguia pressentir o perigo que ali havia, e a maldade. Uma
malevolência pairava no ar, de forma tão tangível como a névoa.
— Não tenhas medo — gesticulou Vierna para Drizzt. — Pus-nos sob o efeito
de um feitiço de máscara. Não nos conseguem ver.
— Quem? — perguntaram as mãos de Drizzt; mas, precisamente quando dizia
isto por gestos, ouviu um barulho ao lado. Seguiu o olhar de Vierna até um
rochedo mais distante e até à coisa desgraçada que nele se empoleirava.
Primeiro, Drizzt pensou que era um elfo drow e, de facto, da cintura para
cima, era-o, embora inchado e pálido. A parte inferior do corpo, porém,
assemelhava-se a uma aranha, com oito pernas aracnídeas a suportar o corpo. A
criatura tinha nas mãos um arco pronto a disparar, mas parecia confusa, como se

nãoVierna
conseguisse perceber ocom
ficou satisfeita que otinha entrado
ar de nojo na
nosua toca.do irmão enquanto este
rosto
olhava para aquela coisa.
— Olha bem para ele, meu jovem irmão — gesticulou. — Vê o destino
daqueles que provocam a ira da Rainha Aranha.
— O que é? — respondeu Drizzt por sinais, rapidamente.
— Um drider2 — sussurrou-lhe Vierna ao ouvido. E depois, de novo no
código silencioso, acrescentou: — Lolth não é uma divindade piedosa.
Drizzt observava, fascinado, o drider a mudar de posição na rocha, em busca
dos intrusos. Drizzt não conseguia perceber se era um macho ou uma fêmea, de
tão inchado que tinha o torso, mas sabia que isso não importava. A criatura não
era uma criação natural e não deixaria descendentes, fosse qual fosse o seu
género. Era um corpo atormentado, e nada mais, odiando-se, provavelmente,
mais do que a qualquer outra coisa à sua volta.
— Eu, sim, sou piedosa — prosseguiu Vierna silenciosamente, embora
sabendo queàaparede
Encostou-se atenção
de do irmão estava completamente concentrada no drider.
pedra.
Drizzt virou-se para ela, percebendo de repente a intenção.
Depois, Vierna recolheu-se mais para trás.
— Adeus, irmãozinho — foi a sua afirmação final. — Isto é um destino
melhor do que tu mereces.
— Não! — gritou Drizzt, tentando agarrar-se à pedra enquanto uma seta se lhe
cravava numa perna. As cimitarras surgiram-lhe nas mãos num ápice, enquanto
se punha em posição para enfrentar o perigo. O drider apontou para um segundo
disparo.
Drizzt quis saltar para o lado, para se proteger atrás de outro rochedo, mas a
perna ferida estava subitamente dormente e inutilizável. Era veneno.
Drizzt conseguiu apenas erguer uma espada a tempo de desviar a segunda
seta, e caiu sobre um joelho para agarrar a ferida. Conseguia sentir o frio do
veneno a abrir caminho pela perna ferida, mas teimosamente quebrou a seta e
dedicou de novo a atenção ao atacante. Teria de se preocupar com a ferida mais
tarde, e esperar que conseguisse tratar dela a tempo. Nesse momento, a sua única
preocupação era sair dali.
Virou-se para fugir, para procurar um local abrigado onde pudesse levitar de

regresso à passagem,
Um machado mas junto
assobiou deu consigo
ao seu cara a cara
ombro, com outro
falhando drider.
o alvo por pouco. Drizzt
bloqueou o golpe seguinte e lançou a segunda cimitarra num golpe que o drider
aparou com um segundo machado.
Drizzt estava agora composto, e confiante em que conseguiria derrotar este
inimigo, mesmo com a perna ferida a limitar-lhe a mobilidade — até que uma
nova seta se lhe cravou nas costas.
Drizzt dobrou-se para a frente sob o efeito do impacto, mas conseguiu suster
outro ataque do drider que tinha à frente. Caiu de joelhos e depois para a frente.
Quando o drider com os machados, pensando que Drizzt estava morto,
avançou para ele, Drizzt rebolou para o lado e ficou mesmo por baixo da barriga
bulbosa do monstro. Espetou a cimitarra para cima com toda a sua força, e
depois rebolou de novo para trás, fugindo à chuva de fluidos gelatinosos.
O drider ferido tentou fugir, mas caiu para um lado, com as entranhas a
escorrer para o chão de pedra. Mesmo assim, Drizzt não tinha esperança. Agora,
também os braços
avançou para estavam
ele, não dormentes
tinha esperança de e, quando
poder lutar acontra
outraela.
desgraçada criatura
Tentou manter-se
consciente, buscando alguma saída, batalhando até ao amargo final. As pálpebras
começaram a ficar pesadas.
Então, Drizzt sentiu uma mão a agarrar-lhe as vestes, e foi bruscamente posto
de pé e atirado contra a parede de pedra.
Abriu os olhos e deu com a cara da irmã.
— Está vivo — ouviu-a Drizzt a dizer. — Termos de o levar de volta
rapidamente e de lhe tratar das feridas.
Outra figura pôs-se à frente dele.
— Pensei que esta seria a melhor maneira — desculpou-se Vierna.
— Não nos podemos dar ao luxo de o perder — foi a resposta sem emoção.
Drizzt reconheceu a voz do seu passado. Lutou contra a névoa que o toldava e
forçou os olhos a focarem.
— Malice — murmurou. — Mãe…
O murro irado da Matrona Mãe forçou-o a clarear as ideias.
— Matrona Malice! — rosnou ela, com o rugido irado a centímetros apenas
da cara de Drizzt. — Nunca te esqueças disso!
Para Drizzt, a frieza dela rivalizava com a do veneno, e o alívio por vê-la

desapareceu
— Tens detãoaprender
depressaocomo o tinha—
teu lugar! inundado.
rugiu Malice, reiterando a ordem que
perseguira Drizzt durante toda a sua jovem vida. — Ouve as minhas palavras —
exigiu-lhe, e Drizzt escutou-as com atenção. — Vierna trouxe-te até aqui para
morreres. Mostrou piedade para contigo — e Malice lançou um olhar de
desapontamento para a filha. — Percebo a vontade da Rainha Aranha melhor do
que ela — prosseguiu a matrona, com o cuspo de cada palavra a salpicar a cara
de Drizzt. — Se alguma vez voltares a falar mal de Lolth, a nossa deusa, serei eu
a trazer-te a este sítio! Mas não para te matar. Isso seria demasiado fácil —
obrigou Drizzt a virar a cabeça para o lado, para que visse os grotescos restos do
drider que matara. — Virás para aqui — garantiu-lhe — para te tornares um
drider.
2 Drider: drow + spider, aranha. (N. do T.)
Que olhos são esses que vêem
A dor que conheço no mais íntimo da minha alma?
Que olhos são esses que vêem
Os passos tortuosos dos da minha gente,
Levados na onda com brinquedos sem freio:
Flecha, arco e ponta de espada?
Teus… Sim, teus,
Corres em frente com músculos ágeis,
Suave sobre patas macias, garras recolhidas,
Armas em descanso até serem necessárias,
Não manchadas
Nem porassassinas.
por falsidades sangue frívolo
Cara a cara, meu espelho;
Reflexo num lago parado à luz.
Quem me dera poder manter essa imagem
Neste meu rosto.
Quem me dera poder manter esse coração
Sem mácula dentro do meu peito.
Agarra-te com força à orgulhosa honra do teu espírito,
Poderosa Guenhwyvar,
E mantém-te firme a meu lado,
Minha mais cara amiga.
— Drizzt Do’Urden.
Drizzt graduou-se — formalmente — no momento previsto e com as mais altas
honras da sua classe. Talvez a Matrona Malice tivesse sussurrado alguma coisa
nos ouvidos certos, suavizando as indiscrições do filho, mas Drizzt suspeitava
que o mais provável era que nenhum dos presentes na Cerimónia de Graduação
sequer se lembrasse de que ele tinha saído.
Passou pelo portão decorado da Casa Do’Urden, atraindo os olhares dos
soldados comuns, e avançou pelo chão da caverna, por debaixo da varanda.
— Estou então em casa — murmurou. — O que quer que isso queira dizer.
Depois do que acontecera no antro do drider, Drizzt interrogava-se se alguma
vez conseguiria voltar a ver a Casa Do’Urden como a «sua» casa. A Matrona
Malice esperava-o. Não se atreveria a chegar atrasado.
— É bom que estejas em casa — disse-lhe Briza quando o viu a subir para a
varanda.
Drizzt avançou hesitante pela entrada ao lado da irmã mais velha, tentando
absorver atentamente tudo o que o rodeava. Casa, chamava-lhe Briza; mas para
Drizzt, a Casa Do’Urden parecia tão pouco familiar como a Academia lhe
parecera no primeiro dia de estudante. Dez anos não eram assim tanto tempo nos
séculos de vida que um elfo drow podia conhecer; mas para Drizzt, algo mais do
que a década de ausência o separava agora daquele lugar.
Maya juntou-se-lhes no grande corredor que dava para a antecâmara da
capela.
— Saudações, príncipe Drizzt — disse. E Drizzt não conseguiu perceber se
ela estava a ser sarcástica ou não. — Ouvimos falar da honra que atingiste em
Melee-Magthere. As tuas aptidões encheram de orgulho a Casa Do’Urden —
apesar das suas palavras, Maya não conseguiu disfarçar uma risadinha quando
terminou a linha de pensamento. — Fico muito contente por não te teres tornado
comida para drider.
O olhar gélido de Drizzt fez desaparecer o sorriso da cara da irmã.
Maya e Briza trocaram olhares preocupados. Sabiam do castigo que Vierna
tinha querido infligir ao irmão mais novo, e do severo sermão que recebera da
Matrona Malice. Ambas pousaram uma mão cautelosa sobre os chicotes de
cabeças de serpente, sem saberem até que ponto aquele irmão mais novo se
poderia tornar insensato.
Não era a Matrona Malice, nem as irmãs de Drizzt, quem agora avaliava cada
passo que Drizzt dava. Drizzt sabia a sua posição relativamente à mãe, e sabia o
que tinhaconfusão
evocava de fazere raiva
para aa Drizzt.
aplacar.DeMas
todoshavia
os daoutro membroapenas
sua família, da família que
Zaknafein
fingia ser algo que não era. Enquanto Drizzt prosseguia em direcção à capela,
olhava ansiosamente para cada passagem lateral, indagando-se quando seria que
Zak iria aparecer.
— Quanto tempo tens até partires em patrulha? — perguntou Maya,
chamando Drizzt das suas elucubrações.
— Dois dias — respondeu Drizzt distraidamente, com os olhos ainda a saltar
de uma esquina para outra.
Depois, deu consigo à porta da antecâmara, e nem sinais de Zak. Talvez o
mestre de armas estivesse lá dentro, ao lado de Malice.
— Sabemos das tuas indiscrições — disparou Briza, subitamente fria,
enquanto pousava a mão no ferrolho da porta da antecâmara. Drizzt não ficou
surpreendido com a explosão dela. Começava a suspeitar que tais explosões
eram de esperar da parte das altas sacerdotisas da Rainha Aranha.
— Porque não conseguiste simplesmente desfrutar dos prazeres da cerimónia?
— acrescentou Maya. — Tivemos sorte em as mestras e a matrona mestra da
Academia estarem demasiado envolvidas na sua própria excitação para darem
pelos teus movimentos. Terias feito recair a vergonha sobre a nossa casa inteira!

— Poderias
apressou-se tera deixado
Briza a Matrona Malice em desfavor junto de Lolth —
acrescentar.
«A melhor coisa que poderia fazer por ela», pensou Drizzt. Mas afastou
rapidamente esse pensamento, lembrando-se da eficiência assustadora com que
Briza conseguia ler as mentes.
— Esperemos que não o tenha feito — disse Maya sombriamente para a irmã.
— Os ventos da guerra agitam-se cada vez mais no ar.
— Já aprendi o meu lugar — garantiu-lhes Drizzt. Fez uma profunda vénia.
— Perdoai-me, minhas irmãs, e sabei que a verdade do mundo drow está a abrir-
se diante dos meus olhos muito rapidamente. Nunca mais voltarei a desonrar a
Casa Do’Urden de uma tal maneira.
Tão agradadas ficaram as irmãs com esta proclamação que a ambiguidade das
palavras de Drizzt lhes passou ao lado. Depois, não querendo abusar da sorte,
Drizzt passou por elas, avançando para a porta, notando com alívio que
Zaknafein não estava na audiência.
— Todos
Drizzt fezosuma
louvores
pausaàeRainha Aranha!
virou-se, — gritou Briza
para enfrentar atrás
o olhar dele.
dela. Fez uma nova
vénia.
— Como sempre deverá ser — tartamudeou.
Esgueirando-se atrás do pequeno grupo, Zak estudara cada movimento de Drizzt,
tentando avaliar o preço que uma década na Academia teria cobrado ao jovem
guerreiro.
Agora já desaparecera o sorriso habitual que iluminava o rosto de Drizzt.
Desaparecida, também, supôs Zak, estaria a inocência que tornava este jovem
diferente do resto de Menzoberranzan.
Zak encostou-se pesadamente à parede, numa passagem lateral. Apenas
apanhara porções da conversa junto à porta da antecâmara. O que ouvira mais
claramente fora o acordo sentido que Drizzt dera ao louvor de Briza à Rainha
Aranha.
«Que fiz eu?», interrogou-se o mestre de armas. Espreitou para lá da esquina
do corredor principal, mas a porta para antecâmara já estava fechada.
«A verdade é que quando olho para o drow — o guerreiro drow — que era o
meu favorito, envergonho-me da minha cobardia», lamentou-se Zak. «Que
perdeu Drizzt que eu poderia ter salvo?»
Desembainhou a espada, com os dedos muito sensíveis a percorrerem o
comprimento do gume afiado. «Melhor lâmina terias sido se tivesses provado o
sabor do sangue de Drizzt Do’Urden, para assim negares a este mundo, ao nosso
mundo, a posse de mais uma alma, para o libertares dos intermináveis tormentos
da vida!» Baixou a ponta da arma para o chão.
«Mas sou um cobarde», disse Zak. «Falhei no único acto que poderia ter dado
um sentido a toda a minha desgraçada existência. O Segundo Rapaz da Casa
Do’Urden parece estar vivo, mas Drizzt Do’Urden, o meu Duas-Mãos, está
morto há muito». Zak olhou para o vazio onde antes estivera Drizzt, com uma
expressão transformada subitamente numa careta: «E no entanto, este fingidor
vive. E é um guerreiro drow.»
A arma de Zak caiu com estrondo no chão e deixou cair a cabeça para a frente,
para a receber com as palmas das mãos, único escudo que Zaknafein Do’Urden
alguma vez encontrara.
Drizzt passou o dia seguinte a descansar, a maior parte do tempo no seu quarto,
tentando manter-se fora do caminho dos outros membros da família mais
próxima. Malice mandara-o embora sem lhe dizer uma palavra durante a reunião
inicial, mas Drizzt não queria ter de a enfrentar de novo. De igual forma, pouco
tinha a dizer a Briza e a Maya, receando que mais cedo ou mais tarde acabariam
por começar a perceber as verdadeiras conotações da sua torrente constante de
respostas blasfemas. Acima de tudo, porém, Drizzt não queria ver Zaknafein, o
mentor que em tempos pensara ser a sua salvação contra as realidades que o
rodeavam, a única luz brilhante na escuridão que era Menzoberranzan.
Também isso, acreditava Drizzt, fora uma mentira.
No segundo dia em casa, quando Narbondel, o relógio da cidade, mal tinha
iniciado o seu ciclo de luz, a porta para o pequeno quarto de Drizzt abriu-se e
Briza entrou.
— Audiência com a Matrona Malice — disse sombriamente.
Mil pensamentos correram pela cabeça de Drizzt enquanto pegava nas botas e
seguia a irmã mais velha pelas passagens para a capela da casa. Teriam Malice e
as outras descoberto os seus verdadeiros sentimentos acerca da malévola
divindade? Que castigo teriam agora à sua espera?
Inconscientemente, Drizzt olhou para os baixos-relevos representando aranhas
que ornavam a entrada da capela.
— Deverias estar mais familiarizado, e mais à vontade, com este local —
escarneceu Briza, notando o desconforto dele. — Este é o local das maiores
glórias da nossa gente.
Drizzt baixou os olhos e não respondeu — e teve o cuidado de nem sequer
pensar nas muitas respostas azedas que sentia no coração.
A confusão aumentou quando entraram na capela, porque Rizzen, Maya e
Zaknafein estavam diante da Matrona Mãe, como seria de esperar. Mas, para
além destes, estavam também Dinin e Vierna.
— Estamos todos presentes — disse Briza, tomando o seu lugar ao lado da
mãe.
— Ajoelhem-se — mandou Malice. E toda a família se pôs de joelhos. A
matrona Mãe passeou em volta deles lentamente, enquanto cada um baixava os
olhos com reverência, ou por simples senso comum, enquanto a grande senhora
passava
Maliceperto
paroudeles.
ao lado de Drizzt.
— Estás confundido pela presença de Dinin e Vierna — disse Malice. Drizzt
levantou os olhos para ela. — Não compreendes os métodos subtis da nossa
sobrevivência?
— Pensei que o meu irmão e a minha irmã continuariam na Academia —
explicou Drizzt.
— Isso não seria benéfico para nós — respondeu Malice.
— Mas ter mestres e mestras com lugar na Academia não traz poder à casa?
— atreveu-se Drizzt a perguntar.
— Assim é — respondeu Malice. — Mas divide o poder. Já ouviste os
rumores de guerra?
— Ouvi sugestões de sarilhos — disse Drizzt, olhando para Vierna —, mas
nada de tangível.
— Sugestões? — riu-se Malice, irritada por o filho não conseguir
compreender a importância disto. — Esses rumores são mais do que a maioria
das casas alguma vez ouve antes de as armas se abaterem sobre elas! — Afastou-
se de Drizzt e dirigiu-se a todo o grupo. — Os rumores encerram em si alguma
verdade — declarou.


— Quem?
Nenhuma— que
perguntou
esteja Briza. —nós
atrás de Queem
casaposição
conspira
—contra a CasaDinin,
respondeu Do’Urden?
muito
embora a pergunta não lhe tivesse sido dirigida, e não estivesse em posição de
falar sem ordem para isso.
— Como sabes isso? — perguntou Malice, deixando passar a impertinência de
Dinin. Malice compreendia o valor de Dinin e sabia que as contribuições dele
para esta discussão seriam importantes.
— Somos a nona casa da cidade — raciocinou Dinin —, mas nas nossas
fileiras contamos com quatro altas sacerdotisas, duas das quais ex-mestras de
Arach-Tinilith — e olhou para Zak — Temos também dois ex-mestres de Melee-
Magthere, e Drizzt foi galardoado com altos elogios na escola de guerreiros. Os
nossos soldados totalizam quase quatrocentos, todos hábeis e experientes em
batalha. Poucas são as casas que possam afirmar o mesmo.
— Onde queres chegar? — perguntou Briza com ênfase.
— Somos a nona casa — riu-se Dinin —, mas poucas acima de nós poderiam
derrotar-nos…
— E nenhuma das que estão atrás de nós — terminou a Matrona Malice por
ele. — Mostras perspicácia, Rapaz Mais Velho. Também eu cheguei à mesma
conclusão.
— Uma das grandes casas receia a Casa Do’Urden — concluiu Vierna. —
Precisa de se ver livre de nós para proteger a sua posição.
— Assim creio — respondeu Malice. — Uma prática invulgar, já que as
guerras de famílias são geralmente iniciadas pela casa de posição mais baixa,
desejosa de ganhar uma melhor posição na hierarquia da cidade.
— Então, temos de tomar muita precaução — disse Briza.
Drizzt ouviu cuidadosamente as palavras de todos, tentando perceber o que
significava tudo aquilo. Porém, os seus olhos nunca largavam Zaknafein, que se
mantinha ajoelhado impassivelmente a um lado. O que pensaria o rijo mestre de
armas de tudo isto, interrogava-se Drizzt. Seria que o pensamento de uma tal
guerra o entusiasmava? A ideia de poder matar mais elfos negros?
Fossem quais fossem os seus sentimentos, Zak não dava qualquer sinal
exterior. Estava ali em silêncio e dava até a ideia de que não estava a ouvir nada
da conversa.
— Não será Baenre — disse Briza, com as palavras a soarem como um pedido

de —
confirmação. — Certamente
Temos de esperar não correcta
que estejas nos tornámos ainda uma
— respondeu ameaça
Malice para eles!
sombriamente,
recordando vividamente a sua visita à casa governante. — É mais provável que
seja uma das casas mais fracas acima de nós, receando pela sua própria posição
instável. Ainda não consegui saber de nenhuma informação incriminatória contra
nenhuma casa em particular. Por isso, temos de nos preparar para o pior. Assim,
chamei Dinin e Vierna de novo para o meu lado.
— Se soubermos quem são os nossos inimigos… — começou Drizzt a dizer,
impulsivamente.
Todos os olhos assentaram nele. Já era suficientemente mau que o Rapaz Mais
Velho tivesse falado sem ter sido solicitado, mas agora o Segundo Rapaz, que
apenas acabara de se graduar na Academia, fazia o mesmo. Isso já poderia ser
considerado blasfemo.
Querendo ouvir todas as perspectivas, a Matrona Malice mais uma vez deixou
passar o deslize.

— Continua – exortou.
Se descobrirmos que casa conspira contra nós — disse Drizzt calmamente
—, não podemos expô-la?
— Com que finalidade? — troçou Briza. — Conspirar apenas, mas sem
cometer o acto, não é crime.
— Mas então não poderíamos usar a razão — insistiu Drizzt, prosseguindo
apesar da barragem de olhares de incredulidade que lhe eram dirigidos por todas
as caras naquela sala, excepto os de Zak. — Se somos os mais fortes, então eles
que se submetam sem batalha. Que a Casa Do’Urden assuma a posição que lhe
compete e que assim se acabe a ameaça à casa mais fraca.
Malice agarrou Drizzt pela frente da capa e fê-lo erguer-se.
— Perdoo-te os teus pensamentos insensatos — rugiu —, por esta vez!
Deixou-o cair no chão e as reprimendas silenciosas dos restantes irmãos
caíram sobre ele.
Mais uma vez, porém, a expressão de Zak não era a mesma dos restantes
presentes na sala. Na verdade, Zak colocara uma mão em frente da boca, para
dissimular o seu ar divertido. Talvez permanecesse um pouco do Drizzt
Do’Urden que tinha conhecido, atreveu-se a ter esperança. Talvez a Academia
não tivesse maculado completamente o espírito do jovem guerreiro.

Malice passou
brilhar-lhe o olhar pelo resto da família, com uma fúria em crescendo a
nos olhos.
— Não é altura para ter medo. É o momento — gritou com um dedo magro
estendido diante da cara — para sonhar! Somos a Casa Do’Urden, Daermon
’a’shezbaernon, com um poder que está para além da compreensão das grandes
casas. Somos a entidade desconhecida desta guerra. Temos todas as vantagens!
— Fez uma pausa. — Nona casa? — riu-se. — Dentro em breve, apenas sete
casas estarão à nossa frente!
— E a patrulha? — atalhou Briza. — Devemos permitir que o Segundo Rapaz
vá para a patrulha sozinho, ficando exposto?
— A patrulha dará início à nossa vantagem — explicou a astuciosa matrona.
— Drizzt irá para a patrulha, e no seu grupo haverá um membro de pelo menos
uma das casas acima de nós.
— Assim se poderá atacá-lo — raciocinou Briza.
— Não — garantiu-lhe Malice. — Os nossos inimigos na guerra que se
avizinha
designadonãoteriasederevelariam assim tão num
matar dois Do’Urden facilmente; não para já. O assassino
tal confronto.
— Dois? — perguntou Vierna.
— Mais uma vez, Lolth demonstrou-nos o seu favor — explicou Malice. —
Será Dinin a liderar o grupo de patrulha de Drizzt.
Os olhos do Rapaz Mais Velho acenderam-se perante esta notícia.
— Então, Drizzt e eu poderemos vir a ser os assassinos neste conflito —
ronronou.
O sorriso desapareceu da cara da matrona.
— Não agirás sem meu consentimento — avisou, num tom tão gélido que
Dinin compreendeu imediatamente as consequências da desobediência. — Como
á fizeste no passado.
Drizzt percebeu a referência a Nalfein, seu irmão assassinado. A mãe sabia!
Malice nada fizera para punir aquele filho assassino. Agora, a mão de Drizzt
subia-lhe à cara, para esconder uma expressão de horror que apenas lhe poderia
trazer dissabores naquele momento.
— Estarás lá para recolher informações — disse Malice para Dinin —, e para
proteger o teu irmão, tal como Drizzt estará lá para te proteger a ti. Não arruínes
a nossa vantagem apenas para ganhar uma única morte — e um sorriso malévolo

voltou
inimigo…a desenhar-se no rosto cor de osso. — Mas se souberes do nosso
— Se a oportunidade certa se apresentar… — concluiu Briza, adivinhando os
pensamentos malévolos da mãe e fazendo um sorriso igualmente vil para a
matrona.
Malice olhou para a filha mais velha com ar de aprovação. Briza haveria de
mostrar ser uma boa sucessora para a casa!
O sorriso de Dinin abriu-se e tornou-se prazenteiro. Nada agradava mais ao
Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden do que uma oportunidade para um
assassinato.
— Ide, pois, minha família — disse Malice. — Lembrem-se de que olhos
inimigos estão apontados para nós, a observar cada movimento nosso, à espera
do momento para atacar.
Zak foi o primeiro a sair da capela, como sempre, e desta vez com um passo
ainda mais apressado. Não era, porém, a perspectiva de lutar mais uma guerra
que guiava da
sacerdotisas os Rainha
seus movimentos, se bemlheque
Aranha certamente o pensamento
agradasse. Antes eradea matar mais
exibição da
ingenuidade de Drizzt, as suas continuadas demonstrações de não perceber o
sentido geral da existência drow, que davam esperança a Zak.
Drizzt viu-o afastar-se, pensando que o passo apressado dele representava o
desejo de matar. Drizzt não sabia se deveria segui-lo e confrontá-lo agora
mesmo, ou se deveria deixar passar, ignorando o assunto tal como ignorava a
maior parte do mundo cruel que o rodeava. A decisão foi tomada por ele quando
a Matrona Malice se pôs à sua frente e o manteve na capela.
— A ti, digo isto — começou, quando ficaram sozinhos. — Ouviste a missão
que te coloquei nos ombros. Não tolerarei falhanços!
Drizzt encolheu-se perante a força da voz da mãe.
— Protege o teu irmão — foi o aviso sinistro —, ou entregar-te-ei a Lolth para
seres julgado — Drizzt compreendia as implicações disto, mas a matrona não
prescindiu do prazer de lhe explicar, mesmo assim: — Não gostarias da vida
como drider.
Um relâmpago de luz rasgou as águas escuras e paradas do lago subterrâneo,
chamuscando as cabeças dos trolls aquáticos que se aproximavam. Os sons de
batalha ressoavam pela caverna.
Drizzt tinha um monstro — chamavam-lhes scrags — encurralado numa
pequena península, bloqueando o caminho da desgraçada criatura para a água.
ormalmente, um único drow a enfrentar um troll aquático não teria vantagem,
mas, como os restantes do seu grupo de patrulha já tinham concluído durante as
semanas mais recentes, Drizzt não era um jovem drow vulgar.
O scrag avançou, ignorando o perigo que corria. Um único movimento de
Drizzt, que a criatura não conseguiu sequer ver, cortou-lhe os braços estendidos.
Drizzt avançou depois rapidamente para o golpe fatal, sabendo bem dos poderes
regenerativos dos trolls.
Depois, outro scrag saiu da água, atrás dele.
Drizzt já estava à espera disso, mas não deu qualquer sinal de ter visto o scrag
a avançar. Manteve-se concentrado a olhar para a frente, assestando golpes
profundos no corpo mutilado e indefeso do troll.
Assim que o monstro atrás dele estava para lhe lançar as garras, Drizzt caiu de
oelhos e gritou:
— Agora!
A pantera escondida, agachada nas sombras da base da península, não hesitou.
Um grande salto colocou Guenhwyvar em posição, e daí saltou de novo,
abatendo-se pesadamente sobre o scrag que não suspeitava da sua presença,
arrancando-lhe a vida antes que pudesse sequer responder ao ataque.
Drizzt acabou com o seu troll e voltou-se para admirar o trabalho da pantera.
Estendeu a mão e o grande felino roçou-a com o focinho. Os dois combatentes
tinham vindo a conhecer-se tão bem, pensava Drizzt.
Outro relâmpago estalou, desta vez tão próximo que Drizzt ficou sem visão.
— Guenhwyvar! — gritou Masoj Hun’ett, que lançara o raio de luz. — Vem
para o meu lado!
A pantera ainda roçou as pernas de Drizzt enquanto se punha a caminho para
obedecer. Quando recuperou a visão, Drizzt avançou noutra direcção, não
querendo ver as censuras que Guenhwyvar sempre recebia quando ele e o felino
trabalhavam juntos.
Masoj olhou para as costas de Drizzt enquanto este se afastava, desejando
lançar um terceiro raio mesmo aos ombros do jovem Do’Urden. O mago da Casa
Hun’ett não perdeu de vista a presença de Dinin Do’Urden, mais ao lado,

observando-o
— Aprendecom maisdeves
a quem do que simples
a tua olhares
lealdade! —ocasionais.
ralhou Masoj para Guenhwyvar.
Muitas vezes, a pantera deixava o mago para ir combater ao lado de Drizzt.
Masoj sabia que os movimentos do felino eram melhor complementados pelos
movimentos de um guerreiro, mas sabia também da vulnerabilidade de um mago
enquanto estava ocupado a lançar feitiços. Masoj queria Guenhwyvar ao seu
lado, protegendo-o dos inimigos e — olhou para Dinin de novo — dos
«amigos».
Atirou a estatueta para o chão.
— Vai! — comandou.
À distância, Drizzt tinha entrado em combate com outro scrag e também esse
estava a vencer. Masoj abanou a cabeça enquanto observava o trabalho exímio
de Drizzt com as espadas. Drizzt estava cada dia mais forte.
— Dá-me depressa a ordem para o matar, Matrona SiNafay — murmurou
Masoj.
O jovem mago
desempenhar não sabia
a tarefa. por quanto
Indagava-se mais se
mesmo tempo
seriaainda
capazteria
de capacidade para
a desempenhar
agora.
Drizzt tapou os olhos enquanto usava uma tocha para selar as feridas de um troll
morto. Apenas o fogo garantia que os trolls não recuperariam, mesmo depois de
mortos.
As restantes batalhas também tinham terminado, notou Drizzt, e viu as
chamas das tochas a surgir por toda a margem do lago. Interrogou-se se todos os
seus doze companheiros drow teriam sobrevivido, embora interrogando-se
também se realmente isso lhe importava. Havia outros mais do que preparados
para tomar o lugar dos caídos.
Drizzt sabia que o único companheiro que realmente lhe importava —
Guenhwyvar — estava em segurança, de regresso ao seu Plano Astral.
— Formem guarda! — ecoou a ordem de Dinin, enquanto os escravos, orcs e
duendes, avançavam para procurar tesouros dos trolls e saquear o que pudessem
dos corpos dos scrags.
Quando o fogo acabou de consumir o scrag que incendiara, Drizzt mergulhou
a tocha na água negra, e depois fez uma pausa para deixar os olhos adaptarem-se
de novo à escuridão.
— Mais um dia — disse calmamente. — Mais um inimigo derrotado.
Gostava da excitação das patrulhas, da emoção do perigo à espreita e de saber
que estava agora a pôr as armas em uso contra monstros malévolos.
Mesmo assim, porém, Drizzt não conseguia escapar à letargia que acabara por
invadir a sua vida, à resignação geral que marcava cada passo que dava. Porque,
ainda que as batalhas fossem agora contra os horrores do Subescuro, contra
monstros que eram mortos por necessidade, Drizzt não esquecera a reunião na
capela da Casa Do’Urden.
Sabia que as suas cimitarras em breve seriam postas em uso contra a carne de
elfos drow.
Zaknafein olhou por sobre Menzoberranzan, como tantas vezes fazia quando o
grupo de patrulha de Drizzt estava fora da cidade. Zak estava dividido entre a
vontade de se escapulir para fora da casa para lutar ao lado de Drizzt e a
esperança de que a patrulha regressasse com a notícia de que Drizzt tivesse sido
chacinado.
Encontraria Zak alguma vez a resposta para o dilema do jovem Do’Urden?
Zak sabia que não podia sair da casa; a Matrona Malice mantinha-o debaixo de
olho. Sentia a angústia dele quanto a Drizzt, e Zak sabia disso, e sabia também
que ela não aprovava minimamente tal coisa. Zak era frequentemente seu
amante, mas partilhavam muito pouco para além disso.
Zak pensou nas batalhas que ele e Malice tinham lutado por causa de Vierna,
outro filho que era preocupação de ambos, séculos antes. Vierna era fêmea, com
o destino selado desde que nascera, e Zak nada podia fazer para deter o assalto
da esmagadora religião da Rainha Aranha.
Recearia Malice que ele pudesse ter uma maior influência nas acções de um
filho macho? Aparentemente, a matrona acreditava nisso, mas nem mesmo Zak
tinha tanta certeza de que esses receios fossem fundados; nem mesmo ele
conseguia avaliar a sua influência sobre Drizzt.
Espreitou para a cidade, olhando silenciosamente em busca do grupo de
patrulha que estaria a regressar; esperava, como sempre, o regresso a salvo de
Drizzt, mas secretamente esperava também que o seu dilema terminasse por
meio das garras e presas de um monstro oculto.
— As minhas saudações, ó Sem Rosto — disse a alta sacerdotisa, passando por
Alton para entrar nos aposentos privados do mestre de Sorcere.
— E as minhas para ti, Mestra Vierna — respondeu Alton, tentando ocultar o
medo da sua voz.
Que Vierna Do’Urden viesse visitá-lo nesta altura tinha de ser mais do que
uma simples coincidência.
— A que devo a honra da visita de uma mestra de Arach-Tinilith?
— Já não sou mestra — disse Vierna. — Regressei a minha casa.
Alton fez uma pausa para avaliar esta notícia. Sabia que Dinin Do’Urden
também se tinha demitido das suas funções na Academia.
— A Matrona Malice reuniu de novo a família — prosseguiu Vierna. — Há
rumores de guerra. Sem dúvida já os ouviste?
— Apenas rumores — hesitou Alton, começando agora a perceber por que
razão Vierna fora visitá-lo. A Casa Do’Urden já antes usara o Sem Rosto nas
suas maquinações — na sua tentativa de assassinar o próprio Alton DeVir!
Agora, com rumores de guerra correndo por Menzoberranzan, a Matrona Malice
estava a restabelecer a sua rede de espiões e assassinos.
— Sabes de alguma coisa? — perguntou Vierna directamente.
— Pouco ouvi — respondeu Alton, receoso de irritar a poderosa fêmea. —
ada que valesse a pena relatar à tua casa. Nem sequer suspeitava de que a Casa
Do’Urden
Alton sóestivesse implicada
podia esperar quenisso até não
Vierna agora, até menenhum
tivesse teres informado.
feitiço de detecção
dirigido às suas palavras.
Vierna descontraiu-se, aparentemente apaziguada pela explicação.
— Ouve mais atentamente os rumores, ó Sem Rosto — disse-lhe. — O meu
irmão e eu já não estamos na Academia; agora, tu és os olhos e os ouvidos da
Casa Do’Urden neste sítio.
— Mas… — gaguejou Alton.
Vierna levantou uma mão para o fazer calar-se.
— Sabemos da nossa falha na última transacção — disse Vierna. Fez uma
profunda vénia, coisa que uma alta sacerdotisa muito raramente faria diante de
um macho. — A Matrona Malice manda as suas sinceras desculpas por o
unguento que recebeste depois do assassinato de Alton DeVir não ter restaurado
os traços do teu rosto.
Alton quase ficou sem fôlego perante estas palavras, só agora compreendendo
por que razão
mezinha um uns
curativa, mensageiro desconhecido
trinta anos lhe embuçada
antes. A figura tinha entregue um agente
era um boião da
de
Casa Do’Urden, que viera trazer ao Sem Rosto a paga pelo seu assassinato de
Alton DeVir! Claro que Alton nunca experimentara sequer o unguento. Com a
sorte que tinha, decerto o unguento teria resultado e teria recuperado as feições
de Alton DeVir.
— Desta vez, a tua paga não poderá falhar — prosseguiu Vierna, embora
Alton, demasiado ensimesmado pela ironia de tudo aquilo, quase não a ouvisse.
— A Casa Do’Urden possui todo o equipamento de um mago, mas nenhum
mago capaz de o usar. Pertencia a Nalfein, meu irmão, que morreu na vitória
contra a Casa DeVir.
Alton queria atacá-la. Mas nem mesmo ele era assim tão estúpido.
— Se conseguires descobrir qual a casa que está a conspirar contra a Casa
Do’Urden — prometeu Vierna —, tudo isso será teu! Um verdadeiro tesouro em
troca de um gesto tão pequeno.
— Farei o que puder — respondeu Alton, sem nenhuma outra resposta
possível perante tão incrível oferta.
— É apenas isso que a Matrona Malice te pede — disse Vierna. E deixou o
mago, muito segura de que a Casa Do’Urden tinha garantido um agente muito

eficiente dentro da Academia.


— Dinin e Vierna Do’Urden deixaram a Academia — disse Alton excitadamente
quando a minúscula matrona mãe veio ter com ele mais tarde nesse mesmo dia.
— Isso já eu sei — respondeu SiNafay Hun’ett.
Olhou em volta, desdenhosamente, para o quarto desarrumado e chamuscado,
e depois sentou-se a uma pequena mesa.
— Mas há mais — disse Alton rapidamente, não querendo que SiNafay se
indispusesse por apenas estar a ouvir coisas que já sabia. — Recebi hoje uma
visita: a Mestra Vierna Do’Urden!
— Suspeita de alguma coisa? — Rugiu a Matrona SiNafay.
— Não, não! — respondeu Alton. — Bem pelo contrário. A Casa Do’Urden
quer usar-me como espião, tal como em tempos usou o Sem Rosto para me
assassinar!
SiNafay fez uma pausa, espantada, e depois soltou uma gargalhada que lhe
vinha
— Ah,das aentranhas.
ironia das nossas vidas! — rugiu.
— Tinha ouvido dizer que Dinin e Vierna só tinham sido mandados para a
Academia para vigiarem a educação do irmão mais novo — notou Alton.
— Um excelente disfarce — respondeu SiNafay. — Vierna e Dinin foram
enviados como espiões pela Matrona Malice. Tenho de a elogiar.
— Agora, suspeitam de que há sarilhos — declarou Alton, sentado diante da
Matrona Mãe.
— Assim é — concordou SiNafay. — Masoj está na patrulha de Drizzt, mas a
Casa Do’Urden também conseguiu meter Dinin no mesmo grupo.
— Então, Masoj está em perigo — raciocinou Alton.
— Não — disse SiNafay. — A Casa Do’Urden não sabe que a Casa Hun’ett
representa o perigo contra ela, caso contrário não teria vindo à tua procura a
pedir informações. A Matrona Malice sabe quem és.
Um ar de terror espalhou-se no rosto de Alton.
— Não a tua verdadeira identidade — riu-se SiNafay. — Sabe que o Sem
Rosto é Gelroos Hun’ett, e não teria vindo ter com um Hun’ett se suspeitasse da
nossa casa.
— Então, temos uma excelente oportunidade para lançar a Casa Do’Urden no

caos!
nossa —posição
gritou Alton.
será — Se eu implicar
reforçada — deu outrauma
casa, gargalhadinha
até a Casa Baenre, talvez,as
perante a
possibilidades. — Malice recompensar-me-á com um tesouro de grande valor;
uma arma que usarei contra ela no momento certo!
— Matrona Malice — corrigiu-o SiNafay severamente. Embora ela e Malice
fossem inimigas declaradas dentro de pouco tempo, SiNafay não permitiria que
um macho mostrasse tanto desrespeito por uma matrona mãe. — Consideras
mesmo que conseguirias levar por diante esse logro?
— Quando a Mestra Vierna regressar…
— Não darás essa preciosa informação a uma sacerdotisa menor, insensato
DeVir. Terás de enfrentar a própria Matrona Malice, um inimigo de peso. Se ela
perceber as tuas mentiras, sabes o que fará ao teu corpo?
Alton engoliu em seco.
— Estou disposto a correr esse risco — respondeu, cruzando os braços
resolutamente sobre a mesa.
— E queSiNafay.
perguntou será da —
Casa
QueHun’ett quando
vantagem essaquando
teremos grande amentira forMalice
Matrona revelada? —
souber
a verdadeira identidade do Sem Rosto?
— Compreendo — respondeu Alton, ainda exultante, mas incapaz de refutar a
lógica de SiNafay. — então, que havemos de fazer? Que devo eu fazer?
A Matrona SiNafay já estava a ponderar os movimentos seguintes.
— Vais demitir-te da tua posição — disse por fim. — Regressas à Casa
Hun’ett e ficas sob a minha protecção.
— Essa atitude também poderá dar à Casa Do’Urden indícios de que a Casa
Hun’ett está implicada — raciocinou Alton.
— Pode ser que sim — respondeu SiNafay —, mas é o caminho mais seguro.
Irei visitar a Matrona Malice, fingindo-me irada, dizendo-lhe que deixe a Casa
Hun’ett fora dos seus sarilhos. Se ela quer fazer de um membro da minha Casa
um informador seu, deve vir primeiro pedir-me autorização; se bem que eu não
lha dê, desta vez!
SiNafay sorriu, antevendo as possibilidades de um tal encontro.
— O meu medo, a minha raiva, só por si, poderão sugerir que outra casa mais
alta estará contra a Casa Do’Urden; ou até que haja uma conspiração de mais do
que uma casa contra a Casa Do’Urden — disse SiNafay, apreciando obviamente

os benefícios
pensar, e muitoacrescidos disso.
com que se — A Matrona Malice terá decerto muito em que
preocupar!
Alton nem sequer ouviu os últimos comentários de SiNafay. As palavras
acerca de dar a sua permissão «desta vez» tinham trazido uma ideia perturbante
à sua mente.
— E pediu? — atreveu-se a perguntar a SiNafay, que não estava a seguir a
mesma linha de raciocínio que ele. — A Matrona Malice abordou-te? —
prosseguiu Alton, assustado, mas a precisar de uma resposta. — Há trinta anos, a
Matrona SiNafay deu a sua permissão para que Gelroos Hun’ett se tornasse um
agente, um assassino para completar a queda da Casa DeVir?
Um grande sorriso abriu-se na cara de SiNafay, mas desapareceu num abrir e
fechar de olhos, quando lançou a mesa a voar pela sala e agarrou Alton pelos
colarinhos, puxando-o até a um centímetro da sua própria cara, com uma
expressão desdenhosa.
— Nunca confundas sentimentos pessoais com política! — rugiu a pequena,
mas
uma obviamente
ameaça clara.forte
— Ematrona, numme
nunca mais tom que acarregava
voltes fazer umadepergunta
forma inconfundível
dessas!
Atirou Alton para o chão, mas não o libertou do seu olhar penetrante.
Alton sempre soubera que não passava de um mero peão na intriga entre a
Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden, de uma ligação necessária para que a Matrona
SiNafay pudesse levar a cabo os seus traiçoeiros planos. De vez em quando,
contudo, o rancor pessoal de Alton contra a Casa Do’Urden levava-o a esquecer
o seu lugar neste conflito. Olhando agora para o poder cru de SiNafay, percebeu
que tinha ultrapassado os limites dessa sua posição.

o extremo mais recuado do jardim dos cogumelos, a parede mais a sul da


caverna que albergava Menzoberranzan, havia uma pequena caverna fortemente
guardada. Para lá das portas de aço havia uma única sala, usada apenas para
reuniões das oito matronas mães das casas governantes.
O fumo de cem velas docemente perfumadas andava no ar; as matronas mães
gostavam que assim fosse. Quase ao fim de meio século a estudar pergaminhos à
luz de velas de Sorcere, Alton não se importava com a luz, mas sentia-se
realmente desconfortável na sala. Estava sentado ao fim de uma mesa em forma
de aranha, numa pequena cadeira sem adornos reservada para os membros do
Conselho. Entre as oito pernas peludas da mesa estavam os tronos das oito
matronas mães governantes, todas ornadas de jóias e faiscando à luz das velas.
As matronas entraram em fila, pomposas e malévolas, lançando olhares de
superioridade ao macho. SiNafay, ao lado de Alton, pôs-lhe uma mão num
oelho e lançou-lhe uma piscadela de olho tranquilizadora. Não se teria atrevido
a pedir uma reunião do Conselho Governante se não tivesse a certeza do valor
das notícias que trazia. As matronas mães governantes viam os seus lugares
como honorários por natureza e não gostavam de ser reunidas, a não ser em
tempos de crise.
À cabeceira da mesa em forma de aranha estava a Matrona Baenre, a figura
mais poderosa de Menzoberranzan, uma fêmea anciã e frágil com olhos
malignos e uma boca pouco habituada a sorrisos.
— Estamos reunidas, SiNafay — disse Baenre quando todos os oito membros
do Conselho se sentaram nos seus lugares. — Por que razão convocaste o
Conselho?

— Para discutir
Castigo? —um castigoa —
repetiu respondeu
Matrona SiNafay.
Baenre, confundida. Os anos recentes
tinham sido invulgarmente calmos na cidade drow, sem nenhum incidente desde
o conflito entre a Casa Teken’duis e a Casa Freth. Tanto quanto sabia a primeira
matrona, nenhum acto tinha sido cometido que pudesse exigir um castigo, e
decerto nenhum tão evidente que forçasse o Conselho Governante a entrar em
acção. — Que indivíduo merece castigo?
— Não é um indivíduo — explicou a Matrona SiNafay. Olhou em redor, para
as suas pares, avaliando o interesse delas. — Uma casa — disse secamente. —
Daermon N’a’shezbaernon, Casa Do’Urden.
Várias bocas se abriram de incredulidade, tal como SiNafay já esperava.
— A Casa Do’Urden? — inquiriu a Matrona Baenre, surpreendida por alguém
implicar a Matrona Malice. Tanto quanto Baenre sabia, Malice continuava a
estar nas boas graças da Rainha Aranha, e a Casa Do’Urden colocara
recentemente dois instrutores na Academia.
— De que crime te atreves a acusar a Casa Do’Urden? — teve a Matrona
Baenre de perguntar. Várias das matronas do Conselho Governante já tinham
expressado as suas preocupações quanto à Casa Do’Urden. Era bem sabido que a
Matrona Malice desejava um assento no Conselho Governante, e, de acordo com

todas as avaliações
— Tenho devida do poderio
causa da suaSiNafay.
— insistiu casa, parecia destinada a consegui-lo.
— As restantes parecem duvidar de ti — respondeu a Matrona Baenre. —
Deves explicar a tua acusação; e bem depressa, se dás valor à tua reputação.
SiNafay sabia que havia mais em jogo do que apenas a sua reputação; em
Menzoberranzan, uma falsa acusação era um crime que estava ao mesmo nível
de um assassinato.
— Todas nos recordamos da queda da Casa DeVir — começou SiNafay. —
Sete de nós agora aqui reunidas estivemos neste conselho Governante sentadas
ao lado da Matrona Ginafae DeVir.
— A Casa DeVir não existe — recordou-lhe a Matrona Baenre.
— Por causa da Casa Do’Urden — disse secamente SiNafay.
— Como te atreves a pronunciar tais palavras? — foi a única resposta.
— Trinta anos! — disse outra. — Esse assunto está esquecido.
A Matrona Baenre fê-las calar antes que o clamor se tornasse acção violenta
—— ocorrência
SiNafay que não era
— disse invulgar
Baenre por na câmara
entre do de
o esgar Conselho.
desprezo dos lábios. — Não
se pode fazer uma acusação dessas; não se podem discutir abertamente essas
ideias tanto tempo depois do acontecimento! Conheces os nossos usos. Se a Casa
Do’Urden foi quem, de facto, cometeu esse acto, como insistes, isso merece os
nossos elogios, e não o nosso castigo, pois executou-o na perfeição. A Casa
DeVir não existe mais, já te disse. Não existe.
Alton remexeu-se desconfortavelmente na cadeira, apanhado algures entre a
raiva e o desespero. Mas SiNafay estava longe de abalada. Tudo estava a correr
exactamente como previra e desejara.
— Ah, mas a Casa DeVir existe! — respondeu, levantando-se. Puxou o capuz
que cobria a cara de Alton. — Existe nesta pessoa!
— Gelroos? — perguntou a Matrona Baenre, sem perceber.
— Não é Gelroos — respondeu SiNafay. — Gelroos Hun’ett morreu na
mesma noite que a Casa DeVir. Este macho, Alton DeVir, assumiu a identidade e
a posição de Gelroos, escondendo-se de qualquer ataque por parte da Casa
Do’Urden!
Baenre sussurrou instruções à matrona que estava à sua direita, e depois
esperou enquanto esta elaborava a semântica de um encantamento. Baenre fez

depois sinal
— Diz a SiNafay
o teu nome —para que seBaenre.
ordenou sentasse de novo, e olhou para Alton.
— Sou Alton DeVir — disse Alton, ganhando forças com a identidade que
esperara tanto tempo para poder proclamar. — Filho da Matrona Ginafae e
estudante de Sorcere na noite em que a Casa Do’Urden atacou.
Baenre olhou para a matrona ao seu lado.
— Fala a verdade — garantiu-lhe a matrona.
Ouviram-se murmúrios por toda a mesa em forma de aranha, mais divertidos
do que qualquer outra coisa.
— Foi por isso que convoquei esta reunião do Conselho — explicou
rapidamente SiNafay.
— Muito bem, SiNafay — disse a Matrona Baenre. — Dou-te os meus
parabéns, Alton DeVir, pela tua habilidade e pela capacidade para sobreviver.
Para macho, mostraste grande coragem e sabedoria. Mas decerto ambos sabem
que este conselho não pode exercer represálias contra uma casa por causa de um
acto cometido
Malice há tanto
Do’Urden está tempo?
nas boasPorque
graçashavia de ser de
da Rainha outra forma?
Aranha; A Matrona
a sua casa mostra
grande potencial. Têm de nos mostrar algo mais imperioso se querem ver
alguma punição exercida contra a Casa Do’Urden.
— Não desejo tal coisa — respondeu rapidamente SiNafay. — Esse assunto,
passados trinta anos, já não está sob a alçada do Conselho Governante. A Casa
Do’Urden mostra, de facto, algum potencial, minhas caras pares, tendo quatro
altas sacerdotisas e uma panóplia de outras armas, entre as quais não se deve
desprezar o Segundo Rapaz, Drizzt, que se classificou em primeiro na sua classe.
SiNafay mencionara Drizzt intencionalmente, sabendo que esse nome
atingiria a Matrona Baenre. O próprio filho de Baenre, Berg’inyon, passara os
últimos nove anos sempre classificado atrás do jovem Do’Urden.
— Então, porque nos incomodas com isto? — perguntou a Matrona Baenre,
com um tom definidamente pouco amistoso na voz.
— Para vos pedir que fecheis os olhos — disse mansamente SiNafay. —
Alton é agora um Hun’ett, e está sob a minha protecção. Exige vingança pelo
acto cometido contra a sua família e, como membro sobrevivente dessa família
atacada, tem o direito de acusação.
— E a Casa Hun’ett apoiá-lo-á? — perguntou a Matrona Baenre, cada vez

mais
— curiosa
Assim ée —
divertida.
respondeu SiNafay. — A Casa Hun’ett está comprometida!
— Vingança? — inquiriu outra matrona, agora também ela mais divertida do
que irada. — Ou medo? Aos meus ouvidos, mais parece que a matrona da Casa
Hun’ett quer usar essa desgraçada criatura DeVir para os seus próprios intentos.
A Casa Do’Urden aspira a uma posição mais elevada, e a Matrona Malice deseja
sentar-se neste Conselho Governante, o que talvez seja uma ameaça à Casa
Hun’ett?
— Seja vingança ou prudência, a minha pretensão – a pretensão de Alton
DeVir – deve ser considerada legítima — respondeu SiNafay — para nossa
vantagem comum — sorriu maliciosamente e olhou directamente para a Primeira
Matrona. — Talvez até para vantagem dos nossos filhos, na sua demanda pelo
reconhecimento.
— De facto — respondeu a Matrona Baenre com uma gargalhadinha que mais
parecia um ataque de tosse.
Uma
para todaguerra entre
a gente, masa não,
Casasuspeitava
Hun’ett e Baenre,
a Casa Do’Urden poderia
da forma como ser vantajosa
SiNafay julgava.
Malice era uma matrona poderosa, e a sua família merecia de facto uma posição
mais alta do que Nona Casa. Se o conflito se desse, Malice conseguiria
provavelmente o seu lugar no Conselho, substituindo SiNafay.
A Matrona Baenre olhou em volta para as outras matronas e calculou pelas
suas expressões esperançadas que partilhariam dos seus pensamentos. Que a
Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden resolvessem o conflito. Talvez, esperava
Baenre, um certo macho Do’Urden caísse em combate, permitindo assim ao seu
próprio filho subir até à posição que merecia.
Depois, a Primeira Matrona pronunciou as palavras que SiNafay viera para
escutar: a silenciosa permissão do Conselho Governante de Menzoberranzan.
— Este assunto está encerrado, irmãs — declarou a Matrona Baenre, perante
acenos de concordância de toda a mesa. — É melhor que nunca nos tenhamos
reunido neste dia.
— Encontraste o trilho? — sussurrou Drizzt, avançando até ao lado da grande
pantera. Deu a Guenhwyvar uma suave palmada de lado e percebeu, pela
macieza dos músculos do felino, que não havia perigo por perto. — Foi-se, então
— disse Drizzt, olhando fixamente para o vazio do corredor à sua frente. —
Gnomos malvados, chamou-lhes o meu irmão quando encontrámos os rastos
unto ao lago. Malvados e estúpidos.
Embainhou as cimitarras e ajoelhou-se ao lado da pantera, com um braço
confortavelmente por cima do lombo de Guenhwyvar.
— Mas são suficientemente espertos para fugir à nossa patrulha.
O felino olhou para cima, como se tivesse entendido cada palavra de Drizzt, e
este fez uma festa vigorosa na cabeça da sua melhor amiga. Drizzt recordou com
vivacidade a sua satisfação no dia em que, uma semana antes, Dinin anunciara
— para grande ultraje de Masoj — que Guenhwyvar passaria sempre a ser
destacada para a posição de ponta da patrulha, ao lado de Drizzt.
— A criatura é minha! — lembrara Masoj a Dinin.
— E tu és meu! — respondera Dinin, líder da patrulha, encerrando qualquer
discussão. Sempre que a magia da estatueta o permitia, Masoj convocava
Guenhwyvar do Plano Astral e mandava a pantera seguir para a frente, dando a
Drizzt um grau acrescido de segurança e um valioso companheiro.
Drizzt sabia, pelos padrões de calor invulgares da parede, que tinha atingido o
limite da sua rota de patrulha. Tinha intencionalmente avançado muito no
terreno, mais do que era aconselhado, deixando para trás o resto da patrulha.
Drizzt confiava que ele e Guenhwyvar poderiam dar conta dos gnomos sozinhos,
e, com os outros lá bem mais atrás, podia descontrair-se e apreciar a espera. Os
minutos que Drizzt passava em solidão davam-lhe o tempo de que precisava no
seu interminável esforço por pôr em ordem as suas emoções confusas.
Guenhwyvar, que não parecia julgá-lo, mas antes sempre o apoiar, dava a Drizzt
uma audiência perfeita para as suas divagações em voz alta.
— Começo a interrogar-me sobre o valor de tudo isto — murmurou Drizzt
para a pantera. — Não duvido do valor destas patrulhas; só esta semana, já
derrotámos uma dúzia de monstros que poderiam ter causado grandes prejuízos à
cidade. Mas para quê?
Olhou fixamente para os olhos enormes da pantera e encontrou neles simpatia,
e sabia que Guenhwyvar, de algum modo compreendia o seu dilema.
— Talvez ainda não saiba quem sou — divagou Drizzt —, ou quem é a minha
gente.
la, paraCada vez quea conclusões
não chegar encontro uma
quepista para a verdade,
não poderia aceitar. não me atrevo a segui-
— És um drow — ouviu-se a resposta atrás dele. Drizzt voltou-se rapidamente
para ver Dinin a apenas alguns metros, com um olhar de grave preocupação no
rosto.
— Os gnomos fugiram para além do nosso alcance — disse Drizzt, tentando
desviar a atenção do irmão.
— Ainda não aprendeste o que significa ser drow? — perguntou Dinin. —
Ainda não conseguiste compreender o percurso da nossa história e a promessa
do nosso futuro?
— Conheço a nossa história tal como é ensinada na Academia — respondeu
Drizzt. — Foram as primeiras lições que recebi. Sobre o nosso futuro, e mais
ainda sobre o local onde vivemos, é que pouco compreendo.
— Mas sabes dos nossos inimigos — propôs Dinin.
— Inúmeros inimigos — respondeu Drizzt com um forte suspiro. Enchem
cada buraco do Subescuro, sempre à espera que baixemos a guarda. Não o
faremos, e os nossos inimigos cairão sob o nosso poder.
— Ah, mas os nossos verdadeiros inimigos não moram nas cavernas sem luz
do nosso mundo — disse Dinin com um sorriso matreiro. — O mundo deles é

estranho
Drizzt esabia
malévolo.
a quem se estava Dinin a referir, mas suspeitava de que o irmão
estava a esconder alguma coisa.
— Os elfos da superfície — murmurou Drizzt. E essas palavras acenderam
uma catadupa de emoções no seu íntimo. Toda a sua vida lhe tinham falado
desses primos malévolos, e de como tinham forçado os drow a refugiar-se nas
entranhas do mundo. Sempre muito ocupado com os deveres da vida quotidiana,
Drizzt não pensava neles frequentemente, mas sempre que lhe vinham à ideia,
usava-os como uma litania contra tudo o que odiava na sua vida. Se Drizzt
pudesse de alguma forma culpar os elfos da superfície — como faziam todos os
outros drow — pelas injustiças da sociedade drow, poderia encontrar esperança
no futuro da sua gente. Racionalmente, Drizzt tinha de não dar valor às lendas
aterradoras da guerra dos elfos e considerá-las como sendo apenas uma torrente
interminável de mentiras, mas no seu coração e nas suas esperanças, Drizzt
agarrava-se desesperadamente a estas palavras.
Olhou
— de novo
Os elfos para Dinin.— repetiu. — Sejam lá quem forem eles.
da superfície
Dinin riu-se do sarcasmo inesgotável do irmão; tornara-se tão vulgar.
— São como te ensinaram — garantiu a Drizzt. — são préstimos e vis para
além do que possas imaginar; atormentadores da nossa gente, que nos baniram
há muito tempo; que nos forçaram…
— Eu conheço as histórias — interrompeu Drizzt, alarmado com o volume
crescente da voz excitada do irmão. Depois, olhou por cima do ombro de Dinin.
— Se a patrulha está terminada, encontremo-nos com os outros mais perto da
cidade. Este local é demasiado perigoso para estas discussões.
Levantou-se e começou o caminho de regresso, com Guenhwyvar ao seu lado.
— Não tão perigoso como o local onde te levarei em breve — respondeu
Dinin, com o mesmo sorriso matreiro.
Drizzt parou e olhou para ele, curioso.
— Calculo que deva informar-te — espicaçou-o Dinin. — Fomos
seleccionados porque somos o melhor de entre todos os grupos de patrulha, e tu
desempenhaste sem dúvida um papel importante na obtenção dessa honra.
— Escolhidos para quê?
— Daqui a uma quinzena, deixaremos Menzoberranzan — explicou Dinin. —

O nosso caminho
— Quantos? —levar-nos-á a muitos
perguntou Drizzt dias e muitos
subitamente quilómetros
muito curioso. da cidade.
— Duas semanas, talvez três — respondeu Dinin —, mas valerá bem a pena o
tempo. Seremos, meu jovem irmão, aqueles que executarão uma parte da
vingança sobre os nossos mais odiados inimigos; seremos quem desferirá um
glorioso golpe em nome da Rainha Aranha!
Drizzt pensava ter compreendido, mas a ideia era demasiado espantosa para
poder ter a certeza.
— Os elfos! — disse Dinin, radiante. — Fomos escolhidos para um raide à
superfície!
Drizzt não ficou tão visivelmente excitado como o irmão, incerto sobre as
implicações de uma tal missão. Finalmente poderia ver os elfos da superfície e
enfrentar a verdade do seu coração e das suas esperanças. Algo mais real para
Drizzt, o desapontamento que conhecera durante tantos anos, temperava agora a
sua satisfação, lembrando-lhe que enquanto a verdade dos elfos pudesse dar uma
desculpa para
roubar algo o negro
mais mundoNão
importante. dos tinha
da suaa espécie, também
certeza de poderia,
como se deveriaemsentir.
vez disso,

— A superfície… — murmurou Alton. — A minha irmã esteve lá uma vez, num


raide. Uma experiência magnífica, segundo disse! — olhou para Masoj, sem
saber como interpretar a expressão desolada no rosto do jovem Hun’ett. —
Agora, será a tua patrulha a fazer essa viagem. Invejo-te.
— Eu não vou — declarou Masoj.
— Porquê? — surpreendeu-se Alton. — Isso é uma oportunidade rara.
Menzoberranzan, decerto para ira de Lolth, não faz um raide à superfície há duas
décadas. Podem passar mais vinte anos até ao próximo raide, e nessa altura já
não estarás nas patrulhas.
Masoj olhou para fora, pela pequena janela do quarto de Alton na Casa
Hun’ett, observando o complexo.
— Além disso — prosseguiu calmamente Alton —, lá em cima, tão longe de
olhares curiosos, poderias encontrar oportunidade para te desfazeres dos dois
Do’Urden. Porque não hás-de ir?
— Já esqueceste uma regra que ajudaste a criar? — perguntou Masoj, virando-
se para Alton acusadoramente. — Há duas décadas, os mestres de Sorcere
decidiram que nenhum mago deve viajar até perto da superfície!
— Claro — respondeu Alton, recordando-se da assembleia. Sorcere parecia-
lhe agora tão distante, embora apenas estivesse com os Hun’ett desde há poucas
semanas. — Concluímos que a magia drow pode funcionar de forma diferente, e
de formas inesperadas, a céu aberto — explicou. — Nesse raide de há vinte
anos…
— Eu conheço essa história — resmungou Masoj. E completou a frase em vez
de Alton: — Uma bola de fogo lançada por um mago expandiu-se para lá das
dimensões normais, matando vários drow. Perigosos efeitos colaterais,
chamaram-lhes vocês, mestres, se bem que eu desconfie de que o mago em
questão arranjou uma forma muito conveniente de se desfazer de alguns
inimigos, com a desculpa de um acidente!
— Sim — concordou Alton. — Correram esses rumores. Mas na ausência de
provas… — Deixou o pensamento a meio, vendo que pouco estava a fazer para
animar Masoj. — Isso foi há tanto tempo — disse, tentando proporcionar alguma
esperança.
— Não — —Não podes recorrer?
respondeu Masoj. — As coisas passam-se tão devagar em
Menzoberranzan; duvido de que os mestres tenham sequer começado a
investigar o assunto.
— É uma pena — disse Alton. — Seria a oportunidade perfeita.
— Basta disso — desdenhou Masoj. — A Matrona SiNafay ainda não me deu
ordem para eliminar Drizzt e o irmão. Já foste avisado para manteres os teus
desejos pessoais para ti. Quando a matrona me der ordem para atacar, não a
desiludirei. Serão criadas oportunidades.
— Falas como se já soubesses como vai morrer Drizzt Do’Urden — disse
Alton.
Um sorriso abriu-se no rosto de Masoj enquanto metia a mão no bolso da
túnica e segurava a estatueta de ónix, o seu escravo mágico e irracional, em
quem o insensato Drizzt acabara por confiar tão piamente.
— Ah, pois sei — respondeu, fazendo saltar na mão a estatueta de
Guenhwyvar, e depois apanhando-a de novo e mostrando-a. — Se sei…
Os membros escolhidos do grupo de raide depressa perceberam que esta não
seria uma missão vulgar. Não saíram em patrulha em Menzoberranzan durante
toda a semana seguinte. Em vez disso, ficaram dia e noite sequestrados numa
caserna de Melee-Magthere. Ao longo de quase todas as horas de vigília, os
elementos do raide reuniam-se em volta de uma mesa oval numa sala de
conferências, escutando os planos pormenorizados da sua próxima aventura, e,
uma e outra vez, o mestre de Lendas a contar as suas fábulas sobre os vis elfos
da superfície.
Drizzt ouvia atentamente as histórias, permitindo-se, e forçando-se até, a cair
na teia hipnótica de Hatch’net. As histórias tinham de ser verdadeiras; Drizzt não
sabia a que haveria de se agarrar para preservar os seus princípios, se estas não
fossem verdadeiras.
Dinin presidia aos preparativos tácticos do raide, mostrando mapas dos longos
túneis por onde o grupo teria de viajar, martelando as mesmas coisas até todos
terem memorizado a rota na perfeição.
Também isso os ansiosos guerreiros do raide — excepto Drizzt — escutavam
atentamente, ao mesmo tempo que se esforçavam por conter a excitação que
quase os fazia
aproximava gritar
do fim, de notou
Drizzt alegria. Enquanto
que um membroa dosemana depatrulha
grupo de preparativos se
não tinha
estado presente. Inicialmente, Drizzt pensou que Masoj estivesse a receber
instruções sobre o raide em Sorcere, com os seus velhos mestres. Com o
momento da partida a aproximar-se velozmente e com os planos de batalha a
tomar forma cada vez mais clara, porém, Drizzt começou a perceber que Masoj
não iria com eles.
— Onde está o nosso mago? — atreveu-se a perguntar, já tarde numa das
sessões.
Dinin, não apreciando a interrupção, olhou fixamente para o irmão.
— Masoj não virá connosco — respondeu, sabendo que os outros poderiam
agora partilhar da preocupação de Drizzt, o que era uma distracção a cujo luxo
não se podiam dar nesse momento crítico.
— Sorcere decretou que nenhum mago pode viajar até à superfície —
explicou o mestre Hatch’net. — Masoj Hun’ett aguardará o vosso regresso na
cidade. É, de facto, uma grande perda para vós, porque Masoj já provou o seu
valor vezes sem conta. Mas não receeis, porque uma sacerdotisa de Arach-
Tinilith acompanhar-vos-á.
— Então e… — começou Drizzt por entre os murmúrios de aprovação dos

outros
Dininelementos
cortou o do grupo. do irmão pela raiz, adivinhando com facilidade a
pensamento
pergunta que lá vinha.
— O felino pertence a Masoj — disse secamente. — A pantera fica.
— Mas eu poderia falar com Masoj — argumentou Drizzt.
O olhar severo de Dinin respondeu à pergunta sem necessidade de mais
palavras.
— As nossas tácticas serão diferentes na superfície. — disse Dinin para todo o
grupo, calando os murmúrios. — A superfície é um mundo de distâncias, sem os
redutos cegos de túneis serpenteantes. Assim que os nossos inimigos sejam
detectados, a nossa tarefa será cercá-los, para fechar as possibilidades de fuga —
e olhou directamente para o irmão: — Não teremos necessidade de uma ponta de
lança e, num tal conflito, um felino ansioso poderia bem mostrar ser mais um
problema do que uma ajuda.
Drizzt tinha de se satisfazer com esta resposta. Argumentar não ajudaria,
mesmo
sabia, noquefundo
conseguisse convencer
do coração, Masoj
que não a deixá-loSacudiu
aconteceria. levar a pantera
a ideia —
da coisa quee
cabeça
forçou-se a ouvir as palavras do irmão. Este iria ser o maior desafio da sua
ovem vida, e o maior perigo de sempre.
Ao longo dos dois dias finais, enquanto os planos de batalha se entranhavam em
cada pensamento, Drizzt deu consigo a ficar cada vez mais agitado. A energia
nervosa mantinha-lhe as mãos suadas, e os olhos estavam sempre alerta, quase
demasiado alerta.
Apesar do desapontamento por causa de Guenhwyvar, Drizzt não poderia
negar a excitação que fervilhava dentro de si. Esta era a aventura que sempre
desejara, a resposta às perguntas acerca da verdade do seu povo. Lá em cima, na
vasta extensão desse mundo estranho, espreitavam os elfos da superfície, o
pesadelo nunca visto que se tornara o inimigo comum, e por isso o elo que unia
todos os drow. Drizzt descobriria a glória da batalha, exercendo a devida
vingança sobre os odiados inimigos da sua gente. Até então, Drizzt sempre
combatera por necessidade, nas salas de treino ou contra monstros estúpidos que
se aventuravam demasiado perto da sua casa.
Drizzt sabia que este recontro seria diferente. Desta vez, os seus golpes e
ataques seriam guiados pela força das emoções mais profundas, guiados pela
honra do seu povo e pela coragem e determinação comuns para retaliar contra os
opressores. Tinha de acreditar nisso.
Drizzt estendeu-se na cama na noite antes da partida do grupo e fez as
cimitarras rodopiar lentamente por cima de si.
— Desta vez… — murmurou silenciosamente para as armas, enquanto se
maravilhava com a sua intricada dança, mesmo a uma velocidade tão lenta. —
Desta vez, o vosso clamor cantará a canção da justiça! — Colocou as cimitarras
ao lado da cama e virou-se para tentar dormir um pouco. — Desta vez… —
disse de novo, com os dentes cerrados e os olhos a brilhar de determinação.
Seriam as suas afirmações aquilo em que acreditava, ou apenas uma
esperança? Drizzt afastara essa pergunta perturbante da primeira vez que ela lhe
tinha entrado na cabeça, não tendo espaço para dúvidas, nem para hesitações. Já
não considerava a possibilidade de se ver desapontado; isso não tinha lugar no
coração de um guerreiro drow.

da Para Dinin,
entrada contudo,parecia
da caserna, que estudava Drizztmais
que o irmão comnovo
curiosidade
estava a desde
tentar as sombras
convencer-
se da verdade das suas próprias palavras.
Os catorze membros do grupo de patrulha caminharam pelos túneis
serpenteantes e pelas cavernas gigantescas que subitamente se abriam diante
deles. Silenciosos nas suas botas mágicas, e quase invisíveis sob a cobertura dos
piwafwis, comunicavam apenas pelo código gestual. Na maior parte do tempo, a
inclinação do solo era quase imperceptível, mas por vezes o grupo tinha de subir
quase a pique por chaminés rochosas, com cada passo a levá-los cada vez mais
perto do objectivo. Passaram os limites de territórios que eram propriedade de
monstros e de outras raças, mas os odiados gnomos, e até mesmo os anões
duergar, mantinham as cabeças sensatamente escondidas. Poucos em todo o
mundo do Subescuro interceptariam intencionalmente um grupo de ataque drow.
Ao fim de uma semana, todos os drow conseguiam pressentir as diferenças no
ambiente que os rodeava. A profundidade a que estavam continuaria a parecer
sufocante para um habitante da superfície, mas os elfos negros estavam
acostumados à constante opressão de milhares de milhões de toneladas de rocha
pendendo sobre as suas cabeças. Viravam cada esquina à espera de que um tecto
de pedra desaparecesse para revelar a ampla vastidão do mundo da superfície.
Havia brisas que corriam por eles — e não eram os ventos com cheiro a
enxofre que se erguiam do magma das profundezas da terra, mas sim ar húmido,
aromatizado por centenas de odores desconhecidos dos drow. Era Primavera, lá
em cima, embora os elfos negros, no seu ambiente sem estações, nada

soubessem
nascer e deacerca
árvoresdisso; o ar estava
carregadas cheio Drizzt
de frutos. das fragrâncias
tinha de de flores aacabadas
lembrar de
si próprio,
repetidamente, que o local de que se aproximavam era completamente maléfico
e perigoso. Talvez, pensava, os odores fossem apenas uma atracção diabólica,
um isco para as criaturas mais ingénuas caírem sob as garras mortíferas do
mundo da superfície.
A sacerdotisa de Arach-Tinilith que acompanhava a grupo caminhava junto a
uma parede e encostava o rosto a cada fenda que encontrava.
— Esta serve — disse ao fim de algum tempo. Lançou um encantamento de
visão e espreitou pela pequena fenda, com não mais do que a largura de um
dedo, uma segunda vez.
— E como vamos passar por aí? — gesticulou um membro do grupo para
outro.
Dinin percebeu a conversa silenciosa e pôs-lhe fim com um olhar severo.
— É dia, lá em cima — anunciou a sacerdotisa. — Teremos de esperar aqui.
— Pore em
ansiosa quanto tempo?agora
prontidão, — perguntou
que o tão Dinin, sabendo
esperado que estava
objectivo a sua patrulha estava
ali próximo.
— Não posso saber — respondeu a sacerdotisa. — Não mais do que meio
ciclo de Narbondel. Vamos pousar o equipamento e descansar enquanto
podemos.
Dinin teria preferido continuar, só para manter as tropas ocupadas, mas não se
atrevia a ir contra a sacerdotisa. No entanto, a pausa não foi grande, porque um
par de horas depois a sacerdotisa voltou a verificar pela fenda e anunciou que
tinha chegado a hora.
— Tu primeiro — disse Dinin a Drizzt. Drizzt olhou para o irmão, incrédulo,
não fazendo ideia de como iria passar por uma fenda tão minúscula.
— Vem — instruiu a sacerdotisa, que segurava na mão um orbe com muitos
orifícios. — Passa por mim e prossegue.
Enquanto Drizzt passava pela sacerdotisa, esta disse a palavra de comando do
orbe e segurou-a por cima da cabeça dele. Uns flocos negros, mais negros do que
a pele de ébano de Drizzt, caíram em cima dele, e sentiu um estremeção
tremendo a abalar-lhe a espinha.
Os outros olhavam, espantados, enquanto o corpo de Drizzt se adelgaçava até
ficar da espessura de um cabelo, tornando-se uma imagem bidimensional, e uma

sombra
Drizztdonão
seucompreendia
anterior ser. o que se estava a passar, mas a fenda subitamente
abriu-se diante dele. Deslizou por ela, descobriu que o movimento na sua
presente forma era apenas uma emanação da vontade, e deslizou pelas curvas e
recantos daquele pequeno canal como uma sombra desliza pela face de uma
rocha irregular. Ficou então numa longa caverna, de pé do outro lado da sua
passagem.
Tinha caído uma noite sem luar, mas até mesmo isso parecia demasiado
ofuscante para o drow habitante das profundezas. Drizzt sentiu-se puxado para a
saída, para a vastidão do mundo da superfície. Os outros elementos do grupo
começaram a deslizar da fenda e a entrar na caverna, um após outro, com a
sacerdotisa em último. Drizzt foi o primeiro a sentir o arrepio enquanto o seu
corpo recuperava a forma natural. Daí a pouco todos estavam a verificar
ansiosamente as suas armas.
— Ficarei aqui — disse a sacerdotisa a Dinin. — Boa caçada. A Rainha
Aranha
Dininestará
avisoua observar-vos.
mais uma vez as suas tropas dos perigos da superfície, e depois
avançou para a saída da caverna, um pequeno orifício na encosta de uma grande
montanha rochosa.
— Pela Rainha Aranha — proclamou Dinin. Respirou fundo e liderou o grupo
até à saída, para ficarem sob céu aberto.
Debaixo das estrelas! Enquanto os outros pareciam nervosos sob aquelas luzes
reveladoras, Drizzt deu com o seu olhar a ser atraído para cima, para os
inúmeros pontos de luz brilhante e mística. Banhado na luz das estrelas, sentiu o
coração mais leve e nem sequer deu pelo cantar alegre que era trazido pelo vento
nocturno, tão adequado ele parecia.
Dinin ouviu por fim a canção, e tinha suficiente experiência para nela
reconhecer a voz dos elfos da superfície. Agachou-se e vigiou o horizonte,
detectando a luz de um único fogo na vasta extensão de um vale arborizado. Fez
sinal às tropas para entrarem em acção — ao mesmo tempo que sacudia com
vigor o maravilhamento dos olhos do irmão — e pô-los a caminho.
Drizzt conseguia ver a ansiedade nos rostos dos companheiros, tão em
contraste com a sua própria e inexplicável sensação de serenidade. Suspeitou
desde logo de que haveria algo de muito errado na situação. No fundo do

coração,
mundo vil Drizzt
que sabia desde da
os mestres o momento
Academiaemseque saíra dado
tinham do túnel que este
a tanto não era
trabalho o
para
descrever. Sentia-se de facto estranho, sem um tecto de pedra por cima, mas não
desconfortável. Se as estrelas, que apelavam a cada fibra do seu coração, eram
de facto avisos do que o dia seguinte poderia trazer, como tinha dito o mestre
Hatch’net, então seguramente o dia seguinte não seria assim tão terrível.
Apenas a confusão amortecia a sensação de liberdade que Drizzt sentia, pois
ou ele tinha de alguma maneira caído numa armadilha da percepção, ou eram os
seus companheiros, incluindo o irmão, quem estava a ver o que os rodeava com
uma visão distorcida.
Isto caiu sobre Drizzt como mais um fardo sem resposta: seriam as suas
sensações de conforto aqui uma fraqueza, ou a verdade do coração?
— São semelhantes aos jardins de cogumelos da nossa terra — garantiu Dinin
aos outros, enquanto avançavam prudentemente pelos limites de um pequeno
bosque. — Não são sencientes, nem perigosos.

as Mesmo assim, que


armas sempre os mais jovens elfos
um esquilo corrianegros
por umficavam emárvore
ramo de tensãoacima
e aprontavam
das suas
cabeças, ou quando um pássaro oculto cantava no meio da noite. O mundo dos
elfos negros era um mundo silencioso, muito diferente da vida palpitante de uma
floresta na Primavera, e no Subescuro praticamente tudo o que existia podia, e
quase certamente tentaria, fazer mal a qualquer outra coisa que invadisse o seu
refúgio. Até o trinar de uma cigarra parecia um alerta perigoso aos ouvidos dos
drow.
O caminho seguido por Dinin estava certo, e depressa a canção dos elfos da
superfície abafou todos os outros sons, e a luz de um fogo tornou-se visível por
entre as ramagens. Os elfos da superfície eram a mais alerta de todas as raças, e
um humano — ou até mesmo um intrometido halfling — poucas hipóteses teria
de os apanhar desprevenidos.
Mas nesta noite os assaltantes eram drow, mais hábeis na dissimulação do que
o mais experiente ladrão das vielas. Os seus passos não se deixavam ouvir,
mesmo passando sobre folhas e ramos secos, e as suas armaduras finamente
trabalhadas e perfeitamente adaptadas aos corpos esguios dobravam-se
acompanhando os movimentos sem um único rangido. Sem serem notados,
cercaram o perímetro da pequena clareira onde os elfos da superfície dançavam e

cantavam.
Fascinado pela pura alegria do divertimento dos elfos, Drizzt quase nem
reparava nas ordens que o irmão estava a dar no código gestual. Várias crianças
dançavam no meio da reunião, apenas discerníveis pelo tamanho dos corpos, e
não eram mais livres de espírito do que os adultos que acompanhavam. Pareciam
todos tão inocentes, tão cheios de vida e de alegria, e tão obviamente ligados uns
aos outros por uma amizade mais profunda do que Drizzt alguma vez conhecera
em Menzoberranzan. Tudo tão diferente das histórias que Hatch’net lhes contara,
dessas histórias de gente vil e malévola.
Drizzt pressentiu, mais do que viu, que o seu grupo estava em movimento,
espalhando-se para obter maior vantagem. Mesmo assim, não tirava os olhos do
espectáculo que tinha à frente. Dinin bateu-lhe no ombro e apontou para o
pequeno arco que Drizzt tinha no cinturão, e depois deslizou para a sua posição
atrás de uns arbustos, mais ao lado.
Drizzt queria fazer parar o irmão e os outros, queria que esperassem e
observassem
inimigos. Deuosconsigo
elfos com
da superfície que ao
os pés colados tinham
chão tanta pressa
e a língua de considerar
a pesar com uma
súbita secura que lhe tinha chegado à boca. Olhou para Dinin e esperou que o
irmão tomasse erradamente a sua respiração ofegante por entusiasmo pela
batalha iminente.
Depois, os ouvidos atentos de Drizzt ouviram o suave distender das cordas de
uma dúzia de pequenos arcos. A canção dos elfos durou por mais um segundo,
até que vários do grupo caíram por terra.
— Não! — gritou Drizzt em protesto, com as palavras a brotar de uma raiva
profunda que nem mesmo ele compreendia. Aquela recusa soou apenas como
mais um grito de guerra dos guerreiros drow, e antes que os elfos da superfície
conseguissem sequer reagir, Dinin e os outros estavam em cima deles.
Também Drizzt saltou para a clareira iluminada, com as armas na mão,
embora não tivesse ainda pensado qual seria o seu movimento seguinte. Apenas
queria parar a batalha, pôr fim à cena que se estava a desenrolar diante dos seus
olhos.
Muito descontraídos na sua terra no meio da floresta, os elfos da superfície
nem sequer estavam armados. Os guerreiros drow abriam caminho por entre as
suas fileiras impiedosamente, decepando-os e atacando os corpos caídos até

muito
Umadepois
fêmeadeaterrorizada,
a chama da vida ter abandonado
a fugir os seus
por onde podia, deuolhos.
de caras com Drizzt.
Drizzt enterrou as pontas das armas na terra, procurando alguma forma de
transmitir algum alívio.
A fêmea empinou-se então de repente, enquanto uma espada se lhe cravava
nas costas, com a ponta a aparecer do outro lado do corpo magro. Drizzt ficou a
ver, horrorizado, enquanto o guerreiro drow atrás da fêmea agarrava o punho da
espada com as duas mãos e a fazia rodar selvaticamente. A fêmea elfo olhou
directamente para Drizzt nos últimos segundos de vida, com os olhos a implorar
piedade. A voz dela não era mais do que o nauseante gorgolejar do sangue.
Com o rosto inundado de êxtase, o guerreiro drow puxou a espada de novo
para fora do corpo e fê-la rodopiar, arrancando a cabeça da fêmea.
— Vingança! — gritou para Drizzt, com o rosto contorcido por uma expressão
de fúria, os olhos ardendo com uma luz que brilhava como demoníaca para o
atónito Drizzt. O guerreiro ainda golpeou mais uma vez o corpo sem vida, e
depois afastou-se,
Apenas em buscadepois,
um segundo de maisoutro
uma morte.
elfo, desta vez uma jovem fêmea,
conseguiu fugir ao massacre e correu na direcção de Drizzt, gritando uma única
palavra vezes sem conta. O grito era na língua dos elfos da superfície, um
dialecto desconhecido para Drizzt, mas quando olhou para aquele rosto branco,
onde corriam lágrimas, percebeu o que estava a dizer. Os olhos da criança
estavam fixos no corpo mutilado aos pés dele; a angústia sobrepunha-se até ao
terror do iminente destino. Só podia estar a gritar: «Mãe!»
Raiva, horror, angústia e uma dúzia de outras emoções avassalaram Drizzt
nesse momento horrível. Queria fugir aos seus sentimentos, perder-se no
frenesim cego dos da sua raça e aceitar a feia realidade. Como teria sido fácil
deitar fora a consciência que tanto o magoava…
A criança elfo passou a correr por Drizzt, mas mal o viu, com o olhar ainda
fixo na mãe morta, e um largo golpe na parte de trás do pescoço. Drizzt ergueu a
cimitarra, incapaz de distinguir entre piedade e assassínio.
— Sim, meu irmão! — gritou-lhe Dinin, sobrepondo-se aos gritos dos outros,
e soando aos ouvidos de Drizzt como uma acusação. Drizzt levantou os olhos
para ver Dinin, coberto de sangue dos pés à cabeça e de pé no meio de uma pilha
de elfos mortos. — Hoje conheces a glória do que é ser um drow! — gritava

Dinin, erguendo
Drizzt um em
respondeu punho vitorioso no
concordância ar. — Hoje,
e depois rodouaplacamos a Rainha
e recuou para Aranha!
dar um golpe
fatal.
E quase o fez. Na sua raiva cega, Drizzt Do’Urden quase se tornou igual aos
da sua gente. Quase roubou a luz dos belos olhos brilhantes daquela criança. No
último momento, a criança olhou para ele, com os olhos a brilhar como um
espelho do coração enegrecido de Drizzt. Nessa reflexão, nessa imagem
invertida da raiva que guiava a sua mão, Drizzt Do’Urden encontrou-se a si
mesmo.
Fez descer a cimitarra num golpe poderoso, observando Dinin pelo canto do
olho, enquanto a espada passava inofensivamente ao lado da criança. No mesmo
movimento, Drizzt usou a outra mão para agarrar a criança pelos colarinhos e
puxá-la para o chão, de cara para baixo.
A criança gritava, incólume, mas aterrorizada, e Drizzt viu Dinin a erguer de
novo um punho no ar e a afastar-se dali.
Drizzt tinha
cimitarras de agir perto
com perícia rapidamente;
das costasa da
batalha estava
criança, quase no asfim.
rasgando-lhe Usoumas
vestes, as
sem tocar na pele sensível. Depois, usou o sangue do cadáver sem cabeça para
disfarçar o embuste, sentindo uma sombria satisfação com o facto de que a mãe
da criança teria gostado de saber que, ao morrer, tinha salvo a vida da filha.
— Fica quieta — sussurrou ao ouvido da criança.
Drizzt sabia que ela não conseguia perceber a sua língua, mas tentou manter
um tom suficientemente tranquilizador, para que percebesse a ideia. Só podia
esperar ter feito um bom trabalho quando, um momento mais tarde, Dinin e
vários outros vieram ter com ele.
— Bom trabalho! — disse Dinin, exuberante, estremecendo de pura excitação.
— Um monte destes iscos de orc mortos, e nem um de nós ferido! As matronas
de Menzoberranzan ficarão muito agradadas, ainda que não possamos levar
nenhum saque desta desgraçada gente!
Olhou para a pilha aos pés de Drizzt e depois deu uma palmada no ombro do
irmão.
— Será que pensavam que podiam escapar? — rugiu. Drizzt lutou o mais que
pôde para disfarçar o nojo, mas Dinin estava tão exaltado com o banho de
sangue que nem teria dado por nada, de qualquer maneira. — Como, se estavas

tu —
aqui?
Uma— morte!
prosseguiu. — Duasoutro,
— protestou mortes para Drizzt!
avançando por trás de Dinin.
Drizzt apoiou as mãos firmemente nos punhos das armas e recuperou a
coragem. Se este elfo negro que se aproximava tinha percebido a dissimulação,
Drizzt lutaria para salvar a criança. Mataria os seus companheiros, e até o irmão,
para salvar a pequena rapariga com os olhos brilhantes — até que ele próprio
fosse morto. Pelo menos então Drizzt não teria de testemunhar o assassinato
daquela criança.
Felizmente, o problema não surgiu.
— Drizzt apanhou a criança — disse o drow para Dinin —, mas quem
apanhou a fêmea mais velha fui eu. Atravessei-a com a minha espada antes
mesmo que o teu irmão fosse capaz de puxar das cimitarras!
Tudo aconteceu como um simples reflexo, um ataque inconsciente contra a
maldade que o rodeava. Drizzt nem se apercebeu bem do seu gesto enquanto o
estava a executar, mas um momento mais tarde viu o arrogante drow caído de
costas,
latejanteagarrado à cara
da sua mão e rugindo
e olhou para de
verdor.
que Só então
tinha Drizztfirmemente
os dedos se apercebeu da dor
agarrados
ao punho salpicado de sangue de uma cimitarra.
— Que vem a ser isto? — perguntou Dinin.
Pensando rapidamente, Drizzt nem respondeu ao irmão. Olhou para lá de
Dinin, para a forma que jazia contorcendo-se no chão, e transferiu toda a raiva
que sentia no coração para uma praga que os outros aceitariam e respeitariam:
— Se voltas a querer roubar-me uma morte — rugiu, com sinceridade a
permear cada palavra falsa — substituirei a cabeça decepada do morto pela tua!
Drizzt sabia que a criança elfo aos seus pés, apesar de se esforçar o mais que
podia, começara a estremecer ligeiramente, tentando conter os soluços, e por isso
decidiu não abusar da sorte.
— Vamos lá, então — rosnou. — Deixemos este lugar. O fedor do mundo da
superfície enche-me a boca de fel!
Afastou-se rapidamente, e os outros, rindo, agarraram no colega ainda
estonteado e seguiram-no.
— Até que enfim — murmurou Dinin enquanto via o irmão dar passos largos
e tensos. — Até que enfim que percebeste o que é ser um guerreiro drow!
Dinin, na sua cegueira, nunca compreenderia a ironia das suas palavras.

— Temos mais uma obrigação a cumprir antes de regressar a casa — explicou a


sacerdotisa ao grupo quando este chegou à entrada da caverna.
Só ela sabia do segundo objectivo do grupo de raide. — As matronas de
Menzoberranzan pediram-nos que testemunhássemos o derradeiro horror do
mundo da superfície, para que possamos servir de aviso para os da nossa gente.
«A nossa gente?», pensou Drizzt, com os pensamentos negros de sarcasmo.
Tanto quanto conseguia ver, os atacantes já tinham testemunhado o horror da
superfície: eram eles próprios!
— Ali! — gritou Dinin, apontando para o horizonte a leste.
Uma minúscula réstia de luz começava a delinear o perfil escuro de
montanhas distantes. Um habitante da superfície nem teria dado por isso, mas os
elfos negros viam-na claramente e todos eles, incluindo Drizzt, recuaram
instintivamente.
— É maravilhoso — atreveu-se Drizzt a notar, depois de apreciar o
espectáculo
O olhar deporDinin
um momento.
dirigiu-se-lhe, gelado, mas não mais do que o olhar que a
sacerdotisa lhe lançou também.
— Retirem o equipamento e as capas, e até as armaduras — instruiu a
sacerdotisa. — Depressa. Coloquem-nas à sombra da caverna, para não serem
afectadas pela luz.
Quando essa tarefa foi cumprida, a sacerdotisa levou-os para fora, para a luz
cada vez mais forte.
— Observem — comandou sinistramente.
O céu do leste ganhou um tom de rosa arroxeado, e depois totalmente cor-de-
rosa, com a luz fulgurante a fazer que os elfos negros tivessem de semicerrar os
olhos desconfortavelmente. Drizzt queria negar aquele acontecimento, colocá-lo
na mesma pilha de raiva que negava as palavras do mestre de Lendas relativas
aos elfos da superfície.
Então, aconteceu; a orla superior do sol surgiu por cima do horizonte. O
mundo da superfície acordou com o seu calor, com a sua energia dadora de vida.
Esses mesmos raios de luz atacavam os olhos dos drow com a fúria do fogo,
abrindo caminho até órbitas não acostumadas a tal visão.
— Vejam! — gritava-lhes a sacerdotisa. — Sede testemunhas da extensão do

horror!
Um por um, os guerreiros começaram a gritar de dor e caíram na escuridão da
caverna, até Drizzt ficar sozinho ao lado da sacerdotisa, perante a luz nascente
do dia. Na verdade, a luz doía tanto a Drizzt como tinha magoado os seus
companheiros, mas manteve-se firme, aceitando-a como o seu purgatório,
expondo-se à vista de todos enquanto o fogo penetrante lhe limpava a alma.
— Vem — disse a sacerdotisa para Drizzt, por fim, sem compreender as
acções dele. — Já testemunhámos. Podemos agora regressar ao lar.
— Lar? — respondeu Drizzt, estonteado.
— Menzoberranzan! — gritou a sacerdotisa, pensando que o macho estava
confuso e quase sem sentidos. — Vem, antes que este inferno queime a carne
sobre os teus ossos. Que os nossos primos da superfície sofram com as chamas,
punição adequada para os seus corações malévolos!
Drizzt riu-se desesperado. Punição adequada? Desejou poder arrancar mil
daqueles sóis do céu e largá-los dentro de cada capela de Menzoberranzan, para
aí ficarem a brilhar
Mas depois, eternamente.
Drizzt já não conseguia aguentar mais a luz. Cambaleou
entontecido para a caverna e envergou as vestes. A sacerdotisa tinha a orbe na
mão e Drizzt foi de novo o primeiro a passar pela estreita fenda. Quando todo o
grupo se reuniu no túnel do outro lado, Drizzt assumiu a sua posição como ponta
de lança e liderou o grupo no caminho descendente para a escuridão crescente —
de regresso à escuridão das suas existências.
— Agradaram à deusa? — perguntou a Matrona Malice, com a pergunta a soar
tanto como uma ameaça, como uma simples inquirição. Ao lado dela, as outras
fêmeas da Casa Do’Urden, Briza, Vierna e Maya, observavam impassivelmente,
escondendo a inveja.
— Nem um único drow pereceu — respondeu Dinin, com a voz impregnada
da doçura da maldade drow. — Cortámo-los e retalhámo-los! — quase se babava
enquanto contava a chacina dos elfos, como se isso lhe trouxesse de volta a
luxúria do momento. — Mordemo-los e rasgámo-los!
— E tu? — interrompeu a matrona mãe, mais preocupada com as
consequências para a posição da sua família do que com o sucesso global do
raide.
— Cinco! — respondeu Dinin orgulhosamente. — Matei cinco, todos fêmeas!
O sorriso da matrona entusiasmou Dinin. Depois, Malice assumiu um tom
mais desdenhoso, assestando o olhar em Drizzt.
— E ele? — inquiriu, sem esperar que a resposta lhe agradasse. Malice não
duvidava das proezas do filho com as armas, mas acabara por começar a
suspeitar de que Drizzt tinha demasiado da constituição emocional de Zak para
alguma vez ser um atributo em tais situações.
O sorriso de Dinin confundiu-a. Dinin avançou até junto de Drizzt e colocou
um braço descontraidamente por cima dos ombros do irmão.
— Drizzt só conseguiu uma morte — começou. — Mas foi uma criança
fêmea.
— Apenas uma? — resmungou Malice.
Da sua sombra, a um canto, Zaknafein ouvia isto, descoroçoado. Queria calar
as palavras do Rapaz Mais Velho Do’Urden, mas estas mantinham-no em
suspenso. De todos os males que Zak já conhecera em Menzoberranzan, este
teria de ser certamente o mais desolador. Drizzt tinha morto uma criança.
— Sim, mas a maneira como o fez! — exclamou Dinin. — Abriu-a ao meio, e
depois enviou toda a fúria de Lolth para cima daquele corpo ainda palpitante! A
Rainha Aranha deve ter apreciado essa morte acima de todas as outras!
— Apenas uma — disse de novo a Matrona Malice, com o desprezo pouco
aliviado.
— Deveria ter duas — prosseguiu Dinin. — Mas Shar Nadal, da Casa
Maevret, roubou-lhe uma; outra fêmea.
— Então Lolth verá com favor a Casa Maevret — argumentou Briza.
— da
filho Não — respondeu
Casa Dinin.
Maevret não — Drizzt
respondeu castigou Shar Nadal por essa acção. E o
ao desafio.
A memória desse momento ficou a pairar nos pensamentos de Drizzt.
Desejava que Shar Nadal tivesse ripostado, para que assim pudesse ter dado
vazão a toda a raiva. Mas mesmo esse pensamento fazia correr ondas de culpa
pelo corpo de Drizzt.
— Bom trabalho, meus filhos — rejubilou Malice, agora satisfeita por ambos
terem actuado adequadamente no raide. — A Rainha Aranha verá a Casa
Do’Urden com favor por causa deste evento. Há-de conduzir-nos à vitória sobre
a casa desconhecida que procura destruir-nos.
Zaknafein saiu da sala de audiência de olhos baixos e com uma mão a acariciar
nervosamente o punho da arma. Zak recordou-se da vez em que tinha enganado
Drizzt com a bomba de luz, em que tivera Drizzt à sua mercê, indefeso e abatido.
Poderia ter poupado o jovem inocente ao seu destino horrendo. Poderia ter morto
Drizzt ali mesmo, piedosamente, e tê-lo libertado das inevitáveis circunstâncias
da vida em Menzoberranzan.
Zak fez uma pausa no corredor e voltou-se para observar a sala; Drizzt e Dinin
estavam a sair; Drizzt lançou-lhe um único olhar acusador e depois virou-lhe
ostensivamente as costas, seguindo por outro corredor.
Aquele olhar trespassou o mestre de armas.
— E assim, chegámos a isto — murmurou para consigo. — O mais jovem
guerreiro da Casa Do’Urden, tão cheio do ódio que personifica a nossa raça,
aprendeu a desprezar-me por aquilo que sou.
Zak pensou mais uma vez nesse momento na sala de treino, nesse segundo
fatídico em que a vida de Drizzt estivera por um fio, suspensa de uma espada já
apontada. Teria de facto sido um gesto piedoso, se tivesse morto Drizzt nessa
altura.
Com a dor do olhar penetrante do jovem drow ainda a feri-lo até ao coração,
Zak não conseguia decidir se esse acto teria sido mais piedoso para com Drizzt
ou para consigo mesmo.
— Deixa-nos — comandou a Matrona SiNafay quando entrou na pequena sala
iluminada pelo brilho de uma vela. Alton estremeceu perante essa ordem; afinal,
aquele era o seu quarto! Alton lembrou a si mesmo, prudentemente, que SiNafay
era a matrona mãe da família, a reinante absoluta da Casa Hun’ett. Com uns
quantos pedidos de desculpas e vénias desajeitadas, saiu do quarto, recuando.
Masoj olhou para a mãe cautelosamente, enquanto esta esperava que Alton se
afastasse. Pelo tom agitado de SiNafay, Masoj percebeu que a visita era
importante. Teria feito algo que enfurecera a mãe? Ou, mais provavelmente, teria
sido Alton a fazê-lo? Quando SiNafay se virou por fim para ele, tinha o rosto
banhado numa alegria malévola, e Masoj percebeu que a agitação dela era, na
verdade, excitação.
— A Casa Do’Urden errou! — disse SiNafay. — Perdeu o favor da Rainha
Aranha!
— Como? — perguntou Masoj. Sabia que Dinin e Drizzt tinham regressado
de um raide bem sucedido, um assalto de que toda a cidade falava em tons
altamente elogiosos.
— Não conheço os pormenores — respondeu a Matrona SiNafay,
conseguindo impor alguma calma à voz. — Alguém de entre eles, talvez algum
dos filhos, fez qualquer coisa que desagradou a Lolth. Isto foi-me dito por uma
aia da Rainha Aranha. Tem de ser verdade!
— A Matrona Malice trabalhará rapidamente para corrigir a situação —
raciocinou Masoj. — De quanto tempo dispomos?
— O desagrado da Rainha Aranha não será demonstrado a Malice —
respondeu SiNafay. — Pelo menos, não tão depressa. A Rainha Aranha sabe
tudo. Sabe que planeamos atacar a Casa Do’Urden, e só algum acidente
imprevisível poderá informar a Matrona Malice da situação desesperada em que
se encontra antes de a sua casa ser arrasada! Temos de agir rapidamente —
prosseguiu a Matrona SiNafay. — Dentro de dez ciclos de Narbondel, teremos
de assestar o primeiro golpe! A batalha total começará pouco depois disso, antes
que a Casa Do’Urden consiga perceber a ligação entre a sua perda e os nossos
actos.
— E que súbita perda será essa? — perguntou Masoj, pensando, esperançado,
á ter adivinhado a resposta.
As palavras da mãe chegaram ao seu coração como uma doce música.
— Drizzt Do’Urden — ronronou SiNafay. — O filho dilecto. Mata-o.
Masoj recostou-se na cadeira e cruzou os dedos magros atrás da cabeça,
avaliando
— Não esta ordem.ficar mal — aviou SiNafay.
me deixes
— Não o farei — garantiu-lhe Masoj. — Drizzt, embora jovem, já é um
adversário formidável. O irmão, que já foi mestre de Melee-Magthere, nunca
está longe dele — olhou para a Matrona Mãe, com os olhos a brilhar. — Posso
matar também o irmão?
— Sê cauteloso, meu filho — respondeu SiNafay. — Drizzt Do’Urden é o teu
alvo. Concentra os teus esforços na morte dele.
— Farei como me mandas — respondeu Masoj, com uma profunda vénia.
SiNafay gostava da forma como o jovem filho cumpria os seus desejos sem
questionar. Dirigiu-se para a porta do quarto, confiante na capacidade de Masoj
para desempenhar a tarefa.
— Se Dinin Do’Urden se intrometer no caminho, de alguma forma — disse,
voltando-se de novo para Masoj, para lhe dar um presente de recompensa pela
obediência —, podes matá-lo também.
A expressão de Masoj revelou demasiado entusiasmo pela segunda tarefa.
— Não me falhes! — disse SiNafay mais uma vez, agora num tom de ameaça
clara que fez desinchar o peito de Masoj. — Drizzt Do’Urden deve morrer
dentro de dez dias!

Masoj forçou-se
distrairiam, da cabeça.a expulsar quaisquer pensamentos sobre Dinin, que o
— Drizzt tem de morrer — murmurou vezes sem conta, muito depois a de a
mãe já ter saído. Já sabia como queria fazê-lo. Só tinha de ter esperança de que a
oportunidade chegasse depressa.
A recordação terrível do raide à superfície perseguia Drizzt, assombrava-o
enquanto vagueava pelas salas de Daermon N’a’shezbaernon. Correra para fora
da sala de audiências assim que a Matrona Malice lhe dera permissão para sair, e
afastara-se do irmão assim que surgira a primeira oportunidade, querendo apenas
ficar sozinho.
As imagens perduravam: o brilho a apagar-se nos olhos da jovem elfo
enquanto se ajoelhava sobre o cadáver mutilado da mãe; a expressão aterrada da
mulher elfo enquanto se contorcia em agonia, com a espada de Shar Nadal a
roubar-lhe a vida do corpo. Os elfos da superfície estavam ali, nos pensamentos
de Drizzt;tãonão
vagueava, conseguia
reais como eramafastá-los.
quando oCaminhavam
grupo de ataque ao de
seuDrizzt
ladocaíra
enquanto
sobre
eles no meio da alegre cantoria com que se divertiam.
Drizzt interrogou-se se alguma vez voltaria a estar só.
De olhos no chão, consumido pela sensação de perda e de vazio, Drizzt não
reparava no caminho que estava a seguir. Saltou para trás, surpreendido, quando
ao virar uma esquina embateu contra alguém.
Ficou frente a frente com Zaknafein.
— Estás em casa — disse o mestre de armas distraidamente, com o rosto
inexpressivo a ocultar as tumultuosas emoções que lhe rodopiavam na mente.
Drizzt interrogou-se se ele próprio conseguiria disfarçar uma careta de
repulsa.
— Por um dia — respondeu, igualmente sem emoção, embora a sua raiva para
com Zak fosse igualmente intensa. Agora que Drizzt vira a ira dos elfos drow em
primeira mão, os tão aclamados feitos de Zak soavam-lhe ainda mais malévolos.
— O meu grupo de patrulha regressa assim que nascer a luz de Narbondel.
— Tão cedo? — perguntou Zak, genuinamente surpreendido.
— Fomos chamados — respondeu Drizzt, começando a avançar.
Zak agarrou-o por um braço.


— Patrulha
Patrulha geral? — perguntou.
específica — respondeu Drizzt. — Há actividade nos túneis a
leste.
— E por isso chamaram os heróis… — riu-se Zak.
Drizzt não respondeu de imediato. Haveria sarcasmo na voz de Zak? Talvez
inveja por Drizzt e Dinin terem autorização para sair e lutar, enquanto ele tinha
de permanecer na Casa Do’Urden para cumprir o seu papel como instrutor de
combate da família? Seria a fome de sangue de Zak tão grande que não
conseguia aceitar bem os deveres que lhes tinham sido impostos a eles? Zak
tinha treinado Dinin e ele próprio, não tinha? E centenas de outros; tinha-os
transformado em armas vivas, em assassinos.
— Quanto tempo estarás fora? — insistiu Zak, mais interessado em saber por
onde andaria Drizzt.
Drizzt encolheu os ombros.
— Uma semana, no máximo.

—E depois?
Volto para casa.
— Isso é bom — disse Zak. — Ficarei mais contente por te ver dentro dos
muros da Casa Do’Urden.
Drizzt não acreditou numa única palavra.
Zak deu-lhe então uma palmada no ombro, num movimento súbito,
inesperado, e destinado a testar os reflexos de Drizzt. Mais surpreendido do que
ameaçado, Drizzt aceitou a palmadinha sem responder, incerto da intenção do
tio.
— Talvez possamos ir ao ginásio? — disse Zak. — Tu e eu, como em tempos?
«Impossível!», queria Drizzt gritar. Nunca mais voltaria a ser como tinha sido.
Mas manteve esses pensamentos para si e acenou em assentimento.
— Terei muito gosto — respondeu, interrogando-se secretamente sobre quanta
satisfação sentiria ao vencer Zaknafein. Drizzt conhecia agora a verdade acerca
da sua gente, e sabia que era impotente para mudar o que quer que fosse. Mas
talvez pudesse fazer uma mudança na sua vida privada. Talvez destruindo
Zaknafein, a sua maior desilusão, Drizzt pudesse afastar-se da maldade que o
rodeava.
— Também eu — disse Zak, com o tom amigável da voz a esconder os seus

verdadeiros
— Daquipensamentos;
a uma semana,pensamentos
então — idênticos aos deEDrizzt.
disse Drizzt. afastou-se, incapaz de
continuar aquele encontro com o drow que em tempos fora o seu mais querido
amigo e que, viera a descobrir, era na verdade tão traiçoeiro e malvado como
todo o resto da sua gente.
— Por favor, minha Matrona — implorava Alton. — É meu direito. Imploro-te!
— Fica sossegado, tonto DeVir — retorquiu SiNafay, e havia piedade na sua
voz, uma emoção raramente sentida e menos ainda revelada.
— Esperei durante…
— O teu momento está quase a chegar — contrariou SiNafay, com o tom a
ficar cada vez mais ameaçador. — Já uma vez tentaste isto.
O grotesco esgar de Alton fez surgir um sorriso na cara da matrona mãe.
— Sim… — disse SiNafay. — Sei da tua desajeitada tentativa de acabar com
a vida de Drizzt Do’Urden. Se Masoj não tivesse chegado a tempo, o jovem
guerreiro ter-te-iadestruído!
— Eu tê-lo-ia provavelmente chacinado.
— rosnou Alton.
SiNafay não argumentou.
— Talvez tivesses ganho — disse —, mas apenas para depois seres exposto
como assassino e impostor, com a ira de toda a Menzoberranzan caindo sobre a
tua cabeça!
— Não me importaria com isso.
— Ter-te-ias importado, sim, garanto-te! — troçou a Matrona SiNafay. —
Terias deitado a perder a tua hipótese de reclamar uma vingança mais ampla.
Confia em mim, Alton DeVir. A tua vitória… a nossa vitória… está a um passo.
— Masoj matará Drizzt, e talvez Dinin — resmungou Alton.
— Há outros Do’Urden à espera da mão pesada de Alton DeVir — prometeu a
Matrona SiNafay. — Altas sacerdotisas.
Alton não conseguia afastar a desilusão que sentia por não lhe ser permitido ir
atrás de Drizzt. Queria desesperadamente poder matar aquele Do’Urden. Drizzt
deixara-o embaraçado nesse dia no seu quarto em Sorcere; o jovem drow deveria
ter morrido rápida e silenciosamente. Alton queria compensar esse erro.
Alton também não podia ignorar a promessa que a Matrona SiNafay acabara
de lhe fazer. A ideia de matar uma ou mais das altas sacerdotisas da Casa

Do’Urden não lhe desagradava de todo.


A suavidade da cama fortemente acolchoada, tão diferente do resto do mundo de
pedra de Menzoberranzan, não deu a Drizzt qualquer alívio da dor. Outro
fantasma viera assombrá-lo, sobrepondo-se até às imagens da carnificina na
superfície: o espectro de Zaknafein.
Dinin e Vierna tinham dito a Drizzt a verdade sobre o mestre de armas, sobre
o seu papel na queda da Casa DeVir, e sobre como Zak tinha apreciado
profundamente chacinar outros drow — outros drow que não tinham feito
absolutamente nada contra ele, ou para merecer a ira dele.
Por isso, também Zaknafein entrava neste malévolo jogo da vida drow, nessa
demanda interminável por agradar à Rainha Aranha.
— Tal como eu tanto lhe agradei na superfície? — não conseguiu evitar de
murmurar, com o sarcasmo das palavras a dar-lhe uma pequena dose de consolo.
O consolo que Drizzt sentia por ter salvo a vida da criança elfo parecia um
gesto minúsculo,
de ataque quando
exercera sobre contraposto às A
o povo dela. maldades
Matronaesmagadoras
Malice, suaque
mãe,o seu grupo
apreciara
tanto ouvir os relatos sanguinários! Drizzt lembrou-se do horror nos olhos da
criança elfo perante a visão da mãe morta. Ficaria ele, ou qualquer outro elfo
negro, tão devastado se desse com um tal espectáculo? Não era provável,
pensou. Drizzt praticamente não tinha nenhuma ligação afectiva com a mãe, e a
maioria dos drow estariam demasiado atarefados a medir as consequências da
morte das suas mães para a sua própria posição para sentirem qualquer
sentimento de perda.
Ter-se-ia Malice ralado se ele ou Dinin tivessem caído durante o raide? Mais
uma vez, Drizzt sabia a resposta. A única coisa com que Malice se importava era
como o raide teria afectado a sua própria base de poder. Deliciara-se com a ideia
de os filhos terem agradado à sua deusa maléfica.
Que favor daria Lolth à Casa Do’Urden se soubesse a verdade acerca das
acções de Drizzt? Drizzt não tinha maneira de avaliar quanto interesse teria
Lolth, se algum tinha, pelo raide. Lolth continuava a ser um mistério para ele, e
um mistério que não tinha qualquer desejo de aprofundar. Ficaria irada se
soubesse a verdade do raide? Ou se soubesse a verdade sobre os pensamentos
dele naquele preciso momento?

Drizzt mas
próprio, estremeceu
já tinha ao pensarfirmemente
decidido nos castigoso seu
que rumo
podiadeestar a atrair
acção, sobre
fossem si
quais
fossem as consequências. Regressaria à Casa Do’Urden dentro de uma semana.
Então, iria à sala de treino para se reunir com o seu velho professor.
Mataria Zaknafein daí a uma semana.
Embrenhado nas emoções de uma decisão intimamente sentida e perigosa,
Zaknafein quase não ouvia o assobio agudo enquanto passava a pedra de amolar
pelo gume reluzente da sua espada.
A arma teria de estar perfeita, sem falhas ou mossas. Este gesto teria de ser
completado sem malícia e sem raiva.
Um golpe limpo, e Zak ver-se-ia livre dos demónios dos seus próprios
falhanços, e poderia esconder-se mais uma vez dentro do santuário dos seus
aposentos privados, no seu mundo secreto. Um golpe limpo, e faria aquilo que
deveria ter feito uma década antes.
— Setristeza
Quanta ao menos tivesse
poderia ter tido a coragem
poupado nessa
a Drizzt? altura dor
Quanta — terão
lamentava-se. —
os dias na
Academia trazido a Drizzt, para ter mudado tanto?
As palavras murmuradas ecoavam no quarto vazio. Eram apenas palavras,
agora inúteis, porque Zak já tinha decidido que Drizzt estava para além do
alcance da razão. Drizzt era um guerreiro drow, com todas as malditas
conotações que esse título carregava em si.
Já não havia escolha possível para Zaknafein, se desejava ainda dar algum
valor à sua desgraçada existência. Desta vez, não podia parar a espada a meio
caminho. Tinha de matar Drizzt.
Entre as curvas ecaminhada,
sua silenciosa esquinas dosencontravam-se
labirintos de túneis do Subescuro,
os svirfnebli, os deslizando
gnomos dasna
profundezas. Nem bons, nem maus, e deslocados naquele mundo inundado de
maldade, os gnomos das profundezas sobreviviam e prosperavam. Combatentes
ferozes, hábeis no fabrico de armas e couraças, e mais sintonizados com o cantar
da pedra do que até mesmo os malévolos anões cinzentos, os svirfnebli
prosseguiam o seu trabalho de descobrir pedras e metais preciosos, apesar dos
perigos que os espreitavam a cada esquina.
Quando as notícias chegaram a Blingdenstone, o aglomerado de túneis e
cavernas que compunha a cidade dos gnomos, de que um grande filão de pedras
preciosas tinha sido descoberto a trinta quilómetros para leste — em distâncias
de vermes da rocha, thoqqua — o guarda-tocas Belwar Dissengulp teve de trepar
acima de uma dúzia de outros na sua posição para ver ser-lhe atribuído o
privilégio de liderar a expedição mineira. Belwar e todos os outros sabiam bem
que a cinquenta quilómetros para leste — em distâncias de vermes da rocha —
levariam a expedição para perigosamente perto de Menzoberranzan, e que só
chegar lá implicaria uma semana de caminhada, provavelmente por entre
territórios de uma centena de inimigos. O medo não conseguia, porém, sobrepor-
se ao amor que os svirfnebli tinham pelas pedras preciosas, e cada dia passado

noQuando
Subescuro era sempre
Belwar um risco,
e os seus de qualquer
quarenta forma.
mineiros chegaram à pequena caverna
descrita pelos grupos de reconhecimento avançados, e onde encontraram as
marcas dos gnomos a assinalar os tesouros, descobriram que as notícias não
tinham sido exageradas. O guarda-tocas, contudo, teve o cuidado de não se
mostrar excessivamente entusiasmado. Sabia que vinte mil elfos drow, o mais
odiado e temido inimigo dos svirfnebli, viviam a não mais de sete quilómetros
dali.
Os túneis de fuga tornaram-se a primeira coisa a tratar, e fizeram-se
construções suficientemente altas para um gnomo de sessenta centímetros de
altura, mas impróprias para algum perseguidor mais alto. Ao longo de todas
estas construções, os gnomos colocavam paredes de protecção, destinadas a
desviar um raio de luz ou a proporcionar alguma protecção contra as chamas de
uma bola de fogo.
Depois, quando a verdadeira mineração começou por fim, Belwar manteve
sempre um terço
de trabalho da sua
sempre comequipa de guarda,
uma mão sobre aa todo o tempo,
esmeralda e passeava
mágica — a pela
pedrazona
de
convocação — que trazia pendurada de uma corrente ao pescoço.
— Três grupos completos de patrulha — notou Drizzt para Dinin quando
chegaram ao «campo» aberto do lado leste de Menzoberranzan. Estalagmites
carregadas de turfa salpicavam esta região da cidade, mas não parecia agora tão
aberta, com dezenas de drow ansiosos a patrulhá-la.
— Os gnomos não se devem encarar de ânimo leve — respondeu Dinin. —
São poderosos e malévolos.
— Tão malévolos como os elfos da superfície? — teve Drizzt de o
interromper, encobrindo o sarcasmo com uma falsa exuberância.
— Quase — avisou o irmão sombriamente, sem detectar as conotações da
pergunta de Drizzt. Dinin apontou para o lado, para onde um contingente de
fêmeas drow estava a chegar, para se reunir ao grupo. — Sacerdotisas — disse.
— E uma delas é uma alta sacerdotisa. Os rumores de que havia actividade aqui
devem ter sido confirmados.
Drizzt sentiu um forte arrepio a atravessá-lo, um torpor de excitação antes da
batalha. Esse entusiasmo era porém alterado e atenuado pelo receio, não de
danos físicos, ou sequer dos gnomos. Drizzt receava que este recontro pudesse
vir a ser uma repetição da tragédia na superfície.
Sacudiu para longe os pensamentos mais negros e lembrou a si mesmo que
desta vez, ao contrário da expedição à superfície, a sua terra estava a ser
invadida. Os gnomos tinham ultrapassado os limites do reino drow. Se fossem
tão malévolos como Dinin e todos os outros afirmavam, Menzoberranzan não
tinha outra opção senão responder pela força. Se…
A patrulha de Drizzt, o grupo mais aclamado de entre os machos, foi escolhida
para liderar, e Drizzt, como sempre, assumiu a posição dianteira. Ainda inseguro,
não estava entusiasmado com a missão e, quando começaram a avançar,
considerou até a hipótese de fazer o grupo perder-se. Ou talvez, pensou, pudesse
contactar os gnomos em privado antes que os outros chegassem, e avisá-los para
fugirem.
Drizzt percebeu imediatamente o absurdo dessa ideia. Não poderia fazer
desviar o curso da máquina de guerra de Menzoberranzan do seu objectivo
declarado,
excitados ee não poderia fazer
impacientes, que nada
vinhamparaatrás
conter
de a si.fúria dos uma
Mais guerreiros drow,
vez, estava
encurralado e à beira do desespero.
Masoj Hun’ett apareceu então, e tudo ficou melhor.
— Guenhwyvar! — chamou o jovem mago, e a grande pantera surgiu,
correndo. Masoj deixou a criatura ao lado de Drizzt e recuou de novo para o seu
lugar na fila.
Guenhwyvar não podia esconder a satisfação por ver Drizzt, tal como este não
conseguia esconder o seu próprio sorriso. Após o interregno da expedição à
superfície, e depois do tempo que estivera em casa, não via Guenhwyvar havia
mais de um mês. Guenhwyvar ia dando pequenos encontrões a Drizzt enquanto
avançava, quase deitando ao chão o magro drow. Drizzt respondeu com uma
forte palmada amigável, e depois fez festas atrás das orelhas da pantera.
Ambos se viraram subitamente para trás, conscientes dos olhares
desagradados que estavam assestados sobre eles. Ali estava Masoj, de braços
cruzados sobre o peito, com uma expressão de claro desprezo a brilhar-lhe no
rosto.
— Não usarei a pantera para matar Drizzt — murmurou o jovem mago para
consigo. — Quero ter eu próprio esse prazer!

Drizzt
Inveja interrogou-se
dele se seria
e da pantera, ou deapenas
tudo ciúme a suscitar
em geral? Masoj aquele
fora esgar de desprezo.
deixado para trás
quando Drizzt fora à superfície. E não passara de um espectador quando o grupo
de patrulha regressara vitorioso e em glória. Drizzt afastou-se um pouco de
Guenhwyvar, sensível à dor do mago.
Assim que Masoj se afastou e foi assumir a sua posição, mais ao fim da fila,
Drizzt ajoelhou-se e trocou um olhar com Guenhwyvar.
Drizzt deu consigo ainda mais feliz por ter a companhia de Guenhwyvar quando
passaram para além dos túneis familiares das rotas de patrulha habituais. Havia
um dito em Menzoberranzan segundo o qual «ninguém está mais só do que o
ponta de lança de uma patrulha drow», e Drizzt acabara por compreender isso
profundamente durante os últimos meses. Parou no extremo de uma larga
abertura e ficou completamente imóvel, concentrando os olhos e os ouvidos nos
rastos que havia atrás de si. Sabia que mais de quarenta drow se estavam a
aproximar da suaDrizzt
Mesmo assim, posição,
nãocompletamente preparados
conseguia detectar um para
únicoa batalha
ruído, ee agitados.
nenhum
movimento era discernível nas grotescas sombras da pedra fria. Drizzt olhou
para Guenhwyvar, que esperava pacientemente ao seu lado, e começou a avançar
de novo.
Conseguia sentir a presença quente do grupo de combate atrás de si. Essa
sensação intangível era a única coisa que contrariava a sensação de que ele e
Guenhwyvar estavam completamente sós.
— Esta câmara tem muitas saídas — gesticulou Dinin para Drizzt quando se
reuniram de novo. — As outras patrulhas estão a pôr-se em posição em volta dos
gnomos.
— Não poderíamos parlamentar com eles? — perguntaram as mãos de Drizzt,
quase inconscientemente. Percebeu a expressão que alastrava agora na cara de
Dinin, mas sabia que já era tarde demais. — Não podemos mandá-los embora
sem conflito?
Dinin agarrou-o pelo colarinho do piwafwi e puxou para perto, para
demasiado perto, da sua expressão irada.
— Vou esquecer que fizeste essa pergunta — sussurrou, e deixou Drizzt cair
de novo na pedra, considerando o assunto encerrado. — Tu começarás o
combate — gesticulou. — Quando vires o sinal de trás, escurece o corredor e
passa a correr pelos guardas. Vai em busca do chefe dos gnomos; ele é que
detém a força deles, com a pedra.
Drizzt não compreendia completamente a que poder dos gnomos o irmão se
estava a referir, mas as instruções pareciam razoavelmente simples, embora um
pouco suicidárias.
— Leva a pantera, se ele te seguir — prosseguiu Dinin. — A patrulha inteira
estará ao teu lado daí a pouco. Os grupos restantes entrarão pelas outras
passagens.
Guenhwyvar aninhou-se junto de Drizzt, mais do que pronta para o seguir em
combate. Drizzt sentiu-se reconfortado por isso quando Dinin se foi embora,
deixando-o sozinho mais uma vez na frente. Poucos segundos depois, veio a
ordem para atacar. Drizzt abanou a cabeça incrédulo quando viu o sinal; que
rapidamente tinham os guerreiros drow assumido as suas posições!

semEspreitou
fazeremosideia
guardas gnomos,
do que que aindaDrizzt
os esperava. estavam na sua
sacou das silenciosa
espadas e vigília,
deu a
Guenhwyvar uma palmadinha de boa sorte; depois convocou a magia inata da
sua raça e largou um globo de escuridão no corredor.
Guinchos de alarme ecoaram pelos túneis, e Drizzt carregou directamente para
a escuridão, por entre os guardas que não via e rebolando até se pôr de novo de
pé do outro lado da escuridão da sua magia, a apenas dois passos da pequena
câmara. Viu uma dúzia de gnomos a correr por ali, tentando preparar as defesas.
Poucos deles, porém, prestaram qualquer atenção a Drizzt, porque os sons de
batalha surgiam de vários corredores laterais.
Um gnomo avançou com uma pesada albarda em direcção ao ombro de
Drizzt. Drizzt levantou uma cimitarra para bloquear o golpe, mas ficou
espantado com a força dos braços do diminuto gnomo. Poderia ter desde logo
morto este atacante com a outra cimitarra. Demasiadas dúvidas, e demasiadas
recordações, porém, assombravam os seus gestos. Ergueu um pé e assestou-o na
barriga do gnomo, fazendo a pequena criatura rebolar para longe.
Belwar Dissengulp, que era o próximo na direcção de Drizzt, reparou na
facilidade com que o jovem drow tinha despachado um dos seus melhores
guerreiros, e soube que tinha chegado o momento de usar a sua magia mais

poderosa. Puxou
ao chão, aos daDrizzt.
pés de esmeralda de convocação que tinha ao pescoço e lançou-a
Drizzt saltou para trás, sentindo as emanações da magia. Atrás de si, ouvia a
aproximação dos companheiros, dominando os guardas gnomos surpreendidos e
correndo para se unirem a ele na câmara. Depois, as atenções de Drizzt
dirigiram-se para os padrões de calor do chão de pedra à sua frente. As linhas
acinzentadas tremiam e ondulavam, como se a pedra estivesse, de certa forma, a
ganhar vida.
Os outros guerreiros drow passaram a correr por Drizzt, caindo sobre o líder
dos gnomos. Drizzt não os seguiu, calculando que o que se estava a passar diante
dos seus pés era mais crítico do que a batalha que agora ressoava por todo o
complexo.
Com quatro metros de altura e dois de largura, um monstro enorme e irado
erguia-se agora diante de Drizzt.
— Um Elementar! — ouviu alguém gritar mais ao lado. Drizzt olhou e viu
Masoj, com Guenhwyvar
aparentemente à procura deaoumseufeitiço
lado, para
a folhear um este
combater livromonstro
de encantamentos,
inesperado.
Para espanto de Drizzt, o assustado mago gaguejou umas palavras e
desapareceu.
Drizzt apoiou bem os pés no chão e avaliou o monstro, pronto a saltar para o
lado a qualquer momento. Conseguia sentir o poder daquela coisa, a força bruta
da terra incorporada em braços e pernas vivos.
Um braço grosso como um tronco girou, passando com um assobio por cima
da cabeça de Drizzt e abatendo-se contra a parede da caverna, despedaçando
pedra.
— Não deixes que te acerte — murmurou Drizzt para si próprio, num sussurro
que saiu como um soluço desesperado. Enquanto o Elementar recolhia o braço,
Drizzt espetou-lhe uma cimitarra, arrancando-lhe um pequeno pedaço, mal
fazendo um arranhão. O elementar gritou de dor; aparentemente, Drizzt podia de
facto magoá-lo com as suas armas encantadas.
Ainda de pé no mesmo sítio, mais para o lado, o invisível Masoj estava a
verificar o seu próximo feitiço, observando o espectáculo e à espera de que os
combatentes se enfraquecessem um ao outro. Talvez o Elementar conseguisse
destruir Drizzt completamente. Os ombros invisíveis de Masoj encolheram-se

resignados.
ele. Decidiu deixar que a força dos gnomos fizesse o trabalho sujo por
O monstro lançou um novo golpe, e depois outro, e Drizzt mergulhou para a
frente e rebolou por entre aquelas pernas que mais pareciam pilares de pedra. O
Elementar reagiu rapidamente e bateu pesadamente com os pés, quase acertando
no ágil drow, e provocando rachas enormes no chão, que se prolongavam por
muitos metros em todas as direcções.
Drizzt pôs-se rapidamente de pé, rodopiando e picando com as suas cimitarras
nas costas do Elementar, saltando depois de novo para fora do alcance deste
enquanto o monstro girava, desferindo novos golpes ferozes.
Os sons de batalha estavam cada vez mais distantes. Os gnomos tinham
fugido — os que ainda restavam vivos —, mas os guerreiros drow estavam a
persegui-los, deixando Drizzt sozinho a enfrentar o Elementar.
O monstro voltou a bater com os pés, e o estrondo quase fez Drizzt saltar no
ar; depois, avançou pesadamente, usando as suas toneladas de peso como arma.
Se
ou Drizzt tivesse
se os seus sido apanhado
reflexos de surpresa,
não tivessem mesmo que apenas
sido desenvolvidos quase por
até um segundo,
à perfeição,
teria sido seguramente esmagado. Mas conseguiu saltar para o lado do monstro,
recebendo apenas um golpe de raspão de um braço do Elementar.
Ergueram-se colunas de poeira devido ao impacto terrível; paredes e tectos da
caverna racharam-se deixaram cair lascas e pedras no chão. Enquanto o
Elementar se punha de pé novamente, Drizzt recuou, ultrapassado por uma tão
grande força.
Estava sozinho contra ele, ou assim pensava. Uma súbita bola de fúria quente
envolveu a cabeça do Elementar, com garras a rasgar profundas feridas na sua
cara.
— Guenhwyvar! — gritaram Drizzt e Masoj em uníssono, com Drizzt
entusiasmado por ter encontrado um aliado, e Masoj enraivecido. O mago não
queria que Drizzt sobrevivesse a esta batalha, mas não se atreveria a lançar
nenhum ataque mágico, quer para Drizzt quer para o Elementar, quando a sua
preciosa Guenhwyvar estava no caminho.
— Faz qualquer coisa, mago! — gritou Drizzt, reconhecendo a voz do mago e
percebendo agora que Masoj continuava ali.
O Elementar encolheu-se, dolorido, com o seu rugido a soar como o estrondo

de rochedos
recuava paraa ajudar
rebolaropela encosta
amigo de ouma
felino, montanha
monstro rochosa.
ergueu-se de Enquanto Drizzt
novo, de forma
quase impossivelmente rápida, e mergulhou de cabeça para o chão.
— Não! — gritou Drizzt, percebendo que Guenhwyvar seria esmagada.
Então, a pantera e o Elementar, em vez de embaterem contra a pedra,
mergulharam nela!
As chamas roxas do fogo feérico desenhavam as silhuetas dos gnomos,
mostrando o caminho aos guerreiros drow e às suas espadas. Os gnomos
contrariavam-nos com as suas próprias magias, na maior parte truques de ilusão.
— Por aqui! — gritava um soldado drow, apenas para embater com a cara em
cheio na pedra de uma parede que antes apenas parecia a entrada para outro
corredor.
Muito embora a magia dos gnomos conseguisse manter os elfos negros um
pouco confundidos, Belwar Dissengulp começou a recear. O seu Elementar, a
sua
únicomais forte magia
guerreiro drow, eláúnica
longeesperança,
na câmara estava a demorar
principal. demasiado
O guarda-tocas comterumo
queria
monstro ao lado quando começasse o combate principal. Deu ordens às suas
forças para formarem em posições defensivas sólidas, esperando que se
pudessem aguentar.
Então, os guerreiros drow, não se deixando deter mais pelos truques dos
gnomos, caíram sobre eles, e a fúria sobrepôs-se aos receios de Belwar.
Carregou com o seu pesado machado, sorrindo sombriamente sempre que sentia
a poderosa arma a rasgar carne drow.
Agora, toda a magia estava posta de parte, todas as formações e planos de
batalha cuidadosamente estudados se desfizeram por entre o selvático frenesim
da refrega. Nada importava, a não ser atingir o inimigo, sentir a lâmina de uma
lança ou de uma espada a mergulhar em carne. Acima de todos os outros, os
gnomos das profundezas odiavam os drow, e em todo o Subescuro não havia
nada de que um elfo negro mais gostasse do que de retalhar um svirfnebli em
pedacinhos.
Drizzt correu para o local, mas apenas uma parte do chão permanecia intacta.
— Masoj? — gritou, à espera de alguma resposta daquele que era o mais
treinado em tão estranhas magias.
Antes que o mago pudesse responder, o chão ergueu-se atrás de Drizzt. Saltou,
com as armas prontas para enfrentar o enorme Elementar.
Depois, assistiu, numa agonia impotente, quando a nuvem indistinta que fora a
grande pantera, o seu mais querido companheiro, deslizou pelos ombros do
Elementar e se desfez ao aproximar-se do chão.
Drizzt desviou-se de mais um golpe, embora os seus olhos nunca largassem a
nuvem de neblina e poeira que se começava a dissipar. Teria Guenhwyvar
morrido? Teria o seu único verdadeiro amigo desaparecido para sempre? Uma
nova luz brilhou nos olhos cor de alfazema de Drizzt, uma raiva primordial que
fervilhava no seu corpo. Olhou de novo para o Elementar, sem medo.
— Estás morto — prometeu. E avançou.
O Elementar pareceu confuso, embora, evidentemente, não pudesse
compreender as palavras de Drizzt. Deixou cair um braço pesado na direcção de
Drizzt, para esmagar aquele tolo adversário. Drizzt nem sequer ergueu uma
espada
Quandoem defesa,estava
o braço sabendo que nem
a chegar toda
perto a sua
dele, forçapara
saltou poderia desviar
a frente, tal ao
ainda golpe.
seu
alcance.
A rapidez desse movimento surpreendeu o Elementar, e a fúria de golpes de
cimitarra que se seguiu deixou Masoj boquiaberto. O mago nunca vira tanta
graciosidade em combate, tanta fluidez de movimentos. Drizzt trepava e descia
pelo corpo do Elementar, cortando e picando com as pontas das armas,
arrancando pedaços da pele de pedra do monstro.
O Elementar rugiu como uma avalanche e rodopiou em círculos, tentando
apanhar Drizzt e esmagá-lo de uma vez por todas. A fúria cega concedeu, porém,
novos níveis de perícia ao magnífico jovem guerreiro, e o Elementar nada
apanhou a não ser ar, ou o seu próprio corpo de pedra com os seus pesados
murros.
— Impossível — murmurou Masoj quando conseguiu recuperar o fôlego.
Conseguiria o jovem Do’Urden vencer de facto um Elementar? Masoj vasculhou
o resto da área. Vários drow e muitos gnomos jaziam mortos ou gravemente
feridos, mas o grosso da batalha estava a afastar-se dali, enquanto os pequenos
gnomos fugiam pelos estreitos túneis de fuga que tinham aberto. Os drow,
enraivecidos para além do que mandaria o bom senso, seguiam-nos.

Guenhwyvar
restavam como desaparecera. Nesta
testemunhas. O magosala, apenas sentiu
invisível Masoj,a oboca
Elementar e Drizzt
a desenhar um
sorriso. Este era o momento certo para atacar.
Drizzt pusera o Elementar em desequilíbrio, quase vencido, quando o raio
rugiu na sua direcção, com uma explosão de luz que o cegou e o fez voar contra
a parede mais recuada da sala. Drizzt viu as mãos a tremer, e a dança selvagem
dos seus cabelos brancos diante dos olhos parados. Não sentia nada — nenhuma
dor, nenhuma golfada de ar revivescente a entrar-lhe nos pulmões — e nada
ouvia, como se a sua força de vida tivesse sido, de alguma forma, suspensa.
O ataque desfez o feitiço de invisibilidade de Masoj, e este surgiu de novo à
vista, rindo malevolamente. O Elementar, caído e transformado numa massa
informe e desfeita, deslizou lentamente de volta para a segurança do chão de
pedra.
— Estás morto? — perguntou o mago a Drizzt, com a voz quebrando a surdez
de Drizzt em ondas dramáticas. Drizzt não conseguia responder, e também nem
sequer
de que osabia
magoa resposta. — aDemasiado
se estivesse fácil
referir a ele, — ao
e não ouviu Masoj a dizer, e suspeitou
Elementar.
Depois, Drizzt sentiu um formigueiro nos dedos e nos ossos, e os pulmões
incharam-lhe de repente, engolindo uma massa de ar. Arquejou numa sucessão
rápida de inspirações, e depois recuperou o controlo do corpo e percebeu que
sobreviveria.
Masoj olhou em volta, à cata de testemunhas, e não viu ninguém.
— Ora bem — murmurou enquanto via Drizzt recuperar os sentidos. O mago
estava verdadeiramente satisfeito por a morte de Drizzt não ter sido tão isenta de
dor. Pensou noutro encantamento que tornasse o momento mais divertido.
Uma mão — uma gigantesca mão de pedra — espreitou do chão precisamente
nesse momento e agarrou uma perna de Masoj, puxando-lhe os pés bem para o
meio da pedra.
O rosto do mago contorceu-se num grito silencioso.
O inimigo de Drizzt salvara-lhe a vida. Agarrou numa das cimitarras caídas no
chão e atacou o braço do Elementar. A arma trespassou o braço e o monstro, com
a cabeça a reaparecer entre Drizzt e Masoj; o Elementar rugiu de raiva e puxou o
mago capturado ainda mais para dentro da pedra.
Com ambas as mãos a empunhar a cimitarra, Drizzt atacou com toda a força

que podia, abrindo


escorregou de novoa cabeça
para o do
seuElementar ao meio.
plano terreno; Desta
desta vez,vez, o cascalho fora
o Elementar não
destruído.
— Tira-me daqui! — exigiu Masoj.
Drizzt olhou para ele, mal acreditando que Masoj ainda estivesse vivo, porque
estava mergulhado até à cintura em rocha sólida.
— Como… — gaguejou Drizzt. — Tu… — Nem sequer conseguia encontrar
as palavras para exprimir o espanto que sentia.
— Tira-me daqui — gritava o mago.
Drizzt andava para trás e para a frente, sem saber por onde começar.
— Os Elementares viajam entre planos — explicou Masoj, sabendo que teria
de acalmar Drizzt se alguma vez quisesse sair do chão. Sabia, também, que a
conversa poderia ajudar a desviar as óbvias suspeitas de Drizzt de que o raio de
luz lhe tinha sido dirigido a ele, e não ao Elementar. — O chão que um
Elementar atravessa torna-se um portal entre o Plano Terreno e o nosso plano, o
Plano
mas é Material. A pedra afastou-se
muito desconfortável — fez umà minha
esgar volta
de dorquando
quandoo monstro meapertou
a pedra lhe puxou,
mais um pé. — O portal está a fechar-se rapidamente!
— Então, Guenhwyvar pode estar… — começou Drizzt a raciocinar.
Retirou a estatueta do bolso da frente de Masoj e inspeccionou-a
cuidadosamente, para ver se havia falhas no seu desenho perfeito.
— Dá-me isso! — exigiu Masoj, embaraçado e irado.
Relutantemente, Drizzt devolveu a estatueta. Masoj olhou-a rapidamente e
meteu-a no bolso.
— Guenhwyvar saiu ilesa? — Drizzt tinha de perguntar.
— Isso não te diz respeito — retorquiu Masoj. Também o mago estava
preocupado com a pantera, mas, nesse momento, Guenhwyvar era o último dos
seus problemas. — O portal está a fechar-se — disse de novo. — Vai chamar as
sacerdotisas!
Antes que Drizzt pudesse afastar-se, uma laje de pedra atrás dele deslizou para
o lado e o punho duro como pedra de Belwar Dissengulp abateu-se com força
contra a sua nuca.
— Os gnomos
regressou levaram-no
à caverna. O mago— ergueu
disse Masoj para Dinin
os braços acima quando o líder
da cabeça, paradadar
patrulha
à alta
sacerdotisa e às suas assistentes uma visão melhor da situação precária em que
se encontrava.
— Por onde? — perguntou Dinin. — E porque te deixaram a ti vivo?
Masoj encolheu os ombros.
— Por uma porta secreta — explicou. — Algures na parede atrás de ti.
Suspeito que também me teriam levado a mim, só que… — Masoj olhou para o
chão, que ainda o agarrava firmemente até à cintura. — Os gnomos ter-me-iam
morto, se não tivessem chegado vocês.
— Tens sorte, mago — disse a alta sacerdotisa a Masoj. — Memorizei um
encantamento hoje mesmo que te libertará da pedra.
Sussurrou as instruções às ajudantes e estas pegaram em bexigas de água e em
bolsas de barro e começaram a desenhar um quadrado com três metros de lado
no chão em volta do mago aprisionado. A alta sacerdotisa afastou-se para junto
da parede da sala e preparou as suas preces.
— Alguns escaparam — disse-lhe Dinin.
A alta sacerdotisa percebeu. Murmurou um rápido encantamento de detecção
e estudou a parede.
— Ali mesmo — disse.
Dinin e outro macho correram para o local e depressa detectaram o contorno
quase imperceptível da porta secreta.
Enquanto a alta sacerdotisa começava o seu encantamento, uma das ajudantes
lançou a ponta de uma corda a Masoj.
— Agarra-te — disse a ajudante — e sustém a respiração!
— Espera — começou Masoj a dizer. Mas o chão a toda a sua volta começou
a transformar-se em lama, e o mago deslizou para baixo.
Duas sacerdotisas, rindo, puxaram Masoj dali para fora, um segundo depois.
— Belo encantamento — notou o mago, cuspindo lama.
— Tem as suas aplicações — respondeu a alta sacerdotisa. — Especialmente
quando combatemos contra os gnomos e os seus truques com a pedra. Trouxe-o
como precaução contra elementares terrenos — olhou para pedaços de cascalho
unto dos seus pés, que eram obviamente um olho e o nariz de uma dessas
criaturas. — Vejo que o meu encantamento não foi necessário para isso.

— Esse, destruí-o
A sério? eu —
— disse mentiu
a alta Masoj. nada convencida. Conseguia ver, pelo
sacerdotisa,
corte da pedra, que uma espada tinha feito aquele trabalho. Deixou o assunto cair
quando o ruído de uma pedra a deslizar os fez voltarem-se todos para a parede.
— Um labirinto — resmungou o guerreiro ao lado de Dinin quando espreitou
para o túnel. — Como vamos encontrá-los?
Dinin reflectiu por um momento, e depois dirigiu-se a Masoj.
— Eles têm o meu irmão — disse, com uma ideia a vir-lhe à mente. — Onde
está o teu gato?
— Por aí — disse Masoj, tentando empatar e adivinhando o plano de Dinin,
mas não querendo realmente ver Drizzt resgatado.
— Trá-lo até mim — comandou Dinin. — O felino pode farejar Drizzt.
— Não posso… Quero dizer… — murmurou Masoj.
— Já, mago! — comandou Dinin. — A não ser que queiras que eu conte ao
Conselho Governante que alguns dos gnomos escaparam porque tu te recusaste a
ajudar!
Masoj lançou a estatueta para o chão e chamou Guenhwyvar, sem realmente
saber o que se passaria depois. Teria o Elementar realmente destruí-do
Guenhwyvar? A névoa apareceu, transformando-se ao fim de poucos segundos

no—corpo tangível
Muito bem — dadisse
pantera.
Dinin, apontando para o túnel.
— Vai à procura de Drizzt! — ordenou Masoj à pantera.
Guenhwyvar farejou a área por um momento, e depois avançou pelo pequeno
túnel, com a patrulha drow em perseguição silenciosa.
— Onde… — começou Drizzt quando finalmente iniciou a longa subida desde
as profundezas da inconsciência.
Percebeu que estava sentado, e soube também que tinha as mãos atadas à sua
frente.
Uma mão pequena mas inegavelmente forte agarrou-lhe os cabelos junto à
nuca e puxou-lhe a cabeça para trás bruscamente.
— Calado! — sussurrou-lhe Belwar asperamente; e Drizzt ficou surpreendido
por ver que a criatura falava a sua língua. Belwar largou Drizzt e virou-se, para
se reunir aos restantes svirfnebli.
Pela altura
percebeu que reduzida
este grupodatinha
sala conseguido
e pelos movimentos
fugir. nervosos dos gnomos, Drizzt
Os gnomos começaram uma conversa em voz baixa, na sua própria língua,
que Drizzt não conseguia entender. Um deles fez ao gnomo que mandara Drizzt
ficar calado, e que aparentemente era o líder, uma pergunta acalorada. Outro
manifestou o seu acordo e disse algumas palavras ásperas, virando-se para Drizzt
com um olhar perigoso nos olhos.
O líder deu uma palmada com força nas costas do outro gnomo que o fez
rebolar por uma das duas pequenas portas da sala, e depois pôs os outros em
posições defensivas. Depois, dirigiu-se a Drizzt.
— Vens connosco para Blingdenstone – disse-lhe, com palavras hesitantes.
— E depois? — perguntou Drizzt.
Belwar encolheu os ombros.
— O rei decidirá. Se não me deres problemas, dir-lhe-ei para te deixar partir.
Drizzt riu cinicamente.
— Pois bem — disse Belwar — se o rei disser para te matar, assegurar-me-ei
de que isso seja feito com um único golpe limpo.
Drizzt riu-se outra vez.
— Pensas mesmo que eu acredito nisso? — perguntou. — Tortura-me agora e

diverte-te.
Belwar iaEsses
parasão
lhe os
darteus
umhábitos malévolos!
murro, mas deteve-se, com a mão no ar.
— Os svirfnebli não torturam! — declarou, mais alto do que deveria. —
Quem tortura são os elfos drow! — e virou costas. Mas depois, voltou para trás:
— Um único golpe limpo!
Drizzt descobriu que acreditava na sinceridade da voz do gnomo, e tinha de
aceitar a promessa como demonstração de uma misericórdia muito maior do que
a que o gnomo teria recebido se a patrulha de Dinin o tivesse capturado. Belwar
virou costas para se afastar, mas Drizzt, intrigado, precisava de saber mais sobre
aquela curiosa criatura.
— Como aprendeste a minha língua? — perguntou.
— Os gnomos não são estúpidos — retorquiu Belwar, incerto de aonde
quereria Drizzt chegar.
— Nem os drow — respondeu Drizzt com franqueza —, mas nunca ouvi a
língua dos svirfnebli falada na minha cidade.
— Houve
quase em curiosidade
com tanta tempos um sobre
drow Drizzt
em Blingdenstone — explicou
como a que Drizzt Belwar,
tinha acerca agora
dele.
— Escravo… — calculou Drizzt.
— Convidado! — retorquiu Belwar. — Os svirfnebli não têm escravos!
Mais uma vez, Drizzt descobriu que não podia refutar a sinceridade na voz de
Belwar.
— Como te chamas? — perguntou.
O gnomo riu-se na cara dele.
— Julgas-me estúpido? — perguntou Belwar. — Queres saber o meu nome
para depois poderes usá-lo nalguma magia contra mim!
— Não — protestou Drizzt.
— Deveria matar-te agora mesmo, por me julgares estúpido! — resmungou
Belwar, erguendo ameaçadoramente o pesado machado.
Drizzt remexeu-se desconfortavelmente, sem saber o que o gnomo faria a
seguir.
— A minha oferta mantém-se — disse Belwar, baixando o machado. — Se
não me deres problemas, direi ao rei que te deixe partir — Belwar acreditava
tanto que isso realmente acontecesse como Drizzt, por isso, com um encolher de
ombros impotente, ofereceu a Drizzt a segunda melhor opção: — Ou então, um

único golpe num


Agitação limpo.dos túneis fez Belwar afastar-se.
— Belwar — chamou um dos gnomos, correndo de regresso à pequena sala.
O líder dos gnomos olhou preocupado para Drizzt, para ver se o drow teria
percebido o seu nome.
Drizzt manteve sensatamente a cabeça virada para outro lado, fingindo não
estar a ouvir nada. Tinha, de facto, ouvido o nome do líder dos gnomos, que
tinha demonstrado misericórdia para consigo. Belwar, dissera o outro gnomo.
Belwar, um nome que Drizzt nunca mais esqueceria.
O ruído de luta numa das passagens chamou as atenções de toda a gente nesse
momento, e vários svirfnebli correram apressadamente de regresso à pequena
sala. Drizzt percebeu, pela ansiedade deles, que a patrulha drow não estava
longe.
Belwar começou a gritar ordens, na maior parte para organizar a retirada pelo
outro túnel que saía da sala. Drizzt indagou-se sobre onde se encaixaria ele
próprio nos pensamentos
mais rápido do gnomo.
do que a patrulha Decerto
drow, Belwardenãoarrastar
se tivesse poderiaconsigo
esperar um
ser
prisioneiro.
Então, o líder dos gnomos parou de falar e subitamente ficou muito quieto.
Demasiado subitamente.
As sacerdotisas drow tinham vindo à frente, com os seus feitiços insidiosos e
paralisantes. Belwar e outro gnomo tinham sido logo apanhados por um feitiço, e
os restantes gnomos, percebendo isso, desataram a fugir pela outra passagem.
Os guerreiros drow, com Guenhwyvar à frente, entraram de rompante na
pequena sala. Qualquer alívio que Drizzt poderia ter sentido por ver o seu amigo
felino incólume foi enterrado sob a visão do massacre que se seguiu. Dinin e a
suas tropas atacaram os gnomos desorganizados com a típica selvajaria drow.
Em poucos segundos — segundos terríveis, que a Drizzt pareceram horas —
apenas Belwar e o outro gnomo apanhado pelo feitiço da sacerdotisa restavam
vivos na sala. Vários outros svirfnebli tinham conseguido fugir pelo corredor de
trás, mas a maior parte da patrulha drow já estava a persegui-los.
Masoj foi o último a entrar na sala, parecendo um desgraçado com as suas
vestes todas enlameadas. Ficou à entrada do túnel e nem sequer olhou na
direcção de Drizzt, a não ser para reparar no facto de a sua pantera estar parada

protectoramente
— Mais uma ao vez,lado do Segundo
estiveste à beiraRapaz da Casaa Do’Urden.
de esgotar tua sorte, mas lá arranjaste
mais alguma — disse Dinin para Drizzt, enquanto cortava as cordas que o
prendiam.
Olhando em volta para a carnificina naquela sala, Drizzt não tinha assim tanta
certeza disso.
Dinin entregou-lhe as suas cimitarras, e depois virou-se para o drow que
estava a vigiar os dois gnomos paralisados.
— Acaba com eles — ordenou Dinin.
Um grande sorriso escancarou-se na cara do outro drow, e tirou uma faca
dentada do cinturão. Brandiu-a em frente à cara de um dos gnomos, provocando
a criatura indefesa.
— Conseguem ver? — perguntou à alta sacerdotisa.
— Isso é o mais divertido do encantamento — respondeu a alta sacerdotisa.
— O svirfnebli percebe o que está para lhe acontecer. Neste preciso momento
está
—aPrisioneiros!
tentar libertar-se do que
— disse o prende.
Drizzt.
Dinin e os outros viraram-se para ele, com o drow que empunhava o punhal
fazendo uma careta ao mesmo tempo de desprezo e de desilusão.
— Para a Casa Do’Urden? — perguntou Drizzt a Dinin, esperançado. —
Poderíamos beneficiar de…
— Os svirfnebli não dão bons escravos — respondeu Dinin.
— Pois não — concordou a alta sacerdotisa, pondo-se ao lado do drow que
empunhava a faca. Fez um aceno ao guerreiro e o sorriso deste multiplicou-se
por dez. Atacou com ferocidade. Já só restava Belwar.
O guerreiro mostrou o punhal manchado de sangue e pôs-se em frente ao líder
dos gnomos.
— Esse não! — protestou Drizzt, incapaz de suportar mais. — Deixem-no
viver!
Drizzt queria dizer que Belwar não lhes poderia fazer mal nenhum, e que
matar aquele gnomo indefeso seria um acto de cobardia vil. Mas sabia que apelar
à misericórdia da sua gente seria uma perda de tempo.
A expressão de Dinin era agora mais de ira do que de curiosidade.
— Se o matares, nenhum gnomo restará para regressar à sua cidade e contar

acerca da que
esperança nossa
lheforça — argumentou
restava. — DeveríamosDrizzt, agarrando-se
mandá-lo de volta àpara
única réstia
a sua de
gente,
mandá-lo embora para lhes dizer que são loucos quando se aventuram nos
domínios dos drow!
Dinin olhou para a alta sacerdotisa, em busca de conselho.
— Parece bem pensado — disse ela, com um aceno de cabeça.
Dinin não tinha assim tanta certeza dos motivos do irmão. Sem tirar os olhos
de Drizzt, disse para o guerreiro:
— Então, corta as mãos ao gnomo.
Drizzt nem pestanejou, sabendo que, se o fizesse, Dinin decerto chacinaria
Belwar.
O guerreiro colocou o punhal no cinturão e desembainhou a espada.
— Espera — disse Dinin, ainda a olhar para Drizzt. — Primeiro, libertem-no
do encantamento; quero ouvi-lo gritar.
Vários drow avançaram para encostar as pontas das espadas ao pescoço de
Belwar, enquanto
O guerreiro a alta
drow sacerdotisa
designado o libertava
agarrou a espadadocom
feitiço.
ambasBelwar não eseBelwar,
as mãos, mexeu.o
bravo Belwar, estendeu os braços e manteve-os imóveis à sua frente.
Drizzt desviou o olhar, incapaz de ver aquilo, e esperando, receando, os gritos
do gnomo.
Belwar notou a reacção de Drizzt. Seria compaixão?
O guerreiro drow fez descer a espada. Belwar não desviou os olhos de Drizzt
enquanto a espada lhe cortava os pulsos, acendendo um milhão de fogos de
agonia nos seus braços.
Belwar também não gritou. Não daria a Dinin essa satisfação. O líder dos
gnomos olhou uma última vez para Drizzt, enquanto dois guerreiros drow o
expulsavam da sala, e reconheceu a verdadeira angústia, e o pedido de desculpa,
que havia por detrás da fachada de impassibilidade do jovem drow.
Enquanto Belwar saía, os elfos negros que tinham perseguido os gnomos
fugitivos regressaram pelo outro túnel.
— Não conseguimos apanhá-los nestas passagens demasiado pequenas —
queixou-se um deles.
— Raios! — resmungou Dinin. — Mandar uma vítima sem mãos de volta
para Blingdenstone era uma coisa, deixar membros saudáveis da expedição dos

gnomos fugir era outra


— Guenhwyvar podemuito diferente.——proclamou
apanhá-los Quero-os apanhados!
Masoj. Depois, chamou a
pantera para o seu lado e olhou, ao mesmo tempo, para Drizzt.
O coração de Drizzt batia com força enquanto o mago dava palmadinhas na
grande criatura.
— Vem, meu bichinho — disse Masoj. — Ainda há peças para caçar!
O mago observou Drizzt a estremecer perante aquelas palavras, sabendo que
este não aprovava que Guenhwyvar se envolvesse nessas tácticas.
— Foram-se? — perguntou Drizzt a Dinin, com a voz à beira do desespero.
— Estarão a correr de regresso a Blingdenstone — respondeu Dinin
calmamente. — Se os deixarmos.
— E voltarão aqui?
O seco ar de desprezo de Dinin reflectia o absurdo da pergunta do irmão.
— Tu voltarias?
— A nossa tarefa está, então, terminada — argumentou Drizzt, tentando em
vão—encontrar maneira
O dia é nosso — de obstar aos
concordou ignóbeis
Dinin objectivos
—, mas de perdas
as nossas Masoj também
para a pantera.
foram
grandes. Ainda podemos encontrar algum divertimento, com a ajuda do bicho de
estimação do mago.
— Divertimento — repetiu Masoj, claramente dirigindo-se a Drizzt. — Parte,
Guenhwyvar, vai pelos túneis. Faz-nos saber com que velocidade consegue
correr um gnomo assustado!
Poucos minutos depois, Guenhwyvar regressou à sala, arrastando um gnomo
morto na boca.
— Volta para lá! — comandou Masoj quando Guenhwyvar deixou cair o
corpo aos seus pés. — Traz-me mais!
O coração de Drizzt parou ao ouvir o som do corpo a cair no chão de pedra.
Olhou para os olhos de Guenhwyvar e viu neles uma tristeza tão profunda como
a sua. O felino era um caçador, tão honroso à sua maneira como Drizzt. Para o
malévolo Masoj, porém, era apenas um brinquedo, e nada mais; um instrumento
para os seus perversos prazeres, matando sem outra razão que não fosse a alegria
do seu dono em matar.
Nas mãos de Masoj, Guenhwyvar não passava de um assassino.
Guenhwyvar fez uma pausa à entrada do pequeno túnel e olhou para Drizzt

quase como para


— Volta a pedir
lá!desculpa.
— gritou Masoj, dando um pontapé na pantera. Depois,
também ele assestou o olhar sobre Drizzt; um olhar vingativo. Masoj perdera a
oportunidade de matar o jovem Do’Urden; teria de ser cuidadoso para explicar
esse falhanço à sua impiedosa mãe. Decidiu preocupar-se com esse desagradável
encontro mais tarde. Por agora, pelo menos, tinha a satisfação de ver Drizzt a
sofrer.
Dinin e os outros ignoravam o drama que se desenrolava ali entre Masoj e
Drizzt; estavam demasiado entretidos na sua espera pelo regresso de
Guenhwyvar; demasiado embrenhados nas suas especulações sobre as
expressões de terror que os gnomos teriam ao ver aquele tão perfeito assassino;
demasiado distraídos pelo humor macabro do momento, esse perverso humor
drow que fazia surgir risos quando deviam aparecer lágrimas.
Zaknafein Do’Urden: mentor, professor, amigo. Eu, na cega agonia das
minhas próprias frustrações, mais de uma vez não vi em Zaknafein
nenhuma dessas qualidades. Terei exigido dele mais do que ele podia
dar? Esperaria perfeição numa alma atormentada? Esperaria eu ver
Zaknafein a manter-se fiel a padrões de conduta que estavam para além
das suas experiências, ou a padrões impossíveis à luz dessas
experiências?
Eu poderia ter sido ele. Poderia ter vivido, aprisionado dentro de uma
raiva impotente, enterrado sob o assalto quotidiano da maldade que é
Menzoberranzan e do mal que há por toda a parte na minha própria
família, sem nunca encontrar uma via de fuga na minha vida.
Parece lógico presumir que aprendemos com os erros dos nossos mais
velhos. Isso, creio, foi a minha salvação. Sem o exemplo de Zaknafein,
também eu não teria encontrado via de saída — não em vida.
Será este percurso que escolhi um percurso melhor do que a vida que
Zaknafein levou? Penso que sim, ainda que encontre o desespero vezes
suficientes para, por vezes, desejar a outra via. Teria sido mais fácil. A
verdade, porém, nada é perante a auto-falsidade, e os princípios não têm
valor se o idealista não puder viver à altura dos seus próprios padrões.
Esta é, pois, a melhor via.
Vivo com muitas lamentações, pelo meu povo, por mim próprio, mas
sobretudo pelo mestre de armas, que agora está perdido para mim, e que
me mostrou como — e porquê — se usa uma espada.
Não há dor maior do que esta; nem o golpe de um punhal de lâmina
dentada, nem o fogo de uma exalação de um dragão. Nada queima o
nosso coração como o vazio de perder alguma coisa, ou alguém, antes de
verdadeiramente termos aprendido o seu verdadeiro valor. Muitas vezes
ergo agora a minha taça num brinde fútil, numa desculpa para ouvidos
que já não ouvem:
«A Zak, aquele que inspirou a minha coragem.»
— Drizzt Do’Urden
— Oito drow mortos, um deles uma sacerdotisa — disse Briza à Matrona Malice
na varanda relatos
primeiros da CasadoDo’Urden.
recontro,Briza correra as
deixando de regresso
irmãs naao praça
complexo com de
central os
Menzoberranzan, com os restantes que ali se reuniam à espera de mais
informação. — Mas quase o dobro de gnomos mortos, numa vitória clara.
— E os teus irmãos? — perguntou Malice. — Como se portou a Casa
Do’Urden neste recontro?
— Tal como aconteceu com os elfos da superfície, Dinin abateu cinco —
respondeu Briza. — Dizem que liderou o principal assalto destemidamente, e
que foi quem mais gnomos matou.
A Matrona Malice ficou radiante com essa notícia, embora suspeitando de que
Briza, parada pacientemente com um sorriso matreiro, lhe estava a esconder algo
mais dramático.
— E Drizzt? — perguntou a matrona, sem paciência para os jogos da filha. —
Quantos svirfnebli lhe caíram aos pés?
— Nenhum — respondeu Briza, mantendo o sorriso. — Mas mesmo assim, o
dia foi de Drizzt! — acrescentou rapidamente, vendo o esgar de raiva a surgir no
rosto volátil da mãe. Malice não parecia nada divertida.
— Drizzt derrotou um Elementar de terra — gritou Briza. — Quase sozinho,
com apenas a ajuda menor de um mago! A alta sacerdotisa da patrulha atribuiu-

lheAa Matrona
ele essa morte!
Malice ficou sem fôlego e virou costas. Drizzt sempre fora um
enigma para ela, exímio no manejo das armas, mas faltando-lhe a atitude
correcta e o respeito devido. E agora isto: um Elementar terreno! A própria
Malice vira um desses monstros a dizimar um grupo de patrulha inteiro, matando
uma dúzia de guerreiros experientes antes de se afastar. E no entanto, o filho, o
seu perturbante filho, tinha derrotado um deles sozinho!
— Lolth dar-nos-á o seu favor hoje! — comentou Briza, sem perceber bem a
atitude da mãe.
As palavras de Briza deram uma ideia a Malice.
— Reúne as tuas irmãs — comandou. — Encontrar-nos-emos na capela. Se a
Casa Do’Urden ganhou tão claramente o dia nos túneis, talvez a Rainha Aranha
nos agracie com alguma informação.
— Vierna e Maya esperam as notícias que vão chegando na praça da cidade
— explicou Briza, acreditando, erradamente, que a mãe se estava a referir a
informações
— Quero lásobre
sabera batalha. — Certamente
de uma batalha saberemos
contra gnomos! —tudo dentro Malice.
desdenhou de uma hora.
— Já
me disseste tudo o que é importante para a nossa família; o resto não importa.
Temos de transformar astuciosamente o heroísmo dos teus irmãos em ganhos
para nós.
— Para sabermos dos nossos inimigos! — exclamou Briza quando percebeu a
ideia da mãe.
— Exactamente — respondeu Malice. — Para sabermos qual é a casa que
ameaça a Casa Do’Urden. Se a Rainha Aranha verdadeiramente nos favorecer
hoje, poderá agraciar-nos com a informação de que precisamos para derrotar os
nossos inimigos!
Pouco tempo depois, as quatros altas sacerdotisas da Casa Do’Urden reuniam-
se em volta do ídolo da aranha na antecâmara da capela. À frente delas, numa
taça do mais profundo ónix, ardia o incenso sagrado — doce, mortífero e
favorecido pelas yochlol, as aias de Lolth.
A chama passava por uma variedade de cores, do laranja ao verde, e depois ao
vermelho radioso. Depois, começou a ganhar forma, ouvindo as preces das
quatro sacerdotisas e a urgência na voz da Matrona Malice. O topo da chama,
que já não dançava, suavizou-se e arredondou-se, assumindo a forma de uma

cabeça calva,
consumida pelae imagem
depois esticou-se para
da yochlol, umacima,
pilhacrescendo. A chama desapareceu,
de cera semi-derretida com olhos
grotescamente alongados e uma boca descaída.
— Quem me convocou? — perguntou a pequena figura telepaticamente.
Os pensamentos da yochlol, demasiado poderosos apesar da sua estatura
diminuta, ressoavam dentro das cabeças das drow reunidas.
— Fui eu, aia — respondeu Malice em voz alta, querendo que as filhas
ouvissem. A matrona fez uma vénia com a cabeça. — Sou Malice, leal servidora
da Rainha Aranha.
Numa pequena explosão de fumo, a yochlol desapareceu, deixando atrás de si
apenas cinzas ainda ardentes de incenso na taça de ónix. Pouco depois, a aia
reapareceu, em tamanho completo, por detrás da Matrona Malice. Briza, Vierna
e Maya sustiveram a respiração enquanto o ser colocava dois tentáculos
pegajosos sobre os ombros da mãe.
A Matrona Malice aceitou esses tentáculos sem responder, confiante na sua
causa para convocar
— Explica-me pora que
yochlol.
te atreveste a perturbar-me — disseram os insidiosos
pensamentos da yochlol.
— Para fazer uma simples pergunta — respondeu Malice silenciosamente,
porque não eram precisas palavras para comunicar com uma aia. — Uma
pergunta cuja resposta conheces.
— Essa questão interessa-te assim tanto? — perguntou a yochlol. — Arriscas-
te a consequências pesadas.
— É imperativo que eu saiba a resposta — respondeu a Matrona Malice.
As três filhas observavam, curiosas, ouvindo os pensamentos da yochlol, mas
apenas podendo calcular as respostas não faladas da mãe.
— Se a resposta é tão importante e conhecida das aias, e por isso da Rainha
Aranha, não crês que Lolth já ta teria dado se assim quisesse?
— Talvez, antes deste dia, a Rainha Aranha não me considerasse digna de
saber — respondeu Malice. — Mas as coisas mudaram.
A aia fez uma pausa e rolou os olhos alongados para dentro da cabeça, como
se estivesse a comunicar com algum plano distante.
— Saudações, Matrona Malice Do’Urden — disse a yochlol em voz alta
depois de alguns momentos de tensão. A voz falada da criatura era calma e

desmesuradamente suave, empara


— As minhas saudações contraste com
ti e para a grotesca
a tua senhora,aparência.
Rainha das Aranhas —
respondeu Malice.
Malice lançou um sorriso seco para as filhas e continuou a não se voltar para
enfrentar a criatura atrás dela. Aparentemente, o cálculo de Malice acerca do
favor de Lolth estava correcto.
— Daermon N’a’shezbaernon agradou a Lolth — disse a aia. — Os machos
da tua casa ganharam o dia, até acima das fêmeas que com eles viajaram. Tenho
de aceitar a convocação de Malice Do’Urden.
Os tentáculos deslizaram para longe dos ombros de Malice e a yochlol ficou
rigidamente atrás dela, à espera de ordens.
— Fico feliz por agradar à Rainha Aranha — começou Malice. Procurou a
maneira mais adequada de fazer a sua pergunta. — Convoquei-te, como disse,
para obter a resposta a uma única e simples pergunta.
— Pergunta então — incentivou a yochlol, com um tom de troça que disse a
Malice
— Ae minha
às filhas queestá
casa o monstro já sabia
ameaçada, que pergunta
segundo seria.que correm — disse
os rumores
Malice.
— Rumores? — a yochlol riu com um som malévolo, gutural.
— Confio nas minhas fontes — respondeu Malice, na defensiva. — Não te
teria chamado se não acreditasse nessa ameaça.
— Continua — disse a Yochlol, divertida com tudo aquilo. — São mais do
que rumores, Matrona Malice Do’Urden. Outra casa tem planos de guerra contra
ti.
O imaturo soluço de Maya fez recair olhares desdenhosos das irmãs e da mãe
sobre ela.
— Diz-me que casa é essa — pediu Malice. — Se Daermon N’a’Shezbaernon
agradou verdadeiramente à Rainha Aranha neste dia, então peço a Lolth que
revele quem são os nossos inimigos, para que possamos destruí-los!
— E se essa outra casa também tiver agradado à Rainha Aranha? — divertiu-
se a aia a perguntar. — Pensas que Lolth a trairia, revelando-ta?
— Os nossos inimigos têm todas as vantagens — protestou Malice. —
Conhecem a Casa Do’Urden, e sem dúvida que nos observam todos os dias
enquanto fazem os seus planos. Apenas pedimos a Lolth que nos dê o mesmo

conhecimento
demonstrar quequecasaosé mais
nossos inimigos da
merecedora têm. Revela-nos quem são e deixa-nos
vitória.
— E se os teus inimigos forem mais fortes do que tu? — perguntou a aia. —
Pediria a Matrona Malice Do’Urden de novo a intervenção de Lolth para salvar a
sua desgraçada casa?
— Não! — gritou Malice. — Invocaríamos os poderes que Lolth nos deu para
lutar contra os nossos inimigos. Mesmo que os nossos inimigos sejam mais
fortes, que Lolth tenha a certeza que sofrerão grandes perdas se atacarem a Casa
Do’Urden!
Mais uma vez a aia se recolheu, encontrando a ligação ao seu plano, um lugar
mais escuro do que Menzoberranzan. Malice agarrava firmemente a mão de
Briza, à sua direita, e a de Vierna, à esquerda. Estas, por sua vez, passavam a
confirmação da sua ligação a Maya, que encerrava o círculo.
— A Rainha Aranha está agradada, Matrona Malice Do’Urden — disse por
fim a aia. — Podes confiar em que ela favorecerá a Casa Do’Urden mais do que
os Malice
seus inimigos quando
estremeceu soar oaclamor
perante da batalha…
ambiguidade dessa Talvez.
palavra final, aceitando de
mau grado que Lolth nunca fazia promessas, em momento algum.
— Então e a minha pergunta? — atreveu-se Malice a protestar. — A razão
para te ter convocado?
Surgiu um relâmpago forte que roubou a visão às quatro sacerdotisas. Quando
recuperaram a visão, viram a yochlol, de novo minúscula e a brilhar por entre as
chamas da taça de ónix.
— A Rainha Aranha não dá uma resposta que já é conhecida! — proclamou a
aia, com o puro poder da sua voz do outro mundo a rasgar os ouvidos das drow.
O fogo irrompeu num novo relâmpago cegante e a yochlol desapareceu,
deixando a preciosa taça estilhaçada em dúzias de pedaços.
A Matrona Malice pegou num pedaço da taça quebrada e atirou-o contra a
parede.
— Já conhecida? — gritou, enraivecida. — Conhecida por quem? Quem na
minha família me esconde esse segredo?
— Talvez aquela que o sabe não saiba que sabe — propôs Briza, tentando
acalmar a mãe. — Ou talvez essa informação tenha acabado de ser obtida e ela
ainda não possa transmiti-la……

— Ela?
todas aqui.—Alguma
rugiu Malice. — Defilhas
das minhas que «ela» estás tu a falar,
é suficientemente Briza?para
estúpida Estamos
não
perceber uma tão óbvia ameaça à nossa família?
— Não, Matrona! — gritaram em uníssono Maya e Vierna, aterradas com a
ira crescente de Malice, que começava a ameaçar ficar fora de controlo.
— Nunca vi nenhum sinal disso! — disse Vierna.
— Nem eu! — acrescentou Maya. — Tenho estado ao teu lado todas estas
semanas, e nada mais vi do que tu!
— Estás a querer dizer que me terá escapado alguma coisa? — rosnou Malice,
com os punhos fechados.
— Não, Matrona! — gritou Briza por cima de todo o alarido, suficientemente
alto para fazer parar a mãe por um momento e para desviar a atenção para a filha
mais velha.
— Não será «ela», então — argumentou Briza. — «Ele». Um dos teus filhos
pode ter a resposta, ou talvez Zaknafein, ou Rizzen.
—compreender
para Sim, — concordou Vierna.de—
a importância São apenas
pequenos machos, demasiado estúpidos
pormenores.
— Drizzt e Dinin têm estado fora de casa — acrescentou Briza. — Fora da
cidade. No grupo de patrulha deles há filhos de todas as casas poderosas, de
todas as casas que se poderiam atrever a ameaçar-nos!
O fogo nos olhos de Malice ainda brilhava, mas descontraiu-se com esta ideia.
— Tragam-mos assim que regressarem a Menzoberranzan — instruiu a Maya
e Vierna. — E tu — disse depois para Briza — traz-me Rizzen e Zaknafein.
Toda a família tem de estar presente, para que possamos saber tudo o que
pudermos saber!
— Os primos e soldados também? — perguntou Briza. — Talvez alguém de
fora da família mais próxima tenha a resposta.
— Deveremos trazê-los todos, também? — ofereceu-se Vierna, com a voz
esganiçada pela excitação do momento. — Uma reunião de todo o clã, um
conselho de guerra da Casa Do’Urden?
— Não — respondeu Malice. — Nem soldados, nem primos. Não acredito
que estejam envolvidos nisso; a aia ter-me-ia dito a resposta se ninguém da
minha família directa a soubesse. É minha a vergonha de fazer uma pergunta
cuja resposta já deveria conhecer, cuja resposta alguém dentro do círculo da

minha família
pensamento: — conhece
Não gosto—derangeu os dentes enquanto deixou prosseguir o
ser envergonhada!
Drizzt e Dinin chegaram a casa pouco depois, exaustos e satisfeitos por a
aventura ter terminado. Mal tinham passado o portão e entrado no corredor que
levava aos seus quartos quando deram de caras com Zaknafein, que vinha no
sentido inverso.
— Então, o herói regressa — notou Zak, olhando directamente para Drizzt.
Drizzt não deixou de perceber o sarcasmo na voz dele.
— Cumprimos a nossa missão com sucesso — respondeu Dinin, mais do que
um pouco perturbado por ter sido excluído da saudação de Zak. — Liderei…
— Sei da batalha — garantiu-lhe Zak. — Tem sido contada vezes sem conta
por toda a cidade. E agora deixa-nos, Rapaz Mais Velho. Tenho uns assuntos
pendentes com o teu irmão.
— Saio quando decido sair! — rosnou Dinin.
ZakQuero
— olhou-o intensamente.
falar com Drizzt, e apenas com Drizzt. Por isso, vai-te.
A mão de Dinin dirigiu-se ao punho da espada, o que não era um gesto muito
inteligente. Antes mesmo que a arma deslizasse um centímetro para fora da
bainha, Zak já lhe tinha assestado duas bofetadas com uma mão. A outra mão
tinha entretanto puxado de um punhal cuja ponta ficou imediatamente encostada
à garganta de Dinin.
Drizzt observou tudo isto espantado, certo de que Zak mataria Dinin se a coisa
prosseguisse.
— Sai — disse Zak de novo. — Ou pagas com a vida.
Dinin ergueu as mãos no ar e recuou lentamente.
— A Matrona Malice saberá disto! — avisou.
— Eu próprio lhe direi — riu-se Zak. — Pensas que ela se incomodará por tua
causa, tolo? No que lhe diz respeito, a Matrona Malice considera que são os
machos da família a determinar a sua própria hierarquia. Vai-te, Rapaz Mais
Velho. E regressa apenas quando tiveres encontrado coragem para me desafiar.
— Vem comigo, irmão — disse Dinin a Drizzt.
— Temos assuntos a tratar — relembrou-lhe Zak.
Drizzt olhou para ambos, à vez, espantado pela vontade declarada de ambos

de —
se matarem umdecidiu.
Ficarei — ao outro.— Tenho, de facto, uns assuntos pendentes com o
mestre de armas.
— Como queiras, herói — rosnou Dinin. Depois, girou sobre os calcanhares e
desapareceu dali.
— Fizeste um inimigo — disse Drizzt a Zak.
— Já fiz muitos — riu-se Zak. — E farei muitos mais antes de terminar os
meus dias! Mas deixemos isso. As tuas acções inspiraram inveja no teu irmão.
Tu é que deverias preocupar-te.
— Mas ele odeia-te claramente — argumentou Drizzt.
— Mas nada ganharia com a minha morte — respondeu Zak. — Não sou uma
ameaça para Dinin. Já tu…
Deixou a palavra no ar.
— Porque haveria eu de o ameaçar? — protestou Drizzt. — Dinin nada tem
que eu deseje.
— Tem
sempre foi. poder — explicou Zak. — É agora o Rapaz Mais Velho, mas nem
— Matou Nalfein, o irmão que nunca conheci.
— Sabes disso? — perguntou Zak. — Talvez Dinin suspeite de que outro
Segundo Rapaz siga o mesmo caminho que ele próprio tomou para se tornar o
Rapaz Mais Velho da Casa Do’Urden.
— Basta — resmungou Drizzt, cansado de todo aquele estúpido sistema de
ascensão. «Como sabes tu isso tão bem, Zaknafein», pensou. «Quantos terás
morto para chegar à tua posição?»
— Um Elementar de terra… — disse Zak, assobiando baixinho juntamente
com as palavras. — Poderoso adversário, esse que derrotaste hoje — fez uma
longa vénia, mostrando a Drizzt uma troça evidente. — Que se seguirá para o
ovem herói? Um demónio, se calhar? Um semi-deus? Decerto não haverá nada
que…
— Nunca ouvi tanta palavra disparatada sair da tua boca — retorquiu Drizzt.
Agora era a altura para algum do seu próprio sarcasmo. — Será porque inspirei
inveja em mais alguém para além do meu irmão?
— Inveja? — exclamou Zak. — Vai limpar esse nariz, miúdo ranhoso! Uma
dúzia de Elementares de terra já caíram sob a minha espada! E demónios

também!
guerreiro noNãomeio
sobrestimes os teus
de uma raça feitos, nem
de guerreiros. as tuasisso
Esquecer capacidades. És um
decerto te acabará
por ser fatal — terminou a frase com uma ênfase clara, quase num desafio, e
Drizzt começou a avaliar de novo até que ponto a sessão de «treino» marcada
iria ser real.
— Conheço as minhas capacidades — respondeu Drizzt. — E as minhas
limitações. Aprendi a sobreviver.
— Tal como eu — respondeu Zak. — Por muitos séculos!
— A sala de treino espera-nos — disse Drizzt calmamente.
— A tua mãe espera-nos — corrigiu Zak. — Convocou-nos a todos para a
capela. Mas não receies. Teremos tempo para o nosso encontro.
Drizzt passou por Zak sem mais uma palavra, suspeitando de que as suas
espadas e as de Zak acabariam esta conversa por eles. Que era feito de
Zaknafein, interrogava-se Drizzt. Seria este o mesmo professor que o tinha
treinado todos aqueles anos antes da Academia? Drizzt não conseguia pôr os
sentimentos
viera a saberemsobre
ordem.asEstaria a verdele,
façanhas Zak de
ouforma diferente
haveria devido
algo de às coisas que
verdadeiramente
diferente, algo mais duro, nos modos do mestre de armas, desde que Drizzt
regressara da Academia?
O som de um chicote chamou Drizzt de regresso das suas cogitações.
— Sou o teu patrono! — ouviu Rizzen a dizer.
— Isso não tem qualquer consequência! — replicou uma voz feminina; a voz
de Briza.
Drizzt deslizou até à esquina do cruzamento de corredores seguinte e
espreitou. Briza e Rizzen enfrentavam-se, com Rizzen desarmado, mas Briza a
segurar o seu chicote de cabeças de serpente.
— Patrono! — ria-se Briza. — Título sem significado… És apenas um macho
que empresta a tua semente à matrona, e não tens mais importância do que isso.
— Quatro vezes gerei — disse Rizzen, indignado.
— Três — corrigiu Briza, fazendo estalar o chicote para sublinhar esse ponto.
— Vierna é filha de Zaknafein, não tua! Nalfein está morto, e já só sobram dois.
Desses, um é uma fêmea e está acima de ti. Só Dinin está verdadeiramente
abaixo da tua posição!
Drizzt encolheu-se para trás, contra a parede e olhou para o corredor que

acabara de Opercorrer.
verdadeiro. Sempre
macho nunca suspeitara
lhe prestara de que
qualquer Rizzennunca
atenção, não oera seu pai
admoestara
nem o elogiara, nem lhe dera qualquer conselho ou treino. Ouvir Briza a dizê-lo,
porém… E Rizzen a não negar!
Rizzen remexeu-se enquanto procurava alguma resposta para as palavras
ofensivas de Briza.
— A Matrona Malice sabe dos teus desejos? — rosnou. — Sabe que a filha
mais velha procura roubar-lhe o título?
— Todas as filhas mais velhas procuram o título de matrona mãe — riu-se
Briza na cara dele. — A Matrona Malice seria uma tonta se não suspeitasse
disso. E garanto-te que não o é. Retirar-lhe-ei o título quando estiver demasiado
enfraquecida pela idade. Ela sabe disso e aceita o facto.
— Admites que a matarás?
— Se não for eu, será Vierna. E se não for Vierna, será Maya. São os nossos
costumes, estúpido macho. É a palavra de Lolth.

masA manteve-se
raiva ardia em
dentro de Drizzt
silêncio enquanto ouvia estas malévolas afirmações,
no corredor.
— Briza não esperará pela idade para roubar o poder à mãe — troçou Rizzen.
— Não, se um punhal puder apressar a transferência. Briza está desejosa do
trono da casa!
As palavras seguintes de Rizzen saíram como um grito indecifrável, enquanto
o chicote de seis cabeças de serpente começava a bater-lhe, uma e outra vez.
Drizzt queria intervir, entrar de rompante e abatê-los a ambos, mas,
evidentemente, não o poderia fazer. Briza agia agora como lhe tinha sido
ensinado, seguindo as palavras da Rainha Aranha, para garantir o seu domínio
sobre Rizzen. Mas não o mataria — Drizzt sabia disso.
Mas… e se Briza se deixasse entusiasmar no meio da excitação? E se
realmente o matasse? No vazio que começava agora a crescer-lhe no lugar do
coração, Drizzt interrogou-se se isso realmente lhe importaria.
— Deixaste-o escapar! — rugiu a Matrona SiNafay para o filho. — Aprenderás
a não me desiludir!
— Não, minha matrona! — protestou Masoj. — Acertei-lhe em cheio com um
raio de luz. Nem sequer suspeitou de que o raio era dirigido a ele! Só não pude
terminar o acto porque o monstro me prendeu no portal para o seu próprio plano!
SiNafay mordeu o lábio, forçada a aceitar o argumento do filho. Sabia que
tinha dado a Masoj uma missão difícil. Drizzt era um adversário poderoso, e
matá-lo sem deixar um rasto evidente não seria fácil.
— Hei-de apanhá-lo! — prometeu Masoj, com a determinação espelhada no
rosto. — Tenho a arma pronta; Drizzt estará morto antes do décimo ciclo, como
me mandaste!
— Porque hei-de dar-te outra oportunidade? — perguntou-lhe SiNafay. —
Porque hei-de acreditar que te sairás melhor da próxima vez?
— Porque eu quero vê-lo morto! — gritou Masoj. — Mais até do que tu,
minha matrona. Quero arrancar a vida de Drizzt Do’Urden! Quando estiver
morto, quero arrancar-lhe o coração e exibi-lo como um troféu!
SiNafay não podia negar a obsessão do filho.
— Concedo-te, então — disse. — Apanha-o, Masoj Hun’ett. Pela tua vida,
desfere o primeiro golpe contra a Casa Do’Urden e mata o seu segundo rapaz.
Masoj
para fora.fez uma vénia, com um esgar que não lhe saía do rosto, e deslizou dali
— Ouviste tudo — gesticulou SiNafay quando a porta se fechou atrás do
filho. Sabia que Masoj era bem capaz de ter ficado à escuta atrás da porta, e não
queria que ele soubesse desta conversa.
— Ouvi — respondeu Alton no código silencioso, saindo de detrás de uma
cortina.
— Estás de acordo com a minha decisão? — perguntaram as mãos de
SiNafay.
Alton estava confuso. Não tinha alternativa senão submeter-se às decisões da
sua matrona mãe, mas não pensava que SiNafay tivesse sido sensata em mandar
Masoj de novo atrás de Drizzt. O silêncio de Alton prolongou-se.
— Não aprovas — admitiu secamente a Matrona SiNafay.
— Por favor, Matrona Mãe — respondeu rapidamente Alton. — Não me
atreveria…
— Estás perdoado — garantiu-lhe SiNafay. — Eu própria não estou muito
certa de que devesse ter dado a Masoj uma segunda oportunidade. Demasiadas
coisas podem correr mal.
— Então, porquê? — atreveu-se Alton a perguntar. — A mim não me deste

uma
mais segunda oportunidade, muito embora eu deseje ver Drizzt Do’Urden morto
do que ninguém.
SiNafay lançou-lhe um olhar de troça, repondo-o no lugar.
— Duvidas do meu juízo?
— Não! — gritou Alton, em voz alta. Pôs uma mão sobre a boca e deixou-se
cair de joelhos, aterrorizado. — Nunca, minha matrona — gesticulou em
silêncio. — Apenas não compreendo o problema tão claramente como tu. Perdoa
a minha ignorância.
O riso de SiNafay soou como o silvo de cem serpentes zangadas.
— Vemos este assunto da mesma maneira — assegurou a Alton. — Não daria
a Masoj uma segunda oportunidade, tal como não ta dei a ti.
— Mas… — começou Alton a protestar.
— Masoj irá atrás de Drizzt outra vez. Mas desta vez não irá sozinho —
explicou SiNafay. — Tu irás segui-lo, Alton DeVir. Mantém-no a salvo e
termina o acto, ou pagarás com a vida.
Alton rejubilou
vingança. A ameaçacom
finalesta notícia nem
de SiNafay de que iria poder finalmente saborear a
o preocupou.
— E poderia ser de outra forma? — perguntaram as suas mãos
descontraidamente.
— Pensa! — rugiu Malice, com o rosto muito próximo, e o hálito quente a
inundar o rosto de Drizzt. — Sabes de alguma coisa!
Drizzt encolheu-se, afastando-se da figura ameaçadora e olhou em volta
nervosamente, para a família reunida. Dinin, que tinha sido igualmente
espremido pouco antes, estava de joelhos, com o queixo apoiado nas mãos.
Tentava em vão encontrar alguma resposta antes que a Matrona Malice se
decidisse a aumentar o nível das suas técnicas de interrogatório. Dinin não
deixara de ver os movimentos das mãos de Briza em direcção ao chicote de
cabeças de serpente, e essa visão enervante pouco fizera para lhe avivar a
memória.
Malice deu uma estalada a Drizzt com força, e afastou-se.
— Um de vós ficou a saber a identidade dos nossos inimigos — gritou para os
dois filhos. — Lá fora, em patrulha, um de vocês viu uma pista, um sinal
qualquer!
— Talvez tenhamos visto, mas sem sabermos o que era — propôs Dinin.
— Silêncio! — gritou Malice, com o rosto a brilhar de raiva. — Quando
souberes a resposta à minha pergunta, poderás falar! Mas só então! — Voltou-se
para Briza: — Ajuda Dinin a recuperar a memória!
Dinin deixou cair a cabeça no meio dos braços, enrolou-se no chão à sua
frente e ofereceu as costas para aceitar a tortura. Fazer outra coisa só serviria
para aumentar a ira de Malice.
Drizzt fechou os olhos e reviu os acontecimentos das suas muitas patrulhas.
Remexeu-se involuntariamente quando ouviu o estalar do chicote e o gemido do
irmão.
— Masoj — murmurou Drizzt, quase inconscientemente. Levantou os olhos
para a mãe, que ergueu uma mão para fazer parar Briza, para desgosto desta. —
Masoj Hun’ett — disse Drizzt mais claramente. — Durante o combate contra os
gnomos, tentou matar-me.
Toda a família, e especialmente Malice e Dinin, se chegou para mais perto,
ansiosa por ouvir
— Quando luteicada palavra
contra de Drizzt. — explicou Drizzt, cuspindo a última
o Elementar…
palavra como um insulto para Zaknafein. Depois, lançou um olhar irado para o
mestre de armas e prosseguiu: — Masoj Hun’ett deitou-me abaixo com um raio
de luz.
— Podia estar a tentar acertar no monstro — insistiu Vierna. — Masoj insistiu
sempre que tinha sido ele a matar o Elementar, embora a alta sacerdotisa da
patrulha tenha negado a pretensão dele.
— Masoj esperou — respondeu Drizzt. — Nada fez até eu começar a ter
vantagem sobre o monstro. Depois largou a sua magia, tanto contra mim, como
contra o Elementar. Penso que esperava conseguir destruir-nos aos dois.
— Casa Hun’ett — murmurou a Matrona Malice.
— Quinta Casa — notou Briza. — Sob a Matrona SiNafay.
— Então é esse o nosso inimigo — disse Malice.
— Talvez não — disse Dinin, interrogando-se assim que disse estas palavras
porque não tinha deixado o assunto por ali. Tentar contrariar esta teoria só
convidava a mais chicotadas.
A Matrona Malice não gostou da hesitação de Dinin, enquanto este
reconsiderava o seu argumento.


— Explica-te! — exigiu.
Maosj Hun’ett ficou zangado por ser excluído do raide à superfície —
disse Dinin. — Deixámo-lo na cidade, apenas para testemunhar o nosso regresso
triunfante — Dinin assestou os olhos directamente no irmão. — Masoj sempre
se mostrou invejoso de Drizzt e de todas as glórias que o meu irmão obteve,
merecidas ou não. Muitos invejam Drizzt e gostariam de o ver morto.
Drizzt remexeu-se desconfortavelmente na cadeira, sabendo que estas últimas
palavras eram uma ameaça clara. Olhou de relance para Zak e notou o sorriso
trocista do mestre de armas.
— Tens a certeza do que dizes? — perguntou Malice a Drizzt, sacudindo-o
dos seus pensamentos privados.
— Há o gato — interrompeu Dinin. — O bicho de estimação mágico de
Masoj Hun’ett, que no entanto está sempre mais perto de Drizzt do que dele.
— Guenhwyvar patrulhou ao meu lado — protestou Drizzt —, na posição que
tu mandaste assumir.
— Masojseja
«Talvez nãopor
gosta
issoque assimque
mesmo sejapuseste
— retorquiu Dinin. nessa posição», pensou
Guenhwyvar
Drizzt, mas manteve isso para consigo. Estaria a ver conspirações onde apenas
havia coincidências? Ou estaria este mundo tão cheio de intrigas retorcidas e de
lutas silenciosas por poder?
— Tens a certeza das tuas palavras? — perguntou Malice mais uma vez a
Drizzt, arrancando-o dos seus pensamentos.
— Masoj Hun’ett tentou matar-me — afirmou. — Não sei as razões dele, mas
não duvido da intenção.
— É então a Casa Hun’ett — comentou Briza. — Um inimigo poderoso.
— Temos de saber mais sobre eles — disse Malice. — Mandem batedores!
Quero saber quantos soldados tem a Casa Hun’ett, quantos magos e,
especialmente, quantas sacerdotisas!
— Se estivermos enganados… — disse Dinin. — Se não for a Casa Hun’ett a
conspirar contra nós…
— Não estamos enganados! — gritou-lhe Malice.
— A yochlol disse que um de nós conhece a identidade do nosso inimigo —
argumentou Vierna. — Tudo o que temos é a história de Drizzt com Masoj.
— A não ser que estejas a esconder alguma coisa — rosnou Malice para

Dinin,
do Rapaznuma ameaça
Mais Velho.tão malévola e fria que fez desaparecer o sangue do rosto
Dinin abanou a cabeça enfaticamente e chegou-se para trás, sem nada mais ter
para acrescentar à conversa.
— Preparem uma comunhão — disse Malice para Briza. — Temos de saber
qual a posição da Matrona SiNafay relativamente à Rainha Aranha.
Drizzt observou, incrédulo, enquanto os preparativos começavam a um ritmo
frenético, com cada ordem da Matrona Malice seguindo um rumo defensivo já
bem treinado. Não era a precisão do planeamento de batalha da sua família que
surpreendia Drizzt; não esperava outra coisa daquele grupo. Era o brilho sedento
de sangue em todos os olhos.
— Insolente! — rugiu a yochlol. O fogo do braseiro espevitou e a criatura ficou
atrás de Malice, de novo colocando perigosos tentáculos sobre os seus ombros.
— Como te atreves a convocar-me de novo?
Malice e as filhas olharam em redor, à beira do pânico. Sabiam que a poderosa
criatura não estava a brincar com elas. A aia estava, desta vez, realmente irada
com elas.
— A Casa Do’Urden agradou à Rainha Aranha, é verdade — respondeu a
ochlol aos pensamentos delas —, mas esse acto singular não dissipou o
desagrado que a vossa família causou a Lolth no passado recente. Não penses
que tudo está perdoado, Matrona Malice Do’Urden!
Como se sentia agora pequena e vulnerável a Matrona Malice! O seu poder
empalidecia diante da ira de uma das servas pessoais de Lolth.
— Desagrado? — atreveu-se a murmurar. — como trouxe a minha família
desagrado à Rainha Aranha? Por que gesto?
O riso da aia irrompeu num faiscar de chamas e de aranhas a voar, mas as
altas sacerdotisas mantiveram-se imóveis. Aceitaram o calor e as coisas
rastejantes como parte da sua penitência.
— Já te disse antes, Matrona Malice Do’Urden — troçou a yochlol com a sua
boca caída. — E digo-te uma última vez: a Rainha Aranha não responde a
perguntas cujas respostas já são conhecidas!
Numa
chão, a aiaexplosão de energia que atirou as quatro fêmeas da Casa Do’Urden ao
desapareceu.
Briza foi a primeira a recompor-se. Afastou prudentemente o braseiro e
abafou as brasas que ainda restavam, fechando assim o portal para o Abismo, o
plano da yochlol.
— Quem? — gritou Malice, de novo a poderosa matriarca. — Quem na minha
família suscitou a ira de Lolth?
Malice parecia agora outra vez pequena, enquanto as implicações do aviso da
ochlol se tornavam demasiado claras: a Casa Do’Urden estava prestes a entrar
em guerra com uma família poderosa. Sem o favor de Lolth, a Casa Do’Urden
provavelmente deixaria de existir.
— Temos de encontrar quem foi responsável por isto — instruiu Malice às
filhas, certa de que nenhuma delas estava envolvida.
Todas eram altas sacerdotisas; se alguma delas tivesse feito algo errado aos
olhos da Rainha Aranha, a yochlol convocada teria certamente exercido a
punição imediatamente.
Briza puxou do chicoteSódepor si, a aia
cabeças depoderia ter arrasado a Casa Do’Urden.
serpente.
— Hei-de obter a informação de que precisamos! — prometeu.
— Não! — deteve-a a Matrona Malice. — Não devemos revelar a nossa
busca. Seja um soldado ou um membro da Casa Do’Urden, o culpado estará
treinado e endurecido contra a dor. Não podemos esperar que a tortura lhe
arranque uma confissão; não quando ele sabe as consequências dos seus actos.
Temos de descobrir a causa do desagrado de Lolth imediatamente e de punir o
responsável. A Rainha Aranha tem de estar do nosso lado nas nossas lutas.
— Como vamos então descobrir o culpado? — queixou-se a filha mais velha,
voltando a colocar o chicote no cinturão, com relutância.
— Vierna e Maya, deixem-nos — instruiu a Matrona Malice. — Não digam
nada acerca destas revelações e não façam nada que sugira as nossas intenções.
As duas filhas mais novas fizeram uma vénia e saíram, nada satisfeitas com o
seu papel secundário, mas impotentes para fazer alguma coisa contra isso nesse
momento.
— Primeiro, vamos ver — disse Malice para Briza. — Vamos ver se
conseguimos saber quem é o culpado observando à distância.
Briza compreendeu.

— A encontrou
central taça de vidência — disse.
o valioso Correu
objecto, umadagrande
antecâmara
taça para a capela.
dourada, No altar
cravejada de
pérolas negras. Com as mãos a tremer, Briza colocou a taça em cima do altar e
procurou no mais sagrado dos compartimentos deste. Aquele era o local onde se
guardava uma apreciada jóia da família Do’Urden: um grande cálice de ónix.
Malice juntou-se então a Briza na capela e recebeu dela o cálice. Dirigindo-se
à grande fonte que havia à entrada da grande sala, Malice mergulhou o cálice
num fluido viscoso, que era a água malfazeja da sua religião. Depois, cantou
«Spiderae aught icor ven». Completado o ritual, Malice regressou ao altar e
despejou a água na taça dourada.
Ela e Briza sentaram-se para observar.
Drizzt pôs um pé na sala de treino de Zak pela primeira vez em mais de uma
década, e sentiu-se como se estivesse a regressar a casa. Tinha passado ali os
melhores anos da sua jovem vida — quase sempre ali. Apesar de todas as
desilusões que encontrara desde então — e que sem dúvida continuaria a
experimentar ao longo da vida — Drizzt nunca esqueceria a breve faísca de
inocência, aquela alegria que conhecera quando era apenas um estudante na sala
de treino de Zaknafein.
Zaknafein entrou e dirigiu-se ao seu antigo aluno. Drizzt nada viu de familiar
ou reconfortante no rosto do mestre de armas. Um sorriso de desprezo tomara
agora sempre o lugar do antigo sorriso franco. Era uma pose irada de quem
odiava tudo à sua volta, e talvez Drizzt acima de tudo. Ou seria que Zak sempre
tivera aquele sorriso? Drizzt tinha de se interrogar. Teria a nostalgia embelezado
as suas recordações desses anos de treino? Seria o seu mentor, que tantas vezes
lhe tinha reconfortado o coração com uma gargalhada bem-disposta, na verdade
o frio monstro que agora via à sua frente?
— O que mudou, Zaknafein? — perguntou Drizzt. — Tu, as minhas memórias
ou as minhas percepções?
Zak pareceu nem ouvir a pergunta murmurada.
— Ah, o jovem herói regressou — disse. — O guerreiro das façanhas
superiores à sua idade.
— Porque troças de mim? — protestou Drizzt.
— Aquele que matou horrores de garras — continuou Zak. Agora, tinhas as
espadas nas mãos, e Drizzt respondeu puxando das suas cimitarras. Não havia
necessidade de perguntar quais as regras daquele confronto, ou a escolha das
armas.
Drizzt sabia, já sabia muito antes de ali ter chegado, que desta vez não haveria
regras. Que as armas seriam as suas armas de eleição, as lâminas que ambos
tinham usado para matar tantos inimigos.
— Aquele que matou um Elementar de terra — troçou Zak. Lançou um ataque
cauteloso, um simples golpe com uma espada. Drizzt desviou-a sem sequer
pensar.
Fogos súbitos iluminaram os olhos de Zak, como se esse primeiro contacto
tivesse apagado todos os elos emocionais que até aí tinham refreado o seu
ataque.
— Aquele que matou a criança dos elfos da superfície — gritou, como uma
acusação, e não como um elogio. Então surgiu o segundo ataque, maléfico e
poderoso, um arco descendente sobre a cabeça de Drizzt. — Que a matou para
apaziguar a sua de
As palavras sedeZak
de sangue!
deixaram Drizzt emocionalmente abalado, baixando a
guarda, envolvendo o seu coração em confusão como uma espécie de chicote
mental perverso. Drizzt era, porém, um guerreiro calejado, e os seus reflexos não
registaram a distracção emocional. Uma cimitarra subiu para aparar o golpe
descendente da espada e para a desviar inofensivamente para o lado.
— Assassino! — acusou Zak abertamente. — Tiveste prazer ao ouvir os gritos
da criança?
Avançou para Drizzt num ataque furioso, com as espadas a rodopiar e a atacar
por todos os ângulos.
Drizzt, enraivecido pelas acusações hipócritas, respondeu com igual fúria,
gritando por nenhuma razão em especial a não ser a de ouvir a raiva na sua
própria voz.
Quem estivesse a observar aquele combate não teria fôlego durante os
movimentos que se seguiram. Nunca o Subescuro vira um combate tão feroz
como este agora que dois mestres da espada encenavam, cada um perseguindo o
demónio que possuía o outro — e a si próprio.
A adamantite faiscava, havia gotas de sangue a espirrar de ambos os
contendores, embora nenhum deles sentisse dor, e nenhum soubesse que tinha

ferido o outro.
Drizzt avançou com um ataque de lado com as duas lâminas, obrigando as
espadas de Zak a afastar-se. Zak seguiu o movimento rapidamente, fez um
círculo e ripostou contra as cimitarras de Drizzt com força suficiente para fazer o
ovem guerreiro desequilibrar-se. Drizzt deixou-se cair, rebolou e voltou a
erguer-se para enfrentar o adversário que carregava sobre ele.
Um pensamento tomou conta de Drizzt.
Ergueu-se, ergueu-se bem alto, e Zak fê-lo recuar. Drizzt sabia o que viria a
seguir; provocou-o abertamente. Zak manteve as armas de Drizzt ao alto por
meio de diversas manobras combinadas. Depois, avançou com o movimento que
derrotara Drizzt no passado, pensando que o melhor que Drizzt conseguiria seria
ficar em igualdade, com a defesa em cruz baixa.
Drizzt executou a adequada defesa de cruz em baixa, como tinha de fazer, e
Zak ficou expectante, à espera de que o seu feroz oponente tentasse melhorar o
movimento.

NãoAssassino
sabia quedeDrizzt
crianças! — rugiu,aavançando
já encontrara paraaquele
solução para Drizzt.
ataque.
Com toda a raiva que já conhecera, com todas as desilusões da sua jovem vida
a acumular-se, Drizzt apontou um pé a Zak. Aquele rosto trocista, de sorrisos
fingidos e sedento de sangue.
Drizzt deu um pontapé mesmo entre os olhos de Zak, expelindo nesse
movimento toda a raiva num único golpe.
O nariz de Zak ficou esmagado. Os olhos rebolaram para cima e explodiu-lhe
sangue no rosto. Zak soube que estava a cair, que o demoníaco jovem guerreiro
cairia sobre ele num relâmpago, conquistando uma vantagem a que não se
conseguiria opor.
— Então e tu, Zaknafein Do’Urden? — ouviu Drizzt a troçar, à distância,
como se estivesse a cair para longe. — Ouvi contar as tuas façanhas como
mestre de armas da Casa Do’Urden! Como Zaknafein gosta de matar!
A voz estava agora mais perto, enquanto Drizzt o cercava, e enquanto a fúria
de Zak o chamava de regresso à batalha.
— Ouvi contar sobre como o assassinato surge tão facilmente a Zaknafein! —
acusava Drizzt com desprezo. — O assassinato de sacerdotisas, de outros drow!
Gostas assim tanto disso tudo?

Terminou
a matar Zak, aa matar
pergunta com umque
o demónio golpe de cada
existia cimitarra, em ataques destinados
em ambos.
Mas Zaknafein estava agora de novo plenamente consciente, odiando-se tanto
a si mesmo como a Drizzt. No último momento, as suas espadas subiram e
cruzaram-se, rápidas como um relâmpago, fazendo os braços de Drizzt abrir-se
amplamente. Depois, Zak terminou o movimento com um pontapé, não tão forte
devido à posição agachada em que estava, mas certeiro na direcção das virilhas
de Drizzt.
Drizzt ficou sem fôlego e cambaleou para trás, forçando-se a retomar a
compostura quando viu Zaknafein, ainda estonteado, a tentar pôr-se de pé.
— Gostas assim tanto disso tudo? — conseguiu perguntar outra vez.
— Gostar? — ecoou o mestre de armas.
— Dá-te algum prazer? — perguntou Drizzt com uma careta.
— Satisfação! — corrigiu Zak. — Mato! Sim, mato!
— Ensinas outros a matar!

as — A matar
armas drow!
ao alto, mas— rugiu Zak,
à espera e estavamovimento
do próximo de novo perto
dele.da cara de Drizzt, com
As palavras de Zak deixaram Drizzt de novo numa nuvem de confusão. Quem
era este drow que tinha à sua frente?
— Pensas que a tua mãe me deixaria viver se eu não servisse os seus
maléficos intentos? — gritou Zak.
Drizzt não compreendia.
— Odeia-me — disse Zak, mais controlado à medida que começava a
perceber a confusão de Drizzt. — Despreza-me por aquilo que sei.
Drizzt inclinou a cabeça para um lado.
— Serás assim tão cego para a maldade que te rodeia? — gritou-lhe Zak na
cara. — Ou já te consumiu, como consome todos eles, neste frenesim assassino a
que chamamos vida?
— Esse frenesim que te agarrou a ti também! — retorquiu Drizzt, mas agora
havia já pouca convicção na sua voz. Se estava a compreender as palavras de
Zak correctamente, se Zak apenas entrava no jogo assassino por causa do seu
ódio pelos perversos drow, o máximo de que poderia acusá-lo seria de cobardia.
— Não me prende nenhum frenesim — respondeu Zak. — Vivo o melhor que
posso. Sobrevivo num mundo que não é meu, não é do meu coração — o

lamento naquelas
impotência, pareceupalavras,
familiar ao Drizzt.
descair—da cabeçaMato
Mato… enquanto
os drow,admitia a suaa
para servir
Matrona Malice. Para aplacar a raiva, a frustração que conheço na minha alma.
Quando ouço as crianças a gritar… — o olhar intenso de Zak pousou de novo
em Drizzt, e de repente atacou com uma fúria redobrada.
Drizzt tentou erguer as cimitarras, mas Zak fez uma delas saltar-lhe da mão e
voar pela sala. Correu acompanhando Drizzt enquanto este recuava, e deixou-o
encostado a uma parede. A ponta da espada de Zak fez surgir uma gota de
sangue no pescoço de Drizzt.
— A criança está viva! — disse Drizzt quase sem fôlego. — Juro, não matei a
criança elfo!
Zak descontraiu um pouco, mas continuou a segurar Drizzt firmemente, com a
espada junto à garganta.
— Mas Dinin disse…
— Dinin foi enganado — respondeu Drizzt. — Enganado por mim. Fiz a
criança
esconderdeitar-se, para a cobardia!
a minha própria poupar, e cobri-a com o sangue da mãe morta, para
Zak deu um salto para trás, espantado.
— Não matei nenhum elfo, nesse dia — disse Drizzt. — E os únicos que
desejei matar foram os meus companheiros!
— Agora sabemos, então! — disse Briza, olhando fixamente para a taça, vendo a
conclusão da batalha entre Drizzt e Zaknafein e ouvindo cada palavra que
diziam. — Foi Drizzt quem desagradou à Rainha Aranha.
— Suspeitaste dele desde sempre, tal como eu — respondeu a Matrona Malice
—, embora ambas tivéssemos esperanças opostas.
— Prometia tanto! — lamentou Briza. — Como eu gostava que aquele tivesse
aprendido o seu lugar, os seus valores. Talvez…
— Piedade? — replicou a Matrona Malice. — Mostras piedade, que ainda
enfureceria mais a Rainha Aranha?
— Não, Matrona — respondeu Briza. — Apenas tive esperança de que Drizzt
pudesse vir a ser usado no futuro, como tu usaste Zaknafein durante todos estes
anos. Zaknafein está a ficar velho.
— Estamos prestes a ter uma guerra, minha filha — lembrou-lhe Malice. —
Lolth tem de ser apaziguada. O teu irmão fez cair este destino sobre ele próprio;
os gestos dele foram decisão sua.
— E decidiu erradamente.
As palavras atingiram Zaknafein com mais força do que a bota de Drizzt o fizera
antes. O mestre de armas atirou as espadas para o outro lado da sala e correu
para Drizzt. Enterrou-o num abraço tão intenso que o jovem drow precisou de
um longo momento para perceber o que se estava a passar.
— Sobreviveste! — disse Zak, com a voz embargada pelas lágrimas. —
Sobreviveste à Academia, onde todos os outros morreram! — Drizzt devolveu o
abraço, hesitante, ainda sem perceber bem a profundidade da alegria de Zak. —
Meu filho!
Drizzt quase desmaiou, esmagado pela admissão daquilo que sempre
suspeitara, e mais ainda pelo conhecimento de que não era o único naquele
mundo escuro zangado com os usos dos drow. Não estava só.
— Porquê? — perguntou Drizzt, afastando um pouco Zak. — Porque ficaste?
ZakPara
— olhouonde
parahaveria
ele comeuincredulidade.
de ir? Ninguém, nem mesmo um mestre de armas
drow, sobreviveria por muito tempo nas cavernas do Subescuro. Demasiados
monstros, e outras raças, têm sede do sangue doce dos elfos negros.
— Mas certamente terias outras opções.
— A superfície? — respondeu Zak. — Para enfrentar aquele doloroso inferno
todos os dias? Não, meu filho. Estou preso, tal como tu estás preso aqui.
Drizzt já temia essa afirmação. Já receara não encontrar nenhuma solução da
parte do seu pai recém-encontrado para o dilema que era a sua vida. Talvez não
houvesse respostas.
— Dar-te-ás bem em Menzoberranzan — disse Zak, para o reconfortar. — És
forte e a Matrona Malice encontrará um local adequado para os teus talentos,
seja o que for que o teu coração deseje.
— Para viver uma vida de assassinatos, como tu viveste? — perguntou Drizzt,
tentando futilmente manter a raiva fora das suas palavras.
— Que escolhas temos diante de nós? — perguntou Zak, com os olhos em
busca da pedra do chão.
— Não matarei drow — declarou Drizzt simplesmente.
Os olhos de Zak voltaram a fixar-se nele.

— Matarás — garantiu ao filho. — Em Menzoberranzan, ou matas ou és


morto.
Drizzt desviou o olhar, mas as palavras de Zak seguiram-no e não podiam ser
apagadas.
— Não há outra forma — prosseguiu o mestre de armas calmamente. — O
nosso mundo é assim. A nossa vida é assim. Conseguiste escapar-lhe até aqui,
mas depressa descobrirás que a tua sorte mudará — agarrou o queixo de Drizzt
com firmeza e forçou o filho a olhá-lo directamente.
— Quem me dera que fosse de outra maneira — disse Zak honestamente —,
mas nem sequer é uma vida assim tão má. Não me arrependo de ter morto elfos
negros. Vejo as mortes deles como uma salvação desta existência malvada. Se
têm tanta fé na sua Rainha Aranha, então que vão visitá-la!
O sorriso cada vez mais aberto de Zak desapareceu subitamente.
— Excepto no que toca às crianças — murmurou. — Muitas vezes ouvi os
gritos de crianças a morrer, embora nunca, juro-te, tenha causado esses gritos.
Sempre
peso do me interroguei
nosso mundo se também
negro que elas serãoaté
as torce más,
quese se
já nascem más.aos
acostumem Ou nossos
se é o
negros costumes.
— Os costumes da demoníaca Lolth — concordou Drizzt.
Fizeram ambos uma pausa, cada um sopesando as realidades do seu próprio
dilema. Zak foi quem falou a seguir, tendo-se havia muito conformado com a
vida que lhe fora dada.
— Lolth… — riu-se. — Essa é uma rainha malévola. Sacrificaria tudo de boa
vontade para poder ficar cara a cara com ela!
— Quase acredito que serias capaz disso — murmurou Drizzt, encontrando
um sorriso.
Zak afastou-se.
— Seria mesmo — e riu-se com gosto. — E tu também!
Drizzt atirou uma cimitarra ao ar, deixando-a rodopiar duas vezes antes de a
agarrar e embainhar.
— É bem verdade! — gritou. — Mas já não estaria sozinho!
Drizzt vagueava sozinho pelo labirinto de Menzoberranzan, passando pelos
aglomerados de estalagmites, sob as pontas aguçadas das grandes lanças de
pedra que pendiam do alto tecto da caverna. A Matrona Malice tinha dado
ordens claras a toda a família para permanecer dentro de casa, receando uma
tentativa de assassinato por parte da Casa Hun’ett. Demasiado acontecera já a
Drizzt nesse dia para que fosse capaz de obedecer. Tinha de pensar, e ceder a
esses pensamentos blasfemos, mesmo em silêncio, numa casa cheia de
sacerdotisas nervosas, poderia metê-lo em sarilhos complicados.
Esta era a hora mais calma da cidade; a luz de Narbondel já era apenas uma
pequena faixa na base do pilar, e a maioria dos drow dormia confortavelmente
dentro das suas casas de pedra. Pouco depois de se ter escapulido pelo portão de
adamantite da Casa Do’Urden, Drizzt começara a compreender a sabedoria da
ordem de Malice. O sossego da cidade parecia-lhe agora o sussurro de um
predador pronto a atacar. Estava pronto a saltar sobre ele, vindo de trás, de cada
uma das esquinas que dobrava no seu percurso.
Não encontraria aqui abrigo onde pudesse verdadeiramente reflectir sobre os
acontecimentos desse dia, as revelações de Zaknafein, sua família em mais do
que apenas sangue. Drizzt decidiu quebrar todas as regras — esse era o costume
dos drow, afinal de contas — e sair da cidade, pelos túneis que tão bem conhecia
das suas semanas de patrulha.
Uma horasuficientemente
sentindo-se mais tarde, ainda estava
seguro, poisa estava
caminhar, perdidodos
bem dentro emlimites
pensamentos
da regiãoe
das patrulhas.
Entrou num corredor alto, com dez passos de largura e paredes irregulares,
cheio de cascalho e atravessado por muitas arcadas. Dava ideia de que aquela
passagem teria sido em tempos muito mais larga. O tecto perdia-se de vista, mas
Drizzt já por ali atravessara bastantes vezes, muitas delas passando pelas
arcadas, e não pensou mais sobre o local.
Encarou o futuro, os tempos que ele e Zaknafein, seu pai, partilhariam, agora
que não tinham mais segredos a separá-los. Juntos, seriam imbatíveis, uma
equipa de mestres de armas, ligados pelo metal e pelas emoções. Compreenderia
bem a Casa Hun’ett aquilo que ia enfrentar? O sorriso desapareceu da cara de
Drizzt assim que considerou o que isso implicava: ele e Zak, juntos, a cortar a
direito por entre as fileiras da Casa Hun’ett com uma facilidade mortífera,
dizimando fileiras de elfos drow. A matar a sua própria gente.
Drizzt encostou-se
frustração que consumiraà oparede, compreendendo
pai durante séculos. Nãoagora
queriaem primeira
ser como mão a
Zaknafein,
vivendo apenas para matar, numa esfera protectora de violência; mas que outras
escolhas tinha à sua frente? Sair da cidade?
Zak recuara quando Drizzt lhe perguntara porque não tinha saído da cidade.
«Para onde iria?», murmurava agora Drizzt, fazendo eco das palavras de Zak.
O pai afirmara que estavam ali presos, e assim parecia de facto a Drizzt.
— Para onde iria eu? — voltou a perguntar. — Viajar pelo Subescuro, onde a
nossa gente é tão odiada, e onde um único drow seria um alvo, por onde quer
que passasse? Ou talvez para a superfície, deixando que a bola de fogo queime
os meus olhos para que não possa ver a minha própria morte quando os elfos
descerem sobre mim?
A lógica deste pensamento deixava Drizzt encurralado, tal como deixara Zak.
Para onde poderia ir um elfo drow? Em parte alguma dos Reinos um elfo negro
seria aceite.
Seria, pois, matar a única opção? Matar outros drow?
Drizzt deslizou pela parede, com o seu movimento físico um acto
inconsciente, porque a sua mente rodopiava pelo labirinto do futuro que o
esperava. Demorou um momento a perceber que tinha as costas contra alguma

coisa que não


Tentou erapara
saltar pedra.
a frente, agora alerta para o facto de tudo em seu redor não
ser como devia. Quando tentou avançar, os pés levantaram-se do chão e ficou de
novo na posição srcinal. Freneticamente, e antes de ter tempo para avaliar a
situação complicada em que estava, Drizzt deitou ambas as mãos à nuca.
Também elas ficaram presas à corda translúcida que o sustinha. Então
percebeu a sua insensatez, e nem todos os puxões do mundo conseguiriam soltar-
lhe as mãos da linha do pescador do Subescuro, um caçador das cavernas.
— Louco! — troçou de si mesmo enquanto se sentia a ser puxado do chão.
Deveria ter suspeitado disto, deveria ter sido mais cuidadoso ao andar sozinho
pelas cavernas. Mas, ainda por cima, usara as mãos nuas! Olhou para baixo, para
os punhos das cimitarras, agora inúteis.
O pescador das cavernas puxava-o pela longa parede para as suas mandíbulas
expectantes.
Masoj sorriu prazenteiramente para si próprio enquanto via Drizzt partir da
cidade. O tempo começava a escassear e a Matrona SiNafay não ficaria contente
se falhasse de novo na sua missão de destruir o Segundo Rapaz da Casa
Do’Urden. Agora, a paciência de Masoj tinha aparentemente dado frutos, porque
Drizzt saíra sozinho, e saíra da cidade! Não haveria testemunhas. Parecia
demasiado fácil, até.
Ansiosamente, o mago tirou do bolso a estatueta e deixou-a cair no chão.
— Guenhwyvar! — chamou tão alto quanto se atreveu, olhando em volta para
a casa de estalagmites mais próxima, em busca de sinais de actividade.
O fumo negro surgiu e transformou-se pouco depois na pantera mágica de
Masoj. Masoj esfregou as mãos, considerando-se a si mesmo magnífico por ter
concebido um fim tão perverso e irónico para os heroísmos de Drizzt Do’Urden.
— Tenho um serviço para ti — disse ao felino. — Um serviço de que não
gostarás!
Guenhwyvar deitou-se descontraidamente e bocejou, como se as palavras do
mago não fossem novidade nenhuma.
— O teu companheiro ponta de lança saiu em patrulha — explicou Masoj
enquanto apontava para o túnel. — Sozinho… É demasiado perigoso.
Guenhwyvar voltou a levantar-se, subitamente muito interessada.
— Drizzt não deveria andar por ali sozinho — prosseguiu Masoj. — Poderia
ser morto…
As inflexões maldosas das palavras de Masoj disseram à pantera as suas
verdadeiras intenções antes mesmo de ele as declarar.
— Vai ter com ele, meu bichinho de estimação — ronronou Masoj. —
Encontra-o lá fora na escuridão e mata-o!
Estudou a reacção de Guenhwyvar, avaliando o horror que entregara ao felino.
Guenhwyvar ficou rígida, tão imóvel como a estatueta que a convocara.
— Vai! — mandou Masoj. — Não podes resistir às ordens do teu senhor! Sou
o teu amo, seu animal irracional! Pareces esquecer isso demasiado vezes!
Guenhwyvar resistiu por um longo momento, o que era, em si mesmo, um
gesto heróico, mas as exortações do mago, o incessante poder das ordens do seu
amo, sobrepuseram-se a quaisquer sentimentos instintivos que a pantera pudesse
ter.
Com uma relutância inicial, mas depois levada pelos desejos primordiais da
caçada, Guenhwyvar
guardavam saiu a correr
o túnel, e facilmente poro odor
detectou entrede as estátuas encantadas que
Drizzt.
Alton DeVir recostou-se atrás da maior estalagmite, desapontado com as tácticas
de Masoj. Masoj deixaria que fosse o felino a fazer o trabalho por ele; Alton não
poderia sequer testemunhar a morte de Drizzt Do’Urden!
Passou os dedos pela poderosa varinha que a Matrona SiNafay lhe oferecera
antes de sair atrás de Masoj, nessa noite. Parecia que aquele objecto não iria
desempenhar nenhum papel no destino de Drizzt.
Alton consolou-se com o objecto, sabendo que teria muitas oportunidades
para lhe dar o devido uso, contra o que restasse da Casa Do’Urden.
Drizzt debateu-se durante a primeira metade da subida, pontapeando e
sacudindo-se, tentando enfiar os ombros debaixo de todas as fendas por onde
passava, num esforço inútil por deter o puxar do pescador das cavernas. Sabia
desde o início, porém, e contra os instintos de guerreiro que se recusavam a
render-se, que não tinha qualquer hipótese de parar aquela subida incessante.
A meio caminho, com um ombro ensanguentado, o outro magoado, e com o
chão a quase seis metros abaixo dele, Drizzt resignou-se ao seu destino. Se
conseguisse encontrar alguma hipótese contra o monstro, semelhante a um
caranguejo, que o esperava no fim da linha, seria no último momento da subida.
Por agora, a única coisa que podia fazer era esperar.
Talvez a morte não fosse uma alternativa assim tão má à vida que teria entre
os drow, encurralado na trama daquela sociedade negra. Até Zaknafein, tão forte
e poderoso e com a sabedoria da idade, nunca conseguira reconciliar-se com a
sua vida em Menzoberranzan; que hipóteses teria Drizzt de o conseguir?
Depois de ter deixado passar o seu pequeno momento de auto-comiseração, e
quando o ângulo de subida mudou, mostrando-lhe a beira do degrau final, o
espírito de lutador que havia em Drizzt tomou de novo o comando. O pescador
das cavernas poderia vencê-lo, decidiu então, mas antes disso haveria de levar
com uma bota nos olhos!
Conseguia ouvir o barulho das oito pernas do monstro a bater no chão,
ansiosamente. Drizzt já tinha visto um pescador das cavernas, mas esse fugira
antes que ele e a sua patrulha conseguissem apanhá-lo. Imaginara-o nessa altura,
tal como fazia agora, em combate. Duas das pernas terminavam em pinças
terríveis
Drizztque esmagavam
virou-se as presas
para ficar antespara
de frente de as enviar para
a parede, as mandíbulas.
querendo ver aquela coisa
assim que subisse até ao degrau. O barulho das pernas a bater no chão tornou-se
mais intenso, ecoando em uníssono com o bater apressado do seu coração.
Chegou ao degrau.
Espreitou para cima, apenas a uns trinta centímetros da longa probóscide do
monstro, com a mandíbula apenas uns centímetros mais atrás. As pinças
estenderam-se para o agarrar antes que pudesse pôr-se de pé; não teria hipótese
de pontapear aquela coisa. Fechou os olhos, esperando mais uma vez que a
morte fosse preferível à vida em Menzoberranzan.
Um rugido familiar acordou-o dos seus pensamentos.
Deslizando pelo labirinto de arcadas, Guenhwyvar apareceu diante do
pescador das cavernas e de Drizzt, antes de este ter chegado ao fim do degrau.
Este seria um momento de salvação ou de morte para o felino, tão certamente
como para Drizzt. Guenhwyvar viera até ali sob ordem directa de Masoj, sem
qualquer consideração pelo seu dever e agindo apenas de acordo com os seus
instintos, seguindo a magia que a compelia. Guenhwyvar não podia ir contra
esse édito, essa premissa da sua própria existência… até agora.
A cena diante da pantera, com Drizzt a apenas segundos da morte, deu a

Guenhwyvar uma força


criador da estatueta que Esse
mágica. lhe era desconhecida,
instante e que
de terror deu não fora prevista
a Guenhwyvar pelo
uma vida
que ia para além dos limites da magia.
Quando Drizzt abriu os olhos, a batalha estava no auge. Guenhwyvar saltara
para cima do pescador das cavernas, mas quase lhe passara por cima, porque as
seis pernas que restavam ao monstro estavam presas à pedra pela mesma massa
viscosa que mantinha Drizzt preso ao longo fio. Destemido, o felino arranhava e
mordia, numa bola de fúria à procura de uma abertura na carapaça defensiva do
pescador.
O monstro retaliava com as pinças, lançando-as por cima das costas com uma
agilidade surpreendente e conseguindo encontrar uma das pernas dianteiras de
Guenhwyvar.
Drizzt já não estava a ser puxado; o monstro tinha outros assuntos a tratar.
As pinças cortavam a carne macia de Guenhwyvar, mas o sangue do felino
não era o único fluido escuro a manchar o fundo da caverna. Poderosas garras de
felino dela.
baixo rasgaram uma osecção
Enquanto sanguedadocarapaça,
pescador edasgrandes dentes
cavernas mergulharam
espirrava por
para a pedra,
as suas pernas começaram a escorregar.
Vendo a massa viscosa sob as pernas semelhantes a patas de caranguejo a
dissolver-se enquanto o sangue do monstro se lhe misturava, Drizzt percebeu o
que aconteceria se um fio desse sangue escorresse pelo filamento que o prendia,
vindo na sua direcção. Teria de agir depressa, se chegasse essa oportunidade;
teria de estar pronto para ajudar Guenhwyvar.
O pescador tombou para um lado, fazendo Guenhwyvar rolar para longe e
levando Drizzt a sacudir-se, embatendo na parede.
Mas o sangue continuava a escorrer pela linha, e Drizzt sentiu o filamento a
perder capacidade para o agarrar, enquanto o líquido entrava em contacto com
ele.
Guenhwyvar estava de novo de pé, enfrentando o pescador, à procura de um
ponto de ataque por entre as pinças que o esperavam.
Drizzt ficou com uma mão livre. Puxou de uma cimitarra e carregou em
frente, mergulhando a ponta da espada num flanco do monstro. O pescador
saltou, com o estremeção e o fluxo contínuo de sangue a libertar Drizzt
completamente do filamento. O drow era suficientemente ágil para encontrar um

ponto de apoiodeantes
A diversão de cair
Drizzt para
levara longe, mas
o monstro a cimitarra
a abrir caiu por
as defesas no chão da caverna.e
um momento,
Guenhwyvar não hesitou. O felino carregou sobre o inimigo, com os dentes
encontrando o mesmo pedaço de carne a descoberto onde já antes se tinham
cravado. Perfuraram mais fundo, por debaixo da pele, esmagando órgãos,
enquanto as garras mantinham as pinças afastadas.
Quando Drizzt subiu de novo até ao mesmo nível do combate, o pescador das
cavernas estremecia com o estertor da morte. Drizzt levantou-se e foi pôr-se ao
lado do amigo.
Guenhwyvar recuou a cada passo de Drizzt, com as orelhas baixas e
mostrando os dentes.
Inicialmente, Drizzt pensou que a dor de alguma ferida estivesse a cegar o
felino, mas um exame rápido pôs de parte essa ideia. Guenhwyvar só tinha um
ferimento, e não era grave. Drizzt já a vira com feridas piores.
Guenhwyvar continuava a recuar, e a rosnar, enquanto o incessante martelar
da ordem dedebatia-se
A pantera Masoj, regressada após o instante
contra a pressão, tentavadever
terror, lhecomo
Drizzt ecoavaaliado,
no coração.
e não
como presa, mas toda aquela pressão…
— Que se passa, minha amiga? — perguntou Drizzt suavemente, resistindo à
tentação de puxar pela cimitarra que lhe restava para se defender. Ajoelhou-se.
— Não me reconheces? Tantas vezes combatemos juntos!
Guenhwyvar baixou-se e flectiu as pernas traseiras, preparando-se, como
Drizzt bem sabia, para saltar. Mesmo assim, Drizzt não puxou da espada, e nada
fez para ameaçar o felino. Tinha de confiar em que Guenhwyvar seria fiel à ideia
que tinha, de que a pantera era tudo aquilo em que sempre acreditara. O que
poderia estar agora a guiar aquelas reacções estranhas? O que levara
Guenhwyvar a ir até ali, àquela hora tardia?
Drizzt encontrou as respostas quando recordou os avisos da Matrona Malice
sobre as saídas da Casa Do’Urden.
— Masoj enviou-te para me matares! — disse secamente. O tom da sua voz
confundiu o felino, que se descontraiu um pouco, ainda não preparado para
saltar. — Mas tu salvaste-me, Guenhwyvar. Resististe a essa ordem.
O rugido de Guenhwyvar protestou.
— Poderias ter deixado que o pescador das cavernas tivesse feito esse trabalho

por
me ati vida!
— respondeu Drizzt
Luta contra —ordem,
essa mas nãoGuenhwyvar!
o fizeste! Carregaste
Lembra-tecontra ele ecomo
de mim salvaste-
teu
amigo, como melhor companheiro do que Masoj Hun’ett alguma vez poderá ser!
Guenhwyvar recuou mais um passo, apanhada numa encruzilhada que ainda
não conseguiria resolver. Drizzt observou as orelhas do felino a subir e soube
que estava a vencer a competição.
— Masoj reivindica a tua posse — prosseguiu, confiante em que o felino, por
meio de alguma forma de inteligência que não podia conhecer, compreendia o
significado das suas palavras. — Eu reivindico-me teu amigo. Sou teu amigo,
Guenhwyvar, e não lutarei contra ti.
Avançou, de braços abertos inofensivamente, com a cara e o peito
completamente expostos.
— Mesmo que isso me custe a vida!
Guenhwyvar não atacou. As emoções apoderavam-se do felino com mais
força do que qualquer encantamento mágico; as mesmas emoções que tinham
levado Guenhwyvar
garras do pescador dasa cavernas.
entrar em acção quando vira Drizzt prestes a cair nas
Guenhwyvar deu um passo atrás e depois saltou, indo de encontro a Drizzt e
deitando-o abaixo com uma sucessão de pancadas e mordidelas brincalhonas.
Os dois amigos tinham vencido mais uma vez; tinham vencido os inimigos
desse dia.
Quando Drizzt fez uma pausa nas saudações para avaliar tudo o que
acontecera, contudo, compreendeu que uma das vitórias ainda não estava
completa. Guenhwyvar estava agora no seu próprio espírito, mas continuava
presa por outro, que não merecia a pantera, que a escravizara numa vida que
Drizzt já não podia aceitar.
Nenhuma da confusão que seguira Drizzt Do’Urden nessa noite até fora de
Menzoberranzan restava agora. Pela primeira vez na sua vida, via o caminho que
tinha de seguir, o caminho para a liberdade.
Recordou-se dos avisos de Zaknafein, e das mesmas alternativas impossíveis
que este contemplara, sem qualquer solução.
Para onde poderia, de facto, ir um elfo drow?
— É pior ficar encurralado numa mentira — murmurou distraidamente.
A pantera pôs a cabeça de lado, sentindo de novo que as palavras de Drizzt

estavam carregadas
que se tornou de importância.
subitamente sombrio. Drizzt devolveu o olhar curioso com outro
— Leva-me ao teu amo — pediu. — Ao teu falso amo.
Zaknafein afundou-se na cama e caiu num sono fácil; era o descanso mais
confortável que jamais conhecera. Os sonhos vieram-lhe nessa noite, um
corrupio de sonhos. Mas, longe de tumultuosos, apenas lhe davam mais
conforto. Zak estava agora livre do seu segredo, da mentira que tinha dominado
cada dia da sua vida adulta.
Drizzt sobrevivera! Nem a tão temida Academia de Menzoberranzan
conseguira vergar o espírito indómito do jovem e o seu sentido de moralidade.
Zaknafein Do’Urden já não estaria sozinho. Os sonhos que lhe povoavam a
mente mostravam-lhe as mesmas radiantes possibilidades que tinham seguido
com Drizzt para fora da cidade.
Lado a lado se ergueriam, invencíveis, dois como se fossem um, contra as
perversas fundações de Menzoberranzan.
Uma dor acutilante num pé fez Zak despertar do sono. Viu imediatamente
Briza, aos pés da cama, com o chicote de cabeças de serpente na mão.
Instintivamente, procurou a espada.
A arma não estava lá. Vierna estava do outro lado do quarto, segurando-a. Do
outro lado, Maya pegava na outra espada.
Como tinham elas entrado tão dissimuladamente? — interrogou-se Zak.
Silêncio mágico, sem dúvida; mas mesmo assim estava surpreendido por não ter
sentido a presença delas a tempo. Nunca nada o tinha apanhado desprevenido —

acordado ou adormecido.
Nunca até então tinha dormido tão profundamente, tão pacificamente. Talvez,
em Menzoberranzan, esses sonhos agradáveis fossem perigosos.
— A Matrona Malice quer ver-te — anunciou Briza.
— Não estou devidamente vestido — respondeu Zak descontraidamente. — O
meu cinturão e as minhas armas, se fazem favor.
— Não fazemos favores! — retorquiu Briza, mais para as irmãs do que para
Zak. — Não precisarás das tuas armas.
Zak pensava de outra forma.
— Vem daí — ordenou Briza, enquanto levantava o chicote.
— Se fosse a ti, assegurava-me bem das intenções da Matrona Malice antes de
agir tão ousadamente — avisou Zak.
Briza, lembrando-se da força do macho que agora estava a ameaçar, baixou o
chicote. Zak saiu da cama, assestando o mesmo olhar intenso alternadamente em
Maya e em Vierna, observando as reacções delas para melhor avaliar quais
seriam as intenções
Rodearam-no de Malice
quando ao do
saíram chamá-lo.
quarto, mantendo uma distância cautelosa,
mas de alerta, em relação ao letal mestre de armas.
— Deve ser coisa séria — notou Zak para consigo, de forma a que Briza, que
ia à frente, não pudesse ouvir. Briza virou-se e fez-lhe um sorriso malévolo que
nada fez para dissipar as suspeitas dele.
Nem a Matrona Malice o fez, inclinada para a frente no seu trono, expectante,
enquanto entravam na sala.
— Matrona — saudou Zak, com uma vénia e puxando uma parte da camisa de
dormir, para mostrar que não estava adequadamente vestido. Queria que Malice
percebesse os seus sentimentos em relação ao facto de ser ridicularizado a uma
hora tão tardia.
A matrona não respondeu à saudação. Recostou-se no trono e com uma mão
magra coçou o queixo pontiagudo, enquanto os olhos se fixavam em Zak.
— Talvez me pudesses dizer por que razão me chamaste — atreveu-se Zak a
dizer, com a voz ainda marcada por uma ponta de sarcasmo. — Preferia
regressar ao meu sono. Não deveríamos dar à Casa Hun’ett o benefício de um
mestre de armas cansado.
— Drizzt foi-se — rosnou Malice. Essa notícia assentou em Zak como uma

bofetada. Endireitou-se
casa sem ordem minha — e oprosseguiu
sorriso trocista desapareceu-lhe do rosto. — Saiu de
Malice.
Zak descontraiu-se visivelmente; quando Malice anunciara que Drizzt «se
fora», pensara em primeiro lugar que ela e as suas perversas consortes o
tivessem expulsado ou morto.
— É um rapaz com personalidade — notou Zak. — Decerto regressará em
breve.
— Personalidade… — repetiu Malice, com um tom que não dava a essa
descrição nenhuma aura positiva.
— Ele regressa — disse Zak de novo. — Não é preciso alarmarmo-nos, nem
há necessidade de medidas tão extremas.
Olhou intensamente para Briza, embora soubesse bem que a Matrona Mãe o
tinha chamado por algo mais do que simplesmente para lhe contar que Drizzt
tinha saído de casa.
— O Segundo Rapaz desobedeceu à Matrona Mãe — disse Briza numa
interrupção ensaiada. — disse Zak outra vez, tentando não se rir. — É apenas
— Tem personalidade
uma falta menor.
— E quão repetidamente ele parece tê-las… — comentou Malice. — Tal
como outro macho cheio de personalidade da Casa Do’Urden.
Zak fez uma nova vénia, assumindo as palavras de Malice como um elogio.
Malice já tinha o castigo dele decidido, se era que pretendia de facto castigá-lo.
Os seus gestos, neste julgamento — porque era disso que se tratava — seriam
irrelevantes.
— O rapaz desagradou à Rainha Aranha! — rugiu Malice, abertamente irada e
cansada do sarcasmo de Zak. — Nem mesmo tu foste tolo o suficiente para fazer
uma coisa dessas!
Uma nuvem negra passou pelo rosto de Zak. Esta reunião era, de facto, grave;
a vida de Drizzt podia estar em jogo.
— Mas tu já sabes desse crime — prosseguiu Malice, descontraindo-se de
novo. Gostava de ver Zak preocupado e na defensiva. Encontrara-lhe o ponto
mais vulnerável. Era a sua vez de brincar.
— Sair da casa? — protestou Zak. — Um pequeno erro de avaliação. Lolth
não se preocuparia com um assunto tão trivial.


ZakNão finjas
ficou semignorância, Zaknafein.
fôlego. Malice Sabesmil
sabia! Com bem queLolth
raios, a criança elfo vive!
sabia!
— Estamos prestes a entrar em guerra — prosseguiu Malice calmamente. —
E não estamos nas boas graças de Lolth. Temos de corrigir essa situação —
olhou directamente nos olhos de Zak. — Conheces os nossos costumes e sabes
que temos de fazer isto.
Zak acenou em sinal de concordância com a cabeça, encurralado. Alguma
coisa que pudesse fazer agora para mostrar discordância só seria pior para Drizzt
— se era que as coisas ainda podiam ficar piores para Drizzt.
— O Segundo Rapaz tem de ser punido — disse Briza.
Mais uma interrupção ensaiada, como Zak bem sabia. Interrogou-se quantas
vezes teriam Briza e Malice praticado para este encontro.
— Devo então puni-lo? — perguntou Zak. — Não chicotearei o rapaz; isso
não me compete.
— O castigo dele não é da tua alçada — disse Malice.
— Então,
alheado dos porque me perturbaram
problemas o sono?
de Drizzt, mais para—bem
perguntou Zak, do
de Drizzt tentando parecer
que para seu
próprio bem.
— Pensei que gostarias de saber — respondeu Malice. — Tu e Drizzt
tornaram-se tão chegados hoje, na sala de treino. Pai e filho.
Ela tinha visto! — percebeu Zak. Malice, e provavelmente aquela malvada
Briza, tinham assistido a todo o encontro! A cabeça de Zak pendeu quando
percebeu que tinha involuntariamente desempenhado um papel importante na
situação perigosa de Drizzt.
— Uma criança elfo vive — recomeçou Malice lentamente, despejando cada
palavra com uma clareza dramática. — E um jovem elfo tem de morrer por isso.
— Não! — a palavra escapou-se de Zak antes que percebesse que a tinha dito.
Tentou encontrar uma via de fuga. — Drizzt era jovem, não compreendia…
— Sabia exactamente o que estava a fazer! — gritou Malice. — E não se
arrepende das suas acções! É tão parecido contigo, Zaknafein! Demasiado
parecido contigo!
— Então, pode aprender — argumentou Zak. — Não tenho sido um fardo para
ti, Mali… Matrona Malice. Ganhaste sempre com a minha presença. Drizzt não
é menos hábil do que eu; pode ser-nos valioso!

me—agrada.
Perigoso para nós — corrigiu Malice. — Tu e ele juntos? Essa ideia não
— A morte dele só ajudará a Casa Hun’ett — avisou Zak, agarrando-se a tudo
o que podia para contrariar as intenções da matrona.
— A Rainha Aranha exige a morte dele — respondeu Malice com severidade.
— E deve ser aplacada, se Daermon N’a’shezbaernon quiser ter alguma
esperança contra a Casa Hun’ett.
— Imploro-te, não mates o rapaz.
— Simpatia? — troçou Malice. — Isso não se adequa a um guerreiro drow,
Zaknafein. Perdeste a tua vontade de lutar?
— Estou velho, Malice.
— Matrona Malice! — protestou Briza, mas Zak lançou-lhe um olhar tão
gelado que a sacerdotisa baixou o chicote antes mesmo de começar a usá-lo.
— E mais velho ficarei se Drizzt for morto.
— Também não desejo isto — concordou Malice. Mas Zak reconheceu a
mentira.
favor da Malice
Rainha não queria
Aranha. —saber de Drizzt,
Mas não nem de nada,
vejo alternativa. a não
Drizzt ser conquistar
irritou Lolth, e temo
de ser aplacada antes da nossa guerra.
Zak começava a compreender. Esta reunião nada tinha a ver com Drizzt.
— Oferece-me em sacrifício no lugar dele — disse.
O sorriso estreito de Malice não conseguiu esconder a surpresa fingida. Isto
era o que desejara desde o início.
— És um guerreiro com provas dadas — argumentou a matrona. — O teu
valor, como tu próprio já admitiste, não pode ser subestimado. Sacrificar-te à
Rainha Aranha aplacá-la-ia, mas que vazio ficaria na Casa Do’Urden, depois de
morreres?
— Um vazio que Drizzt poderá preencher — respondeu Zak. Esperava
secretamente que Drizzt, ao contrário dele, conseguisse encontrar uma maneira
de fugir a tudo aquilo, alguma maneira de escapar às maquinações de Malice.
— Tens a certeza disso?
— É meu igual em combate — garantiu-lhe Zak. — E ficará mais forte
também, para além do que Zaknafein alguma vez conseguiu.
— Estás disposto a fazer isso por ele? — desdenhou Malice, quase a babar-se
de antecipação.


— Sabes
Semprebem que simtonto
o mesmo — respondeu Zak.
— concluiu Malice.
— Para teu desagrado — prosseguiu Zak, inalterado. — Sabes que ele faria o
mesmo por mim.
— É jovem — disse suavemente Malice. — Será ensinado a portar-se melhor
do que isso.
— Como tu me ensinaste a mim? — disparou Zak.
O sorriso vitorioso de Malice tornou-se uma careta.
— Aviso-te, Zaknafein — rugiu no auge da sua raiva —, se fizeres alguma
coisa para perturbar a cerimónia para aplacar a Rainha Aranha… Se, no fim da
tua vida, decidires irritar-me uma última vez, entregarei Drizzt a Briza. Ela e os
seus brinquedos torturadores tratarão de o entregar a Lolth!
Sem medo, Zak manteve a cabeça erguida.
— Ofereci-me, Malice — quase cuspiu para ela. — Diverte-te com isso
enquanto podes. No fim de tudo, Zaknafein estará em paz; a Matrona Malice
Do’Urden estará sempre
Estremecendo emcom
de fúria, guerra!
o seu momento de triunfo roubado por essas
simples palavras, Malice só conseguiu sussurrar:
— Levem-no!
Zak não ofereceu resistência quando Vierna e Maya o amarraram ao altar em
forma de aranha da capela. Observava sobretudo Vierna, vendo uma ponta de
simpatia saltitar nos seus olhos calmos. Também ela poderia ter sido como ele,
mas quaisquer esperanças que tivesse tido nessa possibilidade tinham ficado
soterradas havia muito sob as pregações intermináveis da Rainha Aranha.
— Estás triste — notou Zak para Vierna.
Vierna endireitou-se e puxou com força uma das cordas que o prendiam,
obrigando-o a fazer uma careta de dor.
— É uma pena — respondeu Vierna tão friamente como pôde. — A Casa
Do’Urden tem de entregar muito para pagar pelo erro estúpido de Drizzt. Teria
gostado de vos ver juntos em combate.
— A Casa Hun’ett não teria apreciado essa visão — respondeu Zak com uma
piscadela de olho. — Não chores, minha filha.
Vierna deu-lhe uma bofetada.
— Leva as tuas mentiras para o túmulo!

— Podes
trabalho negar o que quiseres, Vierna — foi tudo o que Zak se deu ao
de responder.
Vierna e Maya afastaram-se do altar. Vierna esforçava-se por disfarçar o seu
descontentamento e Maya mordia um dedo, divertida, enquanto Malice e Briza
entravam na sala. A matrona mãe vestia a sua túnica cerimonial mais importante,
preta e parecendo uma teia, esvoaçando à sua volta. Briza trazia um cofre
sagrado.
Zak não prestou atenção enquanto iniciavam o ritual, com cânticos de louvor à
Rainha Aranha, oferecendo as suas esperanças de aplacá-la. Zak tinha, nesse
momento, as suas próprias esperanças.
— Vence-os a todos — murmurou. — Faz mais do que apenas sobreviver,
meu filho, como eu sobrevivi. Vive! Sê verdadeiro para o chamamento do teu
coração.
Os braseiros ganharam vida com um rugido; a sala brilhou. Zak sentiu o calor,
soube que o contacto com o plano mais escuro tinha sido estabelecido.
— Recebe
palavras isto…
da cabeça — ouviu asa preces
e continuou Matrona Malice
finais da suaa vida.
cantar; mas expulsou as
O punhal em forma de aranha ergueu-se acima do peito de Zak. Malice
segurava o instrumento com as suas mãos esguias, com o brilho da pele
transpirada a ganhar o reflexo laranja dos fogos, num fulgor irreal.
Irreal, como a transição da vida para a morte.
Quanto tempo teria passado? Uma hora? Duas? Masoj andava para trás e para
diante
metros pela extensão
da entrada entre
para os dois
o túnel por aglomerados
onde Drizzt, ededepois
estalagmites, apenastinham
Guenhwyvar, a uns
entrado.
— O felino já deveria ter regressado, por esta altura — resmungou o mago, à
beira da impaciência.
O alívio inundou-lhe o rosto pouco depois, quando a grande cabeça negra de
Guenhwyvar espreitou a saída do túnel, por detrás de uma das grandes estátuas
guardiãs. A pelagem em volta das mandíbulas do grande felino estavam
claramente húmidas de sangue fresco.
— Está feito? — perguntou Masoj, quase incapaz de conter um grito de
satisfação. — Drizzt Do’Urden está morto?
— Nem por isso — foi a resposta. Drizzt, apesar de todo o seu idealismo, teve
de se permitir a uma gota de prazer enquanto uma nuvem de horror apagava os
fogos de excitação da cara do sinistro mago.
— Que vem a ser isto, Guenhwyvar? — perguntou Masoj. — Faz o que te
mando! Mata-o já!
Guenhwyvar ficou a olhar inexpressivamente para Masoj, e depois deitou-se
aos pés de Drizzt.
— Admites que tentaste matar-me, então? — perguntou Drizzt.

Masoj
lançar ummediu a distância
feitiço. até ao jáadversário:
Talvez. Masoj vira comotrês metros.
Drizzt Poderiacom
se movia, ser rapidez
capaz dee
certeza, e tinha pouca vontade de tentar o ataque, se conseguisse encontrar outra
forma de escapar à situação. Drizzt ainda não desembainhara uma espada,
embora as mãos do jovem guerreiro repousassem descontraidamente sobre os
punhos das cimitarras embainhadas.
— Compreendo — disse Drizzt calmamente. — A casa Hun’ett e a Casa
Do’Urden estão prestes a entrar em guerra.
— Como sabes disso? — disparou Masoj, sem pensar, demasiado chocado por
esta revelação para pensar que Drizzt poderia ter simplesmente dito aquilo para o
levar a uma admissão.
— Sei de muito, mas importo-me com pouco — respondeu Drizzt. — A Casa
Hun’ett deseja fazer a guerra contra a minha família. Por que razão, não faço
ideia.
— Para vingança da Casa DeVir! — foi a resposta que veio de outra direcção.
Alton, de pé espraiou-se
Um sorriso ao lado de umnoaglomerado de estalagmites,
rosto de Masoj. Os ventosolhava
tinhampara Drizzt.tão
mudado
rapidamente!
— A Casa Hun’ett não quer saber da Casa DeVir para nada — respondeu
Drizzt, sem perder a compostura perante este novo desenvolvimento. — Já
aprendi o suficiente sobre os usos do nosso povo para saber que o destino de
uma casa não preocupa nenhuma outra.
— Mas preocupa-me a mim! — gritou Alton, lançando para trás o capuz da
capa e revelando a cara hedionda, marcada pelo ácido em troca de um disfarce.
— Sou Alton DeVir, único sobrevivente da Casa DeVir! A Casa Do’Urden
morrerá pelos seus crimes contra a minha família, a começar por ti!
— Nem sequer era nascido quando essa batalha teve lugar — protestou
Drizzt.
— Isso não importa nada! — riu-se Alton. — És um Do’Urden, um porco
Do’Urden! Isso é tudo o que importa.
Masoj atirou a estatueta de ónix para o chão.
— Guenhwyvar! — ordenou. — Vai-te!
O felino olhou por cima da espádua para Drizzt, que lhe fez sinal de
aprovação.

— Vai-te! — gritou de novo Masoj. — Sou o teu amo! Não podes


desobedecer-me!
— Não és dono deste felino — disse Drizzt calmamente.
— Quem é, então? — perguntou Masoj, irritado. — Tu?
— Guenhwyvar — respondeu Drizzt. — Só Guenhwyvar. Esperava que um
mago tivesse uma melhor compreensão da magia que o rodeia.
Com um rugido surdo que poderia passar por uma gargalhada trocista,
Guenhwyvar saltou da pedra até à estatueta e dissipou-se nela, desaparecendo.
O felino desceu o percurso do túnel planar, em direcção ao seu lar no Plano
Astral. Antes, Guenhwyvar sempre estivera ansiosa por fazer esta viagem, para
escapar aos malévolos comandos dos seus amos drow. Desta vez, porém, o
felino hesitava a cada passo, olhando para trás, para o ponto de escuridão que era
Menzoberranzan.
— Negociarás? — propôs Drizzt.
— Não estás em posição de negociar — riu-se Alton, puxando da varinha que
a Matrona SiNafay lhe tinha dado.
Masoj interrompeu-o:
— Espera — disse. — Talvez Drizzt mostre ser valioso na nossa luta contra a
Casa Do’Urden — olhou directamente para o jovem guerreiro. — Trairias a tua
família?
— Não creio — desdenhou Drizzt. — Como já te disse, pouco me importa o
conflito que se avizinha. Por mim, que a Casa Hun’ett e a Casa Do’Urden se
danem ambas. O que certamente acontecerá! Mas as minhas preocupações são
pessoais.
— Deves ter algo para nos oferecer em troca — explicou Masoj. — Caso
contrário, que negociação esperas poder fazer?
— Tenho de facto algo para vos dar em troca — respondeu Drizzt, com a voz
muito calma. — As vossas vidas.
Masoj e Alton olharam um para o outro e começaram a rir muito alto, embora
houvesse um rasto de nervosismo nas gargalhadas.
— Dá-me a estatueta, Masoj — prosseguiu Drizzt, imperturbável. —
Guenhwyvar nunca te pertenceu e não te servirá mais.
Masoj deixou de rir.
— Em troca — prosseguiu Drizzt, antes que o mago pudesse responder —,

sairei
— Osda Casa Do’Urden
cadáveres e não—
não lutam participarei no combate.
troçou Alton.
— E levarei outro Do’Urden comigo — retorquiu-lhe Drizzt. — Um mestre
de armas. Decerto a Casa Hun’ett ganhará um boa vantagem se tanto Drizzt
como Zaknafein…
— Silêncio! — gritou Masoj. — O gato é meu! Não preciso de regatear com
um desgraçado Do’Urden! Estás morto, tonto, e o mestre de armas da Casa
Do’Urden seguir-te-á em breve para o túmulo!
— Guenhwyvar é livre — rugiu Drizzt.
As cimitarras surgiram-lhe nas mãos. Nunca tinha lutado contra um mago, e
muito menos contra dois, mas lembrava-se vivamente, de encontros no passado,
de como os seus feitiços mordiam. Masoj já tinha começado a entoar um
encantamento, mas mais preocupante era Alton, que estava mais fora de alcance
e a apontar a varinha.
Antes que Drizzt se decidisse por um curso de acção, o assunto foi resolvido.
Uma nuvem de
interrompido fumo
pelo engoliu Masoj e este caiu para trás, com o encantamento
choque.
Guenhwyvar estava de volta.
Alton estava fora do alcance de Drizzt; não podia esperar chegar perto do
mago antes que este disparasse alguma coisa com a varinha, mas para os
músculos tensos de Guenhwyvar essa distância não era assim tão grande. As
pernas traseiras apoiaram-se solidamente e depois soltaram-se como molas,
lançando a pantera predadora no ar.
Alton apontou a varinha a tempo para o seu novo atacante e libertou um
poderoso raio, chamuscando o peito de Guenhwyvar. Mas seria precisa mais
força do que a de apenas um raio para deter a feroz pantera. Espantada, mas
ainda a lutar, Guenhwyvar embateu contra o mago sem rosto, fazendo-o cair para
trás do aglomerado de estalagmites.
O relâmpago da varinha também deixou Drizzt estonteado, mas continuou a
perseguir Masoj e só podia esperar que Guenhwyvar tivesse sobrevivido. Correu
unto à base do outro aglomerado de estalagmites e ficou cara a cara com Masoj,
mais uma vez ocupado a conjurar um encantamento. Drizzt não abrandou;
baixou a cabeça e arremeteu contra o seu oponente, com as cimitarras a abrir
caminho.

Deslizou através
Drizzt caiu do adversário
pesadamente — através
na pedra da imagem
e rebolou de Masoj!
para o lado, tentando escapar ao
ataque de magia que sabia que aí viria.
Desta vez, Masoj, uns seis metros mais atrás do local onde estava a sua
imagem, não estava disposto a correr o risco de falhar o alvo. Lançou uma
saraivada de mísseis mágicos de energia que voaram certeiros para interceptar o
guerreiro que se esgueirava. Embateram em Drizzt, fazendo-o saltar e ferindo-o
por baixo da pele.
Mas Drizzt conseguiu sacudir a dor entorpecente e recuperar o equilíbrio.
Agora sabia onde estava o verdadeiro Masoj, e não tinha nenhuma intenção de o
perder de vista.
Com um punhal na mão, Masoj viu a aproximação dele. Drizzt não
compreendia: por que razão não estava o mago a preparar outro feitiço? A queda
tinha reaberto a ferida de Drizzt no ombro, e os raios mágicos tinham-lhe feito
um golpe no flanco e numa perna. As feridas, porém, não eram graves, e Masoj
não
frentetinha
dele,qualquer hipótesedeem
despreocupado, combate
punhal físico
na mão contra
e um ele.malévolo
sorriso O feiticeiro ficou à
no rosto.
De cara para baixo na pedra fria, Alton sentiu o calor do seu próprio sangue a
correr livremente pelos orifícios derretidos que eram os seus olhos. O felino
estava mais acima no aglomerado, ainda não totalmente recuperado do raio de
luz.
Alton forçou-se a levantar e ergueu a varinha para um segundo ataque… Mas
a varinha estava partida ao meio!
Freneticamente, recuperou a outra parte e segurou-a diante dos olhos,
incrédulo. Guenhwyvar estava de novo a caminho, mas Alton nem reparou.
As pontas brilhantes da varinha, uma força qualquer que crescia dentro dela,
fascinavam-no.
— Não podes fazer isso! — protestava Alton, murmurando.
Guenhwyvar saltou precisamente no momento em que a varinha explodiu.
Uma bola de fogo rugiu na noite de Menzoberranzan, e pedaços de rocha
saíram disparados contra as paredes e o tecto da caverna. Drizzt e Masoj foram
deitados ao chão.
— Agora, Guenhwyvar não pertence a ninguém — troçou Masoj, atirando a
estatueta para o chão.

— Drizzt
rugiu E nenhum DeVir resta
em resposta, compara clamar
a raiva vingança
a fazer recuar ocontra a Casa Do’Urden —
desespero.
Masoj tornou-se o foco dessa raiva, e o seu riso trocista conduziu Drizzt até
ele numa corrida furiosa. Assim que Drizzt ficou ao seu alcance, Masoj estalou
os dedos e desapareceu.
— Invisível — rugiu Drizzt, cortando o ar inutilmente à sua frente. Os
esforços inúteis fizeram abrandar a fúria cega e percebeu que Masoj já não
estava à sua frente. Como devia estar a parecer um idiota para Masoj! Que
vulnerável!
Agachou-se para escutar. Apercebeu-se de um cântico distante, vindo de cima,
da parede da caverna.
Os instintos de Drizzt disseram-lhe para saltar para o lado, mas o seu novo
entendimento dos magos disse-lhe que Masoj teria previsto esse movimento.
Fingiu ir para a esquerda e ouviu as palavras em crescendo do encantamento.
Enquanto o raio de luz se abatia com estrondo e inofensivamente ao seu lado,
Drizzt
mago. correu em frente, esperando que a visão regressasse a tempo de apanhar o
— Raios te partam! — gritou Masoj, percebendo o engano assim que
disparara, errando o alvo. A raiva deu imediatamente lugar ao terror, assim que
viu Drizzt correndo pela pedra, saltando por cima do cascalho e ziguezagueando
por entre as estalagmites, com a graça de um felino à caça.
Masoj revolveu os bolsos à procura dos componentes do próximo feitiço.
Tinha de ser rápido. Estava a seis metros do chão da caverna, empoleirado numa
estreita saliência, mas Drizzt estava a avançar depressa, muito depressa!
O chão abaixo dele nem parecia existir nos pensamentos conscientes de
Drizzt. A parede da caverna ter-lhe-ia parecido impossível de trepar, se estivesse
num estado de espírito mais racional, mas agora não se importava com isso.
Guenhwyvar estava perdida. Guenhwyvar fora-se.
Aquele malévolo mago empoleirado na saliência, aquela personificação do
mal, provocara isso. Drizzt saltou para a parede, descobriu que tinha uma mão
livre — devia ter deixado cair uma das cimitarras — e apanhou um ponto de
apoio. Não seria o suficiente para um drow racional, mas a mente de Drizzt
ignorou os protestos dos músculos dos dedos em tensão. Só lhe faltavam três
metros.

Outraem
cabeça saraivada de raios de energia abateu-se sobre Drizzt, martelando-lhe a
rápida sucessão.
— Quantos feitiços te restam, mago? — ouviu-se a si próprio a dizer em
desafio, enquanto ignorava a dor.
Masoj caiu para trás quando Drizzt olhou para ele, quando a luz ardente
daqueles olhos cor de alfazema caiu sobre ele como um anúncio de morte. Vira
Drizzt em combate muitas vezes, e essa visão do jovem guerreiro em combate
assolara-o durante todo o planeamento do seu assassinato.
Mas Masoj nunca vira Drizzt verdadeiramente enraivecido. Se o tivesse visto,
nunca teria concordado com tentar matá-lo. Se tivesse visto, teria dito à Matrona
SiNafay que se fosse sentar em cima de uma estalagmite.
Que feitiço se seguiria? Que feitiço poderia deter o monstro que era Drizzt
Do’Urden?
Uma mão, rebrilhando com o calor da fúria, agarrou a borda da saliên-cia.
Masoj pisou-a com o calcanhar da bota. Os dedos partiram-se — o mago sabia
queà os
pé suadedos tinham
frente, de estar
e a lâmina partidos
de uma —, mas
cimitarra Drizzt estavaentre
mergulhara-lhe impossivelmente
as costelas. de
— Os dedos estão partidos! — gaguejou o mago moribundo em protesto.
Drizzt olhou para a mão e apercebeu-se da dor pela primeira vez.
— Talvez estejam — disse distraidamente. — Mas hão-de sarar.
Coxeando, Drizzt encontrou a outra cimitarra e abriu caminho cautelosamente
por sobre o cascalho de um dos pés de estalagmite. Lutando contra o medo do
seu coração magoado, forçou-se a espreitar por cima da pedra para toda a
destruição. O lado de trás do pé de estalagmite brilhava feericamente com o
calor residual, o que era um farol para a cidade que começava a acordar.
Lá se ia a dissimulação.
Pedaços de Alton DeVir estavam espalhados no chão, em volta das vestes
fumegantes do mago.
— Encontraste a paz, ó Sem Rosto? — murmurou Drizzt, exalando o que
restava da sua ira. Recordou o ataque que Alton tinha lançado contra ele, todos
aqueles anos antes na Academia. O mestre sem rosto e Masoj tinham explicado o
incidente como um teste para um guerreiro em preparação.
— Quanto tempo carregaste o teu ódio… — murmurou Drizzt, olhando para
os pedaços do corpo desfeito.
Mas Alton DeVir já não era uma preocupação. Vasculhou o resto do cascalho
solto, procurando algum vestígio do destino de Guenhwyvar, sem ter a certeza de
como uma criatura mágica se sairia de um tal desastre. Não restava nenhum sinal
do felino, nada que sequer sugerisse que Guenhwyvar alguma vez ali tivesse
estado.
Drizzt recordou a si mesmo conscientemente que não havia esperança, mas a
elasticidade dos seus passos ansiosos desmentia o rosto consternado. Correu de
novo pelo aglomerado de estalagmites e em volta da estalagmite seguinte, onde
Masoj e ele tinham estado quando a varinha explodira. Avistou imediatamente a
estatueta de ónix.
Pegou-lhe com cuidado. Estava quente, como se também ela tivesse sido
apanhada pela explosão, e conseguiu sentir que a magia tinha diminuído. Drizzt
quis então convocar o felino, mas não se atreveu, sabendo que a viagem entre os
planos exercia uma grande pressão sobre Guenhwyvar. Se o felino tinha sido
ferido,
— Oh,Drizzt calculou que
Guenhwyvar o melhor seria
— lamentou-se. —dar-lhe
Minha algum
amiga,tempo
minhapara recuperar.
brava amiga.
Meteu a estatueta no bolso.
Só lhe restava esperar que Guenhwyvar tivesse sobrevivido.
Drizzt voltou para trás, para junto do corpo de Masoj Hun’ett. Não tivera outra

opção
Essesenão
factomatar
poucoo adversário;
importava Masoj definira as
para desfazer linhas de batalha.
a sensação de culpa de Drizzt,
enquanto olhava para o cadáver. Tinha morto outro drow, tinha tirado a vida a
gente da sua gente. Estaria encurralado, tal como Zaknafein tinha sido
encurralado durante tantos anos, num círculo de violência que nunca teria fim?
— Nunca mais — prometeu Drizzt ao cadáver. — Nunca mais matarei um
elfo drow.
Virou costas, enojado, e assim que voltou os olhos para os silenciosos e
sinistros aglomerados de estalagmites da vasta cidade drow, soube que não
sobreviveria por muito tempo em Menzoberranzan se quisesse manter essa
promessa.
Um milhão de possibilidades rodopiou na mente de Drizzt enquanto
caminhava pelas ruas e caminhos serpenteantes de Menzoberranzan. Pôs esses
pensamentos de parte, impedindo-os de lhe embotarem o sentido de alerta. A luz
espalhava-se agora por Narbondel; o dia drow estava a começar, e começava a
haver actividade em cada esquina da cidade. No mundo dos habitantes da
superfície, o dia era o tempo mais seguro, em que a luz expunha os assassinos.
a escuridão eterna de Menzoberranzan, as horas de dia dos elfos negros eram
ainda mais perigosas do que a noite.
Drizzt escolheu o caminho cuidadosamente, afastando-se muito das cercas de
cogumelos das casas mais nobres, entre as quais estava a Casa Hun’ett. Não
encontrou mais adversários e chegou à segurança da Casa Do’Urden pouco
tempo depois. Correu pelo portão, passou pelos soldados surpreendidos sem uma
palavra de explicação, e afastou os guardas abaixo da varanda.
A casa estava estranhamente sossegada; Drizzt esperava que estivessem já
todos a pé e a postos, com a batalha iminente. Não pensou segunda vez sobre a
estranha calma e seguiu directamente para a sala de treino e para os aposentos
privados de Zaknafein.
Parou à porta de pedra da sala de treino, com a mão firmemente pousada no
ferrolho. Que iria propor ao pai? Que partissem? Ele e Zaknafein pelos perigosos
trilhos do Subescuro, lutando quando tivessem de lutar e fugindo ao fardo da
culpa da sua existência sob as regras drow? Drizzt gostara dessa ideia, mas agora
não tinha tanta certeza, parado diante da porta, de que pudesse convencer Zak a
seguir esse caminho. Zak poderia ter partido dali a qualquer altura, durante os
séculos da sua
permanecera ali, ovida;
calor mas
fugiraquando
do rostoDrizzt lhe de
do mestre perguntara por quede razão
armas. Estariam facto
prisioneiros da vida que lhes era proporcionada pela Matrona Malice e pela sua
corte malévola?
Drizzt afastou esses pensamentos com uma careta; não fazia sentido estar a
pensar nisso, com Zak a apenas alguns passos de distância.
A sala de treino estava tão sossegada como o resto da casa. Demasiado
sossegada. Drizzt não esperara que Zak ali estivesse, mas faltava ali algo mais
do que o pai. A presença do pai também desaparecera.
Soube que alguma coisa estava errada, e cada passo que dava para o quarto de
Zak era mais apressado que o anterior, até que deu consigo a correr. Entrou de
rompante, sem bater primeiro, e sem se surpreender por encontrar a cama vazia.
«Malice deve tê-lo mandado à minha procura», pensou. «Raios, meti-o em
sarilhos!» Virou-se para sair, mas algo lhe chamou a atenção e o manteve no
quarto: o cinturão de Zak.
O mestre de armas nunca sairia do quarto, nem mesmo para quaisquer funções
dentro da Casa Do’Urden, sem as espadas. «A tua arma é o companheiro mais
fiável», dissera-lhe Zak milhares de vezes. «Mantém-na sempre a teu lado.»
— Casa Hun’ett? — murmurou Drizzt, interrogando-se se a casa rival teria

atacado
Alton e magicamente duranteestava,
Masoj. O complexo a noite,porém,
enquanto ele estava
sereno; decertoláosfora a lutar teriam
soldados contra
sabido se alguma coisa assim tivesse acontecido.
Drizzt pegou no cinturão e inspeccionou-o. Não tinha sangue e a fivela estava
normalmente desapertada. Nenhum inimigo o tinha arrancado a Zak. A bolsa do
mestre de armas também estava ao lado, intacta.
— Que se passou, então? — perguntou Drizzt em voz alta. Voltou a colocar o
cinturão com as espadas ao lado da cama, mas enfiou a bolsa em volta do
pescoço e virou-se, sem saber para onde ir a seguir.
Tinha de saber do resto da família, percebeu antes sequer de sair do quarto.
Talvez então este enigma se tornasse mais claro.
O temor foi crescendo enquanto Drizzt descia o longo e decorado corredor
para a antecâmara da capela. Teria Malice, ou alguma delas, feito mal a Zak? Por
que razão? A ideia parecia-lhe ilógica, mas incomodava-o a cada passo, como se
um sexto sentido estivesse a avisá-lo.
Não havia sinal
As portas de ninguém.giraram, abrindo-se mágica e silenciosamente,
da antecâmara
quando Drizzt ergueu uma mão para bater. Viu primeiro a matrona mãe, sentada
confortavelmente no seu trono ao fundo da sala, com um sorriso acolhedor.
O desconforto de Drizzt não diminuiu quando entrou. Estava ali a família
toda: Briza, Vierna e Maya ao lado da mãe, Rizzen e Dinin mais afastados, junto
à parede, à esquerda. Toda a família. Excepto Zak.
A Matrona Malice estudou cuidadosamente o filho, notando as suas muitas
feridas.
— Dei-te ordens para não saíres de casa — disse para Drizzt, mas sem tom de
censura. — Aonde te levaram as tuas viagens?
— Onde está Zaknafein? — perguntou Drizzt, em resposta.
— Responde à Matrona Mãe! — gritou-lhe Briza, com o chicote de serpentes
bem à vista no cinturão. Drizzt olhou-a fixamente e ela recuou, sentindo o
mesmo gelo amargo que Zak lhe lançara na noite anterior.
— Dei-te ordens para não saíres de casa — repetiu Malice, mantendo-se
calma. — Porque me desobedeceste?
— Tinha assuntos a tratar — respondeu Drizzt. — Assuntos urgentes. Não
quis incomodar-te com eles.

— A andas
quando guerranaestá próxima,
cidade meuAfilho
sozinho. Casa—Do’Urden
explicounão
Malice. — Estás
se pode dar aovulnerável
luxo de te
perder agora.
— Os meus assuntos tinham de ser tratados sozinho — respondeu Drizzt.
— Estão arrumados?
— Estão.
— Então, quero confiar que não me desobedecerás novamente.
As palavras saíram calmas, mas Drizzt percebeu imediatamente a ameaça que
havia nelas.
— Passemos então a outros assuntos — prosseguiu Malice.
— Onde está Zaknafein? — atreveu-se Drizzt a perguntar novamente.
Briza resmungou uma praga qualquer em surdina e puxou o chicote do
cinturão. A Matrona Malice estendeu uma mão na direcção dela, para a fazer
parar. Precisavam de tacto, e não de brutalidade, para manter Drizzt sob controlo
numa altura tão delicada. Haveria muitas oportunidades para o castigar depois de
a Casa Hun’ett
— Não ter sido devidamente
te preocupes com o que derrotada.
é feito do mestre de armas — respondeu
Malice. — Trabalha para o bem da Casa Do’Urden neste preciso momento;
numa missão pessoal.
Drizzt não acreditou numa única palavra. Zak nunca teria partido sem o
cinturão e as armas. A verdade pairava sobre os pensamentos de Drizzt, mas não
queria admiti-la.
— A nossa preocupação é com a Casa Hun’ett — continuou Malice,
dirigindo-se a todos. — Os primeiros ventos de guerra podem soprar hoje
mesmo.
— Os primeiros ventos já sopraram — interrompeu Drizzt.
Todos os olhos caíram sobre ele e sobre os seus ferimentos. Queria continuar a
discussão sobre Zak, mas sabia que isso só o meteria a ele e a Zak, se Zak ainda
estivesse vivo, em mais sarilhos.
— Entraste em combate? — perguntou Malice.
— Sabem quem é o Sem Rosto? — perguntou Drizzt.
— Mestre da Academia — respondeu Dinin. — De Sorcere. Tivemos
negócios com ele frequentemente.
— Foi-nos de alguma utilidade no passado — disse Malice. — Mas não mais

do—queNão
isso,
—creio. É um Drizzt.
respondeu Hun’ett.—Gelroos Hun’ett.
Em tempos, pode ter sido; mas Alton DeVir é
o seu nome. Era o seu nome.
— A ligação! — rugiu Dinin, percebendo subitamente. — É essa a ligação;
Gelroos deveria matar Alton DeVir na noite da queda da Casa DeVir!
— Parece que Alton DeVir mostrou ser mais forte do que ele — riu-se Malice,
e tudo se tornou mais claro para ela. — A Matrona SiNafay Hun’ett aceitou-o e
usou-o para sua vantagem — explicou à família. Voltou a olhar para Drizzt. —
Lutaste com ele?
— Está morto — respondeu Drizzt.
A Matrona Malice riu-se com prazer.
— Menos um mago com que lidar — notou Briza, voltando a colocar o
chicote no cinturão.
— Dois — corrigiu Drizzt, embora sem qualquer tom de fanfarronice na voz.
ão estava orgulhoso das suas acções. — Masoj Hun’ett já não existe.
— Meu filho! — gritou Malice. — Deste-nos uma grande vantagem nesta
guerra!
Olhou para toda a família, infectando-os todos, excepto Drizzt, com o seu
entusiasmo. — A Casa Hun’ett pode até decidir não nos atacar agora, sabendo da
sua desvantagem. Mas não os deixaremos passar sem resposta. Destruí-los-emos
hoje e tornar-nos-emos a Oitava Casa de Menzoberranzan! Desgraçados sejam
os inimigos da Casa Do’Urden! Temos de agir imediatamente, minha família —
começou Malice a conjecturar, esfregando as mãos de contentamento. — Não
podemos esperar por um ataque. Temos de ser nós a tomar a ofensiva! Alton
DeVir desapareceu; o elo que justificava a guerra não existe mais. Certamente o
Conselho Governante sabia das intenções dos Hun’ett, e com ambos os seus
magos mortos e perdido o elemento de surpresa, a Matrona SiNafay
movimentar-se-á rapidamente para deter a batalha.
A mão de Drizzt enfiou-se inconscientemente na bolsa de Zak, enquanto os
outros se aproximavam de Malice e dos seus planos.
— Onde está Zak? — perguntou Drizzt novamente, por cima da agitação.
O silêncio caiu tão abruptamente como antes se instalara a agitação.
— Não te diz respeito, meu filho — disse-lhe Malice, mantendo-se delicada
apesar do descaramento de Drizzt. — Agora, és tu o mestre de armas da Casa

Do’Urden. Lolth
carreira pode perdoou
começar a tua até
do zero, insolência;
gloriosasnão tens crimes a pesar sobre ti. A tua
alturas!
As palavras de Malice dilaceraram Drizzt tão profundamente como as
cimitarras o poderiam ter feito.
— Mataste-o — murmurou, com a verdade demasiado horrenda para ser
contida num pensamento mudo.
O rosto da matrona brilhou subitamente, quente de raiva.
— Tu é que o mataste! — respondeu. — A tua insolência exigia o pagamento
de uma reparação à Rainha Aranha!
A língua de Drizzt estava enrolada atrás dos dentes.
— Mas tu estás vivo — continuou Malice, descontraindo-se de novo na
cadeira — mesmo apesar de a criança elfo viver.
Dinin não foi o único a conter um grito de surpresa audível na sala.
— Sim. Sabemos da tua dissimulação — desdenhou Malice. — A Rainha
Aranha sempre soube. Exigiu uma reparação.

sair—asEpalavras
sacrificaste Zaknafein?
da boca. — disse Drizzt
— Entregaste-o ofegante,
a essa maldita quaseAranha?
Rainha incapaz de fazer
— Se fosse a ti, tinha cuidado com a maneira como falas da Rainha Lolth —
avisou Malice. — Esquece Zaknafein. Não tens de te preocupar com isso. Olha
pela tua vida, meu filho guerreiro. Todas as glórias te são propostas, uma posição
de honra.
Drizzt estava de facto a olhar para a sua própria vida nesse momento; para o
caminho que lhe era proposto e que lhe ofereceria uma vida de batalhas, uma
vida a matar drow.
— Não tens outra opção — disse-lhe Malice, vendo o seu conflito interior. —
Ofereço-te agora a tua vida. Em troca, tens de fazer o que te mando, como
Zaknafein fez em tempos.
— Sim, mantiveste o teu acordo com ele! — rugiu Drizzt sarcasticamente.
— Mantive — protestou a Matrona Malice. — Zaknafein foi de sua livre
vontade para o altar, por ti!
As palavras dela atingiram Drizzt e deixaram-no atordoado por um momento.
ão aceitaria a culpa pela morte de Zaknafein! Seguira a única via que lhe fora
possível, na superfície contra os elfos e aqui na cidade malévola.
— A minha proposta é boa — disse Malice. — Faço-ta aqui, diante de toda a

família. Ambosabriu-se
Um sorriso teremosnoa ganhar com
rosto de esse acordo.
Drizzt quando Mestre de Armas?
olhou para os olhos frios da
Matrona Malice, um sorriso que esta interpretou como de aceitação.
— Mestre de armas? — repetiu Drizzt. — Não me parece…
Mais uma vez, Malice não compreendeu bem.
— Vi-te em combate — argumentou. — Dois magos! Estás a subestimar-te.
Drizzt quase deu uma gargalhada perante a ironia das palavras dela. Pensava
que ele iria falhar tal como Zak tinha falhado, que cairia na armadilha tal como
Zak caíra, para nunca mais dali sair.
— Tu é que me estás a subestimar, Malice — disse Drizzt com uma calma
ameaçadora.
— Matrona! — exigiu Briza. Mas conteve-se, vendo que Drizzt e toda a gente
a estava a ignorar enquanto o drama se desenrolava.
— Pedes-me que sirva os teus desígnios malévolos — prosseguiu Drizzt.
Sabia, mas não se importava, que todos estavam nervosamente a levar as mãos
às armas para
adequado ou aatacar
preparar encantamentos;
aquele quejá estavam
blasfemo tonto; à esperamorto.
o consideravam do momento
Aquelas
memórias de infância, da agonia das chicotadas, lembraram-lhe o castigo pelas
suas acções. Os dedos de Drizzt fecharam-se então em volta de um objecto
redondo, dando-lhe coragem, se bem que teria prosseguido em frente mesmo
sem ele. — Os teus desígnios são mentiras, tal como tu. Não, tal como o teu
povo é uma mentira!
— A tua pele é tão escura como a minha! — lembrou-lhe Malice. — És um
drow, ainda que nunca tenhas aprendido o que isso significa!
— Ah, mas eu sei bem o que isso significa.
— Então, age de acordo com as regras! — exigiu a Matrona Malice.
— As tuas regras? — rugiu Drizzt em resposta. — Mas as tuas regras também
são um maldita mentira, uma mentira tão grande como essa nojenta aranha que
vocês aclamam como uma divindade!
— Verme insolente! — gritou Briza, erguendo o chicote.
Drizzt atacou primeiro. Puxou o pequeno objecto, o pequeno globo de
cerâmica que tinha na bolsa de Zak.
— Amaldiçoados sejam todos! — gritou enquanto atirava a bola para o chão
de pedra. Fechou os olhos com força quando a pedrinha dentro da bola de

cerâmica,
atacou os encantada por um
olhos sensíveis dospoderoso feitiço emanador
seus familiares. de luz, explodiu
— E amaldiçoada na sala ae
seja também
danada Rainha Aranha!
Malice recuou precipitadamente, derrubando o pesado trono com um estrondo
pesado sobre a pedra. Gritos de agonia e de raiva vinham de cada canto da sala
enquanto a luz súbita atingia os drow estonteados.
— Apanhem-no! — rugiu Malice, ainda a tentar recompor-se da queda
desamparada. — Quero-o morto!
Os outros mal tinham ainda recuperado o suficiente para cumprir as ordenas, e
Drizzt já estava fora dali.
Trazido pelos ventos silenciosos do Plano Astral, o chamamento chegou. A
entidade da pantera levantou-se, ignorando as dores, e notou a voz familiar,
reconfortante.
O felino partiu então, correndo com todo o coração e força para responder ao
chamamento do seu novo amo.
Pouco tempo depois, Drizzt saiu de um pequeno túnel, com Guenhwyvar ao seu
lado, e avançou pelo pátio da Academia, para olhar para Menzoberranzan uma
última vez.
— Que local é este — perguntou baixinho ao felino — a que chamo lar? Esta
é a minha gente, pela cor da pele e por herança, mas não sou familiar deles.
Estão perdidos, e estarão para sempre. Quantos outros haverá como eu? Gostava
de saber… — murmurou, olhando uma última vez. — Almas condenadas, como
a de Zak. Pobre Zak. Faço isto por ele, Guenhwyvar; parto, quando ele não
conseguiu partir. A vida dele foi a minha lição, um negro pergaminho rabiscado
com preço pesado pago às promessas malignas da Matrona Malice.
— Adeus, Zak! — gritou, com a voz erguendo-se num desafio final. — Meu
pai… Consola-te sabendo, como eu sei, que da próxima vez que nos
encontrarmos, numa vida depois desta, não será certamente no fogo infernal a
que os nossos familiares estão condenados!
Drizzt fez sinal ao felino para entrar no túnel, na entrada para o Subescuro
selvagem. Vendo os movimentos fáceis da pantera, percebeu de novo o quanto
era afortunado por ter encontrado um companheiro de espírito como o seu, um
verdadeiro amigo. O caminho não seria fácil para ele e para Guenhwyvar, para lá
das fronteiras vigiadas de Menzoberranzan. Estariam desprotegidos e sós, mas
melhor, segundo os cálculos de Drizzt; muito melhor do que alguma vez
estariam entre a maldade dos drow.
Drizzt entrou no túnel atrás de Guenhwyvar e deixou Menzoberranzan para
trás.
FIM DO PRIMEIRO VOLUME
A LENDA DE DRIZZT

A TRILOGIA DO ELFO NEGRO:


Pátria
Exílio
Refúgio
A TRILOGIA DAS PLANÍCIES GELADAS:
Fragmento de Cristal
Rios de Prata
A Jóia Encantada
LEIA NAS PRÓXIMAS PÁGINAS UM EXCERTO DO 2º VOLUME DA TRILOGIA DE R. A.
SALVATORE

EXILIO

Os leitores de Harry Potter cresceram. E esta é a série que vão ler.


Após renegar a sua própria família e partir para longe de Menzoberranzan, a sua
pátria, Drizzt tem que aprender a sobreviver e conquistar um novo lar no imenso
labirinto dos túneis subterrâneos onde se ocultam criaturas das trevas. Mas o
verdadeiro perigo parte da sua própria raça e Drizzt terá que estar atento a sinais
de perseguição, pois os elfos negros não são um povo misericordioso... Venha
descobrir Drizzt, o elfo negro, uma das personagens mais lendárias da fantasia. E
acompanhe-o na épica e intrépida jornada para longe de um mundo onde não
tem lugar... em busca de outro, na superfície, onde talvez nunca o aceitem.
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PRELÚDIO

O monstro arrastava-se pelos silenciosos corredores do Subescuro, com as suas


oito pernas escamosas roçando ocasionalmente pela rocha. Não se encolhia com
os seus próprios ruídos retumbantes, sem recear o rumor revelador. Nem fugia
em busca de protecção, antevendo o assalto de outro predador. Porque até
mesmo nos perigos do Subescuro esta criatura só conhecia a segurança,
confiante na sua capacidade para derrotar qualquer inimigo. O seu hálito fedia a
veneno mortal, os gumes afiados das suas garras cavavam profundas feridas na
rocha e as filas de dentes semelhantes a lanças que se alinhavam na mandíbula
letal eram capazes de rasgar as mais fortes couraças. Mas o pior de tudo era o
olhar do monstro, o olhar de um basilisco, que era capaz de transmutar em pedra
sólida qualquer coisa viva em que assentasse.
Esta criatura, enorme e terrível, estava entre as maiores do seu género. Não
sabia o que era o medo.
O caçador viu o basilisco a passar, tal como já antes o vira nesse mesmo dia.
O monstro de oito pernas era aqui um intruso, invadindo o domínio do caçador.
Vira o basilisco matar vários dos seus rothe — as pequenas criaturas semelhantes
a vacas que forneciam a sua mesa — com o hálito venenoso, e o resto da manada
fugira cegamente pelos túneis intermináveis, possivelmente para não mais voltar.
O caçador estava zangado.
Observava agora o monstro a avançar pela passagem estreita, precisamente o
caminho que o caçador suspeitara que ele tomaria. Desembainhou as armas,
ganhando confiança, como sempre, assim que sentiu como eram equilibradas. O
caçador possuía-as desde a infância, e mesmo passadas quase três décadas de
uso constante, quase não mostravam quaisquer sinais de desgaste. Agora, seriam
de novo postas à prova.
O caçador voltou a embainhar as armas e esperou pelo som que o haveria de
fazer entrar em acção.
Um uivo gutural fez o basilisco parar. O monstro espreitou para a frente,
curioso, embora os seus olhos fracos pouco conseguissem perceber para além de
um ou dois metros. O uivo ouviu-se de novo e o basilisco agachou-se, à espera
que o adversário, a sua próxima vítima, saltasse para a sua frente para morrer.
Bem mais atrás, o caçador saiu do seu esconderijo, correndo com uma rapidez
quase impossível pelas pequenas brechas e saliências das paredes do corredor.
Com a sua capa mágica, o piwafwi, estava invisível e indistinguível da pedra; e,
com os seus movimentos ágeis e bem treinados, não fazia um único ruído.
Chegou impossivelmente silencioso, e impossivelmente depressa.
O uivo ouviu-se de novo, vindo de diante do basilisco, mas não estava mais
próximo.
Quando oObasilisco
monstro passou
impaciente
por avançou,
debaixo deansioso por começar
uma arcada baixa, aummatança.
globo
impenetrável de escuridão absoluta envolveu-lhe a cabeça e o monstro parou
subitamente e deu um passo para trás, tal como o caçador já sabia que faria.
O caçador caiu-lhe então em cima. Saltou da parede da passagem, executando
três acções diferentes antes mesmo de atingir o objectivo. Primeiro, lançou um
feitiço simples que contornou a cabeça do basilisco com chamas púrpura e azuis
brilhantes. Depois, puxou o capuz para tapar a cara, porque não precisava dos
olhos em combate e, contra um basilisco, um olhar a direito só o poderia
derrotar. Finalmente, puxando as cimitarras mortíferas, aterrou sobre as costas
do monstro e trepou usando as escamas para chegar à cabeça.
O basilisco reagiu assim que as chamas dançantes lhe contornaram a cabeça.
ão queimavam, mas o contorno que desenhavam fazia dele um alvo fácil. O
basilisco virou-se para trás, mas antes que a cabeça tivesse girado metade do
percurso, a primeira cimitarra já lhe tinha mergulhado num dos olhos. A criatura
recuou e sacudiu-se, tentando chegar ao atacante. Expelia vapores letais e
sacudia a cabeça em todas as direcções.
O caçador foi mais rápido. Manteve-se atrás da mandíbula, longe do alcance
mortal. A segunda cimitarra encontrou o outro olho do monstro, e depois o

caçador libertou
O basilisco eratoda a sua fúria.
o intruso; tinha morto os seus rothe! Golpe após golpe furioso
abateu-se sobre a cabeça couraçada do basilisco, arrancando escamas e
mergulhando em busca de carne por baixo delas.
O basilisco percebeu o perigo que corria, mas mesmo assim acreditava que
venceria. Sempre vencera. Se ao menos conseguisse apontar o hálito venenoso
ao caçador furioso.
O segundo adversário, um adversário felino que rugia, caiu então sobre o
basilisco, atirando-se sem medo contra a mandíbula cujos contornos estavam
bem delineados pelos fogos mágicos. O grande felino agarrou-se sem dar
qualquer importância aos vapores tóxicos, pois era um animal mágico, imune a
tais ataques. Garras de pantera cavaram linhas profundas nas gengivas do
basilisco, deixando o monstro beber do seu próprio sangue.
Por detrás da enorme cabeça, o caçador investiu uma e outra vez, cem vezes, e
ainda mais. Selvaticamente, cruelmente, as cimitarras abatiam-se contra a
armaduraaté
basilisco deà escamas,
escuridão rasgando
da morte. a carne e penetrando o crânio, abatendo o
Muito depois de o monstro já estar caído e imóvel é que o golpear das
cimitarras ensanguentadas abrandou.
O caçador retirou o capuz e inspeccionou a pilha desfeita de massa pegajosa
aos seus pés e as nódoas quentes de sangue nas espadas. Ergueu as cimitarras a
escorrer sangue no ar e proclamou a vitória com um grito de exultação primevo.
Era o caçador, e esta era a sua casa!
Depois de despejar toda a raiva nesse grito, porém, o caçador olhou para o
companheiro e ficou envergonhado. Os olhos enormes da pantera julgavam-no,
ainda que a pantera o não fizesse. O felino era o único elo do caçador com o
passado, com uma existência civilizada que o caçador em tempos conhecera.
— Vem, Guenhwyvar — murmurou enquanto embainhava de novo as
cimitarras. Deliciou-se com o som destas palavras enquanto as pronunciava. Era
a única voz que ouvira em mais de uma década. Mas, cada vez que agora falava,
as palavras pareciam ainda mais estranhas e chegavam-lhe com dificuldade.
Perderia essa capacidade, também, como perdera quase todos os outros
aspectos da sua anterior existência? Isso era coisa que o caçador receava muito,
porque sem a sua voz não poderia convocar a pantera.

Então ficaria verdadeiramente


Pelos longos só.
corredores do Subescuro seguiram o caçador e o seu felino, sem
fazer um ruído, sem fazer mexer uma pedra. Juntos, tinham aprendido a
conhecer os perigos deste mundo de sussurros. Juntos tinham aprendido a
sobreviver. Apesar desta vitória, contudo, o caçador não sorria, nesse dia. Não
temia inimigos, mas já não tinha a certeza se a sua coragem vinha da confiança
ou se vinha da apatia que sentia em viver.
Talvez a sobrevivência não bastasse.
Lembro-me vivamente do dia em que me afastei da cidade onde nasci, da
cidade da minha gente. Todo o Subescuro estava diante de mim — uma
vida de aventura e de excitação, cheia de possibilidades que me enchiam
o coração. Mais do que isso, porém, deixei Menzoberranzan com a
crença de que poderia agora viver a minha vida de acordo com os meus
princípios. Tinha Guenhwyvar ao meu lado, e as minhas cimitarras à
cintura. O meu futuro, cabia-me a mim decidi-lo.
Mas aquele drow, o jovem Drizzt Do’Urden que se afastava de
Menzoberranzan nesse dia fatídico, ainda mal entrado na décima quarta
década de vida, não podia imaginar a verdade do tempo, de como a sua

passagem parece
partilhados tornar-se
com outros. Na mais
minhalenta quando juventude,
exuberante os momentos não com
olhava são
expectativa para vários séculos de vida que tinha pela frente.
Como se medem séculos, quando uma simples hora parece um dia, e um
único dia parece um ano?
Para além das cidades do Subescuro, há comida para aqueles que
sabem como encontrá-la, e segurança para os que sabem esconder-se.
Mais do que qualquer outra coisa, no entanto, para além das cidades
fervilhantes do Subescuro, há a solidão.
Enquanto me tornava uma criatura dos túneis vazios, a sobrevivência
tornava-se mais fácil e mais difícil ao mesmo tempo. Ganhei a destreza
física e a experiência necessárias para continuar a viver. Conseguia
derrotar praticamente tudo o que se aventurasse nos meus domínios, e
aqueles poucos monstros que não conseguia derrotar, conseguia
certamente fugir ou esconder-me deles. Não demorei muito, porém, a
descobrir um inimigo mortal que não poderia derrotar, nem de que
poderia fugir. Seguia-me para onde quer que fosse — na verdade, quanto
mais longe eu fugia, mais ele me cercava. O meu inimigo era a solidão, o
interminável, incessante silêncio dos corredores mudos.
Olhando agora para isso, tantos anos passados, dou comigo espantado
e boquiaberto perante as mudanças que sofri sob uma tal existência. A
própria identidade de todo o ser pensante é definida pela linguagem, pela
comunicação entre esse ser e os que o rodeiam. Sem esse elo, estava
perdido. Quando deixei Menzoberranzan, decidi que a minha vida seria
baseada em princípios, com a minha força a aderir a crenças
inquebrantáveis.
Subescuro, o único No objectivo
entanto, após apenassobrevivência
da minha alguns meseserasozinho
a minhano
sobrevivência. Tornara-me uma criatura de instintos, calculista e
manhosa, mas não pensante, não usando a minha mente para nada mais
do que dirigir a próxima morte.
Guenhwyvar salvou-me, creio. O mesmo companheiro que me
arrancara a uma morte certa sob as garras de inúmeros monstros salvou-
me de uma morte pelo vazio — menos dramática, talvez, mas não menos
fatal. Dei comigo a viver para esses momentos em que o felino podia
andar ao meu lado, quando tinha outra criatura viva para ouvir as
minhas palavras, por muito fatigadas que se tivessem tornado. Para além
de qualquer outro valor, Guenhwyvar tornou-se o meu relógio, pois sabia
que o felino só podia vir do seu Plano Astral durante meio-dia, dia sim,
dia não.
Só depois de as minhas provações terem terminado me apercebi de
como esse um quarto do meu tempo tinha sido realmente crítico. Sem
Guenhwyvar, não teria encontrado a determinação para prosseguir,
nunca teria mantido a força para sobreviver.
Mesmo quando Guenhwyvar estava ao meu lado, dava comigo a ficar

cada vezque
esperar mais ambivalente
uma em relação
qualquer criatura a lutar. Começara
do Subescuro secretamente
se mostrasse a
mais forte
do que eu. Poderia a dor de uma presa ou de uma garra ser maior do que
a do vazio e do silêncio?
Penso que não.
— Drizzt Do’Urden
A Matrona Malice Do’Urden remexeu-se inquieta no trono de pedra da pequena
e escura antecâmara da grande capela da Casa Do’Urden. Para os elfos negros,
que mediam a passagem do tempo em décadas, este era um dia para ser marcado
nos anais da casa de Malice: o décimo aniversário do conflito em aberto entre a
família Do’Urden e a Casa Hun’ett. A Matrona Malice, que nunca perdia uma
celebração, tinha um presente especial preparado para os seus inimigos.
Briza Do’Urden, a filha mais velha de Malice, uma grande e forte fêmea drow,
andava para trás e para diante na antecâmara, impaciente, o que não era invulgar
nela.
— Já deveria ter acabado, por esta altura — resmungou, enquanto dava um
pontapé num pequeno banco de três pernas. Este rebolou e virou-se, rasgando
um pedaço de estofo de musgo.
— Paciência, minha filha — respondeu Malice, um pouco em tom de
reprimenda, embora partilhasse dos sentimentos de Briza. — Jarlaxle é
cauteloso.
Briza virou costas perante a menção desse ultrajante mercenário, e dirigiu-se
às portas de pedra ricamente trabalhadas. Malice não deixou de perceber o
significado das acções da filha.
— Não aprovas Jarlaxle e o seu bando — comentou sem emoção a Matrona
Mãe.
— São uns vadios sem casa — rosnou Briza em resposta, mas ainda sem se
virar para a mãe. — Não há lugar em Menzoberranzan para vadios sem casa.
Perturbam a ordem natural da nossa sociedade. E são machos!
— Servem-nos bem — lembrou-lhe Malice.
Briza quis argumentar com o custo extremo de contratar mercenários, mas,
sensatamente, manteve a boca fechada. Ela e Malice andavam em oposição
continuamente, praticamente desde o início da guerra Do’Urden – Hun’ett.
— Sem os Bregan D’aerthe, não poderíamos tomar nenhuma atitude contra os
nossos inimigos — prosseguiu Malice. — Usar os mercenários, os vadios sem
casa, como lhes chamas, permite-nos fazer a guerra sem implicar a nossa Casa
como perpetradora.
— Então, porque não despachar o assunto? — perguntou Briza, regressando
rapidamente para junto do trono. — Matamos uns quantos soldados Hun’ett, eles
matam uns quantos dos nossos. E entretanto, ambas as casas continuam a
recrutar substitutos! Assim, nunca acaba! Os únicos vencedores deste conflito
são os mercenários
Matrona de Bregan
SiNafay Hun’ett D’aerthe… EEseja
tiver contratado… quelásequal for ao alimentar
andam bando quedosa
cofres de ambas as Casas!
— Olha o tom, minha filha — rugiu Malice, num irado aviso. — Estás a falar
com uma Matrona Mãe.
Briza virou costas de novo.
— Devíamos ter atacado a Casa Hun’ett imediatamente, na noite em
Zaknafein foi sacrificado — atreveu-se a resmungar.
— Esqueces as acções do teu irmão mais novo nessa noite — respondeu
Malice sem se alterar.
Mas a Matrona Mãe estava enganada. Nem que vivesse outros mil anos, Briza
nunca esqueceria as acções de Drizzt na noite em que renegara a família.
Treinado por Zaknafein, o amante favorito de Malice e considerado o melhor
mestre de armas de toda a Menzoberranzan, Drizzt atingira um nível de destreza
no combate que estava muito para além do normal entre os drow. Mas Zak dera
também a Drizzt as atitudes perturbadoras e blasfemas que Lolth, a divindade da
Rainha Aranha dos elfos negros, não poderia tolerar. Por fim, os modos
sacrílegos de Drizzt tinham provocado a ira de Lolth, e a Rainha Aranha, por sua
vez, exigira a sua morte.

A Matrona
agira Malice, impressionada
então ousadamente em favor depelo potencial
Drizzt de Drizzt
e oferecera como
a Lolth guerreiro,
o coração de
Zaknafein, para a compensar pelos pecados do filho. Perdoara a Drizzt na
esperança de que este emendasse os seus comportamentos e viesse a substituir o
mestre de armas deposto.
Em troca, no entanto, o ingrato Drizzt traíra-os a todos e fugira para o
Subescuro; um gesto que não só deixava a Casa Do’Urden despojada do seu
único potencial mestre de armas, mas que também colocava a Matrona Malice e
o resto da Casa Do’Urden longe do favor de Lolth. No desastroso final de todos
os seus esforços, a Casa Do’Urden perdera o seu excelente mestre de armas, o
favor de Lolth e o seu potencial novo mestre de armas. Não fora um dia bom.
Felizmente, a Casa Hun’ett sofrera desaires semelhantes nesse mesmo dia,
perdendo ambos os seus magos numa tentativa falhada de matar Drizzt. Com
ambas as casas enfraquecidas e caídas em desgraça junto de Lolth, a guerra
esperada transformara-se numa série calculada de raides dissimulados.
Briza
Uma nunca
pancada esqueceria.
na porta da antecâmara fez Briza e a mãe estremecerem,
acordando-as das suas memórias desses tempos fatídicos. A porta abriu-se e
Dinin, o Rapaz Mais Velho da Casa, entrou.
— Saudações, Matrona Mãe — disse Dinin, com os modos adequados e
fazendo uma profunda vénia. Queria que as suas notícias fossem uma surpresa,
mas o sorriso que acabou por se lhe abrir no rosto revelou tudo.
— Jarlaxle regressou! — murmurou Malice, radiante.
Dinin virou-se para a porta aberta e o mercenário, que esperava pacientemente
no corredor, entrou com ar decidido. Briza, sempre espantada com os
maneirismos invulgares do mercenário, abanou a cabeça enquanto Jarlaxle
passava por ela. Quase todos os elfos negros de Menzoberranzan se vestiam de
uma forma discreta e prática, com vestes adornadas pelos símbolos da Rainha
Aranha ou com cotas de malha leves sob as pregas dos seus mantos mágicos de
camuflagem, os piwafwi.
Jarlaxle, arrogante e espalhafatoso, seguia poucos dos costumes dos habitantes
de Menzoberranzan. Estava longe da norma da sociedade drow e exibia essas
diferenças abertamente, desafiadoramente. Não trajava um manto, nem uma
veste longa, mas uma capa curta e brilhante que exibia todas as cores do

espectro, tanto àdaquela


calor. A magia luz como
capaaosóespectro
podia serinfravermelho
calculada, masdosos olhos sensíveismais
que estavam ao
próximos do chefe dos mercenários diziam que era de facto muito valiosa.
A capa de Jarlaxle não cobria os braços e era tão curta que o estômago magro
e fortemente musculado ficava bem à vista de todos. Usava uma pala sobre um
olho, ainda que os observadores mais atentos percebessem que era ornamental,
pois mudava-a frequentemente de um olho para o outro.
— Minha cara Briza — disse Jarlaxle por cima do ombro, notando o interesse
desdenhoso da alta sacerdotisa pela sua chegada. Girou sobre os calcanhares e
fez uma vénia, fazendo rodopiar o chapéu de abas largas — outra singularidade,
ainda mais invulgar porque o chapéu era adornado por penas monstruosas de
uma diatryma, uma ave gigantesca do Subescuro.
Briza suspirou e virou costas perante a visão da cabeça inclinada do
mercenário. Os elfos drow usavam o cabelo branco e espesso como sinal da sua
posição e afiliação à Casa. Jarlaxle, o vadio, não usava cabelo nenhum e, do
ângulo de visão
Jarlaxle riu-sedeem
Briza, a cabeça
silêncio rapada
perante parecia uma bola
a desaprovação de ónixda
continuada polido.
filha mais
velha da Casa Do’Urden e voltou-se de novo para a Matrona Malice, com as
suas muitas jóias a tilintar e com as botas duras e brilhantes a ressoar a cada
passo. Briza notou isso também, pois sabia que aquelas botas, e aquelas jóias, só
pareciam fazer barulho quando Jarlaxle queria que o fizessem.
— Está feito? — perguntou a Matrona Malice, antes que o mercenário
pudesse sequer iniciar a saudação devida.
— Minha cara Matrona Malice — respondeu Jarlaxle com um suspiro
condoído, sabendo que podia deixar de lado as formalidades, tendo em conta as
grandes novidades que trazia. — Duvidaste de mim? Fico evidentemente ferido
no meu coração.
Malice desceu do trono, com os punhos cerrados em sinal de vitória.
— Dipree Hun’ett está morto! — proclamou. — A primeira vítima nobre da
guerra!
— Esqueces Masoj Hun’ett — notou Briza. — Chacinado por Drizzt há dez
anos. E Zaknafein Do’Urden — teve de acrescentar, contra o que mandaria o
bom senso —, morto pelas tuas próprias mãos.
— Zaknafein não era nobre por nascimento — desdenhou Malice para a sua

impertinente filha. de Briza tinham-na, mesmo assim, espicaçado. Malice


Mas as palavras
decidira sacrificar Zaknafein no lugar de Drizzt, contra as recomendações de
Briza.
Jarlaxle pigarreou, para aliviar a tensão. O mercenário sabia que tinha de
terminar os seus assuntos e sair da Casa Do’Urden o mais depressa possível.
Sabia bem — embora os Do’Urden não o soubessem — que a hora marcada
estava a aproximar-se.
— Há ainda o assunto do meu pagamento — relembrou a Malice.
— Dinin tratará disso — respondeu Malice com um gesto da mão, sem
desviar os olhos do olhar fixo e pernicioso da filha.
— Com a vossa licença, então — disse Jarlaxle, acenando para o Rapaz Mais
Velho.
Antes que o mercenário desse o primeiro passo em direcção à porta, Vierna, a
segunda filha de Malice, entrou de rompante na sala, com o rosto a brilhar
fortemente
— Raios… no —
espectro infravermelho,
murmurou Jarlaxle. acalorada por uma óbvia exaltação.
— Que se passa? — perguntou a Matrona Malice.
— A Casa Hun’ett — gritou Vierna. — Há soldados no nosso complexo!
Estamos a ser atacados!
o pátio, para lá do complexo das cavernas, quase quinhentos soldados da Casa
Hun’ett — uns bons cem mais do que os que a Casa Hun’ett supostamente
deveria ter — seguiam na esteira de raios de luz que tinham escancarado os
portões de adamantite da Casa Do’Urden. Os trezentos e cinquenta soldados da
Casa Do’Urden acorreram dos aglomerados de estalagmites que serviam de suas
casernas, para conter o ataque.
Em inferioridade numérica, mas treinados por Zaknafein, os soldados
Do’Urden formaram em posições defensivas ordenadas, protegendo os seus
magos e sacerdotisas, para que estes pudessem lançar os seus encantamentos.
Um contingente inteiro de soldados da Casa Hun’ett, fortalecido por
encantamentos voadores, rodopiou pela parede da caverna que abrigava os
aposentos nobres da Casa Do’Urden. Pequenos arcos de mão dispararam e
fizeram reduzir-se as fileiras da força voadora com dardos mortíferos,
envenenados. A surpresa dos invasores voadores, porém, fora conseguida, e as
tropas Do’Urden depressa se viram colocadas numa posição precária.
— Hun’ett não tem o favor de Lolth! — gritou Malice. — Não se atreveriam a
atacar abertamente!
Estremeceu perante o som de um retumbante raio, e depois outro, e depois
ainda outro.
— Ah, sim? — lançou-lhe Briza.
Malice fez um olhar ameaçador à filha, mas não teve tempo para prosseguir a
discussão. O método normal de ataque por uma casa drow implicava um assalto
por soldados combinado com uma barragem mental pelas sacerdotisas mais
elevadas da Casa atacante. Malice, porém, não sentia nenhum ataque mental, o
que lhe dizia, sem margem para dúvidas, que era de facto a Casa Hun’ett que
estava à sua porta. As sacerdotisas Hun’ett, tendo perdido o favor da Rainha
Aranha, não podiam, aparentemente, usar os seus poderes conferidos por Lolth
para lançar um ataque mental. Malice e as filhas, que também tinham perdido o
favor
ataque.da Rainha Aranha, não teriam tido quaisquer esperanças de derrotar um tal
— Porque se atreveriam a atacar? — interrogou-se Malice em voz alta.
Briza compreendeu o raciocínio da mãe.
— São ousados, de facto — respondeu. — Esperar que os seus soldados
sozinhos possam eliminar todos os membros da nossa Casa…
Toda a gente que estava na sala, todo o drow de Menzoberranzan conhecia os
castigos brutais e absolutos que seriam exercidos contra qualquer Casa que
falhasse na tentativa de erradicar outra Casa. Estes ataques não eram mal vistos,
mas ser apanhado a fazê-los era decididamente punido.
Rizzen, o actual patrono da Casa Do’Urden, entrou então na antecâmara, com
uma expressão sombria.
— Estamos em desvantagem numérica e mal posicionados — disse. — A
nossa derrota será rápida, receio bem.
Malice nunca aceitaria essa notícia. Agrediu Rizzen com um golpe que o fez
deslizar pelo chão até ao meio da sala; depois, virou-se para Jarlaxle:
— Tens de chamar o teu bando! — gritou Malice para o mercenário.
— Matrona… — gaguejou Jarlaxle, obviamente confundido. — Bregan
D’aerthe é um grupo secreto. Não nos imiscuímos em guerras abertas. Fazê-lo

levar-nos-ia a incorrer
— Pagar-te-ei o quena ira do Conselho
desejares Governante!
— prometeu a desesperada Matrona Mãe.
— Mas o custo…
— Tudo o que desejares! — repetiu Malice.
— Uma tal acção… — recomeçou Jarlaxle.
Mais uma vez, Malice não o deixou terminar o argumento.
— Salva a minha Casa, mercenário — rosnou. — Os teus ganhos serão
enormes; mas aviso-te: os teus custos se falhares serão ainda maiores!
Jarlaxle não gostava de ser ameaçado, especialmente por uma matrona mãe
caída em desgraça, cujo mundo estava prestes a desabar à sua volta. Mas aos
ouvidos do mercenário, a doce palavra «ganhos» tinha mil vezes mais peso do
que uma ameaça. Após dez anos consecutivos de recompensas exorbitantes
obtidas com o conflito Do’Urden – Hun’ett, Jarlaxle não duvidava da intenção
de Malice, nem da sua capacidade para pagar o prometido, tal como também não
tinha dúvidas de que este acordo se mostraria mais lucrativo do que o acordo que
tinha firmado com a Matrona SiNafay Hun’ett, pouco antes, nessa mesma
semana.
— Como queiras — disse Jarlaxle para a Matrona Malice, com uma vénia e
um rodopiar do vistoso chapéu. — Verei o que posso fazer.
Uma piscadela de olho para Dinin fez o Rapaz Mais Velho seguir o
mercenário enquanto este saía da sala.
Quando os dois saíram para a varanda que dava para o pátio do complexo
Do’Urden, viram que a situação era ainda mais desesperada do que Rizzen
descrevera. Os soldados da Casa Do’Urden — os que restavam vivos — estavam
encurralados dentro e em volta de um dos grandes aglomerados de estalagmites
que serviam de apoio ao portão frontal.
Um dos soldados voadores Hun’ett saltou para a varanda assim que viu um
nobre Do’Urden, mas Dinin despachou-o com uma única e estonteante rotina de
ataque.
— Muito bem — comentou Jarlaxle, fazendo um aceno de aprovação para
Dinin. Avançou para dar uma palmada de elogio no ombro do Rapaz Mais
Velho, mas Dinin esgueirou-se.
— Temos outros assuntos — lembrou secamente a Jarlaxle. — Chama as tuas
tropas, e bem depressa. Receio bem que a Casa Hun’ett ganhe o dia.

— Mantém-te
Puxou sereno, meu
de um pequeno apitoamigo — riu-se
que trazia Jarlaxle.e soprou. Dinin não ouviu
ao pescoço
nenhum som, porque o instrumento estava magicamente afinado exclusivamente
para os ouvidos dos membros do clã Bregan D’aerthe.
O Rapaz Mais Velho Do’Urden observou com espanto enquanto Jarlaxle
soprava calmamente uma cadência específica, e depois viu com ainda maior
espanto mais de uma centena de soldados Hun’ett a voltarem-se contra os seus
camaradas.
Os Bregan D’aerthe só deviam fidelidade a Bregan D’aerthe.
— Não nos podiam atacar — dizia Malice teimosamente, andando para trás e
para diante na antecâmara. — A Rainha Aranha não os ajudaria numa tal
aventura.
— Estão a vencer sem a ajuda da Rainha Aranha — relembrou-lhe Rizzen,
encolhendo-se prudentemente no canto mais afastado da sala, enquanto dizia
essas
— palavras
Dissesteindesejadas.
que eles nunca atacariam! — rosnou Briza para a mãe. —
Precisamente enquanto nos explicavas a nós por que razão não os podíamos
atacar a eles!
Briza recordava-se bem dessa discussão, pois fora ela quem sugerira um
ataque frontal à Casa Hun’ett. Malice ralhara-lhe asperamente e publicamente
por isso, e agora Briza queria devolver-lhe a humilhação. A voz dela escorria
sarcasmo enquanto apontava cada palavra à mãe:
— Será que a Matrona Malice Do’Urden se enganou?
A resposta de Malice veio sob a forma de um olhar que mostrava algo entre a
raiva e o terror. Briza devolveu o olhar sem ambiguidade e subitamente a
Matrona Mãe da Casa Do’Urden já não se sentia tão invencível e segura dos seus
actos. Começou a avançar nervosamente, um momento mais tarde, quando
Maya, a mais nova das filhas Do’Urden, entrou na sala.
— Romperam as defesas e entraram na casa! — gritou Briza, presumindo o
pior. Agarrou o seu chicote de cabeças de serpente. — E ainda nem sequer
preparámos a nossa defesa!
— Não! — corrigiu Maya rapidamente. — Nenhum inimigo passou da
varanda. A batalha virou-se agora contra os Hun’ett!

se — Como eu
e falando bem sabiapara
claramente queBriza.
haveria
—de ser —
Louca é aobservou
Casa queMalice,
avançarecompondo-
sem o favor
de Lolth!
Apesar desta proclamação, porém, Malice calculou que algo mais do que o
ulgamento da Rainha Aranha tinha entrado em jogo no pátio. O seu raciocínio
levou-a inevitavelmente a Jarlaxle e ao seu bando de mercenários pouco dignos
de confiança.
Jarlaxle saltou da varanda e, usando as suas capacidades inatas de drow,
levitou até ao chão da caverna. Não vendo nenhuma necessidade de se envolver
pessoalmente numa batalha que estava obviamente sob controlo, Dinin
descontraiu-se e ficou a ver o mercenário, avaliando tudo o que acabara de
transpirar. Jarlaxle tinha jogado com ambos os lados, lançando-os um contra o
outro, e mais uma vez o mercenário e o seu bando eram os únicos verdadeiros
vencedores. Os Bregan D’aerthe eram inegavelmente sem escrúpulos, mas tinha
de admitir que eram também inegavelmente eficazes.
Dinin descobriu que gostava daquele renegado.
— A acusação foi devidamente entregue à Matrona Baenre? — perguntou
Malice a Briza quando a luz de Narbondel, a estalagmite magicamente iluminada
que servia de relógio de Menzoberranzan, começou a subir pela pedra, marcando
a alvorada de um novo dia.
— A Casa reinante já esperava a visita — respondeu Briza com um esgar. —
Toda a cidade fala do ataque e de como a Casa Do’Urden repeliu os invasores da
Casa Hun’ett.
Malice tentou futilmente esconder o sorriso vaidoso. Apreciava a atenção e a
glória que sabia que seria concedida à sua Casa.
— O Conselho Governante será reunido hoje mesmo — prosseguiu Briza. —
Sem dúvida para grande pesar da Matrona SiNafay Hun’ett e dos seus filhos
condenados.
Malice acenou em concordância. Eliminar uma casa rival em Menzoberranzan
era perfeitamente aceitável entre os drow. Mas falhar na tentativa, deixar nem
que fosse uma única testemunha de sangue nobre viva para fazer uma acusação,
srcinava o julgamento do Conselho Governante, concitando uma ira que trazia a
destruição absoluta no seu encalço.
Viraram-se ambas para a porta ornamentada quando ouviram bater.
— Foste convocada, Matrona — disse Rizzen, entrando. — A Matrona Baenre
mandou um disco para te levar.
Malice e Briza trocaram olhares cheios de esperanças, mas nervosos. Quando
o castigo caísse sobre a Casa Hun’ett, a Casa Do’Urden subiria para o oitavo
lugar na hierarquia da cidade, uma posição muito desejável. Só as matronas
mães das primeiras oito casas tinham direito a um lugar no Conselho Governante
da cidade.
— Já? — perguntou Briza para a mãe.
Malice limitou-se a encolher os ombros em resposta e seguiu Rizzen para fora
da sala e até à varanda da casa. Rizzen ofereceu-lhe uma mão para ajudar, que
ela teimosa e imediatamente afastou com um gesto seco. Com o orgulho bem
visível em cada movimento, Malice passou por cima da varanda e flutuou até ao
pátio, onde a maioria dos soldados que lhe restavam estava reunida. O disco
flutuante, brilhando a azul, com as insígnias da Casa Baenre, pairava logo à
saída dos portões
Malice de adamantite
caminhou do complexo
orgulhosamente por entreda aCasa Do’Urden.
pequena multidão reunida; os
elfos negros tropeçavam uns nos outros, tentando sair do caminho de Malice.
Este era o dia dela, decidira, o dia em que conseguiria obter o seu lugar no
Conselho Governante, posição que tanto merecia.
— Matrona Mãe, acompanhar-te-ei pela cidade — ofereceu-se Dinin, que
estava ao portão.
— Ficarás aqui com o resto da família — corrigiu-o Malice. — A
convocatória foi apenas para mim.
— Como podes saber? — interrogou Dinin, mas percebendo que tinha
ultrapassado os seus limites de posição assim que as palavras lhe saíram da boca.
Quando Malice virou o seu olhar de censura para ele, já Dinin tinha
desaparecido por entre a multidão de soldados.
— Haja respeito — resmungou Malice em surdina, instruindo os soldados que
estavam mais perto para retirarem uma secção do portão fechado. Com um olhar
final e vitorioso aos seus súbditos, Malice saiu e sentou-se no disco flutuante.
Não era a primeira vez que Malice aceitava um tal convite da Matrona Baenre,
e por isso não ficou minimamente surpreendida quando várias sacerdotisas
saíram das sombras para rodearem o disco flutuante numa guarda protectora. A

última vez que


compreender Malice de
as intenções fizera estaaoviagem
Baenre fora
chamá-la. às vez,
Desta cegas, sem realmente
no entanto, Malice
cruzou os braços desafiadoramente e deixou que os mirones curiosos a vissem
em todo o esplendor da sua vitória.
Malice aceitou os olhares orgulhosamente, sentindo-se claramente superior.
Mesmo quando o disco chegou à fabulosa vedação semelhante a uma teia da
Casa Baenre, com os seus mil guardas a marchar e com as suas estruturas
enormes de estalagmites e estalactites, o orgulho de Malice não diminuiu.
Era agora do Conselho Governante, ou seria daí a pouco; já não tinha de se
sentir intimidada em parte nenhuma da cidade.
Ou, pelo menos, assim pensava.
— A tua presença é exigida na capela — disse-lhe uma das sacerdotisas
Baenre quando o disco parou junto às escadas serpenteantes de um dos grandes
edifícios abobadados.
Malice desceu do disco e começou a subir os degraus polidos. Assim que
entrou,
elevado.reparou
A drownuma figura sentada,
que estava sentada enuma das acadeiras
que era juntopessoa
única outra ao altar central
visível na
capela, aparentemente não tinha notado que Malice entrara. Estava sentada
confortavelmente, bem recostada, observando a grande imagem no topo da
cúpula, enquanto esta mudava de formas, parecendo primeiro uma aranha
gigante e depois uma bela fêmea drow.
Enquanto se aproximava, Malice reconheceu as vestes de uma matrona mãe, e
presumiu, como desde que entrara, que se tratava da Matrona Baenre, a mais
poderosa personagem de toda a Menzoberranzan, à sua espera. Malice seguiu até
aos degraus do altar, surgindo por detrás da drow sentada. Sem esperar por um
convite, avançou ousadamente, passando para a frente da outra matrona mãe,
para a saudar.
Não foi, porém, a forma envelhecida e emaciada da Matrona Baenre que
Malice encontrou no centro da capela Baenre. A matrona mãe sentada não era
mais velha do que os anos normais dos drow, nem tão enrugada e seca como um
cadáver. Na verdade, esta drow não era sequer mais velha do que Malice, e era
bastante pequena. Malice reconheceu-a bem demais.
— SiNafay! — gritou, quase caindo.
— Malice… — respondeu a outra, calmamente.

Mil possibilidades
Hun’ett perturbantes
deveria estar encolhida empassaram
terror na pela cabeça
sua casa de Malice.
condenada, SiNafay
à espera da
aniquilação da sua família. E no entanto, ali estava sentada confortavelmente,
nos aposentos mais exclusivos da família mais importante de Menzoberranzan!
— O teu lugar não é aqui! — protestou Malice, com os punhos magros
cerrados ao lado do corpo. Considerou as possibilidades de atacar a rival ali
mesmo, de esganar SiNafay com as suas próprias mãos.
— Mantém-te calma, Malice — respondeu descontraidamente SiNafay. —
Estou aqui a convite da Matrona Baenre, tal como tu.
A menção da Matrona Baenre e o relembrar do sítio onde estavam acalmaram
consideravelmente Malice. Uma pessoa não podia agir como lhe apetecesse na
capela da Casa Baenre! Malice avançou para o lado oposto do altar e sentou-se,
sem que o seu olhar deixasse por um momento o rosto sorridente de SiNafay
Hun’ett.
Após alguns minutos intermináveis de silêncio, Malice teve de dizer o que lhe
ia na
— mente.
Foi a Casa Hun’ett que atacou a minha família na última escuridão de
arbondel — disse. — Tenho muitas testemunhas desse facto. Não pode haver
quaisquer dúvidas!
— Nenhumas — respondeu SiNafay, com a sua concordância a apanhar
Malice de surpresa.
— Admites os teus actos? — espantou-se Malice.
— Assim é — disse SiNafay. — Nunca o neguei.
— E, no entanto, vives — rosnou Malice. — As leis de Menzoberranzan
exigem justiça contra ti e a tua Casa.
— Justiça? — SiNafay riu-se perante essa ideia absurda. A justiça nunca fora
mais do que uma mera fachada e um meio de manter a aparência de ordem na
caótica Menzoberranzan. — Agi conforme a Rainha Aranha me exigiu.
— Se a Rainha Aranha tivesse aprovado os teus métodos, terias saído
vitoriosa — raciocinou Malice.
— Não é assim — interrompeu outra voz.
Malice e SiNafay voltaram-se no momento em que a Matrona Baenre
apareceu magicamente, sentada confortavelmente na cadeira mais afastada do
altar.

Malice
delas, quisporgritar
como para a ressequida
aparentemente refutarmatrona
as suas mãe, tanto por
pretensões espiar
contra a conversa
SiNafay. Mas
Malice conseguira sobreviver aos perigos de Menzoberranzan durante
quinhentos anos, em primeiro lugar, porque compreendia os perigos de irritar
alguém como a Matrona Baenre.
— Proclamo os meus direitos de acusação contra a Casa Hun’ett — disse
calmamente.
— Concedidos — respondeu a Matrona Baenre. — Tal como disseste, e como
SiNafay concordou, não restam quaisquer dúvidas.
Malice virou-se triunfante para SiNafay, mas a matrona mãe da Casa Hun’ett
continuou descontraída e despreocupada.
— Mas então porque está ela aqui? — gritou Malice, com um tom à beira de
uma violência explosiva. — SiNafay é uma marginal. É…
— Ninguém pôs em causa as tuas palavras — interrompeu a Matrona Baenre.
— A Casa Hun’ett atacou e falhou. As penalidades para um tal acto são bem
conhecidas
garantir que ea assentes,
justiça sejae feita.
o Conselho Governante reunir-se-á hoje mesmo para
— Então, porque está SiNafay aqui? — perguntou Malice.
— Duvidas da sabedoria do meu ataque? — perguntou SiNafay a Malice,
tentando conter uma gargalhadinha.
— Foste derrotada — relembrou-lhe Malice secamente. — Só isso deveria
bastar-te para resposta.
— Foi Lolth que exigiu o ataque — disse a Matrona Baenre.
— Porque foi então a Casa Hun’ett derrotada? — perguntou teimosamente
Malice. — Se a Rainha Aranha…
— Eu não disse que a Rainha Aranha tivesse dado a sua bênção à Casa
Hun’ett — interrompeu a Matrona Baenre, num tom vagamente irado.
Malice remexeu-se na cadeira, lembrando-se do seu lugar e dos seus apuros.
— Só disse que Lolth exigiu o ataque — prosseguiu a Matrona Baenre. —
Durante dez anos, toda a Menzoberranzan teve de sofrer o espectáculo da vossa
guerra privada. A intriga e a excitação já se perderam há muito tempo, deixem
que vos garanta a ambas. O assunto tinha de ser decidido.
— E foi — declarou Malice, levantando-se da cadeira. — A Casa Do’Urden
mostrou-se vitoriosa, e exijo os direitos de acusação contra SiNafay Hun’ett e a

sua—família!
Senta-te, Malice — disse SiNafay. — Há aqui mais em jogo do que os teus
simples direitos de acusação.
Malice olhou para a Matrona Baenre, em busca de confirmação, muito
embora, tendo em conta a presente situação, não pudesse duvidar das palavras de
SiNafay.
— Está feito — disse-lhe a Matrona Baenre. — A Casa Do’Urden venceu, e a
Casa Hun’ett desaparecerá.
Malice deixou-se cair de novo na cadeira, sorrindo trocista para SiNafay.
Mesmo assim, a matrona mãe da Casa Hun’ett não parecia minimamente
preocupada.
— Assistirei à destruição da tua Casa com grande prazer — garantiu Malice à
rival. Depois, voltou-se para a Matrona Baenre: — Quando será exercido o
castigo?
— Já foi feito — respondeu a Matrona Baenre misteriosamente.

— Mas
Não SiNafay estáaviva!
— corrigiu velha—matrona
gritou Malice.
mãe. — Vive aquela que em tempos foi
SiNafay Hun’ett.
Agora Malice começava a compreender. A Casa Baenre sempre fora
oportunista. Seria que a Matrona Baenre estava a roubar as sacerdotisas da Casa
Hun’ett para as acrescentar às suas próprias?
— Vais tu dar-lhe guarida? — atreveu-se Malice a perguntar.
— Não — respondeu calmamente a Matrona Baenre. — Essa tarefa compete-
te a ti.
Os olhos de Malice arregalaram-se. De todos os muitos deveres que já
recebera nos seus dias como alta sacerdotisa de Lolth, não conseguiria recordar-
se de nenhum tão intragável.
— Mas ela é minha inimiga! E pedes-me que lhe dê guarida?
— É tua filha — respondeu secamente a Matrona Baenre. Depois, o tom da
voz tornou-se mais suave e um sorriso seco abriu-se-lhe nos lábios. — A tua
filha mais velha, que regressou de viagens a Ched Nasad ou outra cidade
qualquer da nossa gente.
— Porque estás a fazer isto? — perguntou Malice. — É uma coisa sem
precedentes!

— Isso
dedos não é completamente
tamborilaram à sua frenteverdade — respondeu
enquanto a Matrona
se recostava, Baenre. nos
mergulhando Os
pensamentos, relembrando algumas das estranhas consequências da interminável
fiada de batalhas dentro da cidade drow.
— À primeira vista, as tuas observações estão correctas — continuou a
explicar a Malice. — Mas decerto és sensata o suficiente para saber que muitas
coisas ocorrem por detrás das aparências em Menzoberranzan. A Casa Hun’ett
deve ser destruída, e isso não se pode alterar; e todos os nobres da Casa Hun’ett
terão de ser chacinados. Afinal de contas, é a única coisa civilizada que se pode
fazer — fez uma pausa por um momento, para se assegurar de que Malice
compreenderia plenamente o significado da sua afirmação seguinte: — Pelo
menos, têm de parecer ter sido chacinados.
— E tu tratarás disso? — perguntou Malice.
— Já tratei — tranquilizou-a a Matrona Baenre.
— Mas com que finalidade?
— Quando
Aranha a Casa
nas tuas Hun’ett
lutas? — iniciou
perguntouo seua ataque contra
Matrona ti, invocaste
Baenre a Rainha
directamente. A
perguntou intrigou Malice, e a resposta esperada perturbou-a mais do que um
pouco. — E quando a Casa Hun’ett foi repelida — prosseguiu a Matrona Baenre
friamente —, deste louvores à Rainha Aranha? Invocaste alguma aia de Lolth no
teu momento de vitória, Malice Do’Urden?
— Estou aqui a ser julgada? — gritou Malice. — Sabes a resposta, Matrona
Baenre — Olhou para SiNafay desconfortavelmente enquanto respondia,
receando estar a deixar escapar alguma informação valiosa: — Estás ciente da
minha situação relativamente à Rainha Aranha. Não me atrevo a convocar uma
ochlol até ter tido algum sinal de ter recuperado o favor de Lolth.
— E não viste nenhum sinal — notou SiNafay.
— Nenhum, a não ser a derrota da minha rival — rosnou-lhe Malice de volta.
— Isso não foi nenhum sinal da Rainha Aranha — garantiu a Matrona Baenre
a ambas. — Lolth não se envolveu nas vossas lutas. Apenas exigiu que
acabassem!
— E está satisfeita com o resultado? — perguntou directamente Malice.
— Isso ainda está por saber — retorquiu a Matrona Baenre. — Há muitos
anos, Lolth deixou claro que deseja que a Matrona Malice se sente no Conselho

Governante. A Malice
O queixo de partir daergueu-se
próxima luz
comdeorgulho.
Narbondel, assim será.
— Mas vê se entendes o teu dilema — repreendeu-a a Matrona Baenre,
erguendo-se na cadeira. Malice encolheu-se imediatamente. — Perdeste mais de
metade dos teus soldados — explicou a Matrona Baenre. — E não tens uma
grande família a rodear-te e a apoiar-te. Governas a oitava Casa da cidade, e no
entanto toda a gente sabe que não estás nos favores da Rainha Aranha. Quanto
tempo crês que a Casa Do’Urden poderá manter a sua posição? O teu lugar no
Conselho Governante está em perigo, antes mesmo de o assumires!
Malice não poderia refutar a lógica da velha matrona mãe. Ambas conheciam
bem os costumes de Menzoberranzan. Com a Casa Do’Urden tão obviamente
diminuída, qualquer outra Casa menor em breve tiraria partido da oportunidade
para melhorar a sua posição. O ataque da Casa Hun’ett não seria o último
combate travado no complexo Do’Urden.
— Por isso, entrego-te SiNafay Hun’ett… Shi’nayne Do’Urden… Uma nova
filha,SiNafay,
para uma nova alta
para sacerdotisa
prosseguir — disse amas
a explicação, Matrona
MaliceBaenre. Depois,
deu consigo voltou-se
subitamente
distraída por uma voz que a chamava nos seus pensamentos, numa mensagem
telepática.
— Mantém-na apenas enquanto precisares dela, Malice Do’Urden — dizia a
mensagem. Malice olhou em volta, tentando perceber a srcem da mensagem.
uma anterior visita à Casa Baenre conhecera o leitor de mentes da Matrona, um
animal telepático. A criatura não estava à vista, mas a Matrona Baenre também
não estivera à vista quando Malice entrara na capela. Malice olhou em volta,
observando as cadeiras em redor do altar, uma a uma, mas as peças de mobiliário
de pedra não mostravam sinais de quaisquer ocupantes.
Uma segunda mensagem telepática não lhe deixou dúvidas:
— Saberás quando for o momento certo.
— …e os restantes cinquenta soldados da Casa Hun’ett — estava agora a
Matrona Baenre a dizer. — Concordas, Matrona Malice?
Malice olhou para SiNafay, com uma expressão que tanto podia ser de
aceitação, como de ironia maldosa.
— Concordo — respondeu.
— Vai, então, Shi’nayne Do’Urden — instruiu a Matrona Baenre a SiNafay.

— Reúne
Casa os teusem
Do’Urden soldados
segredo.restantes no pátio. Os meus magos vos farão chegar à
SiNafay lançou um olhar desconfiado na direcção de Malice, e depois saiu da
grande capela.
— Compreendo — disse Malice à sua anfitriã assim que SiNafay saiu.
— Não compreendes coisa nenhuma — gritou-lhe a Matrona Baenre em
resposta, subitamente irada. — Fiz por ti tudo o que posso, Malice Do’Urden!
Era desejo de Lolth que tivesses assento no Conselho Governante, e tratei de
que, com grande custo pessoal meu, assim seja!
Malice soube então, para além de qualquer dúvida, que a Casa Baenre tinha
incitado a Casa Hun’ett à acção. Até que ponto chegaria a influência da Matrona
Baenre? — interrogou-se Malice. Talvez a envelhecida Matrona Mãe também
tivesse previsto, e possivelmente disposto, as acções de Jarlaxle e dos soldados
de Bregan D’aerthe, que tinham sido o factor decisivo da batalha.
Tinha de descobrir a verdade sobre essa possibilidade, prometeu a si mesma.
Jarlaxle
— Mas tinha metido
basta os seus gananciosos
— prosseguiu a Matronadedos bem—fundo
Baenre. na estás
Agora, sua bolsa.
entregue a ti
própria. Ainda não recuperaste o favor de Lolth, e essa é a única maneira de tu e
a Casa Do’Urden sobreviverem!
O punho de Malice apertou o braço da cadeira com tanta força que quase
esperou ouvir a pedra a estalar sob os dedos. Tinha esperado, com a derrota da
Casa Hun’ett, pôr os gestos blasfemos do filho mais novo para trás.
— Sabes o que precisa de ser feito — disse a Matrona Baenre. — Corrige o
erro, Malice. Avancei por ti. Não tolerarei mais falhas!

— As disposições foram-nos explicadas, Matrona Mãe — disse Dinin a Malice


quando esta regressou ao portão de adamantite da Casa Do’Urden. Dinin seguiu
Malice através do complexo e depois levitou ao lado dela até à varanda exterior
dos aposentos nobres da casa.
— Toda a família está reunida na antecâmara — prosseguiu Dinin. — Mesmo
o membro mais recente — acrescentou com uma piscadela de olho.
Malice não respondeu à fraca tentativa de humor do filho. Empurrou Dinin
para o lado secamente e avançou de modo brusco pelo corredor central,
mandando a porta da antecâmara abrir-se com uma única e poderosa palavra. A
família afastou-se do seu caminho enquanto passava em direcção ao trono, no
outro extremo da mesa em forma de aranha.
Esperavam uma longa reunião, para serem informados da nova situação com
que se deparavam e dos desafios que teriam de vencer. Em vez disso, receberam
uma breve visão da ira que ardia dentro de Matrona Malice. Olhou fixamente
para cada um deles, deixando que cada um ficasse a saber, para além de
quaisquer dúvidas, que não aceitaria nada menos do que o que ia exigir. Com a
voz a soar como se tivesse a boca cheia de pedras, rosnou:
— Encontrem Drizzt e tragam-mo!
Briza ia começar a protestar, mas Malice lançou-lhe um olhar tão
completamente gélido e ameaçador que as palavras lhe fugiram da boca. A filha
mais velha, teimosa como a mãe e sempre pronta para uma discussão, desviou os
olhos. E mais ninguém na sala, ainda que todos partilhassem das preocupações
de Briza, fez qualquer menção de querer argumentar.
Malice deixou-os então a tratar de lidar com os pormenores de como haveriam
de Ocumprir
único essa
papeltarefa. Os pormenores
que esperava não importavam
desempenhar em tudo muito
aquilo aera
Malice.
o de cravar o
punhal cerimonial no peito do filho mais novo.
BIOGRAFIA

R. A. Salvatore é um autor norteamericano conhecido pelos seus romances da


série Forgotten Realms e Vector Prime, pertencente à série New Jedi Order do
universo Star Wars. O seu primeiro romance, The Crystal Shard, foi publicado
em 1988, ao qual se seguiram várias trilogias, alcançando a popularidade com a
sua criação de uma das personagens mais famosas da fantasia, o elfo negro
Drizzt Do’Urden. R. A. Salvatore vive em Massachusetts, EUA, com a mulher e
três filhos.
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DIÁRIO DE UMA OBSESSÃO

Claire Kendal

Os fãs de Gone Girl irão arrepiar-se com este thriller sobre poder e
perseguição.

Clarissa está cada vez mais assustada com o seu colega Rafe. Ele não a deixa em
paz e recusa-se a aceitar “não” como resposta. Está sempre presente.
Ser convocada para ser jurada é um alívio. A sala do tribunal é um abrigo
seguro, um lugar onde Rafe não pode estar. Mas à medida que uma narrativa de
rapto e violação se desenrola, Clarissa começa a ver paralelismos entre a sua
situação e a da jovem na barra das testemunhas. Se quer sobreviver, Clarissa terá
que expor o seu perseguidor. Ao desenredar o macabro e perverso conto de fadas
que Rafe teceu em torno deles, descobre que o final que ele visiona é mais
aterrador do que ela poderia alguma vez imaginar. Mas como é que alguém pode
proteger-se de um inimigo que mais ninguém consegue ver?
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