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Luciana Cesconetto Fernandes da Silva

A UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA NEUTRA NA FORMAÇÃO DO ATOR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação e Cul-
tura do Centro de Artes e Faculdade de Educa-
ção, da Universidade do Estado de Santa Cata-
rina, sob orientação do Professor José Ronal-
do Faleiro e coorientação do Professor Pedro
Bertolino.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Florianópolis – 2001
Luciana Cesconetto Fernandes da Silva

A UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA NEUTRA NA FORMAÇÃO DO ATOR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação e Cul-
tura do Centro de Artes e Faculdade de Educa-
ção, da Universidade do Estado de Santa Cata-
rina, sob orientação do Professor José Ronal-
do Faleiro e coorientação do Professor Pedro
Bertolino.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Florianópolis – 2001
Luciana Cesconetto Fernandes da Silva

A UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA NEUTRA NA FORMAÇÃO DO ATOR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação e


Cultura do Centro de Artes e Faculdade de Educação, da Universidade do Estado de
Santa Catarina, sob orientação do Professor José Ronaldo Faleiro e coorientação do Pro-
fessor Pedro Bertolino.

_______________________________________
Prof. Doutor José Ronaldo Faleiro

________________________________________
Prof. Doutor Valmor Beltrame

________________________________________
Profa Doutora Maria de Lourdes Rabetti

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Florianópolis

ii
Aos meus alunos e ex-alunos.

iii
Agradecimentos
Para realizar este trabalho contei com o apoio de algumas pessoas especiais. A-
gradeço a dedicação do professor José Ronaldo Faleiro, aquele que me orientou, que a-
creditou desde o início na necessidade desta pesquisa e me apresentou as obras de Co-
peau e de seus colaboradores. Agradeço o professor Pedro Bertolino, meu coorientador,
quem me ensinou os processos da ciência. Agradeço os professores Valmor Beltrame e
Eliane T. Lisboa, que fizeram contribuições enriquecedoras para a dissertação. Agrade-
ço meu pai, Odair, que sempre me incentivou a produzir e me apropriar da ciência como
instrumento de trabalho, e minha mãe, Zuleide, primeira mediadora para que eu apren-
desse e fizesse arte. Agradeço também a atenção carinhosa do Beto, que me ouviu e me
ajudou a pensar em momentos importantes da pesquisa e com quem contei para forma-
tar o trabalho. Outra pessoa especial foi a Jussara Correia, bibliotecária da Udesc, que
realizou as pesquisas bibliográficas virtuais e o fez com muito profissionalismo e genti-
leza. Contei também com a amizade de minha prima, Patricia, que mora na França, e vi-
abilizou a compra e envio de livros. Agradeço ainda: os integrantes do grupo Moitará,
Érika Rettl, Venício Fonseca, Marise Nogueira e Daniela Fossaluza assim como os co-
legas na oficina de máscaras, Flávio, Alexandre e Margareth; Adriane Mottola e Luis
Henrique Palese, profissionais com os quais estabeleci os primeiros diálogos sobre o as-
sunto. Finalmente, agradeço a Universidade do Estado de Santa Catarina, instituição na
qual realizei esta pesquisa.

iv
Sumário

Agradecimentos .................................................................................................... iv
Sumário .................................................................................................................. v
Resumo ................................................................................................................. vii
Abstract............................................................................................................... viii
Introdução.............................................................................................................. 1
1. O que é uma produção científica de conhecimento................................ 1
2. Esclarecimento sobre a gênese do fenômeno e seus desdobramentos ... 3
3. Esclarecimentos sobre a escolha da prática observada ........................ 5
4. Perguntas que nortearam a pesquisa ..................................................... 6
5. A metodologia utilizada.......................................................................... 6
6. Como se estrutura o trabalho................................................................. 8
CAPITULO I ....................................................................................................... 10
CONSIDERAÇÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA NEUTRA
NA FORMAÇÃO DO ATOR........................................................................ 10
1. Jacques Copeau.................................................................................... 10
1. 1. Breve biografia de Jacques Copeau................................................ 10
1.2. Copeau e o seu tempo - contextualização histórica........................ 13
1.3. O que Copeau rejeitou no teatro ..................................................... 16
1.4. A Teoria Teatral de Jacques Copeau .............................................. 20
1.4.1 Como deve ser o teatro.................................................................. 20
1.4.2. Como formar o ator para este teatro............................................. 36
1.4.3. A máscara neutra como instrumento de formação....................... 41
2. Jacques Lecoq ...................................................................................... 47
3. Peter Brook........................................................................................... 50
4. Odette Aslan ......................................................................................... 51
5. Sears A. Eldredge / Hollis W. Huston .................................................. 52
6. Elisabeth Pereira Lopes ....................................................................... 55
CAPÍTULO II ..................................................................................................... 58
A PRÁTICA COM A MÁSCARA NEUTRA NO BRASIL: O GRUPO
MOITARÁ ...................................................................................................... 58
1. Identificação do grupo e suas atividades ............................................. 58
1.1. Quem são/ formação dos membros do grupo ................................. 58
1.2. Onde estudaram a máscara / com quem/ o que aprenderam........... 59
2. Atividades de ensino com a máscara neutra ........................................ 62
2.1 Para quem ensinam / desde quando ensinam.................................. 62
2.2 O que ensinam ................................................................................ 64
1.3. Como ensinam ................................................................................ 73
1.4. Como avaliam a aprendizagem....................................................... 74
1.5. O que os alunos aprendem.............................................................. 78
CAPÍTULO III .................................................................................................... 80
CRÍTICA DE RESULTADOS........................................................................... 80
1. O que se ensina e com que objetivos............................................................. 80

v
1.1. As regras ................................................................................................ 80
1.2. Os exercícios com a máscara neutra............................................... 85
1.3. A noção de neutralidade e de despersonalização............................ 87
2. Como se ensina..................................................................................... 94
2.1. Demonstração ou Cópia do modelo................................................ 94
2.2. Direção expressa / direção tácita .................................................... 95
3. Como se avalia ..................................................................................... 98
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 101
1. Constatações....................................................................................... 101
2. Questões a investigar ......................................................................... 106
3. Algumas respostas provisórias........................................................... 107
3.1. Encontrar junto com o aluno a neutralidade................................. 107
3.2. Com demonstração técnica a direção deve ser explícita .............. 108
3.3. Evitar o ensino formal das regras/ propiciar a avaliação objetiva 108
BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 111

vi
Resumo
Esta dissertação consiste em uma pesquisa exploratória do fenômeno utilização da
máscara neutra na formação do ator. O objetivo geral é produzir um conhecimento que
beneficie a formação do ator. As questões norteadoras da pesquisa foram: o que se ensi-
na em aulas de máscara neutra? Com que objetivos? Como se ensina? Com relação à
metodologia, realizei uma pesquisa bibliográfica para verificar a gênese do fenômeno e
os seus desdobramentos (capítulo I); investiguei uma prática no Brasil: o processo de
ensino/aprendizagem da máscara neutra no grupo Moitará, do Rio de Janeiro (Capítulo
II). Por fim, elaborei a crítica de resultados (Capítulo III): identificação de semelhanças
e diferenças entre a prática orientada pelo grupo Moitará e as propostas dos pedagogos
estudados, esclarecendo o que se ensina e como se ensina. Nas considerações finais sin-
tetizei o que foi constatado nos capítulos anteriores (a máscara neutra como prática fun-
damental na formação do ator, pluralidade de metodologias de ensino, existência de ob-
jetivos comuns às diferentes propostas pedagógicas: valorização da percepção e preci-
são no movimento, inexistência de um único corpo neutro, engajamento específico da
consciência, demarcação eu-personagem, sacralização da máscara pela maioria dos pe-
dagogos); levantei questões a investigar (1. Já que é possível trabalhar com e sem a sa-
cralização da máscara, qual a função dessa variável no processo de ensi-
no/aprendizagem? 2. Quais as conseqüências das seguintes proposições metodológicas
para a formação do ator: colocar regras sem explicar suas necessidades; utilizar a platéia
para a avaliação do trabalho; fazer avaliação subjetiva/ objetiva; ensinar com/sem de-
monstração técnica?) e assinalei possíveis respostas a alguns dos aspectos estudados
(encontrar junto com o aluno a neutralidade, utilizar a direção explícita quando houver
demonstração técnica, evitar o ensino formal de regras e propiciar a avaliação objetiva).

vii
Abstract
This dissertation consists of an exploratory research on the phenomenon use
of the neutral mask to form actors. Its general purpose is to produce a
knowledge that benefits the academic development of actors. The guiding
subjects of this research are: What is taught in neutral mask classes? With
which purposes? How is it taught? Regarding methodology, I have accomplished
a bibliographical research to verify the genesis of the phenomenon and its
development (chapter I); by investigating a practice in Brazil: the neutral
mask's teaching/learning process in the group Moitará, in Rio de Janeiro
(chapter II). Finally, I have elaborated a critic on the results (chapter
III): identification of similarities and differences among the practice
conducted by the group Moitará and the studied educator's proposals,
clearing up what is taught and how it is taught. In the final
considerations, I have synthesized what was verified in the previous
chapters (the neutral mask as a fundamental practice to form actors,
multiple teaching methodologies, existence of purposes that are common to
the different pedagogic proposals: valorization of perception and accuracy
in movement, nonexistence of a single neutral body, specific engagement of the
conscience, person-character demarcation, sacralization of the mask by most
educators); I have raised subjects for investigation (1. Since it is possible to
work with and without the mask's sacralization, what is the role of that
variable in the teaching/learning process? 2. What are the consequences of
the following methodological propositions to the academic development of
actors: placing rules without explaining their requirements; using the
audience to evaluate tasks; carrying out subjective/objective evaluations;
teaching with/without technical demonstration?) and I have marked possible
answers for some of the aspects studied (finding neutrality with students,
using explicit direction in technical demonstrations, avoiding the formal
teaching of rules, and providing an objective evaluation).

viii
1

Introdução

O fenômeno investigado neste estudo é a máscara neutra como instrumento para


a formação do ator. O objetivo geral do trabalho é produzir um conhecimento que bene-
ficie a formação do ator. Essa pesquisa foi motivada pela necessidade que surgiu em
minhas aulas1 de encontrar outras possibilidades para iniciar a formação corporal do a-
tor e que fosse exclusivo do teatro, que tivesse sido construído para o ator, que não fosse
uma técnica de outra área como a dança ou as artes marciais trazidas e adaptadas às ne-
cessidades do teatro. Estudando a princípio a ação física na teoria teatral2 de Jacques
Copeau – diretor-pedagogo que me despertava interesse desde a época de meus estudos
na graduação, cheguei à especificidade da utilização da máscara neutra como mediação
para o ensino da ação física. Decidi então verificar cientificamente o fenômeno, visto
que carecemos no Brasil de bibliografia especializada que trate dos pormenores da utili-
zação da máscara neutra na formação do ator e dos ganhos que podemos ter com esta
prática. Verifiquei a gênese dessa estratégia, seus desdobramentos e observei uma práti-
ca no Brasil. A verificação me deu condições para fazer uma reflexão crítica sobre o que
se ensina, com que objetivos e como se ensina.

1. O que é uma produção científica de conhecimento

Diante da constatação da possibilidade de utilizar o método científico tal qual ele


foi construído historicamente pelo homem para investigar o fenômeno humano, decidi
aprender a utilizá-lo vislumbrando aí uma possibilidade de intervir em problemas peda-
gógicos de minha área específica.

Entendo que seja importante esclarecer aqui a questão do conhecimento tal qual é
estudado na epistemologia. O problema do conhecimento não é achar a pedra filosofal,
mas sim esclarecer algo para fazer algo. O conhecimento é uma ferramenta que o ho-

1
Trabalho com formação de atores na especificidade do ensino da linguagem corporal para a cena.
2
Utilizo a definição de Marvin Carlson que diz “ Por ‘teoria’, entendo a exposição dos princípios gerais
relativos a métodos, objetivos, funções e características dessa forma de arte específica” (CARLSON,
Marvin. Teorias do teatro. São Paulo: UNESP, 1995. p.9).
2

mem cria para a ação, para resolver problemas de relação com o mundo, com as coisas,
por exemplo: com deus, com o passado, com a cidade, com a doença.

A epistemologia, ciência que estuda a problemática do conhecimento, procura


classificar os tipos de conhecimentos produzidos pelos homens, os tipos de verdades
que deles resultam, os serviços que prestam à humanidade de acordo com seus limites e
possibilidades. Um desses conhecimentos produzidos pelo homem é o conhecimento ci-
entífico.

O conhecimento científico começou a ser produzido no século XVI, no Ocidente.


Ele se desenvolveu no momento em que os homens começaram a estudar fenômenos e
não mais fatos isolados. Um fenômeno é um conjunto de acontecimentos implicados
uns nos outros, é um conjunto de acontecimentos que interferem um no outro.

A ciência é um outro modo de verificar, esclarecer e intervir nas coisas. Este co-
nhecimento é utilizado pelo homem para resolver problemas na sua relação com fenô-
menos complexos que comportam e exigem intervenção científica. Ela só faz sentido se
for para modificar alguma coisa ou para beneficiar a humanidade.

Para fazer uma produção científica de conhecimento, o fenômeno tem que ser
submetido a uma verificação de acordo com um método específico: o método científico.
Este conhecimento só aceita como sustentável o limite dentro do qual ele tem seguran-
ça.

Para produzir ciência, portanto, primeiro é preciso que exista um problema ocor-
rendo na realidade e que necessite a produção de um conhecimento para que se resolva
a questão. O primeiro passo do método científico é a verificação do fenômeno, recor-
tando-o. Verificar o fenômeno é verificar o que o constitui. De acordo com o método ci-
entífico, todos os elementos necessários para esclarecer o fenômeno são retirados do fe-
nômeno. O método científico existe para evitar que, ao fazer uma observação do fenô-
meno, você tome como resultado de sua observação aquilo que foi deturpação proce-
dente do seu aparelho de observação.

Depois da verificação do que é constitutivo do fenômeno, da identificação das va-


riáveis, parte-se para um segundo passo: verificar as funções das variáveis constitutivas
3

do fenômeno. É preciso verificar o que tem função em que. É necessário então fazer
perguntas. As hipóteses são respostas provisórias que deverão ser testadas. Os resulta-
dos desses testes devem ser rigorosamente controlados. Essas respostas que eram provi-
sórias, depois de testadas podem ser confirmadas ou descartadas. Assim se chega a uma
verdade (ou afirmação) científica.

Essa dissertação limita-se à verificação do fenômeno, portanto ao que é constituti-


vo do fenômeno. Trata-se de uma pesquisa exploratória.

2. Esclarecimento sobre a gênese do fenômeno e seus desdobramentos

No Ocidente, a máscara apareceu diversas vezes ao longo da história como com-


ponente do espetáculo. Nossa maior referência é a Commedia dell’Arte onde a máscara
estruturava a composição dos tipos fixos. A máscara como componente da cena caiu em
desuso com o desaparecimento da Commedia dell’Arte.

Sua utilização ressurgiu no início do século XX. Foi incorporada como elemento
do espetáculo, por Alfred Jarry, Maurice Maeterlinck, Gordon Craig, Vsevolod Meye-
rhold, entre outros. A novidade apareceu quando a máscara assumiu uma outra função:
a de servir como um instrumento na formação do ator. Esta invenção do início do século
XX é associada ao nome de Jacques Copeau, um diretor-pedagogo renovador do teatro
francês. Foi ele o primeiro a utilizá-la com esse objetivo, designando-a como máscara
nobre. Mais tarde é que foi chamada de máscara neutra por outro pedagogo: Jacques
Lecoq. Ao longo deste trabalho nos referimos a este recurso como máscara neutra por-
que é assim que a reconhecemos nos dias atuais.

Esta máscara que se pretende sem expressão, sem traços característicos de perso-
nagem ou de emoção, era utilizada para abolir a timidez do aluno e anular as possibili-
dades de expressão facial do aluno-ator a fim de explorar as possibilidades da sua lin-
guagem corporal.

Copeau influenciou o teatro na França e em outras partes do mundo através de


seus alunos e atores, dentre eles Charles Dullin, Jean Dasté, Léon Chancerel, Michel Sa-
4

int-Denis e Étienne Decroux. Na sua escola, no seu Atelier, Charles Dullin propôs um
trabalho em que a máscara ocupava um lugar importante. Até o final de sua vida, Jean
Dasté utilizou esse recurso, como ator e professor. Chancerel auxiliou na divulgação do
uso da máscara através de suas publicações e de sua prática artística com os grupos Les
Comédiens Routiers e Le Théâtre de l’Oncle Sébastien. Criador das bases da Julliard
School de New York, Michel Saint-Denis privilegiava o ator a serviço do texto e usava
apenas máscaras expressivas, algumas mais próximas da neutralidade que outras.

Esses discípulos diretos tiveram por sua vez alunos seguidores ou continuadores.
Um deles, Jacques Lecoq (aluno de Jean Dasté), teve um papel decisivo na redescoberta
do processo de confecção de máscaras, incentivando Amleto Sartori, um importante es-
cultor italiano, a pesquisar máscaras da Commédia dell’Arte. Lecoq desenvolveu na
França uma escola de teatro do movimento e do mimo. Uma das alunas de Lecoq, Aria-
ne Mnouchkine, dirige uma importante companhia de teatro na França, com repercussão
mundial, o Théâtre du Soleil [O Teatro do Sol]. Ela desenvolve o trabalho com másca-
ras tanto para a cena, para o espetáculo, como para a formação dos atores da companhia.
É importante salientar ainda que “... praticamente toda a maior iniciativa no teatro mo-
derno pode traçar sua linhagem de volta a Copeau em algum grau. Sua influência é sutil
e muitas vezes tênue, mas ela persiste...”3 .

Copeau influenciou também o teatro brasileiro, indiretamente, mediante a obra de


seu discípulo Léon Chancerel, já que Maria Clara Machado baseou-se nos Cahiers d’art
dramatique [Cadernos de Arte Dramática] escritos por Chancerel para elaborar seus Ca-
dernos de Teatro, amplamente divulgados no Brasil4 e também em Dullin, visto que ela
admirava muito os ensinamentos deste. O teatro iniciado por Copeau influenciou ainda,

3
FROST, A; YARROW, R. Improvisation in drama. Londres: Macmillan, 1990. p.29.
4
FALEIRO, José Ronaldo. La formation de l’acteur à partir des Cahiers d’art dramatique de Léon
Chancerel et des Cadernos de Teatro d’O Tablado. Tese (Doutorado). Université de Paris X, Paris,
1988.
5

dentre outros, Renato Viana, Alvaro Moreyra, Alfredo Mesquita, Antunes Filho5 e o (já
falecido) grande crítico teatral, Décio de Almeida Prado6.

No Brasil, dentre os que estudam ou estudaram a utilização da máscara neutra,


destacam-se: Maria Helena Lopes (professora na UFRGS), Inês Marocco (professora da
Universidade de Santa Maria), Sandra Dani (professora da UFRGS), Ana Maria Amaral
(professora da USP), Maria Thaís Lima (professora na Unicamp), Luis Henrique Palese
(diretor da Cia. di Stravaganza - RS), Venício Fonseca e Erika Rettl (Grupo Moitará -
RJ) e Elisabeth Pereira Lopes (professora da USP).

3. Esclarecimentos sobre a escolha da prática observada

No início do projeto, eu pretendia observar o trabalho realizado na Companhia de


Luis Henrique Palese e Adriane Motola – a Cia. Di Stavaganza, de Porto Alegre. Foram
eles os primeiros que me falaram sobre o trabalho prático com a máscara neutra e sobre
os benefícios desta técnica para o ator. Eles recorrem à máscara neutra toda vez que en-
tram novos atores na companhia e que não dominam certos elementos do teatro. Estive
em contato com os diretores da Cia. para saber quando teriam a necessidade de trabalhar
com a máscara. Esta necessidade não foi evidenciada enquanto eu estava fazendo a pes-
quisa. Tentei trazê-los para ministrarem uma oficina em Florianópolis e não foi possível
viabilizar este projeto.

Neste período fui informada sobre o trabalho realizado pelo grupo Moitará do Rio
de Janeiro7. Entrei em contato com o diretor do grupo – Venício Fonseca - que me in-

5
“Do Cartel (Charles) Dullin, aquele pessoal todinho? Nós adorávamos. Quando eles vinham para cá,
(Louis) Jouvet, tudo isso.A influência era grande, de ver o Jouvet em cena, o Barrault” (FILHO, Antu-
nes apud SÁ, Nelson de; PAIVA, Marcelo Rubens. O teatro apolíneo de Antunes Filho. Folha de São
Paulo, São Paulo, 06 fev.2000. Mais!, p.9).
6
Em matéria escrita por Nelson de Sá, ficamos informados de que “Essas [as idéias de Décio de Almeida
Prado] eram ligadas sobretudo ao chamado Cartel, o grupo de diretores que, na primeira metade do sé-
culo, fez uma ‘revolução’ semelhante [à do Brasil] no teatro francês. Elas abrangiam a primazia da ar-
te, contra a comercialização e uma atenção maior à encenação mas sempre a serviço do texto. Ou ainda,
em outro caminho, pregava ‘o fim do naturalismo como cópia da realidade e o início de um teatro mais
aberto para a imaginação, mais poético’. (...) Décio aproximou-se dessas idéias numa viagem que fez a
Paris aos 20 anos...” ( SÁ, Nelson de. Crítico mudou a história do teatro brasileiro. Folha de São Paulo,
São Paulo, 5 fev. 2000. Folha Ilustrada, p.4).
6

formou que iriam realizar uma oficina de máscaras durante o Festival Internacional de
Londrina. Diante da necessidade concreta de terminar a pesquisa em um tempo deter-
minado, decidi por fazer a observação neste grupo.

4. Perguntas que nortearam a pesquisa

Quanto aos objetivos do trabalho com a máscara neutra

Que tipo de formação o trabalho com a máscara neutra proporciona ao ator? A


máscara neutra forma corporalmente um ator?

Quanto ao método de ensino/aprendizagem

Como se dava o ensino /aprendizagem da máscara neutra em Copeau? Como é a


proposta de outros pedagogos? Como se dá o ensino/aprendizagem da máscara neutra
no grupo Moitará?

Quanto ao conteúdo

O que é ensinado em uma aula de máscara neutra? Quais são os exercícios, em


que consiste essa prática? Quais são os conceitos ensinados?

5. A metodologia utilizada

Levantamento Bibliográfico

Levantei a produção escrita, acadêmica ou não, a respeito da teoria teatral de Jac-


ques Copeau e da utilização da máscara neutra na formação do ator no Ocidente.

O período de levantamento bibliográfico que fiz sobre a obra de Jacques Copeau


se estende de setembro de 1998, quando preparava o projeto para a seleção no mestrado,
a janeiro de 2000. Já o levantamento bibliográfico sobre a máscara neutra mais especifi-

7
O grupo Moitará foi fundado em 1988 por Venício Fonseca e Érika Rettl no Rio de Janeiro. Pesquisam
7

camente se deu a partir do momento em que redefini o projeto, isto é, a partir de no-
vembro de 1999 e prosseguiu até abril de 2000. Após esse período, ainda encontrei, e-
ventualmente, outras bibliografias que foram consultadas e consideradas para o traba-
lho.

Observação participante

Participei de uma oficina de utilização de máscaras oferecida pelo grupo Moitará


(RJ), durante o Festival Internacional de Londrina, em maio de 2000. Antes de ir, deli-
mitei o que iria observar: O que é ensinado? Como é ensinado? Como é executado pelos
alunos-atores? Como é feita a avaliação/ correção? Qual o crescimento que ocorre nesse
processo? O que os alunos aprendem? Acompanhei, registrei em fita cassete e relatei em
manuscritos estas aulas.

Entrevistas

Entrevistei os diretores do grupo Moitará e dialoguei com eles, assim como com
os alunos do curso. As etrevistas foram feitas no mesmo período da observação partici-
pante e foram gravadas em fita cassete.

Transcrição das fitas

A transcrição das fitas foi realizada entre junho e agosto de 2000.

Análise crítica dos resultados

A análise crítica dos resultados consiste em comparações entre a prática realizada


pelo grupo Moitará e os registros escritos que compõem o Capítulo I do trabalho. O
ponto de apoio principal para esta comparação é a teoria de Jacques Copeau primeiro
porque aí encontra-se a gênese desta prática, segundo porque em Copeau esta prática es-
tava inserida em um processo pedagógico estruturado para a realização de uma renova-
ção teatral que fundamentou o teatro moderno, e também porque esta renovação proje-
tada e iniciada por ele é muitas vezes válida para nossa realidade.

o trabalho do ator mediado pela máscara.


8

A crítica de resultados foi realizada durante o primeiro semestre de 2001.

6. Como se estrutura o trabalho

No Capítulo I desta dissertação realizei o registro do levantamento bibliográfico


sobre a utilização da máscara neutra na formação do ator. Há uma atenção especial ao
trabalho desenvolvido por Jacques Copeau.

Abordei a biografia de Copeau, o contexto histórico em que estava inserido, inclu-


indo informações sobre o teatro de seu tempo. Para esclarecer sobre sua teoria teatral, a
proposta da escola e sobre o surgimento da máscara neutra neste contexto, utilizei textos
escritos por Copeau e também textos escritos por dois de seus colaboradores e que mais
tarde se transformaram em diretores teatrais. São eles: Léon Chancerel e Charles Dullin.
Utilizei ainda textos de autores contemporâneos nossos que se dedicaram a esclarecer o
trabalho iniciado por Copeau. Foram particularmente proveitosos os textos de John Ru-
dlin e de Marco de Marinis. Foi instrumento importante o texto de Hubert Gignoux, que
faz uma abordagem histórica do trabalho desenvolvido no Vieux-Colombier e no perío-
do da Borgonha, trazendo informações sobre os objetivos buscados, fazendo eventual-
mente uma crítica ao trabalho de Copeau. Outro autor que serviu de suporte a esta pri-
meira parte do trabalho foi Georges Raeders, cujo texto faz um resgate histórico muito
bem fundamentado exclusivamente em escritos do próprio Copeau. Consultei também o
texto de Barbara Leigh que aborda mais especificamente a escola do Vieux-Colombier.

Após descrever a gênese do fenômeno, registro os desdobramentos dessa prática.


Investiguei os pedagogos que escreveram sobre a máscara neutra ou que escreveram so-
bre a máscara em geral mas cujas reflexões de alguma forma contribuem para a com-
preensão da máscara neutra.

O Capítulo II do trabalho consiste em uma descrição da prática com a máscara


neutra desenvolvida durante o curso oferecido pelo grupo Moitará em Londrina. Escla-
reci o que ensinam e como ensinam. Antes da descrição relatei a formação dos membros
do grupo Moitará.
9

No Capítulo III, elaborei a crítica de resultados. Identifico semelhanças e distân-


cias entre o trabalho proposto pelo grupo Moitará e por Copeau. Eventualmente estabe-
leço comparações com o trabalho desenvolvido por outros pedagogos. Estas pedagogias
não são uma referência de como deve ser o trabalho, não as estou colocando aqui em
termos de “certo/errado”, são simplesmente os componentes do fenômeno, são referên-
cias que existem na realidade. Respondo afinal às questões que nortearam meu trabalho
desde o início.

Nas considerações finais organizei um resumo das constatações a partir das quais
levantei questões que merecem ser investigadas. Finalizei sugerindo algumas respostas
provisórias.
10

CAPITULO I

CONSIDERAÇÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA


NEUTRA NA FORMAÇÃO DO ATOR

Exponho neste capítulo a gênese da utilização da máscara neutra na formação do


ator assim como os desdobramentos desta prática.

1. Jacques Copeau

Jacques Copeau foi o primeiro diretor-pedagogo que utilizou a máscara neutra


como instrumento na formação do ator. Ele chegou a esta elaboração a partir da neces-
sidade em renovar o teatro de seu tempo.

1. 1. Breve biografia de Jacques Copeau

Copeau nasceu em Paris em 1879. O teatro fazia parte de sua cultura familiar: seu
pai o levava para ver peças, seu avô lhe deu uma marionete de presente, iam ver melo-
dramas juntos. Quando jovem assistia peças de tese e teatro de idéias. Também fre-
qüentou o Théâtre Libre [Teatro Livre] de André Antoine (principal expoente do teatro
naturalista na França). De 1889 a 1897 estudou no liceu Condorcet e especializou-se em
filosofia com Jean Izoulet. Mais tarde estudou na Sorbonne onde licenciou-se em Filo-
sofia e Letras. Segundo Rudlin as idéias de Henry Bergson influenciaram de forma sig-
nificativa a visão de mundo de Copeau.

“Copeau tentava preencher a sua própria vida com o ‘élan vital’ do filósofo, optar pelo intuitivo,
contra o empirismo e o racionalismo. Portanto, para ele, a chave ainda era a personalidade do ator,
utilizada não por razões narcisistas, mas a serviço de uma idéia do progresso humano. Para ele, es-
11

se progresso não seria baseado no darwinismo e no mecanicismo científico do século XIX, mas na
passagem, no século XX, para uma evolução espiritual e criativa de uma geração a outra”8.

Desde bem jovem Copeau escreveu ensaios e poemas para revistas e jornais pari-
sienses. Em 1907 trabalhou como crítico dramático para La Grande Revue [A Grande
Revista], onde ficou por três anos9. Em 1909 fundou a Nouvelle Revue Française [Nova
Revista Francesa - NRF], junto com Gide, Schlumberger, Ghéon e Ruyter. Trata-se de
uma revista que revelou importantes escritores. A partir de 1910, Copeau tornou-se o
crítico teatral dessa revista para ganhar a vida. Com isso pôde conhecer intimamente o
sistema baseado nos papéis de vedetes assim como os exageros do naturalismo. Suas
notícias eram fundamentadas na sua formação filosófica, que se opunha às idéias positi-
vistas que estavam na raiz do drama naturalista. Cabe aqui lembrar que Émile Zola pu-
blicou Le Naturalisme au Théâtre [O Naturalismo no Teatro] em 1881 e que André An-
toine fundou o Théâtre Libre em 1887.

Segundo os escritos de Copeau, as relações que se estabeleceram entre os profis-


sionais da NRF foram fundamentais para o amadurecimento ou nascimento intelectual
de cada um. Estavam construindo alguma coisa juntos e não buscando simplesmente al-
cançar o sucesso pessoal..

“No meio deles [do grupo dos fundadores], meu caráter e minhas idéias se formaram. (...) A ami-
zade, (...) era colocada à serviço de tudo, mas nada estava colocado à serviço da amizade. Nós é-
ramos os mais unidos e os mais livres que eu tivesse visto. Já pensei muitas vezes que, se no co-
meço de uma vida difícil eu pude (...) não deixar minha vocação se desviar, como o fizeram tantos
outros menos felizes, é aos meus amigos que eu o devo...O Vieux-Colombier não valeria talvez o
que ele vale se eu não tivesse sido o companheiro de André Guide, de André Suarès e de Charles
Péguy”10.

Nesse espaço surgiram as primeiras idéias sobre a renovação do teatro e se solidi-


ficaram parcerias fundamentais para a concretização do projeto de Copeau. Foi exata-
mente esse tipo de experiência que ele tentou trazer para o teatro.

8
RUDLIN, John. Copeau et la jeunesse: la formation du comédien. Bouffonneries: Copeau l’éveilleur.
Textes reunis par Patrice Pavis et Jean Thomasseau. “La cerisaie”/ Lectoure: Bouffonneries, n. 34, p.
104-115, 1995. Tradução de José Ronaldo Faleiro, p.109.
9
GIGNOUX, Hubert. Histoire d’une famille théâtrale. Lausanne: L’Aire, 1984, p.40.
10
BORGAL, Clément. Jacques Copeau. Paris: L’Arche, 1960. p. 74
12

Em 1913 foi fundado o teatro Le Vieux-Colombier [O velho Pombal]. Copeau en-


tendia que o primeiro passo para a renovação deveria ser a criação da escola para depois
fundar o teatro, porém não conseguiu concretizar este projeto nessa ordem.

É importante salientar aqui alguns contatos que Copeau travou com homens de te-
atro de sua época ou estudiosos ligados ao teatro. Copeau conheceu Gordon Craig em
1915 - conheceu sua escola, o Arena Goldoni, e viu o trabalho que ele realizava com as
máscaras da Commedia dell’Arte. Também foi nesse ano que conheceu Adolphe Ap-
pia11. Entre 1922-23, conheceu o trabalho de Alexandre Taïroff, fundador do Teatro
Kamerny em Moscou, cuja teoria teatral era oposta à do naturalismo: buscava devolver
ao teatro todos os elementos que foram dissociados (canto, pantomima, dança, circo).
Mantiveram-se em contato durante anos. Copeau também relacionou-se com Constantin
Stanislavski e Vsevolod Meyerhold12. Em 1916 Copeau foi enviado para a Suissa como
embaixador. Foi nesta ocasião que ele e Suzanne Bing, sua colaboradora pedagógica,
observaram as aulas de Émile Jaques-Dalcroze13.

Em 1917 Copeau foi convidado pelo Governo francês para ir com sua companhia
aos Estados Unidos, a título de propaganda. Ficaram nesse país de outubro de 1917 a
maio de 1919. Foi somente em fevereiro de 1920 que aconteceu a reabertura do teatro
do Vieux-Colombier em Paris.

Nesse mesmo ano funcionou o embrião da escola sonhada por Copeau, sob a co-
ordenação de Suzanne Bing, atriz da companhia e sua importante colaboradora. A esco-
la abriu em fevereiro desse ano como uma classe para pessoas jovens. Nesse momento

11
Gordon Craig (1872- 1966) e Adolphe Appia (1862 – 1928) foram os principais expoentes do teatro
simbolista, particularmente dedicados à cenografia. Craig propunha que o teatro não reproduzisse a na-
tureza mas que criasse suas próprias formas e visões nunca vistas na natureza. Para ele o ator estava
demasiado preso às emoções, sujeito ao acidental. Portanto este ator de carne e osso deveria desapare-
cer e em seu lugar deveria estar a figura inanimada: a super-marionete. Craig foi um dos teóricos que
propôs que o teatro não se baseasse mais na arte do dramaturgo mas na do encenador (CARLSON, op.
cit., p. 297). Appia defendia que o teatro naturalista não podia reproduzir efetivamente a natureza e por
isso era tolo e afastava as platéias. “Para recobrar o perdido poder, o teatro deve renunciar ao literalis-
mo e à literatura e restaurar o ator numa posição de primazia” (CARLSON, op. cit., p.310).
12
Constantin Stanislavski : Diretor-pedagogo russo que propôs uma sistematização do trabalho do ator. A
princípio desenvolveu o naturalismo e mais tarde trabalhou no realismo psicológico. Vsevolod Meye-
rhold: Diretor-pedagogo russo que se afastou do naturalismo e buscou a estilização para a cena, for-
mando para o palco um ator que trabalhasse com o corpo inteiro e valorizasse a forma.
13

Bing ensinava dicção. No início, o foco do ensino era a voz. Muitas atividades foram
adaptadas do trabalho que ela fez com as crianças em 1915/16 e também do que obser-
vou e ensinou em uma escola Montessori de Nova Iorque entre 1917/1814. Foi em 1921
que a escola abriu oficialmente, permanecendo até 1924.

Em 1924 Copeau partiu para a Borgonha com seus seguidores. Nesse momento
colocou em prática um ideal seu de descentralização teatral: abandonar o teatro institu-
cional e buscar um novo contexto cultural e social para seu teatro. Queria um público
que não fosse teatralmente viciado. Foram justamente os jovens que o seguiram na Bor-
gonha que criaram o movimento oficial da descentralização, inspirados no exemplo de
Copeau. A permanência na província durou até 1929, quando Copeau retornou a Paris.
Durante os cinco anos na Borgonha, a companhia recebeu o nome de Les Copiaus (era
assim que os camponeses os identificavam).

O período que segue não é significativo para compreendermos sua obra. Traba-
lhou por um curto período na Comédie Française [Comédia Francesa]. Dirigiu também
um estágio de formação radiofônica em 1942. Copeau faleceu em 20 de outubro de
1949.

1.2. Copeau e o seu tempo - contextualização histórica

Tratarei aqui de fazer uma breve localização histórica a fim de situarmos Copeau
e sua obra.

Pensando em termos do contexto histórico internacional, no início do século XX a


Europa estava em plena busca de expansão dos mercados consumidores que o industria-
lismo crescente exigia, desde o século anterior. As burguesias nacionais lutavam entre
si. A mentalidade tornava-se cada vez mais comercial, individualista. Os reflexos desta
mentalidade atingiram o teatro já no início do século XIX com a valorização do ator ve-
dete. Companhias teatrais que trouxeram o naturalismo para a cena, tais como o Teatro

13
LEIGH, Barbara Kusler. Jacques Copeau’s school for actors. Mime Journal, Michigan, n. 9-10, p.1-75,
1979, numero especial, p.17.
14
LEIGH, op. cit., p 21.
14

de Meiningen, as companhias de Stanislavski e de Antoine, já vinham derrubando essa


dinâmica, instituindo o valor do trabalho da coletividade. Estes defendiam a formação
de um conjunto de atores que trabalhasse buscando realizar bem a obra em detrimento
da existência do ator vedete, aquele que é conhecido pela sua imagem e não pelo seu
trabalho. Porém, mesmo com a transformação proposta por esses teatros, o ator vedete
ainda permaneceu, como permanece nos dias atuais, coexistindo com tantos outros mo-
dos de pensar o teatro e de praticá-lo.

O crescimento tecnológico também influenciou o universo das artes. São exem-


plos marcantes a utilização da luz elétrica nos principais teatros europeus a partir de
1880, o que contribuiu para a concretização do naturalismo na cena, e as primeiras pro-
jeções cinematográficas em diversos países a partir de 1888.

A industrialização exigia que se produzisse cada vez mais, num período cada vez
menor, com o menor gasto de energia possível para que o lucro fosse sempre maior. Es-
ta nova ordem transformou o mundo, colocou uma nova condição material para o ho-
mem que teve, em função disso, sua estrutura psicofísica transformada. Seu ritmo de vi-
da mudou, suas relações familiares se alteraram, seus movimentos cotidianos passaram
a ser maquinais. Essas transformações provocaram o surgimento de novas áreas científi-
cas no século XIX: antropologia, sociologia, psicologia. Por apresentar problemas, o
homem tornou-se centro das atenções. A princípio dentro de uma visão positivista, estas
áreas de conhecimento viram o homem, as sociedades, as culturas, como estanques, na-
turais. O naturalismo, como expressão artística, reflete essa visão de mundo. A negação
do naturalismo no teatro, no início do século XX, também é a negação dessa forma de
ver o mundo.

Dentro do projeto de renovação teatral proposto por Copeau, o corpo do ator ocu-
pava um lugar privilegiado. Esta valorização que encontramos em sua teoria está inseri-
da em um movimento maior, do fim do século XIX e início do século XX, que tem sido
chamado de fenômeno da redescoberta do corpo.
15

Segundo Lecoq15, o marco do novo olhar sobre o corpo e o movimento ocorreu no


fim do século XIX com a invenção da cronofotografia, precursora do cinema, e o renas-
cimento dos exercícios físicos com a ascensão do esporte. Este renascimento se deu à
partir de objetivos ligados à guerra, por um lado, e à saúde do corpo, por outro. Lecoq
nos informa que foi Étienne-Jules Marey quem inventou o fuzil fotográfico, um apare-
lho com o qual podiam decompor o movimento em uma seqüência de imagens. Assim,
Marey junto com Georges Demey, pioneiro da educação física na França, estudaram o
movimento das ações físicas do homem. Lecoq marca o ressurgimento dos jogos olím-
picos em Atenas em 1896; o advento dos jogos olímpicos em Berlim , em 1936, quando
o esporte estava à serviço da Alemanha nazista, produzindo campeões e super-homens;
o surgimento das férias pagas na França, também em 1936, desdobrando na aparição
dos campings, na descoberta das praias pelos operários que se desnudaram, mergulha-
ram, compraram bicicletas.

Dentro deste foco do corpo em movimento, os estudos de Frederick Winslow Ta-


ylor (1856-1915) foram significativos. Este autor pesquisou o movimento dos operários
nas fábricas buscando torná-los mais eficientes. Buscava o aumento de produção e a re-
dução da fadiga. Seu estudo foi chamado de economia de movimento e incluía o uso do
ritmo e da pausa. Suas idéias tiveram grande repercussão nos EUA e também na Rússia.
Mas o que nos interessa aqui é que suas idéias interferiram na formação do ator. Sua
pesquisa da economia de movimentos, da eliminação de gestos supérfluos, de inclusão
do ritmo no movimento, alcançou o ator ao influenciar o trabalho de Vsevolod Meye-
rhold – diretor-pedagogo russo, contemporâneo de Copeau.

Ainda dentro deste contexto, na virada do século XIX para o XX, Isadora Duncan
abalava a Europa ao negar os códigos rígidos da dança clássica, dançando descalça, com
cabelos soltos, túnicas inspiradas na pintura e escultura gregas, largas, leves, transparen-
tes. Isadora permitia-se mostrar seus sentimentos através da sua dança. Não queria mais
a mutilação. Queria estar inteira dançando, incluindo sua sexualidade, sua emoção. Isa-
dora Duncan recebeu influências de François Delsarte, pesquisador do movimento hu-

15
LECOQ, Jacques. Le Théâtre du geste. Paris: Bordas, 1987. p. 59 - 61
16

mano que se dedicou a estudar as relações entre voz, gesto e emoção. Ele constatou que
a intensidade do sentimento comandava a intensidade do gesto.

Outro importante pesquisador do movimento foi Émile Jaques-Dalcroze. Ele foi


um músico e pedagogo suíço que, preocupado em resolver problemas de aprendizagem
do ritmo, desenvolveu a rítmica: educação psicomotora com base na repetição de rit-
mos, criadora de reflexos.

As artes plásticas também nos ajudam a compreender o fenômeno da redescoberta


do corpo. O colonialismo, o movimento de expansão de mercados, influenciou o olhar
dos artistas para ver o outro, o diferente do europeu. No início do século XX, os cubis-
tas voltaram-se para a arte africana e reformularam suas posturas estéticas. A arte afri-
cana não valorizava o rosto em detrimento do corpo como um todo como o fazia a arte
européia. O rosto era parte do todo. Esse olhar desfocado, que os cubistas tomaram em-
prestado da África, também atingiu o teatro. O corpo como um todo precisava falar mais
do que as palavras eram capazes de fazê-lo.

É dentro desse contexto que surge Copeau, que se constrói Copeau.

1.3. O que Copeau rejeitou no teatro

O naturalismo

O naturalismo foi uma corrente estética que atingiu diversas linguagens artísticas.
“O predomínio da arte naturalista na segunda metade do século XIX é, no todo, apenas
um sintoma da vitória da concepção científica e do pensamento tecnológico sobre o es-
pírito de idealismo e tradicionalismo”16.

De acordo com Pavis17, foi Denis Diderot (séc. XVIII) quem formulou os princí-
pios da teoria teatral naturalista. Este sugeriu pela primeira vez a quarta parede imaginá-
ria. Com Diderot dá-se o início do reinado da ilusão total no teatro. “...sob o impulso de

16
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. 2a tir. da 1a ed. São Paulo: Martins Fonets,
1998, p. 791.
17
PAVIS, Patrice. Dictionnaire du Théâtre. Paris: Dunod, 1996.
17

Diderot, o drama burguês é um ‘gênero sério’, intermediário entre a comédia e a tragé-


dia (burguesa)”18. No drama naturalista (ou burguês) o homem está condicionado pela
realidade cotidiana, o herói luta agora com a instituição. O drama burguês surge em o-
posição à novelística heróica, bucólica e picaresca que existia até meados do século
XVIII19.

Outro importante teórico que contribuiu para o naturalismo no teatro foi Émile
Zola (1840-1902), que também influiu como dramaturgo. Zola propunha a aproximação
do método científico na construção artística.

O naturalismo prescrevia para a cena a reprodução de uma realidade não estiliza-


da, uma reprodução cinematográfica do real. Surgiu em oposição ao academicismo
francês e italiano que trabalhava a partir de textos clássicos e desenvolveu uma forma de
representação majestosa, com voz pomposa e declamatória. Buscando aproximar-se da
vida real, o teatro naturalista encheu o palco de objetos que imitavam a vida mas que,
segundo seus opositores, não eram úteis e não contribuíam em nada para a ação dramá-
tica. Havia também toda uma preocupação com a utilização da voz em cena. Eram bus-
cados os dialetos, os sotaques, numa tentativa de se aproximar o máximo possível do
cotidiano vivido pelas personagens. Foi introduzida a quarta parede, elemento imaginá-
rio que criou a condição para a consolidação da ilusão teatral. Com essa convenção, os
atores não mais se comunicavam com a platéia. Estavam no teatro como se estivessem
no ambiente proposto pela peça. Essa idéia permitiu, por exemplo, que os atores dessem
as costas ao público para saírem de cena ou para contracenarem com outros atores.
Quebraram assim uma regra do teatro academicista que exigia que os atores nunca des-
sem as costas ao público.

Meyerhold, um dos diretores que criticou o naturalismo, ao abordar este movi-


mento, diz em seus escritos que “Sobre a cena devia correr uma cascata e cair chuva au-
têntica.(...) Para a montagem de obras históricas no teatro naturalista era indispensável

18
PAVIS, op. cit., p. 109 - trad. de Luciana Cesconetto.
19
HAUSER, op. cit., 1998, p. 586.
18

também seguir a regra de transformar a cena em uma exposição de objetos da época ou


ao menos copiados de desenhos ou de fotografias retiradas dos museus”20 .

Os principais expoentes do teatro naturalista foram o teatro de Meiningen e o


Théatre Libre de Antoine. Stanislavski trabalhou o naturalismo no início de sua vida te-
atral. De acordo com Hauser21, o primeiro drama naturalista foi escrito em 1882 por
Henri Becque: Os Corvos, e o primeiro teatro naturalista foi o Théatre Libre de Antoine.
Esse autor ainda coloca que o naturalismo só alcançou o palco quando o movimento já
estava em declínio no romance.

A corrente naturalista deu origem a uma estética que permanece até hoje entre
nós. O boulevard na França foi uma extensão desse movimento assim como o são as te-
lenovelas 22.

Segundo Borgal23, o germe da decadência teatral que Copeau combate remonta ao


Renascimento. Explica: na Idade Média o teatro era religioso, as personagens eram so-
brenaturais. O Renascimento pôs ordem no caos, ordem ditada pela razão. Separaram-se
os espetáculos por gêneros. Foi o começo do teatro humanista. Separa-se então produ-
ção musical de produção literária, comédia de tragédia. No século de Louis XIV o texto,
a literatura invadiu a cena. As personagens, de sobrenaturais passaram a ser humanos,
indivíduos, e dos tipos humanos passou-se aos tipos sociais no séc XVIII.

De acordo com Copeau, o teatro naturalista, por trabalhar com o excesso de deta-
lhes no palco, não exigia do ator o máximo de sua capacidade expressiva e também não
permitia à platéia explorar ao máximo sua capacidade imaginativa. O naturalismo não
dava espaço para a poesia.

O star-system

20
MEYERHOLD, Vsevolod. El actor sobre la escena: Dicionário de pratica teatral. Mexico: Gaceta,
1994, p. 226 -227.
21
HAUSER, op.cit., p.939.
22
PAVIS, op. cit., p. 229 - trad. de Luciana Cesconetto.
23
BORGAL, op.cit., p. 8.
19

O século XIX viu surgir no teatro os grandes atores com personalidades marcan-
tes. Trata-se do sistema de vedetes. É o teatro pautado no ator principal, na estrela, a-
quele ser especial que está acima dos outros (atores, diretor, autor) e que não se mistura
com ninguém. Esta é a atração neste tipo de teatro e não o autor nem o diretor ou a cole-
tividade, o grupo. A vedete apoia-se em sua imagem, na mídia e não no trabalho de ator
em si. Então o que vende, o que chama público é a imagem e não a qualidade de seu
trabalho. O ator vedete acaba pautando-se nos clichês, nas soluções rápidas, nas fórmu-
las risíveis que já lhe deram sucesso um dia. É o que Copeau chamava de um teatro fal-
so, viciado, mentiroso, afetado. O que vale para a vedete é aparecer, ter mais texto. O
público não ia então ao teatro para ver a peça, mas para assistir a seus atores preferidos.
Neste caso não há espaço para o trabalho em coletividade.

Copeau revoltou-se radicalmente contra esse tipo de teatro que desdenhava o au-
tor, cortava seus textos ou modificava-os sem o menor estudo, sem fundamentação.
Quanto aos atores, eram falsos, exagerados, só se preocupavam com a palavra, com a
dicção. Copeau reconhecia, contudo, dentre essas personalidades marcantes, bons atores
que tinham um trabalho consistente e louvável. Também distinguia no Théâtre Libre de
Antoine o desenvolvimento do trabalho coletivo.

A aprendizagem do ofício

No teatro que Copeau encontrou não havia uma formação sistematizada. Odette
Aslan, abordando a formação tradicional24 diz que existia um grande empirismo no en-
sino de teatro. Quem queria aprender tinha que penetrar os segredos do bom ator. Não
havia leis fixas e faltavam professores. Muitas vezes os atores decidiam ensinar, porém
sem noções pedagógicas. Os atores-personalidades lançavam biografias, estudos de tea-
tro. São esses os documentos que revelam como eles trabalhavam. Quem queria apren-
der o ofício contava com este tipo de recurso. O ensino que era oferecido no conservató-
rio francês (criado em 1795) se limitava ao estudo da dicção, das entonações, pausas,

24
ASLAN, Odette. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 6.
20

respiração. Este treinamento não desenvolvia o conjunto dos atores. Ainda não havia um
caminho sistematizado para o trabalho do ator.

Todo o movimento de renovação do início do século XX passou pela necessida-


de de se construir este caminho.

1.4. A Teoria Teatral de Jacques Copeau

Farei aqui um esforço para decupar e organizar as idéias que se encontram amal-
gamadas nos escritos de Copeau, daqueles que trabalharam sistematicamente com ele e
daqueles que resgataram sua teoria mais contemporâneamente.

1.4.1 Como deve ser o teatro

“O teatro é um meio de nos religarmos entre nós”25. Ele pode ser uma celebração
que nos atinge com uma emoção religiosa. Vemos que Copeau está buscando outra ra-
zão de ser para o teatro, que a do divertimento. Copeau quer “...restituir ao teatro seu ca-
ráter religioso, seus ritos sagrados, sua pureza original”26. Para atingir esse objetivo, pa-
ra ligar as pessoas, é essencial que o teatro seja compreendido, para que possa se tornar
o alimento de todos. É importante ressaltarmos aqui que o caráter religioso que o autor
está querendo resgatar relaciona-se com a ação de re-ligar as pessoas, de todas as clas-
ses, de todos os países.

Em toda a sua trajetória, Copeau está buscando o que seja o fundamental, culmi-
nando com sua partida para a Borgonha. Neste momento ele queria chegar perto das o-
rigens do teatro. E o que está na origem? O que é fundamental? Fundamental é repre-

25
COPEAU, Jacques. Registres V; Les Registres du Vieux-Colombier III,1919 - 1924. Textes recueillis et
établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Documentation, notes et index de
Norman Paul. Introductions de Clément Borgal et de Maurice Jacquemont. Paris: Gallimard, 1993.
p.308 – trad. de Luciana Cesconetto.
26
COPEAU, Jacques. Registres I; Appels. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne
Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. Paris: Gallimard, 1974. p. 133 – trad. de L. Cesconetto
21

sentar o homem inteiro em sua vida. Por isso o teatro, pois ele “...é um mundo (...) o tea-
tro é uma arquitetura (...) ele refaz o mundo e seu tempo, o homem e a vida”27.

Para que este teatro existisse, ele precisaria ser renovado. E a renovação do teatro
em Copeau era antes de tudo a renovação do homem no teatro28.

Em seu movimento em direção às origens, ao fundamental, Copeau chegou ao tea-


tro popular: aquele que todos compreendem, que é acessível ao povo em termos finan-
ceiros, aquele que nos religa. Ele escreveu um opúsculo intitulado Le théâtre populaire
[O teatro popular] que podemos encontrar como apêndice em Appels29. Neste texto Co-
peau resgata a história das tentativas de criação de um teatro popular que remontam ao
século XVIII, na França. Relata uma série de tentativas que, ao longo da história, fali-
ram. Conclui dizendo que é preciso que se reconstrua o próprio ideal. A partir daí abor-
da o procedimento da renovação, da evolução no teatro. Diz que o conhecimento não
vai se acumulando, mas que as mudanças ocorrem porque de tempos em tempos revisi-
tam-se as origens do teatro.

Neste sentido, as origens que Copeau foi buscar estavam na Commedia dell’Arte,
teatro estritamente popular. Copeau conseguiu chegar mais perto deste seu ideal quando
foi para a Borgonha. Segundo Borgal, seu empreendimento solitário da Borgonha difere
de todas as tentativas inovadoras. Foi “um esforço em direção ao retorno do teatro à pu-
reza de suas origens”30.

Na Commedia dell’Arte Copeau encontrou a força para combater a decadência do


teatro de seu tempo, esse teatro em que o ator não estava de corpo e alma sobre a cena.
Na comédia italiana, um susto de um arlequim por exemplo não se resumia aos olhos ar-
regalados bruscamente com um rápido levantar de ombros. Ele dava um salto mortal e

27
COPEAU, op. cit., 1974, p.168 – trad. de J. R. Faleiro.
28
COPEAU, Jacques. Souvenirs du Vieux-Colombier; 1913 – 1924. Paris: La Compagnie des Quinze/Les
Nouvelles Éditions Latines, 1931. p. 91.
29
COPEAU, op. cit., 1974.
30
BORGAL, op. cit., p.8.
22

isso era o personagem assustado. Copeau entendeu que para estar de corpo e alma sobre
a cena era “...preciso se desvencilhar de todo espírito de realismo”31.

Vemos aqui então que o abandono do naturalismo está vinculado ao retorno às o-


rigens. Segundo Copeau o naturalismo não possibilita ao ator o esgotamento de suas
possibilidades expressivas. Se o cenário diz tudo, se os sons são explícitos, se a maqui-
naria, os truques dão conta de construir todo o ambiente resolvendo todas as necessida-
des da cena, não sobra muito para o ator. Além disso não há espaço para a poesia, para a
imaginação por parte da platéia.

Copeau não foi o único a rejeitar o naturalismo. Outros diretores também partici-
param deste movimento. Questionavam a especialização do ator de seu tempo, a distân-
cia que estavam em relação à dança, à pantomima, à música. Nessa busca das origens,
encontrando o teatro popular, Copeau viu que lá o ator também era cantor, músico, ma-
labarista, equilibrista e que se relacionava com a platéia.

A estética do teatro em Copeau está relacionada aos princípios do belo, do verda-


deiro e do puro. Verifica-se isso em seu discurso ao dirigir-se a outros atores que traba-
lharam a partir dos ensinamentos do Vieux-Colombier:

“Vocês estão no verdadeiro porque querem reconstruir. Vocês saíram do teatro. (...) Vocês deixa-
ram o velho edifício (...) do teatro industrial – ou oficial – mas não pararam na loja falsificada do
teatro de arte que muitas vezes é apenas um falso teatro, um teatro sem destino, e uma caixa de va-
riedades, pior que o outro. Vocês pegaram a estrada. Vocês tocaram logo o essencial”32 .

Como o ator deve trabalhar

Se o que motiva o projeto de teatro de Copeau como um todo é a busca da simpli-


cidade, da economia de meios a fim de dar espaço para a poesia, para a ação dramática,
com relação ao trabalho do ator especificamente vamos encontrar os mesmos princípios
norteadores.

31
COPEAU, op. cit., 1993, p.50 – trad. de L. Cesconetto.
32
COPEAU, op. cit., 1974, p. 118 – trad. de L. Cesconetto.
23

Segundo Copeau, a vocação ou o ofício do ator é “...fingir todas as emoções e to-


dos os gestos humanos”33, “...criar personagens cheios de sentido e de vida para o povo
impaciente em rir do homem...”34.

Copeau rompe com a idéia do ator gênio para pôr em seu lugar a idéia do ator o-
perário, do ator que trabalha “...com ardor inquebrantável, uma força concentrada, o de-
sapego, a paciência, o método, a inteligência e a cultura, o amor e a necessidade do que
é bem feito (...) esforçando-se para fazer com que tudo saia de suas mãos e de seu cére-
bro...”35. O ator deixa de ser um gênio para ser um homem entre os homens.

A ética

Explicito aqui alguns princípios éticos que orientaram o trabalho do ator especifi-
camente e que, de certa forma, estiveram presentes na proposta teatral de Copeau como
um todo.

Trabalhar coletivamente

Um princípio importante no trabalho com os atores consistia em saber trabalhar


coletivamente. Copeau pretendia instruir uma equipe e não ter indivíduos excepcionais
como atores. Ele negava o espírito comercial do teatro que se concretizava na superva-
lorização do sucesso pessoal do ator, na idéia de vedete. Queria todos os atores no
mesmo plano e todos a serviço do poeta. O ator deveria fazer com perfeição a sua parte,
sem a esperança do sucesso como recompensa. Copeau propõe a renuncia do egoísmo e
o sentido da comunidade no trabalho.

Se fazer compreender

33
COPEAU, op. cit., 1974, p.28 – trad. de J. R. Faleiro.
34
COPEAU, op. cit., 1974, p.119 – trad. de L. Cesconetto.
24

Copeau defende que o teatro tem que ser compreendido por todos porque “...para
reagir, para participar, para protestar, para rir ou para chorar, é preciso compreender”36.

Ser simples

Segundo Copeau, toda grande mudança só é válida se começar pela pessoa huma-
na:

“...sejam quais forem os desejos e aspirações de vocês, seja qual for a carreira que vocês se pro-
põem a seguir, seja qual for a técnica que vocês têm a intenção de dominar, antes de tudo tratem de
ser homens. Não se deixem dessecar, nem corromper, mas pela vontade apliquem-se para fazer
reinar em seu caráter uma bela, uma sólida, uma sorridente, valente e flexível harmonia huma-
na”37.
A simplicidade seria a ausência de afetação, “a harmonia no caráter, nas propor-
ções, nos sentimentos e no gesto”38. Uma “...qualidade superiormente humana e que dá
à obra de arte toda a sua liberdade de movimento, toda a sua força poética, e que se en-
contra igualmente na alta poesia e na grande estatuária, num vaso grego e numa dança
popular, na interpretação da farsa mais excessiva, da comédia mais circunspecta ou da
mais nobre tragédia”39.

O autor entende que para encontrar a simplicidade, mais do que ensinar técnicas
aos atores, é preciso ensinar-lhes a viver e a sentir, “mudando seu caráter, fazendo deles
seres humanos (...) Quero que o ator volte a ser um ser humano, e todas as grandes
transformações no teatro decorrerão daí”40.

Copeau está alertando para o ator não esvaziar-se na técnica, mas colocar a técni-
ca a serviço do ser. Em uma conferência proferida nos Estados Unidos, ele critica o ca-
botinismo e mostra o caminho de superação deste problema que invade a cena. Ele des-
taca o trabalho de uma atriz amadora que viu na cena daquele país. Faz ver que o que o

35
COPEAU, op. cit., 1974, p. 22 – trad. de J. R Faleiro.
36
COPEAU, op. cit., 1974, p. 156.
37
COPEAU, op. cit., 1974, p. 105.
38
COPEAU, op. cit., 1974.
39
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124 – trad. de J. R. Faleiro..
40
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124 – trad. de J. R. Faleiro.
25

tocou profundamente não foi o seu domínio técnico, já que ela não tinha nenhum. Cope-
au ressalta que estar distante de uma mulher de verdade era o que o atingia:

“Ela não tinha técnica nenhuma. Não tinha a menor idéia do que fosse isso. Por exemplo, ela não
sabia caminhar em cena, nem entrar, nem sair. Ela também não sabia acompanhar a palavra com
os gestos apropriados à ação do diálogo, e mantinha constantemente os dois braços um pouco fe-
brilmente apertados contra o corpo. E só no final de sua longa fala afastou os dois braços simples-
mente, e se calou de repente, olhando diante dela como se continuasse a acompanhar o seu pensa-
mento no silêncio. Pois bem: aquele gesto era admirável, e havia naquele olhar uma emoção hu-
mana que fez subir lágrimas até o meu. Diante de mim havia uma mulher de verdade, e as lágrimas
que arrancava de mim (...) Eram lágrimas verdadeiras, naturais, elas também humanas”41.

Para que os atores sejam “alguém de verdade”

“...é preciso mantê-lo em contato constante com a vida, com os deveres, os prazeres, as obriga-
ções, os trabalhos da humilde vida cotidiana. É preciso desenvolvê-lo harmoniosamente. É preciso
proibir que se especialize, que se mecanize pelo abuso da técnica. Na minha opinião, a técnica do
interprete não deve ser desenvolvida além de certo limite. Assim que se sente capaz de expressar
demais, torna-se um virtuoso”42.

Ser sincero

Copeau convida a todo o momento o ator a ser sincero, a ser sujeito de suas ações.
Alerta para os atores não se deixarem levar pela moda, pelos modismos da cena porque
correm o perigo de serem movidos pelo exterior pelas exigências externas, pelas pres-
sões externas43.

Segundo Copeau, a primeira condição para que o ator alcance a sinceridade seria
só interpretar peças que ele admira. “Não defender a peça, mas servi-la.[...] Não recriá-
la à sua moda, mas se confundir com aquele que a criou. (...) fazer ver a peça tal qual ela
foi escrita”44. “Sinceridade, quer dizer honestidade do espírito, medida na expressão, aí
está o segredo da arte clássica francesa à qual só a pureza grega é comparável”45.

O conceito de sinceridade está intimamente ligado à noção de ação real: a que não
é fictícia. Copeau observa e admira a ação de operários que trabalhavam no palco (car-
pinteiros, eletricistas, faxineira) e conclui:

41
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124.
42
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124.
43
COPEAU, op. cit., 1974, p.126.
44
COPEAU, op. cit., 1993, p. 121 - trad. de L. Cesconetto.
45
COPEAU, op. cit., 1993, p. 341 - trad. de L. Cesconetto.
26

“A ação real é bela em nosso palco. O trabalho que os artesãos executam em cena,(...) parece estar
no seu lugar, aí. Isso provém do fato de que eles realmente fazem alguma coisa, (...) e o fazem
bem, com conhecimento de causa, absortos. Os movimentos da ação deles são sinceros, observam
tempos reais e correspondem a um fim útil ao qual estão perfeitamente apropriados”46.

Quando Copeau fala sobre a relação do encenador com o ator, esta preocupação
com a sinceridade já está presente, esta preocupação em garantir que o ator mova-se por
dentro, ou seja, por um desejo seu, e não de acordo com uma exigência externa. Ele
propõe que o encenador não faça pelo ator, não lhe diga como é que tem que fazer. O
encenador deve dar espaço para que o ator descubra, se mova como sujeito, encontre
suas motivações e decida sua ação:

“...os autores sempre estão excessivamente apressados. Ou se esforçam por excitar os atores com
suas bajulações, ou os desestimulam pedindo-lhes desde o primeiro dia coisas que precisamos dei-
xar que tenham o prazer de descobrir por si mesmos, que talvez só encontrem no vigésimo ensaio,
e talvez somente diante do público (...). Não imaginamos quanta paciência é preciso para amadu-
recer num interprete um estado interior, o movimento mais simples, o gesto mais elementar.. (...)
Nunca devemos, com o pretexto de ajudá-lo, substituir o ator. Basta chamar, despertar nele certos
sentimentos, acenar para certas ações que os expressarão, mas sem executá-las, pois há coisas que
só se expressam plenamente, realmente, segundo os meios e segundo o temperamento, segundo a
personalidade do ator”47.

Identifiquei como sinônimos em Copeau ou pelo menos conceitos muito próximos


de forma que não consigo fazer a distinção, os conceitos de sinceridade e naturalidade.
Vemos na citação que segue o que é a naturalidade - uma qualidade no trabalho do ator-
segundo Copeau: “Um gato atravessa o palco. É o gato da porteira. Como caminha bem!
Como tem ares de estar em casa! Como tem naturalidade!”48

O gato “caminha bem” porque tem “naturalidade”, “tem ares de estar em casa”.
Isto é muito próximo do que Copeau disse a respeito da ação real: “é bela” porque “sin-
cera”, porque o artesão estava em cena e parecia “estar no seu lugar”, e isto acontecia
porque o operário estava “absorto” no que estava fazendo. O gato aqui também está
“absorto” no que está fazendo.

Ter disciplina

46
COPEAU, op. cit., 1974, p. 222 - trad. de J. R. Faleiro.
47
COPEAU, op. cit., 1974, p. 139 – trad. de J. R. Faleiro.
48
COPEAU, op. cit., 1974, p.169 – trad. de J. R. Faleiro.
27

A disciplina era uma questão fundamental tanto na formação dos atores na escola
quanto na companhia do Vieux-Colombier.

Segundo Borgal49, as regras de comportamento para a formação prescreviam:

• interdição de freqüentar os bastidores do teatro;

• assistir somente às representações que ofereciam toda garantia de morali-


dade;

• proibição absoluta de freqüentar outros cursos além dos da escola;

• proibição de aparecer em qualquer cena que fosse;

Com relação aos atores da companhia, a disciplina previa:

• negação do cabotinismo,

• proibição de conversas de coxias.

Respeitar o outro

Suzanne Bing, colaboradora de Copeau, buscando o respeito mútuo no trabalho,


solicitava aos alunos que fizessem comentários sobre o trabalho dos outros, conferindo
se havia melhoramento prático50.

Amar o teatro

Copeau deseja que o ator não cesse de ser um amador no sentido de ser aquele que
ama “aquele se dá a sua arte não por ambição, nem por vaidade, nem por desejo de en-

49
BORGAL, op. cit.
50
RUDLIN, op. cit., p.113 – trad. de J. R. Faleiro.
28

riquecer, mas unicamente por amor, e que, subordinando toda a sua pessoa a esta pura
paixão, faz voto de humildade, de paciência e de coragem”51.

A palavra / a voz

Quando Copeau trabalhava com o texto de um autor, entendia que o trabalho do


ator deveria repassar pelo caminho que o autor percorreu, o que ele entendia que fosse o
caminho da verdade, para “encher de realidade, saturar de poesia tudo o que se faz e diz
em cena, sem nunca exagerar a significação”52.

Para repassar por este caminho o ator deveria ter inteligência, força de atenção,
simplicidade, humildade, estudo e trabalho. É isso tudo que produz a sinceridade.

O ator deve dar um valor especial à palavra na ação dramática. Ela deve ser “justa,
sincera, eloqüente e dramática”. Para isso, seria necessário que ela fosse “...o resultado
de um pensamento sentido pelo ator em todo o seu ser, e o desabrochar de sua atitude
interior ao mesmo tempo que da expressão corporal que a traduz” 53.

Copeau utiliza ainda o conceito bergsoniano de instinto para propor uma aproxi-
mação do ator ao texto que não estivesse centrada no intelecto. Isto está evidente em
uma citação de Copeau que Gignoux traz em seu texto :

“Para compreender uma comédia e representá-la como ela está escrita, basta saber ler seu texto e
seguir seu movimento com docilidade.(...) O homem de teatro que é dotado e que foi instruído co-
nhece este privilégio de comunicar com os textos dramáticos pelos meios diretos que não são to-
talmente de ordem intelectual. Ele é sensível à voz do poeta. Seu instinto o faz tocar certezas que
nem sempre se prestam à análise...”54.

O gesto / o corpo

51
SICARD, Claude. Jacques Copeau et l’école du Vieyx-Colombier. Bouffonneries: Copeau l’éveilleur.
Textes reunis par Patrice PAVIS e Jean-Marie THOMASSEAU. “La cerisaie”/ Lectoure:
Bouffonneries, n. 34, p.116-126, 1995, p.125.
52
COPEAU: op. cit., 1974, p.199 – trad. de J. R. Faleiro.
53
COPEAU, op. cit., 1974, p.114 – trad. de J. R. Faleiro.
54
GIGNOUX, op. cit., p. 125.
29

O ator deveria ter consciência da expressão do próprio corpo, ter uma boa técnica
corporal. Copeau entende que uma das qualidades do bom ator é a pureza de estilo: per-
feição técnica, perfeição muscular a serviço de um sentimento espontâneo e sincero.
Seus alunos-atores desenvolvem na escola do Vieux-Colombier uma flexibilidade, um
charme físico.

O ator deve ter o domínio de seu corpo, deve ser capaz de imitar o real e não partir
de modelos preestabelecidos. Mas como construir seu trabalho para a cena a partir dis-
so, sem ficar no naturalismo? Copeau nos dá um exemplo perfeito para compreender-
mos esta elaboração citando o trabalho do ator shakespeariano em Rei Lear. Como fazer
a cena da tempestade com restrição de recursos materiais?

“Lutando (...) com a tempestade, sendo o seu eco, ao mesmo tempo que a desafia, Lear torna-se
para nós, sem deixar de ser ele mesmo, uma imagem, uma encarnação dos elementos em fúria. Ele
cria dramaticamente a tempestade. Eis o que um naturalista, por mais habilidoso profissional que
seja, não compreenderá nunca. Toda a sua arte visará apenas a substituir a poesia shakespeariana
pelo virtuosismo de seus maquinistas...”55 .

Então, para Copeau, o teatro naturalista não explora as convenções teatrais ao má-
ximo de suas possibilidades, sendo que convenção seria “...o uso e a combinação infini-
ta de signos e de meios materiais muito limitados, que dão ao espírito uma liberdade
sem limites e deixam total fluidez à imaginação do poeta”56 .

É oportuno vermos aqui seu esclarecimento a respeito da pantomima:

“...não é um reforço da palavra, ela a suplanta, é outro meio de expressão que não tem nada em
comum com o discurso verbal. Mimar a palavra, imitar com gestos a palavra, mimar segundo uma
palavra murmurada interiormente e às vezes com a ajuda de um movimento silencioso dos lábios,
é mimar mal (...). Imagino uma arte da pantomima, uma arte do gesto, totalmente renovado que
não tenha nada em comum com o grito acompanhado de palavras”57.

A emoção

Em seus escritos, Copeau abordou muito pouco a questão da emoção no trabalho


do ator. Exponho a seguir algumas citações que nos permitem ter uma pálida noção de

55
COPEAU, op. cit., 1974, p.164 – trad. de J. R. Faleiro.
56
COPEAU, op. cit., 1974, p.164 - trad. de J. R. Faleiro.
57
COPEAU, Jacques. Notas y reflexiones sobre la improvisacion. Máscara, México, D.F., ano 4, n. 21-
22, p. 41-49, ene. 1996/97, p.45 - trad. de L. Cesconetto.
30

como Copeau lidava com este universo: “Quanto mais a emoção jorra nele e o exalta,
tanto mais seu cérebro torna-se lúcido. Esta frieza e este tremor são compatíveis...” 58

Copeau concorda com Denis Diderot 59 quando este diz que “ ‘...tudo foi medido,
combinado, aprendido, organizado’ na cabeça do ator...”60, mas, segundo Copeau, “o
absurdo do paradoxo é opor os procedimentos do ofício à liberdade do sentimento e ne-
gar, no artista, sua coexistência e sua simultaneidade”61. Copeau defende que “A técnica
não somente não exclui a sensibilidade: ela a autoriza e a liberta. É seu suporte e sua
proteção. É graças ao ofício que podemos nos abandonar, porque é graças a ele que sa-
beremos nos reencontrar”62.

A citação que segue também nos permite ter uma idéia sobre o lugar da emoção
no trabalho do ator em Copeau:

“No interior e nos limites de uma concepção, a alma se trabalha, e deste trabalho decorre a opera-
ção misteriosa, precária, (...) que vai revestir cada vez mais exatamente a idéia (...) das formas ne-
cessárias, dos signos tangíveis pelos quais o espectador reconhecerá a natureza do que se passa
dentro do ator (...). A medida que estes signos (sinais) se afirmam, em justeza, em acento, em pro-
fundidade, a medida que eles se apossam do corpo e de seu hábito, estimulam em retorno os sen-
timentos interiores que cada vez mais realmente se instalam na alma do ator, a preenchem, a su-
plantam. É neste grau do trabalho que germina, amadurece e se desenvolve uma sinceridade, uma
espontaneidade conquistada, obtida, que a gente pode dizer que age à maneira de uma segunda na-
tureza...”63.

O texto / a trama / o autor

O repertório clássico

Com relação ao texto, Copeau propunha a encenação de clássicos para que estes
servissem de exemplo aos poetas contemporâneos. A montagem do clássico seria o “an-
tídoto à falta de gosto e das paixões estéticas, como o modelo do julgamento crítico,

58
COPEAU, op. cit., 1974, p.211 - trad. de L. Cesconetto.
59
Copeau está se referindo ao texto “O paradoxo do ator”, primeira teoria sobre o trabalho do ator de que
se tem notícia.
60
DIDEROT, Denis. apud COPEAU, op. cit., 1974, p. 221- trad. de L.Cesconetto.
61
COPEAU, op. cit., 1974, p.211 - trad. de L. Cesconetto.
62
COPEAU, op. cit., 1974, p.11 - trad. de L.Cesconetto.
63
COPEAU, op. cit., 1974, p.212-213 - trad. de L.Cesconetto.
31

como uma lição rigorosa para aqueles que escrevem o teatro de hoje e para aqueles que
o interpretam”64.

Os novos dramaturgos

Em 1917 Copeau afirmava que o desenvolvimento da arte dramática dependeria


da relação estreita entre autores e os outros artistas do teatro, realizando uma pesquisa
comum. Em 1920, dizia que era necessário devolver o teatro ao poeta, mas ao poeta do
futuro, pois disso dependeria a renovação do teatro. Em 1930 ele afirmava que “o teatro
de hoje só poderá voltar a ser uma grande arte mediante o advento de um grande poe-
ta”65.

Mas seria necessário que surgissem novos e competentes poetas. Segundo o autor,
os poetas que conhecia não estavam à altura dos clássicos, sendo que sua maior referên-
cia sempre foi Molière. O poeta do futuro é “um homem que fale por ter algo a dizer”66.

Este poeta do futuro teria que conhecer os mecanismos da cena, os procedimentos


da arte do ator. Deveria também saber escrever um diálogo “com vigor, traços em pro-
fundidade, simples e diretos, uma ação bem conduzida, caracteres nitidamente desenha-
dos, à francesa”67.

A Comédie Nouvelle [Nova Comédia]

A idéia da Comédie Nouvelle está associada à criação coletiva. Desde os tempos


da NRF, Copeau alimenta a idéia de se criar uma nova comédia baseada nos moldes da
Commedia dell’Arte, também com personagens-tipos fixos, porém extraídos da vida
contemporânea. Os temas também seriam elaborados a partir da realidade da época.
Pensava em propor personagens, depois uma linha argumental da história. Então primei-

64
COPEAU, op. cit., 1974, p.25 - trad. de J. R. Faleiro.
65
COPEAU, op. cit., 1974 , p.181 - trad. de J. R. Faleiro.
66
COPEAU, op. cit., 1974, p.167 - trad. de J. R. Faleiro.
67
COPEAU, op. cit., 1974, p. 110 - trad. de J. R. Faleiro.
32

ro delineiam-se as personagens para depois os atores fazerem uma criação coletiva a


partir de um roteiro. Seria uma farsa francesa do século XX. Esta proposta só foi ser
concretizada efetivamente com Ariane Mnouchkine, no Théâtre du Soleil, com o espe-
táculo L’âge d’or [A idade de ouro].

Em Copeau encontramos sempre a busca destes dois caminhos que, a princípio,


parecem contraditórios: por um lado a super valorização do poeta, do texto fixo, a certe-
za de que o ator deve estar a serviço do poeta; por outro lado o ator como autor, impro-
visador, criando coletivamente a partir de roteiros.

A improvisação é usada como um instrumento que vai desenvolver a espontanei-


dade do ator, que vai ajudá-lo a tornar seu o texto, a apropriar-se do texto de forma bas-
tante orgânica, para conseguir dar vida aos clássicos e aos contemporâneos. Mas existe
um momento em que Copeau entende a improvisação como um processo para a criação
coletiva mesmo, abolindo o texto dado a priori pelo autor. Este caminho inclusive leva-
ria de volta ao texto: atores improvisando a partir de roteiros, criando coletivamente na
presença do autor que tomaria esse material para a construção do texto. O que constato é
que quando ele fala dos caminhos para a renovação, não conseguimos identificar uma
via única. Além de delegar uma responsabilidade grande ao poeta, ele também a delega
ao ator e ainda à comédia. Vejamos o que ele diz ao remeter-se à comédia:

“Mas eu poderia também dizer que existe entre nós uma tradição cômica ininterrupta, uma veia
cômica latente. (...) Nós a temos no sangue. E quando falamos da renovação possível do nosso tea-
tro (...) parece ser em direção a ela que devamos nos voltar.(...) É à nossa tradição que devemos
pedir o remédio para os nossos males, e não às drogas exóticas com que pretendem galvanizar um
doente...”68.

O encenador

Encontramos na teoria de Copeau algumas prescrições referentes ao trabalho do


encenador. Uma delas diz que ao trabalhar uma obra dramática do passado, o diretor
deve, assim como o ator, reencontrar o caminho pelo qual o autor passou. Deveria, no
entanto, evitar os perigos da “reconstituição fria, por excesso de respeito”, assim como

68
COPEAU, op. cit., 1974 , p.192 – trad. de J. R. Faleiro.
33

os de “uma modernização exagerada, com o pretexto de puxar para si a obra do passa-


do”. O encenador deve sim reencontrar a vida do texto, reanimar o estilo 69.

Copeau também coloca que o encenador é aquele que conhece a arte de ajudar o
ator, de lhe desbravar o caminho. Ele deve tratar o ator com tato, dando-lhe indicações
leves para serem eficazes. O encenador portanto deve conhecer bem seu atores, inclusi-
ve seus hábitos musculares e as particularidades de sua respiração. Daí a necessidade de
trabalhar sempre com os mesmos, de ter uma cia. permanente, um teatro estável. Cope-
au propõe que o encenador deixe o ator ter o prazer de descobrir por si mesmo certas
coisas, mesmo que leve muito tempo para encontrá-las. O encenador é também aquele
que desperta entre os atores a relação de reciprocidade: um “ vínculo secreto e visível”,
a “misteriosa correspondência das relações”. A qualidade do trabalho em cena depende
muito desse vínculo de reciprocidade, das relações que se estabelecem entre os atores e
entre atores e encenador.

“Copeau não é alguém que, sentado na sala, nestes momentos onde um ator está em dificuldades
com seu papel, vá lhe gritar: ‘Mas não é nada disso’ e lhe cortar braços e pernas. Mas é alguém
que a gente vê pular no palco, pegar gentilmente o ator (...) e lhe dizer alguma coisa como um se-
gredo que vá tocar sua sensibilidade...experiência pessoal, lembrança de homem?”70.

Segundo Copeau, o bom encenador deveria ainda ter as seguintes qualidades:

• paciência para esperar que o ator amadureça um estado interior;

• discrição, isto é, nunca fazer no lugar do ator o que deseja que ele faça;

• estar presente em toda parte, porém invisível, sem oprimir o ator.

O cenário / o palco

Outro ponto fundamental para a teoria teatral de Copeau diz respeito ao cenário e
ao palco. Copeau propõe renunciar à idéia de cenário para exigir mais das possibilidades
expressivas do ator, de sua imaginação, assim como da imaginação da platéia. Ele su-

69
COPEAU, op. cit., 1974, p. 199 – trad. de J. R. Faleiro..
70
COPEAU, op. cit. 1993, p. 180 - trad. de L. Cesconetto.
34

prime o móvel e os painéis pintados, o que chama de decoração caprichosa, e os substi-


tui pela arquitetura fixa, permanente. É a estética do palco nu. Novamente Copeau se
distancia do naturalismo. Para ele a vasta decoração, própria do teatro naturalista, ener-
va e desarma a força da arte dramática, desvia a atenção do público. Se uma obra dra-
mática for verdadeiramente interessante, ela será auto-suficiente, não precisará do apoio
externo, da maquinaria, da decoração.

Ao prescrever o palco nu, Copeau não está abolindo completamente os objetos em


cena. Ele os está reduzindo ao fundamental. O que é indispensável para sugerir tal am-
biente? “Alguns arbustos, ou os móveis que convêm, ou o vazio, e vocês têm um jardim
ou um campo, ou uma sala de palácio, um quarto, uma loja ou uma sala de jantar, ou
uma praça pública, ou uma rua ...” 71.

Mais do que isso, ele entende que o público, ao olhar para o dispositivo cênico,
não está preocupado com a ilustração verossimilhante, mas sim em perceber se ele ser-
ve, no seu conjunto, aos movimentos da ação e ao jogo dos atores72.

Copeau prefere o tablado de madeira do circo romano ao palco italiano. Entende


que a estrutura do tablado tem mais expressão e é mais próxima da necessidade dramá-
tica. Aqui, mais uma vez, estamos diante do distanciamento do naturalismo, ao abolir a
estrutura que garante a ilusão teatral. Em 1917, Copeau experimentou uma estrutura que
chamou de “le tréteau” [o tablado]: “É um praticável formado de quatro partes, de 5 es-
cadas de 4 degraus e de 3 cubos que, juntos, servem de banco entre as duas escadas da
frente”73. “Este tablado permite superposições de planos, nuanças de jogo que subli-
nham felizmente a ação”74.

O público

71
COPEAU, op. cit., 1993, p.141 - trad. de L. Cesconetto.
72
COPEAU, op. cit., 1993, p.229.
73
COPEAU, op. cit., 1993, p.157 - trad. de L. Cesconetto.
74
COPEAU, op. cit., 1993, p.160 - trad. de L. Cesconetto.
35

Esta nova concepção de cenário e de palco está diretamente vinculada às idéias de


Copeau a respeito da platéia, da relação entre atores e platéia. Ao longo de sua obra,
percebemos que ocorre uma mudança com relação ao público desejado. A princípio,
Copeau busca um público urbano, intelectualizado:

“...menor, composto em parte por amadores inteligentes, em parte por pessoas que já não querem
incentivar as banalidades e as falsidades do teatro comercial, em parte por um novo contingente de
humanidade. (...) Esperamos recrutar os primeiros elementos deste público em nossa vizinhança,
entre a elite cultivada, os estudantes, os escritores, os artistas e os intelectuais estrangeiros domici-
liados no velho bairro latino”75.
Mais tarde, quando decide partir para a Borgonha, deseja um público que sim-
plesmente tenha necessidade de escutá-los. Ele busca então um público mais verdadeiro,
menos pervertido, menos blasé, “...ansioso por ouvir dizer algo, e pouco preocupado em
aplaudir habilidades espetaculares”76, “... espontâneo, que compreende tudo, que sabe
rir e se emocionar, que não teme aplaudir, que se dá ao espetáculo como os atores se
dão ao seu jogo”77.

Copeau identifica no público de Paris uma confusão entre a qualidade do prazer


dramático e a dificuldade em desfrutá-la. Ele diz que surge daí uma vaidade pelo desfru-
te solitário. Segundo o autor isto é um erro e um ato pequeno, pois “...a qualidade do
verdadeiro prazer dramático é de ser dividido, multiplicado por mil ou mais, e de o ser
instantaneamente”78.

O autor vai abordar também a falta de sinceridade no público. Assim como o ator
profissional perde a sua sinceridade com a rotina, Copeau diz que o mesmo ocorre com
o público profissional. É aquele que vai ao teatro “...com indiferença, sem saber porque,
sem ter necessidade, sem amor nem respeito, que chega atrasado, faz barulho ao entrar,
não espera nem o fim do último ato para dar as costas à cena colocando seu casaco...”79.

Em 1923 ele dá a seguinte definição de público: “Eu chamo de público o conjunto


daqueles que uma mesma necessidade, um mesmo desejo, uma mesma aspiração con-
duzem a um mesmo lugar, para satisfazer um gosto que eles têm de viver juntos, de ex-

75
COPEAU, op. cit., 1974, p. 24 – trad. de J. R. Faleiro.
76
COPEAU, op. cit., 1974, p. 166 – trad. de J. R. Faleiro.
77
COPEAU, op. cit., 1974, p. 155 – trad. de L. Cesconetto.
78
COPEAU, op. cit., 1974, p.155 – trad. de L. Cesconetto.
79
COPEAU, op. cit., 1974, p. 158 – trad. de L. Cesconetto.
36

perimentar juntos as paixões humanas (...) através de um espetáculo mais acabado que o
da vida”80.

1.4.2. Como formar o ator para este teatro

Desde as primeiras reflexões, ainda na NRF, sobre a renovação teatral, Copeau


sempre defendia que uma escola ou laboratório eram indispensáveis para a concretiza-
ção de seu projeto. Copeau e Suzanne Bing começaram a estruturar a escola em 1920
mas foi em 1921 que a escola abriu oficialmente.

Objetivos da escola

De maneira mais ampla, o objetivo da escola era formar atores para a companhia,
atores para o novo teatro. Copeau não estava interessado em formar atores “para o mer-
cado”.

De forma mais específica, o objetivo da escola era desenvolver uma “educação to-
tal” que cultivasse o espírito, estimulasse a imaginação e também desenvolvesse a ma-
leabilidade corporal através da ginástica, da mímica, do ritmo e da dança. Poderíamos
aqui relembrar tudo o que foi colocado no item que abordou o ator no teatro proposto
por Copeau. Então o objetivo da escola seria desenvolver no aluno aquelas qualidades
técnicas e éticas.

Em seu projeto de formação, Copeau privilegiava o trabalho corporal do ator por-


que entendia que o corpo, a expressão corporal, traduzia a atitude interior. Portanto, o
ator deveria ter o corpo obediente.

Em 1935 Copeau afirmava que a escola e seus métodos teriam tido a função de
“liberar a personalidade”81. Por outro lado, encontramos em uma brochura que divulga
ao público a escola, outros objetivos que parecem caminhar em direção oposta a essa:

80
COPEAU, op. cit., 1993, p. 357 - trad. de L. Cesconetto.
81
COPEAU, op. cit., 1974.
37

“A escola do Vieux-Colombier é uma escola técnica. Ela se propõe a dar aos seus alu-
nos uma formação profissional o mais metódica e acabada possível”82.

Princípios

Copeau aborda a necessidade primordial que é a unidade do ensino entre os pro-


fessores da escola. Remete-se à unidade técnica, intelectual, de princípio e de intenção.
Para isso ele precisou de uma pessoa que coordenasse os esforços, garantindo a discipli-
na83.

O método

O embrião do método se formou em 1916, junto com Bing, a partir da observação


do jogo das crianças. Para Copeau, jogo significa: imitação das atividades e sentimentos
humanos. O método deveria seguir o desenvolvimento natural do instinto daquele jogo
observado.

Todos os alunos da escola, no início, participariam de uma formação comum, de


uma mesma cultura geral, de um mesmo princípio. Mais tarde cada um se desenvolveria
de acordo com seus próprios desejos, suas inclinações84.

Para construir o teatro com a simplicidade de meios, o ator, ele próprio, teria que
se despir tanto quanto o palco, para expressar-se simplesmente e claramente. Portanto,
“o ponto de partida deveria ser não uma atitude, mas o silêncio, servindo de estado de
repouso, uma condição sem movimento mas cheia de energia”85.

82
COPEAU, op. cit., 1993, p.256 - trad. de L. Cesconetto.
83
COPEAU, op. cit., 1993, p. 264.
84
COPEAU, op. cit., 1931, p. 92.
85
ELDREDGE, Sears A.; HUSTON, Hollis W. Actor training in the neutral mask. Drama Review, New
York, v.22, n. 4, p.19-28, dec. 1978, p.20
38

O método propunha que se partisse do silêncio, do trabalho sem voz, para que o
aluno sentisse interiormente a necessidade da palavra. Segundo Leigh86, foi uma influ-
ência de Émile Jaques-Dalcroze a proposta de partir do silêncio e da imobilidade.

A estrutura da escola

Copeau estruturou a escola do Vieux-Colombier em três tipos de cursos:

1°- Curso fechado: curso com duração de três anos chamado grupo de aprendiza-
gem. Era composto de 12 alunos de 14 a 20 anos. Receberiam um ensino completo vi-
sando à formação do artista no teatro. Porque aqui ocorria a formação do ator, vou ex-
por a estrutura desse curso em um item separado.

2° - Curso aberto: era destinado a membros da companhia do Vieux-Colombier e


a artesãos do teatro. Visavam a complementar a sua cultura geral;

3° - Curso livre: destinado a espectadores e a amigos do teatro.

O grupo de aprendizagem.

Ao longo dos três anos, este curso era organizado da seguinte forma:

Primeiro ano: aquisição de noções fundamentais;

Segundo ano: desenvolvimento da cultura geral e profissional em comum;

Terceiro ano: visava a precisar a especialidade das aptidões e o aperfeiçoamento


individual. Neste ano os alunos fariam as primeiras realizações.

O ensino estava calcado nas seguintes áreas de conhecimento:

Educação corporal - música, ginástica, acrobacia, dança;

86
LEIGH, Barbara Kusler. Jacques Copeau’s school for actors. Mime Journal, Michigan, n.9-10, p. 1-75,
1979, número especial, p. 13.
39

Iniciação progressiva aos trabalhos manuais - desenho, modelagem, arte decora-


tiva, figurino e acessórios;

Canto coral e individual;

Exercícios de expressão dramática - máscara, jogo do corpo, fisionomia, mímica;

Improvisação - plástica e dialogada;

Elocução, dicção e declamação;

Cultura geral;

História do teatro - estudo das grandes épocas, artes e ofícios da cena;

Jogos livres (ou interpretações livres) - onde os alunos realizavam pequenas cenas
sem a ajuda dos professores;

Os cursos chave da escola:

Educação física - do tenente Georges Hébert87;

Educação do instinto dramático - conduzido por Suzanne Bing (colaboradora pe-


dagógica). “É neste curso (...) que se começa o trabalho sobre o estado neutro e prepara-
tório e sobre a improvisação silenciosa com a máscara inexpressiva”88.

Obtive outras informações a respeito do trabalho desenvolvido por Bing. Como


não conheço o nome do curso onde ela desenvolveu estas práticas específicas, resolvi
incluir aqui.

87
“O tenente de navio Georges Hébert, em 1907, inventou o método natural de educação física (viril e
moral) para os fuzileiros navais (...). Ela se fundamentava essencialmente na locomoção com obstácu-
los e seu lema era: ‘ser forte para ser útil’. O método consistia em uma série de exercícios, (...) que se
desenvolviam durante um percurso contínuo na natureza, prefigurando o atual percurso do combatente
(...) Tendo viajado muito, Hébert havia constatado que os povos primitivos tinham um desenvolvimento
físico harmonioso graças aos exercícios naturais aos quais seu modo de vida os obrigava: andar, correr,
saltar, escalar, lançar, atacar-se defender, nadar, ...” (LECOQ, op. cit., 1987, p. 60-61).
88
MARINIS, Marco de. Copeau, Decroux et la naissance du mime corporel. Bouffonneries: Copeau
l’éveilleur. Textes reunis par Patrice PAVIS e Jean-Marie THOMASSEAU. “La cerisaie”/ Lectoure:
Bouffonneries, n. 34, p.127-143, 1995, p. 128.
40

Segundo os estudos de Leigh, em 1921, quando Bing trabalhou com 15 estudan-


tes, tentava formular o método ou teoria da formação do ator que era buscada por Cope-
au. Trabalhava particularmente a educação dos sentidos, especialmente o sentido cines-
tésico. De acordo com Bing, esse sentido inclui noções de espaço e movimento, incor-
porando idéias de: força, duração, lugar, orientação, equilíbrio, leveza, peso, elasticida-
de, resistência, direção, obediência, independência, delicadeza e sentido musical. Bing
trabalhava com movimentos isolados de partes do corpo, para expressar atitudes89.

Estratégias / Técnicas

Neste item vou explicitar apenas algumas estratégias ou técnicas desenvolvidas


nas seguintes áreas de conhecimento: improvisação e exercícios de expressão dramática.

A improvisação

A improvisação foi um instrumento para a formação do ator. Foi introduzida na


escola em 1920. O objetivo era desenvolver no ator a flexibilidade, a elasticidade, a es-
pontaneidade da palavra e do gesto; o verdadeiro sentimento do movimento, verdadeiro
contato com o público, a inspiração, o fogo, o ardor e a audácia do farsante. Em outras
palavras, eliminar o automatismo mantendo o frescor e a criatividade. Seria um meio de
alcançar a naturalidade. Segundo Copeau, foi sua a proposta de utilizar a improvisação
para renovar o teatro. Porém, a associação da improvisação ao texto clássico, isto é, im-
provisar sobre um personagem ou sobre alguns movimentos dados do texto mas sem o
texto, foi idéia de Louis Jouvet e que Copeau adotou90. Além disso, a improvisação se-
ria também uma fonte de inspiração para o dramaturgo91.

Copeau adotou também a idéia de Jouvet de preservar as crianças longe do texto o


maior tempo possível, assim como os jovens, através das improvisações.

89
LEIGH, op. cit., p. 21.
90
COPEAU, Jacques. Registres III; Les Registres du Vieux-Colombier, I. Textes recueillis et établis par
Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Paris: Gallimard, 1979, p. 334-335.
91
COPEAU, op. cit., 1996, p. 43.
41

1.4.3. A máscara neutra como instrumento de formação

Como já vimos anteriormente, a área de conhecimento “Exercícios de expressão


dramática” incluía: máscara, jogo do corpo, fisionomia e mímica. Copeau utiliza o ter-
mo figuração para o trabalho da imitação – que ele também designa como técnicas mí-
micas - e depois usa o mesmo termo para o trabalho com a máscara – na época chamada
de nobre. É possível constatar que podiam trabalhar a figuração com ou sem máscara.
Um trabalho certamente se sobrepunha ao outro: a máscara e a mímica. O nome da dis-
ciplina que trabalhava esta área era: Educação do instinto dramático. Tratarei, a seguir,
do trabalho com a máscara e da figuração na escola de Copeau.

“Um dos estudos desta escola consistia em representar sem palavras, com o rosto coberto, com o
corpo quase nu, pequenas peças das quais uma boa quantidade era patética”92.

Quando e por que Copeau começou a usar a máscara?

O princípio de cobrir o rosto no trabalho surgiu como uma resposta a um proble-


ma prático de aula: um dia uma aluna não conseguia expressar os sentimentos de sua
personagem. Tentando auxiliá-la para que conseguisse realizar o exercício, Copeau co-
briu-lhe o rosto com um pano. O resultado foi positivo. “Ela relaxou, imediatamente, o
seu corpo tornou-se capaz de expressar o que lhe havia sido solicitado”93. Poderíamos
dizer, usando conceitos de Copeau, que ela passou a trabalhar com naturalidade.

Depois dessa experiência, Copeau resolveu incluir este recurso na formação de


seus alunos. Passou do pano a uma máscara que chamou de nobre, porque eram
“...análogas ao que eram antigamente as máscaras de dança, de caráter nobre. Elas serão
pintadas de uma cor uniforme, ocre claro para os homens, marfim para as meninas”94.

Os objetivos no trabalho com a máscara neutra eram desenvolver as qualidades


técnicas e éticas necessárias para formar o novo ator para o novo teatro, qualidades estas
que já vimos anteriormente. Mas existem objetivos específicos que vão ser trabalhados

92
DECROUX, Étienne. apud MARINIS, op. cit., p.128 – trad de J. R. Faleiro.
93
SAINT-DENIS, Michel. apud LOPES,op. cit., p.32.
94
CHANCEREL, Léon. Le masque. In: Le théâtre et la jeunesse. Paris: Bourrelier, 1946, p. 131-132.
42

através da máscara e que ainda não abordamos. São eles: despersonalizar o corpo e de-
senvolver a neutralidade.

Neutralidade e despersonalização

Há uma qualidade que o ator deve ter, em Copeau, e que ainda não abordamos,
que é a neutralidade. Segundo Rudlin, a neutralidade é buscada por Copeau como forma
de evitar a afetação. O corpo neutro é o corpo descontraído. O corpo poderia estar to-
talmente descontraído ou parcialmente, quando apenas as costas deveriam expressar es-
panto, por exemplo. O jogo sincero é um estado de calma, de autoridade para expressar
e dominar a sua expressão. “Creio que como ponto de partida há uma espécie de pureza,
de integralidade do indivíduo, um estado de calma, de naturalidade, de repouso”95. A
neutralidade é definida ainda como “um estado de boa fé, de submissão, de humildade”.

O conceito de neutralidade está bastante próximo do conceito de despersonaliza-


ção utilizado por Dullin. Ele diz que “a utilização da máscara leva a uma despersonali-
zação forçada do ator”96. Dullin explica assim este conceito:

“Até o momento presente, todos os nossos estudos (...) procuraram exaltar a personalidade do ator;
eles [os atores] viveram das suas próprias sensações, emprestaram a sua sensibilidade sob a forma
mais direta, nós iremos momentaneamente e sem prestar atenção a esta personalidade profunda
pedir-lhe para fazer tabula rasa de todas as pequenas compaixões que ele tinha sobre si mesmo,
seus tiques, suas manias, mesmo de suas gentilezas. uma forma de ‘desnudamento’ que o preparará
a uma arte mais objetiva e de maior amplitude”97.
“Eu disse mais acima que estes exercícios levam a uma despersonalização forçada do ator, sim, já
que ele vai desta vez compor em parte do exterior, como o dançarino que trabalha na frente de um
grande espelho; seus movimentos não serão mais comandados por suas próprias sensações mas e-
xigidos por esta ‘máscara’ que substitui sua personalidade à sua [da máscara]. É a arte da compo-
sição por excelência; o ator se tornará forçosamente mais objetivo, mais mestre da sua arte...Seus
tiques, seus hábitos, suas manias que tinham um charme na vida cotidiana desaparecerão pouco a
pouco e só reaparecerão como materiais de construção e não como construção por si “98.

Como se dava a evolução do trabalho

95
COPEAU, Jacques. apud RUDLIN, op. cit., p. 113 - trad. de J. R. Faleiro.
96
DULLIN, Charles. Souvenirs et notes de travail d’un acteur. Paris: Odette Lieuter, 1946, p. 123 - trad.
de L. Cesconetto.
97
op. cit., p.123- trad. de L. Cesconetto.
98
DULLIN, op. cit., p. 125- trad. de L. Cesconetto.
43

Como já vimos anteriormente, foi no curso de Educação do instinto dramático


que se iniciou o trabalho sobre o estado neutro e preparatório e sobre a improvisação si-
lenciosa com a máscara inexpressiva. Segundo Marinis, assim se dava a evolução deste
trabalho99:

Primeiro ano

Familiarização com a máscara neutra (no início o rosto era coberto com panos ou
meias); exercícios de mimo alegórico (os alunos fazem pequenos dramas mudos sobre
temas fundamentais como o sono, a fome, o medo, o cansaço); improvisações de grupo
sobre o movimento não humano e sobre as personagens-tipo da Comédie Nouvelle; es-
tudos mímicos e exercícios fonéticos e verbais; simbolizar as formas plásticas: as árvo-
res, as pontes. O jogo: imitação das atividades e sentimentos humanos. Objetivo: des-
personalizar o corpo.

Segundo Copeau, o ator geralmente não possui conhecimento e experiência do


corpo humano, isto é, não possui conhecimento sobre as atitudes e movimentos dos ar-
tesãos e operários no exercício de seus ofícios. Copeau propõe então não só que os ato-
res observem estes movimentos, mas que também os experimentem.

Este é o princípio das técnicas mímicas. Elas foram trabalhadas com o objetivo de
levar o ator a expressar-se através de seu corpo, com precisão, na improvisação. Porém
o ator deveria ter em vista colocar este ganho, a criatividade física, a serviço do poeta
dramático e do encenador. Copeau propunha que este trabalho de imitação se fizesse a
partir da natureza diretamente e nunca a partir de um movimento dado, fixado de ante-
mão. O método era: copiar o real e não o modelo100.Queria que o próprio movimento do
ator o impulsionasse, que seu estado fisiológico pessoal o dirigisse. Este trabalho tam-
bém era chamado de figuração - Copeau fala em figuração como um método de traba-
lho, como uma etapa da educação e não um fim em si.

“Levamos bastante longe este método para que o aprendiz de ator chegue a ser capaz de ‘figurar’
toda e qualquer emoção, todo e qualquer sentimento e até todo e qualquer pensamento pela atitude,
pelo gesto e pelo movimento, sem o auxílio da palavra (...) E essa figuração renovada das formas

99
MARINIS, op. cit., p. 130 – trad. de J. R. Faleiro.
100
COPEAU, op. cit., 1996., p. 45.
44

artísticas mais antigas e até mais primitivas se inspirou, em seu vocabulário, não somente no reper-
tório humano, mas também nos animais e em toda a natureza, interrogando, para imbuir-se deles, a
árvore e seus galhos, a água fugidia, o curso das nuvens e até o fogo em seu frenesi”101.

Segundo Leigh, toda Paris era sua escola: museus, galerias, zoológicos concertos.
Os alunos iam ao zoológico observar e desenhar animais:

“Ao invés de pedir a elas [às crianças] que expressem emoções humanas imediatamente, elas iriam
primeiro imitar animais que fossem muito diferentes das pessoas. Através deste tipo de ‘mímica da
observação e experiência’ – observando animais na natureza e na arte, desenhando eles, fazendo
silhuetas deles, inventando apoios que poderiam sugerir a ‘essência da fisionomia do animal’ –
Copeau sentia que os estudantes teriam uma maior bagagem para criar personagens vitais para o
palco”102.

Segundo ano

Trabalho com máscara e improvisação silenciosa: estudo do comportamento dos


animais, com a dramatização de fábulas, mitos e provérbios. Estudos sobre “...a obser-
vação do comportamento, velocidade, reações, formas de se deslocar, sonoridades emi-
tidas por um grande número de animais...”103 (esse era o fundamento para a realização
de uma pequena comédia pelos alunos).

Terceiro ano

Pesquisas sobre o mimo, a máscara, a voz, o gromelô e personagens-tipos a partir


de exercícios mais complexos e roteiros mais longos104. Chegavam, a partir daí, à cria-
ção de pequenas cenas realizadas pelos alunos sob a condução de um deles, sem a inter-
venção de um professor105.

Na escola os alunos fizeram estudos sobre diversos materiais para as máscaras que
confeccionaram, a fim de utilizá-las nos exercícios dramáticos.

Sobre o ato de colocar a máscara e sobre os exercícios

101
COPEAU, op. cit., 1974 , p.114 - trad de J. R. Faleiro.
102
LEIGH, op. cit., p.13 – trad. de L. Cesconetto.
103
DASTÉ, Marie-Hélène apud COPEAU, op. cit., 1993, p.361- trad. de L. Cesconetto.
104
MARINIS, op. cit., p. 129.
105
COPEAU, op. cit., 1993, p. 397.
45

Com relação à prática com a máscara em si, Chancerel diz o seguinte:

“Eis o primeiro exercício:


1° Tomar posição. – O jogador, sentado ou em pé, deve se estabelecer, seus pés se apoiando soli-
damente no chão – se enraizar. Ele deve se sentir bem à vontade, livre dos seus movimentos, de a-
taque.
2° Colocar a máscara.- Segura-se a máscara com a mão esquerda, pelo queixo, a outra mão segu-
rando o elástico, posicionado mais ou menos na altura das têmporas, que manterá a máscara no
rosto.
Primeiro tempo: veste-se a máscara como um chapéu, o elástico se encontrando na altura da nuca.
Segundo tempo, baixa-se a máscara sobre o rosto. Executar estes dois tempos sem hesitação.
3° Relaxamento. – Uma vez mascarado, o ator deve se abandonar, se deixar, tornar-se ‘disponí-
vel’, pronto para receber nele o personagem que ele vai agir: uma espécie de pele dócil que espera
seu hóspede. Os músculos devem estar flexíveis, relaxados, o espírito vazio, livre. Esta entrega da
vida real à vida dramática é de uma importância capital. Ela é a chave do jogo mascarado, o qual
só terá força dramática quando este estado de transmigração tiver sido sinceramente cumprido.
4° Nascimento da máscara. – A máscara toma consciência da sua existência. Jogo dos músculos do
pescoço. Levantar a cabeça. Olhar. À direita. À esquerda. Olhar suas mãos. Seus pés. Se levantar.
Andar.
Este exercício elementar deve se manter elementar e ser muito curto. Não se trata de nada além de
constatar as possibilidades de vida em si de uma criatura que não é você, de obedecer às suas insti-
gações à medida que ela descobre as leis da sua própria existência, suas possibilidades, antes de
cair na inconsciência”106.

Em um outro texto, Chancerel descreve assim o ato de colocar a máscara:

“Aprender a vestir corretamente a máscara. O aluno está em pé. Com a mão direita, ele segura a
parte de baixo da máscara (na altura do queixo), com a mão esquerda o elástico. A máscara estan-
do segurada à sua frente, com o braço estendido, ele a colocará, sem pressa, nem rigidez, na cabe-
ça (como um chapéu); depois, lentamente, a baixará sobre o rosto com a mão direita, a mão es-
querda se limitando a manter no lugar o elástico. Isto feito, sem choque e sem hesitação nem ‘er-
ro’, os braços recaem ao longo do corpo”107.

Ainda sobre o ato de colocar a máscara, Charles Dullin afirma:

“Nada me parece mais irritante do que ver um aluno saltar sobre uma mascara e utilizá-la como
um palhaço o faria com uma máscara de carnaval. Temos a impressão de um sacrilégio. Porque a
máscara tem um caráter sagrado”108.

Como se ensinava

Encontrei em Dullin uma contribuição importante sobre o processo de ensi-


no/aprendizagem com a máscara:

106
CHANCEREL, op. cit., p. 131–132 - trad. de L. Cesconetto.
107
CHANCEREL, Léon. Le masque (deuxième cahier). Prospero II. Paris: La Hutte, p. 13-29, 1944, p.
24 – trad. de L. Cesconetto.
108
DULLIN, op. cit., p. 122 – trad. de L. Cesconetto.
46

“No trabalho da máscara o aluno-espectador deve poder tirar ele mesmo indicações preciosas do
que ele vê, os graus de inclinação da máscara, a direção do olhar, a importância do primeiro plano
que pode tomar de repente o mínimo gesto”109.

Além dessa informação sobre a participação dos alunos-espectadores, é importan-


te relembrar aqui que Copeau propunha a cópia do real e não a cópia do modelo.

Contribuição técnica do trabalho com a máscara

Em um artigo de Léon Chancerel, colaborador de Copeau, verifiquei as seguintes


informações preciosas a respeito do trabalho com máscaras e que indicam as contribui-
ção dessa prática para a formação do ator:

“O jogo com máscara exige primeiro um grande domínio corporal. A máscara exige que todo o
corpo jogue e que ele jogue em relação com a máscara. A máscara ganha expressão e vida de a-
cordo com o ângulo sob o qual se apresenta, o ângulo oferecido ao jogo da luz e das sombras so-
bre este objeto de papelão substituindo o verdadeiro rosto. Isto exige um esforço muscular às vezes
muito intenso, particularmente dos músculos do pescoço e dos ombros. A máscara obriga a ir até o
fim dos gestos, a fazê-los muscularmente . Ela impede toda falsidade. Ela salta imediatamente aos
olhos dos espectadores. A máscara contribuirá então a combater no ator aprendiz sua tendência a
gesticular, a multiplicar os pequenos gestos do antebraço. É por isso que, na formação do ator,
mesmo se o ator deve jogar com rosto descoberto, os exercícios com máscaras me parecem indis-
pensáveis. Estes ‘exercícios’ se farão com máscaras inteiras análogas ao que eram antigamente as
máscaras de dança, de caráter nobre. Elas serão pintadas de uma cor uniforme, ocre claro para os
homens, marfim para as meninas”110.

De acordo com Marinis111, pode-se resumir da seguinte forma a contribuição téc-


nica do trabalho com a máscara neutra em Copeau: expressar-se com todo o corpo; ul-
trapassar a convenção pantomímica do gesto que traduz palavras para chegar à ação fí-
sica pré e transverbal (é anterior à palavra e ultrapassa a palavra, vai além); desenvolver
as qualidades dinâmicas do movimento, ritmo e intensidade (movimentos fluidos, len-
tos, explosivos, entrecortados, seguidos por imobilizações súbitas); descobrir a utiliza-
ção do princípio da independência articular e muscular do corpo; trabalhar o princípio
do raccourci : princípio da condensação da idéia, do espaço e do tempo; incentivar o a-
luno a ser autor do roteiro executado.

109
DULLIN, op. cit., p.124-125-trad.de L. Cesconetto.
110
CHANCEREL, op. cit., p. 131 – 132.
111
MARINIS, op. cit., p. 138.
47

2. Jacques Lecoq

Jacques Lecoq foi um pedagogo que aprofundou o estudo da máscara neutra. Foi
ele quem trocou a designação de nobre para neutra. Farei uma pequena introdução do
caminho que Lecoq percorreu para tornar-se um homem de teatro, a fim de evidenciar
sua ligação com Copeau.

Lecoq teve seu primeiro contato com o teatro através de Jean-Marie Conty quando
este lhe apresentou as demonstrações de Jean-Louis Barrault (aluno de Copeau). Conty
esteve na origem da Éducation par le Jeu Dramatique [educação pelo jogo dramático]
(EPJD) - escola baseada sobre métodos não convencionais fundada por Jean-Louis Bar-
rault, Roger Blin, André Calvé, Marie-Hélène Dasté (filha de Copeau) e Claude Martin.
Lecoq teve suas primeiras aulas de teatro na Association Travail et Culture [Associação
Trabalho e Cultura] com Claude Martin (aluno de Charles Dullin). O começo de sua vi-
da profissional foi com Jean Dasté (genro e aluno na escola de Copeau) que o convidou
junto a outros, para participarem de sua Compagnie des Comédiens de Grenoble. Atra-
vés de Jean Dasté, ele conheceu o jeu masqué [jogo com máscara] e o teatro Nô japo-
nês. Duas fontes decisivas para seu trabalho como pedagogo. Em 1947 Lecoq saiu de
Grenoble, deixou de trabalhar na companhia de Dasté. A citação que segue deixa clara a
herança que Lecoq recebeu de Copeau, através dos discípulos deste:

“Durante seis meses, eu dei minhas primeiras conferências-demonstrações nas escolas normais da
Rhénanie, utilisando a máscara ‘nobre’ para que alunos e professores descobrissem o movimento e
a expressão dramática””112.

A partir desta experiência Lecoq começou a desenvolver sua escola para a forma-
ção de atores. O trabalho com a máscara neutra é um dos pilares de sua pedagogia.

Em seu texto Rôle du masque dans la formation de l’acteur [Papel da máscara na


formação do ator]113, Lecoq diz que a máscara que ele apresenta tem duas funções: uma
teatral e outra pedagógica. Neste artigo ele explica brevemente as funções da mácara, e
como ele a utiliza em sua escola. Diz que não dá muitas explicações aos alunos no iní-

112
LECOQ, op. cit., p.19 - trad. de L. Cesconetto.
113
LECOQ, Jacques. “Rôle du masque dans la formation de l’acteur”.In: ASLAN, O. Le masque Du rite
au Théâtre. Textes réunis et présentés par Odette Aslan et Denis Bablet. Paris: Centre National de la
Recherche Scientifique., 1988.
48

cio da aprendizagem com a máscara neutra. Prefere que descubram eles mesmos os re-
cursos da máscara. O autor cita eventuais reações de recusa de alunos que acabam ar-
rancando a máscara do rosto e jogando-a no chão: “Eles gritam contra esse objeto estra-
nho e eu grito também porque em todos os países do mundo, jogar uma máscara no
chão e sobretudo vê-la estendida, sem movimento, repousando com o nariz para baixo,
não é suportável. É sinal de morte” 114. Fica evidente nesse texto que para Lecoq a más-
cara é um objeto sagrado.

Segundo Lecoq, o corpo, no trabalho com a máscara neutra, está em estado de a-


lerta, de suspensão. Salienta que esta máscara está na base do ensino em sua escola, jun-
to com a análise das ações físicas do corpo humano e com o equilíbrio do platô115. Ex-
plica nesses termos o que é o estado da neutralidade:

“Jogar sob uma máscara neutra não quer dizer não participar das situações nas quais a gente se en-
contra, mas se apresentar a elas em estado de calma, sem conflitos preliminares, nem idéias à prio-
ri, estar disponível ao acontecimento, um pouco espantado, olhar de uma maneira ingênua, pronto
para descobrir”116.
“Este estado neutro nos suscita uma ‘economia de movimentos’ que nos conduz para um gesto pi-
loto, como pode ser a caminhada em relação a todos os deslocamentos na locomoção humana. Não
existe evidentemente um gesto tipo, nem um estado neutro único que seria um ponto fixo, imutá-
vel, de todas as coisas. É uma direção: a gente ‘tende para’ ”117.

Em Le corps poétique118 Lecoq expõe toda a estrutura pedagógica de sua escola.


Diz que o sistema progressivo do curso segue três eixos: a improvisação, a análise do
movimento e a criação pessoal. A máscara neutra está inserida no eixo improvisação.
Ele utiliza a máscara neutra porque ela põe em evidência o corpo, elimina a gesticulação
e o gesto explicativo.

Em um primeiro momento os alunos trabalham a descoberta da máscara: experi-


mentar, tocar, dizer o que sentiram. Depois, desenvolvem o primeiro tema pedagógico:
o despertar. Como a máscara se acorda, se mexe, pela primeira vez? O segundo tema
pedagógico é o adeus do navio: um grande amigo parte de navio para o outro lado do
mundo e supõe-se que nunca mais o veremos. No momento da partida fazemos, do cais,

114
LECOQ, op.cit., 1988, p.265.
115
Jogo de equilíbrio de um disco imaginário, que tem um ponto de apoio central. Os alunos se movimen-
tam sobre este disco de forma a nunca permitirem o desequilíbrio.
116
LECOQ, op.cit., 1988, p.265.
117
LECOQ, op.cit., 1988, p.266.
49

um último gesto de adeus. Em seguida os alunos trabalham a viagem elementar (na na-
tureza). Este é o grande tema piloto da máscara neutra. Trata-se de uma viagem através
da natureza onde se anda, corre, escala, salta. A natureza proposta neste exercício é
calma, neutra, em equilíbrio. Este exercício já prepara o aluno para o próximo, que a-
bordará as identificações: quando o aluno vê a floresta, ele é a floresta. O próximo exer-
cício é: identificar-se com a natureza. Aqui o aluno vai tornar-se os quatro elementos –
água, terra, fogo, ar, tornar-se diferentes matérias – madeira, papel, papelão, metal, lí-
quidos, elementos pastosos, oleosos, cremosos. Em seguida trabalham o método das
transferências: tomam apoio nas identificações e transferem essas qualidades para a na-
tureza humana.

O artigo escrito por Catherine Skansberg La recherche des gestes oubliés: L’école
de Jacques Lecoq119 é uma importante contribuição para conhecermos o que é o traba-
lho com a máscara neutra em Lecoq e quais os fundamentos de sua prática. Skansberg
aborda os objetivos do ensino de Lecoq: “através da formação do ator, desenvolver a
personalidade dos alunos”120. Fala do papel do teatro, da necessidade que Lecoq vê em
buscar os gestos do passado, e depois aborda a técnica. Sobre o estado de calma procu-
rado pela máscara neutra, diz o seguinte:

“Os exercícios de técnica corporal (...) devem conduzir o corpo a ‘ser’ simplesmente, à maneira de
um gato ou de uma planta. É um estado onde o esforço voluntário de existir não se faz mais sentir.
A calma de ser é a calma de uma árvore, da natureza. Assim, o ator é constantemente provocado a
procurar essa calma sem pensamento prévio, é então que o gesto e o movimento vão surgir do inte-
rior tomando a forma exata que corresponde precisamente ao conteúdo que ele quer expressar (...)
Essa máscara é a de um rosto cujos traços não indicam nenhuma expressão psicológica, marca
simplesmente um estado de ser, uma presença privada de tensão e de paixão, estado inicial de exis-
tência simples e aberto ao mundo. A máscara neutra é o rosto de todos e de cada um. Com os exer-
cícios da máscara neutra, Lecoq quer reencontrar um elemento primário, eterno e universal do ser,
um elemento comum a todos e reconhecível por todos. A calma da máscara oposta à paixão é uma
calma da natureza. Reencontrar essa calma é passar de um ser cultural a um ser natural. A oposi-
ção da natureza (calma de ser) e da cultura (o esforço de criar, a paixão) é fundamental na reflexão
de Lecoq. O corpo, para tornar-se poético, criativo, deve primeiro reencontrar seu estado natural,
experimentar a sensação primeira de pertencer ao mundo da natureza” 121.

118
LECOQ, Jacques. Le corps poétique. Arles: Actes Sud-Papiers, 1997.
119
SKANSBERG, Catherine. La recherche des gestes oubliés: L’école de Jacques Lecoq. Les voies de la
création théâtrale: La formation du commédien. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique, v.
9, 1981.
120
SKANSBERG, op. cit., p. 82.
121
SKANSBERG, op. cit., p.87.
50

Para Lecoq, a máscara neutra é um meio de fazer trabalhar o corpo do aluno-ator


sem apelar para a psicologia individual – eliminando a possibilidade de o aluno atuar
com o rosto. A máscara ensina a presença do corpo em cena. Através da máscara neutra,
Lecoq introduz então a noção de atuação não psicológica (não realista) e pretende reen-
contrar os gestos rituais do teatro, o que ele chama de gesto arquetípico:

“...um gesto que não depende nem da história, nem da cultura, mas é proveniente da natureza hu-
mana imutável. A existência de uma natureza humana imutável, de uma lógica comum a todas as
experiências, de uma psicologia subjacente à realidade social, de um ‘comum a todos os ho-
mens’são pressupostos da pedagogia de Lecoq. As situações improvisadas pelos alunos são, como
os gestos que a máscara neutra permite descobrir, primárias e arquetípicas”122.
“A técnica (a análise do movimento) tem por objetivo trazer os dados virtuais do corpo à existên-
cia. O corpo, tal qual considera Lecoq é este lugar onde, como no inconsciente de Jung, habita a
memória coletiva: ele é um receptáculo de gestos hoje desaparecidos mas continuando a existir
virtualmente nele. Trata-se então de acordar esta memória dos gestos do corpo para reencontrar um
código dos gestos universais” 123.

3. Peter Brook

Peter Brook, diretor do teatro Bouffes du Nord, em Paris, ao escrever sobre suas
experiências teatrais, também abordou a questão da máscara neutra. No artigo A másca-
ra – Saindo de nossas conchas124, Brook trata da máscara de personagem, explica como
a usa em seus espetáculos. Ele também se refere à máscara neutra, afirmando que ela li-
bera o aluno-ator de sua própria subjetividade e acorda a consciência do corpo:

“Um dos primeiros exercícios decisivos que se pode realizar com atores, e que é usado em muitas
escolas de teatro que utilizam máscaras, é colocar uma máscara simples, branca e inexpressiva no
rosto de alguém. No momento em que se remove o rosto de alguém dessa maneira, gera-se uma
impressão extremamente eletrizante: repentinamente, encontrar-se ciente de que já não existe mais
aquela coisa com a qual se está transmitindo algo o tempo inteiro. Essa se constitui na mais extra-
ordinária sensação de liberação. Esse é um dos excelentes exercícios considerados por todos que o
praticam pela primeira vez como sendo um momento magno: encontrar-se repentinamente liberado
de sua própria subjetividade por um certo tempo. E, imediatamente, essa liberação se faz acompa-
nhar de um despertar da consciência corporal, de modo irresistível; assim, caso se queira que um
ator se conscientize de seu corpo, ao invés de explicar isso para ele e dizer: ‘Você tem um corpo e
deve ter consciência dele’, basta colocar em seu rosto um pedaço de papel em branco e ordenar:
‘Agora, olhe à sua volta’. Não poderá deixar de tomar instantaneamente conhecimento de tudo o
que normalmente esquece, porque toda atenção terá sido desviada desse grande imã que é a parte
superior do corpo humano”125

122
SKANSBERG, op.cit., p.88
123
SKANSBERG, op.cit., p89.
124
BROOK, Peter. A máscara - Saindo de nossas conchas. In: BROOK, Peter. Ponto de mudança. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p.287 – 306.
125
BROOK, op. cit., p. 291.
51

Nesse mesmo artigo, Brook relata a experiência do encontro de seus atores com as
máscaras balinesas, especificando o momento em que ocorreu a dessacralização das
máscaras. Relata o ritual de calçar a máscara entre os balineses, evidenciando seu as-
pecto sagrado.

Brook defende que a máscara em si pode ter um efeito sobre o portador, que ela é
um agente de transformação. Sobre a função da máscara, diz que ela oferece um escon-
derijo para o ator e por isso, paradoxalmente, ele se mostra. Em segurança, o ator pode
se expor ao perigo. O ator, sob a máscara, sabe que a pessoa que o olha não pensa que é
ele, assim permite-se “sair verdadeiramente de sua concha”126.

4. Odette Aslan

No artigo Du rite au jeu masqué127 [Do rito ao jogo mascarado], Aslan faz uma
síntese a partir dos textos dos diversos autores que compõem o livro que organizou. A
autora considera a máscara em geral, portanto está falando de um universal do qual faz
parte a máscara neutra. Por essa razão e também porque trata-se de uma pesquisadora
reconhecida internacionalmente, estou considerando nesta pesquisa o seu artigo.

Aslan escreve sobre as várias funções e significações que a máscara assume nas
diversas culturas, passando pelo ritual religioso, pelo carnaval, pelo teatro. A autora faz
referência aos diretores do século XX que trabalharam com a máscara, aborda sua fabri-
cação, a pedagogia da máscara, sempre falando dos diversos diretores que trabalharam
com esse instrumento. Conclui fazendo a seguinte afirmação: “ a máscara faz referência
a uma vaga noção de sagrado, mesmo no século XX (...) Esta máscara é uma ligação
misteriosa com não se sabe o que de oculto...” 128.

126
BROOK, op. cit., p. 306.
127
ASLAN, Odette. Du rite au jeu masqué. In: ASLAN, O. Le masque Du rite au Théâtre. Textes réunis
et présentés par Odette Aslan et Denis Bablet. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique.,
1988.
128
ASLAN, op. cit., 1988, p.280.
52

5. Sears A. Eldredge / Hollis W. Huston

Eldredge é professora no Barlham College e Huston ensina Movimento para Ato-


res na University of Delaware (EUA). No artigo Actor training in the neutral mask [O
treinamento do ator na máscara neutra], Eldredge e Huston exploram o conceito de neu-
tralidade, citando definições de Lecoq, de Bary Rolf, Richard Hayes-Marshall e Andrew
Hepburn. Explicam também as características das máscaras neutras, afirmando que os
“estilos de esculpí-las variam de acordo com a quantidade de personalidade considerada
adequada para a máscara”129. É interessante constatar aqui que, assim como variam os
conceitos sobre a neutralidade, variam as formas das máscaras também: Lecoq define a
neutralidade como algo tendendo para um ponto de apoio que não existe. Quando o ator
se aproxima desse ponto fixo, ele se torna uma folha de papel em branco, uma tabula ra-
sa. A máscara que usa “é dominada por um par de linhas pronunciadas que definem o
nariz e continuam para cima para formar a linha da testa”130. Richard Hayes Marshall
define a neutralidade como “uma condição tal que, se o ator se encontra nela, ele não
sabe o que vai fazer em seguida”. Ele “redesenhou suas máscaras sete vezes. ‘Não exis-
te nada que seja como uma máscara neutra’, ele diz, ‘ela tem que ser desenhada por al-
guém’ ”131. Andrew Hepburn entende que neutralidade é “responder a estímulos de ma-
neira puramente sensorial. A máscara que usa “é mais suave [que a de Lecoq] nas linhas
e mais naturalista: contornos detalhados no nariz, olhos, bochechas e sobrancelhas, que
dão a impressão de caras e músculo”.

Depois, Eldredge e Huston explicam os exercícios para o ator com a máscara neu-
tra. Fazem uma importante contribuição no sentido de explicitar a intervenção didática
nessa prática: constatam que a maioria dos professores usam a via negativa132 para ensi-
nar. Isto é, os professores

129
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p. 22.
130
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p 22.
131
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p 21.
132
Via negativa – conceito utilizado por Jerzy Grotowski – Diretor de teatro da segunda metade do século
XX. Uma via positiva, no treinamento físico do ator ou bailarino, seria o princípio de acumular habili-
dades ao passar pela aprendizagem técnica. A via negativa seria o princípio de eliminação de bloqueios
do ator. A técnica não seria um meio de acumular habilidades mas de revelar bloqueios e assim permitir
a eliminação destes.
53

“...não dizem aos alunos o que fazer, mas apontam os erros à medida em que eles vão ocorrendo.
‘Bloqueando o caminho tomado pelo ator’, escreve Rolf, ‘você o obriga a procurar outro...Cada
restrição imposta ao ator força a imaginação dele a procurar saídas alternativas’. O professor não
pode dar um modelo ou um conjunto de regras. O estudante precisa buscar a condição de neutrali-
dade dentro de si. Como os corpos são únicos, a neutralidade de uma pessoa é apenas dela: não há
um padrão único” 133 .

Com relação aos exercícios em si, Eldredge e Huston abordam basicamente o tra-
balho desenvolvido na escola de Lecoq. Apontam três níveis de erro, que devem ser cor-
rigidos pelo professor: movimentos gratuitos, o tempo muito lento ou muito rápido e a
atitude imposta (por exemplo: mãos rígidas, peito projetado à frente).

Os autores finalizam esse artigo listando os benefícios desse trabalho para o ator:
é uma maneira de entender a atuação; é um instrumento para analisar a qualidade da a-
ção corporal; leva o ator a se comunicar através da pessoa inteira; vai contra o natura-
lismo; oferece um caminho par atingir a presença cênica; leva o ator a desprender-se
dos clichês pessoais e das respostas habituais, levando-o a olhar mais fundo dentro de si,
buscando imagens realmente suas.

Em The concept of neutral134, Eldredge investiga especificamente o tema da neu-


tralidade. Afirma que “o conceito de neutro é uma construção intelectual e imaginá-
ria”135. A autora propõe que o “melhor caminho para entender o que significa neutro e o
que o conceito de neutro (e a máscara neutra) pode fazer para os atores, é discutir a idéia
depois de alguma contemplação e exploração [da máscara]” 136. Neste sentido, Eldredge
descreve os detalhes de sua proposta de ensino/aprendizagem com a máscara neutra:
expõe exercícios, intervenções didáticas do professor e discute a neutralidade a partir da
resposta dos alunos.

A autora afirma que a maioria das máscaras neutras usadas são tridimensionais,
baseadas no modelo da máscara neutra presente na pedagogia de Jacques Lecoq, con-
feccionada em couro por Amleto Sartori. Segundo Eldredge, a máscara que Lecoq cha-
ma de neutra, tem uma fisionomia européia. Ela sugere, portanto, para os exercícios que

133
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p.22.
134
ELDREDGE, Sears A Mask improvisation for actor training and performance – The compelling
image. Evanston, Illinois: Northwestern University Press, 1996.
135
ELDREDGE, op. cit., p. 49.
136
ELDREDGE, op. cit., p. 49.
54

irá descrever, uma “máscara de papel só com buracos para os olhos e uma forma de co-
ne para o nariz. Não há identificação de boca ou quaisquer outras características únicas
do rosto”137. Diz que a “vantagem desta máscara é que ela é mais abstrata. Ela significa
‘face humana’, mas tem menos indicações de uma nacionalidade particular; o nariz da
máscara, por exemplo, é diferente de qualquer nariz que a tenha usado!”138.

Eldredge descreve exercícios com a máscara neutra e explica o tipo de interven-


ção que o professor deve fazer em cada um. O primeiro exercício é a contemplação da
máscara. O segundo é a análise do movimento pessoal de cada aluno. Depois, ela relata
os exercícios sobre o corpo neutro (levantar, sentar, andar) e sobre a mente neutra. Aqui
entra o exercício: descobrindo o objeto pela primeira vez. “A mente neutra não tem
memória, conhecimento passado ou experiência. É uma tabula rasa, sem história pessoal
ou coletiva. Ela experiencia cada coisa que vê com novos e inocentes olhos sem anteci-
pação, como se fosse pela primeira vez”139.

A autora conclui que o corpo neutro deve ter ao menos seis características para es-
tar em harmonia com a máscara neutra. Ele deve ser: simétrico; centrado; integrado e
focado; energizado; relaxado; implicado em ser e não em fazer; econômico; coordena-
do.

Esse texto ensina o trabalho com a máscara neutra a partir da pedagogia de Lecoq.
A autora não deixa isso explícito, mas se compararmos a seqüência dos exercícios pro-
postos por ela e a seqüência proposta por Lecoq em seu último livro Le corps poéti-
que140, vemos que é a mesma.

137
ELDREDGE, op. cit., p. 49.
138
ELDREDGE, op. cit., p 49.
139
ELDREDGE, op. cit., p.58.
140
LECOQ, op. cit., 1997.
55

6. Elisabeth Pereira Lopes

Elisabeth Pereira Lopes, é autora da tese intitulada: A máscara e a formação do


ator141. Nesse trabalho, Lopes descreve e avalia a eficácia da máscara na formação de
atores, passando pela máscara neutra mas abordando também outras máscaras. Seu ob-
jetivo é fazer a elaboração progressiva de um método de formação de atores através do
uso de máscaras.

Vou aqui expor sucintamente o que é o seu trabalho, me limitando ao que diz com
respeito à máscara neutra.

Em primeiro lugar, Lopes aborda como aprendeu o trabalho com as máscaras e o


que aprendeu. Estudou em Nova Iorque e Paris. Alguns professores como Jacques Le-
coq e Citron não lhe despertaram interesse porque focavam o trabalho técnico. Preferiu
professores como Gonzales e Kawahara, que haviam trabalhado com Arianne Mnouch-
kine. Foi, segundo Lopes, com o Mestre Kawahara que se aprofundou no estudo da
máscara. Este Mestre conduzia trabalhos que beiravam os “estados próximos ao transe e
142
à possessão” , referindo-se ao ator xamã. Segundo a autora, os conceitos de transe e
possessão nunca foram explicitados nem aprofundados por esses Mestres, mesmo por-
que “os mestres de Máscaras são pessoas misteriosas, de poucas palavras e só revelam a
totalidade de suas experiências e conhecimentos para poucos alunos, escolhidos no final
do curso, para serem iniciados”143.

Lopes informa que nesse período de aprendizagem passou pela experiência do


transe. Afirma, a partir da sua experiência, que a máscara é potencialmente um objeto
mágico. Diz que a máscara toma conta do corpo do ator, eliminando a identidade des-
te144. Pelo que a autora relata, quando fala de transe e possessão refere-se a essas expe-
riências de “eliminação da identidade”, momentos em que a máscara “toma conta do
corpo e da voz do ator”.

141
LOPES, Elisabeth Pereira. A máscara e a formação do ator. Tese (doutorado) Universidade de Cam-
pinas, Campinas (SP), 1990.
142
LOPES, op. cit., p.7.
143
LOPES, op. cit., p. 8.
144
LOPES, op. cit., p.10-11.
56

A autora relata em seguida que, quando foi ensinar o trabalho com a máscara, de-
sencadeava inconscientemente estados de transe em seus alunos. Tal experiência dei-
xou-a intrigada e por isso foi buscar entender o que estava acontecendo.

Investigou “estudos sobre o comportamento humano dos indivíduos de sociedades


tradicionais que entram e saem do transe, durante seus rituais mascarados, sendo possu-
ídos temporariamente pelas máscaras que usam”145. Entrou em contato com trabalhos
dos seguintes antropólogos: Margaret Mead, E. Tonka, Richard Schechner e M. Halpin.
Todos esses autores estudam o fenômeno do transe religioso com máscaras em socieda-
des não complexas e conceituam a máscara como um “mediador do divino (uma ponte
entre duas realidades opostas – a do espírito e a do portador) e, uma vez incorporada ao
dançarino, torna-se um agente de transformação da personalidade de quem a usa, con-
duzindo essa pessoa invariavelmente ao transe e à possessão”146.

A partir deste estudo, Lopes conclui, entre outras coisas, que a máscara “tem vida
própria antes de ser colocada na face de um homem”; “a máscara é (...) um veículo de
uma idéia emergindo de um conteúdo sobrenatural que implicam a existência do ‘ou-
tro’”; “o ato do portador trazer o ‘OUTRO” à vida implica ser possuído por ele, ou seja,
implica em transe e possessão”; e que “em todo tipo de máscara, realista ou abstrata, e-
xiste um conteúdo sobrenatural associado à idéia do outro – o animal, o mito, o espíri-
to”147. A autora conclui ainda que “a realidade que vivo em sala de aula traz resquícios
do que acontece nesses rituais tribais”148.

Lopes defende que “...é necessário que o professor saiba que não é somente em
Copeau e em seus discípulos que podemos nos apoiar”149. Afirma que podemos nos a-
poiar nestes outros autores que estão estudando os rituais religiosos com máscara e tam-
bém em Keith Johnstone que utiliza a máscara no teatro como recurso para alcançar o
transe. Assim, ela faz um paralelo entre o personagem no teatro com os espíritos no ri-
tual religioso:

145
LOPES, op. cit., p. 13.
146
LOPES, op. cit. p. 6.
147
LOPES, op. cit. 21 – 22.
148
LOPES, op. cit., p. 6.
149
LOPES, op. cit., p.23.
57

“Tal qual um xamã, o professor deve criar uma postura adequada em relação aos alunos, a fim de
que os fenômenos vivenciados pelas sociedades tradicionais (os quais se repetem no contexto deste
método específico de formação de atores) sejam totalmente conhecidos e controlados em função
do divino, do ‘outro’ que, para a área de Artes Cênicas, significa a criação do personagem”150.

A autora defende que no trabalho com a máscara um outro “vai manifestar-se no


corpo do ator, se este não criar resistências emocionais durante o trabalho”151. Diz ainda
que a máscara em si, mesmo na aula de teatro “é um transmissor de energia” e que por
isso “deve ser manipulado com respeito e competência”152. Salienta que é importante
que se saiba que ao trabalhar com a máscara estamos

“lidando com o mundo da magia, com o poder da máscara sobre a identidade do portador, revelan-
do-a e escondendo-a ao mesmo tempo, liberando-a e controlando-a, ou seja, despersonalizando e
identificando o portador com o ‘outro’, o que causa um impacto da persona social e naqueles que o
observam”153.

Depois disso, Lopes aborda a trajetória de Jacques Copeau. Diz que em seus estu-
dos, vai contrapor seu método ao método do trabalho de Copeau e seus discípulos. A
autora mostra como Charles Dullin também ensinava o trabalho com a máscara como
tendo um caráter sagrado.

Continuando, Lopes escreve sobre a máscara no Brasil e explica o seu próprio tra-
balho: ela induz seus alunos ao transe hipnótico a fim de relaxar as tensões destes para
que “tenham uma atitude aberta para ouvirem e executarem minhas orientações”154. Re-
lata os ritos de iniciação para colocar a máscara. Nos informa que neste momento do
seu trabalho com os alunos, ela faz ritos místicos, cria um clima místico porque “a más-
cara tem que se tornar um objeto sacro”155. A autora diz que deixa claro para os seus a-
lunos que “...quando estiver com a máscara, o ator é outra pessoa e, sem ela, volta a ser
ele próprio”156. Diz ainda que estabelece algumas convenções: como colocar a máscara,
não falar sob a máscara, respeitar o tempo dos três segundos antes de qualquer ação157.

150
LOPES, op. cit., p.24.
151
LOPES, op. cit., p.43.
152
LOPES, op. cit., p.25.
153
LOPES, op. cit., p.25.
154
LOPES, op. cit., p.43.
155
LOPES, op. cit., p.59.
156
LOPES, op. cit., p.61.
157
Não me posiciono com relação à validade epistemológica do trabalho da professora Elisabeth Pereira
Lopes de acordo com a sugestão que recebi dos professores que fizeram parte da banca de qualificação
dessa dissertação.
58

CAPÍTULO II

A PRÁTICA COM A MÁSCARA NEUTRA NO BRASIL:


O GRUPO MOITARÁ

1. Identificação do grupo e suas atividades

O grupo Moitará foi fundado na cidade do Rio de Janeiro por Erika Rettl e Vení-
cio Fonseca. Os dois começaram a pesquisar juntos o trabalho do ator mediado pela
máscara em 1988. No período em que realizei as entrevistas, também integravam o gru-
po Marise Nogueira, desde 1997, e Daniela Fossaluza, esta como estagiária (Daniela
vem se aproximando do grupo desde 1998). Fizeram o primeiro espetáculo em 1995:
Máscara EM cena. Depois, montaram O jogo das máscaras e em 1999 estreiaram Rifin-
fin no Medelin. Atualmente o grupo está em fase de criação de um novo espetáculo: I-
magens da Quimera.

1.1. Quem são/ formação dos membros do grupo

Érika Rettl tem formação acadêmica em teatro pela Uni-Rio (Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro), com habilitação em Interpretação. Antes do contato com o tea-
tro e com a máscara neutra em particular, Rettl já era formada em dança. Seu conheci-
mento nesta área se calcou basicamente na dança clássica, tendo passado pela dança a-
fro-brasileira, flamenca, contemporânea, jazz e sapateado. Estabeleceu contato com a
59

Antropologia teatral158 através de cursos que fez com grupos europeus que vieram ao
Brasil.

Marise Nogueira tem formação em capoeira, circo (Escola Nacional de Circo do


Rio de Janeiro) e é aluna no curso de teatro da Uni-Rio. Sua habilitação é Interpretação.
Daniela Fossaluza está tendo a mesma formação acadêmica. Outra forte referência em
sua formação é o trabalho que desenvolve no Ateliê do Ator, na Uni-Rio, coordenado
pela professora Tatiana Motta Lima, onde são feitas práticas periódicas com o ator e di-
retor francês Tarak Hamann. Fazem um trabalho voltado à ação física e seus impulsos.

Venício Fonseca trabalha com teatro desde 1977, no Rio de Janeiro. Trabalhava
com teatro realista, montando espetáculos, dentro da mesma realidade que é hoje o tea-
tro comercial. Dez anos depois, Fonseca passou por experiências que alteraram ou con-
tribuíram para mudar sua relação com o teatro. Entre 1987 e 1989, assim como Rettl,
Fonseca também conheceu o trabalho desenvolvido pela Antropologia Teatral. Partici-
pou de oficinas com o grupo Potlasch, com o grupo Tascábile de Bérgamo (ambos itali-
anos), e também com Eugênio Barba. Essas oficinas duravam no máximo 15 dias, sendo
que a de Eugênio Barba durou 7 dias.

Eu entrei nesta busca da pesquisa do ator e nesta pesquisa do ator tinha o trabalho físico (...). Ti-
nha acrobacia, tinha o Samurai, tinha o trabalho vocal, a dança Orissi, o Katakhali, en-
fim...informação do teatro oriental dentro do teatro ocidental, no trabalho do ator 159.

1.2. Onde estudaram a máscara / com quem/ o que aprenderam

O primeiro contato de Rettl com a máscara neutra deu-se em 1986, aproximada-


mente, através de Dácio Lima, diretor de teatro no Rio de Janeiro. Lima convidou Rettl
para participar da montagem do espetáculo As máscaras que, como o título indica, utili-

158
Antropologia teatral: área do conhecimento que estuda o comportamento fisiológico e sócio cultural do
homem em uma situação de representação, associada principalmente ao nome de Eugênio Barba, dire-
tor do grupo Odin Teatret (Dinamarca). A antropologia teatral não é uma disciplina científica, ela tem
“a ambição de resgatar os conhecimentos úteis ao trabalho do ator. Ela não quer descobrir ‘leis’, mas
estudar as regras de comportamento. (...) Atores diferentes, em lugares e épocas diferentes, entre os
numerosos princípios próprios de cada tradição, em cada país, se serviram de alguns princípios simila-
res. Reencontrar esses ‘princípios que retornam’ é a primeira tarefa da antropologia teatral” (BARBA,
Eugênio; SAVARESE, Nicola. Anatomie de l’Acteur: Un dictionnaire d’antropologie théatrale.
Domaine de Lestanière (France): Bouffonneries Contrastes, 1985.)
159
FONSECA, Venício. Londrina. Entrevista concedida a Luciana Cesconetto em 30/05/2000.
60

zaria a linguagem da máscara. Lima havia estudado na escola de Jacques Lecoq. Fonse-
ca também trabalhou nessa montagem. Durante um ano estudaram diferentes estilos de
máscaras: neutra, abstrata, larvária e meia-máscara. Com relação à máscara neutra, Rettl
relata que trabalharam o despertar da máscara; a relação com os quatro elementos: água,
terra, fogo, ar; as cores.

“Você passava por um espaço e ele delimitava ‘- este espaço: aqui é água, aqui é terra, aqui é fogo,
aqui é ar’. Então você vivenciava a sensação daquilo. Você era o fogo, você se sentia...não tinha
uma explicação, assim. Você tinha que passar pelos quatro elementos com toda a proposta da neu-
tra: que tudo é novo, que tudo é o contato pela primeira vez, é a sensação mais pura que você po-
deria encontrar com aquilo, assim. O fogo, fisicamente, o que que te remetia, o que que te passa-
va? Não era uma coisa racionalmente muito... era uma busca sensorial, vamos dizer assim. E tam-
bém a gente fazia a mesma coisa em relação às cores. Como se fosse um arco-íris. Passava esta
mesma sensação em relação às cores. (...) Acho que isso é uma coisa que ele trás do Lecoq. E tam-
bém, por exemplo, uma vez ele pediu que eu trabalhasse como se eu estivesse caminhando e tives-
se um vendaval, uma grande força oposta de vento. O objetivo era chegar a um determinado ponto,
mas eu tinha que passar por um grande vendaval (...). Então era toda esta dificuldade concreta que
se colocava diante da neutra (...). E trabalhava a relação também de uma neutra encontrando uma
outra neutra”160.

Fonseca relata que já havia trabalhado com confecção de máscaras antes dessa
montagem. Não havia trabalhado a confecção de máscara neutra, mas já tinha conheci-
mento sobre o assunto, já se interessava pelo estudo das máscaras.

A partir do trabalho com Dácio Lima, Rettl e Fonseca juntaram seus interesses de
fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre o trabalho do ator e tendo como eixo a más-
cara. Iniciaram uma pesquisa prática. Começaram a confeccionar máscaras porque não
dispunham desse material.

“...começamos a entrar na sala com várias questões que aquele trabalho tinha nos colocado e ou-
tras questões que a gente se perguntava e fomos em busca de respondê-las. E daí a gente teve um
processo muito grande só de trabalho de pesquisa com leituras, com processo prático (..) e a gente
começava a formular exercícios (...) e sempre um olhando o outro. E em momentos abrindo para
pessoas amigas, conhecidas e viam a gente... discutia”161.

160
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
161
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida em 29/05/2000.
61

Depois de já terem confeccionado muitas máscaras, Rettl e Fonseca tiveram a o-


162
portunidade de fazer um curso com Donato Sartori quando este veio ao Brasil por
volta de 1990. O curso era de confecção de máscaras em papel e tela.

“Mostramos as máscaras para o Sartori. Ele olhou tudo (...) e falou ‘- vamos trabalhar’. Ele deu
três dias de uma palestra que ele faz, com slides, falando sobre a história da máscara, depois en-
tramos na prática. (...) E nesse momento a gente falou ‘- meu deus, a gente achava que tinha algu-
ma coisa’ e quando a gente viu que tava muito ainda no raso do que poderia ser aquilo, a gente fa-
lou ‘– não, agora a gente tem que repensar estas quarenta, cinqüenta máscaras que a gente fez tea-
tralmente, de fato. Vamos recomeçar o trabalho’ ”163.

Depois desta experiência, recomeçaram a confeccionar e experimentar em sala


(em espaço de estudo e não no palco) a funcionalidade da máscara. Rettl tinha um traba-
lho de ação física e Fonseca confeccionava as máscaras.

Rettl e Fonseca fizeram um segundo curso com Donato Sartori, desta vez na Itália,
em 1992. Foi um curso de confecção de máscaras de couro. Normalmente Sartori traba-
lha a confecção e convida um ator para discutir a funcionalidade da máscara que o aluno
criou. Eventualmente este ator convidado faz uma demonstração de utilização da másca-
ra para depois trabalhar com o aluno a funcionalidade da máscara que ele mesmo con-
feccionou. Neste segundo curso, Sartori havia convidado o ator italiano Felice Pico164
para participar do processo de ensino/aprendizagem.

“Ele demonstrou a neutra, foi uma neutra completamente diferente, foi um trabalho...outra energia
na neutra. Ele trabalha com máscara balinesa, com máscara da Commedia dell”Arte, fez uma de-
monstração de trabalhos. Daí nós pedimos pra mostrar pra ele um pouco do nosso trabalho em sa-
la. E foi muito legal porque mostramos alguns trabalhos e discutimos, ele deu uns toques de como
a gente poderia aprofundar determinadas coisas. Voltamos com estas informações e continuamos
nosso trabalho (...) as nossas respostas nasceram muito da nossa prática”165.

Outra referência forte na aprendizagem de Rettl e Fonseca, foi um curso de más-


caras que fizeram, como alunos ouvintes, com Arianne Mnouchkine, no Rio de Janeiro.
Porém, neste curso, não trabalhavam com a máscara neutra. Ariane trabalhou com más-
caras balinesas e da Commedia dell’Arte.

162
Donato Sartori é filho de Amleto Sartori, o escultor que colaborou intensamente com Jacques Lecoq
na confecção de suas máscaras neutras e outras máscaras. Donato deu continuidade ao trabalho de seu
pai (já falecido) e tem na Itália um centro de estudos sobre a máscara.
163
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
164
Felice Pico é casado com a irmã de Donato Sartori. Têm um grupo chamado “Teatro di Sole” onde
trabalham com máscaras.
62

Em 1994 ou 1995 Rettl e Fonseca voltaram à Itália e fizeram um terceiro curso


com Donato Sartori. Mostraram novamente seus trabalhos, reencontraram o ator Felice
Pico. Trabalharam também com um ator de um grupo que pesquisa Ruzzante 166, especi-
ficamente. Experimentaram trabalhar o Arlequim, o Zanni.

No relato de Rettl e Fonseca fica sempre evidente que as oficinas que fizeram com
os grupos europeus ligados à Antropologia Teatral foram fundamentais nos seus estudos
sobre o trabalho do ator. Na prática dos dois, o conhecimento do trabalho com a másca-
ra neutra na formação do ator foi amalgamado ao conhecimento da Antropologia Teatral
sobre o ator.

Outra constante no relato de ambos é que o trabalho que faziam sozinhos era uma
aprendizagem. Tinham algumas referências e iam pesquisando, encontrando respostas
que fossem particulares deles, “...encontrando o que seria uma máscara neutra, na ques-
tão prática do confeccionar e na questão prática do jogo”167.

O grupo não tem sede própria. Trabalha em uma sala do curso de Teatro da Uni-
Rio168.

2. Atividades de ensino com a máscara neutra

2.1 Para quem ensinam / desde quando ensinam

Quando perguntei a Fonseca “desde quando vocês ensinam o trabalho com a más-
cara neutra?”, obtive a seguinte resposta:

165
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
166
Ruzzante: pseudônimo de Angelo Beolco (Padova, aproximadamente 1502-1542). Autor dramático, a-
tor e encenador italiano. (...) inventa e desenvolve o personagem ao qual seu nome fica associado
(CORVIN, Michel, Dictionnaire encyclopédique du théâtre. Paris: Larousse-Bordas, 1998, p. 1445).
Ele é o intérprete de um personagem único, en volta do qual construiu suas peças e que leva seu nome:
Ruzzante, camponês pobre, esperto, exibido, cínico, covarde, apático...sempre explorado...(DEGAINE,
André. Histoire du théâtre dessiné. Saint Genouph: Nizet, 1992, p. 159-160.).
167
FONSECA, Venício. Londrina. Entevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
168
Esses são dados referentes a maio de 2000.
63

“Esse trabalho de ensinamento começou conosco mesmo. Com o grupo. A gente ensinando para a
gente. A gente aprendendo. Já vem de 89 eu acho, 88. A partir de técnicas comuns entre vários ou-
tros mestres que a gente tomou conhecimento e outros que a gente teve vivência, de amigos que já
trabalhavam também com a máscara (...) E começamos a partir, buscando esta resposta, que fosse
particular nossa, encontrando o que seria uma máscara neutra, na questão prática do confeccionar e
na questão prática do jogo”169.

Perguntei novamente, procurando identificar o momento em que começaram a o-


ferecer oficinas abertas, como a que ocorreu em Londrina. Fonseca respondeu que foi
um processo gradativo. Arriscou datar em 1994 a primeira oficina de utilização de más-
caras oferecida para o público em geral.

“Iniciamos nós e pouco a pouco fomos experimentando a forma como trabalhar, como se chegar,
como se colocar um outro ator dentro deste mesmo processo de neutralidade (...) e fomos experi-
mentando pouco a pouco. E aí fomos abrindo cursos. Pessoas que foram participando, entrando, e
a gente foi trabalhando”170.

É possível verificar, com esta resposta, que o objetivo da atividade de ensino es-
truturada em oficinas era ampliar o grupo, divulgar o trabalho para trazer mais pessoas
para o grupo.

Suas oficinas são geralmente freqüentadas por estudantes ou profissionais de tea-


tro. Na oficina organizada em Londrina havia apenas uma pessoa que não era nem estu-
dante, nem profissional de teatro. Era uma jovem que fazia teatro amador ligado à sua
religião. A jovem desistiu no terceiro dia de aula. Pelo relato de Daniela Fossaluza, es-
tagiária no grupo, na primeira oficina que fez com o grupo Moitará, sentiu-se fora do
contexto porque os participantes eram todos atores que trabalhavam o clown (palhaço),
e já haviam feito uma oficina com o grupo Moitará antes. Falando sobre a segunda ofi-
cina que fez com o grupo, Daniela diz o seguinte: “...era uma turma mais próxima da
minha realidade, mais nova neste sentido, onde eu não me senti tão exigida”171.

Por estas evidências, e porque o trabalho com a máscara é muito especializado


dentro do teatro, é possível afirmar que as oficinas oferecidas pelo grupo Moitará são
freqüentadas basicamente por estudantes e/ou profissionais do teatro, preferencialmente
atores.

169
FONSECA, Venício. Londrina. Entevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
170
FONSECA, Venício. Londrina. Entevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
171
FOSSALUZA, Daniela. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 27/05/2000.
64

2.2 O que ensinam

Vou abordar aqui exclusivamente o trabalho feito na oficina de Londrina.

As aulas eram divididas em três partes, assim chamadas: segmentações, ações ou


alfabeto, e máscaras. A proposta era trabalharmos a máscara neutra a partir do terceiro
dia. O trabalho com a máscara expressiva ficaria para o fim do curso. Houve um contra-
tempo. Os membros do grupo não conseguiam encontrar as máscaras neutras, elas esta-
vam perdidas. No sétimo dia de oficina as máscaras foram encontradas.

Segmentações

Chamam de segmentações um trabalho corporal onde exploram as possibilidades


de cada articulação com relação a direções e planos. Ensinam a movimentação indepen-
dentemente de cada articulação: inclinar a cabeça sem levar o pescoço e ombros, por
exemplo. Ensinam também a trabalhar com as oposições de vetores no corpo, procuran-
do um alinhamento: pés paralelos na linha dos quadris, bacia encaixada, ombros relaxa-
dos. Este trabalho é feito em pé, com o grupo em círculo. É Rettl quem orienta a ativi-
dade, mostrando e explicando o movimento a ser realizado. Fonseca observa, faz alguns
comentários e pequenas correções na estrutura corporal dos alunos: coloca um ombro no
lugar, posiciona a bacia, alinha os pés, cabeça, etc...

Neste momento da segmentação também foi ensinado um exercício para mover o


globo ocular com precisão. Com os dedos indicadores e polegares abríamos bem os o-
lhos e devíamos explorar diferentes direções e velocidades com os olhos172. Esta etapa
da aula finalizava com um trabalho que explorava o corpo como um todo em movimen-
to: a partir de um movimento circular da bacia incluíamos cintura, peito, joelhos, cabe-
ça, braços. Depois fazíamos um trabalho de alongamento/fortalecimento.

Ações ou alfabeto

172
Trata-se de um exercício extraído do Kathakali, teatro-dança do sul da Índia . O Kathakali tornou-se
conhecido no Ocidente principalmente através de Jerzy Grotowski e de Eugênio Barba.
65

Chamam de ações ou alfabeto pequenas seqüências de movimento onde estabele-


cemos uma relação com um objeto imaginário, um outro imaginário, o espaço imaginá-
rio, ou quando construímos uma imagem com o corpo. Há aqui o início de uma teatrali-
zação do corpo. Uma pessoa que vê de fora, não vê mais um alongamento, um ombro
que se move para a frente. Ela vê alguém soltando uma pipa, tocando um sino, levan-
tando uma pedra, ou então algo que lembre um gato, uma cobra. Porém, não existe a
preocupação em tornar esta ação lisível para um espectador. A preocupação é com o que
chamam de impulso, é com o engajamento da coluna na ação que se está fazendo. “O
impulso cria a ação, a imagem. Não importa a ilustração ‘lavar a roupa’, mas que o cor-
po inteiro esteja na ação”173.

Dão um nome para cada pequena seqüência, por isso chamam de alfabeto. São se-
quências provenientes do trabalho de Jerzy Grotowski, de Jacques Lecoq, de Étienne
Decroux e de Eugênio Barba. Trabalhamos as seguintes ações (vou descrever apenas as
quatro primeiras que foram ensinadas):

Pipa

Soltamos uma pipa imaginária. Fonseca ensina esta ação mostrando como se faz e
explicando: braço esticado à frente ou na diagonal/cima, há uma oposição entre empur-
rar o ombro direito para trás e empurrar o lado esquerdo da bacia para a frente (depois
trocar) – Esta ação deve ser visível exteriormente. O corpo como um todo está engajado
na ação. Trabalhamos a tensão/relaxamento: puxa a pipa e solta. Há uma orientação pa-
ra variarmos a força empregada: forte/suave, variar o tamanho da trajetória da ação:
grande/ pequeno, e também para variarmos as direções. Fonseca orientava: “sejam ver-
dadeiros, se você só move os ombros, isto é descrição. Para ser verdadeiro o corpo intei-
ro tem que estar engajado”.

Sino

173
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição da aula do dia 16/05/2000.
66

Nos penduramos na corda de um sino de igreja, imaginário, para badalá-lo, mas


não é o joelho que dobra, a bacia é que é projetada para a frente.

Susto

A preparação da posição inicial: de pé, pés paralelos. Soltamos o tronco à frente,


incluindo a bacia. Assim estamos prontos. A um sinal (palma) levantamos o tronco rá-
pido e estancamos o movimento com uma pausa brusca. Depois soltamos e voltamos à
posição inicial. A cada vez levantamos por um ponto diferente: cabeça, sternum, ombro.

O gato

Deitados, de barriga para baixo, mãos apoiando o queixo (palmas da mão para
baixo). Olhos atentos, olham de um lado para o outro. Ao sinal (palma), o gato se põe
alerta levantando o tronco e pernas, mantendo o apoio por bacia e mãos. Viu que não
era nada, apoia pés no chão, levanta bacia , espreguiça-se e volta a deitar-se mergulhan-
do.

Estes são os nomes dos outros exercícios: A linha /A pedra /A bola / Chocolate /
A bandeja / A cobra / A sinaleira / A marionete / A sentada do gato / O avião / Pular o
muro.

Nas primeiras aulas Fonseca e Rettl demonstravam e explicavam cada exercício,


nos corrigiam. Depois pediram que construíssemos uma seqüência colando os exercí-
cios, as ações, uma na outra. O fim de uma ação seria o início de outra. Não deveríamos
pensar antes. Só ir fazendo. Fomos orientados a repassar a partitura memorizando-a. Em
seguida repetimos a partitura várias vezes, sem pausa entre o fim e o reinicio da mesma.
Esse mesmo exercício foi feito sem deslocamento. Mais tarde Fonseca solicitou que re-
petíssemos a seqüência individualmente fazendo variações de tempo, força, direções,
planos, para não ficar monótono. Todos os alunos trabalhavam ao mesmo tempo. Em
uma última etapa do exercício, era preciso desenvolver uma relação entre os alunos
67

mantendo a seqüência de ações, ampliando-a, introduzindo outras ações que poderíamos


inventar a partir do mesmo princípio. Fomos orientados a reagir ao impulso do outro.

A máscara neutra

No terceiro dia de oficina passamos a ter uma terceira etapa na aula: a máscara
neutra. Este trabalho inclui uma parte introdutória sem máscara e uma parte com másca-
ra. Durante quatro dias fizemos os exercícios sem a máscara, como já disse anterior-
mente. Não havia diferenciação entre masculino e feminino nas máscaras. Eram de cor
bege, as linhas eram de uma face humana, com traços ocidentais, europeus. Havia uma
delicadeza nos traços destas máscaras que foram confeccionadas por Rettl.

Exercícios

Primeiro exercício: o ponto fixo. Foi realizado a partir do 3° dia de aula, sem más-
cara, todos juntos, e a partir do 7° dia fizemos com máscara, individualmente. Partíamos
do ponto zero, posição que consistia em ficar de pé, com os pés paralelos e alinhados na
linha dos quadris, cabeça ligeiramente inclinada para um ponto na frente/ nível baixo.
Ao sinal (nota musical produzida por um diapasão) deveríamos olhar para um ponto à
frente no nível médio, abrindo bem os olhos. Sentir-se puxar, com o corpo todo, pelo
ponto. Há uma transferência do peso do corpo para a região do metatarso. Este exercício
deveria ser acompanhado pela respiração. Éramos orientados a colocar ar entre as arti-
culações, entre braços e tronco. Isto é, os braços deveriam ficar ligeiramente afastados
do tronco. Este lugar foi chamado de ponto fixo. Depois deveríamos voltar ao ponto ze-
ro, ao eixo.

Segundo exercício: consistia em partir do ponto zero, ir ao ponto fixo e segui-lo


em seu deslocamento de 180°. Esse exercício foi feito a partir do 4° dia de aula, sem
máscara, todos juntos, e a partir do 7° dia ele foi feito com máscara, individualmente.
Fonseca e Rettl nos ensinavam a olhar com o nariz e o plexo e não só com o olho. Dizi-
am que olhar só com o olho é um olhar psicológico. Pernas e pés se organizam para
68

completar a volta, não ficam se ajustando. Os pés pisam firme no chão com economia
de movimentos. Ao chegarmos neste novo lugar, deveríamos voltar ao ponto zero.
Constatei, através da demonstração de Rettl, que o corpo trabalhava em um nível de for-
ça superior ao usado no cotidiano, como se estivesse resistindo ao ar. Também constatei
que o tempo para fazer esse deslocamento era relativamente lento. Havia um tempo de-
finido e que Rettl repetia. Os pés ficavam flexionados quando deixavam o chão. Os pés
estão sempre paralelos.

Terceiro exercício: ao olhar para o ponto fixo deveríamos dar um passo à frente e,
neste novo lugar, voltar ao ponto zero. Esse exercício foi feito a partir da 5a aula, sem
máscara, todos juntos.

Quarto exercício: partindo do ponto zero, ir para o ponto fixo e acompanhá-lo em


seu deslocamento de 360° . Depois voltar ao ponto zero. Este exercício foi feito a partir
da 5a aula, sem máscara, todos juntos.

Quinto exercício: o despertar da máscara. Fomos orientados por Fonseca a ficar


deitados no chão. Ao som da nota musical, deveríamos despertar, como se fosse a pri-
meira vez, descobrindo o espaço, os sons, o outro. Disse ainda: “não há memória”. O
grupo fez este despertar uma primeira vez só com a orientação verbal. Ficou nítido que
Fonseca não ficou satisfeito com o resultado. Disse que o que fizemos era um despertar
muito cotidiano. Antes de uma segunda tentativa, Fonseca solicitou às duas atrizes do
grupo para fazerem uma demonstração do despertar da máscara para os alunos.

O que nos ensinaram através da demonstração foi o seguinte: a atriz está deitada.
Ao som da nota musical seu corpo se tonifica, sai do estado relaxado, abandonado, e usa
um certo nível de força como se o ar fosse mais denso. Seus pés se flexionam. Os mo-
vimentos são lentos e o fluxo é entrecortado. Há uma pausa entre o fim de uma ação e o
início de outra. O que marca o início e o fim de uma ação é o olhar que vai de um ponto
a outro. Quando chega neste outro ponto, há uma pausa de três segundos. Este olhar de
um ponto a outro é impulsionado por uma percepção. A máscara olha tudo o que ela to-
ca (percepção tátil), o que ouve, e este olhar é “com o corpo todo”: não são só os olhos
que mudam de direção, nem tampouco só a cabeça. O corpo como um todo se orienta
69

para a nova direção. Não há movimento brusco. Os olhos estão arregalados, não há mo-
vimentos faciais.

Há uma orientação oral para despertarmos o corpo todo, a partir da nota musical,
impulsionados pela coluna vertebral, como se a nota atingisse a coluna vertebral como
uma flecha e por aí despertasse o corpo como um todo. Este exercício foi sofrendo vari-
ações ao longo do curso: no início, fazíamos o despertar até o sentar (5a aula), na 9a aula
fizemos o despertar com máscaras em duplas com uma platéia. O trabalho consistia em
despertar sentindo cada movimento, olhar um ponto fixo fora, olhar o outro e deitar no-
vamente. Na 12a aula fizemos o despertar até o levantar estabelecendo uma relação com
a platéia. A última versão do exercício incluía olhar o objeto (o que chamavam de as-
sunto) e olhar para a platéia ou triangular com a platéia (14a aula).

Sexto exercício: roteiro de ações com máscara neutra. Este exercício foi feito
sempre com máscara, individualmente, a partir do 7° dia de aula. Fonseca explicou o ro-
teiro das ações: partir do ponto zero, ir para o ponto fixo, girar 180° - há aqui uma ação
de procurar o lugar de onde foi emitido o som – olhar longe, à frente, no nível médio.
Voltar o olhar para o centro da platéia, ir com o olhar para o primeiro da fila, olhar um
por um até o último, voltar ao centro da platéia. Voltar o olhar ao ponto distante à frente
(nível médio) que se move e retorna ao ponto inicial e depois ao ponto zero.

Sétimo exercício: triangulação/assunto. O exercício foi feito com máscara, indivi-


dualmente, no 10° dia de aula. Inicia-se em pé, de costas para a platéia. Há uma cadeira
em cena, próxima do ator. O roteiro consiste em: virar-se ao som da nota musical, olhar
a platéia, olhar o objeto, dar um passo em sua direção, olhar a platéia, olhar o objeto,
subir na cadeira, olhar a platéia, olhar o ponto fixo e acompanhá-lo fazendo uma volta
de 180°, retornar ao ponto zero.

Sobre o ato de colocar a máscara

Duas máscaras do grupo ficavam lado a lado, no chão, cada uma sobre um tecido.
Havia uma sacola com pedaços de espuma entre elas, para que ajustássemos a máscara
no rosto, caso ela nos causasse algum desconforto. Fomos orientados a não tocar na face
70

da máscara, por dois motivos: para não sujar e por respeito, pois “não é mais só um ob-
jeto. Se as confeccionamos, tendemos a cuidar delas com carinho, com respeito”174.

O ato de colocar a máscara se dava de costas para a platéia, sentados sobre os cal-
canhares. Deveríamos pegá-la por trás ou pela lateral, experimentar uma e outra, ver
qual se adaptava melhor no rosto, colocar uma espuma se fosse preciso. Depois de deci-
dir qual das duas usaríamos, era preciso olhar para a sua face. “Antes de botar a másca-
ra, se relaciona com ela. Vê com a coluna vertebral. (...) Vê a mensagem que ela manda
pra ti”175. Essas eram as orientações: se relacionar com a máscara; receber sua mensa-
gem; encontrar o estado de espírito que ela sugere; olhar com o corpo todo. Depois
prosseguíamos, segurando com uma mão o elástico e com a outra o queixo da máscara.
Depois de colocá-la sobre a face, já devíamos estar no estado da máscara. Se o exercício
proposto exigisse iniciar de pé, devíamos levantar já no estado da máscara.

A teoria que foi passada oralmente

Os exercícios práticos que descrevi anteriormente eram acompanhados de comen-


tários, no início ou no fim da aula, antes ou depois do exercício. Havia uma teoria sendo
passada oralmente sobre a máscara neutra, abordando princípios éticos e técnicos, obje-
tivos do trabalho. Exponho a seguir este fundamento teórico presente na oficina.

• “A neutralidade não tem nem futuro nem passado;

• A máscara neutra desenvolve todos os sentidos do ator. (...) todo o corpo está acordado, já
está livre do meu condicionamento racional, cotidiano, em um estado de resposta, de dar
e tomar. Começo a dilatar todos os sentidos que antes pareciam estar configurados pelo
racional, estar impedidos pelo racional;

• Vamos procurar exatamente este estado de equilíbrio. Um equilíbrio que nos faz passivo,
que nos coloca aberto, nos coloca dilatado. Um equilíbrio que coloca todos os sentidos a
serviço da vida. Ação e reação ao mesmo tempo. (...) O que eu vou botar no corpo são es-
tas linhas. Na cabeça, cotovelo...essa atuação que acorda todos os sentidos”176;

• “Ela é a base e o núcleo de todas as outras [máscaras]. A importância dela tá neste senti-
do: o estado de percepção, de calma, de presença que ela propicia ao ator é necessário pa-

174
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição da aula do dia 26/ 05/ 2000.
175
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição da aula do dia 26/ 05/ 2000.
176
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000.
71

ra todos os outros personagens. Ela mostra com muita clareza o que é representar, o que é
ser a máscara e o que é ser o ator. Há um tempo que é meu, há um tempo que é o da más-
cara. Há uma dinâmica que é minha e há uma dinâmica que é da máscara”177;

• “Objetivo desta prática: trabalhar o ator;

• A neutra se relaciona com o aqui /agora, cria um estado de calma e percepção;

• A máscara representa a natureza em seu estado puro, fora das convenções”178;

• “Este é um trabalho que busca a essência do teatro. Este é um trabalho sobre o ator, que
busca a presença do ator. O corpo inteiro está em ação; se um dedinho move, é o corpo
inteiro que está em ação para que este dedinho se mova”179. “(...) A calma da máscara
neutra não é uma calma de facilidade. Ela é ativa. O corpo vivo, presente”180. “(...) A
máscara, quando está viva, ela catalisa a atenção. (...) Todos os sentidos abertos, numa
dimensão maior. E esta dimensão maior está exatamente nas oposições da força da gravi-
dade. Eu procuro uma dificuldade para isto, para que ela venha a existir (...) Eu procuro
uma força contrária assim como o pombo procura uma força contrária para poder vo-
ar”181;

• “Abandonar a gestualidade cotidiana é atingir a despersonalização”182; “...A máscara neu-


tra necessita dessa disponibilidade, do desnudamento, do desnudamento da tua másca-
ra”183;

• “A máscara sugere uma forma de caminhar, sugere uma dinâmica...;

• A máscara neutra não é um personagem. (...) Ela não tem nenhum traço de caráter;

• A máscara neutra não é nem alegre nem triste”184;

• “Não tem memória. Tudo é novo e importante para ela. (...) essa relação de neutralidade é
o que a gente vai buscar, de não ter o conhecido, de não ter o ‘eu escolho o importante pra
mim’. O tic-tac do relógio é tão importante quanto a cortina preta. Tudo é novo;

• Ela é simétrica;

• A máscara é a respiração. A respiração tem uma dinâmica, um estado muito concreto

• A máscara neutra é o olhar do nariz. O olhar acompanha o nariz, o corpo cede ao olhar.
(...) A energia que concentra no corpo que é a máscara, está no olho. (...) O olho é a más-
cara e a máscara é o corpo. O que existe no corpo está no olho. Ela não é interpretativa,
ela é relação. (...) o corpo presente, vivo, dentro de um estado de representação, além do
cotidiano, além do condicionamento cotidiano”.185; “O corpo se relaciona, não é o olho.
Se eu olho, é 100%, eu cedo. Não tem a nossa comodidade. Ela não tem a nossa preguiça
do ceder para olhar. É diferente do nosso estado cotidiano. Os sentidos estão mais dilata-

177
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 26/ 05/ 2000.
178
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 16/ 05/ 2000.
179
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 17/ 05/ 2000.
180
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 18/ 05/ 2000.
181
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000.
182
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 17/ 05/ 2000.
183
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 18/ 05/ 2000.
184
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000
185
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000
72

dos. Ela vai, é o corpo inteiro (...) o olhar é um olhar atento. É tudo muito preciso. Não
sobra ação, não sobra respiração, não sobra olhar. É o justo”186;

• “A máscara deve estar sempre pronta para partir (...) ela não está nem tensa, nem relaxada
– tensa é o mesmo que contida ...porque é ritmo, é dinâmica. A máscara é um corpo imer-
so dentro de um processo dinâmico. E se eu fico aqui [Venício faz uma pausa mais longa
do que de costume, ao olhar fixamente para um ponto, antes de partir para ou-
tro]...analisei. Cada ponto me puxa como se eu pudesse ir um pouquinho mais. Não é ten-
cionando, é sentindo a elasticidade (...);

• A máscara neutra busca a simplicidade. O essencial. Só se movimenta por uma necessi-


dade. É uma relação justa. Ela só vai até aonde o impulso vai. (...) A máscara, ela faz uma
catalisação da atenção do espectador” 187;

• “A um toque, um vento, a máscara (o corpo) reage. Tem que reagir a um impulso. Não é
só sentir o toque. Tem que reagir”188;

• Este trabalho ressalta pequenas incorreções, ressalta o que está fora do e-


quilíbrio: “pés en dehors189, tronco projetado para trás, ombros desnivela-
dos. O trabalho revela uma consciência ou falta de consciência corpo-
ral”190. A máscara neutra não pára com os pés en dehors, só com os pés pa-
ralelos. Isto é o equilíbrio, a harmonia191.

• A máscara não pode se aproximar muito da platéia192.

• A máscara só é atraída para os objetos, porém não deve se fixar neles. A


fixação (ficar mais que três segundos em relação com o objeto) foi identi-
ficada, por Fonseca, como paixão. Se a máscara fica mais de três segundos
olhando para um ponto, se relacionando com o objeto, há fixação então is-
to já denuncia uma relação de paixão. Isto não pode acontecer porque e a

186
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 24/05/2000.
187
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 26/05/2000.
188
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 29/05/2000.
189
“para fora”. Expressão da dança clássica. Há uma rotação da coxa “para fora” na altura da articulação
do fêmur com a bacia.
190
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 24/052000.
191
Anotações da aula do 30/05/2000.
192
Anotações da aula do 30/05/2000.
73

máscara neutra não tem paixão, ela não tem emoção. A máscara não pode
se fixar, deve estar aberta a todos os sentidos193.

• É preciso estancar a ação precisamente quando chegamos no ponto. Quan-


do vou de um ponto a outro, o ponto tem que ser fixo. Para isto acontecer,
preciso estancar o movimento.

1.3. Como ensinam

Explicação oral

A explicação ocorria antes do exercício e depois da execução. Nunca corrigiam


um exercício de máscara neutra durante a execução. Além da explicação do exercício,
havia uma teoria sobre a máscara neutra sendo passada oralmente, o que foi abordado
em item anterior.

Demonstração técnica

A primeira aula do curso consistiu em uma demonstração de trabalho das atrizes


Érika Rettl e Marise Nogueira. Abordando especificamente a máscara neutra, antes de
cada exercício proposto aos alunos havia também uma demonstração técnica do traba-
lho de Rettl. Houve uma só ocasião, quando fizemos pela primeira vez o exercício do
despertar da máscara, em que recebemos a orientação verbalmente sem ser feita a de-
monstração. Após a realização do exercício pelos alunos, o orientador não ficou satisfei-
to com o resultado e pediu às atrizes Érika Rettl e Marise Nogueira que fizessem o des-
pertar. Depois disso os alunos repetiram o exercício e desta vez o resultado foi melhor
segundo o orientador.

Por estas evidências eu posso afirmar que a aprendizagem nessa oficina ocorreu
também a partir da cópia do modelo. A partir da demonstração do movimento com a
máscara neutra, o aluno procurava realizar o exercício tentando mover-se de acordo

193
Anotações da aula do 30/05/2000.
74

com este modelo. A seguir transcrevo algumas entrevistas que fiz com alunos do curso e
que confirmam esta conclusão:

Luciana: Tu achas que tem a busca de um modelo, a princípio, do modelo que te foi apresentado,
mesmo que de alguma forma tu vás transcender isso?

“Eu acho que sim. Desde o começo eu achava isso um pouco (...) no trabalho com a neutra eu acho
que tem um modelo da Érika muito forte sim”194.

“Desde o começo do trabalho, o trabalho é conduzido. Tem uma segmentação do corpo e depois a
gente trabalha o alfabeto. Aí chega um momento em que a gente tem que trabalhar a questão do
despertar com a máscara neutra. E sempre havia uma demonstração de uma das atrizes do grupo,
que é a Érika. E a Érika, ela tem o corpo já trabalhado, de bailarina, né, e nós alunos, vendo a de-
monstração dela, eu pelo menos, acabo querendo chegar naquilo. Durante todas as aulas eu estava
observando ou a Érika ou a Marise ou a Dani [são as atrizes do grupo] e tentava chegar naquilo
que elas estavam fazendo. Então eu acabava indo pela forma para depois eu tentar descobrir uma
verdade no movimento”195.

“Porque tem o modelo. Ela [Érika] tá fazendo. E isso eu sempre me questionava. É correto o jeito
que ela está fazendo? A gente tem um modelo. Eu conheço poucas...assim, eu não conheço muito
máscaras. Né, então a gente fazia de um jeito e às vezes eles criticavam. E realmente eu observava
ela, tanto é que ontem ela fez bastante, né, o trabalho com máscara, da mão, do jeito quando deita-
va, eu tentava sempre relaxar igual ela relaxa. Quando eu lembro, o jeito de olhar os pés assim, ló-
gico, ...tinha coisa minha mas tinha coisa também que eu fazia como ela fazia. Porquê? Exatamen-
te por isso. Pelo modelo. (...) E como a gente tinha que conseguir fazer alguma coisa, o mais fácil
era olhar ali: ‘ó é assim’ então tá , a gente faz e pronto. Pelo menos eu consegui”196.

Correções no corpo do aluno

Assim como em uma aula de dança, durante o processo de ensino/aprendizagem,


os orientadores se aproximavam do aluno e faziam correções diretamente no corpo dele
através do toque. Por exemplo, posicionando melhor o braço, os ombros, o eixo do cor-
po, etc...

1.4. Como avaliam a aprendizagem

Depois de executar cada exercício, os orientadores faziam avaliações orais do tra-


balho de cada um. Transcrevo a seguir alguns relatos destas avaliações.

Aluna: Luciana

194
FOSSALUZA, Daniela. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 27/05/2000.
195
Flavio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
75

Exercício: a volta de 180°. Avaliação de Rettl:

• “Teus pés estão em direções opostas, a atenção está dividida. Um pé que vai antes giran-
do para a direita em vez de ir com o corpo todo, revela que o ator pensou. Não é para pen-
sar, é para agir”197

Exercício: o despertar da máscara. Avaliação de Marise Nogueira:

• “Tem uma coisa que é tua, que é um tempo teu que aparece no alfabeto também, que é
uma coisa lenta e contínua. Na máscara isso fica nítido. Fica analítico. Este tipo de quali-
dade do movimento, na máscara neutra fica analítico. Parece que não tem a pontuação. É
aquela coisa de cada ação: uma ação terminou, começa outra. Como se você pudesse se
lembrar de cada ação desde o teu despertar. Quando ela toca, não reage de uma forma
contida (...) Não tinha o tempo de você sentir realmente o toque da mão. A neutra ressal-
ta”198.

Exercício: despertar/ levantar/ relacionar-se com o espaço, com os objetos.

Avaliação de Rettl:

• “Estabelece uma relação antes de ir para outra. Então, não fica transferindo de uma perna
para outra o peso [se eu ouvir outro som, enquanto estiver indo para um determinado
som, preciso primeiro chegar com uma perna ao lado da outra];

• O corpo ficou cotidiano – os pés , o andar, devem alimentar o corpo;

• Não deves perceber a água e depois partir para uma relação com a água. Deves ir direto
para a relação. Já estar em relação assim que tocar;

• As mãos frias. Você sentiu o frio fechando os dedos, apertando. Isso teria que reagir no
corpo todo;

• Precisas melhorar a ida de um ponto a outro e dar uma pausa. Estancar mais precisamen-
te. Na ida de um ponto a outro, este ponto precisa ser fixo. Dar uma pausa;

• Você inclinou a cabeça. Isto já é uma intenção na máscara. A máscara não tem inten-
ção”199.

196
Margareth. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 31/05/2000
197
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/05/2000.
198
NOGUEIRA, Marise. Londrina. Transcrição de aula gravada em 26/05/2000.
199
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 30/05/2000.
76

Avaliação de Fonseca:

• “as oposições estão bem presentes;

• há uma respiração para cada ação;

• há três segundos de pausa entre uma ação e outra;

• há finalização precisa do impulso;

• está relaxando os braços sem abandoná-los;

• não está sempre com as oposições: ao levantar demonstrou seu esforço de atriz;

• ainda está pouco precisa: cabeça/corpo têm que estar juntos. Às vezes a cabeça finalizou e
o corpo ainda não;

• o tempo de ir de um ponto para o outro ainda é lento, ainda é o tempo da atriz”200.

Aluno: Flávio201

Exercício: despertar/ levantar/ relacionar-se com o espaço, com os objetos.

Avaliação de Rettl:

• “O impulso nasce ainda nos ombros, e não no corpo inteiro;

• Há uma inclinação da cabeça que dá uma intenção;

200
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
201
Na época da oficina, Flávio tinha 22 anos e era aluno do 3° ano no curso de Artes Cênicas na Univer-
sidade Estadual de Londrina (UEL). Antes de entrar na Universidade, Flávio estudou na Escola Muni-
cipal de Teatro (Londrina), nos anos de 1997 e 1998. Com relação ao trabalho corporal, ele domina a
ginástica olímpica, técnica que aprendeu durante sua infância. Para o teatro, aproveita o trabalho de a-
crobacias aéreas. Com relação ao estudo de máscaras especificamente, já havia feito oficinas de confec-
ção na Universidade e na Escola de Teatro.
77

• Parece que ficas na perna de trás quando andas. A transferência não vai logo de uma per-
na para a outra”202.

Avaliação de Fonseca:

• “há um maneirismo de ‘estou fazendo a máscara neutra’. Maneirismo é mais exterior que
interior. Quando não vêm do impulso, ou quando vai além do impulso. É a verdade que
você tem que buscar;

• Você tem que ser a máscara neutra. Não tenho que demonstrar, tenho que sentir, ser;

• A inclinação de cabeça, inconscientemente é um estereótipo de doçura”203.

Aluna: Margareth204

Exercício: despertar/ levantar/ relacionar-se com o espaço, com os objetos.

Avaliação de Rettl:

• “o importante com a neutra não é a constatação ‘eu vi’, o que importa é mais a relação,
estar disponível não só para ver mas para ser o que vejo. Como isso alimenta a coluna
vertebral”205.

Avaliação de Fonseca:

• “Hoje você já alonga mais a coluna. A justeza da máscara. O fato de você sentir o que
sente – não é importante o que o outro vê, mas o que você sente”206.

Avaliação de Rettl sobre o trabalho dos alunos como um todo:

202
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravadda em 31/05/2000.
203
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
204
A aluna tinha 33 anos na ocasião da oficina. Era estudante no 3° ano do curso de Artes Cênicas da Uni-
versidade Estadual de Londrina. Em 1990 ela participou como atriz do Grupo Bombom, de Londrina. Du-
rante o ano de 1994, Margareth fez um curso com o Théâtre Suivre (Nantes-França). Não havia estudado
a utilização de máscaras anteriormente nem feito qualquer trabalho corporal de forma sistemática.
205
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
206
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
78

• “A disponibilidade pode ser maior. Há uma fração de segundos ainda entre o que ouço e o
ir para o que ouço. Isto revela que ainda não há uma disponibilidade. Então o racional a-
inda está presente. No alfabeto por exemplo: eu reajo no que eu quero e não no que a ação
do outro está propondo. Se o outro dá um chute e eu recebo como um carinho, eu não cedi
ao outro. Fiquei na minha ação. Na corrida: para sair da corrida para o caminhar, do ca-
minhar para o correr (são as alternâncias) não estamos sendo precisos. Há uma certa co-
modidade nossa de ir chegando lá e não mudar como está sendo proposto. Há uma rebar-
ba, um movimento que sobra”207.

1.5. O que os alunos aprendem

Fiz a seguinte pergunta para os alunos da oficina: “Quais os ganhos que você teve
com o trabalho da máscara neutra, particularmente?” Entrevistei três alunos (ficamos
em quatro alunos fazendo a oficina até o final) e a estagiária do grupo. Transcrevo a se-
guir a resposta de cada um:

Daniela (estagiária):

“(...) Eu vi que tem alguma coisa que é mais forte, que é mais essencial, que não fica no blá-blá-
blá, no discurso. Alguma coisa muito essencial sua que aflora. Que você tem energias e que você
tem um estado de deixar que as coisas passem por você. E ao mesmo tempo dá um prazer (...) é o
prazer de ter essa energia maior. E também não fica só no teatro . Aí vai para a sua vida né. (...) O
trabalho com a neutra te ajuda a encontrar este estado seu. Então, eu estou cheia de medos, cheia
de ansiedades para entrar no palco. Então ela vai te ensinando como que você...porque quando eu
boto a máscara eu tenho uma taquicardia horrível. Eu preciso parar. Primeira coisa que eu preciso
fazer: ver minha coluna, corrigir minha respiração, porque ela aumenta.(...) parece que ela [a más-
cara neutra] vai te ensinando a encontrar este estado de calma. (...) [com esse trabalho ganho]
consciência de que falta energia que, por exemplo, você não distribui a energia e aí a gente fica
tenso. A gente aprende a não se enganar. Não cair nos movimentos ilusórios onde você acha que
está fazendo um monte de coisas e na realidade não está fazendo nada. Te traz pro campo da ação.
Seja num discurso enorme ou numa coisa muito simples”208.

Flávio

“ Então, porque o trabalho com a neutra ele é bem lento né. Os movimentos, o toque no chão, o vi-
rar, o ir até um ponto, se conduzir, é um outro ritmo. É um ritmo que não é o meu. Então eu estou
trabalhando uma coisa, um ritmo que eu não trabalho muito. Essa coisa lenta, mais pesada. E eu
não sei se...eu vejo um ganho pra mim enquanto ator nesse trabalho com a neutra no sentido de es-
tar trabalhando neste outro ritmo que não é meu mas que...agora me veio uma dúvida...será que
não foi isso que me causou uma tensão? Essa tensão que eu descobri em mim? Ou se talvez eu já
trago essa tensão só que durante esse trabalho eu consegui descobrir em mim essa tensão”209.

207
RETTL, Érika. Transcrição de aula gravada em 28/05/2000.
208
FOSSALUZA, Daniela. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 27/05/2000.
209
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
79

“Mas eu vejo que este trabalho com a máscara neutra, ele é um trabalho interessante. Me provocou
coisas. De olhar com o nariz. De ir num ponto e seguir o ponto. Eu não posso deixar o olho perdi-
do. Tentar manter este ponto. Acabo caindo na forma de Ter que arregalar o olho pra ver aquele
ponto e seguir com o nariz,...isso acaba caindo na mesma coisa...na tensão novamente. Será que eu
ando muito tenso?”210.

“Eu vejo um ponto bastante positivo neste trabalho. Que é a questão da auto-observação, do auto-
controle, ou da auto-consciência corporal. Se o meu dedinho do pé e o meu dedinho da mão estão
tensionados, eu estou percebendo isso. É ter esse conhecimento da ponta do pé até o último fio de
cabelo, entende. Ter esse domínio, esta consciência”211 .

“Saber trabalhar essa respiração. Porque até então, o trabalho que eu desenvolvia, eu nunca parei
pra pensar numa respiração correta, nunca parei pra pensar na respiração em si. (...) Eu esqueço da
respiração”212.

“...quando eu tô sem a máscara, eu acabava fazendo um movimento mas eu me desligava um pou-


co. A partir do momento que eu colocava a máscara, eu tomava um cuidado maior com o que eu
fazia, com cada movimento que eu fazia (...) não sei se porque tinha que fazer a máscara aparecer
e não deixar a máscara cair, entende, de ter essa energia da máscara, de ter que seguir um pon-
to...”213.

Alexandre214

“Acho que é essa consciência corporal, assim, é...de saber assim como...tem hora que eu penso as-
sim no relato do Peter Brook (...) Ele [Yoshi Oída] sabia quando ele estava dando um passo e tal,
quando ele estava fazendo uma ação, ele sabia a distância que estava o pé dele em relação ao chão.
Quando ele dava um passo maior ou um paso menor. Ele sabia como estava o dedo atrás, a mão a-
trás das costas, (...) . Ele sabia como estava os dedos dos pés, a posição dele, ele tinha esta consci-
ência. Não sei se tinha realmente. Mas é, assim, eu vejo que pode existir um caminho para isso.
Não que hoje eu tenha uma consciência depois de ter feito uma oficina assim. Mas eu vejo que po-
de existir”215.

Margareth

“...consciência do corpo mesmo. (...). E de observação também. Eu vejo isso assim mais nas pes-
soas, quando eu olho as pessoas, assim: olha , ela tá mexendo isso...”216.

210
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
211
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
212
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
213
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
214
Na época da oficina Alexandre tinha 21 anos e cursava o 3° ano na Universidade Estadual de Londri-
na. Antes disso fazia teatro amador. Nunca havia estudado a utilização de máscaras ou feito algum tra-
balho corporal sistemático.
215
Alexandre. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
216
Margareth. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 31/05/2000.
80

CAPÍTULO III

CRÍTICA DE RESULTADOS

Verificarei aqui as proximidades e distâncias do trabalho do grupo brasileiro em


relação aos pedagogos que trabalharam com a máscara neutra e que foram abordados no
Capítulo I desta dissertação, procurando explicitar o fenômeno.

1. O que se ensina e com que objetivos

1.1. As regras

O ritual para se colocar a máscara

Retomo primeiramente o texto de Chancerel, que trata do momento de se colocar


a máscara:

“Segura-se a máscara com a mão esquerda, pelo queixo, a outra mão segurando o elástico, posi-
cionado mais ou menos na altura das têmporas, que manterão a máscara no rosto. Primeiro tempo:
veste-se a máscara como um chapéu, o elástico se encontrando na altura da nuca. Segundo tempo,
baixa-se a máscara sobre o rosto. Executar esses dois tempos sem hesitação”217.

Sobre esse ritual, vimos que Dullin diz o seguinte: “Nada me parece mais irritante
do que ver um aluno saltar sobre uma máscara e utilizá-la como um palhaço o faria com
uma máscara de carnaval. Temos a impressão de um sacrilégio. Porque a máscara tem
um caráter sagrado218.

Em Dullin, o ato de colocar a máscara implicava num movimento ritualístico que


se explicava pelo caráter sacro atribuído à máscara.

217
CHANCEREL, op. cit., 1946, p. 131-132.
218
DULLIN, op. cit., p. 122 – trad. de L. Cesconetto.
81

No curso oferecido em Londrina, fomos orientados a, de costas para a platéia e


sentados, pegar a máscara com as duas mãos pelas laterais, nunca tocar diretamente a
face da máscara, olhá-la, deixar que a máscara nos mande a sua mensagem, encontrar a
respiração da máscara, segurá-la pelo queixo para colocá-la sobre nosso rosto. Depois
de colocada, não poderíamos falar sob a máscara neutra. Não poderíamos tampouco co-
locar as mãos sobre a máscara. Também não deveríamos encostá-la no chão com o nariz
para baixo.

Quando Fonseca explicava as regras para colocar a máscara no rosto, identifiquei


que alguns daqueles cuidados especiais, como por exemplo “pegar a máscara pelas late-
rais” eram semelhantes aos do teatro oriental (assim como o são no caso de Copeau e de
outros). Perguntei ao orientador o motivo de tais restrições. Ele me respondeu que era
para não sujar a máscara ou que era um respeito que se criou porque ele mesmo havia
confeccionado a máscara. Contudo, o respeito que estava sendo ensinado ultrapassava a
questão da materialidade do objeto. A máscara estava sendo tratada com um caráter que
se aproximava do sagrado, explícito através de ações como voz baixa e restrições seve-
ras.

As formas de se colocar a máscara não são idênticas em Copeau e no Moitará; as-


semelham-se, porém, no que diz respeito à instituição de um caminho uniformizado pa-
ra fazê-lo, um caminho que todo aluno deve percorrer e que é tratado com um certo res-
peito, constituindo-se num ritual.

A conseqüência desse ritual para o aluno é a construção de uma concentração no


que ele vai começar a fazer. Essas regras fazem com que o aluno passe a ter como obje-
to de consciência a máscara, suas características, o seu próprio corpo, sua própria respi-
ração. Este momento propicia uma passagem de um tempo-ritmo do movimento, para
outro tempo-ritmo, de um tônus a outro, de uma respiração a outra. O ritual estabelece
um espaço para a mudança do ator que vai passar a mover-se dentro das possibilidades
que a máscara sugere.

A respeito deste contato do ator com a máscara, Odette Aslan diz o seguinte:

“A máscara de Teatro, quer queira quer não, faz ainda referência a uma vaga noção de sagrado,
mesmo no século XX. Ao menos para um certo número de praticantes, tais como Dullin ou os ato-
82

res de Strehler. O ator, desembaraçado na relação com qualquer acessório ou elemento do vestuá-
rio, hesita quando se trata de uma máscara: ele a toma em geral delicadamente para colocá-la ou
retirá-la, coloca-a sobre sua mesa de maquiagem, e protege a sua volta. Em cena ele não toca a
máscara de seu parceiro. Esta máscara é um elo misterioso com um não sei o que de oculto, é tam-
bém uma segunda pele que a gente guarda e que guarda sua impressão mais íntima, um duplo, se-
dutor ou terrificante, do qual a gente pensa se apoderar e que, às vezes nos pega”219.

Aslan aborda a hesitação do ator ao se relacionar com a máscara, a relação de res-


peito. Verifico que esta relação é aprendida e ensinada. Um exemplo de situação de en-
sino/aprendizagem dessas regras foi quando os orientadores do grupo Moitará explica-
ram como é que deveríamos nos relacionar com este objeto. Outro exemplo podemos
verificar neste relato de Peter Brook:

“Quando chegaram [as máscaras balinesas], o ator balinês que estava conosco as desembalou. To-
dos os atores, como crianças, se precipitaram em direção às máscaras, colocaram-nas, começaram
a rir às gargalhadas, a olhar-se uns aos outros, a mirar-se no espelho, a brincar - dançaram, tais
como crianças quando se lhes abre uma arca repleta de fantasias. Olhei para o ator balinês. De-
monstrava estar consternado; permanecera de pé ali, chocado - porque, para ele, as máscaras eram
sagradas. Lançou-me um olhar de súplica, e eu interrompi bruscamente todo mundo, proferindo
algumas palavras para lembrar que esses não eram apenas brinquedos. Pelo fato de nosso grupo já
ter trabalhado durante bastante tempo com formas diferentes, existia nele um respeito potencial; o
que ocorrera era que, de forma tipicamente ocidental, o pessoal se esquecera disso. Todo mundo
estava demasiadamente entusiasmado e excitado, mas , à menor observação, todos entraram nos
eixos"220.

Nesse exemplo vemos que, num primeiro contato, as pessoas pegaram nesses ob-
jetos com total desembaraço e espontaneidade e que, só depois que lhes interditaram de
agir assim é que aprenderam a maneira de se relacionar com a máscara: passaram a
manter certa distância ou respeito. O processo de ensino/aprendizagem dessa relação fi-
cará ainda mais evidente nos itens que seguem.

Em cena, não tocar a máscara com a mão

Essa regra foi ensinada no curso com o grupo Moitará e quando um aluno pergun-
tou o porque da restrição, obtivemos uma resposta de acordo com o que diz Dario Fo
sobre este aspecto: “Assim que a tocamos, ela desaparece. A máscara se corrompe, tor-

219
ASLAN, op. cit., 1988, p. 280 - trad de L. Cesconetto.
220
BROOK, op. cit., p. 291- 292.
83

na-se um acessório depreciativo. Ver as mão sobre uma máscara a destrui; é insuportá-
vel”221.

Não falar sob a máscara

A explicação dada para essa restrição, no grupo Moitará, é a seguinte: a máscara


não tem orifício para a boca, portanto o som fica abafado e não ouvimos direito o que o
ator fala, ele não consegue projetar a voz. Outra explicação é que estaríamos sujando a
máscara com a saliva, isto não é higiênico visto que outro ator vai usá-la em seguida, a-
lém do mais estaríamos estragando a máscara.

Havia, contudo, além destes motivos que foram explicitados, outros motivos, im-
plícitos. Percebíamos isso pelo tom de voz dos orientadores e na velocidade deles em
corrigir o erro. Quando eu estava colocando pela primeira vez a máscara, durante a ofi-
cina, falei estando com a máscara no rosto. Eu disse que ela me machucava o nariz. I-
mediatamente Rettl me solicitou parar de falar, me ensinando, através de seu tom de
voz, da firmeza de suas palavras, que aquele comportamento era proibido.

Se o motivo da restrição fosse apenas uma questão de higiene ou de impossibili-


dade de projeção da voz, a reação seria diferente, com tranqüilidade e não com um certo
apavoramento. O respeito exigido neste caso ultrapassava a materialidade da máscara.
Eu estava sendo treinada a respeitar algo maior que a materialidade. Havia um mistério
que não estava sendo explicitado. Fomos aprendendo a nos relacionar com a máscara
como algo sagrado, não no sentido religioso, mas sagrado por envolver algum mistério.

Não se aproximar da platéia

Essa restrição foi colocada durante a oficina com o grupo Moitará quando um alu-
no avançou muito em direção à platéia. Todos entenderam, pela experiência, e pela ex-
plicação dos orientadores, que se o ator com a máscara avança além de certo limite, o

221
FO, Dario. Le gai savoir de l’acteur. Paris: L’Arche, 1990. p. 48
84

espectador perde a visibilidade do ator. Estava evidente aí que era uma restrição em
função das condições de visibilidade do jogo teatral pela platéia.

Não tocar a face da máscara no chão

Essa restrição nos foi colocada durante o curso em Londrina quando começamos
com os exercícios sobre o despertar da máscara. Neste trabalho, começávamos deitados.
Era muito possível tocar com a face da máscara no chão. Nos foi colocada a restrição
porém não houve explicação do por que da regra.

Essa regra me chamou a atenção em uma oficina orientada por Maria Thaís Li-
ma222. Havíamos acabado de utilizar a máscara e ela estava suada. Maria Thaís nos ori-
entou a pendurá-las em ganchos que estavam na parede. Algumas pessoas colocaram as
máscaras com a face voltada para a parede. Ao ver isso, a orientadora solicitou que as
desvirassem. Perguntei o porque desta restrição, e Maria Thaís me deu a seguinte res-
posta: “porque uma máscara com a face para baixo significa que a máscara está morta.
Isto vale para todas as culturas que utilizam a máscara, que trabalham com a máscara”.

Lendo sobre a máscara neutra em Lecoq, identifiquei esse mesmo discurso: “em
todos os países do mundo, jogar uma máscara no chão e sobretudo vê-la estendida, sem
223
movimento, repousando sobre seu nariz, não é suportável. É sinal de morte” . Supo-
nho que Maria Thaís tenha aprendido essa racionalidade com Lecoq, já que estudou
com ele por um curto período.

Verifiquei que os orientadores do grupo Moitará trabalharam com um diretor que


estudou com Lecoq (Dácio Lima) e constatei que eles também lêem os escritos de e so-

222
A oficina “Da máscara neutra à biomecânica” foi oferecida durante o Festival de Teatro Isnard Azeve-
do de 2000, em Florianópolis.
223
LECOQ, op. cit., 1988, p. 265.
85

bre Lecoq. É possível supor, portanto, que a regra ensinada na oficina em Londrina vem
em função do respeito a esta racionalidade metafísica224 sobre a máscara.

1.2. Os exercícios com a máscara neutra

De acordo com as informações que temos na primeira parte de nosso trabalho, a


prática com a máscara neutra proposta na escola do Vieux-Colombier consistia em tra-
balhar basicamente a figuração: imitação a partir da natureza (e não de um modelo dado
pelo professor). Imitação das atividades e sentimentos humanos, comportamento dos a-
nimais, pontes, árvores, galhos, água, nuvens, fogo. Trabalhavam também com a impro-
visdação de pequenos dramas mudos a partir de temas como a fome, o medo, o cansaço.
Nos exercícios que Chancerel expõe sobre a máscara, vemos que, após o ritual de colo-
car a máscara, deviam relaxar e então levantar a cabeça, olhar à direita e depois à es-
querda, olhar suas mãos, seus pés. Se levantar e andar.

No curso oferecido pelo grupo Moitará, o que fazíamos com a máscara, era basi-
camente um roteiro de ações que ia se tornando a cada dia mais complexo:

Roteiros mais curtos:

• Ir do ponto zero ao ponto fixo e retornar ao ponto zero;

• Ir do ponto zero ao ponto fixo e girar 180°;

• Ir do ponto zero ao ponto fixo, dar um passo à frente, voltar ao ponto zero;

• Ir do ponto zero ao ponto fixo e girar 360°, voltando ao ponto zero;

• Fazer o despertar da máscara até o sentar;

• Despertar em duplas com uma platéia;

224
A racionalidade metafísica se sustenta na interpretação dos fatos. De acordo com esta racionalidade, o
que acontece fisicamente é manifestação de algo que acontece em outro lugar que não o físico. O que
acontece no plano físico é uma mensagem do que ocorre em outro lugar, um lugar oculto.
86

• Despertar até o levantar estabelecendo uma relação com a platéia;

• Despertar, levantar e estabelecer uma relação com o objeto (assunto) e


com a platéia (triangulação).

Roteiros mais longos:

• Partir do ponto zero, ir para o ponto fixo, girar 180° (procurando o lugar de
onde foi emitido o som), olhar para um ponto distante na linha do horizon-
te, voltar o olhar para o centro da platéia, ir com o olhar para o primeiro da
fila, olhar um por um até o último, voltar o olhar ao centro, olhar o ponto
distante, retornar ao ponto inicial e depois ao ponto zero;

• Virar-se ao som da nota musical, olhar a platéia, olhar o objeto (uma ca-
deira), dar um passo em sua direção, olhar a platéia, olhar o objeto, subir
na cadeira, olhar a platéia, acompanhar o ponto fixo fazendo uma volta de
180°, retornar o olhar ao ponto zero.

Esses roteiros deveriam ser executados com uma utilização particular do corpo,
como já dissemos anteriormente: o corpo mais tonificado do que no cotidiano, mais len-
to, oposições em todas as ações, movimentação em bloco (cabeça, tronco, pernas). A-
lém disso, como nos foi orientado, deveríamos nos manter em “um estado de percepção
pura”, “sem pensar”. É assim que posso resumir o que nos foi ensinado.

Este trabalho proposto pelo grupo Moitará tem algumas semelhanças com o exer-
cício descrito por Chancerel mas difere muito da proposta de Copeau. Por exemplo, to-
do o trabalho coma figuração feito na escola do Vieux-Colombier levava ao estudo da
variação dinâmica do movimento. No trabalho desenvolvido pelo grupo Moitará, com a
máscara neutra, não se estuda essa variação dinâmica.
87

1.3. A noção de neutralidade e de despersonalização

De acordo com a teoria de Copeau, a neutralidade é “...uma espécie de pureza, de


integridade do indivíduo, um estado de calma, de naturalidade, de repouso”225. De acor-
do com a bibliografia estudada, não havia, em Copeau, um modelo de neutralidade sen-
do ensinado. Para os exercícios de figuração com a máscara, propunha a cópia do real e
não a cópia do modelo.

Cabe aqui averiguar o que Eldredge diz a este respeito: propõe que não se diga ao
aluno o que é um corpo neutro, como é este corpo. Não oferece modelo. Ela trabalha a
partir de uma máscara de papel, com buracos para os olhos, apenas que dê a idéia de
rosto humano. Ela trabalha assim porque defende que não é possível se fazer uma más-
cara totalmente neutra, e portanto um corpo neutro. Diz que a máscara neutra utilizada
na escola de Lecoq, por exemplo, tem uma fisionomia européia e portanto não é neutra
(na escola de Lecoq diferenciam as máscaras em femininas e masculinas). A autora
constata que as máscaras neutras variam de professor para professor, de acordo com o
que entendem por neutralidade. Diante dessa verificação, Eldredge prefere sugerir aos
alunos que busquem, individualmente, o que seria o corpo neutro, ações neutras e mes-
mo uma “mente” neutra, a partir das máscaras que têm para trabalhar: máscaras simétri-
cas, sem expressão de emoção, sem definição de gênero, sem boca para falar, idênticas
na estrutura. As máscaras aqui são o parâmetro de neutralidade a partir do qual os alu-
nos vão tentar se movimentar.

Alcançar a neutralidade, segundo os ministrantes do curso em Londrina, é chegar


ao corpo sem memória, perceptivo, genuíno, calmo, neutro, universal. Relacionar-se
com o mundo como o faz uma criança que não tem conceitos preestabelecidos a respeito
das coisas, como se tudo fosse novidade. Isto é, a neutralidade seria o estado de percep-
ção permanente, sem interferência do pensamento.

O conceito de neutralidade definido pelo grupo Moitará é semelhante ao conceito


definido por Eldredge: “ A mente neutra não tem memória, conhecimento passado ou
experiência. É uma tabula rasa, sem história pessoal ou coletiva. Ela experiencia cada

225
COPEAU, Jacques. apud RUDLIN, op. cit., p. 113 – trad. de J. R. Faleiro.
88

coisa que vê com novos e inocentes olhos sem antecipação, como se fosse pela primeira
vez”226.

De acordo com os orientadores da oficina em Londrina, o corpo em movimento,


para ser neutro, tem que ser simétrico, equilibrado, precisa agir com uma força superior
à utilizada no cotidiano, em tempo lento, o olhar deve ir de um ponto a outro de forma
direta, sem vacilar, é necessário pôr pausas entre a chegada do olhar num ponto e a par-
tida para outro ponto; estas pausas não devem extrapolar três segundos.

O corpo neutro, tal qual aprendemos com o grupo Moitará, é o corpo alinhado do
ponto de vista anatômico. Nesta posição o corpo fica ereto com a cabeça para a frente,
braços ao lado do tronco com as palmas viradas para o tronco, os ombros estão no
mesmo nível, não caem para a frente nem para trás, a bacia está encaixada permitindo à
coluna um posicionamento no eixo, sem lordose excessiva, sem projeção dos ombroa à
frente, os pés se posicionam no chão na linha dos quadris, apontam para a frente, os joe-
lhos estão alinhados com o segundo dedo dos pés.

A posição da neutralidade é praticamente igual à posição anatômica fundamental:


referência padronizada para o estudo do corpo na anatomia e cinesiologia. Nessa área
científica essa posição também é chamada de posição zero227.

Feito esse esclarecimento, é possível afirmar que na oficina do grupo Moitará, o


que se ensinava e se aprendia como sendo a neutralidade era o que os ministrantes en-
tendiam por neutralidade, isto é, o padrão de neutralidade desenvolvido no grupo. O
que era chamado de neutralidade era uma outra forma de utilizar o corpo que não a mi-
nha forma cotidiana. O corpo neutro presente no curso do grupo Moitará é portanto uma
técnica corporal, isto é: uma forma particular de utilizar o corpo, que para ser aprendida,
precisa ser ensinada.

226
ELDREDGE, op. cit., p. 58.
227
HAMILL, Joseph; KNUTZEN, Kathleen M. Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo:
Manole, 1999, p. 11.
89

Elucido esta questão a partir de Volli228, antropólogo que verificou o fenômeno


técnicas corporais, definindo-o e classificando-o em conjuntos (universais) e esclareceu
o processo de ensino- aprendizagem dessas técnicas. O autor organizou em universos
distintos as técnicas cotidianas e as técnicas extra-cotidianas. Dentro das técnicas extra-
cotidianas identificou universos menores: técnicas públicas e técnicas coletivas. Consta-
tou que a lei científica que organiza as técnicas cotidianas é a do menor esforço. Trans-
crevo a seguir algumas citações do autor a fim de esclarecer sua investigação, iniciando
pelo que diz respeito às técnicas cotidianas:

“Qualquer membro de uma sociedade, se encontrando nas condições requisitadas de sexo e de i-


dade, domina a técnica cotidiana que ele aprendeu geralmente no círculo social mais elementar (...)
normalmente de maneira informal, indeterminada no tempo e sem verificações exteriores. Trata-se
aqui de uma das fases do processo de aculturação fundamental do indivíduo à sua sociedade e po-
demos então falar a esse respeito das técnicas cotidianas de ‘cultura do corpo’ de tal e tal povo”229.

Já as técnicas extra-cotidianas seriam aquelas que se referem a papéis muito preci-


sos, na maioria públicos,

“...a campos como os da religião, da magia e dos ‘poderes’, a funções como as do bruxo, padre ou
xamã mas também ator, orador, chefe, dançarino. Estas técnicas necessitam de uma aprendizagem
mais ou menos formal, se desenrolando em um longo tempo ou período bem determinado: elas in-
fluenciam o status daquele que as utiliza, lhe conferindo um poder social, imaginário ou real. Ge-
ralmente constata-se um desvio do uso ‘normal’ do corpo, uma alteração dos ritmos, das posições,
das utilizações da energia, da dor e do esforço que pode se estender ou não à toda atividade de um
grupo ou de uma pessoa”230.

Com relação às técnicas públicas, Volli constatou que:

“São públicas todas as técnicas que se referem essencialmente a uma projeção da presença, a uma
ação que necessita testemunhas (...) . Essas técnicas têm por primeiro objetivo (...) a amplificação.
Amplificação da ação, amplificação da comunicação mas sobretudo amplificação da presença, do
simples fato de ser”231.

Quanto às técnicas pessoais,

“...Trata-se em geral de atividades que não pertencem à vida cotidiana ‘normal’ dos membros de
uma cultura mas que podem ser o trabalho de cada dia e mesmo a atividade principal de um indi-
víduo. Elas não são feitas para serem vistas mas seu caráter privado pode ir do segredo mais impe-

228
VOLLI, Ugo. Techniques du corps. In: BARBA, Eugênio; SAVARESE, Nicola. Anatomie de
l’Acteur:Un dictionnaire d’anthropologie théâtrale. Domaine de Lestanière: Bouffonneries Contrastes,
1985, p. 113 – 123.
229
VOLLI, op. cit., p. 116.
230
VOLLI, op. cit., p. 117.
231
VOLLI, op. cit., p. 117.
90

netrável à simples indiferença coletiva. Segundo esta definição encontraríamos muitos exemplos
destas técnicas pessoais: o treino de um atleta e a meditação de um monge, os exercícios de um
músico e a longa aprendizagem das artes marciais (...) o treino de um ator”232.

Então, voltando à técnica da máscara neutra ensinada pelo grupo Moitará, identi-
fico-a, dentro do universo definido por Volli, como uma técnica corporal extra-cotidiana
pessoal.

Como vimos, em Eldredge, o padrão de neutralidade é definido pela máscara de


papel. No grupo Moitará o padrão de neutralidade é definido na demonstração técnica.
Então, a neutralidade é um padrão definido por alguém e ele varia de pedagogo para pe-
dagogo. O que é possível é chegar a uma postura corporal e a um padrão de movimento
que definimos como sendo o neutro e que corresponde a uma idéia de neutralidade.

Para chegar a essa neutralidade, nesse padrão, o aluno precisa deixar de agir como
age em seu cotidiano. Aqui começamos a entender como o conceito de neutralidade se
relaciona com o conceito de despersonalização, tal como ele é entendido no grupo Moi-
tará. São duas faces da mesma moeda: para chegar a um certo padrão de movimento (a
neutralidade) eu preciso deixar de lado a minha maneira cotidiana de agir (despersonali-
zação).

No curso em Londrina, os ministrantes afirmavam que “abandonar a gestualidade


cotidiana é atingir a despersonalização”, orientavam ainda que “a máscara neutra neces-
sita desta disponibilidade, do desnudamento, do desnudamento da tua máscara”. Nesse
contexto, a noção de que a máscara leva à despersonalização, não se refere à possessão
do outro, como propõe Lopes. Em nenhum momento da oficina era proposta a relação
com a máscara como mediadora do transe e da possessão. Despersonalizar aqui, é aban-
donar a gestualidade cotidiana, no sentido de ultrapassá-la, não deixá-la tão presente.
Como constatamos nas citações que seguem, Dullin atribui ao termo despersonalização,
o mesmo sentido de abandono da gestualidade cotidiana:

“Eu disse mais acima que estes exercícios levam a uma despersonalização forçada do ator, sim, já
que ele vai desta vez compor em parte do exterior, como o dançarino que trabalha na frente de um
grande espelho; seus movimentos não serão mais comandados por suas próprias sensações mas e-
xigidos por esta ‘máscara’ que substitui a personalidade dele pela sua [da máscara]. É a arte da
composição por exelência; o ator se tornará forçosamente mais objetivo, mais mestre da sua arte...

232
VOLLI, op. cit., p. 119.
91

Seus tiques, seus hábitos, suas manias que tinham um charme na vida cotidiana desaparecerão
pouco a pouco e só reaparecerão como materiais de construção e não como construção em si”233.

Discuto agora a questão da percepção. Seria possível relacionar-se com o mundo


somente com os sentidos, sem pensar? Isto é possível simultaneamente à aprendizagem
da técnica?

Empiricamente, eu constatei, no decorrer do curso, que era impossível fazer o e-


xercício com a máscara neutra sem pensar. Eu estava aprendendo a me mover de outra
forma, precisava controlar meus movimentos, trabalhar com a resistência (força) certa,
controlar o tempo, as pausas. Havia muitos elementos para organizar corporalmente.
Além do mais, os orientadores estavam se comunicando conosco, fazendo intervenções.
Era preciso ouvir, entender, executar o que havia sido solicitado.

Para elucidar esta questão com um conhecimento científico, vou me apropriar da


psicologia científica como instrumento. A primeira questão que preciso elucidar é: seria
possível estar em uma relação de percepção com o mundo, onde só os sentidos estão
presentes, sem o pensamento, sem memória, durante os vários minutos que dura o exer-
cício com a máscara neutra, dentro das regras que esta técnica propõe?

Francisco234 aborda esta questão em um artigo onde explicita os tipos de consci-


ência, em uma publicação que trata de elucidar cientificamente a personalidade. O autor
diz o seguinte:

“Na percepção, estamos pura e simplesmente na contemplação do objeto, não há mediação de ne-
nhuma espécie, não há reflexão, nos limitamos em destacar uma forma sobre um fundo e nada
mais que isso (...) este modo irreflexivo é mais comum em crianças com menos de um mês de vida
ou em casos de crise de ‘esquizofrenia’, onde a pessoa é levada pelos objetos que percebe, não
pensa no que está fazendo. Não há, portanto, uma identidade demarcada, nem há como reconhecer
uma personalidade estruturada numa pessoa absorvida messe modo de relação com o mundo”235.

Em entrevista com o autor desse artigo esclareci melhor a questão da percepção.


A percepção, nos termos científicos, é um fenômeno psicológico primário, não é conhe-
cimento. A percepção, portanto, acontece conosco, não é construção humana. Na per-

233
DULLIN, op. cit., p. 125- tad. de L. Cesconetto.
234
FRANCISCO, Paulo Roberto. Psicologia: Ciência e Objeto. In: BERTOLINO, Pedro et. al. A Perso-
nalidade: Cadernos de formação. Florianópolis: Nuca Ed. Independentes, 1996.
235
FRANCISCO, op. cit., p. 33.
92

cepção todos os objetos têm o mesmo valor. É esta relação com as coisas que buscam os
que meditam, por exemplo. Buscam um estado de contemplação onde o pensamento não
esteja presente. Na percepção não haverá nunca reflexão, só contemplação. O objeto de-
termina a consciência. Ela (a consciência) vai onde o objeto chamar. Quando se está
nessa atitude, não é possível respeitar regras. Ter que colocar regra na sua relação com
as coisas já é reflexão. Esta relação de percepção com o mundo é, portanto, mais co-
mum em crianças com menos de um mês, em pessoas com crise de esquizofrenia e em
animais236.

Voltando ao caso da máscara neutra e respondendo à questão colocada anterior-


mente, fica evidente que não é possível uma pessoa, com sua personalidade estruturada,
ficar percebendo, sem pensar e mantendo-se dentro de uma técnica corporal com regras
bem estabelecidas como por exemplo “não ficar mais que três segundos em relação com
o objeto”.

Uma outra situação de aprendizagem me fez levantar a mesma questão. Orienta-


vam-nos a reagir aos sons, aos objetos, ao toque, a um sopro “sem mediação da cultura,
sem pensar, como reagiria uma criança”. Não bastava sentir. Tínhamos que reagir como
uma criança o faria. Em uma ocasião, Rettl tocou em meu peito quando eu realizava um
exercício com a máscara neutra. Eu percebi o toque. Depois, a orientadora, me corrigin-
do, fez a seguinte avaliação: “você ainda está pensando, não está sentindo como uma
criança sentiria. A criança sente com o corpo todo, reage ao toque com o corpo todo” (e
fez a reação com o corpo todo para eu ver).

Relatei para Francisco a situação que descrevi acima, a fim de elucidar a questão
da percepção presente no ensino com a máscara neutra. O autor explicou que uma vez
que não sou mais criança, não posso saber como é que seria a reação espontânea àquele
estímulo por parte da criança. Só posso pensar isso, supor como seria. Disse ainda que
mesmo que fosse possível conhecer como uma criança reagiria, esta reação (que eu vou
ter no trabalho com a máscara) vai ser sempre reflexiva, posto que mediada pelo conhe-
cimento de como a criança reagiria.

236
FRANCISCO, Paulo Roberto. Florianópolis. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 20/05/2001.
93

Então, neste tipo de trabalho que está sendo proposto pelo grupo Moitará, não há
como escapar da reflexão. Podemos ter momentos de percepção sem reflexão, mas estes
momentos são curtos visto que temos que estar atentos às regras que estamos aprenden-
do. Segundo Francisco, o que seria possível é estar em relação com os objetos sem o po-
sicionamento do eu para a consciência. O objeto está posto para a consciência, mas não
o eu. Neste caso, estamos em uma relação espontânea com o mundo, o que não significa
que não exista reflexão. O nome científico deste tipo de relação é consciência reflexiva
espontânea. O que é possível propor com o trabalho da máscara neutra, é uma neutrali-
zação do eu, isto é, não posicionar o eu para a consciência. Quando estamos em uma re-
lação com o mundo em que o eu está posicionado para a consciência, nos vemos fazen-
do determinada coisa, atuando por exemplo. Neste caso, trata-se de uma consciência re-
flexiva crítica. Quando o eu não está posicionado para a consciência, estamos em rela-
ção espontânea com as coisas, com o mundo, não me vejo fazendo tal coisa.

Constatei que essa questão está presente na pedagogia de Copeau. Em Appels, ele
aborda o drama do ator, o martírio que vive por estar sujeito a não sentir o que faz, por
estar sujeito a ser “devastado pela seca em um desses terríveis momentos onde ele se
ouve falar, onde ele se vê atuando, onde ele se julga e, quanto mais se julga, mais se
perde”237.

Identifico que, nos termos da psicologia científica, o que Copeau esta apontando
como sendo um momento dramático para o ator, é o momento em que, em cena, ele tem
o eu posicionado para sua consciência. O ideal, portanto, segundo Copeau, seria que o
ator se mantivesse na consciência reflexiva espontânea, sem posicionar o eu para a
consciência, absorto em seu trabalho, assim como fica o sapateiro na descrição de Van
Den Berg238 :

“Freqüentemente, nós é que somos os objetos. O sapateiro perde consciência de si mesmo. Está
absorto em seu trabalho, transforma-se no sapato que está remendando; se assim não fosse, seria
melhor que parasse de trabalhar. O escritor transforma-se em seu romance, se é que deseja escre-
ver bem. O matemático transforma-se em seu problema, penetra nele e só se libera dele quando
consegue solucioná-lo”239.

237
COPEAU, op. cit., 1974, p. 207.
238
VAN DEN BERG, J. H. O paciente psiquiátrico. São Paulo: Mestre Jou, 1973.
239
VAN DEN BERG, op. cit., p. 68.
94

O sapateiro está em relação com o objeto e não se vê remendando o sapato, o eu


não está posicionado para sua consciência. O escritor está em relação com o seu roman-
ce, e ele não se vê escrevendo, está em relação espontânea com o objeto, o eu não é po-
sicional de sua consciência. É isso o que propõe Copeau.

Finalizando, o que é possível no trabalho com a máscara neutra é construir uma


figura neutra (este é o termo utilizado por Eldredge, com quem concordo). O que é pos-
sível é nos relacionarmos com o objeto como se não tivesse passado nem futuro, como
se não tivesse cultura. E o que é que não tem cultura? Um extra-terrestre, por exemplo,
ou um recém-nascido que talvez tenha ficado em coma até a idade adulta e então se a-
corda pela primeira vez e descobre o mundo sem passado nem futuro, na percepção.
Mas neste caso ele teria ainda que aprender a andar! Então a figura neutra é uma cons-
trução a partir de uma idéia de neutro, de um padrão de movimento que buscamos e que
chamamos de neutro. Essa figura neutra no curso do Moitará anda com tal tônus, com
tal tempo, não conhece os objetos, não se fixa em nenhum, etc... Depois que o aluno a-
prendeu esta forma particular de agir, seria possível estar em relação com os objetos e
com os outros com uma consciência reflexiva espontânea, ou seja, depois de dominada
a técnica corporal extra-cotidiana, o ator poderia trabalhar na espontaneidade, isto é,
sem o posicionamento do eu para a consciência.

2. Como se ensina

2.1. Demonstração ou Cópia do modelo

De acordo com Copeau, a figuração, isto é a imitação dos sentimentos, das formas
plásticas, dos animais, dos elementos da natureza, deveria se fazer com base na cópia do
real e não na cópia de um movimento dado, fixado de antemão.

“(O ator) sempre começará por imitar, imtar de muito perto, perto demais, mas pelo menos que tra-
te da natureza, diretamente e que não se inspire em um movimento dado, fixo de antemão, mas.
que o seu próprio movimento o arraste e empurre, que um estado fisiológico pessoal o dirija”240.

240
COPEAU, op. cit., 1996, p.44.
95

Como vimos anteriormente, o que aprendemos no curso em Londrina foi princi-


palmente uma técnica corporal e um dos métodos utilizados para o ensino dessa técnica
foi o da cópia do modelo.

Antes de irmos para a prática, um dos membros do grupo fazia uma demonstra-
ção. Através dessa demonstração entendíamos que a prática consistia em: andar com
uma energia maior que a usada no cotidiano; trabalhar oposições no corpo; nos mover
em tempo lento; o olhar deveria ir de um ponto a outro de forma direta, sem vacilar; de-
veríamos pôr pausas entre a chegada do olhar num ponto e a partida para outro ponto;
estas pausas não deveriam extrapolar três segundos.

Se havia uma demonstração antes de executarmos cada exercício, esta demonstra-


ção estava servindo, inevitavelmente, de modelo aos alunos. Toda a correção por parte
dos ministrantes era no sentido de chegarmos perto do modelo proposto. Nós não só ví-
amos esta forma de utilização do corpo como também recebíamos esta tradição oral-
mente e nesses termos.

Durante a execução dos exercícios, recebíamos correções com estas: “Você não
está pontuando; - Seu corpo está cotidiano; - Você não está indo com o corpo todo em
direção ao som que ouve; - Você não está sentindo o toque com o corpo todo”.

2.2. Direção expressa / direção tácita

No curso com o grupo Moitará identifiquei dois tipos de intervenção pedagógica:


a direção expressa e a direção tácita.

Direção expressa: neste caso o orientador dirige o aluno expressamente. Diz a ele
o que fazer detalhadamente. Com a direção expressa, o aluno já sabe o que vai realizar.
Já está expresso, demarcado, delimitado. Neste caso o professor garante a realização
daquilo que está programado. Em todos os exercícios propostos em Londrina encontra-
mos esse tipo de direção.

Direção tácita: No curso observado em Londrina, Fonseca também dirigia o aluno


tacitamente, ou seja, implicitamente. A direção tácita começou a ocorrer quando inicia-
96

mos os exercícios do despertar da máscara. Ela ocorria simultaneamente à direção ex-


pressa. Quando o orientador dizia: “acorde como se fosse pela primeira vez”, “descubra
o mundo à sua volta como se fosse pela primeira vez”, “descubra o objeto como se fosse
pela primeira vez”, “siga seus impulsos”, “deixe que a máscara conduza você”, em to-
das estas intervenções a direção está sendo implícita, ou seja, tácita. Há uma abertura
para o aluno. Os limites não estão claros. Não está claro o que é para fazer exatamente.
Não fica claro o que o aluno pode e o que ele não pode fazer. O aluno que está apren-
dendo e não sabe o que estas orientações significam exatamente. Ele vai imaginar o que
podem ser estas orientações de acordo com seu campo de possibilidades, vai deduzir.

Vou expor uma situação bem concreta que ocorreu no curso para então prosseguir
a discussão sobre estes tipos de intervenção a fim de avaliar as conseqüências de cada
uma pensando a realidade concreta dos alunos no curso em Londrina.

Em um desses exercícios do despertar da máscara, o orientador deu o roteiro das


ações: despertar até o sentar, olhar um porto fora e depois voltar a deitar. Essa foi a di-
reção expressa. Também orientou: “sigam seus impulsos”, “deixem que a máscara con-
duza vocês” (direção tácita). Um aluno, ao realizar o exercício, fez o despertar da más-
cara, sentou-se e depois levantou. Só depois voltou a sentar e a deitar. Depois o orienta-
dor comentou: “vá até o sentar, não levante”. Porém, isto não estava expresso na orien-
tação inicial do exercício. Em entrevista com este aluno, ele retomou essa experiência e
disse o seguinte:

“Pra mim, aquilo, assim, é uma coisa livre. Eu vou experimentar; eu enquanto ator eu vou experi-
mentar as possibilidades com a máscara. Aí, o que é que eu fiz. Eu despertei, eu sentei só que eu
me levantei. Eu não fiquei só sentado. Eu senti a necessidade. Veio o impulso, eu olhei pra cima e
fui, segui aquele impulso e me levantei. Aí depois me sentei. Aí o Venício, logo depois, ele co-
mentou: ‘vá até o sentar, não levante’. (...) Eu falei [pensei]: ‘pôxa, então é uma regra: deita e sen-
ta. Senta e deita. Pronto. Não levante’. Já vai contra aquele princípio: você está sendo estimulado
por um ponto e vá até ele. Se este ponto te estimula a ir até ele, eu vou fazer isso. Eu fiz isso”241.

O que aconteceu aqui? O aluno tinha uma direção expressa e outra tácita. O aluno
entendeu a direção tácita como pôde e resolveu seguir o seu impulso. Porém, na avalia-
ção Fonseca cobrou o respeito a uma restrição (regra) que não estava expressa e descon-
siderou que o aluno estava seguindo a orientação tácita que havia sido dada.

241
Flavio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
97

Para entendermos a complexidade desta questão, precisamos ver o que buscava o


professor e de que alunos ele dispunha. Já ficou claro o que é a direção expressa e o que
o professor pode alcançar quando se utiliza dela. Vejamos agora o que supõe a direção
tácita.

Ao utilizar a direção tácita com alunos que já dominam a prática, ou o professor


espera que o aluno realize esta prática, dentro das regras, espontaneamente, e cobra dele
que saiba fazê-lo; ou o profesor faz isso de modo a deixar espaço para a criatividade do
aluno, isto é, para que ultrapasse as regras, esperando que ele realize o exercício melhor
que o faria se estivesse respeitando as regras. Mas isto, supondo que são alunos que já
dominam a técnica. O que não era o caso da oficina com o grupo Moitará.

Com alunos iniciantes, que não dominam a técnica, o que supõe a direção tácita?
Neste caso, esta direção só pode supor que o aluno transcenda a técnica, crie, se solte,
seja espontâneo.

Então, utilizar uma direção tácita com alunos iniciantes, o que supõe, como vi-
mos, uma transgressão da técnica, e depois dizer “não, você não podia levantar” (isto é,
cobrar a realização do exercício dentro de determinada regra que não foi explícita deta-
lhadamente) é um equivoco didático. O professor está aí cobrando algo que contraria
sua própria intervenção pedagógica inicial. Corre o risco de criar no aluno uma insegu-
rança: que orientação irá seguir?

Agora, se o professor pretende que o aluno não ultrapasse a técnica, deve utilizar
uma direção expressa. Neste caso, está correto ele dizer “não, você não podia se levan-
tar”, isto é, está correto ele cobrar a realização do exercício dentro das regras expressas
detalhadamente. Se o aluno ultrapassou (se soltou, tentou criar, foi além), relativamente
à técnica, isso só pode ser tomado como um erro por quem estiver na expectativa de que
o aluno haja assimilado a técnica e consiga executá-la, respeitando-a.

Podemos perguntar finalmente: A intervenção tácita, para o aluno, para aquele que
está aprendendo, que ainda não sabe fazer, é um bom instrumento? Para responder a es-
ta questão é necessário lembrar qual a conseqüência desse tipo de intervenção pedagó-
98

gica: a transgressão por parte do aluno. E aqui surge uma nova pergunta: como este alu-
no vai transcender algo que não conhece?

Como já vimos, o trabalho com a máscara neutra supõe uma técnica que contém
certa abertura. Como lidar com as aberturas que esta prática supõe? Fazendo uma dire-
ção expressa ou fazendo uma direção tácita? Até onde está claro o limite destas abertu-
ras? Está claro ou não está? Se está claro até onde deve ir essa abertura, então o aluno
tem que saber até onde vai o limite. Se não está claro, então quem dirige vai ter que de-
cidir que tipo de direção vai usar, sabendo das conseqüências de cada um. Vai ter que
decidir em que momento do processo de ensino/aprendizagem é possível ou convenien-
te usar uma ou outra direção, levando em conta com quem está trabalhando, se com ato-
res ou com alunos.

3. Como se avalia

Identifico nas avaliações feitas pelos ministrantes do grupo Moitará momentos em


que fazem correções objetivas a partir do trabalho de cada aluno, isto é, se remetendo ao
trabalho objetivamente feito, e constato que em outros momentos a avaliação é subjeti-
va: aquilo que ocorre, que o aluno faz, é avaliado como revelação de algo que ocorre em
outro lugar, oculto. Cito, a princípio, alguns exemplos de avaliação objetiva a fim de es-
clarecer a questão.

• “as oposições estão bem presentes;

• há uma respiração para cada ação;

• há três segundos de pausa entre uma ação e outra;

• há finalização precisa do impulso;

• está relaxando os braços sem abandoná-los;

• não está sempre com as oposições: ao levantar demonstrou seu esforço de atriz;
99

• ainda está pouco precisa: cabeça/corpo têm que estar juntos. Às vezes a cabeça finalizou e
o corpo ainda não;

• o tempo de ir de um ponto para o outro ainda é lento, ainda é o tempo da atriz” 242.

Em todas essas avaliações, a orientadora está informando o que o aluno fez, mos-
trando quando ele realizou bem o exercício e quando não o fez. Está dando um retorno
para que o aluno possa melhorar no próximo exercício. A orientadora é objetiva ao di-
zer: “o tempo ainda é lento”. Está falando do tempo que o aluno leva para executar a a-
ção. Não está dizendo que o tempo é lento e isso revela que o aluno pensou, não está di-
zendo que a causa de ele não ter feito no tempo certo foi o fato de ter pensado. Não esta
avaliando em termos de causa-efeito. A orientadora não está remetendo o que ocorre em
termos de movimento a uma suposta interioridade do ator.

Seguem aqui alguns exemplos de avaliação subjetiva, aquelas em que os orienta-


dores interpretam a ação que ocorre no palco como uma “revelação” de algo que ocorre
em “outro lugar”, um lugar oculto.

Uma situação: o orientador, Fonseca, diz que o aluno fez uma inclinação da cabe-
ça, o que dá uma intenção. Em seguida acrescenta: “isto, inconscientemente é um este-
reótipo de doçura”.

Fonseca está fazendo uma interpretação ao dizer que o movimento do aluno revela
algo de seu inconsciente, revela algo que está escondido em outro lugar. Isso aqui signi-
fica aquilo lá (o que ocorre na interioridade do ator). Não faria uma interpretação se dis-
sesse: “esta sua inclinação de cabeção pode ser lida pelos espectadores como doçura”.

Outra situação: fiz o exercício de girar os 180° num tempo mais lento do que o
esperado. Fonseca corrigiu: “falta decisão, estás pensando”.

Então aqui, novamente, há uma interpretação da ação. Fazer alongadamente é in-


terpretado como estar pensando. Entendo que o espectador pode ter esta leitura, mas a-
firmar que a lentidão se explica porque o ator está pensando, é interpretação. É compli-

242
Para referências, ver p. 103-106.
100

cado para o aluno primeiro porque este sabe que não tem como deixar de pensar, então
ele não sabe muito como resolver o problema. Refiz o exercício simplesmente mais rá-
pido e o orientador disse: “ótimo”. Estava ótimo e eu não deixei de pensar. Então o pro-
blema não era estar ou não pensando, mas sim estar ou não no tempo certo.

Outra situação: depois de eu ter feito o exercício em que damos uma volta de
180°, Rettl corrigiu: “...um pé que vai antes girando para a direita em vez de ir com o
corpo todo revela que o ator pensou”.

Dizer que se o ator move o pé antes é revelação de que pensou, também é inter-
pretação. No que este tipo de intervenção contribui para o aluno melhorar o exercício?
Ele vai ficar o tempo todo tentando parar de pensar e não vai conseguir, visto mesmo
que tentar parar de pensar já é pensar. Em uma situação de aprendizagem inicial de
qualquer técnica corporal é impossível ser espontâneo. Só é possível ser espontâneo de-
pois que dominamos a técnica, depois que ela faz parte de nosso ser.

Neste caso, para se fazer uma avaliação objetiva, o que se poderia dizer é que, pa-
ra o espectador, um pé que vai antes pode ser lido como a máscara pensou, ou a másca-
ra analisou. Mas isso é leitura do espectador e pode variar. O espectador não está ten-
tando ver o que se passa dentro da cabeça do ator. Uma avaliação objetiva se preocupa
com o que ocorre entre palco e platéia e não em investigar o que ocorre dentro da cabe-
ça do ator.

Uma das conseqüências da avaliação subjetiva é que o ator pode ficar confuso,
porque o professor faz uma avaliação dele e não do seu trabalho. Fala da doçura que o
aluno traz inconscientemente e não do seu trabalho concreto, ou seja, da inclinação da
cabeça. Está avaliando se o ator está ou não pensando, e não está avaliando se a ação
que ele realiza é coerente com o conceito de neutralidade. É possível que o aluno nem
aprenda se ficar preocupado com a doçura estereotipada que o professor diz que incons-
cientemente ele tem ou com o fato de não conseguir parar de pensar.
101

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizo este trabalho sintetizando as constatações verificadas a fim de evidenciar


algumas questões que surgiram, e de me posicionar com relação a certas orientações que
este trabalho me autoriza a fazer, o que chamo de “algumas respostas provisórias”.

1. Constatações

A partir das verificações feitas, constatei que o trabalho com a máscara neutra é
uma prática que possibilita uma formação fundamental ao ator e que tem suas limita-
ções. É fundamental porque ensina ao aluno um tipo de postura, de movimento e de re-
lação do ator com as coisas (objetos, platéia, o outro na cena) que é suporte para qual-
quer construção de movimento, de personagem, de relação na cena. A neutralidade é um
ponto de partida.

Verifiquei ainda que não há uma forma única de trabalhar com a máscara neutra,
mas várias. Como vimos, a proposta de Copeau, por exemplo, é bastante diferente da
proposta do grupo Moitará. Cada trabalho alcança certos objetivos. Alguns são em co-
mum, outros são bastante diferentes. Por exemplo: Copeau e Lecoq trabalham com a fi-
guração dos elementos da natureza. Com esta proposta, vão possibilitar ao aluno o do-
mínio de diferentes dinâmicas do movimento. O grupo Moitará não trabalha com a figu-
ração, portanto não vai alcançar, no ensino com a máscara neutra, o domínio da varia-
ção dinâmica do movimento. Apesar das diferenças, podemos encontrar objetivos co-
muns a todas as metodologias: - ganhar precisão no movimento pautado em uma idéia
de neutralidade estipulada e proposta aos alunos e que supõe no mínimo: simetria, equi-
líbrio, não definição de gênero243, ausência de emoção, eliminação de idiossincrasias; -
valorizar a percepção, a relação sensorial com as coisas e os outros.

243
Apesar de Lecoq utilizar máscaras femininas e masculinas, ele não está propondo com isso uma dife-
renciação na movimentação. Com, essa distinção, ele pretende respeitar as diferenças anatômicas.
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Constatei também que não é possível encontrar um único corpo neutro. O corpo
que chamamos de neutro é um padrão construído a partir de certos princípios, de uma
idéia consensual. O que se faz portanto com esta técnica é tentar afinar (como afinar um
instrumento musical) o corpo em movimento dos alunos-atores com base em um padrão
que será igual para todos que estão trabalhando juntos. Este padrão pode ser uma más-
cara que chamamos de neutra, um corpo em movimento que chamamos de neutro ou um
conceito de neutralidade. Poderemos afirmar que o aluno alcançou a neutralidade se ele
se aproximou do padrão estipulado como neutralidade.

O trabalho com a máscara neutra não forma corporalmente apenas, mas prevê um
engajamento específico da consciência, também. Quando, no trabalho com a máscara
neutra, busca-se a consciência reflexiva espontânea, ou seja, a neutralização do eu ou
ainda o não posicionamento do eu para a consciência, esta é uma tentativa de localizar
a consciência no trabalho do ator.

A prática com a máscara neutra proporciona o conhecimento de um princípio bá-


sico no teatro: a necessidade de ultrapassar sua própria forma de se movimentar, a for-
ma pessoal de se movimentar (constituída psicofísicamente), assim como sua própria
forma de pensar, de se relacionar com o mundo, entendendo que a criação, a construção
de um personagem, passa pela materialidade do corpo/consciência. O trabalho com a
máscara proporciona o conhecimento da relação eu-personagem. O ato de colocar a
máscara propõe esta demarcação. Vestir a máscara é vestir o personagem, construir ou-
tra forma de se movimentar, construir outra forma de pensar, de se relacionar com o
mundo, sendo que a qualquer momento posso retirar a máscara.

Com relação à prática observada, constatei que o grupo Moitará, na oficina ofere-
cida em Londrina, ao ensinar o trabalho com a máscara neutra, estava ensinando uma
técnica corporal extra-cotidiana. O trabalho se pauta em regras precisas. O ensino deu-
se através de explicações orais, com direção expressa ou tácita, e também através da
demonstração técnica que tinha a função de modelo para os alunos. O trabalho consiste
em dominar a técnica corporal e agir espontaneamente, criando uma figura neutra, uma
figura que não tem nem passado nem futuro, que descobre o mundo pela primeira vez,
sem pensar. O aluno devia, portanto, trabalhar com uma consciência reflexiva espontâ-
nea, ou seja, sem o posicionamento do eu para a consciência. Na oficina oferecida pelo
103

Moitará há uma sacralização da máscara. Esta relação com a máscara existe por parte
dos ministrantes e é ensinada aos alunos. A correção e a avaliação do trabalho se dá a-
través do contato direto no corpo do aluno, tocando-o para colocá-lo no lugar e através
de comentários orais. O trabalho dos alunos é avaliado em alguns momentos de forma
objetiva e em outros momentos de forma subjetiva.

Através do trabalho com a máscara neutra os alunos aprendem o seguinte:

• Ter consciência corporal: ter consciência do movimento ou da ação con-


creta que está fazendo;

• Ter controle corporal: utilizar o corpo de uma forma particular que não é
nem cotidiana nem naturalista, e que prevê:

dominar a posição fundamental, ou seja, alinhar o corpo em rela-


ção à gravidade: seu peso (em pé) está igualmente distribuído
entre a parte anterior e posterior e entre os lados direito e es-
querdo, a bacia encaixada, pés paralelos na linha dos quadris;

engajar o corpo como um todo na ação;

tonificar o corpo como um todo;

eliminar tensões;

controlar a direção do olhar – com a máscara, uma mudança de


direção do olhar não é possível simplesmente com o movi-
mento do globo ocular (a platéia não vê esta mudança), por-
tanto, uma mudança de direção do olhar tem que ocorrer com
a participação da cabeça. Controlando a direção do olhar, o
aluno aprende a controlar o foco da cena que é definido por
este;

pontuar uma ação com a pausa, fazendo com que a ação tenha
começo, meio e fim;
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economizar movimentos;

controlar sua respiração. A respiração é integrante da ação, ela


deve durar o tempo da ação. Consequentemente, ao prestar
atenção na respiração e tendo que controlá-la, o aluno contro-
la também sua emoção, sua ansiedade frente à platéia por e-
xemplo;

• Trabalhar espontaneamente sem o posicionamento do eu para a consciên-


cia;

• Ampliar a condição para observar e analisar o movimento;

• Valorizar a percepção.

Com relação ao trabalho com a máscara neutra proposto por Copeau, constatei
que também era ensinada por eles uma técnica corporal porém não era oferecida uma
demonstração técnica. Dullin, um de seus colaboradores, tinha uma relação com a más-
cara como sendo um objeto sacro. Copeau tinha uma relação com o teatro em si como
algo sagrado. Para a avaliação do trabalho, propunham a observação por parte dos alu-
nos que estavam na platéia e o comentário destes com relação aos efeitos produzidos pe-
los movimento do aluno que trabalhava com a máscara. Copeau estava buscando tam-
bém a espontaneidade do aluno dentro do trabalho técnico, o que ele chama também de
naturalidade.

Segundo Marinis a contribuição técnica do trabalho com a máscara em Copeau é a


seguinte: expressar-se com todo o corpo; ultrapassar a convenção pantomímica do gesto
que traduz palavras para chegar à ação física pré e transverbal; desenvolver as qualida-
des dinâmicas do movimento; descobrir a utilização do princípio da independência arti-
cular e muscular do corpo; trabalhar o princípio do raccourci: princípio da condensação
da idéia, do espaço e do tempo; incentivar o aluno a ser autor do roteiro executado.

Com esse trabalho, Copeau não estava buscando alcançar apenas ganhos técnicos.
Fica evidente por toda a sua teoria e particularmente no que diz respeito à ética nortea-
dora de seu trabalho, que ele se preocupava em colocar o ator como sujeito em cena, o
105

ser em cena. A técnica da máscara neutra era estratégia metodológica da escola, foi um
meio de formação do ator. Copeau, estava preocupado em estruturar o caminho pedagó-
gico da formação, formar técnica e eticamente profissionais para um determinado tipo
de teatro. O aluno que passava pela escola tinha a possibilidade de entrar para a Cia. do
Vieux-Colombier, havia um futuro para este aluno. Esses são os elementos que singula-
rizam o projeto de Copeau e que fazem dele um alvo de estudo necessário o hoje.

Dario Fo, em seu livro Le gai savoir de l’acteur244, levanta também a questão da
ética. Ele confirma a necessidade de o ensino de uma técnica estar sustentado em um
projeto profissional, de vida: Fo propõe que alunos e professores se perguntem “para
que ele quer aquela técnica, para fazer o que?”. O autor alerta para o perigo em se a-
prender servilmente as técnicas descontextualizadas de um projeto (moral, ideológico,
dramatúrgico), diz que assim se criam robôs vazios, seguidores do mestre, sem persona-
lidade. Fo alerta para o perigo da falta de decisão por parte do aluno.

Quando Copeau diz que o aluno-ator tem que escolher o texto ou ser autor do ro-
teiro, ele estava educando seus alunos para que se movessem puxados por algum desejo
próprio, por uma decisão, como diz Dario Fo. Copeau educa para formar um ator que
saiba porque está em cena. Mesmo trabalhando tecnicamente, há um esforço em não re-
cortar o corpo do ator. Ele não quer simplesmente o aluno especializado na técnica.
Quer formar seres humanos inteiros defendendo que “todas as grandes transformações
no teatro decorrerão daí”. Em Copeau, é da força do ser, ser um entre os outros, com de-
sejos próprios, que surge a presença cênica. Não basta ter técnica, saber trabalhar com
as oposições tecnicamente, com os vetores de força no corpo. Copeau, neste sentido,
não está pretendendo que o ator simplesmente tenha presença, mas sim que ele seja
uma presença e para ser presença, é preciso ser alguém que se move para algum lugar
no futuro.

Constatei finalmente, que a maioria dos pedagogos sacralizam a máscara e apenas


Eldredge não a sacraliza. Em Copeau não está evidente a sacralização da máscara, mas a
do teatro em si. Dullin, Lecoq, Brook, Lopes e o próprio grupo Moitará, sacralizam a

244
FO, op. cit., p. 207.
106

máscara (em graus diferentes) e seus alunos aprendem a neutralidade. Eldredge não sa-
craliza a máscara e ensina a neutralidade.

2. Questões a investigar

A partir da verificação do fenômeno, levantei algumas questões que merecem ser


investigadas:

A - Se é possível trabalhar com a sacralização da máscara e sem a sua sacralização,


qual a função dessa variável no processo de ensino/aprendizagem da máscara neutra na
formação do ator?

B - Quais as conseqüências das seguintes proposições metodológicas para a formação


do ator?

• Expor regras sem explicar sua necessidade;

• Solicitar que os alunos-espectadores observem o trabalho do colega e fa-


çam uma avaliação objetiva;

• Fazer avaliação subjetiva, com recurso à interpretação;

• Fazer avaliação objetiva do trabalho;

• Ensinar com demonstração técnica, propondo a cópia do modelo;

• Ensinar sem demonstração técnica.

Certamente, quando for possível conhecer as conseqüências dessas práticas meto-


dológicas para o aluno-ator, o professor poderá escolher com mais segurança os proce-
dimentos de seu ensino.
107

3. Algumas respostas provisórias

Faço a seguir algumas sugestões para o trabalho prático, a partir do estudo que re-
alizei. Chamo de respostas provisórias porque essas sugestões são possíveis respostas a
algumas das questões que levantei e que precisam ser investigadas.

3.1. Encontrar junto com o aluno a neutralidade

Uma possibilidade interessante de trabalhar com a máscara neutra é a proposta de


Eldredge, explicada no Capítulo I.

A autora deixa claro que não há uma neutralidade mas várias. Não trabalha com a
máscara neutra de Lecoq porque identifica nela uma fisionomia européia. Propõe traba-
lhar com uma máscara de papel onde há buracos para os olhos, um cone para o nariz,
sem boca. Isto daria uma idéia de face humana, sem especificidades de gênero, de na-
cionalidade, de emoções. A princípio, Eldredge propõe que os alunos contemplem a
máscara por algum tempo e depois falem sobre ela, sobre suas características: os alunos
colocam que ela é simétrica, não define gênero, não tem boca, etc. Depois disso os alu-
nos experimentam colocar a máscara e realizar, progressivamente, ações simples tais
como: andar, parar, sentar, deitar. A platéia observa e depois avaliam juntos o trabalho
do colega procurando estabelecer o que seria uma movimentação tão neutra quanto a-
quela máscara. O parâmetro que têm é a máscara e nada mais. Depois de trabalharem o
corpo neutro, Eldredge propõe encontrarem a mente neutra: a que não tem nem passa-
do, nem futuro, que descobre o mundo como se fosse pela primeira vez.

Afirmo que sua proposta é interessante porque ela viabiliza o ator-sujeito. Ela me-
dia o aluno para que ele seja sujeito na aprendizagem, na construção do novo padrão de
movimento. Há aqui uma proximidade com o que Copeau pretendia com o ensino do te-
atro.
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3.2. Com demonstração técnica a direção deve ser explícita

Se ensinamos a neutralidade utilizando uma demonstração técnica, primeiramente


é importante ter claro para nós mesmos que o que estamos mostrando funciona para o
aluno como um modelo, e não há como evitar isso.

Em segundo lugar, defendo que é importante deixar claro para o aluno que esta é
nossa maneira de entender a neutralidade, que não é a única. Sugiro mesmo deixar claro
o caminho que fizemos para chegar nesse padrão. Se usamos a demonstração técnica, o
aluno vai tentar se apropriar daquela forma particular de utilizar o corpo. Portanto, a
princípio, seria mais produtivo o professor utilizar apenas a direção expressa. Recomen-
do que só depois que o aluno tiver aprendido o básico a ponto de ser espontâneo dentro
da técnica, é que o professor utilize a direção tácita.

3.3. Evitar o ensino formal das regras/ propiciar a avaliação objetiva

No curso com o grupo Moitará, uma das regras ensinadas é “não tocar na másca-
ra”. Se, porém, esta regra é ensinada sem uma explicação, o aluno respeita a regra mas
não entende o porquê desta. Acaba respeitando moralmente a regra, em termos de cer-
to/errado. Para evitar deixar o aluno prisioneiro de uma moral, proponho que o profes-
sor aproveite a ocasião de um aluno que tocou a mão na máscara durante o exercício e
pergunte aos alunos-espectadores, por exemplo, “que efeito isto tem?” Poderia assim
desencadear uma observação mais apurada por parte dos alunos-espectadores para irem
vendo as diferenças entre os momentos em que o aluno-ator não toca na máscara e a-
queles em que toca. Aprenderiam assim a falar do trabalho objetivamente, vendo as
conseqüências de uma coisa e de outra para o espectador. A partir dessa observação po-
derão identificar o que é melhor para o trabalho. Poderiam em seguida ler o que alguns
estudiosos da máscara dizem a esse respeito. Assim, o aluno não estaria simplesmente
respeitando uma formalidade, mas entendendo a necessidade daquela restrição para a
melhor realização do trabalho.

A mesma coisa poderia ser dita sobre a regra de não falar sob a máscara. Nova-
mente proponho que se evite levar o aluno a respeitar uma regra formalmente. Defendo
neste caso que nem é preciso ensinar a regra. Se o professor tiver paciência, pode espe-
109

rar que o aluno constate que falando sob a máscara não será bem entendido. Além do
que, ficará sufocado. O aluno irá, espontaneamente, levantar a máscara para falar (fiz
esta experiência em aula e foi assim que ocorreu). Mas aí, esta ação surgirá de uma ne-
cessidade concreta imposta pela materialidade do objeto e não da necessidade de respei-
tar uma formalidade exigida do exterior, do professor.

Assim como falei a respeito do ensino das regras, propondo que se aproveite a ob-
servação do alunos-espectadores para o ensino de outras questões no trabalho da másca-
ra neutra. O professor poderia fazer perguntas à platéia depois de um exercício. Por e-
xemplo: quando o aluno-ator movimenta-se de forma mais lenta, qual o efeito que isso
tem, qual a imagem que sugere? E se fizer mais rápido? O que muda, qual o significado
que a ação pode passar a ter? Estaria assim evitando a interpretação sobre o que se passa
na cabeça do ator, incentivando a observação atenta por parte da platéia e promovendo o
questionamento a respeito do conceito de neutralidade, como propõe Eldredge e com o
qual eu concordo. Se o professor explica antecipadamente essa leitura, o aluno não é so-
licitado como observador, como um observador que reflete acerca da experiência do
palco. Nesse caso, o professor não está sendo mediador do conhecimento.

Se retornarmos à teoria de Copeau, encontraremos algo a este respeito: “No traba-


lho da máscara o próprio aluno-espectador deve poder tirar indicações preciosas do que
vê, os graus de inclinação da máscara, a direção do olhar, a importância do plano maior
que o mínimo gesto pode adquirir de repente;...”245.

Finalizo essa dissertação formulando uma última consideração. Por tratar-se de


uma produção científica de conhecimento, esse trabalho exigiu esclarecimentos sobre
certos aspectos do ofício do ator que são objeto de estudo de outra área, a psicologia ci-
entífica. Optar por fundamentar o ensino do trabalho artístico em conhecimento científi-
co sobre o ser humano é uma questão política, sim. Cada um pode optar pelo que quiser.
Entendo, no entanto, que seja uma questão de ética importante hoje nas universidades,

245
DULLIN, op. cit., p. 124-125 - trad.de L. Cesconetto.
110

que aquele que forma profissionais do teatro esclareça aos seus alunos sobre que tipo(s)
de conhecimento(s) fundamenta seu trabalho.
111

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