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Publicações E

Forense

CôDIGO PENAL
Atualização de Nflson o/ital Naves

LEGISLAÇAO PENAL MILITAR


Atualização de Nilson Vital Naves

VOCABULARIO JUR:IDICO
-·~~~~"""
3LJ3.J5J
M3(;6"-0
ALCIDES MUNHOZ NETI'O
Professor Titular d D1r 1to P nal na Universidade Federal
do Paraná

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'··

079 /P
A IGNORANCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM
MATÉRIA PENAL

FORENSE
Rio de Janeiro
1978
1.ª edição - 1978

@ Copyright
Alcides Munhoz Netto

Catalogação-na-fonte
Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Munhoz Neto, Alcides.


M932i A Ignorância da antijuridicidade em matéria
penal / Alcides Munhoz Netto. - Rio de Janeiro:
Forense, 1978.

Apêndice
Bibliografia
"'
1. Erro (Direito penal) I. Título

CDU - 363.159
78-0580 /341.4359/ A memória de
LAERTES DE MACEDO MUNHOZ

Reservados os direitos de propriedade desta edição pela


COMPANHIA EDITORA FORENSE
Av. Erasmo Braga, 299 - 1.º e 2.0 andares - 20020 Rio de Janelro-RJ
Filial: Largo de São Francisco, 20, loja - 01005 São Paulo-SP

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁR IO

Prefácio IX

Capitulo I - Noções Gerais . 1


· Capítulo II - Histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Capítulo III - Aprecíação Crítica aos Fundamentos da
Irrelevância do Desconhecimento da
Antijurídicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Capítulo IV - Doutrinas sobre a Eficácia da Ignorân-
cia da Antijurídicidade . . . . . . . . . . . . . . 77
Capítulo V - Soluções no Direito Brasileiro 101
Apêndice - Aníbal Bruno e a Reforma Penal 145
Bibliografia . .. . ... .. .. . . .. . . . . .. . . .. . ... . . .. .. . . . . 171
tndice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
tndice Alfabético Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
!ndice da Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191
PREFÁCIO

o título desta monografia não corresponde exatamente


ao seu conteúdo. Trata-se, em verdade, de um estudo sobre
o erro em Direito Penal, no qual se deu maior ênfase à igno-
~a da antijiirídicz ade, porque quanto a ela é que persis-
tem as resistências em reconhecer-lhe plena eficácia escusante.
A demasiada preocupação com a segurança do Direito ainda
dificulta o acolhimento do invencível erro de proibição como
causa excludente da culpabilidade. Embora constitua impe-
rativo de justiça a absolvição de quem pratique o crime sem
possibilidade de conhecer-lhe a ilicitude, perduram, por mo-
tivos utilitários, velhas presunções de responsabilidade, incom-
• patíveis com os postulados do Direito Penal da culpa.
Neste trabalho ensaia-se um sistema de tratamento das
diversas modalidades de erro, que, sem comprometer os inte-
resses de defesa social, evite a punição de condutas não reves-
tidas de dolo ou culpa em sentido estrito ou pelas quais o
autor não deva sofrer censura. Pretende-se, em suma, dar
efetividade, em matéria de erro essencial, ao dogma do nulla
poena sine culpa, quer excluindo a responsabilidade objetiva,
quanto a erros escusáveis, quer estabelecendo, para a vencível
ignorância da antijurídicidade, racional proporção entre a
pena e o grau de reprovabilidade de quem não conheceu a
perceptível ilicitude de seu comportamento. Também em
matéria de erro, há de se observar o consagrado princípio de
que a culpabilidade é indeclinável pressuposto da pena e fator
preponderante de sua medida.
ALCIDES MUNHOZ NETTO

A obra, portanto, não é meramente acadêmica. Reveste-se


ac 1·al entido prático, ao apontar critérios para a adminis-
1 ru ão da justiça penal, quando em jogo problemas relacio-
1HUio ao erro. Os conceitos gerais, a pesquisa histórica e a
. posição doutrinária dos primeiros capítulos visam, sobre-
tudo, fornecer subsídios às soluções-possíveis em face do nosso
CAPÍTULO I
Direito positivo, indicadas no capítulo final.
Não devem causar estranheza as repetições observadas ao NOÇÕES GERAIS
longo do trabalho. Trata-se de vício proposital, com o objetivo
de acentuar aspectos fundamentais do tema, facilitando-lhe o 1 . Erro e ignorância. 2. Equivaléncia jurídica dos dois
entendimento. estados. 3. Dúvida e ignorância. 4. Concepção empírica
e concepção teorética de erro. 5. Erro de fato e erro de
direito. 6. Tese unificadora. 7. Erro de tipo e erro de
proibição. 8. Erro sobre a exigibilidade de conduta di-
Ü AUTOR versa. 9. Divisão tricotômica do erro. 10. Espécies de
ignorância da antijuridicidade. 11. Ignorância da anti-
1uridicidade e ignorância da lei.

1. Ignorância e erro constituem dois estados metafisica-


mente distintos: a falta de qualquer conhecimento sobre um
objeto e o seu falso conhecimento. Assim,..fill.Q nto a i no-
rância a. resenta-se desacompanhada de qualquer percepção
da.zealídade, o erro é determinado por uma percepção des-
conforme àquela. Entre ambos existe a mesma distância que
separa o não ver do ver mal. 1 Esta diferença entre a ignorân-
cia, como estado negativo, e erro, como estado positivo,
remonta a Platão. 2 Entre nós, salientou Tobias Barreto ser
importante notar "que o erro pressupõe a existência de uma
falsa idéia em lugar da verdadeira, ao passo que a ignorância
é a falta de idéia sobre este ou aquele assunto". 3
1
Francesco Carnelutti, Teoria General del Delito, trad. de
Victor Conde, 1952, p. 139.
2
Luiz Jimenez de Asúa, Reflexiones sobre El Errar de tierecho
en Matéria Penal, 1942, p. 15 e Tratado de Derecho Penal, 1962, VI,
p. 313.
3 Tobias Barreto, Prolegômenos âo Estudo do Direito Criminal,

in Estudos do Direito, 1926, p. 69.


2 ALCIDES MUNHOZ NETTO A ON RÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 3

Pretendem, todavia, alguns, que os dois estados se resol- nsamos não ser possível parificar psicologicamente os
vem no conceito genérico de erro, enquanto que, segundo Is estados, nem uni-los num ou noutro conceito. Se é certo
utros, prepondera a noção de ignorância. Como conhecimento u o erro pressupõe sempre a ignorância da noção exata, a
d Iiciente ou insuficiente da verdade, isto é, como desvio de cíproca não é verdadeira, já que nem sempre a ignorância
juízo, o erro compreenderia também a ignorância, que seria acompanhada de erro, podendo se caracterizar independen-
o erro total, assim como o erro, uma ignorância parcial. 4 t mente de qualquer persuasão do sujeito.
Em sentido oposto, proclamou-se que o erro em geral seria
o estado da mente, em que a verdadeira representação de um 2. Ao direito, contudo, não interessam a ignorância e o
objeto vem impedida e substituída por outra não verdadeira. rro em seu estado pu~o, como meras situações cognoscitivas,
Todavia, neste estado, o essencial seria simplesmente a falta mas como estados intelectivos que se refletem na vontade da
da representação verdadeira, a qual poder-se-ia apresentar, ação. Bem diverso é o erro do pensador, que permanece no
mesmo na forma de simples ignorância sobre o objeto, sem campo da cogitatio, do erro do homem que age e traduz o
uma outra representação determinada no lugar da verda- seu defeito intelectivo na praxis. Pode-se falar nestas hipóteses
d~ira ... Assim, seria mais apropriado e mais exato falar
de uma ignorância e de um erro ativos. ,!Sta pasta, erro.,e
sempre de ignorância, uma vez que esta expressão designaria
i rância delineiam-se como uma inexata rela ão da cons-
de modo mais amplo a essência daquele estado faltoso da
~ncia com a realidade objetiva. Em substância, um e outro
mente. 5 Por ser o érro o momento final do vício cognoscitivo,
constituem estados de desconformidade cognoscitiva. 8 Não
a ignorância poderia ser considerada como eonceíto geral,
há, por isso mesmo, inconveniente em unificar, no terreno
enquanto que o erro representaria a noção específica como
ignorância qualificada. 6 jurídico, os dois conceitos, dada a identidade das conseqüên-

Não f'altam, porém, soluções conciliatórias que afirmam
cias que produzem: incidem sobre o processo formativo da
vontade, viciando-lhe o elemento intelectivo, ao induzir o
a inteira equivalência dos conceitos. a erro ell.YQlveria a
ignorância, da mesma forma que a .ignorância implic~a sujeito a querer coisa diversa da que teria querido, se houvesse
sempre em erro: como ausência de cognição, a Ignorância conhecido a realidade.
seria, nos efeitos, falsa cognição e portanto, erro; da mesma Nem procede o raciocínio de que a ignorância, desacom-
forma, o erro consistiria também ignorância, porque ver 'em panhada de erro, não possa ter eficácia sobre a vontade e
lugar do real uma coisa diversa é como ignorar a coisa real. 7 sobre o comportamento humano, porque o direito não se
ocupa das condições de ânimo, senão enquanto forem causa
4
Vicenzo Manzini, Diritto Penale Italiano, 1950, p, 289. da ação. 9 Em si, como lacuna, a ignorância, analogamente à
n F. K. Savigny, Sistema del Derecho Romano Attuale, trad. de omissão, pode ter eficácia jurídica causal, por não modificar
Vittorío Scialoja, 1900, p. 138, § 115.
11
o curso da vontade, quando este podia ser positivamente mo-
Antonio Cristiani, Profilo Doçmatico dell'Errore su Legge
Extrapenale, 1955, p. 30.
7
Eugenío Pincherli, Errore di Diritto, di Fatto e di Persona, in s Arturo Santoro, Manuale di Diritto Penale, 1958, p. 431, I.
Revista Penale, Suplemento 1896/7, vol. V, p. 361 e Mauro Angtoní, o Francesco Carrara, Programa del Curso de Derecho Criminal
La Volontarietà del Fatto nei Reaii, 1927, p. 47. dictado eri la Real Universidad de Pisa, trad. S. Soler, 1944, § 253.
A L CID E S M UNHOZ N E TT O A )(JN H NCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 5

1fi ado pelo estado de conhecimento. E mais: ainda em si, a 1 1 r 11q uilo que não se sabe, o que é incompatível com
ígnorâncía pura pode conter uma previsão de possibilidade, f .
I mento positivo capaz de influir sobre a vontade, tanto no A ncepção teorética decorre de não admitirem alguns,
.., ntido de concorrer a determiná-la, quanto no sentido de c•J volição distinta da intenção. A vontade realizaria sempre
1 lnt n ão, pelo que seria inconcebível, um fato de vontade
nf orrespondente a um fato intencional. Ademais, sendo o
3. A ignorância não se confunde com a dúvida, porque 1 t d vontade só imaginável quando traduzido em ação, esta
aquela pressupõe a ausêncía de qualquer representação e, s identitícaria com a volição, já que aquilo que não se
na dúvida, há mais de uma representação, uma das quais onhece não pode ser querido. Esta a posição de Benedetto
conforme à realidade. A dúvida também afasta-se do erro, roce, que, em sua Filosofia della pratica, sustentava. não
porque a perplexidade ou incerteza entre as várias previsões haver distinção alguma entre intenção e volição. Intenção
que a caracterizam é incompatível com a formação de um seria mera volição ideal, abstrata, não concebível em si mesma,
convencimento em contraste com a realidade, que é da essência nquanto que volição seria a vontade real, decorrente de uma
do erro. Ademais, ao contrário do que ocorre com o erro, a determinada situação de fato. Quando concretizadas, intenção
dúvida, enquanto tal, não vicia a vontade. Se o conflito de
e volição constituiriam um todo incindível. Do mesmo modo,
imagens é resolvido e o sujeito ad uire o convencimento de
seriam conceitos idênticos volição e ação, pois o ato de vontade
estar na verdade, não estará mais em dúvida, embora possa
só é tal quando se traduz em conduta, exprimindo-se em um
incidir em erro; se não adquire tal persuasão, permanece em
fato do mundo sensível. Onde não houvesse comportamento,
dúvida, não em erro e agindo nesta situação psicológica, terá
não haveria volição, mas apenas desejo. Por outro lado, não
querido voluntariamente, 01 por culpa, o próprio comporta-
seria correto afirmar que em conseqüência de erro, possa a
mento. 11 Quem age em dúvida, '.'atua admitindo a possibili-
volição surgir como algo diverso da intenção, caracterizando-se
dade de que seu comportamento seja contrário ao dever". u
um estado de boa fé. Tal situação seria impossível, porque o
erro de que não se tem consciência não é erro, já que este, em
4. Nos domínios da filosofia, nega-se a possibilidade de
substância, seria a afirmação de saber aquilo que não se sabe.
um erro de boa fé. Trata-se do conceito teorético de erro, que
Isto posto, erro de boa fé não seria possível, porque só a ver-
se contrapõe ao conceito empírico adotado pelas ciências jurí-
dade é de boa fé. 14
dicas. Se, juridicamente, o erro é vício de conhecimento, para
os filósofos, é a ignorância que se dá por conhecimento, 13 A teoria de Croce, rigidamente filosófica, entendendo, em
isto é, a simulação do estado de ignorância, com a afirmação definitivo, que o erro, sendo sempre querido, constitui uma
situação psíquica de má fé, não pode ser acolhida pelo sistema
ro R. A. Frosali, Sistema Penale Italiano, 1958, n, § 523, p. 209. do direito positivo, ante o qual intenção e volição conside-
11 Antonio Pirodi, l/errore di facto nel diritto penale, 1959, p. 6. ram-se elementos cindíveis e distintos da ação. A ação, pode
i2 Aníbal Bruno, Direito Penal, 1956, II, nota 1, p. 490.
rs Gentíle, Sistema di logica, 1922, I, p. 104, 1922, apud A. C:ris- 14 Benedetto Croce, Filosofia della pratica, p. 27 e segs., apud
tíaní, ob. cít., p. 24. A. Cristiani, ob.clt., p. 25.
AL CID ES M U NH OZ N ETT O
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 7

m virtude do erro, ser diversa da que foi concebida e querida delituosa e a consciência do agente: numa, a representação
pelo agente. E, precisamente por isto, o erro não é de má fé. 15 do autor vai além do acontecimento objetivo; em outra, o
acontecimento objetivo não é totalmente abrangido pela re-
5. O erro pode existir tanto no processo de formação, presentação do autor. Comum às duas hipóteses é a existência
quanto no processo de atuação do querer. 16 O direito privado de uma representação defeituosa do sujeito. Mas, conforme ao
distingue entre erro-vício e erro-obstativo, conforme inter- autor se represente um excesso ou um defeito, as conseqüên-
venha na formação da vontade negocial ou na exteriorização cias serão distintas. Só quando a falsa representação carac-
.da .vontade já f~rmada. Em matéria penal, também pode-se teriza-se por uma falta de conhecimento do autor, apre-
falar em erro que vicia o processo formativo da vontade, sentando a imagem representativa um defeito frente ao
quando dirigida à execução de um crime, e em erro que vicia acontecimento criminoso produzido na realidade, é que se
a exteriorização da vontade, no seu traduzir-se no mundo poderá falar propriamente em erro ou ignorância. 18
~xt~rior. 17 Os limites deste trabalho não comportam um
Esse erro, que vicia a vontade, tanto pode recair sobre
estudo a respeito do erro que incide sobre a execução do
elementos circunstanciais, quanto sobre uma norma jurídica.
~rime também denominado de inabilidade. Interessa apenas Daí, a divisão entre erro de fato e erro de direito.
'
o erro como vício de vontade, decorrente da divergência entre
Segundo a doutrina tradicional, o erro de fato é o erro
o• que se representou ao sujeito e o que realmente existe no
mundo exterior capaz de determinar um convencimento di- ...9lliLincidindo sobr um extremo essen ial do crime, im ede
verso do que se teria formado, se a consciência correspondesse ~o agente de conhecer, de perceber a adequação do seu com-
à realidade. Nihil volitum, quid praecognitum. Constituindo o
portamento à ação abstratamente formulada no preceito
penal, ou seja, o erro que impede divisar no fato cometido í
delito a ação antijurídica, típica e culpável, só estará ele
aquilo que o torna idêntico ao abstratamente descrito. Já o
plenamente caracterizado" quando a conduta do autor apre-
erro de direito é o que recai sobre o significado ou sobre o
sente, no âmbito objetivo, as características do processo cri- 10
râmbito da norma. Estas noções, entretanto, padecem de
minoso e quando o autor tenha reproduzido ou podido repro-
defeitos, uma vez que o erro sobre os elementos do fato pode
uzir para si, no plano subjetivo, as características essenciais
provir de ignorância ou má interpretação de lei, de cujos
do acontecimento. Só se poderá falar de um fato doloso
consumado, quando a representação que o autor tem do acon- conceitos se haja servido o legislador, na tipificação de deter-
tecimento criminoso coincide com o efetivo sucesso delituoso. minado crime. Efetivamente, a lei, ao descrever o comporta-
Da mesma forma só haverá culpa em sentido estrito, quando mento delituoso, utiliza-se, às vezes, de conceitos jurídicos, que
ao autor era possível a representação do fato característico só se podem representar ao autor através de valoração de
direito, embora sob forma leiga. As noções de cheque, dupli-
do crime. Ora, pode-se conceber duas situações em que falta
cata, "warrant", documento, função pública, imposto devido,
essa adequação ou possibilidade de adequação, entre a imagem t
15 A. Pirodi, ob. cit., p. 8.
1
s R. Maurach, Tratado de Derecho Penal, trad. de J. e. Roda, /
1962, vol. I, § 23, A.
10 Silvio Ranieri, Manuale di Diritto Penale, 1952, I, p. 279.
in Ottorino Vannini, Manuale di Diritto Penale (Parte Generale),
11 A. Santoro, ob. cit., I, p. 423. 1948, ps. 99 e segs.

532 • 2
o ALCIDES MUNHOZ NETTO

p p 1 moeda de curso legal e de tantos outros elementos


jurídico-normativos do tipo, só podem ser apreendidas através
d apreciações jurídicas, realizadas na esfera do profano. Daí,
a advertência de que a distinção entre erro de direito e erro
11 11111.<,
1 111p
A IONOHÂ.N II\ D/\ ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

racterízaría tudo que na ordem jurídica é erro. Daí


lbllidade de sustentar o maticamente, a divisão do
1 1 r11 J111·ldlc mente relevante em erro de fato e erro de direito,
9

5
,-Y--
11 1 t.o u todo o erro juridicamente relevante seria, necessa-
de fato, precisa ser entendida cum grano salis. 20
1111111< nt , rro de direito. Um erro relevante sobre fatos nus
Já se susten té bsol tamente impossível classi- 11 o ria ser levado em consideração. 21 Entre nós, acolhe a
ficar o erro como· fato ou de direito. O conhecimento falso l I e 1ndingniana, o Professor Everardo Luna, que entende
'ou errôneo, só seria viável sobre aquilo que pode ser conhe- 1 tlr cientificamente um error facti ao lado de um error
cido. Afirmou Binding que só em relação aos fatos poder-se-ia proclama que todo o erro de fato, desde que esteja
conhecer e também só sobre eles. errar. Assim, os fatos não do na esfera jurídica, é também erro de direito. 22
seriam apenas acontecimentos, isto é, sucessos na história da
natureza animada ou inanimada, mas também estados exis- G. Pela dificuldade em distinguir entre erro de fato e
tenciais dos mais diversos gêneros. Um erro com rel vância Pl'I' de direito, pensou-se em unificar as duas categorias de
/ para o direito, só se poderia fundar em um fato de transcen- , 1·1· • º Enquanto para Mezger, todo o erro seria de direito, 2*
2

dênci jurídica. Aquilo que não existe como tal, não teria 1 M ggiore pareceu inconcebível um erro de direito que não
importância alguma, sendo indiferente para a ordem jurídica, resolva em erro de fato, isto é, um comportamento que não
gue no espírito do homem se dê uma representação correta . , t ria verificado, se o agente houvesse tido uma noção pre-
pu errada. Designados tais fatos com o qualificativo de fatos <·I. a da lei e do seu alcance. Um erro que não produzisse uma
nus, deduzir-se-ia logicamente este postulado: o erro sobre l'nl a representação da realidade não existiria e se existisse,
os fatos nus é um erro qúe, juridicamente, não tem impor- 1i teria relevância jurídica. O desvio intelectivo, implícito
tância alguma. Assim ocorreria no caso de quem estivesse n ignorância ou erro, repercutiria sempre do direito ao fato. 1"
convencido de que o sol gira em torno da terra, ou de que a
neve não é cristalina. Portanto, os fatos juridicamente signi- 21 Karl Bindíng, Die Normen und ihre Uberiretunç, apud Asúa,
J flexiones, p. 72.
ficativos seriam, antes de tudo, os preceitos jurídicos de todos
os gêneros, de caráter geral ou excepcional, as normas e 22 Everardo Luna, Ignorância ou erro de direito, in Reu. Per-
nambucana de D. Penal e Criminologia, 1956, ano 3, ns. 11 e 12, p. 196.
preceitos permissivos, as proposições afirmativas e negativas,
sa A tese unificadora, defendida por Finger, Guello, Calon,
assim como toda a classe de direitos e obrigações em todas as l• ontan Balestra, Maggiore e Mezger, entre outros, foi também a
suas características e partes integrantes. Os erros sobre a pr ferida por Jimenez de Asúa, mas por este depois abandonada
existência de um preceito jurídico, sobre a vida de um homem, <v. La "ceçuera jurídica" w el remanente imputable en el errar de
sobre a derrogação de uma norma de direito ou sobre a exis- 1J1'0hibición, in Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem
a Nelson Hungria, 1962, p. 26).
tência de um delito, não seriam mais que erros sobre fatos
24 Edmund Mezger, Unrechtsbewusstsein im Strafrechts, Neue
juridicamente relevantes. A expressão, erro juridicamente re- 1uristische Wochenschrift, 1951, p. 501, apud Juan Górdoba Roda, El
onocimiento de la antijuridicidad en la teoria del delito, 1962, p. 32.
20 A. J. dá Costa e Silva, Código Penal, 1943, p. 125.
20 Giuseppe Maggiore, Diritto Penale, 1951, 1, p. 406.
1(1 ALCIDES MUNHOZ NETTO · l(INOHÃN '1A DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 11

ntologicamente, não é, na verdade, aconselhável dístin- proibição, ao erro de direíto. O erro de tipo é
rulr ntre erro de fato e erro de direito. Por ser valorativa a obre elementos constitutivos da figura delituosa
penal ao utilizar-se de conceitos fáticos, transforma-os em utor de ter a representação de estar, em concreto,
nceitos jurídicos. A rigor, não há, assim, elementos do crime a conduta abstratamente descrita em lei. Ora, tal
inteiramente destituídos de conteúdo normativo. o que pode pode decorrer de equivocada percepção dos fatos
suceder é a coincidência entre o significado jurídico e o signi- ( v, f ., nã ter consciência de cometer bigamia, ao casar su- )<
ficado leigo de certas expressões descritivas , como homem ' po11 m rta a primeira mulher), como de falsa compreensão ~
filho, recém-nascido etc. Mas, nem sempre existe correspon- d,, d 1· ito (v. g. casa-se de boa fé, por julgar inválido o .ma-
dênci tr valoração jurídica e a valoração extrajurídica l 1·11 nío anterior). De idêntico modo, o erro de proíbíçãopode
de certos termos, _É o que ocorre, v. g., com o significado de 1 corr r de erro de fato (v. g. imaginar-se legitimado a agir,
aborto, que, em direito penal, circunscreve-se à occisão do po1· supor-se face a uma agressão, na realidade ínexístente) ,
feto, enquanto que, em medicina, é qualquer interrupção da ou rro de direito (Y. g., pensar que a ação não é juridicamente
gravidez, nos seis primeiros meses de gestação. v dada). A diferença decisiva entre as duas classes de erro
Convencionalmente, entretanto, a lei mantém a biparti- 11 se refere, de.starte, ao antagonismo fato-conceito jurídico,
ção, à qual tem que se acomodar o intérprete ante o caráter 1 as à distinção entre tipo e antijurídicidade. É o que observa

dogmático do direito penal. W lsel, exemplificando: quem subtrai coisa que erroneamente
. upõe sua, encontra-se em erro de tipo: não sabe que subtrai
7. A doutrina alemã adota a distinção entre erro de isa alheia; porém, quem acredita ter o direito de subtrair
tipo e erro de proibição. 26 O "Tatbestandirrtum" e "Verbot- isa alheia (v. g. o credor frente ao devedor insolvente),
sirr:um", não refletem uwa simples renovação de nomes, ncontra-se em erro sobre a antíjuridícídade. 28
senao uma profunda modificação conceituai. 21 Não há, efeti- Estes conceitos permitem solucionar de forma satisfatória,
vamente, correspondência entre a antiga e a nova classifica- ertas modalidades de erro, que, embora incidentes sobre a
ção.@ erro quall.te--a-0-tipe-nã. e uivale ao erro de fato, nem situação circunstancial fática, conduzem a um falso conven-
cimento de licitude do atuar. É o que sucede quanto às descri-
26
.Sobre a dogmática alemã exerceu grande influência o aco- minantes putativas, tradicionalmente classificadas como erro
lhimento da distinção entre erro de tipo e erro de proibição pelo
Bundesgerichtshof, que, em célebre sentença de 18.3.1952, declarou de fato e tidas como erro de proibição, segundo a nova sis-
que a errônea suposição de que não concorre um elemento do fato temática. 29
(não "de fato" já que se emprega o termo Tantumstand, "círcuns- Da mesma forma, os referidos conceitos facilitariam a
tâncias de fato", compreensivo dos elementos fáticos e normativos) classificação do erro sobre elementos jurídico-normativos do
origina um erro de tipo: o sujeito crê que seu atuar é permitido, em
virtude de não saber o que faz; sua vontade não está dirigida à
28 H. Welsel, Derecho Penal, Parte General, trad. de J. Bustos
realização do tipo. Pelo contrário, o erro sobre a antijuridic'idade
concerne à proibição da conduta. O sujeito sabe o que faz, mas supõe Ramírez e Sergio Y. Perez, 1970, p. 233.
erroneamente que sua ação é permitida. Apud J. e. Roda, El Cono- 29 Mesmo em face de legislações que -conservam a divisão erro
cimiento de la Antijuridicidad en la Teoria del Delito, 1962, p. 37. de fato - erro de direito, tem-se afirmado que, nas descriminantes
21 L. J. Alsúa, La Ceguera Jurídica, p. 10. putativas, há erro sobre a ilicitude. V. G. Bettiol, Diritto Penale,
I' ALCIDES MUNHOZ NETTO /1.. lONORÃNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 13

üpo. Se tais elementos só podem se representar ao autor < m rro de proibição, que implica sempre em ignorância da
través de uma apreciação do direito, é impróprio considerar 1 ntljurídícídade. O que se pode invocar, no caso, é a inexigi-
o rro que sobre eles incida, como erro de fato, conforme quer 1 Ilídade de outra conduta, que constitui o motivo da exclusão
u doutrina tradicional. Existiria, em tais casos, erro quanto e culpabilidade nas situações reais de coação moral irresis-
o tipo. L v 1, face do dilema em que se encontra o autor de cometer
o crime ou sofrer o mal. 31 Ora, a inexigibilidade é a mesma,
8. Há, entretanto, outra espécie de erro, penalmente re- qu r seja real, quer seja putativa a coação irresistível. Idêntico,
levante, que não se enquadra nem na categoria de erro de com efeito, é o estado de compulsivo constrangimento em
tipo, nem na de erro de proibição. Trata-se do erro sobre a que se encontra o autor. Sendo análogas as impressões aní-
exigibilidade de comportamento diverso, isto é, da falsa supo- micas decorrentes da efetiva ou da imaginária coação moral,
sição de não exigibilidade de conduta adequada à norma. Por a isenção de pena resolve-se pela equiparação do putativo ao
má percepção dos fatos, o autor acredita encontrar-se em real. 32 A mesma solução aplica-se às demais causas legais de
situação, que, se real, embora não tornasse lícito o seu proce- exculpação, fundadas na inexigibilidade de outra conduta,
dimento, isenta-lo-ia de pena. É o que sucederia com uma como o estado de necessidade com sacrifício de bem de igual
putativa coação moral irresistível (v. g. toma a sério uma ou maior valor que o posto a salvo (infra n. 39).
ameaça jocosa e pratica o crime para evitar o mal prometido).
Não falta, em tal hipótese, a representação dá tipicidade: 9. A impossibilidade de situar a falsa suposição de não
quem furta sob suposta coação moral irresistível, sabe que exigibilidade de comportamento adequado à norma entre os
está a subtrair coisa alheia, pois opta pela prática do crime, erros de tipo ou entre os erros de proibição, leva à conseqüên-
para evitar o mal grave q1 e imagina seriamente prometido. cia de que existe uma terceira modalidade de erro: o erro de
Também não está ausente a representação da antíjurídicl- exigibilidade. Tal erro não incide sobre as características típi-
dade: o autor sabe que o fato supostamente imposto é ilícito, cas ou sobre a ilicitude do comportamento; recai, sim, sobre
mas julga que não tem outra alternativa senão cometê-lo. um dos componentes da culpabilidade, isto é, sobre a exigi-
O erro sobre a exigibilidade de comportamento diverso bilidade de conduta adequada à norma, pressuposto do [uíz
não é, pois, erro de tipo. Nem é erro de proibição, corno quer de censura pessoal.
a doutrina alemã, sob o fundamento de que ao erro sobre a Esta classificação tricotômica do erro ( erro de tipo, erro
existência da norma deve ser equiparado o erro acerca de sua de exigibilidade, erro de proibição) é aplicável aos sistemas
eficácia determinante. 30 Se o autor conhece a ilicitude de seu
comportamento, não há como fundamentar a isenção de pena si Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Geral,
p. 226; J. Frederico Marques, curso de Direito Penal, n, ps. 236 e 240;
so R. Maurach, ob, cít., II, § 38, · II, B, p. 157. Salgado Martins, Direito Penal da Culpa como Centro do Novo Có-
digo Penal, s. Paulo, 1972, p. 29; Damásio E. de Jesus, Direito Penal,
1950, p. 356; Pettoello Mantovani, Il concetto ontologico del reato, I, p. 433 e Ricardo A. Andreucci, Coação Irresistível por Violência,
1954, p. 92; ip, .Albani, Il Dolo, 1955, p. 234; Alcides Munhoz Netto, Erro 1974, p, 104.
de Fato e Erro de Direito no Anteprojeto de Código Penal, in Rev. 32 No mesmo sentido, Damásio E. de Jesus, Direito Penal, I,
Eras. Crim. e Direito Penal, vol. IV, p. 55. p. 430. A solução implica em analogia in bonam partem, não vedada
A LCID ES M UNH OZ N ETT O A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 15

q uo mantêm a divisão legislativa entre erro de fato e erro de , ut rizariam a prática da ação delituosa (v. g., acredita-se
11 r ít auxilia a distinguir entre os erros de fato e de direito < m legitima defesa, por imaginar agressão inexistente);

d' n nhuma conseqüência sobre a punibilidade da conduta, d) erro de direito impeditivo da representação da típici-
também denominados erros acidentais (v. g. erro sobre a Iade é o que incide sobre elementos jurídico-normativos do
p ssoa, erro sobre o objeto e erro sobre a espécie e limites da tlpo, Só pertencem a esta categoria as expressões de natureza
p na) e erros de fato e de direito essenciais, isto é, relevantes .J urídíca utilizadas para individualizar um dos elementos cons-
para excluir ou atenuar a punição: a) porque impeçam a titutivos do delito. Não são elementos normativos do tipo, as
representação do autor da tipicidade do seu atual ou, b) referências à ilicitude da conduta, muitas vezes contidas na
porque o façam supor que não lhe seria exigível comporta- definição legal. Expressões como "indevidamente", "sem obser-
mento adequado à norma ou, e) porque não lhe permitam vância de disposição legal" ou "sem justa causa", são caracte-
perceber o antagonismo entre a ação e a ordem jurídica. Neste rísticas da antijurídicidade, que não se convertem em circuns-
~rntido: tâncias do fato, apenas porque assinaladas no preceito
a) erro de fato impeditivo da representação da tipicidade incriminador. 33 Dizem respeito à valoração do tipo, de sorte
é o que incide sobre as características constitutivas de deter- que sua não percepção pelo autor, pode implicar em ignorância
minado delito, impedindo o autor de perceber a correspon- da antijurídicidade, nunca em erro quanto à tipicidade. No
dência entre a ação que desenvolve e a conduta abstratamente erro por falta de representação do elemento normativo do
descrita em lei. Em tais hipóteses, por não perceber a reali- tipo, o autor não tem consciência de que seu atuar reúne as
dade, o autor supõe não estar praticando fato constitutivo características. da figura delituosa (v. g., apreendendo coisa
de ação típica (v. g., ao atirar num homem, tomando-o por alheia, que supõe transferida à sua propriedade, não imagina
peça de caça, não tem representação do homicídio que co- estar cometendo furto) ;
mete), ou imagina-se a praticar ação típica diversa da ação e) erro de direito impeditivo da representação de exigibi-
típica querida (v. g., por não perceber que insulta um funcio- lidade de outra conduta é o que conduz o autor, por errônea
nário público, crê-se cometendo injúria e não desacato); compreensão do direito, a supor-se compelido a ag:i'. r (v. g., o
b) erro de fato impeditivo da representação de exigibili- funcionário público acredita-se obrigado a cumprir ordem
dade de outra conduta é o que leva o autor, por equivocada hierárquica não manifestamente ilegal, por não perceber a
apreciação da realidade circunstancial, a supor-se compelido incompetência da autoridade que a emitiu) ;
a agir, para evitar mal grave a si ou a pessoa particularmente f) erro de direito impeditivo da representação da anti-
cara, imaginando-se, em conseqüência, isento de pena (v. g., juridicidade é o que incide sobre o comando ou proibição de
putativa coação moral irresistível); cujo descumprimento se origina o ilícito. 34 Tanto pode decor-
e) erro de fato impeditivo da representação da antijurí- rer do desconhecimento da norma, como de errônea crença
dicidade é o que decorre da suposição de circunstâncias que
sa Hans Welsel, ob. cít., p. 234; No mesmo sentido G. Delitalla,
em Direito Penal. V. Francisco A. Toledo, O Erro no Direito Penal, Il fatto nella teoria aenerale del reato, 1930, p. 448; Luiz Luízl, O Tipo
1977, p. 125 e J. Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ili- Penal e a Teoria da Ação Finalista, ps. 64 e 65.
citude em Direito Penal, 1969, p. 434. 34 R. Maurach, Tratado, vol. II, § 38, II; H. Welsel, ob. cít., p . .234.
Ili ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 17

pecíal situação de licitude. Abrange, portanto, além da l cada uma destas posições decorrem conseqüências impor-
ta de representação da ilicitude, a falsa representação de L ntfssimas, nem só quanto ao fator que é afetado nas des-
1 cítude, Em ambos: os casos, impede que o autor perceba que rrímínantes putativas por equivocada representação dos fatos
ua ação lesa a ordem jurídica e, sob tal aspecto, corresponde (se o dolo ou a censurabilidade), ou quanto à forma de trata-
o erro de proibição, que nada mais é que a designação mento do erro vencível (se punível em geral, ou só nos casos
abreviada do erro sobre a antijurídicidade do fato real. 35 m que a lei prevê a punição da conduta a título de culpa),
Há, entretanto, controvérsias acerca da classificação das como ainda quanto à própria estrutura do crime (se tripartida,
hipóteses de erro sub e e e, isto é, sobre o erro nas descrimi- com nítida separação entre tipicidade e antijurídicidade ou
nantes putativas fáticas e sobre o erro na obediência hierár- se bipartida, com a interpenetração destes dois elementos). É
quica. claro que esses relevantes problemas doutrinários só podem
As descriminantes utativas or falsa erce12ção da rea- ser satisfatoriamente resolvidos à luz do direito positivo, de
l~ e a ica, a princípio arbitrariamente equiparadas às reais cujas disposições deduzir-se-á, se, nas citadas descriminantes
causas de jJJ§.tificação, 36 ora são classificadas como erro sobre putativas, há erro quanto ao tipo ou ignorância da antiju-
o tipo, or como ignorância da antijurídicidade. Na primeira rídicidade.
~tegotia as.s· uam os que incluem no ti o delituoso, além Quanto à obediência hierárquica, há discordância quanto
de cter.ísticlas p.osllivas deduzida a defini ão do fato elo aos fundamentos da impunidade. Desprezada deve ser a teoria
r ceita ·ncrimin adQf, .e ementos.negatívos, constituídos ela que a trata como hipótese de cumprimento de dever legal,
ausência de.ca de justificação. 31 orno hi óteses de igno- circunscrita ao inferior, mas não extensível ao autor da
rância da...antijuri~icidade têm-nas os que restringem o con- ordem= É que tal construção leva à inadmissível conseqüência
ceito de tipo aos element s individualizadores da conduta de considerar o mesmo fato, a um só tempo, jurídico e antiju-
de~ituosa e proclamam que as causas de justificação não rídico. A solução, pois, deve partir da premissa de que a ação
eliminam a tipicidade, mas a ilicit:ude do comportamento. as desenvolvida pelo inferior é antijurídica, (tanto que admite
legítima defesa da parte de quem esteja para sofrer os efeitos
85
Hans Welsel, Derecho Penal Aleman (Parte General), trad. da execução da ordem). Em conseqüência, a isenção de pena
de J. Bustos Ramirez e Sergio J. Perez, 11.ª ed., 1970.
116
terá de se basear na exclusão da culpabilidade, decorrente,
Acerca da equiparação do putativo ao real e de sua crítica
v. Nelson Hungria, A Legítima Defesa Putativa, 1936, ns. XV e xvr:
p. 96 e segs, 39 Bellíng, Esquema de Derecho Penal, trad. S. Soler, 1944, p. 28;
87
Bettiol, ob. cit., p. 227; Antolisei, Manuale de Diritto Penale, 1950, I,
A teoria dos elementos negativos do tipo desenvolvida na p. 528; S. Messina, L'ordine insincicabile dell'autorita, 1942; Galdino
Alemanha por Merkel, Frank, Baumgarten, Zimmerl, Radbruck e En- de Siqueira, Tratado de Direito Penal, 1947, I, p. 361; Basileu Garcia,
gisch, é seguida, na Itália, por Vannini, Grispigni, Nuvolone, Gallo, Instituições de Direito Penal, 1951, I, p. 290.
Venditi, Spasari, Siniscalo, Pagliaro, Maliverni, Azzali, Písaní, Pia-
cenza, Boscarelli, Dell'Andro e Siracusano. Cf. Carlo Frederico Grosso vaní, Il Concetto Ontologico del Reato, p. 92; Pannain, Gli elementi
L'errore suue Scriminante, 1961, p. 26, n. 32. ' e accidentali del reato, 1936, p. 109 e segs.; De Marsico, Coscienza e
as H. Welsel, ob. cít., 11.ª ed., p. 236; R. Maurach, ob. cít., n, Volontà nella Nozione del Dolo, 1930; Enrique Cury, Orientacion
§ 37, I e E; Pecoraro Albani, Il Dolo, ps .. 234 e segs.; Pettoello Manto- para el estudio de la teoria del delito, 1973, ps, 46 e 78.
Ili ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MA'l' IH/\ l l•,N 1, 111

p1 n alguns, da falta de conhecimento do injusto pelo inferior onhecimento do dever de agir em determinada ltu • 10, ht 111
Ili rárquíco 10 e, para outros, da inexigibílídade de outra con- como, a crença numa especial permissão para a n II l
<f uta. "' A ignorância da antijurídicidade será invocável, Na rimeira hi ótese isto é, de abstrato desconn ,cl1t11 1 ) 1
qu ndo se entenda não ser vinculante a ordem, ainda que to da norma, 0 autor i nora o a to normativ rt 1, 011
ão manifestamente ilegal, pelo que o subordinado só se
p derá escusar pela boa fé, ou seja, por ter agido na crença
seja, 0 comando ou proibição informativ.os .do preceit .1. / :m ~
dera O seu atuar como indiferente ao direito. É o qu 011
d proceder conforme ao direito, ante a falta de conhecimento ria, v. g., com o estrangeiro, natural de pais ,em. qu ru
da ilegalidade da determinação superior. A inexigibilidade de incrimina o porte de entorpecente para uso propno, qu
outra conduta será a causa da exculpação, se a bem da hierar- xesse, para seu consumo, pequena quantidade de tóxí
quia e da eficiência do serviço público, considerar-se obriga- dente da probição estabelecida pela lei brasileira.
tória a ordem não manifestamente ilegal, independentemente
Em caso de ignorância abstrata por-ª..esconhecim nto d 1
do juízo que dela faça o subordinado. Em tal hipótese, a
validez da norma nenal..,..o_auto supõe que a ação, rmnl
ameaça da sanção administrativa é que terá determinado a
mente incriminada, deixou de ser delituosa, por P r t <11
ação do destinatário da ordem, apresentando-se esta compul-
vigência da lei tipificadora, em virtude de, ~cons~itu ~ n .tl
são como fator de ínexígíbílídr de. A extensão do dever de
dade ou de derrogação. Exemplo desta especie de ign 1 tl< 111,
obediência no serviço público, estabelecida pelo ordenamento
seria o de quem estipulasse, em contrato de mútuo, J 111·0
jurídico, é que deve ser examinada para fixar-se a correta
superiores à taxa de 12% ao ano, por acredita~, ~u~d d . i·
classificação da excludente de culpabilidade em apreço. De
precedentes judiciários, ter sido revogada a lei limitad I t,
tal classificação decorrerá a natureza do erro; se de proibição
ou de exigibilidade. • A ignorância concreta por desconhecimento do d v r d1
agir apresenta-se quando o autor, embora sabe~do d
10. A ignorância da antijurídicidade pode ser abstrata tência do comando ou proibição genérica, acredíta-s 1
ou concreta, conforme desconheça o autor a proibição ou mado a omitir-se em conseqüência de errônea perc pç o do
comando genéricos, ou suponha, que nas circunstâncias em direito. Em tal situação achar-se-ia, v. g., o médico m v 1·11
que se encontra, a sua ação ou omissão revestem-se de licitude. neio, que deixasse de denunciar à autoridade pública, do ' ,. '
Como espécies de ignorância abstrata devem ser considerados de notificação compulsória, por entender-se a tanto d .'oi 1·
o desconhecimento da norma penal e o desconhecimento de gado, em virtude de estar em fé rias.
sua validez e como modalidades de ignorância concreta, o des- Analogamente, na concreta ignorância por sup
causa justificante, o autor também conhece a norm
Mezger, ob. cít., I, p. 441 e II, p. 203; R. Maurach, ob. cít., II,
1
- 0

§ 38, II, B, p. 156; Nelson Hungria, Comentários, I, n. 90, p. 426; A. 42 Há julgados no sentido de que o Dec. n.0 22.626, d 103:1, 11111
Bruno, ob. cít., II, p. 553. fixou em 12% o máximo da taxa de juros, foi revog d PI I t., 1
41 Eberhard Schmidt, Einführung in die Oeschichte der deuts- n.? 4.595, de 31.12.1964, por atribuir esta ao Cons Ih Mc111t.11l11
chen Strafrechtspflege, 1951, p. 59, apud R. Maurach, ob. cít., II, § 38, Nacional a competência para a fixação dos limites d [ur , nu 11111
II, B, n. 800, p. 156; Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, rações financeiras. Cf. Rev. Tribs. 417/391, ADCOAS, oi. d1 ,1111 I
Parte Geral, 1976, p. 230. prudência, 1971, n. 3. 090, p. 296, entre outros.

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BIBLIOTECk, CLN 11 'AI
1 ()
ALCIDES MUNHOZ NETTO A ION RÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 21

11 r que um direito prevalente legitima o seu atuar. Assim· vtu nte à certa figura penal. 43 No plano negativo, as coisas
a) n gestante, que, por ter íngerãdo droga prejudicial ao de- , n se passam diversamente: da mesma forma que o conheci-
nv lvimento do feto, concordasse com a interrupção da nto da lei, privativo a um.reduzído número de pessoas não
vldez, por entender permitido o aborto eugenésíco, ou, b) 0 confunde com o conhecimento do contrário ao direito,
h teleíro que encarcerasse, por algumas horas, uma criança 1 acessível a todos os destinatários da norma, também a igno-
1
mal educada, pensando ter direito de correção sobre filhos/ rância da lei não se confunde com a ignorância da antíjuri-
alheios, ou ainda, e) o agredido que revidasse ataque passado, dlcidade. 44 Esta não reside no simples desconhecimento do
na suposição de ser legítima a defesa contra agressão consu- preceito legislado, mas no desconhecimento de que se realiza
mada. Note-se que tais situações diferem das de descriminantes algo proibido, reprovável pelo Direito Penal, infringente de
putatívas por erro de fato, por isso que o equívoco do autor brígações jurídicas. Não se nega que, em sentido amplo, des-
versa, não sobre a realidade circunstancial, mas sobre a exis- onhecer a lei possa implicar em não saber da existência da
tência, natureza ou extensão de uma causa descriminante norma que impõe ou proíbe determinado comportamento. Mas,
prevista em lei. tem-se de reconhecer também, que tal conseqüência não é
constante nem obrigatoriamente necessária, pelo que, igno-
Todas as espécies de ignorância a antijurídicidade acima
rância da lei comporta conceito mais restrito que ignorância
referidas devem ser equiparadas para o efeito de um trata-
da antijurídicidade.
mento penal uniforme, tratamento este que como se verá
Adotadas tais premissas, segue-se que, se o autor somente
liga-se à posição que se atribua à consciênci; da ilicitude n~ desconhecer a medida da punibilidade de sua conduta, seja
estrutura do delito (infra n.o 27).
quanto à espécie, seja quanto à quantidade da sanção, tal
desconhecimento será irrelevante, aptícando-se-lhe o princípio-
11.Distingue-se a íg orância da antijurídicidade da do errar criminalis nocet. Mas, se o autor não possuir o-
ig~or~~cia d~. lei. Essa distinção é útil para impedir q~e 0 conhecimento de que, pela vontade do direito penal, a conduta.
p~11:c1p10 político da irrelevância do errar iuris conduza à pu- não poderia ter lugar, este erro, se invencível, deverá reves-
mçao de condutas inculpáveis. A diferença reside em que a tir-se de eficácia.
ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legís-
lados, ao passo que ignorância da antijuridicidade é o des-
con~ecimento de que a ação é contrária ao direito. Por ignorar
a lei, .pode o autor desconhecer a classificação jurídica, a
quan~1dade da pena. ou as condições de sua aplicabilidade,
possuindo, contudo, representação da ilicitude do comporta-
mento. Por ignorar a antijurídicidade, falta-lhe tal represen-
tação. As situações são, destarte, distintas, como distinto é 0 43 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1949, vol. I.
conhecimento da lei e o conhecimento do injusto. o conheci- p. 321; J. Salgado Martins, Sistema de Direito Penal Brasileiro, 1957,
mento de que uma ação é ilícita pode se verificar independen- § 127, p. 199.
temente do conhecimento de que a ação corresponde objetí- 44 J. e. Roda, ob. cit., p. 44.
,

CAPÍTULO II

HISTÓRICO

12. Fase pré-subjetiva e Grécia. 13. Direito Romano.


14. Direito Bárbaro e Direito Canônico. 15. Direito Esta-
tutário. 16. Movimentos de codificação. 17. A doutrina
dos clássicos. 18. A orientação positivista. 19. O Direito
Brasileiro. 20. A tendência revelada.

Esta pesquisa histórica relaciona-se à ignorância da anti-


juridicidade por inciência da norma ou sua má compreensão.
:É neste setor que as controvérsias se acentuam, apresentando,
assim, o seu exame maior interesse, para que o direito preté-
rito auxilie a compreensão do direito atual. Já quanto ao
• desconhecimento da ilicitude por equivocada representação
dos fatos, sempre foi mais pacífica a admissão da sua eficá-
cia, 1 sendo pois, dispensável analisar a respectiva evolução.

12. Nas mais remotas manifestações do Direito Penal não


deve ter surgido o problema da ignorância da antijuridicidade.
As primitivas formas de repressão ao crime não atenderiam
ao seu conteúdo subjetivo. Nos antigos clãs, a imposição da
perda da paz inspirava-se, com certeza, na preocupação de
livrar o grupo da ira da divindade ofendida pelo crime de um
de seus membros. Decorrendo de tabus, era natural que estas
formas de reação ao delito se ativessem apenas aos seus as-
pectos exteriores. Também para a vingança de sangue e para

1 Luiz Jimenez de Asúa, Tratado, n.0 1. 823, vol. VI, p. 685.

532 - 3
ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 25
ompositio, o decisivo era o resultado que lhes fixava a
m ida. 1,1 •ul · , em decisões a que os comentaristas e escritores
víer m dar força e valor de verdadeiros princípios absotutos. s
O direito do oriente, por igual, não poderia se ocupar do
rtamente, por isso é que existem tantas disputas entre os
t ma. A pena sacral recaía sobre atos praticados ou não, em
e'. t idíosos, a respeito do tratamento, em Roma, da ignorância
condições de imputabilidade, de sorte que seria indiferente a antijurídicidade em matéria penal.
circunstância do sujeito conhecer ou não, a proibição.
Para Savigny, ao lado de delitos fundados somente sobre
Com maior sensibilidade ética, os gregos tiveram cons- produção de um fato exterior, em que a liberdade do agente,
ciência do problema. Embora sejam precárias as informações mbora exigível, aparece como secundária, a exemplo do que
sobre o seu direito penal, a literatura nos dá notícias da men- ucederia com o homicídio, existiam outros delitos, no con-
talidade de seus pensadores. Quanto à ignorância da ilicitude, ito dos quais, entre OS' elementos do fato, seria requerida
Aristóteles considerava inadmissível a escusa dela decorrente. a injusta vontade e, portanto, também a consciência da viola-
Não obstante reputasse contrário à natureza das coisas o ão do direito, cuja falta impediria a caracterização do crime.
conhecimento geral das leis, entendia que a ignorância não
Nestes, nem mesmo seria possível distinguir se o erro justifi-
poderia ser eficazmente invocada, já que traduziria uma culpa,
cava-se ou não pelas circunstâncias e, pois, se se tratava de
ante o dever e a possibilidade de conhecê-las. 2
rro de fato ou de direito. O dolo seria um fato, cuja existência
ficaria excluída por qualquer espécie de erro. Contudo, preva-
13. À acuidade jurídica dos romanos não poderia passar
lecia a seguinte distinção: se o agente conhecia a lei penal,
desapercebida a questão, com todas as suas implicações sobre
mas por erro de direito, enganava-se sobre a qualidade punível
. o conteúdo da vontade delituosa. Desde a lei das XII tábuas,
de seu ato, excluía-se o dolo; não assim no que se referisse ao
emprestavam eles relevo o nexo subjetivo que deve existir
conhecimento da lei penal, requerido e pressuposto em todos
entre o autor e o fato punível. 3
e cuja falta não anulava o dolo nem a punibilidade. Deste
Sobre a maténa não se construiu, porém, um sistema.
rigor seriam excetuadas apenas certas classes de pessoas às
Neste particular, como em tantos outros, o que os romanos
quais, em geral, se perdoava também a ignorância da lei; ta-is
fizeram não foi dar regras gerais, senão resolver casos par-
eram os menores, as mulheres, os rústicos e os militares.
2 "Legislatores eos, quí mala perpetrant, castigant ac puniunt, si Mesmo estas classes, porém, só seriam excetuadas relativa-
tamen necque vi coacti ea agerint necque ea ignoratione cujus ípsí mente àquelas leis penais que possuíssem natureza positiva
sibi causam non exibuerint. Ob ignorationem etíam puniunt si síbí (iuris civilis) e não quanto às que já se revelassem ao senti-
ípsí ignorationis causa quíspíam fuisse videtur. Eos queque puniunt, mento jurídico natural de cada um (iuris gentium). 5
qui aliquid eorum ignorant, quae ad leges pertinent, quae quidem
et sciri debeant et difficilia non sint" (Ac Nicomach: Lib III, e. 7), 4 Pedro Dorado, Sobre la ignorancia de la lety penal, in Proble-
Alfredo Sandulli, Ignoranza della legge penale, in La Giustizia Penale,
mas de Derecho Penal, 1895, p. 456; Cbntardo Ferrini, Diritto Penale
vol. 43, parte II, col. 1.460, 1937.
Romano, 1899, p. 145.
a Segundo Maggiore, das doze tábuas é esta sentença: si quis
5 F. K. Savigny, Errore ed ignoranza, in Sistema del Diritto
liberum hominem dolo sciens mortí druit, parricida est", D. Penale,
Romano Attuale, trad. de Vittorio Scialoja, 1900, apêndice VIII,
I, p. 448.
vol. III, p. 500.
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 27
A L CID ES M UNHOZ N E T TO

De maneira análoga, Ferrini sustentou que os juristas


Mommsen, elaborando sua doutrina com o método da
romanos não admitiam o dolo em quem houvesse agido em
regra e da exceção, sustentou que o princípio geral era o da
pl na ignorância da norma, advertindo, no entanto, que tal
irrelevância da ignorância da ilicitude para os efeitos de puni-
l norância só era admissível quanto aos delitos de mera cria-
bilidade, salvo algumas exceções. A irrelevância decorreria
cão política ou quanto àqueles em que o fundamento natural
nem só de pressupor o delito a violação da lei moral, sobre a
não era evidente. Nos outros casos, poderia alguém ignorar
qual repousa a lei penal, o que determinaria uma presunção
lei e a pena, mas não ignorar a ofensa ao direito alheio ou
de seu conhecimento, como também da aplicação, às violações
às normas de convivência civil. 9
de leis que não se revestissem deste caráter ético, da regra de
Tais opiniões não são compartilhadas por Volterra, para
direito privado, de que o homem em seus afazeres comuns, é
quem, no período clássico, não prevaleceriam tais exceções ao
obrigado a conhecer a lei do Estado, pelo que, toda a violação
princípio da irrelevância do error juris. Só em época ulterior,
desta, mesmo inconsciente, representa uma culpa. As exceções
é que surgiría certa tolerância com o desconhecimento da
fundar-se-iam em estarem as m heres e os rústicos isentos
ilicitude, especialmenle quanto a mulheres, menores, soldados
dessa obrigação, de sorte que, quando infringissem uma lei
ou rústicos. 10 Essa dout:rina, ao tempo de Justiniano, estaria
penal não fundada na ética, dever-se-ia, supor que a ignora-
tão arraigada,
ao espírito jurídico, que os compiladores cheza-
b
vam e escusá-los. 6 rama alterar os textos clássicos, para introduzir a declaracão
Binding, ao contrário, supunha encontrar nas fontes
do princípio da relevância.'! ,
romanas a confirmação de sua tese de que o dolo pressupõe
Como regra geral da inescusabilidade da ignorância do
a consciência da norma penal, com a colocação num mesmo
ilícito costuma-se citar um fragmento de Paulo, contido na
plano do error facti e do error juris. Sustentava que as ex-
lei 9, do título VI, do Digesto, segundo o qual, só o erro de
pressões dolo malo, sciens olo malo, encontradas nos textos
fato não prejudica. 12 A razão do princípio decorreria de ser
com ba.stante freqüência, 7 equivaliam a sciencia juris, enten-
o direito de então, um conjunto de normas expressas e bem
dida esta como conhecimento da norma, mas não como conhe-
definidas, pelo que seria mais fácil o conhecimento da lei, que
cimento de suas conseqüências jurídicas ou da respectiva me-
dos extremos de fato de um crime. 13 Impugna, no entanto,
dida. A sciencia juris seria compatível com a ignorância da
lei penal, quando o agente não ignorasse ofender a norma. s 9 Ferrini, ob. cit., p. 121/2.
1 º Apud Vicenzo Manzini, ob. cít., nota 5, n. 290; A. Sandulli,
6 Théodore Mommsen, Le Droit Penal Romain, trad. de J. Du- ob. cit., col. 1. 462; S. Piacenza, ob. cit., p. 62.
quesne, 190-7, vol. I, p. 107. 11 Osservazioni sull'ignorantia iuris nel diritto penale romano,
7 Nota Ferrini que "dolo maio", "sciens dolo maio", aparece nos in Bolletino dell'Istituto di diritto romano, 1930, p. 77.
monumentos legislativos, especialmente nos mais antigos, com grande 12 Dig. XXII, VI, De juris et facti ígnorantía, 9: "Regula est,
freqüência e regularidade: fr. Iex latina bant. e .. II e III; lex Acilia 1, iuris quidem ignorantiam cuíque nocere, facti vero ígnorantíam non
10, 22, 61; lex Mamilia e. V; em muitos lugares da lex Quintia, da nocere", in Corpus turis Civilis, Impressio sexta, Lipsiae, 1854.
lex Iulia Municipalis, da lex Coloniae Genetivae (125, 126, 127, 129, 13 Dig. XXII, hoc tit., 2: "In omni parte error in iure non
132) da Iex Malacitana etc., in ob. cít., p. 80. eodem loco, quo facti ígnorantía haberi debebit, quum ius finitium
s Karl Binding, Die Normen und ihre tmertretuna, 1918, § 152, et possit esse, et debeat, facti interpretatio plerumque etíam pruden-
apud Pascuale Voei, L'errore nel Diritto Romano, 1937, p. 179. Ver
tíssimos fallat".
também Ferrini, ob. cit., p. 145.
ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 29
,, nini a aplicação desta regra ao Direito Penal, uma vez
no título de casualibus homicuiiis uma semelhante declaração
q u , como já notara Pernice, a frase não seria oportuna a
d Modestino, constitui por si só um indício de notável impor-
xprimir a subsistência de conseqüências penais. 14 Para Per-
tância para demonstrar a convicção do autor da Collatio sobre
nice, a prova de que a irrelevância do erro de direito, ~esmo
irrelevância da ignorância de direito em relação ao homicí-
quanto aos delitos, seria expressa de modo geral, estaria no
dio. Como o autor da Collatio era, porém, um post-clássico e o
fr. 11, § 4, D. 3. 2 e na passagem de Modestino, constante da
texto é concebido de modo geral, parece evidente a intenção
Coll. 1, 12, 1. 15 Quanto ao primeiro texto, escreveu Ferrini,
de não referi-lo apenas ao homicídio, para o qual não seria
que não se contém ali um princípio geral, mas apenas a solu-
necessário. Todavia conclui Voei - o texto em exame não é
ção de um caso concreto, em matéria de polícia e não de
genuíno. As suas incorreções são tais, que mesmo o adversário
Direito Penal. Tratar-se-ia da nota ínfarnante em que se
mais ferrenho do método ínterpolacíonístíco deve reconhecê-
incorre pela ignorância do édito, falta indigna para um cida-
-las. O estilo post-clássico é traído em quase todas as palavras.
dão honrado. 16 Relativamente à passagem da Collatio, obser-
Nonunquam ou é uma demasia ou quer significar, segundo a
vou o mesmo autor, que o texto é sobretudo obscuro e ignora-
interpretação de Savigny, que a eficácia descriminante do
-se a que gênero de delicta se referisse. Binding argumentara
errar facti deve ser afírmada só para OS' delitos dolosos e não
com a rubrica do título da Collatâo e estimara que Modestino
para os culposos. Iuris cioüis venia é uma figura de retórica. 18
discorria sobre o homicídio, observando que seria impossível
Em face das dívergêncías a que acabamos de aludir, verifica-se
ignorar a norma que o veda. Mas, na sua obra, Modestino
que não é pacífica a opinião de que um enunciado genérico
ocupava-se de coisa diversa. Não tinha por certo em vista os
sobre a irrelevância da ignorantia iuris possa ser encontrado
delitos públicos e as leis iudiciorum publicorum, pois, do con-
nas fontes. No Corpus Iuris, as decisões particulares, ora con-
trário, não teria falado de ignorantia iuris civilis: ius civile
cluem pela sua irrelevância, ora pela sua eficácia escusante.
indica o direito civil privado. 17 Consoante Pa.scuale Voei, Estabelecia-se, com efeito, 19 que quem desposass e uma viúva,
também suscita o exame do texto a questão preliminar de no ano de luto, incorria em infâmia, podendo-lhe valer apenas
saber a que hipóteses referia-se Modestino. Não concorda em a ignorância de fato, mas não o erro de direito. 20 O liberto
que o fragmento se ocupasse do efeito da ignorantia iuris no que julgasse lícito exercitar uma in ius vocatio contra o
âmbito do direito privado, porquanto o fato de se encontrar
18 P. Voei, ob. cít., p. 185.
14 Pernice, apud Ferrine, ob. cit., p. 146. 10 Savigny, Sistema, p. 509 e segs.
rn Dig. III, II, De his, quí notantur infamia, 11, § 4: "Notatur
20 Díg. m, n, De his qui notantur infamia: "Praetoris verba
etíam, qui eam. duxit, sed si sciens: ígnorantía ením excusatur non
dicunt: Infamia notatur, qui ... eam, quae in potestate eius esset,
iuris, sed facti"; Coll. 1, 12 .1: "Nonnunquam per ígnorantíam delín-
genero mortuo, cum eum mortuum esse sciret, intra id tempus, quo
quentibus iuris civilis venta tribui solet, si modo rem facti quis, non
elugere virum morís est, antequam vírum elugeret, ln matrimonium
íurís ignoret: quae scilicet consílio delinquentibus praestari non
collocaverit, eamve sciens quis uxorem duxerit, non íussu eius, in
solet. Propter quod necessarium est addita distinctione considerare,
cuius potestate est; et qui eum, quem in potestate haberet, eam de
utrum sciente an ignorante aliquo quid gestum proponatur", apud
P. voei, ob. cit., p. 185.
qua supra complehensum est, uxorem ducere passus fuerit; quive
10 Ferrini, ob. cít., p. 146. suo nomine, non iussu eius, in cuíus potestat esset, eiusve nomine,
11 Ferrini, ob. cit., p. 147. quem quamve ln potestate haberet, bina sponsalia binasve nuptias
in eodem tempore constitutas habuerit".
ao ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 31

patrão seria punido, não podendo aduzir em sua defesa nem Os textos que consideravam a ignorantia iuris como
m mo a total falta de cultura, porque o próprio sentimento idônea razão de escusa, podem ser classificados em quatro
natural do obséquio deveria impedi-lo. 21 Ao tutor, sob ameaça grandes categorias: os que atendiam à espécie da lei ignorada;
de pena, vedava-se desposar ou fazer o próprio filho desposar os que relacionavam a escusa à natureza do ato contrário à
aquela que foi sua pupila e não o liberava da pena nem a lei; os que levavam em conta a qualidade das pessoas e, final-
imperitia nem a rusticitas. O senador que casasse com uma mente, os que faziam a escusa depender de outras circunstân-
liberta estava sujeito à pena, se procedia sciens dolo, 2: e na- cias conjugadas. 26 Entre os casos em que se atendia à natureza
turalmente não lhe servia de escusa a ignorância da lei, mas da lei ignorada, figura o da isenção de multas e penas seme-
somente o erro sobre a condição da mulher, desde que tal lhantes, para quem cometesse uma contravenção municipal,
erro fosse inevitável e, portanto, não reprovável. 23 Proclama- em erro quanto à lei a ela relativa. 27 A escusa decorria da
va-se, ainda, a irrelevância da ignorantia iuris em matéria de natureza do próprio ato, quando, para o crime, era exigido o
contrabando 24 e relativamente a quem ao receber o ditado conhecimento da lei, de sorte que, se tal conhecimento faltava,
de um testamento, escrevesse algum legado em seu próprio o agente eximia-se de pena total ou parcialmente. Assim, o
favor. 25 magistrado que sentenciasse contra o direito era castigado, se
o fazia com dolo; porém, se o fizesse por imprudência do
2
1 e. II, II, De in ius vocando, 2: "Venia edicti non petita, patro- assessor, ficava isento de pena, que só recaía sobre este. 28 Re-
num seu patronam, eorumque parentes et liberas, heredes insuper,
etsi extranei sint a llbertis seu liberis eorum non debere in ius vocari,
as L. J. Asúa, Reflexiones, p. 27, Tratado, VI, n. 1. 759, p. 36,2;
ius certíssímum est; nec in ea re rusticitati venia praebeatur, quum
Constante Amor Neveiro, La umorancia de la lfJy en el Derecho Penal
naturali ratione honor huíusmcdí personis debeatur".
Romano, 1914.
22 Dig. XXIII, II, De ritu nuptiarum, 44: "Qui senatur est, quive 27 Dig. L, IX, De âecretis ab ordine faciendis, 6: Municipii
filius, neposve ex filio, proneposve et filio nato cuius eorum est, erit, legem ita cautum est ... quaesitum est an poenam sustinere debeat,
ne quis eorum sponsam uxoremve sciens dolo malo habeto libertinam, qui ignoarans adversus decretum fecit. Respondit huiusmodi poenas
aut eam quae ípsa, cuiusve pater materve artem ludicram facit, adversus scientes paratas esse".
fecerit; neve senatoris filia, neptisve ex filio proneptisve ex nepote ss Segundo Asúa, os casos em que a escusa decorria da natureza
filio nato, nata, libertino eive, quí ipse cuiusve pater materve artem do próprio ato foram assinalados pela primeira vez por Amor Neveiro
ludicram facit, fecerit, sponsa nuptave sciens dolo malo esto; neve (ob. cit., ps. IX e X) ; Tratado, VI, n. 1. 759, p. 363. Dig. II, II, Quod
quis eorum dolo malo sciens sponsam uxoremve eam habeto". quisque iuris ... , 2: "Hoc Edicto dolus debet ius dicentis puniri; nam
2ª Dig. XXII, VI, De iuris et [acit ignorantia, 6: "Nec supina si Assessorís ímprudentia ius aliter dictum sít, quarn oportuit, non
ignorantia ferenda est factum ignorantis, ut neque scrupulosa ínquí- debet hoc Magistratui officere, sed ipsi Assessori".
sitio exigenda; scientia ením hoc modo eastímanda est, ut neque
negligentia crassa, aut nimia securitas satis expedita sit, neque dela- legi Corneliae, ut si quis, quum alteríus testamentum vel codicillos
taria curiositas exigatur". scríberet, legatum sibi sua manu scripserit, proinde teneatur, ac si
24 Dig. XXXIX, IV, De publicanis et vectigalibus et commissis, commísísset in legen, Corneliam, et ne vel iis venia detur, qul se
16, § 5: "Licet quis se ignorasse dicat, nihilominus eum in poenam ignorasse Edicti severitatem praetendant. Scribere autem sibi íegatum
vectigalis incidere Divus Hadrianus constituit". videri non solum euro, quí manu sua id fecit, sed etiam quí per
25 Dig. XLVIII, X, De lege Cornelia de falsis, et de senatu- servum suum vel filium, quem in potestatem habet, dictante testatore
consulto Liboniano, 15: "Divus Claudius Edicto praecepít, adiiciendum legato honoratur".
:1• ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 33

J t vam nte às qualidades pessoais, estatuía-se que, em certos morto fossem submetidos à tortura, a fim de que a tortura
rim s, o erro de direito só aproveitava às mulheres, aos meno- não fosse impedida pela manumissão destes, que poderia estar
. s, aos rústicos ou aos soldados. Sob ameaça de pena, veda- contida no testamento. 30 A pena à infração desta regra de-
vá-se aos acusadores retirar suas acusações, sem a abolitio do pendia do dolo do agente e admitia-se a isenção pela rustici-
magistrado, mas as mulheres e os menores liberavam-se da dade. 31 Os soldados, quando incluíssem em testamentos que
pena pela ignorância de direito. 29 O testamento de quem fosse lhes fossem ditados, disposições em seu próprio favor, ficavam
assassinado não podia ser aberto antes que os escravos do em geral isentos de pena. 32 Como hipótese de escusa decor-
rente da reunião de várias circunstâncias, pode-se apontar a
~- ~ig. XL:VIII, XVI, Ad Senatusconsultum turpillianun et de do tratamento do incesto, que era proibido pelo direito romano
abolztzonzbus
. . criminurn., 1 , § 10 ·. "Accusatíone m 1s · t u Iít
· 1n 1 , qul praes- e pelo direito das gentes. 33 O erro de direito excepcionalmente
críptíone summovsrí poterat, ut quilibet adulterii masculo post quin- poderia servir de escusa às mulheres, se o incesto fosse iuris
que annos. continu~s ex dle commíssí adulterii, vel feminae post sex
civrilis, não gentium, ou seja, cometido com colat:erais e não
mens_es utdles ex díe divortii; an si destiterit, hoc Senatusconsulto
plectí debet, belle dubitatur. Movit, quod paene nulla erit accusatio com ascendentes ou descendentes. Também aos menores do
quam tempo~is spatíum, aut personae vitium omnímodo removeret' sexo masculino, em matéria de incesto, o erro de direito pode-
reoque se~untatem timoris ac perlculi promitteret. Contra movet. ria valer, com as mesmas limitações. 34
quod qu_ahscumque accusatío illata, cognoscentis auctoritate, no~
accusantís :oluntate aboleri debet; maioreque odlos dlgnus exístí- 3o Dig. XXIX, V, De Senatusconsulto Silaniano et Claudiano,
ma:etur, qui temere ad tam improbam accusatíonem processisset, ergo quorum testamenta ne aperiantur, 25, § 2.0: "Ex hoc Edicto actio
verrus est eum quoque de quo loquímur in senatus consultum incidere proficiscltur contra eum, qui adversus Edictum Praetoris tabulas
oporter~. Adquin Papinianus respondit, mulierem, quae idcirco ad falsi testamenti aperuisse dicetur, vel si quid allud fecisse dlcetur; nam,
accusationem non admitteretur, quod suam suorumve iniuriam non ut ex supradictis apparet, plura sunt, propter quae poena Edicti
persequeretur, desistentem Senatuscorumlto Turpilliano no plectl. constituta est. Palam est autem, popularem actionem esse, cuius poena
Num ergo et in. ceteris idem responsurus sit?. Quld ení1m 1n · t eres,
t in centum aureos ex bonls damnati extenditur; et inde partem dimi-
propter sexus mfirmitatem an propter satatus turpi·tudi t diam ei, cuius opera convictus erit; praemii nomine se daturum
. f" nem em-
porrsve mem ad accusationem allquam non admittatur? M lt Praetor pollicetur, partem in publicum redacturum".
· I . u oque
mag1~ exc udendl sunt quod mulieris quldem accusatlo vel propter 131 Dig. XXIX, V, hoc tlt. 3, § 22: "Et si sciens, non tamen dolo
propnum eius dolorem effectum habere potult, lllorum vero accusatio aperuit, aeque non tenebltur, si forte per imperitiam, vel per rustici-
vo_ce dumtaxat tenus intervenit. Adquin idem alias scriblt non posse tatem ignarus Edicti Praetoris vel Senatusconsulti aperuit".
ahquem duos eodem tempore adulterll accusare, marem et feminam e. IX, XXIII, De his qui sibi adscribunt in testamento, 5:
e: tamen, si utrique simul denuntiaverit, in utrlusque persona aboli~
32
"Quod adhibitus ad testamentum commiliotonis scribendum, lussu
eius servum tibi adscripsisti, pro non scripto habetur et ideo in lega-
t10~em eum petere debere, ne in hoc senatus consulto incidat. Quid
pono refert, propter causas supra secriptas accusatio non valuerit an t.um petere non potes. Sed secutos tenorem induslgentiae meae
propter numerum personarum non tenuerlt? An haec intersint poenam legis Corneliae tibi remittitur, in quam credo te magis errore,
plenam habuerit aliquis accusandl facultatem, sed propter persona~ quam malitia incidisse".
ru~ con_iu_nctionem ab accusatione summoveatur, an vero stricta 33 L. J. Asúa, Reflexiones, p. 34.
r~t10ne qmbusdam accusandi facultas non competat? Merito itaque 34 Dig. XLVIII, V, Ad legem Iuliam de adulteriis coercendis, 38:
d1cendum_ est omnes excepta muliere et minore nisi abolitionem "Si adulterium cum incesto commitatur, utputa com privigna nuru,
petierint, in hoc senatus consulto incidere" ' · nocerva, mulier similiter quoque punietur; id enim remoto etiam
31 ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 35

Ao lado destes casos de eficácia do erro sobre a proibição,


intenção de lucrar, de sorte que não o cometia quem tomasse
reconhecia-se relevância ao erro de direito extra-penal. Quando ' · 39
a lei não penal fosse o fundamento prévio da norma punitiva, a coisa alheia por propna. .. . .
a ignorância a respeito dela equiparava-se ao erro de fato, Como a excepcional escusa da ignorânci~ _da ant1J';1r;d_1-
eliminando o dolo. 35 Assim, não era punido por furto, o usu- cidade relacionava-se sempre à sua desculpabll1dad~, cnte:w
frutuário de uma escrava que dispusesse dos filhos desta também adotado quanto ao erro de fato, Jorge Figueir_e~o Dias
nascidos, julgando-os de sua propriedade. 36 Também não se extrai dos textos romanos a conclusão de que o dec1~1vo, e:a
reconhecia qualquer delito relatd.vamente a quem se apoderasse o caráter censurável ou não do erro e afirma: ":m prmc1p1:,
0 erro de fato releva porque é em regra _desculpav,el, :, ~ er o
de coisa pertencente a vivo, na errônea suposição de que fizesse
parte de herança não arrecadada 37 ou de que se tratasse de de direito não releva porque é em regra mdesculpavel . 0
coisa abandonada. 38 Ao crime de furto era indispensável a
14. Com a queda do Império Romano, ces~ou,, ~empo-
·amente a preocupação com o elemento p:ncolog1co do
35 V. Manzini, ob. cit., n. 290; L. J. Asúa, Reflexiones, p. 30; raTI ' · • · a da ilici
s. Piacenza, ob. cit., p. 63. cr1me ao qual se relaciona a matéria da 1gnoranc1 · -
36 Gai. 2, 50: "Item si is ad quem ancillae usufuctus perinet tude. 'objetivista, 0 direito bárbaro não dava qualquer relevo
partum etíam suum esse credens uendiderit aut donauerit, furtum ao conteúdo moral do delito. o "Wehrgeld" era caku~ado em
non committit; furtum enín sine affectu furandi non committitur". atenção ao resultado e também à categoria do ofendid?, ~ua
Ver também: Inst. 4, 2, 1, § 1.0, e Dig. XLI, III, De usurpationibus idade e sexo. Somente com o fortalecimento, do poder _P~~llco,
et usocapionibus, 36, § 1.0•
atrave's da fundação da monarquia franca, e que o cnter10 da
37 Díg. XLVII, II, De Eurtis, 83: "Si quis ex bonís eíus, quem , . - • 41 Opa-
culpabilidade comecou a influir nas dec1soes penais.
putabat mortuum, quí vívus erat, pro herede res adprehenderit, eum
furtum non facere". gamento do "Friede~sgeld" (Fredus)' forma primitiva de pena
38 Díg. XLVII, II, hoc tít. 46, § 7: "Recte dictum est, qui putavít, pública, já se subordinava à intencfonalidade do ~ano c~us~o.
se domini voluntate rem attingere, non esse furem. Quid enín dolo Para um ·SIB . tema ....,.,
<>eoeoim concebido
· ' não podia ter importancia
, • -o
oblema da ignorância da antijuridicidade. Dai a afirmaçao
adulterio eveniret ... § 2. Quare mulíer tunc dernum eam poenam, pr · · d que é inútil buscar no rude direito bárbaro,
quam mares, sustínebít, quum incestum iure gentium prohibitum de Manzim, e t·t ·r
uma teoria a respeito. Só o erro de fato é que veio a cons 1 m
admiserit; nam si soli iuris nostri observatio interveniet, mulier ab
incesti crímíne erit excusata . . . § 4. Fratres denique Imperatores
s9 Dig. XLI, III, De usurpationibus etc. 37: "Fu~t~m ~on com-
Claudiae crimen incesti propter aetatem remíserunt, sed c.i trahi
coniunctionem illicitam iusserunt, quum alias adulteríí crimen, quod mittit; furtum enim sine affectu furandi non comm1tt1tur . Ver no
pubertate deltnquítur, non excusetur aetate; nam et rnulieres ín íure mesmo título L. 36, § 1. . ·t de
errantes incesti crimine non teneri, supra díctum est, quum in adul- 40 Jose, F1gue1
. ·redo 01·as , O Problema da Consciência da Ilici u
terio cornmísso nullam habere possint excusationem ... § 7. Icestum em Direito Penal, 1969, p. 33.
autem, quod per ilicitam matrimonii coiunctionem admittitur, excusa- n Aníbal Bruno, ob. cit., tomo I, nota 34, p. 81.
ri so!et sexu, vel aetatae, vel etíarn puniendi correctione, quae bona
f'ide intervenit; utique si error allegetur, et facilius, si nemo reum
facit qui putat dominum consensurum fuisse, sive falso id, siv~ vere
postula vit", , Is ergo ,solus fur est, qui a dtrec t av1·t ' quod invito dommo se
putet?
facere scivít".
ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 37

m tiva de escusa, quando se começou a valorizar o elemento efetivo conhecimento jurídico. Toda vez que ~~ ~rin~íp~o ~e
psíquico dos delitos. 42 direito fosse incluído entre os elementos essenciais a exístêncía
No Direito Canônico, prevaleceu de início, o princípio da do crime, 0 erro a ele referente era equiparado ao erro de fato
irrelevância do erro sobre a lei. Na "Penitenziale" atribuída a e como tal, escusável.
Jeronimo, a ignorância de direito Unha, apenas, eficácia ate- Relativamente à ignorância da pena, entendia-se que a
nuante. 43 aplicação das penas vindicativae pressupunha a simples ciên-
Com Graciano distinguiu-se entre ignorantia iuris natu- cia da punibilidade do fato, mas, para imposição das pen~
medicinales, havia necessidade de conhecimento da sançao
ralis e ignorantia iuris cimlis, A ignorância de direito natural
prejudicaria a todos os adultos 44 mas, na "Summa Colonien- especificamente cominada. 47
sis", excluiu-ss expressamente da obrigação de conhecimento A dúvida de interpretação de lei obscura e o chamado
da Ieí os jovens, os surdos, os mudos, e os enfermos da mente. erro de subsunção, isto é, o erro sobre a adequação do fato ao
Para Riccardo Anglico e Damaso, porém, mesmo nestes casos, tipo legal constituíam também ignorância escusável. 48 Em
a ignorância só em parte poderia ser considerada como motivo todos os casos, ressalvava-se, porém, a possibilidade do erro
de escusa ou atenuação. 45 dar lugar à punição do fato a título de culpa.
Evoluiu, assim, o direito canônico da regra da ine~cu~abi-
Com o passar dos tempos, a doutrina canonista foi ate-
lidade do erro de direito para o princípio da sua relevãncía, o
nuando o rigor do princípio da irrelevância do error iuris.
que se explâca pela noção que formou do dolo. Sendo para os
Atribui-se eficácia à ígnorâncía de normas locais, emanadas
canonístas tal noção dada pela vontade consciente de violar
de bispos. Quem desconhecesse a lei eclesiástica, não era pe- a lei deve-se entender implícito no sujeito o conhecimento
nalmente re.sponsável, se a ignorância não decorresse de ne- da n~rma e, por isto, justifica-se o critério pelo qual.~ i~no-
gligência crassa e supína. Mais tarde, tal critério foi estendido rância pode atenuar a culpabilidade e at_é mesmo ~r:rrur a
a todas as leís penais. 46 Mesmo nos casos de desconhecimento pena. 40 Esta orientação, de resto, refletm-se ~o Código de
por negligência crassa ou supina, o erro era levado em conta, Direito Canônico, redigido pelo Cardeal Gasparí e pro~ulg~-
sempre. que, para um determinado delito, fosse requerido um do, em 1917, por Benedito XV. No cânon 2.200 o dolo e deíí-
4 "'
V: Manzini, ob. cit., n. 290. Ver ainda L. J. Asúa, Reflexiones,
2 47 s. Piacenza, ob. cit., p. 70. Penas vindicativas eram as que
p. 31 e S. Piacenza, ob. cit., p. 67.
4
"ad delicti expíatíonem tendunt ita ut earum remissio a cessatione
ª A afirmação é feita por V. Manzini, ob. cít., n. 290, e A. San- contumaciae delinquentis non pendeat" e medicinais (ce~~ura~) as
dulli, ob. cít., col. 1. 463, com base em e. 41, e. XXIV, q. 1, da peni-
tencial atribuída a Jeronimo.
que privavam o culpado, não arrependido, de bens espírituaís . º:1
conexos até que "a contumacia recedens" fosse absolvido. Manzínt,
44
Dec. Grat. ad c. 12, e. 1, qu. 4, p. IV, §§ 1 e 2: "Naturalis imús ob. cit., nota 17, n. 290. " .
ignorantia omníbus adultís damnabilis est" e a gloza acrescentava: 48 s. Piacenza, ob. e loc. cits.; Asúa, Tratado, VI, p. 365·: ?ic1tur
"ignorantia iuris naturalis, canonici et civilis neminem excusat". enim nescíre quid non scit id quod facit esse peccatum. Qmd non
45 S. Piacenza, ob. cit., p. 73. scit id quod esse peccatum, non punitur".
46
Schiapolli, Diritto Penale Canonico, in Enciclopedia de Pessina, 41l cavigioli, Manuale di diritto canonico, ps. 90, 858, 861, apud
vol. I, p. 698, apud Sandulli, ob. cit., col. 1.463. Piacenza, ob. e loc. cits.
38 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 39

nido como a deliberada vontade de violar a lei e no cânon inescusável uma vez que todos deviam conhecer as suas leis. G'.!
2. 202 declara-se que, de nenhum modo, imputa-se a violação Para o Direito Civil, prevaleciam as· exceções romanísticas
de uma lei que se ignora, se a ignorância é inculpável. Nos relativas às mulheres, aos menores, aos soldados e aos rústi-
outros casos, diminuiu-se a imputabilidade em proporção à cos. 53 A relevância do erro, em relação aos militares, decorria
censurabítídade da ignorância. A ignorância da pena não de terem eles que se dedicar ao conhecimento das armas e
suprime, mas diminui a imputabilidade. 50 não do direito. 54 Quanto aos campesinos, não era pacífico o
Comentando o citado cânon 2. 202, nota Stocchiero, que reconhecimento da exceção. Piacenza a· afirma fundado em
para o direito canônico, o delito culposo não é instituto jurí- Azone e Alberico. 55 Nega-a, no entanto, Manzini, citando um
dico em si distinto do doloso. Todo o delito doloso pode tor- trecho de Farinaceo, pelo qual os rústicos teriam a obrigação
nar-se culposo ex ignorantia legis violatae aut omissione de se informar com os doutores a respeito das leis. 56
âebiiae diligentiae, culpa que vem considerada como mituiens Conforme a notoriedade da lei, o dolo era presumido ou
delicti imputabilitatem. 51 teria que ser provado. No caso de lei publicada há mais de
dois me.ses, quem, ignorando-a, a violasse, agia com culpa, por
15. O direito Estatutário intermédio, quanto à ignorân- não ter procurado informar-se a respeito dela, culpa essa que
cia da antijurídicidade, inspirou-se no Direito Romano e no fazia presumir a intenção dolosa. Só quando a lei não fosse
Direito Canônico. Compilando aqueles dois ordenamentos, notória, é que a punibilidade dependia do verum dolum, po-
para ilustrar as leis positivas de seus países, os juristas medie- dendo, então, a ignorância escusar. Tal doutrina foi exposta
vais também proclamaram a inescusabilidade da ignorância por Gandino, autor da primeira obra orgânica de Direito Penal
da lei e admitiram uma série de exceções a esta regra. de que se tem notícia. Admitia-se, contudo, que mesmo no
primeiro caso, o erro pudesse valer para quem estivesse au-
Embora as soluções variassem segundo as diversas leis e
sente, em lugar remoto, à época da publicação. 57 Também
não obstante o casuísmo das obras jurídicas de então, sempre
adstritas ao método das consilia e das responsa, é possível
52. Durantis: Speculum iuris, IV, p. I, de summa trin. n. 5:
deduzir, das opiniões dos antigos jurisconsultos e dos práticos, "Ignorantia iuris naturals neminem excusat ... etíam si sit paganus
as características gerais do tratamento que se dispensava ao vel homo sylvester semper in montanis nutritus, ita quod nunquam
errar iuris. O erro sobre o direito natural e divino era ad eum praedicatío pervenerit, nam in omnern terram exivit sonus
Apostolorum", L, J. Asúa, Tratado, VI, p. 365.
°
5 C. 2. 200, § 1. 0. "Dolus hic ets delibera ta voluntas vlolandi 53
54
S. Placenza, ob. cít., p, 77.
Proclamava com efeito Saliceto: "Ignorantia iuris toleratur
legem, eique opponitur ex parte intellectus defectus cognitionis et
ex parte voluntatis defectus liberta tis... e. 2. 202, § 1.º., Viola tio ln milite et est ratio: milites magís debent scire arma quam iura",
legis ígnoratae nullatenus imputatur, si lgnorantla fuerit inculpa- apud Sandulli, ob. cít., col. 1.463.
bilis; secus imputablitas minuitur plus minusve pro ignorantlae ípsíus 55 S. Piacenza, ob. cit., p. 76.
culpabilitate. § 2.0 , Ignorantía solius poenae ímputabílítatem delicti 56 v. Manzini, ob. cít., n. 290: "Rusticus non excusatur in de-
non tolit, sed aliquantum mlnult. § 3.0, Quae de ignorantia statuuntur, - Ucto, quia sicut vadit ad nemus, ita debet accedere ad noctores pro
valent queque de inadvertentia et errore". consílio" - Farinacius, Consoliorum criminalium, cons. XXX, n. 122.
51 Stocchíero, Diritto penale della Schiesa, p. 141, apud Sandulli, 57 Albertus Gandinus, Quaestiones statutorum, n. 17, De Homic.,
ob. cit., col. 1. 463. n. 22: "aut Iex requirit verum dolum aut contenta est dolo praesunto

532 - 4
o ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 41

para Arentino, a ignorância de direito civil só seria reputada rinaceo reputava inadmissível a ignorância, se a regra de
justa, quando não fosse presumido o conhecimento da lei, por direito fosse notória e, de modo especial;' se pertencesse ao
sua publicação há mais de dois meses. Caso contrário, seria direito comum. 62
qualificada como crassa e supina e constituiria culpa lata. ~s
Segundo Menochío, para a doutrina do erro, revestir-se-ia
Relativamente às normas estatutárias, introduziu-se, com de fundamental importância, a indagação sobre ·a sua natu-
Deciano, o princípio de que o civis novus poderia alegar justam reza e as causas que o determinaram, exístíndo erros que
causam ignorantia. 69 Julio Claro, porém, limitava-lhe a rele- trariam, em si,· implícita a culpa, e outros, em que a culpa
vância, aos casos em que a norma ignorada não fosse também teria que ser pesquisada, caso por caso. Quando exístísse culpa,
contemplada pelo direito comum, elaborado pelos glosadores, não haveria escusa. 63
com base no Direito Romano. 60
Na França, Andreas Tiraquellus, considerado o mais im-
Era freqüente o reconhecímento da eficácia da ignorância portante sistematizador do Direito Penal do século XVI, 64 em
das normas locais, quanto aos forasteiros. Algumas leis a pro- tema de error iuris, sustentou que a rusticidade e a simplici-
clamavam expressamente, como os estatutos do Sena e das dade deviam ser consíderadas causas de atenuação e que se
florescentes cidades da Lombardia. Mas, havia quem se opu- deveria relevar a ignorância no novo cidadão. Em regra, porém,
sesse a esta orientação, como Andrea di Isernia, que entendia o antigo direito francês não se refere à ignorância e ao erro
ser da obrigação dos estrangeiros a consulta a peritos sobre de direito, aludindo preferentemente ao erro e ignorância de
as leis do lugar a que vinham, tal como sucedia para os fato.
rústicos. 61 Entre os práticos alemães, distinguia-se como nó direito
O erro sobre lei de difícil interpretação (juris dubii) era canônico, entre conhecimento do injusto e conhecimento da
equiparado ao erro de fato. Mas, também nesta hipótese, Fa-
62 Farinaceo, Consiliorum criminalium, con. 100, 49, XXX, apud
11sS. Piacenza, ob. cit., p, 81. Sandulli, ob. e loc. cíts.: "Dubietas in iure aequíparatur dubíetate
59 Deciano, Tract. crim., II, 35, n.os 48, 50: "statuta regularíter non facti . . . ignorantia iuris notorii non excusat a dolo . . . ignorantia
ligant ignorantes, maxime si sint poenalia". . . conquanto que a iuris, licet de se possit dici crassa et supina ígnorantía, excusat a
ignorância não derive de culpa, "Civis novus justam habet causam dolo regulariter. Sed si ígnorantía iuris sit círca ea quae sunt de
ignorantia statutorum", A. Sandulli, ob. e loc. cits. iure naturali gentium aut divino non excusat a dolo".
60 Julii Clari: Receptarum setentiarum, liber quintus, quaestio 03 Menochio, De arbitrariis [udicum. quaestionibus, qu, 53, 9, apud
60, n. 13, apud Piacenza, ob. cit., p. 82. Piacenza, ob. cít., p. 83: "sic videmus errarem iuris perplexí ita
61 A. de Isernia, apud Manzini, ob. cit., n. 290, nota 20: Comm. escusare, et [ustam causam praestare errantí, ut errar .:facti ... qu,
ad const. utriusque Siciliae, p. 65: "exterus non potest praetendere 75, 14: error iuris dubii et implicati errori facti aequiparatur ...
legum Regni ignorantiam, quía debuit consulere peritores . . . alius Casus 308: in his in quíbus uti quis dílígentía debet ígnorantía non
sibí imputetur". excusat... jus cum naturale et gentium sit omnibus notum ...
Casus 185, n. 4: si quídem valde absurdum, et Iníquum esset quod
ex qualitate facti: primo casu excusatur, secundo caso non ... ratio ignorantes poenae obnoxii efficerentur, cum poena culpam praesup-
est quía quí ígnorantíam iuris praetendit ígnorare quod est publice ponat, quae in ignorante non reperitur ... ".
notum, undevidetur esse in lata culpa quae aequiparatur praesunto 64 Schaffstein, Zum rechtswissenschaftlichen Methodenstreit im
dolo", A. Sandulli, ob. cít., col. 1.463. 16 JahrhJyndert, apud Anibal Bruno, ob. cit., tomo I, p. 85.
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 43
42 ALCIDES MUNHOZ NETTO

sanção penal. Chegou-se, inclusive, com Boehmer, até ao exa- Relativamente aos estrangeiros, outros ordenamentos,
gero de exigir, não apena~ o conhecimento da espécie, como contudo, relevaram a ignorância da ílícitude nas infrações
também da quantidade da pena, por parte do agente. (m contravenoionais, mas sempre ém limites tão estreitos, que a
exceção não abrandava o rigor do princípio da ínescusabíli-
16. Com as primeiras codificações do Direito Penal, de- dade, O Código de Parma de 1821, por exemplo, admitia como
sapareceu a plasticidade das soluções adotadas pelos romanos escusa o erro do forasteiro quanto a leis puramente locais,
canonistas e práticos, em matéria de ignorância da antijuri- desde que este não houvesse demorado no país por mais de
dicidade. dez dias, ou não tivesse tido antes notícias de seus disposi-
A preocupação da obrigatoriedade da lei preponderou
tivos. 69
sobre o crãtérío da culpabilidade e, por isto, em antitese aos Da orientação geral, e segundo as idéias que prevaleceram
na Alemanha, afastou-se o Código da Bavária de 1813, que de-
elásticos princípios anteriores, passou-se a adotar a regra da
absoluta inescusabilidade da ignorância do ilícito por erro de clarava impune quem houvesse considerado a sua ação como
permitida e não punível, por ignorância Invencível e incul-
direito. Apenas na Alemanha, a necessidade de defesa do indi-
víduo ante o Estado, decorrente das idéias do iluminismo pável. ro
levou a manter a relevância do erro de direito, para evitar a
punição de quem, por ignorar leis muitas vezes dispersas, 17. Enquanto no campo legislativo caminhava-se, assim,
confusas e de difícil dnterpretação, houvesse atuado na mais para a rigidez do principio da irrelevância do erro sobre a
antijurídicidade, no terreno doutrinário, a matéria continuou
pura boa fé. 06 A maioria dos velhos códigos, porém, silenciou
a preocupar os doutores.
sobre a matéria, prevalecendo em sua aplicação prática, a
. Entre os representantes do classicismo italiano, Filangieri
presunção da inescusabilidade. 67 Assim é que o Código napo-
encarava o delito como a violação da lei, acompanhada da
leônico nada dispôs a respeito, mas os seus intérpretes recla- vontade de violá-la, de sorte que o autor deveria conhecer a
maram a regra geral da irrelevância, chegando alguns a ação em seus fins e circunstâncias. 71 Também Francisco Mário
admitir que o juiz pudesse ter em conta a ignorância de di- Pagano conceituava o dolo como a vontade de violar a lei e
reito, na determinação concreta da medida da pena 68 Pele de cometer os delitos por esta descritos, pelo que, à falta de
princípio da territorialidade da lei, não se aceitava, nem tal vontade, a ofensa constituiria desgraça, mas: não crime. A
mesmo, que o forasteiro pudesse provar ignorá-la, quer quanto ignorância excluiria o dolo, mas nem sempre absolveria. Desde
aos delitos, quer quanto às simples contravenções. Idêntico que o homem, com a devida atenção, pudesse entender as
critério prevaleceu na legislação da Toscana. conseqüências e a relação entre a ação e a lei, o crime dever-

n5 L. J. Asúa, ob. cit., VI, p. 367. 60 Ao contrário do que informa Placenza, de quem, -extraimos a
ee J. Figueiredo Dias, ob. cít., p. 40. observação, informa Asúa que o prazo era de 18 dias, in Tratado,
07 Além do Código Francês, nada dispuseram sobre o erro de VI, p. 372.
direito os códigos da Suécia, Alemanha, Espanha, Holanda, Turquia e 10 L. J. Asúa, ob. cít., VI, p. 372.
Bolívia. r i Filangieri, Scienza della legislazione; vol. II, lib. III, parte II,
68 S. Piacenza, ob. cít., p. 84. cap. 37, apud S. Piacenza, ob. cít., p. 87.
44 ALCIDES MUNHOZ NETl'O A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 45

-lhe-ía ser imputado. A alegação de ignorância de direito ou como desculpa, haver ignorado o mandato da lei devidamente
de fato serviria de escusa, quando necessária, mas não apro- promulgada. A sociedade estaria obrigada a fazer valer pre-
veitaria quando se tratasse de lei natural, que, por estar escul- sunções, fundadas no que de ordinário acontece, para atribuir
pida no coração de cada um, seria sentimento mais do que a cada um o conhecimento das conseqüências de determinado
razão. 72 . ato ou de alguma tentativa. Se o legislador tivesse que tomar
Em Carmignarii, o erro de direito é equiparado ao erro de em conta o dolo real e, não o presumido, como norma da pena,
fato, posto que um e outro excluem a intenção criminosa, salvo deveria acabar com todo vínculo sancionatório e deixar aberta
quando o agente não tenha usado toda a diligência possível a porta a uma escusa baseada na ignorância interna, a miúdo
para evitar o defeito de conhecimento, caso em que a omissão simulada, ou no conhecimento imperfeito da lei, com o objeto
tornaria voluntário o delito. 73 Todavia, depois de sustentar de subtrair-se às penas eomínadas ou de diminuí-las de ma-
estas idéias, o prói:>rio 'Carmígnaní veio à afirmar que o erro neira arbitrária. 75
e a ignorância de direito reputam-se quase sempre vencíveis. A Carrara igualmente parecia que o erro de direito não
Aceitava ele o princípio político de que as leis se presumem deveria jamais escusar. "É uma exigência política, dizia ele,
conhecidas quando publicadas, regra que, no entanto, aconse- que se presuma no cidadão o conhecimento da lei penal, que,
lhava fosse abandonada, sempre que uma justa causa conven- 4 por outra parte, .é dever de cada um conhecer". Concedia,
cesse de que o ânimo do agente estava realmente perturbado porém, que a regra da inescusabilidade pudesse ser moderada-
pela ignorância ou pelo erro, como no caso em que uma lei mente limitada, no caso do forasteiro, recém-chegado ao terrí-
social, não deduzidado direito natural ou não conhecida .uní- tório regido pela lei que ele violou, sempre que o ato cometddo
versalmente, fosse violada por pessoas íncultas, por mulheres, não fosse reprovável pela moral, nem proibido na sua pátria.
por menores, por um estrangeiro ou por um transeunte com A íneseusabilidade seria, no entanto, limitada ao erro de
pouco tempo de permanência no território do Estado. H Direito Penal. Poderia perfeitamente escusar quando recaísse
Para Romagnosi, o ato doloso seria constituído pelo conhe- sobre outras leis, excluindo a vontade do fato . e, portanto, o
cimento de violar ·;l lei, por quem é livre de não violá-la. Daí dolo. 76
a conseqüência de que a quaUfücação de doloso seria atribuída Na França, Pellegrino Rossi, revivendo princípios do
ao ato livre, em vísta de sua pré-conhecida oposição à lei e direito romano, sustentou a irrelevância do errar iuris, fun-
somente em vistà deste conhecímento anterior. o supremo dando-a em serem as regras de direito límítadas e porhanto,
interesse social exigiria, contudo, que o conhecimento da lei acessíveis aos homens. Admitiu ser possível que um cidadão
fosse estabelecido por presunção absoluta, de maneira que ao ignorasse a exístência de uma lei penal e também possív:l que
homem, em pleno uso de sua razão, não seria permitido alegar não alcançasse seus motivos. Mas a justiça humana nao po-
deria admitir a prova de tal ignorância sem abdicar a si
72
Francisco. ~ario Pagano, Principi del codice penale, cap. IlI, mesma. Os fatos são inúmeros, em sua infinita variedade,
apud S. Piacenza, ob. cít., p. 87, e L. J. Asúa, ob cít., VI, p. 385. porém as regras de direito são limitadas e todo homem tem
73
Carmignani, Teoria, lib. II, cap, X, apud Píacenza ob. cít., p. 87.
74 Romagnosi, Genesi del diritto penale, §§ 1.336 a 1.365 e 592.
Carmignani, Elementi di diritto criminale, líb, I, p. 79, apud 7õ
L. J. Asúa, ob. cít., VI, p. 385. · 76 F. Carrara, Programa, §§ 258 e 259.
46 ALCIDES MUNHOZ NETTO
/ A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 47

meios de conhecê-las, ao menos na medida necessária para violar, com ele, um preceito da lei penal, reviveu a velha dis-
abster-se do delito: cura ius finitum et posit et debeat. Seria tinção entre crimes de imoralidade patente e crimes de criação
igualmente possível que um cidadão não compreendesse as política. "Nem todos os crimes - acentuou - são também
relações da lei positiva com a lei moral. Mas nem por isto fica- ações imorais, reprovadas pelo sentimento e pelo costume.
ria dispensado de conformar sua conduta a ela. r7 Para aquelas ações que, em si mesmas, atrocitatem iacinoris
Dentre os clássicos da Alemanha, Anselm von Feuerbach, habent, a presunção do conhecimento da proibição legislativa
a exemplo dos práticos italianos, distinguia entre fatos subs- corresponde à realidade. Para as ações, contudo, moralmente
tancialmente imorais e fatos nascidos do artifício da lei. A inocentes e que são vedadas somente por motivos de segurança
regra constitutionis principum nec ignorare quemquam, nec social, a referida presunção é iníqua. Acrescente-se que a
disimulare permittimus seria válida, sem exceção, para aqueles consciência do ilícito e, pois, da contrariedade de um fato à
delitos que são iuris gentium, os quais, encerrando ações em norma penal, é de grau bastante diverso nas várias classes
si mesmas contrárias ao direito e moralmente desonestas sociais e que, sobre as classes pobres e ignorantes, a ínjustéça
devem ser encarados como ilícitos naturali ratione; daí por' daquela presunção pesa muito mais do que sobre as classes
que, quanto a estas, a ignorantia iuris não favorecia jamais. ricas e cultas". Como solução ao problema, entendia Florian,
Porém, para as ações que somente são delitos em virtude de que, com base no critério da temibilidade do delinqüente e
leis particulares de um dado povo (iure civile), às quais per- sem violar as supremas exigências da defesa social, seria pro-
tencem todas as transgressões de polícia, a ignorância da lei vídencíal uma disposição que permitisse ao juiz avalia.r as
seria útil a certas pessoas. 78 condições subjetivas da ignorância da lei penal, nas quais o
crime fosse porventura cometido, atribuindo-se-lhe a faculda-
. 18. A orientação dos clássicos de presumir o conheci- de, em determinados casos, de substituir ou diminuir a pena. rn
mente das leis fundadas na moral e proclamar que, por neces- Segundo Ferri, em virtude da obrigatoriedade da lei,
sidade política, o erro sobre norma penal não é escusável; todos estariam· obrigados, como mínimo de disciplina social, a
admitindo-se apenas algumas derrogações a este último prin- procurar noticias sobre as normas penais, sob pena de res.-
cípio, prevaleceu, quase incontroversa, até os albores do ponder pelos riscos resultantes da omissão deste dever. Prati-
século XX. Mesmo nos domínios do positivismo, que tanto cada a ação proibida, com ignorância da norma, sofreria o
se opôs às construções tradicionais, preponderou, a princípio,
sujeito as conseqüências penais, da me.s:ma forma que tem de
a mesma regulamentação do erro sobre a antijurídicidade, não
suportar as de índole moral e econômica, porque vive em so-
obstante o problema haja sido relacionado à perículosídade
ciedade. Este princípio de disciplina deve imperar enquanto
do agente e tenha-se procurado ampliar os casos de escusa.
não encontre um princípio oposto prevalente ou equivalente.
Bastante significativa é a posição de Florian. Depois de E este pode ser a força maior, que haja privado o cidadão da
acentuar que a temibilidade é diminuída, podendo desaparecer
possibilidade de dar cumprimento àquele dever. Assim, uma
completamente em quem haja cometido o fato ignorando de
larga permanência no estrangeiro ou uma enfermidade grave
11 P. Rossi, Traité de Droit Penal, II, p. 73.
70 Eugenio Florian, Trattato di Diritto Penale, 1910, vol. I,
rs L.. J. Asúa, ob. cit., VI, p. 392, nota 125. part. I, p. 308.
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48 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 49

e de longa duração ou ainda, uma calamidade pública na repugnância, do que -se depreende, que quem realiza um ato
época em que a lei foi publicada, colocam o cidadão· em .um semelhante, não revela, realmente, periculosidade alguma. 82
estado de absoluta boa fé, e sua ação delituosa ou contraven- Apesar dos reparos que se possa fazer ao projeto Ferri por ter
cional não aparece, nem sequer indiretamente, nem por pró- considerado o erro, não como fator de inculpabilidade, mas
pria negligência ou indiferença, cometida contra jus. 80 Em como justificativa, equiparada ao estado de necessidade e à
seu projeto de Código Penal, Ferri, inspirado no Direito Roma- legítima defesa, não há como negar que representou, junta-
no e no Código Canônico, considerou justificado, para os efei- mente com o Código Canônico, uma etapa na evolução da
tos penais, o fato cometido por ignorância da proibição legal, disciplina do erro sobre a antijurídicidade, ao conferir-lhe
derivada de força maior ou por erro substancial de direito, não relevância· mais extensa.
proveniente de negligência. 81 Procurando limitar o alcance
do dispositivo, declarava a respectiva exposição de motdvos 19. No Brasil, prevaleceu o princípio da irrelevância do
que tal ignorância - para a qual, como ocorre no campo do erro de direito, abrandado pelo limitado reconhecimento de
Direito, é prejudicial a questão da prova - não é possível sua eficácia atenuante.'
nos delitos naturais, a respeito dos quais todo cidadão, que No período colonial, devem ser examinadas as Ordenações
não seja inconsciente por enfermidade ou por imaturidade, Filipinas, que por dois séculos, nos regeram. Embora o erro
sabe, por sentido moral congênito e por educação familiar,
e a ignorância não estejam ali expressamente regulamentados,
escolar e social, que são ações ilícitas; porém, tal ignorância
é possível em ordem aos delitos· puramente legais, a miúdo
a
existem textos esparsos respeito do erro de fato e de direito.
de natureza contravencíonal e de mera criação política, frente Relativamente ao errar facti, estabelecia-se. isenção de
aos quais o sentimento moral instintivo não experimenta uma pena para o cristão que dormisse com infiel, "não sabendo
nem tendo justa razão-de saber como a outra pessoa era de
80 E. Ferrl, Principios de üerecno Criminal, trad. de J. A. Rodri- cutra Lei", 83 bem como para quem usasse de documento falso,
gues Mufioz, 1933, p. 429 .. alegando e provando "alguma razão, per que pareça ao Jul-
1
8 O art. 19 do Projeto Preliminar de Código Penal para os gador, que do feito conhecer, que elle não fez a falsidade, nem
Delitos estatuía: "O fato considera-se justificado para os efeitos deu a ella ajuda, conselho, nem favor, nem podia della ser
penais quando tenha sido realizado: 1.º - Por constrangimento insu- sabedor". ~4 Para o crime previsto pelo título 67, do livro 5.0,
perável por parte de outros ou em estado de sugestão patológica ou
com plena boa fé, determinada por engano invencível; 2.º - Por semelhante ao delito de alteração de limites, estatuía-se que
ignorância de que o fato está proibido pela lei penal, derivada de quem arrancasse marco, "não sabendo que o era, mas so-
força maior, ou por erro substancial de direito ou de fato não pro- mente com tenção de furtar a pedra, ou a cousa posta por
veniente de negligência; 3.0 - Por disposição da lei ou em virtude demarcação, haverá a pena de furto, segundo a valia della,
de ordem obrigatória da autoridade competente; 4.0 - Pela necessi- pois que teve tenção de furtar, e furtou cousa alheia".
dade de defender-se ou de defender a outros de uma violência atual ou
injusta; 5.0 - Pela necessidade de salvar-se ou de salvar a outros
de um perigo grave e iminente para a pessoa, não evitável de outro 82 E. Ferrl, ob .. cít., p. 611.
modo, não provocado pela própria atuação, desde que não exista a 83 Liv. V., tít, 14.
obrigação profissional de afrontá-lo. 84 Liv. V., tít. 53, § 2.0.

/
o ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 51

Quanto ao erro de direito, as regras não eram tão explí- vesse sido a malícia da conduta. As outras exceções pro-
88

citas. A lei ou ordenação publicada pelo Chanceler-Mor e vinham do Direito Imperial e do Direito Canônico, aplicáveis,
enviada por traslado aos Corregedores entrava em vigor três subsidiariamente, em caso de omissão da lei, estilos ou cos-
meses após, ainda que não fosse publicada nas Comarcas. ~ú tumes do Reino. so No Repertório das Ordenações, invocava-se
Para as províncias ultramarinas, contudo, conforme refere as lições dos práticos sobre a e.scusabilidade da ignorantia
Ribas, 86 a lei de 25 de janeiro de 1794 determinou que só iuris, em relação às mulheres, crianças, rústicos e militares,
depois de publicadas nas cabeças de comarca, começavam as desde que não incidisse sobre preceitos de direito natural e
00
leis a obrigar. Vigorante a lei, presumia-se o seu conhecimento. que houvesse sido impossível a consulta a peritos.
Tal princípio era deduzido do título 99, do livro 1.º, que, tra-
tando da faculdade concedida ao Rei de tirar ofícios da Justiça 88 Ord. v, 135: "Quando algum homem, ou mulher, que passar
e da· Fazenda aos respectivos titulares sem ser obrigado a de vinte annos, cometter qualquer delicto, dar-se-lhe-ha a pena total,
indenizar, estatuía em seu final: "E para se não poder alegar que lhe seria dada, se de vinte e cinco annos passasse. E se for de
ignorância, o declaramos por esta nossa Ordenação". 87 idade de dezassete anos até vinte, ficara em arbitrio dos J~gadores
dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha. E em este caso olhará o Julgador
A presunção de conhecimento comportava, no entanto, modo com que O delicto foi commettido, e as circunstancias delle,
0
algumas exceções. Nas próprias Ordenações, permitia-se que e a pessoa do menor; e se o achar em tanta ma~icia, que lhe pareça
em relação aos menores entre 17 e 20 anos, fosse a pena dos que merece total pena, dar-lha-ha, posto que sera d_e ~orte natural.
delitos que praticassem diminuída, desde que pequena hou- É parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-ha dímínuír, segundo
a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o delicto foi commetido.
85 Ord. I, 2, 10: "Item o Chanceler-Mor ha de publicar ai. Leis E quando O delinquente for menor de dezassete anos cumpridos, posto
e Ordenações feitas per Nós, as quaes publicará per si mesmo na que O delícto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dad_a,
Chancellaria da Corte no dia da data das Cartas, e mandará o mas ficara em arbitrio do Julgador dar-lhe outra menor pena. E nao
traslado dellas sob seu sinal e nosso sello aos Corregedores das Co- sendo O delicto tal, em que caiba pena de morte natural, se guardara
marcas. E tanto que qualquer Lei, ou Ordenação for publicada na a disposição do Direito Commum".
Chancellaria, e passarem três meses depois da publicação, mandamos, B1l Ord. III, 64: "Quando algum caso for trazido em pratica,
que logo haja effeito e vigor, e se guarde em tudo, posto que não seja que seja determinado per alguma Lei de nossos Reinos, ou Stilo de
publicado nas Comarcas, nem em outra alguma parte, ainda que nas nossa Corte, ou costume em os ditos Reinos, ou em cada huma parte
ditas Leis e Ordenações se diga que mandamos, que se publique nas delles longamente usado, e tal, que per Direito se deva guardar, seja
comarcas, por quanto as ditas palavras são postas para se melhor per elles julgado, sem embargo do que as Leis Imperiaes acerca do
saberem. mas não para ser necessário, e deixarem de ter força, dito caso em outra maneira dispõem; porque onde a Lei, Stilo ou
como são publicados na nossa Chancellaria., passados os ditos trêz dito caso em outra maneira dispoem, cessem todas as outras Leis e
mezes. Porém em nossa corte haverão effeito e vigor, como passarem Direitos. E quando o caso, de que se trata, não for determinado per
o.to dias depois da publicação", ed. de Coimbra, 1833. Lei, Stilo, ou costume de nossos Reinos, mandamos que seja julgado,
86 Antonio Joaquim Ribas, Curso de Direito Civil Brasileiro, sendo materia que traga peccado. E sendo materia, que não traga
1880, vol. I, p. 221. peccado, seja julgado pelas Leis Imperiaes, posto que os Sagrados
87 A dedução está no Repertório das Ordenações: "Ignorância Canones determinem o contrario. As quaes Leis Imperiaes mandamos
não se pode alegar daquillo que esta declarado pela Lei", 1795, t. III, sómente guardar pala boa razão em que são fundadas".
J). 13. oo Repertório das Ordenações, loc. cit.
2 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 53

No campo legislativo, é de mencionar-se, ainda, o decreto conhecimento do mal e intenção de o praticar". Parece incon-
de 9 de setembro de 1747, que declarou não haver ignorância testável que a aplicação integral deste preceito deveria con-
que "releve de observar as leis, porque ellas são públicas, es- duzir à escusabilidade do erro acerca da proibição. Tal, porém,
criptas e diuturnas", bem como o alvará de 10 de junho de não aconteceu, porque a mentalidade jurídica da época estava
1755, segundo o qual "se não pode allegar ignorância do que impregnada pelo pensamento de que o conhecimento das leis
a todos se faz público". 01 deve ser sempre presumido. A jurisprudência assentava que
Entre os jurisconsultos portugueses, a maior parte de- a escusa pela ignorância de direito "não se conforma com os
fendia a tendência adversa a indulgenciar o erro de direito. princípios do direito criminal, que pressupõem todos conhe-
Outros, entretanto, como Antonio Cardoso do Amaral, Manoel cedores das leis da sociedade". 95
Mendes de Castro, Agostinho Barbosa e Lopes Ferreira, 'fiéis Da mesma forma manifestavam-se os comentadores do
à tradição romanista, admitiam, como demonstra Figueiredo nosso primeiro estatuto punitivo. Thomaz Alves Júnior, em-
Dias, espécies de erro de direito relevantes. 92 Também Mello bora reconhecendo que "quando o artigo diz conhecimento do
Freire sustentou "que o direito português da época, compreen- mal, quer dizer conhecimento da violação do direito", ad1;12ia
dendo o romano e o pontifício, não poderia ser considerado em seguida: "a ignorância da lei não aproveita a ninguém:
como o jus finitum de Neratío, nem estaria ao alcance de este princípio axíomátdco acha-se expresso no art. 12 do Có-
digo Penal português; logo, desde que o agente acha-se n~s
qualquer cidadão de modo que se lhe pudesse imputar sua
condições normais da responsabílídade moral, tem a presun~
ignorância". 93 Para Ribas, ante a deficiência da legislação em
de que conhece o mal, isto é, a violação do direito que prati-
matéria de erro de direito, parecia que se devia recorrer à
cou". 90 Também a Tobias Barreto parecia que "toda lei é
romana. Mas, firmado "o princípio que nega escusa à igno-
feita para ser cumprida e, uma vez sendo ela publicada pelos
rância e erro de direito, dever-se-ia restringi-lo às raias que
meios regulares, constitucionalmente estabelecidos, todos:
tal legislação lhe prescrevera". 04
aqueles para quem ela exista devem tratar de conhecê-la e
Após a Independência, os projetos apresentados por Ber- respeitá-la. Esta verdade, que domina o mundo do direito em
nardo Pereira de Vasconcelos e João Clemente Pereira não geral, ainda mais se reforça com relação ao nosso a~sunto,
fizeram expressa alusão ao erro de direito, embora o primeiro, isto ·é, quando se trata de crimes e de penas. Com efeito, n~
dispusesse, no art. 2.0 , não haver crime "sem lei anterior que esfera do direito criminal, quem quer que tenha chegado a
o qualifique e sem má fé, isto é, sem conhecimento do mal e idade da imputação, praticando um ato criminoso, supõe-se
intenção de o praticar". Decalcado sobre este, o Código Cri- praticá-lo com a conseíêncía precisa para conhecer a crimi-
minal de 1830 reproduziu-lhe a regra, declarando, no art. 3.0: nalidade dele". 97
"não haverá criminoso ou delinqüente sem má fé, isto é, sem
95 Araújo Filgueira Júnior, Código Criminal do Império do Brasil,
01 Ribas, ob. cít., I, p. 276. Anotado, 1876, p. 6.
02 José Figueiredo Dias, ob. cit., p. 38. 96 Thomaz Alves Júnior, Anotações Theoricas e Praticas do Có-
1

1!3 Ribas, ob. cit., p. 279. digo Criminal, 1864, I, p. 153.


0-1 Ribas, ob. cit., p. 282. 01 Tobias Barreto, Estudos de Direito, 1926, vol. I, XX, P- 69.
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 55
"4 ALCIDES MUNHOZ NETTO

Entre as circunstâncias atenuantes, contudo, o Código râncía da lei, uma vez admitida, traria mais prejuízos à socie-
Tmperial incluía a de "não ter havido no delinqüente pleno dade, que os sofridos pelos agentes absolutamente inocentes,
conhecímento do mal e direta intenção de o praticar" (art. 18, e que, entretanto, não é de presumir que existam". 100
s 1.0 ), inclinando-se a doutrina por sua aplicação aos delitos A regulamentação do Código de 1890 ao erro de direito
e contravenções de caráter não universal, mormente quando foi integralmente reproduzida pela Consolidação Piragibe de
cometidos por estrangeiro. 98 1932. 101 A doutrina, todavia, procurou dar à irrelevância do
Caída a rnonarquía, o Código Penal de 1890, veio a esta- erro de direito fundamentação diversa da fornecida pela pre-
tuir expressamente: "não dirimem nem excluem a intenção sunção absoluta de conhecimento das leis, bem como limitar-
criminosa a ignorância da lei penal" (art. 26, a). No setor das -lhe o alcance pelo reconhecimento de várias exceções. Galdino
atenuantes, reproduziu o dispositivo do diploma anterior, Siqueira acentuou que o adágio nemo jus ignorare censetur
acima mencionado (art. 42, § l.º). No clima de renovacões não encerra uma presunção, porquanto a presunção sendo
liberais da república florescente, não seria de esperar acdlhi- uma conseqüência lógica, tirada por indução do geral para
rnento pacífico a esta manutenção do tradicional princípio o particular, do que comumente acontece, não se verifica em
do error iuris nocet. João Vieira de Araújo desde logo a cri- matéria de conhecimento de leis. Nem todos os indivíduos,
ticou, notando que "fundar a justiça penal sobre o velho ainda mesmo os profissionais, podem ter conhecimento do
arorísma que - a ignorância não escusa - entretanto, que, número infinito de leis, quer compreendidas no Código, quer
na realidade não há cidadão algum que conheça todas as leis avulsas. Isto posto, o princípio ou adágio encontra justa apli-
que deliciam a sociedade civil, é verdadeiramente o cúmulo cação tendo em vista a distinção fundamental que oferecem
das mentiras convencionais". 99 Outros, contudo, continuaram as infrações qualificadas pela lei, e atínentes à sua natureza,
a defender a regra da ignorantia iuris nerninem excusai. o de sorte a infligir a pena em maior ou menor latitude, con-
Conselheiro Filinto Bastos entendia que exigir, além do dolo, forme o conhecimento ou não conhecimento do agente da
a consciência da ilegalidade, paralisaria a administração da prescrição legal. Para os delicta juris cioitatí, seria lícito ao
[ustdça, "impondo-lhe o encargo de provar, em cada caso ocor- juiz apreciar a procedência da alegação de ignorância da lei,
Tente, que o agente conhecia o preceito violado". A manuten- desde que houvesse ímpossíbllidade material absoluta de co-
ção do princípio decorreria de uma necessidade de ordem
zocíal de caráter universal". Na verdade - explicava o cate- 100 Cons. Filinto Ferreira Bastos, Breves Lições de Direito Penal,
drático da Bahia - dispondo a lei penal sobre fatos univer- 1906, p. 166.
salmente reputados criminosos e merecedores de punição, ou 101 Confundindo a Consolidação das Leis Penais com Constitui-
ção, sustentou L. J. Asúa que a Constituição Brasileira de 10 de
porque se refiram a lesões à pessoa, ou à violação do direito novembro de 1935 (?), no seu art. 26 dispôs: Não diminui nem exclui
de propriedade, a ofensas à honra e à fé pública ou particular, a intenção criminosa: a) a ignorância da lei penal, para acentuar
à pública incolumidade e a outros direitos, a exceção da igno- em seguida que, apesar deste texto do Código político, o vigente
Código Penal admite que o erro de direito atenue a pena. Páginas
Tbomaz Alves Júnior, ob. cit., p. 246.
08 adiante, aludindo ao Projeto Sá Pereira, indaga Asúa se o texto
ºº
João Vieira, Código Penal copium, p. 250, apud oscar de de seu art. 30 conciliar-se-ia com o preceito constitucional, o que
Macedo Soares, Código Penal Militar, 1902, p. 29. reafirma o equívoco em que incidiu, in Reflexiones, ps. 43 e 61.

532 - 5
56 ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 57

nhecer sua existência, caso em que a ignorância serviria de


nuantes incluiu-se a ignorância ou errada compreensão da lei
motivo da atenuação da pena. Também, quanto à ignorância penal, quando escusáveis (art. 48, IH). Por outro lado, na
da lei não penal, reputou amoldável ao Código de 1890, a
Lei das Contravenções Penais, permitiu-se até o perdão judicial
doutrina que a equiparava ao erro de fato. 102
para a infração cometida por erro de direito escusável (art. 8.0 )
Dos projetos de um novo Código Penal que· substituísse o Ao modelo do Código Penal suíço, que permite até o
imperfeito diploma de 1890, merece especial referência, em perdão judicial para a escusável ignorância da antijuridici-
matéria de erro de direito, o de Virgílio de Sá Pereira. A dade, o legislador de 1940 preferiu o modelo do Código italiano,
ignorância da lei, nas infrações meramente convencionais, foi segundo o qual ninguém pode invocar como escusa a igno-
considerada causa de livre atenuação da pena. Quando a igno- rância da lei penal. Para tanto, há de ter influído o clima
rância fosse devida à força maior e impossibilidade manifesta político à época da elaboração do nosso diploma punitivo. 103
ou decorresse de ser o infrator analfabeto ou estrangeiro ainda O Anteprojeto de Código Penal do saudoso Ministro
não familiarizado com a língua do país e seus costumes, a Nelson Hungria, retomando o critério do Projeto Sá Pereira,
própria responsabilidade seria excluída (art. 39). A atenuação permitia até mesmo a exclusão da pena, em caso a suposíção
de pena foi assim disciplinada: "A favor daquele que infringiu
de licitude do fato decorrente de escusável ignorância ou erro
a lei penal na persuasão sincera de ser lícito o acto praticado, de interpretação da lei (art. 19). Afastando-se deste critério,
poderá o juiz livremente atenuar a pena" (art. 40). No projeto o Código Penal de 1969 só admitiu, na mesma hipótese, a
revisto de 1935, manteve-se, no art. 30, o primeiro dispositivo, atenuação da pena ou sua substituição por outra menos grave,
mas foi excluído o preceito do art. 40. Com a livre atenuação regra mantida pela Lei 6.016 de 31 de dezembro de 1973.
da pena para o erro sobre a antijuridicidade (pois. outra coisa
não é a persuasão sincera de ser lícito o ato), o projeto acom- 20. O exame da evolução histórica, que se acaba de fazer,
panhava a tendência de emprestar maior relevo à consciência evidencia constante tendência de abrandar os rigores e até
da antijurídicidade na estrutura da conduta culpável. mesmo abolir o princípio da irrelevância do erro sobre a anti-
O projeto de Alcântara Machado voltou à concepção juridicidade.
absolutista. Estatuiu no art. 14: "não eximem de pena o Antes das codificações, tal orientação manifestou-se pelas
agente, o erro ou ignorância da lei penal". Nem mesmo entre distinções entre ignorância escusável e inescusável, entre as
as circunstâncias atenuantes foi contemplado o erro de direito leis de direito natural e leis de direito civil, entre ignorância
escusável. A expressa referência à lei penal permitiria, con- da norma e ignorância da sanção, entre o erro do homem
tudo, que se reconhecesse eficácia à ignorância de preceitos adulto e de cultura média e, o erro dos menores, mulheres,
pertencentes a outros ramos do Direito. rústicos e soldados e, entre a ignorância de leis locais por
O Código Penal de 1940 reproduziu, no art. 16, a regra nacionais e por estrangeiros, distinções estas estabelecidas
da irrelevância da ignorância e do erro de direito, sem limi- para mitigar o rigor da regra da inescusabilidade.
tá-la, no entanto, à lei penal. Entre as circunstâncias ate- Com o fortalecimento dos organismos estatais e movi-
mentos de codificação, veio a prevalecer, de início, o regime
102 Galdino Siqueira, Direito Penal Brasileiro, Parte Geral,
2:ª ed., 1932, ps. 333 e segs. 10a Everardo Luna, ob. cít., p. 205.
68 ALCIDES MuNHOZ NETTO
I
da absoluta inescusabilidade do erro sobre a ilicitude, para
o que há de ter contribuído a dificuldade de formular precei-
tos legislativos que consentissem, sem grandes desvios dos
princípios codificados e sem brechas muito largas no edifício
da segurança do direito, emprestar certa relevância ao error
iuris. Mas, à medida que o direito evoluiu para uma valoração
mais íntima entre a norma e a consciência de quem a viola, CAPÍTULO III
reiniciou-se o movimento de derrogações, cada vez mais signi-
ficativas, do princípio da ínescusabüídade. APRECIAÇÃO CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS DA
Atualmente, a inclusão da consciência da antijuridicidade IRRELEVÂNCIA DO DESCONHECI.MENTO DA
entre os elementos do dolo ou entre os fatores do juízo de ANTIJURIDICIDADE.
censura pessoal vem conduzindo o direito punitivo a não
responsabilizar, atenuar sensivelmente as sanções ou admitir 21. Lei penal e consciência jurídica. 22. A presunção de
o perdão judicial, para os que praticam a infração sem per- conhecimento das leis. 23. A obrigatoriedade da lei. 24.
cepção da sua ilicitude. Aplicabilidade do direito. 25. Erro e concepções de direito.
26. As razões políticas.

21. Da mais variada índole são as razões invocadas para


justificar a irrelevância do desconhecimento da antijurídici-
dade. Sem grande êxito, fundamentos filosóficos, jurídicos e
políticos têm sido utilizados para explicá-la.
Doutrina exposta por Von Bar, alicerça a ineficácia na
correspondência que existiria entre a lei penal e a consciência
jurídica de cada integrante da comunidade. 1 Crescendo como
membro desta, teria o homem clara intuição do que deve
evitar para não transgredir a norma jurídica. Na fase de
elaboração popular da lei, as necessidades não atendidas, sur-
giriam de início, na consciência de alguns, depois, na de
muitos e finalmente, na alma de todos, penetrando então, nos
organismos legislativos. A precedência da norma à lei, no
sentido de que esta deve ser escrita enquanto que aquela
forma-se na consciência de todos, impediria o reconhecimento
de quaisquer efeitos à ignorância da ilicitude, por reputar-se

1 Von Bar, Gesetz und Schuld im Strafrecht, 1901, II, p. 393,


apud L. J. Asúa, Reflexiones, p. 99.
60 .ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 61

impossível desconhecer a norma em que se fundou a lei. Vi- que, ainda que não estivesse compreendida pela legislação
vendo no seio da sociedade civil, o homem, independentemente positiva, estaria na lei natural, cujo intérprete fiel teria o
de instrução especial, aprenderia na grande escola da vida a indivíduo em sua própria consciência". 4
conhecer os escolhos a evitar. A inescusabilidade decorreria, Sob outro aspecto, a lei penal nem sempre corresponde a
ademais, da condenação universal de certas condutas, 2 ou da normas já consagradas pela consciência coletiva, em vista da
substância ética da lei penal, que não afirmaria ao súdito tendência de incriminar-se ações não imorais em si mesmas.
nada que não devesse estar já escrito em sua consciência. O progresso social e a insuficiência das sanções extra-penais
Sendo o autor imputável, na capacidade de entender e de fazem com que as legislações modernas apelem, com maior
querer, já se incluiria a ciência de proibições penais. 3 freqüência, para o remédio extremo da pena, comdnando-a a
É indisfarçável o artificialismo desta doutrina. Salientava condutas que até então não haviam tido ingresso no rol de
Dorado Montero, que se fosse exata esta correspondência, ilícitos penais. Mesmo os fatos moralmente úteis podem ser
folgariam muito os códigos penaís, porque, levando cada um considerados como ilícitos penais, pois o fenômeno jurídico
gravado em sua consciência, critério infalível, igual em todos reveste-se de amoralidade, não pelo contraste ou ausência de
os homens, para discernir entre o bem e o mal, o lícito e o pontos de contacto com a ética, mas pelo diverso modo de
censurável, o meritório e o punível, levaria também consigo considerar os comportamentos humanos. Nem sempre é pos-
o catálogo dos fatos pelos quais se deve impor penas, de sorte sível estabelecer, a priori, seja o crime uma ação imoral. A ação
que a existência de códigos nem só seria supérflua, como crímínosa pode ser até moralmente louvável. 5 A norma penal,
também representaria verdadeiro perigo à liberdade do cida- pela sua particular força e eficácia, induz os detentores do
dão, pelo arbítrio do legislador em incluir na lei, fatos ino- poder político a avassalar a tutela de certos interesses e fina-
centes e indiferentes e castigar tanto estes quanto os verda- lidades, ainda que contrastantes, de modo mais evidente, com
deiramente imorais. O raciocínio de que, por Imorais, todos os interesses gerais do grupo social. 6
os atos criminosos são conhecidos pela consciência, valeria
para lançar por terra a teoria da irretroatividade da lei mais 22. Também desacreditada a teoria que baseia a irrele-
severa. Com efeito, da mesma forma que "não vale alegar, vância numa presunção absoluta do conhecimento das leis.
para livrar-se da pena, que não se teve conhecimento da Em nossa época, o número e a complexidade destas, torna
norma violada, também não valeria argüir a inaplicabilidade difícil o seu conhecimento mesmo aos [urístas. Nossa legis-
da lei incriminadora de ato anteriormente não punível, dado lação não é mais a lei das Doze Tábuas, porém um arsenal
que todo dia se renova e se aperfeiçoa, à medida que se
2 Bernardino Alimena, Principii di Diritto Penale, I, p. 450; aprimora o senso da necessidade civil. 7 O progresso, a civili-
R. Garraud, Traité Theorique et Pratique âu Droit Pénal Français,
1913, I, p. 603; Mauro Angioni, La volontarietá del fatto nei reati, 4 Pedro Dorado, Sobre la ignorancia de la ley penal, in Problemas
1927, p. 52; Roberto Lyra, Comentários ao Código Penal, 1942, II, de Derecho Penal, 1895, p, 422.
p. 318; Lydio Machado Bandeira de Mello, Manual de Direito Penal, 5 Marcello Gallo, Il concetto unitario di colpevolezza, 1951, p. 74.
1955, I, § 41. 6 B. Petrocelli, La Colpevolezza, p. 124.

3 Francesco Carnelutti, El Delito, trad. de Santiago Sentís Me- 7 Eugenio Pincherli, Errore di Fatto e di rersona, in Revista
lendo, 1952, p. 144. Penale, Suplemento 1896-97, vol. V, p. 366.
62 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 63

zação, o desenvolvimento do comércio, dos meios de transporte 23. Ante a inaceitabilidade da presunção do conheci-
e locomoção, o maior impulso da arte mecânica, da energia mento, tenta-se justificar a ineficácia da ignorância da anti-
produtiva, imprimiram à vida um ritmo tão acelerado, que juridicidade com o princípio da obrigatoriedade da lei. Como
se tornou indispensável regulamentar e disciplinar várias o direito objetivo não seria outra coisa que a vontade soberana
atividades, para coordená-las, sofrear abusos, conter intem- dirigida ao ordenamento jurídico e manifestada com as formas
peranças, impedir arbítrios e garantir interesses gerais e prescritas, e posto que a soberania do Estado e, por conse-
partículares. O número de leis punitivas, por isto mesmo, guinte, a autoridade da lei manifestar-se-ia sobre todo o
aumenta com uma progressão extraordinária. Ora, as leis, à território, natural a sua obrigatoriedade para todos os que se
medida que crescem em número, menos podem ser conheci- encontrem dentro de suas fronteiras. Conseqüência da força
das, Ainda que a generalidade dos cidadãos tivesse tempo e obrigatória da lei seria o dever de observá-la e, portanto, o
gosto para lê-la;g, dificilmente as entenderia, porque o seu dever de conhecê-la. Quem vive em um determinado lugar,
léxico é superior ao do sermo plebeius. Esta impassibilidade quando desenvolve qualquer atividade, teria a obrigação de
da lei ser conhecida e entendida pelos destinatários, impede informar-se dos limites e das condições estabelecidas pela lei
que o seu conhecimento seja presumido. A presunção é uma territorial. Ao descuidar deste dever, assumiria o risco da
suposição de verdade, que nasce da experiência positiva. É própria ignorância, não invocável como escusa. 11 A obrigato-
prova indireta pela qual se passa do conhecido ao desconhe- riedade ou ímperatívidade seria o caráter essencial de toda
cido, mediante um cálculo de probabilidades, fundado neces- a norma jurídica. Mesmo em confronto ao que viola a lei,
sariamente sobre a normalidade dos fatos. A presunção, pois, ignorando-a, aplicar-se-ia o princípio geral da obrigatoriedade
decorre do id quod plerunque accidit e é sobre tal relação de
da rezra
c
nenal que está de acordo com a obrigatoriedade ge-
normalidade que a lei "praesumit aliquid pro vero". s Ora, a J: '

nérica de todas as leis. 12


presunção absoluta do conhecimento das leis contradiz o
Tais pontos de vista também não convencem. O direito
cálculo de probabilidade, baseado no que é comum acontecer. 9
Se alguma presunção pudesse ter cabimento, esta teria que não pode ser obrigatório para quem o ignore. A expressão
ser a do desconhecimento da lei. Segundo De Ruggiero, se a "r.urrna jurídica ignorada" chega a ser uma conircuiictio in
base de toda a presunção é que o fato presumido corresponda adjecto. Se a norma fosse obrigatória mesmo para os que não
a quanto normalmente costuma acontecer, é inegável que o a conhecem, não existiria qualquer razão de não aplicá-la ao
fato normal é antes a ignorância do direito da parte da gene- mentalmente incapaz. Reciprocamente, admitindo-se que a
ralidade dos cidadãos, que na enorme congérie de leis, ema- norma não obriga a quem não possa submeter-se ao seu
nadas sem interrupção, ficam impossibilitados de conhecer, império, porque mentalmente incapaz de entendê-la, ter-se-ia
nem só todas, mas até uma pequena parte. 10 que admitir a não obrigatoriedade da norma para os que estí-

s V. Manzini, ob. cít., n.º 292; R. A. Frosali, ob. cít., § 52, p. 134; 11 V. Manzini, ob. cít., n. 292.
J. Figueiredo Dias, ob. cít., p. 53. 12 R. A. Frosali, ob. cít., §§ 49-54; Eusebio Gomez, Tratado de
9 Anibal Bruno, ob cít., tomo II, p. 493. Derecho Penal, 1939, I, p. 541; Laertes M. Munhoz, Erro de Direito
1o Ernesto Battaglini, Errore su legge diversa della penale, in e Erro de Fato, in Anais do 1.° Congresso Nacional do Ministério
Giusiizia Penale, vol. 39, II, col. 1.196. Público, 194,2, vol. 3, p. 114.
64 A.LCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 65

veram impossibilitados de conhecer o comando, porque não distinguir entre obrigatoriedade e aplicabilidade da norma.
lhe perceberam a existência, por falta de conhecimentos téc- Se obrigação é, na sua essência, necessidade de agir segundo
nicos suficientes para penetrar o sentido da lei, ou pela própria a norma, sendo esta ignorada, falta um dos elementos de que
ímpossíbilidade de conhecer o conjunto das leis dos Estados a obrigação é síntese. Diverso, entretanto, seria talar de apli-
modernos. 13 Por outro lado, a sanção pela inobservância do cabilidade da norma. Quando se diz errar vel ignorantia iuris
dever de conhecer as leis, seria a pena do crime concretamente non excusat ou errar iuris cuique nocet, afirma-se que as con-
cometido. Ora, pelo princípio da especialidade, todo o preceito seqüências que a lei liga a um ato (delito, contrato, ato pro-
deve ter a sua sanção própria, sendo inconcebível que a sanção cessual etc.), não podem ser evitadas ainda que se as ignore.
fixada para um determinado preceito possa garantir também
Não se trataria, portanto, de estabelecer como a lei seja obri-
outra obrigação. 14 Isto importaria em criar-se um crime
gatória para quem a ignore, mas somente de fixar como e
atípico, com a negação do nuüum. crimen. nulla poena sine
15 porque deva ela ser aplicada mesmo contra ignorantem vel
Zege. Justificando a ínescusaoníôaoe do erro sobre a proibi- 18
errantem.
ção pela obrigat1oriedade do conhecimento da lei, ilude-se mas
não se resolve o problema. A obrigatoriedade do conhecimento O defeito desta orientação reside em iludir o ponho central
não é o conhecimento. Se, não obstante a obrigatoriedade, o do problema que se encerra na seguinte pergunta: é possível
conhecimento falta, surge novamente a dificuldade em esta- impor a quem ignora a lei, conseqüências que esta coliga à
belecer-se se há culpa pela desobediência a uma norma que uma ação? Para respondê-Ia é necessário, ou admitir inteira-
não se conhece. '.É insuficiente afirmar que quem transcura mente, ou inteiramente negar a ligação entre sujeito e norma.
o dever de conhecer a lei, assume o risco da própria igno- Não se pode dizer que a norma para ser obrigatória, deva ser
rância a qual não poderá ser invocada como escusa. A respon- conhecida, mas, que as conseqüências nela previstas possam
sabilidade decorrente do descuido em conhecer a lei não é a se produzir, mesmo se ignoradas, porque, em tal caso, não
mesma que a responsabilidade de uma consciente desobediên- se compreende mais o que seja a obrígatoríedade da norma. 19
cia à lei conhecida. 10
25. Conceituando o direito como mero juízo hipotético,
24. Parte da doutrina italiana, fundamenta a irrelevân- outros procuram deduzir desta concepção o princípio da
cia no arbítrio formalmente ilimitado que teria a lei na fixação ínescusabílídade da ignorância do ilícito.
dos extremos da própria aplicabilidade. 17 Diz-se que é preciso
Para Zitelmann, apenas aparente seria o aspecto norma-
13 tivo do direito, já que a sua real essência constituiria em esta-
Orazio Condorelli, Ignorantia iuris, 1926, apuâ Angelo Er-
manno Cammarata, Sul Fondamento del Principio "Ignorantia iuris belecer um liame entre o fato e certas conseqüências, isto é,
non excusat", in Rivista lnternazionale di Filosofia del Diritto, 1928, em unir a determinadas premissas, determinados efeitos jurí-
col. 328. dicos, no sentido de que, apresentando-se as primeiras, juridí-
14
Antonio Pecoraro-Albani, Il Dolo, 1955, p, 87.
15 Everardo Luna, ob. cít., p. 203. rs o. Condorelli, ob. cit., ps. 32 e 35, apud B. Petrocelli ob. cít.,
16 B. Petrocelli, ob. cít., p. 126. p. 134.
17
A. E. Cammarata, ob. cit., col. 357. 10 B. Petrocelli, ob. cit., p. 135.
66 ALCIDES Mtrmroz NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MA.TÉRIA PENAL 67

camente seguem-se as últimas. 20 Dentro de tal esquema a Não nos parece exato encarar o direito como mero juízo
aplicabilidade da lei não estaria subordinada a fatores 'de hipotético, mormente no campo punitivo. A missão do Direito
índole subjetiva. Também Esposito sustentou que o princípio Penal é amparar os valores elementares da vida da comuni-
de que a ignorância não escusa, decorre de não ser o direito dade, tutela que se alcança proibindo e ameaçando de pena
norma. A norma é atuante no ânimo de quem deve operar e as ações que tendem a lesar tais valores. 23 Em tais condições,
nisto se encontra o seu modo de ser. Valorando ela ilumina o direito apresenta-se como conjunto de comandos e proibições
comandando obriga. Ora, nenhum destes momentos essenciais à vontade individual, desenvolvendo-se mediante um movi-
à norma seria essencial ao direito. Daí a possibilidade de trans- mento de vontade a vontade: da vontade que estabelece a
gredir uma disposição não conhecida ou de realizar um ato regra à vontade que à regra se deve adaptar. 24 Não há dúvida
conforme a ordem jurídica sem conhecer o direito. Entre os que as normas penais encerram uma valoração objetiva,
caracteres do direito, estaria, em primeiro posto, o da hetero- quando selecionam as condutas que contravêm o direito e são
nomia, pelo qual o direito, quaisquer que sejam as suas origens merecedoras de pena. Sob este aspecto, são normas objetivas
e a sua formação histórica, não procede segundo a sua natu- de valoração, isto é, juízos sobre determinados estados e acon-
reza conceitual, sendo extrínseco ao sujeito avaliado e ao tecimentos do ponto de vista do direito, dos quais se origina
objeto regulado. Desta forma, quem atua nem deve conhecê-lo, a antijuridicidade. Mas, destas normas de valoração, são de-
nem precisa se orientar, positiva ou negativamente, pelas suas duzidas normas subjetivas de determinação, vale dizer, impe-
regras para que o comportamento seja conforme ou disforme rativos e proibições à vontade individual, cuja violação dá
a esta medida extrínseca. 21 lugar à culpabílídade. 25 Assim, das disposições que definem
De maneira análoga, Kelsen, no terreno da culpabilidade, fatos como crimes, deduz-se um comando à vontade indivi-
sustentou que o juízo pelo qual se atribui ao homem a culpa dual, impondo-lhe a obrigação de abster-se ou de ter certo
de determinado evento, aparece com total independência da- comportamento. Sem o comando não há norma penal, mais
quilo que se desenvolve no interior do sujeito, decorrendo norma conexa a esta e só por isto incluída na lei. O Direito
exclusivamente de ser o comportamento externo proibido por Penal - diz Bettiol - faz apelo à vontade individual. E a
uma norma. Por isto, ennre a conduta e o sujeito haveria culpabilidade é a desobediência do querer particular à vontade
relação semelhante à existente entre Normobiekt e Normsu- da norma. 26
biekt e o estar alguém em culpa, frente a qualquer coisa não O acerto destas considerações afigura-se-nos irrecusável.
decorreria de tê-la previsto e querido, mas simplesmente de A imperatividade é da essência do direito, que se apresenta
não dever fazê-la. 22 como relação entce a vontade estatal e a vontade individual.
No ordenamento jurídico penal, existem, aliás, regras que só
20
Zitelmann, Irrtum und Rechtsgechéift, p. 201, apud B. Petro-
cellí, ob. cít., p. 129. 23 Estes valores são os bens e interesses jurídicos. A respeito,
21
Carlo Esposito, La conoscenza âella Legge nel Diritto e nella v. Miguel Polaino Navarrete, El bien [uriâico en el Derecho Penal, 1974.
morale, in Rivista Internazionale di Filosofia del diritto, 1935, p. 413. 2-1 M. Gallo, ob. cit., p. 126,.
22
H. Kelsen, HaJyptprobleme, p. 138, apud Petrocelli, ob. cit., 25 E. Mezger, ob. cít., II, p. 240.
p. 131. 26 G. Bettiol, ob. cit., p. 66.

1
68 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 69

podem ser explicadas pela função imperativa do direito. As contraditório. Por definição, comando é algo atuante, é ordem
normas sobre a culpabilidade são sempre valorações da posição efetiva, dirigida a alguém, que, por necessidade lógica, só
do sujeito ante o dever jurídico. 27 Também o princípio da funciona quando possa ser conhecido. Não é admissível sus-
legalidade só se explica ante a função imperativa do direito tentar, como faz M. Gallo, que a lesão de direito só pode ser
e não teria razão de existir se este fosse simples juízo hipo- estabelecida mediante um ato de vontade que se rebele contra
tético. os valores normativamente propostos e, depois, admitir que
Ora, se o direito é conjunto de comandos e proibições esta rebeldia possa configurar-se independente da possibili-
parece óbvio que para atuar deve poder ser conhecido pelos dade de cíêncía, pelo particular, dos valores contra os quais
destinatários, pelo menos de uma maneira profana. Um co- se opõe. 31 Trata-se de posições incompatíveis e os que tenta-
mando só pode funcionar como tal, quando dele tenha ou ram conciliá-las terminaram negando a própria natureza
possa ter conhecimento o comandado. De outra parte, sendo imperativa que pretendiam salvar. 32
da estrutura da culpabilidade o contraste entre o querer indi- Curiosa, a respeit:o, é a posição de Petrocelli, para quem
vidual e a vontade do direito, não há como negar, que para a se deve distinguir entre necessidade lógica do conhecimento
vontade do particular ser considerada como desobediente é da lei e prova deste conhecimento. Afirma que para ser co-
necessário que a norma lhe tenha sido conhecida, ao menos mando o direito deve ser conhecido, mas que isto não significa
potencialmente. es que, caso por caso, seja necessária a prova desse conhecimento,
Adotada a concepção imperativa, não é fácil conciliar a prova que seria tão incerta a ponto de impossibilitar o fun-
natureza do direito com o princípio da irrelevância do des- cionamento do Direito Penal. Apresentar-se-iam na matéria,
conhecilmento do injusto. Houve, é certo, tentativas de harmo- duas exigências: uma, de ordem lógica, da necessidade do
nizar ais, duas coisas. A função imperativista do direito não conhecimento e, outra, de ordem prática, de não permit:ir a
levar~a à necessidade do conhecimento da lei, porque tal prova a respeito. A fusão destas exigências conduziria a re-
funçao seria predisposta, não em relação às simples indivi- solver o problema, reafirmando o critério da presunção do
dualidades, mas em confronto à maioria dos destinatários. w conhecimento da lei, solução mais próxima da realidade das
O pensamento central da concepção imperativística vale coisas. 33
dizer, a idéia de que a proposição jurídica const:i.tui um' anelo Se bem que represente louvável esforço no sentido de
dirigido à vontade dos destinatários signífícaría, não que a harmonizar os preceitos, de direito posítivo acerca da irrele-
norma seja um comando, mas que é idônea a funcionar vância do desconhecimento da lei com a função imperativa do
como tal. 30 direito, essa orientação parece insustentável. Além de reviver
Estas explicações, porém, são deficientes. Dizer que a a desacreditada teoría da presunção absoluta do conhecimento
norma é um comando em potencial, é adotar um conceito das leis (supra n.? 22), incide a formulação de Petrocelli, em
manifesta contradição, uma vez que, depois de declarar pe-
27 B. Petrocelli, ob. cit., p. 133.
za
A. Pecoraro-Albani, ob. cít., p. 70.
29 31 M. Gallo, ob. cít., p. 127.
Remo Pannaín, Manuale di Diritto Penale, 1950, I, p. 300;
M. Gallo, ob. cít., p. 131. 32 A. Pecoraro-Albani, ob. cít., p. 72.
ao M. Gallo, ob. cít., p, 127. 33 B. Petrocelli, ob. cít., p. 136.
70 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 71

remptoriamente que a obrigatoriedade da lei está subordinada sívas, Se se pudesse alegar o desconhecimento da lei penal,
ao seu conhecimento, vem a afirmar que este conhecimento para eximir-se o agente de responsabilidade, não haveria mãos
é presumido juris et de jure. Com isto, estaria impossibilitada a medir na formulação e conseqüente · acolhimento das
qualquer investigação acerca da conscíêncía da antijurídici- escusas". 37 o princípio umorantia legis nem excusai teria
dade, a qual reduzir-se-ia a mera ficção. 34 como fundamento uma exigência de é ará ter prático: "a ordem
Aceita a função imperativa do direito, o máximo que se jurídica não poderia subsistir sem que às leis se tornassem
pode conceber, ante sistemas legislativos que estabelecem a obrígatórías desde sua promulgação. Não seria possível, sem
proibição de invocar o erro de direito como escusa, é que há prejuízo do equilíbrio e da segurança que dimanam do direito
uma presunção juris tantum do conhecimento da lei. É a constituído, que a todo momento houvesse necessidade de
correta posição de Pecoraro-Albani. Nota ele que o próprio indagações a respeito do conhecimento e exata compreensão,
direito positivo, em alguns casos, admite a relevância do error por parte dos interessados, do preceptum legis aplicável". 38 À
iuris, como sucede nas hipóteses em que o agente deva estar exigência da justiça, de que haja a possibilidade de conhecer
consciente da arbitrariedade, injustiça ou ilegitimidade da os comandos e proibições para que se possa pretender a sua
própria conduta, bem como nos casos de erro de fato, derivado
observância, opõe-se outra exigência, não menos justa, qual
de erro sobre lei extra.penal e de erro sobre causas de justi-
seja, 'o interesse do Els1tado de que o vigor das normas penais
ficação. Em seguida, afirma que o ordenamento posâtívo, só
não reste ilusório, através de indagações sobre o seu conheci-
em linha de princípio, veda a prova da consciência da anti-
mente, o que determinaria a inaplicabilidade da lei em grande
jurídicidade, mas não exclui tal consciência aos fins da culpa-
número de casos práticos. 39
bilidade. Acolhe-se, assim, a teoria da presunção, que se mostra
a mais adequada à interpretação do direito. Mas a presunção A estas razões, acrescenta-se que em países culturalmente
não é absoluta e sim relativa. 35 menos desenvolvidos, emprestar relevância ao erro sobre a
antijurídicidade, seria pernicioso do ponto de vista da defesa
26. De maior prestígio são as teorias que fundamentam social. Nelson Hungria, depois de aludir à tendência, nos su-
a irrelevância do error iuris em razões de polítãca criminal. cessivos projetos de novo Código alemão, para a abolição da
Proclama-se, que se fosse necessário demonstrar, em cada diversidade de tratamento entre erro de direito e erro de fato,
caso, que o sujeito teve conhecimento da norma ou se este afirmava que "em países como o Brasil, onde impera o anal-
pudesse aduzir como escusa a ignorância ca mesma, a impe- fabet:ismo e em cuja vastidão a consciência jurídica do povo
ratividade do direito reduzir-se-ia a mera ficção. 36 Ao decla- escasseia à proporção que se distancia do litoral, seria erro
rar-se que a ignorância ou a errada compreensão da lei não gravíssimo a admissão da generalizada relevância do erro de
eximem de pena, firmar-se-ia, por isso mesmo, "um preceito direito. Afora o caso de crimes que atrocitatem: facionoris
considerado essencial para a plena eficácia das normas repres- habent, estaria criada para a gente inculta dos "morros" e

34 A. Santoro, Manuale, I, p. 361. a1 Basileu Garcia, ob. cít., I, tomo I, p. 274.


35 A. Pecoraro-Albani, ob. cit., p. 103. 38 J. Frederico Marques, ob. cít., II, p. 242.
36 G. Maggiore, ob. cit., p. 533. ao S. Piacenza, ob. cít., p, 129.

532 - 6
72 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 73

do remoto sertão, com o elastério da escusativa, um verdadeiro sacrificar a primeira, é um sistema imperfeito. Na verdade, a
bill de indenidade contra a justiça penal. Abolido, irrestrita- realização da justiça constitui valor jurídico superior à segu-
mente, o errar iuris non prodest, haveria uma demarcada pro- rança, à necessidade e à utilidade social. Invocando Hartmann
teção a indivíduos socialmente desajustados, redundando, em e outros filósofos do Direito, observa Everardo Luna que o
grande número de casos, no irrisório espetáculo da autoridade valor fundado é superior ao fundante: "Se a segurança é
penal sem função". 4º fundante e a justiça fundado, o valor jurídico superior não é
Se bem que não se possa desconhecer o valor prático da a .segurança, mas a justiça. Ora, se a segurança é fundante e
exigência política da aplicabilidade geral da lei, nem mesmo a justiça fundado, objeto da segurança é a justiça, isto é, o
as razões acima expostas conseguem convencer da necessi- que se msa assegurar, antes de tudo, é o supremo valor da
dade do princípio da ineficácia do erro sobre a antijuridi- justiça. Segurança de outros valores com o sacrifício da jus-
cidade. tiça não é segurança jurídica, mesmo que se trate de utilidade,
· Não é concebível que uma necessidade prática leve a con- porque não se pode definir a idéia do Direito sob o prisma da
seqüências que contrastam com o sentido de justiça. As utilidade, a qual cede diante do conceito de uma vontade pura,
dificuldades de orientar-se seguramente na selva das normas, meta ideal da sociedade juridicamente organizada". 42
são acentuadas pelas oscilações da jurisprudência e mesmo
Nem cabe invocar, como fundamento da supremacia das
pela imperfeição de muitas leis, elaboradas às pressas, para
razões de utilidade sobre as exigências de justiça, a dificuldade
satisfazer urgentes necessidades. Dadas as incertezas que ine-
de prova em matéria de erro sobre a ilicitude decorrente da
vitavelmente derivam de tal estado de coisas, é indubitável
ignorância ou falsa representação da lei. A dificuldade de
que a quem se engana sobre a lei penal, muitas vezes, não se
prova, além de constituir um problema estranho ao Direito
pode reprovar sequer por mínima negligência. 41 Ora, razões
de utilidade não devem chegar a este extremo de permitir a Penal, tem sido um tanto exagerada, em matéria de error
aplicação objetiva da lei penal, com a negação de imperativos iuris. Não está o juiz atual tão desamparado quando o direito
de justiça, até porque o respeito a tais imperativos constitui processual moderno põe em suas mãos a livre valoração das
uma necessidade social mais relevante do que a da própria provas. Ao contrário, no sistema do livre convencimento
eficácia repressiva das regras penais. Como ponderou Anibal sempre terá elementos para avaliar a sinceridade e escusabí-
Bruno, não pode deixar de conduzir o jurista à perplexidade, lidade da exceção do réu, de sorte que as possibilidades de
uma razão de política criminal, a que se contrapõe o princípio ilusão são mais aparentes do que reais. Não é impossível um
de justiça, princípio que constitui a limitação necessária às conhecimento seguro do juiz, já que a dedução não decorrerá
práticas sugeridas pela necessidade política. E o regime de apenas da alegação de ignorância, mas das circunstâncias
direito que não sabe satisfazer esta segunda exigência, sem concretas em que o fato se desenvolveu e da própria índole do
agente. Indagações mais difíceis são feitas pelo magistrado,
''º Nelson Hungria, ob. cít., I, p. 386 e O Erro de Direito em v. g., para distinguir o dolo eventual da culpa consciente ou
Matéria Penal, 1959 (Separata da Revista Scientia Jurídica, tomo
VIII, p. 15). ·12 A. Bruno, ob. cít., vol. I, tomo II, p. 495; Everardo da Cunha
41 F. Antolisei, ob. cít., p. 218. Luna, Estrutura Juridica do Crime, 1968, p. 115.
ALCIDES MUNHOZ NETTO
/\ lo~ RÂN 'l/1 DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA Pr:N/IL 75
74

a tentativa de furto do furto de uso. 43 O próprio Ministro 1•!111t nto d antijurídicidade, a fim de, ou isentar o autor de
Hungria, contestando o argumento de que a abolição do error Ili quando a ignorância seja plenamente escusável, ou
1111,
11 l.1 nu 1· a sanção, de acordo com o grau de desculpabilidade,
iuris nocet representaria um grave perigo, porque freqüente
1111 1 l rd , negar-lhe qualquer relevância quando derivada de
a alegação de desconhecimento ou equivocada interpretação
1·11 lpí v 1 de ajustamento do autor às exigências da ordem
da lei; é difícil demonstrar-lhe a insinceridade, ressaltou que
J111· cJI o-penal.
o erro de direito, como excludente de culpabilidade, só fun-
cionaria nos casos de total ru.sticidade do agente, ou quando
se tratasse dos crimes denominados convencionais, ou então
nos casos de noiatio legis, estando ausente do país, na ocasião
o excipiente, ou sendo perfeitamente possível o seu equivocado
ontendimento, Fora daí, a alegação seria toto coeio inveros-
símil ou lastreada de má fé. 44
Sob outro aspecto, não é decisivo o argumento de que, no
Brasil, por imperar o analfabetismo, seria imprescindível a
manutenção da regra da irrelevância do erro de direito. Pre-
cisamente, onde o número dos que desconhecem a lei é maior,
é que mais condenável se torna a rigidez do errar iuris nocet,
sendo. absurdo, pretender que a lei, elaborada para quem sabe
ler e meditar, raciocinar e deliberar com· segurança sobre os
problemas da vida, seja indistintamente aplicada a todos os
brasileiros, transformando-se em instrumento de iniqüidade
contra a parcela valorosa e respeitável de sua população,
representada pelos analfabetos e apedeutas, gente rústica e·
simplória, vivendo nos rincões afastados, nas vilas pacatas, de
costumes rudimentares e inocentes. 45 Do que se deve cuidar,
é de estabelecer um critério, que permita ao juiz, no uso de
seus poderes discricionários, examinar a alegação de desconhe-

J:1 E. Von Beling, Esquema de tierecno Penal, trad. de s. Soler,


1944, p. 78.
-11 Nelson Hungria, Novos Rumos do Direito Penal, 1962, in
Revista Forense, vol. 198, p. 24.
-1° José Duarte, Comentários à Lei de Contravenções Penais,
1958, vol. I, p. 400.
CAP ÍTULO IV

DOUTRINAS SOBRE A EFICÁCIA DA IGNORÂNCIA


DA ANTIJURIDICIDADE
27. Colocação do problema. 28. Teoria psicológica do dolo.
29. Teorias normativas do dolo. 30. Schuldtheorien: teoria
extrema e teoria limitada da culpabilidade. 31 . Crítica à
teoria dos elementos negativos do tipo. 32. Critérios para
a escusabilidade da ignorância do injusto por erro de
direito.

27. Em termos doutrináríos, o reconhecimento de eficá-


cia ao erro de proibição, bem como a extensão de tal eficácia,
dependem da posição que se atribua ao conhecimento da
antijurídicidade, na estrutura do delito. Há, a respeito, três
posições: a) a dos que negam à consciência da antijurídicidade
participação no dolo; b) a dos que incluem a consciência da
antijuridicidade entre os elementos intelectuais do dolo; e) a
dos que situam a consciência da antijuridicidade entre os
fatores que fundamentem o juízo de censura pessoal, em que
consiste a culpabilidade.
De cada uma das posições acima decorrem conseqüências
diversas. Para os que negam ao conhecimento da ilicitude
participação na estrutura do dolo, o erro quanto à proibição
é irrelevante, com possível ressalva apenas para os casos em
que, na própria descrição típica do crime, haja expressa refe-
rência à ínjurícídade e das descriminantes putativas decor-
rentes de erro de fato. Já para quem inclui a consciência da
antijuridicidade entre os elementos do dolo, a ignorância da
78 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 79

proibição, por implicar em convencimento da licitude da con- conhecimento -1 E1m suma, ante· as leg.slações que enunciam
duta, necessariamente o excluirá e, se escusável, também a a norma da absoluta inescusabilidade da ignorância sobre a
responsabilidade a título de culpa em sentido estrito. Perante lei penal.mão teria qualquer base dogmática a teoria que faz
a corrente doutrinária que situa a consciência da antijurídi- da consciência da antijurídicidade elemento do dolo. r;
cidade entre os fatores que fundamentam o juízo de reprova- f; comum, porém, entre os que adotam tal posição, o
ção pessoal incidente sobre o autor, a ignorância da ilicitude, reeonhecímento de que a consciência da antijurídicidade deva
de acordo com o grau de sua escusabilidade, será causa de ser exigida, excepcionalmente, nos casos em que a lei, ao des-
isenção ou de diminuição da pena, conforme anule ou atenue crever determinado delito, mencione deva o mesmo ser come-
a culpabilidade. :É útil examinar cada uma destas posições: tido ilegítima, abusiva, indevida, arbitrariamente ou sem justa
cama. Nestas e em semelhantes hipóteses que a doutrina
28. A teoria psicológica do dolo nega que a este pertença d.EnoJnina de ilicitude especial, a antijurídicidade da conduta
a consciência da antijurtdicidade. Diz-se que isto ocorre pelo é elemento constitutivo do crime e, por isto, deve ser conhe-
caráter objetivada antijurídicidade é a independência entre c'da. 0 Contudo, tal orientação não é pacífica, havendo quem
esta e a culpabilidade. 1 Sustenta-se mais que, para a exis- entenda que, nem mesmo nestas hipóteses, seria reconhecível
tência do dolo, seria exigida a intenção de ocasionar o evento, a necessidade de incluir a consciência da ilicitude no dolo.
mas não a intenção de violar a lei. 2 Acentua-se, também, que Expressões como indevidamente, ilegitimamente etc. repre-
emprestar à falta de consciência de antijurídicidade o eíeíto sentariam meras condições de especificação do genus da anti-
de excluir o do'o, não constitui solução recomendável, porque juridicidade e não da antijurídicidade penal. Estariam elas
leva erroneamente a considerar como culposo o procedimento integradas ao fato e, faltando aqueles requisitos, faltaria o
de quem sabe o que faz, mas não sabe que não deve fazê-lo. 8 fato constitutivo do delito, de sorte que o erro do agente sobre
Ao lado destes e outros fundamentos teóricos, freqüente- os mesmos seria erro de fato. 7
mente se invoca, como decisivo, um argumento de direito
constituído: em face das legislações que, expressamente, alu- 29. a) A inclusão da consciência da antijurídicidade no
dem à irrelevância do erro de direito, a regra de que' à' igno- dolo é defendida pela doutrina tradicional 8 e pela teoria ex-
rância da lei não escusa, basta para evidenciar a irnpossibili- trema do dolo. ~ Proclama-se que, como conceito jurídico, o
dade de in~luir no dolo o conhecimento da antijuridicídade. 3-à do~~~? se identif~c~ _c~~- a yontad~. ?f ~-º1:1 a r~pr~~~t~9ão,
A culpa moral e a cu.pa jurídica seriam coisas diversas:
nquanto a culpa. em sentido ético pressuporia sempre o • Antolisei, ob. cít., p. 179.
conhecimento da norma e do dever que dela deriva, à culpa 5 A. Frosali, ob. cít., § 287, p. 538.
o Antolisei, ob. cít., p. 188; F. Von Liszt, ob. cít., p. 414; E. Flo-:
jurídica, por força do error iuris nocet, subsistiria sem· aquele
rian, ob. cít., n. 358. .
7. A. Cristiani, ob. cít., p. 91; A. Frosali, ob. cit., n. 287, p, 5'38.
1 R. Nufiez, ob. cít., p. 12; A. Pirodi, ob. cít., p. 90. s Carmignani, Elementa iuris criminalis, 1829, I, p. 55; Romag.,.
V. Manzini, ob. cít., p, 331. nosí, Genesis, § 1.334; oarrara, Programa, § ·69; Pessina, ob. cit.;
:1 Graf Zu Dohna,· ob. cít., p. 76. p. 332; E. Ferri, ob. cít., p. 399; Belíng, ob. cít., § 24.
ª-" E. Gomez, ob. cít., p. 437. !J A. Bruno, ob. cít., I, p. 451.
ao ALCIDES Murrnoz NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 81

no sentido natural ou psicológico destes termos. Supõe rela- r social, tornar-se-ia impossível considerar dolosas, infrações
ção frente à ordem normativa, ante a qual o fato, com ante- Jl e não contrastam com princípios éticos, como as de criação
rioridade lógica, foi qualificado, isto é, a corusciência ou a p lítica. Também os delinqüentes habituais, privados de senso
vontade de violar a lei. Acrescenta-se não ser possível fazer 1 oral, não cometeriam infrações: com dolo, o mesmo ocorrendo
referência ao conteúdo subjetivo doloso de uma ação, senão · m quem pratdcasse o crime por sentir-se a tanto obrigado
pensando que esta é proibida. 10 A mera consciência de oca- p r imperativos de consciência, ditados por sentimento reli-
sionar o resultado é considerada insuficiente para caracterizar f'I so. 15 Por tais motivos, insiste-se em ser indispensável ao
o dolo, porque tal consciência também existe na culpa impró- ct lo algo miais que o conhecimento da lesividade, imoralidade
pria ou por extensão. 11 Sob outro prisma, argumenta-se que o desvalor social da ação, ou seja, a consciência da antijuri-
a exigência da capacidade de conhecer a criminalidade da dlcídade, entendida como o conhecimento profano de que se
conduta para que o autor seja imputável e a isenção de pena r liza algo proibido, reprovável pelo direito, infringente de
por convicção de licitude, derivada de erro de fato (descrímí- uas obrigações jurídicas. 10
nantes putativas) pressupõe a aceitação do conhecimento da Inelutável conseqüência da presença do conhecimento da
antijurídicidade como elemento do dolo. Tal requisito nem tijuridicidade, entre os elementos intelectuais do dolo, é a
mesmo pode ser substituído pela representação do caráter t x lusão deste pela ignorância da proibição. Com efeito, a
lesivo. da ação, 12 ou de sua imoralidade ou de seu desvalor t rrônea convicção de licitude é absolutamente incompatível
social. 13 Relacionada aos critérios pessoais do autor, a cons- -om o conhecimento de estar contrariando o direito. Inciente
ciêr:cia: da lesividade da ação conduz a um intolerável subje- d> contraste entre o comportamento e o dever êtíco-jurídíco,
tivismo: a valoração legislativa de um interesse seria substi- ,, utor poderia ser punido a título de culpa, jamais de dolo. 17
tuída pela valoração pessoal de quem atua e a suposição de ndo o conhecimento da antijurídicidade exigência positiva
não estar causando um dano excluiria o dolo mesmo que d< dolo, a ignorância da ilicitude incluir-se-ia na respectiva
presente o conhecimento do caráter proibido da ação. 14 Exi- t. • ria, como sua face negativa, para o efeito de excluí-lo. 18
gida a representação da imoralidade da ação ou de seu desva-
A esta construção opôs-se o inconveniente prático de per-
til t r a impunidade em larga medida. Desde que o delito
10 S. Soler, D. Penal Argentino, II, § 42, p. 99.
11 P. Mantovani, ob. cít., p, 96. «utposo só é punível quanto a um limitado número de tipos
12 A consciência da lesividade da ação foi considerada elemento
do dolo por Impalomení, ob. cit., p. 246; A. Rocco, L'oggetto deZ Rea- 111 No sentido do texto, Antolisei, ob. cít., p. 182; R. Pannain,
to, n. 161; M. Gallo, Il Dolo, Oggetto e Accertamento, 1952, p. 164; 111, lt., p. 305; E. Belíng, ob. cít., p. 30; J. Cordoba Roda, ob. cit.,
F. Von Liszt, ob. cit., p. 412; Arthur Kaufmann, Das Unrechtsbe- p O ; B. Petrocelli, ob. cit., p. 125.
wusstsein in der Schuldlehre, 1949, p. 194.
13
10 Mezger, ob. cit., II, p. 143; L. J. Asúa, La Le'JI y ei Delito, p. 389.
A teoria sobre a consciência da imoralidade no dolo tem
11 Beling, ob. cit., p. 82; s. Soler, ob. cít., vol. II, p. 79; Miguel
origem no conceito de dolus malus · do Direito Romano e foi susten-
e hw 1 z r, El error de derecho en materia penal, 1964, p, 79; A.
tada pela Escola Romanista Italiana (cf. L. J. Asúa, Tratado, vol. V,
1111111 , ob. clt., II, p. 493 e E. Magalhães Noronha, ob. cit., I, p. 193.
p. 457). A respeito da representação do desvalor social como com-
ponento do dolo, ver L. J. Asúa, Tratado, v, p. 459. 111 • Mezger, ob. cit., p. 94; sauer, ob. cit., p, 229 e Lúcio E.

14 P. Albani, ob. cít., p. 80. 111 rc r , El Error en Materia Penal, 1971, p. 135.
ll!l ALCIDES· -MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

penais, comportamentos de gravidade considerável teriamque para situá-lo no campo da culpabilidade. Este é o juiz de
ficar impunes pela ausência do correspondente tipo culposo, censura pessoal, que recai sobre o autor, juízo para o qual
quando o autor não tivesse representação da ilicitude de seu se deve levar em conta o conhecimento real ou potencial do
atuar, ainda que, com uma diligência mínima, o. erro tosse injusto. Diz-se que culpabilidade é reprovabilidade: acarreta
evitável. rn ao autor a reprovação pessoal por não haver omitido a ação
b) Tenta sanar tal defeito a teoria limitada do dolo. 20 antijurídica apesar de haver podido omiti-la. E como tal re-
Também para esta, o erro de proibição, quando evitável, exclui provação pressupõe que o autor podia formar sua dec'são de
o dolo e deixa subsistente a responsabilidade a título de culpa. maneira adequada à norma, segue-se que é necessário esti-
Porém, quando o autor haja revelado, com seu ato,· uma vesse ele em condições de conhecer a antijurídicidade. Ora,
e pecial cegueira jurídica é cabível castigá-lo como se houvesse incidindo o erro de proibição sobre tal conhecimento; consti-
procedido dolosamente. tuiria não causa de exclusão do dolo, mas de atenuação ou
' da reprovabilidade. Como o erro evitável da proibição
exclusão
Esta solução, entretanto, não é uma solução sistemática,
mas uma especulação fundada em pressupostos éticos. A atenua a reprovabilidade e, portanto, a pena, na medida de
especial cegueira jurídica é um conceito vago, cujo conteúdo sua desculpabilida-de, resulta que deve ligar-se à cu1pabiEdade.
é impossível de precisar e que pode se prestar a todo gênero Ou em outras palavras: não· pressupondo o dolo o conheci-
de arbitrariedade. 21 mento da norma, a consciência do injusto não o integra. Seu
lugar sistemático é no juízo da reprovação, isto é, na culpabi-
3(). Tendo em vista. que a inclusão da consciência da lidade. E como a culpabilidade é uma valoração e não um
antijur.dicidade na estrutura do dolo toma deficiente a tutela processo psicológico, não é necessário que o conhecimento do
dos interesses sociais, por conduzir à absolvição de todos que, injusto se apresente em forma atual, bastando que seja po-
por erro culposo acerca da ilicitude da conduta, cometam tencial. A falta de conhecimento do injusto const:itui erro de
delitos só puníveis na forma dolosa, te · a cul abili- proibição (independente do erro de tipo), a ser díscíplínado
dade, sem incidir nos inconvenientes da teoria Íimitada d;- no âmbito da culpabilidade. O delito é um processo tipica-
dolo, ofereceram outras soluções. mente antijurídico que se reprova ao autor por haver podido
As Sctiuuitheorieri 22 são aceitas pelos partidários da teoria conhecer o injusto de seu atuar. O conhecimento do injusto
tinalhsta da ação. Concebendo o dolo como a simples cons- encontra-se fora deste processo, não podendo, por conseguinte,
ciência e vontade de realizar o tipo objetivo, ,o finalismo des- ser elemento do dolo. Real ou potencial, é tal conhecimento
loca o conhecimento da antijurídicidade da estrutura do dolo, elemento da culpabilidade, autônomo frente ao dolo. 2':
Há, entretanto, divergências quanto ao tratamento do
1H Enriqu Cury, Orientacion. para el estudio de la teoria del
erro sobre as causas de justificação, originado de má aprecia-
delito, 1973, p. 207. · · i.
eo Mezger, Tratado, II, ps. 151 e segs. e D. Penal, Libra de estu- ção dos fatos: uma corrente considera que tal erro deve ser
dto, trad. de Conrado A. Finzi, 1955, I, p. &9, II, 4, ps. 250 e segs,
21 Enrique Oury, ob. cít., p. 208. zs H. Welsel, ob. cít., § 19; R. Maurach, ob. cít., II, ps. 131 e 144;
~:J. A evolução da Schuldtheorie é exposta com maestria pôr J. Richard Busch, Modernas Transformaciones en la teoria del delito,
Cor.,oba Roda, ob. cit., ps. 111 e segs. · ·· ·· 1973, p. 20.
84 A IGNORÂNCIA DA ANTI.JURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 85
ALCIDES MUNHOZ NETTO

equiparado ao erro de proibição por desconhecímerito da Corno se vê, a teoria extrema da culpabilidade leva às
últimas conseqüências a colocação da consciência da antiju-
norma,. ou ~o âmbito de uma causa descriminante, porque
rldícldade, não na estrutura do dolo, mas entre os fatores do
ambos implicam em ignorância da antijuridicidade (teoria
juízo de reprovação)A grande vantagem desta teoria é a de
extrema da culpabilidade); outra corrente distingue entre o
impedir espaços vazios ou brechas no sistema dos fatos puní-
erro ~~e c~nsiste na suposição de um fato inexistente, do qual
veis, inevitáveis ante a teoria normativa do dolo (teoria
se or.g nana um erro de tipo, com exclusão do dolo e aplicação
extrema), em caso de ignorância vencível da antijurídicidade,
da pena correspondente à culpa, sempre que o erro for evitável
em crime não punido na forma culposa. Com efeito, como já
e existir o correspondente tipo culposo, e o erro de quem,
se viu, para evitar a impunidade, em tais casos, face à referida
embora tenha apreciado corretamente a situação de fato,
posição, seria necessário ou criar-se um crimen culpae, de que
engane-se quanto à espécie ou âmbito de uma causa de justi-
ficação, erro este que será considerado de proibição, excluindo de início cogitou a doutrina alemã, concebendo-a como uma
a culpabilidade, se inevitável e a atenuando, facultativamente, culpa de direito fundada na negligência do autor em repre-
se evitável (teoria limitada da culpabilidade). sentar-se acerca da ilicitude de seu atuar, 25 ou como se pensou
a) teoria extr da-culpabilidade (strenge Schuld- depois, em presumir o dolo, se a ignorância da antijurídicidade
theorie) evita desigualdade no tratamento de situações aná- derivar de cegueira jurídica ou animosidade ao direito, ou
logas (ignorância da antijurídicidade por erro vencível de .seja, de atitudes incompatíveis com uma razoável concepção
direito e ignorância da antijurídicidade por erro vencível de de direito e injusto. 26 Ma.s, estas soluções são inaceitáveis,
fato). Em qualquer dos casos, o decisivo é a possibilidade ou seja porque a culpa jurídica é dificilmente concebível em certa
não, de ser o autor censurado pela ignorância do injusto. categoria de delitos, como as, fraudulentos, 27 seja porque o
Inexistindo censura, não há culpabilidade nem pena. Ocor- conceito de cegueira ou hostilidade é demasiadamente in-
rendo esta, o respectivo grau é levado em conta, para o efeito certo. 28
de sua facultativa atenuação, pois a ignorância é, então, b) Segundo a teoria limitada da culpabilidade, a distin-
imputável à negligência. Tal negligência pode residir, quer ção entre erro de fato e erro de direito sobre causãs de [usti-
na falta da devida atenção à situação fática, quer na displi-
cência do autor em informar-se sobre as proibições jurídicas 25 Este tipo auxiliar de culpa jurídica foi aceito pelo Projeto,
ou a estas adequar o comportamento. Desta forma, o conhe- Alemão de 1936, cf. H. Welsel, ob. cit., § 22.
cimento da antijurídicidade, necessário à censura pessoal e, 20 Esta construção foi proposta em 1952 por Mezger; v . J. Cor-
portanto, à culpabilidade, não é só o conhecimento atual, mas doba Roda, ob. cit., p. 62.
o conhecimento potencial, vale dizer, a simples possíbílídade 21 Como salientou Nelson Hungria, não se compreenderia este
novum çenus de culpa jurídica nas hipóteses de crimes fraudulentos
de se dar conta do caráter ilícito do comportamento até
- '
porq_u~ o juízo de reprovação que integra a culpabilidade, é
"que uivam de espanto quando juntos com a culpa strictu senso".
<Em torno do Anteprojeto de Código Penal, in Rev. Bras. Criminal.
um juízo de valor e não um fato psicológico. 24 e D. Penal, vol. V, p, 9).
as R. Maurach, A Teoria da Culpabilidade, loc. cit. e H. Welsel,
24 H. Welsel, ob. cít., § 19 e R. Maurach, A Teoria da Culpabili-
Derecho Penal Aleman, 11.ª ed., trad. de J. B. Ramirez e s. Y. Perez,.
dade no Direito Penal Alemão, in Rev. Brasileira de Direito Penal e
Criminologia, vol. 15, ps. 20 e segs. 1970, p. 225.
n ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 87

ficação é necessária, porque no caso de erro de fato, o autor entre erro de fato e de direito. 31 De outra parte, ao afirmar
seria em si fiel ao direito, querendo observar a lei, cujas exi- que exclui o dolo o erro relativo à existência de um fato, que,
gências só não cumpre por desconhecer a realidade.)'Coisa se real, constituiria uma causa de justificação, a teoria em
diversa sucederia na hipótese de erro de valoração, p°6o_ qual apreço, implicitamente reconhece - desde o momento em que
o autor considera seu procedimento como justo, por uma o dolo deve se estender a todos os elementos do tipo - que a
representação viciosa no âmbito do dever jurídico. Neste· caso, ausência de causas de justificação constitui um elemento do
estaria _ele em proximidade muito maior de conhecer a infração tipo. 82
do direito, merecendo, portanto, a pena correspondente ao 31. Impõe-se, neste ponto, analisar a teoria dos elemen-
atuar doloso, que só poderia ser atenuada. 2D Schaffstein sus- tos negativos do tipo, pelas conseqüências que acarreta à
tentou que esta orientação é a que melhor se amolda ao estrutura do delito.
pensamento finalista, pois que o dolo deve ser referido a todos Trata-se de construção doutrinária nascida da preocupa-
os elementos do tdpo relevantes para a valoração jurídico- ção de enquadrar ais descriminantes putatívas (por erro de
-penal. Não é, por acaso, distinta, -indaga ele, a finalidade do fato) no § 59 do antigo Código Penal da Alemanha. 33 Para
sujeito dirigida a produzir a morte de seu inimigo e a do tanto, Adolf Merbel concebeu o tipo como o conjunto de todos
que atua para defender-se do agressor? E conclui: a exigência os pressupostos da pena (Gesamttatbestand). Entre estes
de um elemento pessoal deriva-se tanto do texto dos tipos pressupostos figuraria a não ocorrência de causas de exclusão
de incriminação, como do das causas de justificação. 30 da antijuridicidade. 34 A suposição pelo autor, em decorrên-
cia de erro de fato, de circunstâncias que, se reais, excluiriam
Contra a teoria limitada da culpabilidade opôs-se que, o injusto, equivaleria à suposição errônea de uma caracterís-
do ponto de vista dogmático, incorre ela no duplo defeito de tica negativa do tipo. Tal erro seria, portanto, erro de tipo, a
manter distinção entre erro de fato e de direito e de aceitar ser tratado da mesma forma que a falta de conhecimento das
a teoria dos elementos negativos do tipo. Ao distinguir entre características, positivas. Mais recentemente, a teoria dos ele-
o erro, relativo à ocorrência de um fato, que, a se ter produ- mentos negativos do tipo insere-se na concepção de que o
zido, daria lugar a uma causa de justificação (A produz a tipo constituí a ratio essendi do crime. 35 Em verdade, se o
morte de B por acreditar-se objeto de uma agressão inexis-
tente), e a situação espiritual de quem, com representação 31 H. Welsel, ob. cit., § 19; R. Maurach, ob. cit., vol. II, ps. 131
correta dos fatos, engana-se sobre a justificação da conduta e 144; Richard Busch, Modernas Transformaciones en la teoria del
delito, 1973, p. 20.
( A crê-se autorizado a exercer um direito de correção sobre 32 R. Maurach, ob. cit., vol. II, p. 140; J. Cordoba Roda, ob. cit.,
o menor B, que lhe é estranho), dá nova vida à distinção p. 115.
33 Carlo Frederico Grosso, L'errore sulle scriminante, ps. 32 e 57.
a1 V. Heleno Cláudio Fragoso, A Conduta Punível, p. 150.
en Robert Von Hippel, Deutsches Strafrecht, II, 1930, p. 349,
35 w. Sauer, Allgemeine Strafrechtslehre, § 14, I; E. Mezger,
aincâ J. Cordoba Roda, ob. cit., p. 112.
Leipziçer Kommentar zum Strafgesetzbuch, § 59, apud R. Maurach,
:10 F. Schaffstein, Putative Rechtfertigungsgrund, p. 196, aptiâ ob. cit., § 24, II. Entre nós, Miguel Reale Júnior sustenta que o juízo
J. Cordoba Roda, ob. cít., p. 118. da tipicidade e o da antijuridicidade constituem um mesmo mo-

532 • 7
88 ALCIDES MUNHOZ NETTO A ONORÃNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 89

crime é o "injusto tipificado", toda a circunstância que exclua 111 lo m n s, a ausência de errônea suposição de uma descri-
o injusto faz desaparecer a tipicidade. Ora, desde que as inlnunt . O primeiro entendimento levaria a incluir no dolo
causais de justificação são excludentes do injusto, equivalem 11111 i po leão psicológica impossível de se realizar em concreto.
elas às características negativas do tipo e o dolo resultará (' im f ito, pretender que o comportamento só é doloso
excluído, tanto pelo desconhecimento de uma característica uuundo o autor conheça, nem só as características positivas
própria e objetiva do tipo, como pela errônea suposição de fio tipo (v.g., ciência de que está a matar alguém), como
uma característica negativa, inexistente na realidade. l nd a inexistência de qualquer descriminante (v.g., ciência
Na Itália, a teoria dos elementos negativos do tipo conta t que não ocorre, nem estado de necessidade, nem legítima
com ampla simpatia, 36 sobretudo em face de contraposição c1 f sa, nem estrito cumprimento de dever legal, nem exercí-
legislativa entre, de um lado, a eficácia do erro sobre o fato 1 regular de um direito), equivale a criar um "dolo mons-
que constitui o crime (art. 47, I), e a eficácia da suposição truoso"," que permitiria fácil ilusão à lei. O segundo critério
de existência de circunstância de exclusão da pena (art. 519, pr cura evitar tal defeito, satisfazendo-se com que não seja
II) e, de outro lado, a inescusabilídade da ignorância da lei uposta a presença de círcunstâncías negativas. Não é ne-
penal ou da antijurídicidade (art. 5.0 ). A não punibilidade sária, alega-se, a representação da inexistência de qualquer
do erro sobre descriminantes, regulada pelo art. 59, II, é descriminante; basta que não haja errônea suposição de um
atribuída à exclusão do dolo, do mesmo modo que a tal fe- tado de fato que legitimaria o comportamento. 39 Se ocor-
nômeno é referida a relevância do erro sobre fato constitu- r r tal equívoco, o dolo não subsiste, sendo excluído por erro
tivo do crime. Diz-se que, tanto o erro que incide sobre cir- de tipo.
cunstâncias do tipo descritas na parte especial, na definição Embora esta construção permita unificar em uma só
de cada delito, quanto o erro sobre causas de justificação, categoria as duas espécies relevantes de erro de fato, não são
participam da mesma realidade, impedindo a caracterização poucos os reparos que lhe têm sido opostos.
subjetiva do ilícito penal. 37
Argúi-se que a teoria em questão acaba por identificar a
Aceitas tais premissas, ao dolo seria indispensável, ou a antijurídicidade com a típícídade. Se o tipo é composto nem
representação da falta de qualquer causa de justificação, ou, só pelas notas características do delito, incorporadas à des-
crição legal, como ainda por outras, de caráter negativo,
36 Adotam a teoria dos elementos negativos do tipo: P. Nuvo- extraídas de disposições gerais e consistentes na não ocorrên-
lone, 1 Limiti taciti della norma penale, 1947, p. 13; M. Gallo, Il con- cia de uma causa de justificação, sempre que desapareça a
cetto unitario de colpevolezza, p. 19; M. Siniscalco, La strutura del antijuridicidade da conduta também não subsiste sua tipici-
âeliito tentato, 1959, p. 193, n. 8; Maliverni, Scopo e movente nel
dade. 4° Com isto, cria-se um círculo vicioso, pois a tipici-
diritto penale, 1955, p. 98; s. Piacenza, ob. cit., p. 53; Boscarelli, Con-
tributo alla teoria del concorso di persone nel reato, p. 44; A. Pa- dade só pode ser afirmada depois da constatação da antíju-
glíaro, Il fatto di reato, 1960, ps. 142 e 396.
37 e. F. Grosso, ob. cít., p. 62. 38 H. Welsel, H. J. Hirsch e A. Kaufmann, apud J. Figueiredo
Dias, ob. cit., p. 413.
mento, faltando adequação típica quando ocorre uma causa de jus- 30 e. F. Grosso, ob. cít., p. 35.
tificação (Antijurídicidade Concreta, 1973, ps. 49 e 53). 40 Enrique Cury, ob. cít., p. 46.
ALCIDES MUNHOZ NETIO
IUNCJII N lA llA ANTIJURIDICIDAllE EM MATÉRIA PENAL 91
90

ridicidade, e a antijuridicidade só pode ser determinada .L si niíica que a segunda depende da primeira
depois da constatação da tipicidade. 41 Confundidos ficam, ll ntemente, o legislador, ao tipificar uma con-
assim, o objeto da valoração com a própria valoração, reali- r a mesma uma antijurídicidade penal, diversa
dades que correspondem a exigências diversas e que são do- m geral, pois, do contrário, não se entenderá
tadas de eficácia distinta: o fim do tipo é o de selecionar, •a constitutiva da tipicidade acerca de certas con-
entre as mais variadas espécies de comportamentos social- já eram consideradas ilícitas, antes que se lhes
mente perniciosos, aqueles que devam ter relevância para o uma sanção penal. Ora, a antijuridicidade é uma
Direito Penal; o fim da antijuridicidade é estabelecer a con- n 1 ,. t do o sistema jurídico, pois o direito não pode ter
tradição entre a conduta e o ordenamento jurídico em seu , 1 1c uma vontade, pelo que pretender um parcelamento da
conjunto. Desta forma, embora o fato constitutivo do crime 11 c•ILU l quivale a postular um absurdo parcelamento da
seja idêntico, em sua materialidade, quer quando subsistam ptóp1· i; rdem jurídica. 4s
causas de justificação, quer quando estas não se apresentem, N riticas procedem. Não é razoável fundir num único
diversa é a sua valoração jurídica: a afirmação da tipicidade 1 1111•1 L a antijuridicidade e a tipicidade. A constatação de
ímporba na constatação de um comportamento que não é 1111111, da tem que ver com a constatação da outra. A tipici-
penalmente indiferente; a constatação da antijuridicidade, l11ch1, im, não é constitutiva da antijuridicidade, mas ape-
em afirmar que a ação penalmente relevante não está auto- 11 1. limitativa dos efeitos penais desta. A função do tipo,
rizada por qualquer dispositivo de lei. Como o ordenamento 111 1•c11·t· nte da garantia do nullum crimen nulla poena sine
jurídico não se compõe só de proibições e mandatos, contendo I, f/1', de destacar entre as condutas antijurídicas, as que
também preceitos permissivos, a realização do tipo não é ne- cl -v m incidir em sanção penal. Há um sem número de com-
cessariamente antijurídica, podendo, no caso concreto, estar plll'l,1 m ntos contrários ao direito que não necessitam de
excepcionalmente permitida. Tanto a ação atípica, quanto a pc 111. riminaís, bastando, para conjurá-los, as sanções pró-
ação típica mas não antijurídica, não acarretam sanção pe- pl'l11 d s demais ramos do ordenamento jurídico. Assim,
nal. Contudo, valorativamente, são diferentes, no sentido de e 1111 u , dentre os comportamentos in genere socialmente
que a ação atípica é neutra de valor, ao passo que não o é a p< 111\. s s, a lei penal escolhe alguns, para o efeito de co-
ação típica ainda que [ustdfícada. Há evidente diferença entre 111 n r-Ih s uma de suas sanções, aplicável isoladamente ou
matar uma mosca e matar alguém em legítima defesa: 42 a 1 d s ito das conseqüências sancionatórias extra-penais
primeira hipótese não chega sequer a preocupar a ordem ( 1 c pura ão do dano, repetição do indébito, anulação do ato,
jurídica; a segunda exige da parte desta, acurada apreciação, 11111 l ti dmínístrativa ou tributária etc.) , cabe afirmar que
rara que se positive a inexistência da antijuridicidade. n I llzu, m última análise, uma limitação dos efeitos da an-
Assinala-se, ademais, que, atribuir ao tipo uma função l,I urldí idade no campo penal. Ao Estado, no uso de seu
constitutiva da antijurídicidade, leva a admitir-se uma anti- pnd •r d império, seria possível aplicar discricionariamente
juridicidade penal distinta da antijurídicidade geral. Se a m M penal ao caso concreto, pela só consideração da res-
tipicidade constitui a antijurídicidade, como querem Mezger pt ctlv: nveniência. Entretanto, em vista da gravidade das
41 H. Welsel, ob. cit., p. 81. 1· 1 Enrlqu oury, ob. cit., p. 46.
42 H. Welsel, ob. cít., ps. 80 e 119.
02 ALcmES MUNl:IOZ NE'lTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 93

penas crímínaís, da magnitude dos bens e interesses que as portanto, objetivo da antijuridicidade, que a faz una e igual
mesmas afetam, da segurança do direito e da necessidade de para todos os setores do direito, reconhece que existem tipos
respeito às garantias fundamentais do homem, esta facul- dístíntos em cada um destes setores. 44 Estes tipos distintos
dade é limitada pelo princípio da anterioridade da lei penal: significam que se pode exigir, na conduta antijurídica, ca-
por mais anti-social ou pernicioso que seja o comportamento racterísticas diversas conforme a sanção que se lhes cogite
antijurídico, a incidência da pena criminal pressupõe que o impor. Vários exemplos assim o demonstram: a) a pertur-
fato esteja previamente descrito em lei como passível de san- bação arbitrária da posse é matéria ou tdpo para sanção civil,
ção penal e que a espécie e limites desta hajam sido também mas não o é para sanção penal, a salvo que se apresente como
preestabelecidos. Desta forma, nada obsta considerar a an- furto, ou que o esbulho se revista de violência, grave ameaça
tijurídicidade como um prius em relação à tipicidade, no ou do concurso de mais de duas, pessoas (C. P., arts. 155, e 161,
sentido de que, em face de um comportamento conta-ária ao II), b) os danos não dolosos não são matéria ou tipo para
direito, é que cabe indagar a respeito das conseqüências ju-
sanção penal, mas só para sanção civil; e) ao contrário, a
rídicas que dele podem decorrer: se meramente civis, admi-
tentativa de crime é matéria ou tipo para sanção penal, mas
nistrativas, tributárias etc. ou se também penais. Adotado
não, em princípio, para sanção civil. Não obstante isto, como
este processo de verificação dos componentes do crime, a ti-
proclama Welzel, a simples perturbação da posse e os danos
picidade, evidentemente, não constitui a antijurídicidade, que
dolosos são, por igual, antijurídicos para o Direito Penal, que
lhe é pressuposto lógico. Em verdade, constando-se, de início,
contra ambos admite a legítima defesa, como também a ten-
que a ação não é contrária ao direito e, portanto, que não
tativa de crime é antijurídica para o Direito Civil, para ó
acarreta qualquer efeito sancionatório, ociosa se torna qual-
efeito, por exemplo, de medidas preventivas. O que é anti-
quer indação acerca da tipicidade: não há, então, porque se
jurídico num setor do direito, o é também em outro. 45
preocupar com a limitação dos efeitos penais da antijurí-
dicidade. • Se o tipo não é constitutivo da antijurídicidade, mas li-
mitativo dos efeitos penais desta, as indagações: a respeito
Sendo a antíjurídícídade, como contradição às exigências
destes dois elementos: estruturais do crime são autônomas e
jurídicas, geral e única. para todos os ramos do direito, a tipi-
independentes entre si. No processo de identificação do deli-
ficação penal não a cria, mas apenas a reconhece, para aliar-
to, tanto faz que se constate, em primeiro lugar, a antijurídi-
-lhe uma sanção específica. Realmente, enquanto a antiju-
cidade ou a tipicidade. A premissa de que a conduta é anti-
rídicidade é a contradição entre o concreto comportamento e
jurídica, não leva à conseqüência de que seja típica, da
o ordenamento jurídico em seu conjunto, a tipicidade é a
mesma forma que a adequação típica não implica necessa-
descrição objetiva deste comportamento, com a enumeração
riamente em antijurídicidade. As duas indagações são sempre
das particularidades: que deva apresentar para incidir em pena
necessárias. Apenas, sob o aspecto negativo, uma é· prejudi-
criminal. O juízo de antijurídicidade parte, pois, de um cri-
cial à outra, porque verificada a licitude do fato, torna-se
tério geral e é o mesmo para todos os setores do direito; já a
ocioso investigar-lhe a tipicidade, do mesmo modo que, afir-
constatação da tipicidade assenta-se num critério particular
e variável, pois esta difere de um para outro ramo do ordena- 44 H. Welsel, ob. cit., p. 78.
mento jurídico. Welzel, depois de salientar o caráter geral e, 45 H. Welsel, ob. cit., p. 78.
4 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 95

mada a atdpía, desnecessária e inútil, para efeitos penais, é a 32. O reconhecimento da eficácia da ignorância da
pesquisa da antijuridicidade. Se comumente parte-se do antijuridicidade por erro de direito traz, em contrapartida, a
exame da tipicidade, isto se deve a ser esta mais facilmente preocupação de fixar critérios para o reconhecimento de sua
identificável que a antijuridicidade. Com efeito, para fixar a escusabilidade. Sobretudo nos sistemas que admitem efeitos
adequação penalmente típica de determinado comportamen- absolutóríos ao escusável convencimento de licitude, por
to, basta o exame dos preceitos incriminadores do Direito ignorância ou errônea compreensão da lei, é necessário esta-
Penal, de número limitado e exaustivo, por força do nuUum belecer limites à escusabilídade, a fim de que não se abra
crimen nulla poena sine lege. Já, para estabelecer-lhe a an- brechas indesejáveis no sistema penal.
tijuridicidade, é indispensável o exame do ordenamento ju- Revivendo construções dos direitos romano, canônico e
rídico em seu conjunto, certo como é que a permissão para estatutário (supra ns. 13, 14 e 15) procura-se enumerar ca-
a conduta pode decorrer de preceito extrapenal, a exemplo suístícamente os erros de proibição escusáveis e os inescusá-
do que sucede com o exercício regular de um direito, com o veis. Para tanto, atende-se: ora à natureza universal ou
cumprimento de um dever legal e com o consentimento do convencional da norma violada; ora à possibilidade ou im-
ofendido em relação aos bens disponíveis. Ninguém ignora possibilidade de conhecer o autor a proibição ou o imperativo
que são estranhas ao Direito Penal as regras que impõem jurídicos; ora ao estar ou não o erro baseado em interpreta-
deveres de. praticar determinadas ações lesivas, facultam-lhe ções inexatas de órgãos públicos, administrativos ou judiciais;
o cometimento ou permitem a livre disponibilidade de deter- ora ao caráter generalizado, ou não, do falso entendimento
minado bem ou interesse. Desta forma, a precedência da do direito. Examinemos: cada uma destas soluções.
indagação da tipicidade sobre a constatação da antijuridici- a) Com fundamento na conhecida distinção [usnatura-
dade inspira-se somente em razões de economia, não se assen- lista entre crimes naturais e crimes convencionais, estabele-
tando em bases científicas ou dogmáticas .. Ora, se tipicidade ce-se a inescusabilidade do erro de proibição, quanto a ações
e antijuridicidade traduzem valorações diversas e indepen- incriminadas pelo direito natural. As condutas imorais, intrin-
dentes entre si acerca do comportamento humano, sobre cujo secamente más, reprovadas pela própria consciência antes de
caráter delituoso se perquire, não há como relacionar as o serem pelo direito positivo, não comportariam escusável
causas de exclusão do ilícito à tipicidade, nem as causas de ignorância de sua ilicitude. Em relação a elas, existiria uma
exclusão do tipo à antijuridicidade. A inexistência de uma intuição coletiva da respectdva criminosidade, capaz de impe-
em nada afeta a existência da outra. As causas de justifica- dir qualquer engano a respeito. Porém, relativamente às infra-
ção, portanto, não constituem fatores de negação da tipici- ções convencionais, de criação política, ditadas por contingên-
dade, da mesma maneira que a atipia não tem o efeito de cias de momento, seria facultado atenuar e até prescindir
excluir a contradição entre o comportamento e o ordenamento da punição, em caso de ignorância inculpável da ilicitude. 46
jurídico in genere. Dentro de tal esquema, não é, pois, acei-
46 Conforme expõe J. Figueiredo Dias, a tese da irrelevância do
tável a teoria dos elementos negativos do tipo, nem a conse- erro sobre direito natural remonta a Aristóteles e foi afirmada por
qüente classificação, como erro de tipo, das discriminantes Cícero, S. Paulo, Sto. Agostinho, S. Tomás e Kant (ob. cít., § 5.0,
putativas fáticas. Estas constituem, antes, espécies de igno- ps. 100 e segs.). Ver ainda A. Sandulli, ob. cit.; Impalomeni, ob. cit.,
rância da antijuridicidade. p. 245. Entre nós, Laertes M. Munhoz, ob. cit., p. 118.
96 .ALCIDES MUNH OZ NE'lTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 97

O mesmo raciocínio aplica-se ao caráter universal ou par- seqüência do princípio da relativa obrigação de conhecimento
ticular da infração, sobre a qual haja incidido o erro. A é ainda a admissibilidade da ignorância relevante em caso
escusabilidade será, em princípio, inadmissível quando se de ambigüidade da lei. Se o texto é ambíguo, não se pode
tratar de infração incriminada pela generalidade das legis- impô-lo, porque a obrigação de conhecimento da lei penal só
lações. Só os autores de delito não correspondentes às normas existe enquanto seja possível observá-la. Persistirá apenas a
universais de cultura podem, de regra, beneficiar-se da igno- responsabilidade a título de culpa, se era possível ao sujeito
rância. 47 esclarecer a dúvida com pessoas competentes, 51 ou se tinha
b) A escusabilidade da ignorância derivada da impossi- especial dever de informar-se acerca das normas jurídicas.
bilidade de conhecer as leis é admitida pelos que pensam que Na última situação estaria quem exerce profissões ou ativida-
a respectiva ciência deve ser presumida, ou que existe um des legalmente regulamentadas. Assim, o comerciante impor-
dever cívico de conhecê-la. Sustenta-se que quando a lei, que tador, v. g., precisaria esclarecer-se das condições de comércio
define novo crime, não chegue a ser divulgada no lugar em exterior, para não incidir em descaminho. Da mesma forma,
que este veio a ser cometido, a escusa deve ser admitida, uma os médicos, advogados, engenheiros teriam de estar cientes
vez que a razão ensina não ser absoluta a presunção do conhe- das proibições relacionadas ao exercício profissional. 52
cimento. 48 Afirma-se ainda que, se toda obrigação vale en- e) O efeito escusante da ignorância derivada de explica-
quanto seja exigível o seu cumprimento, a ignorância é rele- ção de funcionário ou de sentença judiciária impor-se-ia, por
vante, quando era impossível tomar conhecimento da lei, o ser iníquo castigar o particular que seguiu explicações de
que pode ocorrer, v. g., em épocas de calamidade pública, de agentes da administração, encarregados de fornecer esclare-
invasão inimiga, ou quando a publicação da lei se verificar cimentos sobre o alcance de determinada lei ou que repetiu
após a data marcada para o início de sua vigência. 49 No di- fato pelo qual, antes, fora judicialmente absolvido, face ao
reito francês, que admite a exceção de ignorância, quanto reconhecimento de inexistência de crime. 53 Em ambos os
às contravenções cometidas nos três dias seguintes à publica- casos, o sujeito procederia de boa fé, não se lhe podendo atri-
ção da lei (art. 4.0 , Dec. 5.11.1870), tem tido aceitação o buir qualquer censura pelo erro de interpretação da norma.
pensamento de que a impossibilidade de conhecer ~s leis deve Embora esta tese haja sido impugnada sob o fundamento de
valer também para os crimes, entendendo-se o vocábulo que nenhum funcionário administrativo recebe, de iure, facul-
contravenção no sentido mais largo de infração penal. 5° Con- dade de interpretar autenticamente as leis e de que o juiz, ao
decidir, dá uma interpretação atual à lei, relativamente a um
47 L. J. Asúa, Reflexiones, p. 113. fato, podendo esta interpretação ser superada com uma de-
Roberti, Corso Completi del Diritto Penale, 1833, I, p. 409,
48
cisão sucessiva, que fixe na vontade da lei um conteúdo
apud Frosali, ob. cit., p. 142 e Angíoní, ob. cit., p. 54.
49 V. Manzini, ob. cit., n. 328; E. Ferri, ob. cit., p. 429. 51 V. Manzini, ob. cit., n. 285.
so Pierre Bouzat, Traité Théorique et Pratique de Droit Penal, 52 Francisco de Assis Toledo, O erro no Direito Penal, 1977,
1951, n. 116, p. 148; Roger Merle-Andre Vitu, Traité de Droit Criminel, p. 105.
1973, n. 506, p. 572. ss Manzini, ob, cit., ps. 337 e 342.
98 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 99

diverso, 54 a Suprema Corte italiana admitiu absolvições fun- dificilmente estará em erro de proibição. Seu eventual engano,
dadas na boa fé, especialmente em caso de exata reprodução por, v. g., confiar que em recurso extraordinár~o: será resta~-
do fato não considerado criminoso por julgado precedente. 55 rada a decisão dniclal, constituirá erro evitável e, pois,
A hipótese de erro derivado de explicação de agente da inescusável. Se, efetivamente, sobreviver o reconhecimento da
administração pública pode se apresentar em matéria de Di- inconstitucionalidade da lei tributária antes impugnada, des-
reito Penal tributário. Nas épocas de entrega das declarações necessário será falar-se em erro de proibição, posto que sone-
de rendimentos para o lançamento do imposto sobre a renda, gação fiscal não terá existido.
o poder público costuma colocar à disposição dos contribuintes Outra é a situação de terceiros, que não tendo sido partes
funcionários credenciados para dirimir dúvidas sobre a tri- na ação, por conta própria, imitem o comportamento do liti-
butação. Se o particular procede de acordo com os esclareci- gante. Segundo Assis Toledo, o erro destes: tercei~os será'. e1:1
mentos recebidos, escusável será o erro em que, eventualmente, princípio, evitável, pois não recorreram, c~mo podiam,_ª-º Judi-
incida, acerca da inexistência de crime de sonegação fiscal. ciário. Todavia, havendo reiteradas e uniformes decisões, de
Diversa é a situação de quem, por opinião própria, suponha juízes diferentes, favoráveis a vários contribuintes, só tardia-
que certa norma perdeu sua eficácia, por revogação ou incons- mente reformadas em grau de apelação, escusável será o erro
titucionalidade da lei: neste caso, a escusabilidade não per- do estranho à lide, já que não se pode exigir do leigo que
siste porque o erro seria perfeitamente evitável. 56 conheça melhor o direito que o Poder incumbido de aplicá-lo. 57
O campo do direito tributário também pode propiciar d) A escusabilidade da generalizada ignorância da ilici-
situações de erro decorrente de decisões judiciais. Por man- tude deve seu reconhecimento à influência da doutrina civi-
dado de segurança ou ação declaratória, o contribuinte, v. g., lista francesa, que voltou a acolher a máxima errar comun~s
obtém, em primeira instância, o reconhecimento da incons- facit ius. Admite-se que uma epidemia de erro pode produzir
titucionalidade de certo preceito impositivo de obrigação fiscal. une sorte de bonne foi collective, eficaz a escusar, quando o
É óbvio, que enquanto persistem os efeitos da sentença, a erro recai sobre o fato e embora com menor largueza, mesmo
reiteração das violações à norma, tdda por inconstitucional,
quando recai sobre o direito. 58
não configurará delito tributário: mais do que erro escusável,
haverá, então, exercício regular de um direito. Reformada que e) Precisamente porque casuísticas, as soluções acima são
venha a ser a decisão de primeira instância, o tributo torna-se ínsatísfatórias. Não é, humanamente, possível estabelecer, a
ser exigível; mas as sonegações fiscais, ocorridas enquanto priori, os casos de erro escusável ou inescusável. Os critérios
persistiam os efeitos da decísão de primeiro grau, estarão sob serão sempre falhas, porque as infinitas peculiaridades ~os
o amparo de erro de proibição escusável. Se após a decisão de acontecimentos concretos podem tornar iníquas as soluções
segunda instância, o contribuinte teima em persistir na falta, pré-determinadas.
o importante é fixar um esquema geral, para que o
r,4 Frosali, ob. cít., § 59; R. Garraud, Traité Théorique et Prati- julgador, no uso de seus poderes discricionários, verifique,
que du Droit Pénal Français, 1930, I, p. 603.
55 Antonio Piroddi, L'errore di fato nel diritto penale, 1959, 57 Francisco de Assis Toledo, ob. cit., p. 121.
p. 15. ss Setti Dell'imputabilitá, 1892, p. 168; Longhu, La legittimitá
5G Francisco de Assis Toledo, ob. cít., p. 119. della resiste~za agli atti dell'autoritá, apud Frosali, ob, cít., § 59.
100 ALCIDES MUNHOZ NETTO

caso por caso, se ignorância da antijuridicidade pode ou não


ser desculpada e em que grau. Ora, a escusabilidade do erro
liga-se diretamente ao juízo de censura pessoal (supra, n. 30).
Como juízo de censura relaciona-se a um homem em par-
ticular e nunca a um tdpo abstrato e médio de criatura
humana, a escu.sabilidade do erro não deve ser apreciada à CAPÍTULO V
vista da ordinária atenção, isto é, das cautelas que teria um
tipo de ficção, criado mentalmente pelo julgador, segundo sua
pessoal capacidade de análise e ao sabor de suas convicções SOLUÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO
e sensibilidade. 59 Há de se ter em conta as possibilidades con-
33. Espécies legais de erro. 34. O erro na teoria do delito:
cretas do autor, nas circunstâncias em que procedeu. a) erro quanto a circunstância de fato constitutiva do
A apreciação da escusabilidade do erro de proibição, deve, crime; b) erro nas descriminantes· putativas; e) erro por
assim, obedecer às regras referentes à imprudência jurídico- suposição de licitude. 35. Presunção de culpa na punibi-
-penal. O erro será reprovável ao autor, só e na medida em lidade da ignorância da antijurídicidade por erro de di-
que podia ele aperceber-se da antijuridicidade, através de reito. 36. Tentativas de evitar a responsabilidade objetiva.
reflexão própria, acerca dos valores ético-sociais da vida co- 37. Erro de direito extrapenal e sobre elementos jurídi-
co-normativos do tipo. 38. Erros de exigibilidade.
munitária de seu meio. É preciso, em suma, que o autor, em
sua individualidade, pudesse prever a ilicitude, segundo sua
33. O Direito Penal do Brasil conserva a divisão entre
capacidade de conhecimento e que não haja infringido espe-
ciais deveres de informação ou esclarecimento. 60 erro de fato e erro de direito. Tal dicotomia figura no Código
Penal de 1940 (arts. 16 e 17) e no Código Penal de 1969
(arts. 20 e 21). Segundo a Exposição de Motivos do último dos
diplomas, manteve-se a distinção tradicional "não obstante
o reconhecimento da maior perfeição técnica da divisão entre
erro de tipo e erro de proibição, por ser tal regulação extre-
mamente complicada (sic) e estranha à nossa doutrina"
(n. 12). Também no Código Penal Militar, persiste a classi-
ficação de erro de fato e erro de direito (arts. 35 e 36). A Lei
de Contravenções Penais disciplina apenas o erro de direito
50 Acerca do critério do "homem médio" recorde-se a acertada
observação de Bettiol, "é o homem, concreta realidade, que age, que
(art. 8.0 ).
quer, que prevê, que vai preso, que é fuzilado, enforcado, decapitado; As modalidades de erro de fato contempladas pelas refe-
não o homem médio, '.'perigosa abstração" que deve ser possivel- ridas leis, dizem respeito ao erro sobre circunstância consti-
mente eliminada do setor do Direito Penal", D. Penale, p. 438. Ver tutiva do crime e ao erro sobre a existência da situação de
ainda a crítica de Miguel Reale Júnior, dos Estados de Necessidade,
1971, p. 46. fato que tornaria a ação legítima. Em ambos os casos, há
60 H. Welsel, ob. cít., ps. 240 e 245; R. Maurach, ob. cit., II, p. 159. isenção de pena. Se o erro é vencível, responde o autor a título
102 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 103

de culpa, quando o fato é punível sob esta forma. o terceiro positivo, aponta os componentes genéricos do comportamento
que provocar o erro, responderá pelo crime a título de dolo delituoso.
ou culpa. O conceito de crime incumbe à doutrina. Esta o tem
No que concerne ao erro de direito, o Código de 1940 encarado sob aspectos formais, materiais e analíticos. Formal-
estatui não eximir de pena a ignorância ou a errada com- mente, delito é o comportamento contrário às normas penais,
preensão da lei (art. 16), mas as inclui entre as circunstâncias punível com sanção criminal. Do ponto de vista material,
atenuantes, quando referentes à lei penal e, escusáveis crime é desvalor, seja pelo dano ou exposição a perigo de um
(art. 48, III). O Código Penal de 1969 e o Código Penal Militar bem jurídico, seja pela simples reprovação social da conduta
estatuem a atenuação da pena ou sua substituição por outra em si mesma, como sucede nos delitos de mera atividade. 1
menos grave, quando o agente, por escusável ignorância ou Heleno Cláudio Fragoso define materialmente o crime como
errada compreensão da lei, supõe Iícíto o fato (arts. 20 e 35). "a ação ou omissão, que, a juízo do legislador, contrasta vio-
A Lei de Contravenções Penais prevê facultativo perdão judi- lentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo
cial, em caso de ignorância ou errada compreensão da lei a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou que se con-
(art. 8.0 ). sidera evitável somente através da sanção penal". 2 O conceito
Omissa é a nossa legislação quanto ao erro de direito que artalítico leva em conta os elementos que compõem o crime.
incida sobre circunstâncias constitutivas do tipo (supra Ê este, portanto, o conceito que deve ser sucintamente exposto,
n. 9-d). Apenas as Exposições de Motivos dos Códigos Penais para os fins desta pesquisa.
fazem alusão a tal espécie de erro, quando decorra de igno- Em visão clássica, o delito compor-se-ia apenas de um
rância ou errada compreensão de lei extrapenal: a do Código elemento objetivo e de um elemento subjetivo. 3 Esta concep-
de 1940 declara- lhe a irrelevância, porque "não se faz dis- ção bipartida de crime, por sua insuficiência, foi abandonada.
tinção entre erro de direito penal e erro de direito extrapenal" De algum tempo, a doutrina encara o crime como a ação
(n. 14); a do Código de 1969, ao oposto, diz que o erro de típica, antíjurídíca e culpável. 4 Tais elementos não são partes
direito extrapenal é equiparado ao erro de fato, conforme
"o entendimento geral da doutrina e da jurisprudência" 1 v. .Manuel Pedro Pimentel, os crimes de mera conduta, São
(n. 12). Paulo, 1959.
2 Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Geral,
Ocorre, ainda, parcial omissão legislativa quanto ao erro
1976, p. 158, n. 121.
de fato ou de direito acerca da exigibilidade de comporta- a Adotam a concepção bí-partída: Bento de Faria, Código Penal
mento diverso (supra, n. 8 e, infra, n. 38). Brasileiro Comentado, 1958, p. 118; Oscar stevenson, Da Exclusão do
Crime, 1941, p. 62; E. Cunha Luna, Estrutura Jurídica do Crime e
34. Para fixar a posição sistemática das apontadas mo- Basileu Garcia, Instituições, vol. I, tomo I, p. 119.
dalidades de erro essencial e relacioná-las com os elementos 4 A concepção tripartida é adotada por e. e Silva, ob. cit.,
estruturais do crime, é necessário verificar quais são estes p. 75; Nelson Hungria, Comentários I, p. 187; Anibal Bruno, ob. cít.,
tomo I, p. 280; José Frederico Marques, Curso, vol. II, p. 20; E. Ma-
elementos à vista da lei penal brasileira, isto é, estabelecer-lhe galhães Noronha, ob. cít., I, p. 125; Vicente Sabino Jr., Direito Penal,
uma adequada teoria do delito. Com efeito, como parte da Parte Geral, 1967, vol. I, p. 120; Salgado Martins, Sistema do Direito
dogmática jurídica, é a teoria do delito que partindo do direito Penal Brasileiro, 1957, p. 164.

532 - il
104 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IG:'<ORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 105

autônomas do delito, mas seus componentes, cuja. análise estrito, considerados formas da ação culpável. O elemento
torna possível apreender o conceito unitário, ainda que com- normativo é a· exigibilidade de outro comportamento, indis-
plexo, da infração penal. pensável a que o autor possa ser objeto de censurá pessoal. A
Variam os entendimentos quanto à estrutura da ação, da imputabilidade, via de regra, é encarada como pressuposto ou
tipicidade, da antijurídicidade e da culpabilidade. A colocação elemento da culpabilidade. 7 •

sistemática das diversas categorias de erro, interessam mais Perante as concepções finalistas, a tipicidade requer
8

as posições acerca da tipicidade e da culpabilidade. 5 sempre elementos· objetivos e subjetivos: objetívos são os des-
O.Si partédáríos de concepções causais da ação encaram a critivos e os normativos; subjetivos, além dos I'éferentes aos
tipicidade como a reunião dos elementos que tornam o com- fins e motivos, são também o dolo e a cuÍpa em sentido estrito.
portamento correspondente ao descrito no preceito íncrímí- Argúi-se que as ações: dolosas não podem ser apreendidas sufi-
nador, Tais elementos são descritivos ou normativos, conforme cientemente sem a tendência da vontàde que 'às conduz· e
sua percepção decorra de simples cognição ou requeira um anima. A identificação da tipicidade, nas· ações culposas,
juízo de valor (supra, n. 7.). Só excepcionalmente, a tipicidade também requer uma: comparação entre a conduta do agente
exige elementos subjetivos. Isto ocorre, quando na definição e a que devia ter.vem atenção ao dever objetivo de cuidado. O
legal de determinado crime, vem mencionado um fim .ou um. dolo e a culpa, assim; fazem parte do tipo. No tipo subjetivo
motivo especial que devam informar a ação ou omissão. 6 doloso, há congruência entre a vontade do autor e a ação
A culpabilidade, segundo aindaas concepções causalístas, objetivamente realizada; no tipo subjetivo culposo, esta con-
compõe-se de elementos psicológicos e de elementos normati- gruência não ocorre, pois a ação é dirigida finali~'ticamente. a
vos. Os elementos psicológicos são o_dolo e a culpa em sentido um resultado situado fora do tipo; mas, porque realizada com
imprudência, negligência ou imperícia, a ação viola deveres
5 Aos limites deste trabalho extravaza uma exposição exaustiva objetivos de cuidado, atenção ou dílígêncía, impostos pelo
da teoria do delito; só cabe aqui um breve resumo sobre as posições nerninem. laeâere. 9
que influam na colocação sistemática do erro. Para melhor exame Situando o doloe a culpa na tipicidade, o finalismo, como
da matéria ver: Francesco Carnelutti, Teoria General del Delito, já se viu (supra, n. 30), expunge a culpabilidade de qualquer
1952; L. P. Mantovani, ob. cít.; Everardo Luna, Estrutura Jurídica do
Crime; Wilhelm Gallas, La Teoria del Delito en su momento actual, elemento psicológico. A culpabilidade é só processo de valora-
trad. J. e. Roda, 1959; Graf Zu Dohna, Teoria del Delito, trad. Carlos ção, ou seja; só juízo de censura que recai sobre o autor, por
F. Balestra, 1963; Juan Cordoba Roda, Una nueva concepcion del não se haver abstido da violação da norma, quando tal absten-
delito - la teoria finalista, 1963; H. Welsel, El nuevo sistema del ção lhe era possível. Integrantes da culpabilidade, em conse-
Derecho Penal - una introduccion a la doctrina de la accion fina-
lista, trad, J. C. Roda, 1964; Richard Busch, Modernas Transforma-
ciones en la teoria del delito, trad. Vicente Castellanos, 1970; Claus t Por todos, ver: Aníbal Bruno, ob. cít., tomo II, ps. 433,441 e 479.
Roxin, Politica Criminal ly Sistema del tierecno Penal, trad. de F: s Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, Parte Geral,
Mufioz Conde, 1972; Enrique Cury, ob. cít.; Heleno Cláudio Fragoso, ps. 165, 175, 176; Damásio E. de Jesus, Direito Penal, vol. I, 1977,
ob. cit. ps. 206 e 249.
o Aníbal Bruno, ob. cít., tomo I, p. 335; José Frederico Marques, o Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, ps. 186, 210, 238
Curso, vol. II, p. 77; Magalhães Noronha, ob. cít., vol. I, p. 127. e 240.
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 107
106 ALCIDES MUNHOZ NETTO

tecimento fortuito, pela' análise da' vontade, da omissão de


qüência, são os fatores necessários a que a vontade ou falta
deveres de cautela e da' previsibilidade ou não do resultado.
de cuidado do autor lhe possam ser reprovadas. Tais fatores
Dolo e culpa, portanto, têm de ser considerados para o efeito
são a imputabilidade, a exigibilidade de comportamento ade-
quado à norma e a potencial consciência da antíjurídícídade." da defin;ção jurídica do tato.: ou, com mais exatidão, para
A ausência de imputabilidade impede a reprovação, pois não estabelecer-lhe a tipicidade.
cabe .censura contra quem não possuía condições mentais de Situar a potencial consciência .da antijurídicidade no
entendimento ou autodeterminação. Diminuída apenas a ca- juízo de reprovação, característico da ação culpável, é muito
. pacidade intelectiva ou volitiva, reprovação existe, porém de mais exato do que considerar o efetivo conhecimento da anti-
forma atenuada. Em· ambos os casos, cumpre ínvestígar o jurídicidade como elemento ao' dolo. Esta últáma solucão cria
• - ' j

estado perigoso do autor para a eventual aplicação de medidas uma dificuldade insolúvel, quanto às ações dos inimputáveis.
asseguradoras. Também a inexigibilidade de outra conduta, Se ao dolo tosse necessária a .conscíêncía da ilicitude, nunca
conforme o seu grau, obsta ou reduz a censurabilidade pessoa 1. se poderia, ter como dol_osa a conduta de quem, por deficiências
Como o direito não pode impor o heroísmo ou o estoicismo, não mentais, não tem conhecimento do caráter ilícito do fato.
é reprovável, ou o é menos, quem, por circunstâncias externas, Ora, mesmo nas ações dos ínímputáveís, é . preciso verificar
foi compelido à.prática do delito. Da mesma forma, a ausência se foram praticadas com dolo ou corri culpa em sentido estrito.
de conhecímento da antijurídicidade influi na censura pessoal, Diversa é a valoração objetiva de um homicídio doloso qua-
conforme o desconhecimento seja escusável ou vencível lificado, cometddo por um louco, que a de um simples homi-
( supra, n. 30) .. cídio culposo pelo mesmo praticado. A diferença entre as duas
situações tem de ser levada em conta, inclusive quanto ao
Entendemos que as posições do finalismo são as mais
grau de periculosidade do inimputável, maior quando a sua
satisfatórias.
vontade está dirigida à perpetração do delito, do que quando
· A inclusão do dolo e· da culpa no tipo deflui de uma ne- orientada para fins lícitos, com mero descuido na execução
cessidade lógica insuperável. Realmente, pata· estabelecer a da ação (Qual o inimputável mais perigoso: o estouvado, que
adequação · 'típica de certos comportamentos, · é· necessário em desabalada carreira, durante um folguedo, derruba um
atender ao dolo do autor, bem como, à culpa em sentido es- círcunstante, produzindo-lhe fratura óssea, ou o que, delibe-
trito. Em face, v. g., da intencional causação de um ferimento radamente, fere a cabeça. de outrem nela batendo com uma
em outrem, só se pode estabelecer se se trata de uma lesão barra de ferro?). Ademais, nos sistemas em que a duração
r orporal dolosa consumada ou de uma tentativa de homicídio
mínima da medida de se~tlrança para os inimputáveis rela-
através do dolo. Se o exame do dolo é essencial para estabele- cíona-se _'ao mínimo da pena comínada ao crime· (C. P. de
cer a tipicidade nos crimes tentados, também o é quanto aos J940, art, 91), será obrigatória a classificação de suas ações
crimes consumados. Diante, por exemplo, da produção da como. dolosas ou. não. Os quesituam a consciência da antiju-
morte de um homem, só se pode decidir se se trata de um ridlcídade como elemento do dolo; para. compatibilizar a pre-
homicídio doloso, de um homicídio culposo ou de um acon- tensa inexistência de dolo nas ações dos inimputáveis, com
esta necessidade de adequar a medida de segurança- à gravi-
10 Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 212; Damásio dade do crime e, portanto; ao caráter doloso ou não das acões
, ,
E. de Jesus, ob. cít., p. 404.
l()tl ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 109

, êt>m-se obrigados a criar, para eles, um tercius genus de dolo, argumentando, quer com o postulado da culpa moral, quer
isto é, um dolo natural diverso do dolo normativo e consistente com o.sentído retributivo da pena, quer ainda com as alusões
tão só na representação e na vontade de praticar a ação. 11 à antijurídicidade especial, em determinados tipos delituosos.
Muito mais simples.e correspondente à realidade das coisas, é Diz.,se que se o Código consagrou o princípio da culpa moral,
reconhecer que os inimputáveis também praticam ações inten- à punibilidade é necessária a consciência do injusto, sem a
cionais e ações descuidadas. Reduzido o dolo à representação qual não se concebe livre determinação da vontade, com a
e .à vontade da ação típica, suas condutas poderão ser dolosas escolha · entre o procedimento honesto e o criminoso nem
ou não. Para o reconhecimento do dolo, basta a constatação é colocada à prova a capacidade de resistência à prática de
da existência da. vontade do inimputável. em praticar o delito atos contrários à ordem jurídica. Por outro lado, sé a pena é
ou de sua anuência em cometê-lo. A qualidade desta vontade preponderantemente retributiva, ao menos nos momentos da
(se livre ou 'r1ão;
ke válida ou viciada) não influi na estru- cominação e da imposição, não se explica que a ação conscien-
tura do dolo: será examinada depois, na constatação da culpa- temente criminosa seja equiparada à ação de boa fé; só porque
bílidade, paI'~'.o efeito de excluir-se a censura pessoal e, pois, esta também foi voluntariamente dirigida à objetiva execução
a pena, pela ausência · da capacidade de entender o caráter do fato. Ademais, se em alguns típos alude-se expressamente
criminoso do fato, ou de determinar-se de acordo com este à antijurídicidade, exigindo-se que a ação seja praticada in-
entendimento ... devidamente, ilicitamente ou. sem justa causa etc., não há
porque não aceitar · condições semelhantes em relação aos
Particularmente, em matéria de erro de proibição, situar
demais crimes. Inconcebível fosse a lei exigir naqueles. ele-
a potencial consciência da ilicitude no juízo de culpabilidade,
mento. totalmente estranho ao dolo dos outros delitos, pare-
melhor atende, aos interesses da defesa social, como acima
cendo mais lógico e coerente haver apenas achado útil dar
ficou salientado (supra n. 30). mais ênfase, em determinados tipos, ao fator consciência da
·É certo que a maior parte dos autores brasileiros inclui antíjuridieidade, que integra sempre .o dolo. 1,3
a consciência da antijurídicidade entre os elementos do dolo, 12 os· fundamentos acima não são, porém, decisivos. Pres-
tam-sé a que a consciência da antijurídicidade seja conside-
11 o que expõe Aníbal Bruno, embora criticando tal solução,
É rada como .fator do juízo de censurapessoal. A constatação
ob. cit., tomo. If, p. )44, n. 3. .de que alguém haja atuado culpavelmente, expressa um juízo
12 São partidários do dolo normativo: Nelson Hungria, ob. cit., sobre a rasetnterna da ação e é óbvio que reprovação mais
vol. 1, p. 339; r..aertes M. Munhóz, ob. cit., p. 41; Salgado Martins, grave alcança a quem atua antijurídicamente, tendo ou po-
Sistema de Direito Penàl, § 110 e Direito Penal, 1974, p. 214; A. Bruno,
ob. cit., tomo I, vol. i, p. 451; José Frederico Marques, ob. cít., vol. n, is E. :Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 175. Há explicação
p. 202; E. Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 174; René Arlel histórica para o uso das aludidas expressões: os fatos em relação
nottí, O Incesto, '1976, p. 177, nota 18; Vicente Sabino Jr., Direito aos quais vem mencionada expressamente a ilicitude, até bem pouco,
Penal, 1967, vol. I, p, 149. Negam a consciência da antijuridicidade não eram reprovados 'pela consciência social. Para fazer compreen-
no dolo: A. J. Costa e Silva, ob. cit., p. 107; Everardo da cunha Luna, d:r que tais fatos passaram a ser delituosos é que se destacou a
ob -. cít., p. 111;, .R Lyra Filho, Compêndio de Direito penal, 1973, antijuridicidade (v. Bettiol, ob. cít., p. 211; Frosali, ob. cít., vol. 1,
p. 175 e Galdin.o Siq~eira, ob. cít., vol. 1, n. 415, p. 495. § 291, p. 542).
110 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 111

dendo ter conhecimento de que a ação é antijurídica. 14 tivo culposo. Não assiste razão aos que divisam, na hipótese,
Também é inegável que a consciência da antijuridicidade re- falta de consciência da ínjurícídade e falta da própria possi-
laciona-se à normalidade de motivação, já que, sem percepção bilidade de tal consciência. iõ
da ilicitude, não há contraposição, no psiquismo do autor, Com efeito, quando o autor não tem, sequer, conheci-
entre os motivos e os contramotdvos para agir. mento que sua ação reúne as características constitutivas da
Diante do Código de 1969, parece impossível incluir a figura típica, não há porque indagar se possui ou não repre-
consciência da antijuridicidade no dolo. É que pelo seu art. 20, sentação da antijurídicidade. Tal investigação é ociosa, pois
só há atenuação ou substituição de pena, quando o agente, somente deve ter lugar se o autor agiu com consciência de
por erro de direito, supõe lícito o fato. A pena a ser atenuada estar desenvolvendo conduta típica. Então sim, é que cumpre
ou substituída é a do crime doloso. Como suposição de licitude verificar se conhecia-lhe a ilicitude ou se acreditava-se em
é antítese da consciência da antijurídicidade, segue-se que situação que legitimaria o comportamento. É claro que, no
esta, efetivamente, não é componente do dolo. Do contrário, mais das vezes, faltando a representação da tipicidade não
não se explicaria a punição-como dolosa, das ações praticadas há também; 'por efeito reflexo, eonsciência .da ilicitude.- Assim;
em estado de inteira boa fé. v. g., quem, ao sair de uma festa, leva guarda-chuva alheio,
Adotada a teoria do delito, acima exposta, pode-se esta- por confundi-lo com o próprio, não sabe que sua conduta
belecer a colocação sistemática das modalidades de erro corresponde à da definição legal do furto. Por faltar-lhe a
essencial, previstas em nosso Direito positivo. consciência de que subtrai coisa alheia, falta-lhe também a
renresentação de estar agindo ilicitamente. Em situações tais,
a) O erro de fato sobre circunstância que constitui o o não conhecimento da injuricidade é çonseqüêncía da não
crime, por obstar a representação da tipicidade, relaciona-se representação da tipicidade. Mas, nem sempre isto ocorre.
ao dolo e à culpa. O atuar doloso tem como pressuposto a Pode existir consciência da antijuridicidade da ação desejada
conscíêncía de estar realizando, em concreto, a ação corres- pelo incidente em erro e não haver.representaçãc da tipicidade
pondente à descrita em lei. Tal consciência é elemento inte- da conduta efetivamente realizada. Seria esta, por exemplo, a
lectual do dolo, da mesma forma que a vontade é seu elemento situação de quem desejando livrar-se do incômodo cachorro
volitivo. Só é possível querer aquilo que se previu. Diga-se o do vizinho, disparasse, na calada da noite, tiros contra a casa
mesmo da assunção do risco de produzir o resultado típico do animal, vindo a ferir um mendigo que ali, imprevisível-
(dolo eventual). De sua parte, a culpa em sentido estrito mente, introduzira-se para abrigar-se do frio. Escusável o erro
requer a potencial consciência da tipicidade. Previsível é só o autor dos disparos não será punível por lesão corporal do-
o que se pode representar a alguém. losa ou culposa. E isto, só por ter agido sem representação
Como o dolo e a culpa pertencem à tipicidade, é neste efetiva ou potencial da respectiva tipicidade, posto que pro-
setor que se deve situar o erro de fato sobre circunstância cedeu com consciência da injuricidade do pretendido crime
constdtutiva do crime. Trata-se de causa de exclusão. do tipo de dano. Sem afetar a consciência da antijurídicidade, o erro
subjetivo doloso e, se invencível o erro, também do tipo subje-
1;; NeL"-On Hungria, Comentários, vol. I, n. 86, p. 394; J. salgaôo
1~ E. Von Beling, ob. cít., p. 35. Martins, Direito Penal, 1974, p. 240.
11 2 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 113

de fato · quanto à circunstância constitutiva de um. crime diabético, que erroneamente se repute em perigo de vida por
exclui, pois, o dolo relativo à ação praticada, embora o deixe falta. de insulina (tendo assim representação dos extremos
subsistente em relação à conduta pretendida. objetivos do estado de necessidade) e a furte na convicção de
b) A ausência de dolo por não representação da tipicidade ser ilícita a sua conduta, em decorrência de um concomitante
não pode ser afirmada nos casos de invencível erro sobre erro sobre a eficácia jurídica da situação representada . .Ima-
circunstância de fato, que tornaria a ação Iegítâma, isto é, nas gíne-se, ainda, a hipótese do médico que realize um aborto, na
hipóteses das descriminantes putatívas fáticas. Quem, v. g., crença de ser a única maneira de salvar a vida da gestante
lesa corporalmente outrem; porque se imagina por ele injus- de um perigo meramente imaginário, supondo, porém, seja o
tamente agredido, tem representação da tipicidade de seu aborto terapêutico incriminado pelo direito positivo. Em hipó-
proceder: sabe que está a praticar a ação correspondente à
teses semelhantes, em decorrência de dois equívocos relacio-
definição típica de lesão corporal, ou seja, que ofendea inte- nados à mesma conduta, a errônea crença em uma causa de
gridade corporal ou a saúde de outrem; supõe, porém, que sua justificação não .determína um erro sobre a antijuridicidade.
conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa Embora por via imprópria, adquire o autor a consciência da
legal de exclusão da antíjurldicídade (legítima deresa). · ílícítude de seu comportamento.
. Ambíguos os textos de lei, cumpre esclarecer se é sun-
Desta forma, a eficácia: do erro de fato nas descriminan-
ciente a equivocada crença na situação fática caracterizadora
tes putatívas só pode ser atribuída à ignorância da antiju-
da .descríminante, ou se o fundamento da isenção. de pena
ridicidade.
reside na falta de consciência da antijuridicidade derivada
Todavia, a legislação brasileira não é muito clara a res- daquela errônea representação. Da maior ou menor ênfase
peito. Nem o Código Penal em vigor, nem o Código futuro
apontam, satisfatoriamente, o fundamento de isenção de pena
.. atribuída à posição subjetiva do autor ante seu equívoco
quanto à realidade fátíca, depende a classificação das descri-
que da situação pode decorrer. É que ambos não subordinam, minantes putativas como erro de proibição ou como erro de
expressamente, tal conseqüência à crença do autor na legtti- tipo. Em verdade, quando se exija além do erro fático, a
midade de .sua conduta. Aludem apenas à suposição da exis- convicção do autor na legitimidade de seu comportamento, o
tência de "situação de fato que tornaria a ação legítima". Ora, erro será relacionado à proíbíção, traduzindo, pois, ignorância
crer em situação de fato que, se existisse, tornaria lícita a da antijuridicidade: a pena não incide porque o autor agiu
ação, não equivale, necessariamente, a ter ciência da legiti- na certeza de que procedia legitimamente. Quando, ao inverso,
midade do comportamento. Ao agente pode-se representar a dispense-se a ciência do autor acerca da eficácia jurídica da
ocorrência de circunstâncias que, objetivamente, caracteri- situação equivocadamente representada, o erro só poderá ser
zariam uma descriminante, faltando-lhe, porém, o conheci- referido ao fato típico: a isenção de pena decorre da errônea
mento de que a situação suposta tornaria a ação conforme representação da realidade circunstancial, qualquer que seja
o direito. É possível até que acredite o autor na própria ilici- o conhecimento do autor acerca dos efeitos que a ordem jurí-
tude ou na punibilidade da conduta, apesar de ter por pre- dica liga ao fato suposto.
sentes os extremos materiais da causa de justificação, na A doutrina em torno do Código Penal de 1940 fixou que
realidade inexistentes. Pense-se, a respeito, no exemplo. do o decisivo para a isenção de pena nas descriminantes putativas
JJ4 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 115

a falta de consciência da antijurídícídade, A relevância do duplo erro, causador de falsa representação dos pressupostos
rro d_ecorre da obstrução do exato juízo de valor em torno objetivos de uma descriminante e de errônea convicção de
da açao ou do reconhecimento de sua injuricidade. A causa ilicitude do fato suposto. É que, em tais casos, anormais e
determinante do comportamento é a persuasão do autor de marginais, irrelevante tem que ser considerada a falsa con-
que ao mesm~ ~stava juridi~amente autorizado, pelo que, se vicção de antijurídicidade. Com efeito, da mesma forma que,
procede na duvida sobre a identidade de sua ação e a ação no crime putativo, não se leva em consideração o convenci-
au~oriz~da,. já não há que falar em descriminante putativa: mento do autor sobre a ilicitude de um comportamento a que
chi arrisctüa vuole. 16 Nas eximentes putativas, pois, não pesa
o ordenamento,jurídico não atribui tal qualificação, também
respo~.sab:Jidade sobre o agente, por ausência de culpabilidade, a falsa representação da antijurídicidade da descriminante
excluída por erro essencial que o faz crer na licitude de seu
faticamente suposta nenhuma conseqüência pode acarretar. A
comportamento. 17 Entende-se, em suma, que supor situação
prevalecer ponto de vista contrário, a pena passaria a funda-
de fato que se existisse tornaria a ação legítima, equivale a
mentar-se numa disparidade entre os critérios de valor do
supor a legitimidade .da ação. rs
sujeito e os da ordem jurídica, aqueles mais exigentes que
Em face do Código Penal de 1969, não há razão para estes, a ponto de considerarem ilícitas situações que a lei
adotar orientação diversa. Ao contrário, apresenta o mesmo declara conforme ao direito. Não há quem não perceba que
melhores subsídios para que a relevância do erro nas descri-
o estado de quem supõe ilícita a situação justificante na qual,
minantes putatívas seja condicionada à ignorância da anti-
por má apreciação dos fatos, acredita agir, é subjetivamente
jurídicidade. É que, no art. 20, o referido diploma expressa-
o mesmo de quem procedendo sob o amparo de uma real causa
mente reconhece eficácia, embora parcial, à suposição de lici-
de justificação, supõe-se cometendo ação antijurídica. É indi-
tude do fato, em decorrência de erro de direito. Sob pena de
flagrante ílogísmo, o mesmo critério tem de prevalecer quanto ferente que o fato erroneamente reputado ilícito seja lmag.-
ao erro de fato acerca de descriminantes. Ambos revestem-se nário em um caso e real em outro. Em ambos, o convenci-
de relevância, se bem que distinta, por acarretarem o con- mento do autor, quanto à antijurídicidade de seu proceder,
vencimento de legitimidade da conduta. não corresponde à realidade do direito. De desprezar-se, pois,
a circunstância de na primeira hipótese, existir correspondên-
Advirta-se, porém, que esta orientação não impede que
se solucione satisfatoriamente as apontadas hipóteses de cia entre a ilicitude imaginária e o fato real, apesar da não
correspondência entre a imaginária ilicitude e o imaginário
ir. Nelson Hungria, ob. cít., vol. I, ps. 395 e 404; vol. IV, p. 307 fato. Em tais situações, deve-se presumir que, afastado o con-
e Legítima Defesa Putativa, p. 99. vencimento de ilicitude adquirido por falsa via, a suposição
A. Bruno, ob. cít., torno I, p. 501.
1 7 de estado de fato configurativo de descriminante, determina-
Basileu Garcia, ob. cit., vol. I, tomo I, n. 79, p. 254. No mesmo
'. H ria a ignorância da antdjuridicídade. Nenhum inconveniente
s~nt1do, Laertes M. Munhoz, ob. cít., p. 109; E. Magalhães Noronha, ob. há em acolher esta presunção, pois a mesma, além de corres-
cít., vol. I, p. 200; Bento de Faria, Código Penal Comentado, vol. II, p.
215;_ ~algado Martins, ob. cít., § 217; Oliveira Roma, Modalidades de
ponder ao id qÚod plerunque acciâit, evita que, para resolver
Legitima Defesa, cap. VII; Odin do Brasil Americano, Da Legítima com justiça estes raros casos de duplo equívoco, tenha que se
Defesa e do Estado de Necessidade, p. 218. • aceitar a teoria dos elementos negativos do tipo, com todos
A IGNCRÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATtRIA PENAL 117
116 ALCIDES MUNHOZ NETTO

os seus inconvenientes, sobretudo quanto a já apontada con- juridicidade poderia ser captada com mai?r a~e~ção; no ~rime
ulpoeo a vontade orienta-se para um fim licito ou ate lou-
fusão entre tipicidade e antijurídicidade e conseqüente incom- cvável sendo
' - A d.iver-
defeituosa apenas a respectiva execuçao.
patibilidade com a concepção tripartida do delito (supra,
n. 31). sídade ele situações concerne à intencionalidade do resultado,
já que na hipótese de descrimdnante putativa com erro ven-
Em conclusão, no Direito Penal brasileiro cabe afirmar
cível, o resultado é querido (quem mata para defender-se de
que o erro nas descriminantes putatívas é erro de proibição.
uma agressão que apressadamente imaginou, quer a morte
Como o conhecimento da antijurídicidade não integra o do suposto agressor), enquanto que no cri~e culp~? o resul-
dolo, mas pertence à culpabilidade (supra, n. 34), segue-se que tado nunca é querido, decorrendo de mera írnprevisao de sua
quem age na errônea crença de ser legítimo o seu compor- superveniência (culpa inconsciente) ou de sua inevit~bilidade
tamento procede dolosamente. Porém, sendo o erro de fato (culpa consciente). A própria lei reconhece esta_ difere~ça,
e invencível, não é culpado por ausência de censura pessoal pois se O erro vencível configurasse culpa em sentido estrito.
e terá a isenção de pena, legalmente estabelecida. não haveria necessidade de dispositivo especial para declarar-
A' circunstância de ser o erro vencível punido como crime -lhe a punibilidade a tal título; a incidência da pena decor-
culposo, não colide com a afirmação acima. Esta forma de reria da regra genérica acerca dos crimes culposos. ~!as,
punição não significa, com efeito, que em tal hipótese, a falta precisamente porque, no caso das descriminantes putatívas
de consciência da antíjuridícidade exclua o dolo, deixando, se fáticas O agente dá causa ao resultado intencionalmente e
' "' . . , . , .
evitável; subsistente a culpa em sentido estrito. Reflete apenas não por mera imprudência, negligencia ou impericia, e_ im-
o critério de tratar um comportamento doloso como se culposo prescindível regra especial, que estenda a pena das crimes
fora, 19 em decorrência da diminuição · da censurabílidade culposos a comportamentos que, em substãncíaculposos n~
pessoal. E óbvio ser menor a reprovação sobre quem age sem são. A chamada culpa imprópria ou por extensao nada mais
conhecunento da perceptível ilicitude, do que a incidente é, assim, do que uma modalidade de dolo tratada como culpa
sobre quem atua com representação da antijurídicidade do em sentido estrito. Sobre a dístdnção entre crime culposo e
fato. O texto do citado dispositivo legal não leva a que se erro culposo, assim se pronuncia Welsel: "Na comissâo culposa
considere, substancialmente culposo, o crime cometido por de um crime é irrelevante para a punibilidade o conteúdo da
vencível erro de fato sobre descriminante. Ao estatuir que se decisão ao fato; mais que isto, na maioria dos casos não é
o erro deriva de culpa, a esse título responde o agente, quando esta desaprovada penalmente, podendo até ser dirigida a re-
o fato é punível como crime culposo, a lei só estabelece a sultados desejáveis. Somente que sua execução é defeituosa,
forma de punição de tais comportamentos, o que não equivale porque lesa o cuidado requerido no âmbito de relação: o autor
a declará-los revestidos de culpa em sentido estrito. Nem tal deveria ter considerado, independentemente de sua vontade
entendimento seria aceitável ante a sensível diferença que de realização, outras conseqüências não desejáveis e dirigido
existe entre erro culposo e crime culposo: no erro culposo, sua conduta de acordo com isto. A censura pelo erro de proi-
a vontade dirige-se à realização de algo proibido, cuja anti- bição culpável, refere-se ao conteúdo da decisão que se dirigiu
a algo proibido juridicamente (antijurídico) e é a censura a
io De Marsico, tnritto Penale, p. 121; Battaglini, D. Penale, 3.ª
uma decisão antijurídica-culpável. .. Totalmente diferente é
ed., p. 339; Santoro, La Detizione del delitto colposo, p. 1. 200.
118 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 119

o problema de valoração ético-social nos delitos culposos: a suas metas de atuação coincidem totalmente com as co~cep-
decisão do autor não está então dirigida à realização da lesão ções jurídicas do legislador e apenas, por ne~ligência, a situa-
ou colocação em perigo, típica de um bem jurídico, mas a cão externa não foi corretamente percebida pelo agente.
um resultado por regra irrelevante do ponto de vista do CU!mpre, por isso, aplicar-lhe pena mais br~~da que pode ~er
direito e até, freqüentemente, desejado socialmente". ~0 a do procedimento culposo, reputada suficlente pelo _legis-
Sob outro aspecto, o tratamento do crime culposo como lador para atender as necessidades sociais de repressao ou
se fora doloso é perfeitamente admissível. Por motivos de prevenção. 21
política criminal, a lei pode adotar semelhante solução. Não Em resumo: 0 erro nas descriminantes puta tivas afeta
há incompatibilidade, e:m que por força de razões sistemátãco- a representação da ilicitude, ligando-a, pois, à culp~bilida~e,
-dogmátícas, repute-se doloso o fato cometido por erro sobre para O efeito de excluí-la ou diminuí-la:. a e:clusao oco~re
os pressupostos das causas de justificação e, não obstante, por quando O erro é invencível e implica em isença? de pe~a, a
considerações de utilidade, se imponha a pena do fato culposo, diminuição apresenta-se em caso de erro vencível, aplican-
no caso de erro vencível. A coexistência das duas soluções foi do-se ao comportamento doloso as penas do crime culposo.
cónsagrada pelo projeto alemão de 1962. Ressaltou-se que tal
e) A escusável suposição de licitude, do fato ?ºr ignorân-
procedimento supera a separação entre o Direito Penal e a
cia 011 errada compreensão da lei tambem relaciona-se, e de
Polítdca Criminal. Dá entrada, na parte geral do direito puni-
forma evidente, à culpabilidade, por importar em falha de
tivo, à· valorações polítdco-crímínaís, sem que isto afete a
autonomia das duas ciências. Persiste, com efeito, a diversi- consciência da ilicitude. Mas, ao contrário do q~e- acont~c_e
com ais descriminantes putativas fáticas, a supos1ça~ de lici:
dade dos critérios de avaliação e, desta forma, o que se reputa
tude por erro de direito, nunca acarreta a impumdad~- E
errado, sob o ponto de vista político-criminal, pode ser dog-
maticamente certo e vice-versa. Acentuou-se, também, ser mer~ causa de atenuação ou substituição da pena do_ crnn:
doloso. É O que estatuem, segundo o entendimento ~ommank,
aconselhável que as teorias do erro se fundamentem em 9

teorias dos fins da pena, atendendo, assim, as necessidades de os ar t,s. 16 e 48 , III , do Código Penal de 1940. -- É o que,
retribuição ou de prevenção. Neste sentido, se, em virtude do
21 No sentido do texto: claus Roxin, observando-se, porém, ~ue,
erro, a alguém for inevitável a realização do injusto típico,
segundo ele, mesmo a pena dos crimes culposos ser~ª- desn~ce~sada
não há razão para castigá-lo: qualquer que seja a teoria da e inadequada a tais hipóteses de erro vencível (Politica Criminal Y
pena que se adote, não se pode querer retribuir uma culpa- Sistema del Derecho Penal, trad. de Francisco Mufíoz Conde, 1972,
bilidade inexilstente; nem prevenir conseqüências Inevitáveis; ps. 67 a 69).
nem corrigir pessoa por cuja conduta não se possa reprovar. 22 A. J. Costa e Silva, ob. cít., p. 107; Everardo da Cunha t.una,
Ao inverso, se evitável a prâtíca do crime, ante a vencibilidade o b . Clit ., p . 111 ,· R . Lyra Filho , compêndio de Direito Penal, 1973,
.
do erro, o castigo tem razão de ser, embora do ponto de vista p. 175; Galdino Siqueira, ob. cit., vol. I, n. 415, p. 495; Nelson Hungria,
da missão do Direito Penal, não se justifique seja o autor ob. cit., vol. r, p. 339; Laertes M. Munhoz, ob. cít., p. 41; Salgad~
Martins, Sistema de Direito Penal, § 110 e Direito Penal, 1974, ?· 214,
tratado como delinqüente doloso. É que, em tais situações, as A. Bruno, ob. cít., vol. r, p. 451; José Frederico Marques, o~. cít., vol.
n, p. 202; E. Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 174; Vicente Sa-
0
~ . H. welset, ob. cít., p. 229. bino Jr., Direito Penal, 1967, vol. I, ps. 149 e 151.

532 - 9
120 ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 121
desenganadamente, determinam os arts. 20 do Código Penal
de 19-69 e 35 do Código Penal Militar. códigos não constituam obras de lógica sistematização dou-
trinária, mas instrumentos para a realização prática da jus-
3~·- A d~sigualdade de tratamento entre a escusável tdça, não devem abrigar soluções iníquas, posto que estas
supos.1ç~o de licit~d: por erro de fato (que exclui a pena) e comprometem as próprias. finalidades a que as leis codificadas
a escusavel suposiçao de licitude por erro de direito (que se destinam. No campo penal, um dos postulados básicos, pelo
somente a a~e~ua) significa que o Direito brasileiro cria, para menos nos regimes democráticos, é o de que a culpabilidade
a segunda hipótese, autêntica presunção de culpabilidade. Em constitui indeclinável pressuposto da pena .e decisivo fator
termos reais, não incide em censura pessoal, isto· é, n~· age de sua mensuração. Trata-se de princípio destinado a conter
culp~v:lmente quem supõe lícito o fato por erro escusâiel, :Por os eventuais excessos do Estado, no exercício do poder puni-
def:m~ao, :rro es~u_:sá~el é o erro invencível, desculpável, não tivo: para que o destinatário das leis penais .íncída em suas
atrlbuível a negligencia ou desatenção, ou seja, 0 erro pelo sanções, não basta que o comportamento que desenvolva
qual o autor não pode ser reprovado. No Direito Penal da esteja definido como crime por lei anterior. e que também
Culpa, .t~l erro, evidentemente; deve permanecer à margem predeterminados hajam sido a natureza e os limites da pena;
da pumçao. Com? a nossa lei não permite que, em tais casos, é necessário, ainda, que, pelo comportamento criminoso, o
a pena possa deixar de ser aplicada, finge-se uma censura Estado possa censurá-lo, afirmando-lhe, fundadamente, que
P~o~l que não oc?~re. Há, assim, responsabilidade sem culpa, tinha condições de abster-se do crime. A proteção da liberdade
º.u weJ~, ~esponsab11Idade 'objetiva. Por preocupações de polí- individual, ante eventuais ataques do "Levíathan'tdo Estado,
t~ca. crnm~al, nossas Códigos Penais ofendem, quanto à dis- não basta o dogma do nullum crimen nulla poena sine proevia
cíplína ?ª ignorância da antijuridicidade, o princípio do nulla lege, ante o excesso e complexidade das leis íncrlmínadoras
poe~a stne culpa, considerado fundamental. As Exposições. de atuais. 23 De pouco vale, realmente, estatuír-se que não há
Mot,1v?s ,dos Códigos Penais de 1940 e de 1969· acentuam 0 crime sem lei anterior que o defina, se a incessante· criação
repudio~ responsabilidade objetiva: "em nenhum caso haverá legislativa de novas figuras delítuosas torna impossível, para
presun?a.:? de culp~", afirmou o Ministro Francisco Campos a maioria dos destinatários, saber-lhes da existência. O prin-
(~pos1çao,de Motivos n. 13); "o princípio do nullum crimen. cípio nulla poena sine culpa reveste-se, assim, de uma função
sme ~~lpa e_ uma das constantes do projeto e sua significação política relevante, função que não cabe desprezar, sob risco de
exe~et1ca nao deve ser esquecida", repetiu O Ministro Gama abrir-se caminho para um Direito Penal de puro terror, ou
e s.1lva, _esc,larecendo ainda ter-se procurado "ajustar a nossa seja, "um Direito Penal defensivo, de mera intimidação, que
l~g1slaçao as exigências de um Direito Penal da Culpa, que relega a pessoa humana para objeto de fins heterônomos", 24
visa pr~s:rever toda forma de responsabilidade objetiva ... "
.(Exp~s1ç~o de Motivos ns. 11 e 3). Em matéria de escusável 2 ª No Brasil, além das figuras típicas do Código Penal e do
ig~orancia da antijuridicidade, o objetivo, evidentemente não Código Penal Militar, há mais de cinco dezenas de leis especiais,
foi alcançado. ' definindo como ilícitos penais, violações, muitas vezes insignificantes,
ou fatos que só afetam secundários interesses da administração pú-
Mais, o~ motiv?.s de utilidade política não podem preva- blica.
lecer sobre imperativos de eqüidade (supra, n. 26). Embora os 24 Jorge Figueiredo Dias, A reforma do Direito Penal Portu-
guês, 1972, p. 15.
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 123
]22 ALCIDES MUNHOZ NETTO

p'acência das autoridades policiais, o pagamento regular de


36. Em tentativa de dar efetividade ao princípio cardeal tributos e o exercício ininterrupto de tal espécie de comércio,
de ~ue não h~ ~ena sem culpa, aplicando-o, inclusive, à es- estabelecem, em favor dos autores, uma presunção de crença
~usavel su~os1çao de licitude, é válido, destarte, procurar na licitude do comportamento, acreditando-se os mesmos
~nterp1:et~çoes que permitam a impunidade de tais condutas legitimamente autorizados para desenvolver as atividades,
1~culpaveis. É _certo que tal impunidade não corresponde à sem conhecimento de estarem desrespeitando proibições pe-
vontade do legislador. Mas a vontade do legislador é mero nais. Não obstante classifiquem esta suposição de licitude
elemento . histórico de
. interpretação
· · , cujo valor não e' .d ec1s1vo.
· · corno erro de direito, alguns arestas, a despeito do que estatui
0s _motivos determínantes das leis passam e 85 leis ficam.
o art. 16, reconheceram a inexistência de dolo." .. Outros jul-
Muitas _vezes a lei deve ser aplicada em sentido diverso do gados, em maior número, fundamentam as absolvições no
pre~end1do por seus e'aboradores, Emprestar força vinculan- erro de fato, em que teriam incidido os acusados. Estas
te a vontade do legislador, equivaleria a fossilizar a lei no últimas soluções são, porém, de manifesta impropriedade.
momento em que entra em vigor. o que importa, é a atualí-
Não há, nas hipóteses focalizadas, erro quanto ao fato que
zada vontade da lei.
constitui o crime. Este ocorre quando o autor não tem a
~ª. vi.gência do Código Penal de 1940, o excessivo rigor representação de estar praticando a ação que em realidade
~a _d1sc1pl~na_ do erro de proibição, tem motivado reações da desenvolve. Ora, os mantenedore:s de casas de prostit.utçâo,
Junsprude~cia e_ d~ doutrina. Procura-se amoldar o trata- referidos nos julgados, não ignoravam estar explorando lu-
~en~o da ignorancra da antdjurídicidade às modernas exi- gares destinados a encontros libidinosos. Não incidiam, pols,
gencias do Direito Penal da Culpa. em qualquer equívoco quanto aos fatos. Apenas acreditariam
Nos, ~omínios da interpretação judicial, existem decisões não proibida ou não ilícita a atividade inteiramente conhe-
absol~tonas fundamentadas em ter o autor procedido d cida em suas característécas táticas. 2G Também não se apre-
boa fe, por inciência da norma incriminadora. Para chega:. senta, nas situações analisadas, o erro quanto à existência
a tal re.su\ta~o, ora se joga com a inexistência de dolo ora de descriminantes, previsto na última parte do art. 17. Tal
com a a~~en~ia ". ~ulpabilidade, decorrentes ambas da ~alta erro só tem lugar quando o autor por má percepção da reali-
de consciencia da Ilicitude. Os julgados a respeito sao - escas- dade dos fatos, supõe estar agindo ao amparo de uma causa
so e de exclusão da ant,juridicidade. Ora, entre estas causas,
s. .orno exemplos podem ser citados os que se relacionam
a~s ~rimes de casa de prostituição (art. 229), porte de subs- previstas pero art. 19, não se incluem a licença ou compla-
tancia cência da autoridade para a prática de infrações penais, como
. entorpecente. (art · 281 , § 1 . o , III) e manu t ençao
- de
se reconhece em doutrina e vem proclamando o Supremo
aparelho clandestmo de radiocomunicacões (Lei no 4 117/
/62). , · ·
2o Revista Forense 148/388 e 150/441; Revista dos Tribunais
~m mat~ri~ de casa de prostituição, vem-se reconhecendo
que circunstancias como o baixo nível cultural dos rnantene- 189/195.
~6 V. parecer de E. Magalhães Noronha, in narcv Arruda Mi-
~or:s dos conventi!hos, a permissão para o seu funcionamen-
randa, Repositório, 1962, p. 669.
1,0, as vezes com concessão de alvarás, a fiscalização e a com-
124
ALCIDES MUNHOO NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 125

Tribunal Federal 21 o er d . ,
efetivamente ~g~sem c~ a m1~s1v_e1 em favor daqueles que, ferença entre ignorância da lei e ignorância da antíjurídící-
bições, penais só poderia convicçan de não violarem. proí- dade (supra n. 11). Os arts. 16 e 48, III, do Código Penal em
' ser, portanto o erro d dí it vigor,' só incidiriam sobre a ignorância de aspectos técnicos
produtor de ignorância da antijuridici~ade S bí e rei o,
mantendo casa de prostít . _ · a 1am estar do preceito legís'ado, não alcançando a escusável suposição
1
atividade. · uiçao, mas supunham lícita tal de ilicitude." Ocorrendo tal suposição, o erro teria eficácia
para excluir o dolo ou a culpabilidade. Pela exclusão do dolo
No que toca a porte de ento . . manifestou-se Souza Netto: "o que o indivíduo não pode
tiça do Distrito Federal, julganze:~nte, o Tnbunal de Jus-
por estrangeiro indente da
0
.. _ de posse de cocaína ignorar, é a antijurídicidade formal. Esta é que não escusa.
brasileira, pronunciou-se n pr~~~1çao estabelecida pela lei Mas .oerro de boa fé sobre a injuricidade substancial exclui
ciência da ilicit,ude do fat o /en I o ~e que, _quando a cons- o dolo, e não é a este erro (ou ignorância) que se refere a
terização do dolo
O
o~n~-se nnprescmdível à carac- máxima ignorantia legis non excusat". 3º Pela inexistência
. . . , o erro de direi to de . de culpabilidade pronunciou-se Francisco Assis Toledo. De-
erro de fato .para o efeito d b . - ve ser eqmparado ao
'. . . . a a soivíção. 2s pois, de afirmar ser a consciência da ilicitude atual ou poten-
. O Tribunal . Federal de Recurs .. cial, "um, especial pressuposto da censurabilidade, isto é, da
manter estação clandestina de radí os, qu~nto - ao crime de culpat>iliµade; como ·jujzo de censura feito ao agente que
. " . ocomumcaçao proclamo
q ue, aínda que a ninguém se. a dad . ' . - u podia -atuar conforme ao direito mas, nas circunstâncias, não
con!igura a culpabilidade qua~do o ignorar. a le~,· nao se atuou11;,concluiu: "a ignorância da lei penal, do preceito pu-:
tação, o acusado ímagt por um erro de mterpre- nitivo, não coincide perfeitamente com a ignorância da norma
. . _ mau que sua conduta u-
na proíbíção legal" 29 Ass' ao se enquadra de· DireitQ·.. Assim, o legislador pátrio quando estabelece a
rada técnica distin. . im e~tendendo, o aresto, com apu- íneseusabilídade da ignorância ou errada compreensão. da lei,
guru entre ignorância d l . .
da antijurídicidade. e . . .. ~ ei e ignorância não -pode estar se referindo à ignorância ou. à errada com-
art 16 com a· exí A . procurou compatíbnísar a norma. do

preensão do Direito, a menos que se queira reduzir esta,
· ·. genc1a da c ·A •

tura da ação culpável. onsciencía da ilicitude na estru- àquela, redução esta, hoje inaceitável". 31
Em doutrina às pou · t _ · · · ''Gompàrtilha:mos desta última posição.' Em verdade, os
relevância ao err~ de pr c-~~ I:1
erpretaçoes visando dar plena arts. 16 · e 48, III, do Código Penal de 1940, comportam en-
oi içao, partem da já assinalada dí-
tendimento restritivo. Toda interpretação deve ir além dos
27 V. He~:rio Cláudio Fragoso J · • .
limites do texto e tratar de descobrir: os seus fins, pois que
52/466, 52/695, 53/573; 57/423 e 59j35~~zspruden~za Criminal, e R.T.J., toda a lei é meio para a consecução de determiinados objetivos
32
·~ .
• Ac. do T.J .D.F., de 02. 08. 74 in . .
.
. e só pode ser entendida por esta referência finalística.
prudência, 1974 n 30 246 O t , . ADCOAS, Boletim de Juris- Atualmente, as construções jurídico-penais devem-se preo-
, · · · u ras decísõe d d
de direito quando ocasione falt d ~. a~ o relevância ao erro cupar em estiabelecer racional proporção entre a .pena e a
tn Rev. Forense, 145/437 e 154/3~2. e consc1enc1a da antijuridicidade,
20 Ac. do Tribunal Federal d R 30. · Souza Netto, ob. clt., p. 113.
tro Godoy Ilha, in ADCOAS B l e_ ecursos, de 24. 10. 69, rel, Minis-
, o etim de Jurisprudência, 1970, p, 278. 31 F. Assis Toledo, ob. cit., ps. 71 e 131.
s2 E. Mezger, Tratado, vol. I, § 11, p. 138.
126 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 127

culpa lato sensu. Por isso, em matéria de ignorância da an- que o disposto no art. 16 não abrange o erro que ultrapassan-
tijurídicidade, cumpre buscar soluções para isentar de pena do o desconhecírnento da lei, acarrete desconhecimento da
os autores que, pela ignorância, não puderem ser censurados própria proibição e gere suposição de legitimidade do com-
e punir com sanções diversas a violação consciente e a viola- portamento. Em suma, a ignorância ou errada compreensão
ção negligentemente inconsciente da norma jurídica. da lei não eximem de pena enquanto não importarem em des-
A fim de evitar que a incidência do art. 16 comprometa conhecimento da norma. Ignoradas a lei e a norma, ou tão-
a realização da justiça material, deve-se entendê-lo como im- -somente a última, haverá isenção de pena, desde que o erro
peditivo de eficácia só à ignorância da lei e não à ignorância seja escusável.
da norma. A distinção entre norma e lei reveste-se, assim, de Não infirma a construcão acima o texto do art. 3.0 da
partdcular importância, quanto ao tema. Como normas são Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-lei n.? 4.657, de 4
consideradas as proibições ou imposições jurídicas que pre- de setembro de 1942). É que também ali não se regula a
cedem, em ordem lógica, as regras legisladas. Como leis, os ignorância da norma, mas a ignorância da lei, para declará-la
preceitos redigidos que, no campo· penal, regulamentam o ínalegável como escusa. Ainda, entretanto, que o desconhe-
direito-dever estatal de punir. Enquanto a norma cria o an- cimento da norma estivesse abrangido pelo dispositivo, isto
tijurídico, a lei cria o delito. 33 Desta distinção não se pode nenhuma conseqüência acarretaria no campo penal. Com
prescindir. Um sistema de normas que sirva de base à lei efeito, a Lei de Introdução ao Código Civil, apesar de seu
penal é necessário, tanto do ponto de vista lógico-jurídico, alcance geral,ª" não tem plena aplicação ao direito punitivo,
como sob o prisma dogmático: do ponto de vista de lógica por consagrar soluções que este, expressa ou implicitamente,
jurídica, porque não sendo castigadas todas as ações que cau- repele, como a retroatdvídade da lei nova e o recurso à analo-
sam lesão ou perigo a um bem jurídico, mas, somente, as que g: a ou aos princípios gerais do direito, para a solução dos
dentre elas forem proibidas, é necessária uma prioridade das rasos omissos.
normas no processo de valoração, com a proibição de deter- o Código Penal de 1969, assim como o Código Penal Mili-
minadas lesões e punição de um conjunto ainda mais redu- tar, não admitem a solução doutrinária que se acaba de
zido de ações proibidas; do ponto de vista dogmático, porque, apontar. Textualmente determinam a atenuação ou substi-
sem se servir da norma, nem a teoria da antijurídicidade, nem tuição da pena em caso de suposição de licitude, por escusável
a da culpabilidade encontrariam soluções satisfatórias. :14 ignorância ou errada compreensão da lei. Regulam, assim,
Ora, aceita esta diferenciação entre norma e lei, resulta não o desconhecimento da lei, mas o próprio desconhecimen-
eara a independência entre a ignorância de ambas as coisas. to da ilicitude, para declarar-lhe a punibilidade, ainda que
E como o Código Penal de 1940 limita-se a declarar a inefi- e.<:.cusável. Em face destes diplomas, não há qualquer possi-
cácia da ignorância ou errada compreensão da lei, nada bilidade de, através de construção lógico-sistemática, atribuir-
dizendo acerca do desconhecimento da norma, cabe afirmar -se plena eficácia ao escusável desconhecimento da ilicitude
por erro de direito.
:i:i A. Graf zu Dohna, A Estrutura da Teoria do Delito, 1958,
n, 12.
:i:, Cf. Serpa Lopes, Lei de Introdução ao Código Civil, 1959,
14
: R. Maurach, Tratado, vol. I, § 19, II, B. vol. I, p. 8.
128 ALCJDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 129

Para que estes Códigos efetivamente observem o princípio outro lado, afirma-se ser razoável aceitar a eximente influên-
do nulla poena sine culpa, só é cabível solução de lege ferenda. cia· do erro de direito extrapenal, quando conduza a erro
Talvez seja o caso de modificar o art. 20 do Código de 1969 sobre elementos de fato da infração, o que traz uma nota de
e .O· art .. 35 do Código Penal Militar, para permitir, além de liberal e justa compreensão da realidade psicológica. 38
atenuação ou substituíçãn da pena, o perdão judicial, como
Na jurisprudência, existem decisões nos dois sentidos. Há
sugeriu o Seminário de Direito e Processo Penal de Belo Ho-
julgados que vêm reconhecendo efeitos eximentes ao erro de
rizonte. 36 Com fórmula semelhante, desde que facultatãvos
direito extrapenal. Assim é que: a) isentou-se de pena, a
a livre atenuação e o perdão judicial, não há que temer -atrou-
título de falsidade ideológica, pessoa que registrou como le-
xamento na repressão penal, pois que a atenuação ou isenção
gítimos filhos que teve com a amásia, supondo que legítimo
só serão. concedidas àqueles que realmente apresentarem
significava autêntico, isto é, que era ele realmente ~ pai; 30 b)
menor ou nenhuma censurabilidade pessoal, pela equivocada
absolveu-se da ímputação de crime de usura, particular que
suposição de licitude do fato. Sob outro aspecto, sem condu-
cobrou juros segundo normas bancárias, incidindo em erro
zir à. responsabilidade objetiva, inevitável ante a apontada
presunção de censurabílídade ao erro escusável, a fórmula em essencial sobre elemento constitutivo do delito; 40 e) reconhe-
questão conserva o tratamento eficaz e adequado ao desco- ceu-se justificado, em matéria de crime ~ontra a _economia
nhecimento da norma, por: desprezo ao direito, cuja punição popular, o erro do comerciante, que, por mfor1:1açao de seu
não se subordina aos limites qualitativos e quantitativos das sindicato de classe, supôs. ter havido autorizaçao legal ~3:..ra
incrimdnações a título. de culpa. oaumento de preço de mercadoria; 41 d) excluiu-se a pumçao,
por falsidade ideológica, de falso registro de nascimento~ pro-
37. ; , Não disciplinado legislativamente, o erro de direito cedido para a aquisição de capacidade civil e convoluçao de
extrapenal tem tido sua eficácia reconhecida por_ parte. da núpcias, sob o fundamento de erro de dir~ito, por tratar-se
doutrina e jurisprudência brasileiras. Sustenta-se que tal erro cÍe solução permítdda, ainda que de forma d1f:,rente, por outra
deve ser equiparado ao erro de fato, sem que isto constitua lei. 42 Em sentido oposto, entendeu-se que nao atenua ~ re~-
"o entendimento geral", a que alude a Exposição de Motivos ponsabilidade do autor de crime de bigamia, a circunstancia
do :Código de 1969 , (n. ~2), . ·
, Na doutrina, há divergência de pontos de vista. umDe aa Basileu Garcia, Instituições, I, p. 276; no mesmo sentido, ~- ~·
lado, alega-se não ser admissível a relevância do erro sobre Marques, curso, II, p. 244 e E. Magalhães Noronha, I: p. 193; namasio
lei não penal,. porque tal relevância não prevalece fora da E. de Jesus, ob. cit., p. 426; F. Assis Toledo, ob. cít., p. 38; A~ibal
órbita jurídico-penal, ante o princípio de que. ninguém se Bruno, ob. cít., II, p. 497. Em matéria civil, também se admite a
equiparação do erro de direito ao erro de fato, para o ef~ito de anula-
escusa de cumprir a lei., alegando que não a conhece. 37 De ção do ato jurídico. v. Washington . de Barros Monteiro, Curso de
Direito Civil, 1968, vol. I, p. 27.
ao · Revista de Direito Penal, vol. 15/16, p. 91, 1.0 conclusão. No
39 Revista Forense 196/290 e Revista dos Tribunais 301/99.
mesmo sentido manifestara-se Ruy Cardoso de Mello Tucunduva,,
Erro de Direito, in Revista dos Tribunais, vol. 381, ps, 19 e segs, 40 Revista Forense 227/310.
37 Nelson Hungria, Comentários, I, p. 391. No mesmo sentido 41 Revista dos Tribunais 237 /385.
Costa e Silva, ob. cít., p. 129. 42 Revista dos Tribunais 425/284.
130 ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL J' 1

de se tratar de pessoa rústica, desconhecedora das leis civis, sobre elementos jurídicos do tipo, de natureza penal. Tal
"porque o conhecimento de mais de um casamento válido limitação é arbitrária. Não é só de conceitos de outros ramos
está na consciência de todos". 43
do direito, que a lei penal se utiliza na tipificação de certos
A equiparação do erro de direito extrapenal ao erro de delitos. Muitas vezes, figuram como componentes do tipo,
fato deve-se à influência italiana. O Código Rocco, em seu conceitos do próprio Direito Penal. Em nosso Código, isto
art. 47, última parte, estatui que o erro sobre uma lei diversa sucede, por exemplo, nos crimes de calúnia (art. 138), re-
da penal exclui a punibilidade, quando ocasiona um erro ceptação (art. 180), incitação ao crime (art. 286), apologia
sobre o fato que constitui o crime. Sendo numerosos os casos de crime (art. 287), denunciação caluniosa (art. 339), comu-
em que a lei, para descrever o crime, recorre a noções e nicação falsa de crime ou contiravenção (art. 340), auto
conceitos extraídos de outras normas jurídicas, a doutrina acusação falsa (art. 341), favorecimento pessoal (art. 348) e
peninsular entende que nestes casos, o direito reflui no fato.
favorecimento real (art. 349). Em todos estes casos, para
Desta forma, se ocorrer erro acerca destes conceitos falta a
' que o autor perceba a correspondência de sua conduta com
consciência de elementos da conduta tiplca, sendo indiferente
a conduta descrita em lei, é necessário que saiba tratar-se de
que tal falta se refira a uma realidade jurídica e não a uma
crime o fato que imputa falsamente a alguém, ou de que
realidade material. 44 Ante a exigência de que o erro de di-
proveio a coisa que adquire, ou à cuja prática incita publi-
reito extrapenal ocasione um erro sobre elementos constitu-
tivos do delito, opera ele em campo diverso daquele em que camente, ou para cujo eometdmento associa-se a mais de duas
atua a ignorância da antijurídicidade, pois, funciona, no pessoas, ou para o qual pede a instauração da persecutio cri-
mecanismo da determinação da vontade, como verdadeiro minis, ou, ainda, a cujo autor favorece. Ademais, a vista da
erro de rato, com exclusão do nexo de causalidade entre a definição jurídico-penal de funcionário público (art. 327), a
vontade e o evento. 4" Embora a lei civil deva ser observada representação da tipicidade de vários crimes cometidos por
por todos, não se podendo descumpri-la a pretexto de igno- particulares contra a administração, requer o conhecimento
rância ou erro sobre sua interpretação, nada impede que o de tal conceito. Efetivamente, sem que o autor saiba tratar-
erro sobre ela, não relevante para fins civis, possa ter conse- -se de funcionário público a pessoa a quem desobedece, de-
qüências diversas quanto à responsabilidade penal, em caso sacata ou oferece vantagem indevida, não pode ter consciên-
de violação da norma penal que dependa da lei civil. 46 cia de estar praticando os crimes dos arts. 330, 331 e 333 do
Restringindo-se a declarar a eficácia do erro de direito Código Penal em vigor.
extrapenal, a fórmula italiana não reconhece efeitos. ao erro A recusa de efeitos ao erro sobre elementos jurídico-nor-
mativos do tipo de índole penal implica em diversidade de
4" Revista dos Tribunais 234/102 e 445/367. tratamento quantia a situações análogas. A falta de repre-
41s. Piacenza, ob. cít., p. 27. sentação, por escusável erro de direito, de conceitos penais
Alimena, ob. cít., ps. 454 e 461.
i:; componentes do tipo, equivale à falta de representação de
4r. Gennaro Escobedo, Osservazioni circa l'errore su legge diver- qualquer conceito de direito extrapenal incorporado à des-
sa dalla legge penale, in La Giustizia Penale, 1935, vol. 41, parte III, crição da conduta delituosa. Na própria Itália, esta equiva-
col. 765. lência é reconhec.da. O que importa, escreve Piacenza, é que
132 ALCIDES MUNHoz NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 133

ª. regulamentação jurídica seja reclamada na descrição. do da conduta típica. si Para tanto, é necessárío distinguir entre
tipo abstrato, de modo a poder incluir-se entre. os elementos elementos jurídico-normativos do tipo e elementos jurídico-
do fato constitutivo do crime. Quando isto ocorra não se -normativos da ·ilicitude. 52 São elementos jurídico-normati-
poderá negar a eficácia do erro, qualquer que seja O ramo do vos do tipo os conceitos que se constituem em circunstâncias
ordenamento jurídico ao qual o legislador haja recorrido do fato criminoso, como "cheque", "warrant", "documento",
para uma completa e precisa descrição do delito .. 41 Acres- "coisa alheia", "moeda de curso legal" etc ... (supra n.0 9,
cent~-s~ ainda, não haver razão para distinguir-se entre erro d). São elementos jurídico-normativos da ilicitude os que
de Direito extrapenal e erro de Direito Penal. Desde O mo- acentuam o desvaler da conduta, como "indevidamente",
m,e~to em que o Direito Penal se serve de um conceito orlgí- "sem observância de disposição legal", "sem justa causa" ou
narro de outro ramo do direito para especificar uma das "sem licença da autoridade". 53 Embora incorporadas à des-
características do fato típico, dito conceito, formalmente, crição legal, estas referências à antijurídicidade não são cir-
assume a natureza .do dispositivo que veio a integrar. É .~ cunstâncias constibutivas do fato típico; apenas ressaltam,
q~e a~ent~a FrosalI, para quem as disposições integradoras desnecessariamente, a ilicitude comum a todas as condutas
nao sao leis extrapenais. Na sua função integradora, assu- delituosas, ou estabelecem, a contrario sensu, especiais situa-
me1_:1 a natureza da norma integrada. Em conseqüência deste ções de licitude, a exemplo do que sucede com a "licença da
fenomeno,. para classificar o erro de direito como extrapenal,
a verdadeíra ~atureza formal da disposição integradora tem 51 Apesar da normatividade ser da essência do Direito, reco-
de se~ abstraída, para atender-se somente à natureza que nhece-se, comumente, que o tipo possui características descritivas,
perceptíveis pelos sentidos (homem, membro, explosivo, matar etc.)
possma,. no momento que precedeu a integração: 4s Também
e características normativas compreensíveis pelo espírito através de
~o ~ras1l, reconhece-se ser tecnicamente insustentável a dís- juízos de valor. Estas características ou elementos normativos são
tmçao entre erro de Direito extrapenal e de Direito Penal 40 culturais ou jurídicos, conforme sua interpretação requeira noções
P?sto que "o momento psíquico-normativo da vontade é ~i- éticas (ato obsceno, mulher honesta, perigo, lascívia, bons costumes
cíado tanto, ou ainda mais, pelo erro de Direito Penal quanto etc.r ou noções de. Direito (cheque, "warrant", documento, coisa
pelo erro de Direito não-penal". so ' alheia, moeda de curso legal etc.) . Giuseppe Ruggiero, Gli Elementi
Normativi della Fattispecie Penale, 1965, p. 162; H. Welsel, ob. cít.,
. .cumpre, realmente, não distânguír entre conceitos de p. 110; R. Maurach, ob. cít., § 20, V. II, p. 284; Heleno Cláudio Fra-
Dire~to Penal e conceitos de Direito extrapenal integrantes goso, Lições, Parte Geral, p. 174; E. Mezger, Tratado, vol. I, p. 338.
do tipo. Ambos são circunstâncias constitutivas do crime 52 Os elementos jurídico-normativos concernentes à antijurídí-
pelo que. id~ntica deve ser a eficácia do erro que sobre o.~ cidade foram os primeiros a serem reconhecidos por M. Ernest Mayer
mesmos incida. O que importa não é verificar a natureza (M. Reale Júnior, A antijuridicidade concreta, 1973, ps. 36 e 44) . Há
penal ou extrapenal do conceito jurídico a que se relacione quem os considere como os verdadeiros elementos normativos (M.
o erro, mas estabelecer se o conceito const,itui ou não requisito Jimenez Huerta, La Tipicidad, 1955, p. 79) .
53 Distinguem entre elementos jurídico-normativos do tipo e da
47
S. Piacenza, ob. cit., p. 29, n. 2. ilicitude: H. Welsel, ob. cit., p. 234; R. Maurach, ob. cit., p. 285; G.
48 Delitalla, ob. e loc. cits.; Francesco Carla Palazzo, L'errore sulla
R. A. Frosali, ob. cít., § 77.
40
Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 224. legge extrapenale, 1974, p. 177; Luiz Luizi, O tipo e a teoria finalista
eo Aníbal Bruno, ob. cit., II, p. 497, da ação, ps. 64 e 65.
134 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 135

autoridade", que só excepcionalmente justifica determinados assumiu o risco de produzi-lo". É claro que o querer ou a
comportamentos (C. P. 1940, arts. 166 e 253). Nos dois casos, assunção do risco não constituem processo sem pressuposto. 55
entretanto, o relevo dado à antijurídicidade nada acrescenta· Longe disto, requerem que se conheça aquilo que se deseja
à estrutura do tipo. ou em que se consente. Necessária, portanto, ao dolo, a cons-
ciência de que a ação corresponde ao tipo delituoso. Ora, tal
O erro sobre elemento jurídico-normativo da ilicitude é consciência não se verifica em caso de erro que faça supor
erro de proibição e como tal deve ser tratado (supra n. 36). a inexistência de circunstância eonstdtutíva do crime (supra
O erro sobre elementos jurídico-normativos do tipo é erro n. 35, a), sendo indiferente que o erro verse sobre elementos
sobre circunstância constitutiva do crime e a este deve ser descritivos ou sobre elementos jurídico-normativos do tipo.
equiparado. Como isenta-se de pena o escusável erro de fato, Tanto não é doloso o comportamento de quem, por exemplo,
que faça supor a inexistência de circunstância constitutiva subtrai coisa alheia, tomada como própria, por erro em sua
do crime, idêntico efeito há de se reconhecer ao erro de di- identificação material, quanto o de quem, embora sem en-
reito que conduza à mesma suposição, sendo irrelevante a ganar-se quanto a individualidade da coisa, a subtrai, porque
natureza penal ou não penal do conceito jurídico ignorado. supõe-lhe haver adquirido a propriedade, por equivocado en-
Nosso direito comporta tal solução. Não há regra que tendimento de uma relação contratual. Nos dois casos, falta
circunscreva a eficácia ao erro de direito extrapenal, como a consciência de ser alheia a coisa subtraída.
sucede na Itália. O Código do Brasil estatuí somente ser
38. o erro de exigibilidade (supra n. 8) pode ocasionar
isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato
ao autor falsa suposição de estar procedendo em estado de
que o constitui (art. 17). Desde que a irrelevância do des- necessidade, sob coação moral irresistível ou em obediência
conhecimento ou da errada compreensão da lei (art. 16) di- hierárquica. A vista do nosso Direito positivo, estas situações,
ferem da ignorância ou falso entendimento do Direito (supra quando efetivamente ocorram, implicam em isenção de pena
n. 36,), nada impede que se equipare o erro sobre elementos fundada na inexigibilidade de outra conduta. 50
jurídico-normativos do tipo ao erro sobre elementos descriti-
vos do tipo, Trata-se de analogia in banam partem, não ve- 55 como acentua R. Maurach, um querer carente de pressupostos
dada em matéria penal. 51 Tal analogia encontra plena constitui instinto e não dolo, ob. cít., vol. I, p. 31.
justificação na idêntica conseqüência que as duas modalída- se A exigibilidade de outra conduta é apontada como funda-
des de erro produzem quanto ao dolo. Segundo a definição mento da impunidade do aborto terapêutico e do favorecimento pes-
soal a parentes próximos, bem como, no Código Penal de 1969, do
legal, o crime é doloso "quando o agente quis o resultado ou excesso nas descriminantes por escusável medo, surpresa o_u pertur-
bação de ânimo em face da situação. Luiz Alberto Mac!1~d·o· (quanto
ao aborto terapêutico), Estado de Necessidade e Exigibilidad_e ~e
04A. Bruno, ob. cit., vol. I, p. 219; J. Frederico Marques, ob. cít., outra conduta in Rev. de Direito Penal 7/8, p. 38; Heleno Clauddo
vol. I, p. 169; E. Magalhães Noronha, ob. cit., vol. I, p. 99; Salgado Fragoso (quanto ao favorecimento e ao excesso escusável), Liçõ~s ~ de
Martins, Direito Penal, 1974, p. 105; Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Direito Penal, Parte Especial, 1965, vol. IV, n. 1.124, p. 1.243 e Liçoes,
Parte Geral, p. 97; Damásio E. de Jesus, ob. cít., p. 50. Em sentido Parte Geral, p. 228. (Nesta última obra, o autor considera o favo-
ontrárlo, Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 75. recimento a parentes escusa absolutória) . Pensamos que tais situa-

532 - 10
136 ALcl DES MUNH OZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 137

Não há dúvida quanto ao reconhecimento da inexigibili- prática do crime que lhe exige o coator. Seu procedimento,
dade no estado de necessidade previsto pelo Código de 1940 57 portanto, é doloso, mas deixa de ser censurável pela intimi-
e no estado de necessidade exculpante do Código de 1969. dação que não possa arrostar ou "cuja paciência não lhe
Expressamente, está ela consagrada nos dois dispositivos, possa ser razoavelmente exigida". er
através das cláusulas "cujo sacrifício nas circunstâncias não
era razoável exigir-se" (C. P. 40, art. 20) e "desde que não Quanto à obediência hierárquica, há disparidade de
lhe era razoavelmente exigível conduta diversa" (C. P. 69, opiniões. Muitos; justificam-lhe a impunidade pelo erro de
art. 25). Mas, enquanto no sistema vigente, tal inexigibili- proibição: o inferior hierárquico que comete o crime em obe-
dade exclui a própria ilicitude, 58 no direito futuro, pela ado- diência à ordem superior não manifestamente ilegal, não
ção da teoria diferenciadora, 59 é ela causa de exculpação. procede culpavelmente, porque supõe estar praticando uma
ação lícita, já que não percebe a ilegalidade da ordem. 02 Afir-
No que toca à coação moral irresistível, também é domi-
mam outros não exigir a lei que o inferior hierárquico atue
nante a opíníão de que se trata de hipótese de inexigibilidade
sem consciência da antijurídicidade: desde que a ilegalidade
de outra conduta. 60 O coagido age com vontade (coactus
da ordem não seja manifesta, incumbe-lhe executá-la, ainda
tamen voluit): para evitar a continuação, repetição ou super-
que se aperceba de estar praticando ação delituosa, por tratar-
veniência do mal já infligido ou ameaçado, decide-se pela
-se de dever funcional. A situação é de ínexigíbllidade, uma
57, Nelson Hungria, Comentários, vol, I, p. 436; Aníbal Bruno,
vez que o executor da ordem prefere praticar a ação a incidir
ob. cit., tomo I, p. 384; José Frederico Marques, Curso, vol. II, p. 130; em sanções disciplinares por desobediência. 63 Em nosso en-
E. Magalhães Noronha, D. Penal, I, p. 234; Salgado Martins, D. Penal, tender, esta é a construção mais correta. A dirimente em
p. 185, entre outros. apreço só tem lugar no âmbito da administração pública.
58 Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 436. Ora, o FAStat,uto dos Funcionários Públicos dá União, assim
59 Sobre a teoria diferenciadora, ver a Exposição de Motivos do como os estatutos estaduais que o repetem, estabelecem ser
Código Penal de 1969, n. 14. Para maior estudo, Miguel Reale Júnior, dever do servidor público, a "obediência a ordens superiores,
Dos Estados de Necessidade, 1971. exceto quando manifestamente ilegais", comdnando à deso-
60 Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 226; José bediência as penas de repreensão e até de demissão, em caso
Frederico Marques, Curso, vol, II, ps. 236 e 240; Salgado Martins,
Direito Penal da Culpa como Centro do Novo Sistema (loc. cít.) ;
de insubordinação grave em serviço. 64 No âmbito militar, em
Damásio E. de Jesus, ob. cit., p .. 104; Ricardo A. Andreucci, coaçõo que a disciplina é necessariamente mais rígida, mesmo as
Irresistível por Violência, 1974, p. 104. ordens manifestamente ilegais, em matéria de serviço, têm

ções não são de inexigibllldade: no aborto necessário, há exclusão 01 Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 423.
da própria antijuridicidade, sendo o fato lícito inclusive para efeitos. 02 Nelson Hungria, Comentários, vol. I, p. 426; A. Bruno, D. Penal,
extrapenais (responsabilidade médica e reparação do dano); o fa- tomo II, p. 553, sendo esta a opinião dominante no Brasil.
vorecimento pessoal de parentes é escusa absolutória, que prevalece 63 Basileu Garcia, Instituições, tomo I, p. 290; Heleno Cláudio
independentemente do constrangimento em prestar o auxílio· no Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 230.
excesso escusável, o medo, surpresa ou perturbação de ânimo afetam
64 Lei 1. 711/52 (Estatuto dos Funcionários Públicos da União,
a própria imputabilidade.
arts. 194, VII e 204).
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 139
138 A.LCIDES MuNHOZ NETTO

Fixados os casos de inexigibilidade sobre os quais podem


de ser cumpridas. Pelo crime decorrente só responde o autor
incidir erros do autor, cumpre verificar o tratamento de tais
da ordem. O inferior não é culpado, qualquer que seja a sua
modalidades de erro no Direito brasileiro.
convicção sobre a ilegalidade da ordem (C.P.M., art. 38, b
Só está disciplinado legislativamente o erro de fato
e § 1.º), posto que a recusa de obediência constitui modali-
dade de crime de insubordinação (C.P.M., art. 163). Só há quanto ao estado de necessidade do Código de 1940, isto é, a.s
situações de putatdvas ações necessárias, por inexigibilidade
responsabilidade para o inferior hierárquico, se a ordem tem
de outra conduta. Não há regras expressas acerca do erro
por objeto a prática de ato manifestamente criminoso 65 ou
quanto ·à coação moral irresistível ou quanto à obediênc~a
se há excesso na execução (C.P.M., art. 38, § 2.º).
hierárquica, limitando-se a lei a regular-lhes a ocorrência
Desta forma, para os servidores civis, não existe a facul- real, sem nada estatuir acerca da putatividade em tais casos.
dade de recusa ao cumprimento de ordens não manifesta- o erro sobre o estado de necessidade, do Código de 1940,
mente ilegais e aos militares não é dado desobedecer ordens tem sua eficácia acolhida pelo art. 17, última parte, daquele
que não conduzam a atos manifestamente criminosos. Tais diploma. Mesmo quando decorra de inexigibilidade de outra
limitações ao poder de sindícâncía sobre a ilegalidade ou cri- conduta (e não da salvaguarda de direito mais valioso), a
minosidade da ordem tornam irrelevante qualquer indagação ação necessária é sempre causa de exclusão da antijuridici-
acerca da falta de consciência da antijurídicidade, por parte dade (art. 19, I). Aplica-se-lhe, portanto, a regra de que é
do seu executor. À isenção da pena, não é necessário proceda isento de pena, "quem por erro plenamente justificado pelas
ele de boa fé. Não havendo, na ordem superior, ilegalidade circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tor-
ou criminosidade manifestas, isto é, objetivamente reconhe- naria a ação legítima".
cíveis ictu oculi, tanto faz que o inferior incida ou não em Mas, tal regra não é aplicável ao erro sobre a coação
erro de proibição. Ainda que proceda com plena consciência moral irresistível ou sobre a obediência hierárquica, pois
de estar cometendo um crime, não é ele culpado, porque tinha estas não são situações que tornariam a ação legítima. Nos
o dever funcional de cumprir a ordem. A ignorância da anti- termos do art. 18 do Código de 1940, trata-se de meras causas
jurídicidade é, pois, epítenômeno na obediência hierárquica, de exculpação, que em nada afetam a ilicitude do fato. Diga-
cuja eficácia exculpante baseia-se na inexigibilidade de outra -se o mesmo do estado de necessidade exculpante, da coação
conduta. moral e da obediência hierárquica no Código de 1969. Sendo
todas causas de exclusão da culpabilidade (arts. 24 e 25),
não são alcançadas pelo art. 21, última parte, do novo diplo-
G5 Quanto à desobediência à ordem para a prática de atos ma-
ma que a exemplo da lei anterior, só reconhece relevância ao
nifestamente criminosos, como participar de movimento contra o po-
der legalmente constituído, nota Salgado Martins que a solução erro sobre situação que tornaria a ação legítima.
jurídica sofre, não raro, a influência da fortuna· política. Se domi- Omissas as leis quanto a estas espécies de erro de exigi-
nada a insurreição, considera-se a ação meritória e louvável, quando bilidade, cumpre à doutrina buscar-lhes adequada e justa
o militar desobedeceu ao superior rebelado. Se vitorioso o movimento solução. E esta parece residir em tratar a putativa coação
rebelde, o militar que resistira, deve prestar contas à justiça, pelo
moral irresistível e a putativa obediência hierárquica, como
ato de desobediência (Direito Penal, p. 248).
140 ALCIDES MUNHOO NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 141

se reais fossem, aplicando-se-lhes os arts. 18 do Código de inexistência de norma reguladora de situação semelhante,
1940 e 24 do Código de 1969. 66 Idêntica há de ser a solução, estabeleça-se novas modalidades de escusa. 68 Na primeira
na nova lei, do putativo estado de necessidade exculpante, hipótese, sem quebra do pensamento fundamental da lei, su-
subsumível a seu art. 25. pre-se lacuna do Direito positivo; na segunda, com apoio em
. Esta equiparação do putatívo ao real é inteiramente jus- critérios não afiançados pela lei escrita, cria-se outras causas
tificável. A inexigibilidade de outra conduta, fundamento da de não culpabilidade, com evidente perigo de subversão da
isenção de pena nas situações reais, também existe nas si- ordem jurídica e de enfraquecimento da firmeza do Direito. 00
tuações putatívas. Em qualquer das hipóteses, encontra-se Não é necessário, nem útil, erigir a inexigibilidade em
o autor no dilema entre praticar o crime ou: a) sofrer o mal causa supralegal de exculpação. A13 tentativas neste sentido
real ou imaginariamente ameaçado; b) ser punido por des- não se coadunam com as originárias concepções de Frank,
cumprir a efetiva ou suposta ordem de superior hierárquico; que circunscrevia a aplicação do princípio aos crimes culpo-
e) .deíxar perecer, na situação de concreto ou acreditado pe- sos e excepcionalmente, aos dolosos, nas situações previstas
rigo, direito seu ou de pessoa particularmente cara, absten- em lei. A ampliação da escusa da inexigibilidade a todos os
do-se de sacrificar direito alheio de igual ou superior impor- casos de pressão das circunstâncias deve-se a um exagerado
tância. Não difere o estado de compulsão em que se encontra humanitarismo. Neste defeito incidiu Freudenthal, ao defen-
o autor, apenas porque a ameaça só exista em sua mente. der a exculpação de homicídios cometidos sob o influxo de
Idêntica é a situação de constrangimento. E como tal preconceitos sociais. Tal seria a situação da jovem siciliana
fator. deve ser apreciado subjetivamente, isto é, em relação que, em autêntica vendetta, matou os tios, por estes haver~rn
ao estado anímico, face à compulsão real ou razoavelmente causado sua separação conjugal, ao revelarem para o mando
suposta, a isenção de pena deve ser estendida aos estados a antiga ligação amorosa que a moça tivera com o parente
putativos através da. analogia in bonam partem. varão. 10 É claro que excessos semelhantes colocaram em
· Tal solução pela analogia, não importa em reconhecer o risco a própria teoria normativa da culpabilidad~,A pr?vocar_i-
princípio da inexigibilidade de outra conduta como causa do incontáveis reações doutrinárias. Em consequenc1~, hoje
supralegal de exculpação, consoante preconiza parte de nossa prevalece o entendimento de que estã? pr~~~~ em lei todas
doutrina. 67 Há sensível diferença entre estender a eficácia as causas de exculpação fundadas na mex1g1b11idad~e de ou~ra
da escusa legal a situações semelhantes às ali previstas e conduta. 11 Tais causas admitem analogia, mas nao aimipl:a-
ampliar, díscrícionaríamente, esta mesma eficácia a hipóteses ções arbitrárias, 12 porque devem ser evitadas interpretaçoes
de que não cogitou o direito positivo. Com a analogia, aten-
de-se à vontade da lei, submetendo-se o fato concreto à dis- 68 Esta diferença é reconhecida por Damásio E. de Jesus,~ para
posição reitora de caso equiparável; com a admissão de causas quem a analogia não constitui hipótese supralegal de exclusao da
supralegais de inexigibilidade, permite-se que, a despeito da culpabilidade (ob. cít., p. 419) .
69 N. Hungria, Comentários, vol. I, p. 77.
10 A. Bruno, ob. cit., tomo II, p. 487, n. 13.
66 Damásio E. de Jesus, ob. cit., p. 430. 11 Sobre a evolução do princípio da exigibilidade, Enrique Cury,
il7 Aníbal Bruno, ob .. cit., tomo II, p. 484; Damásio E. de Jesus,
ob. cít., p .. 213.
ob. cit., p. 418; Luíz Alberto Machado, ob. e loc. cíts., p. 56. 12 Heleno Cláudio Fragoso, Lições, Parte Geral, p. 226, n. 200.
142 ALCIDES MUNHOZ NETTO

dispares, propícias a absolvições escandalosas. 78 Os próprios


partidários, entre nós, da tese supralegal, reconhecem a ne-
cessidade de estabelecer critérios seletivos, para que a escusa
por inexigibilidade não adquira "amplitude incompatível com
os fundamentos do Direito Penal, resultando, por fim, um
critério anárquico contrário à necessária segurança da ordem
jurídica". H

AP~NDICE

i3 Roberto Lyra Filho e Luiz Vicente Cernichiaro, Compêndio


de Direito Penal, Parte Geral, 1973, p. 184.
74 A. Bruno, ob. cít., vol. II, p. 487; Damásio E. de Jesus, ob. cit.,
p. 419.
.. ANIBAL BRUNO E A REFORMA PENAL*

Alcides Munhoz Netto

INTRODUÇÃO

1. · Participo, com satisfação, desta série de conferências


em homenagem a-Aníbal Bruno. É uma grata oportunidade
de, urna vez. mais, externar a grande admiração e respeito
que sempre devotei· ao insigne mestre. Sua notável obra as-
sinala decisiva etapa na evolução da moderna literatura
jurídico-penal em nosso país. Ninguém, antes dele, havia, no
Brasil, versado. temas penais, com o sistema, a profundidade
e o rigor científico que caracterizam os seus escritos. Con-
fesso-me seu discípulo, entre tantos outros em quem seu tra-
balho despertou ou estimulou a vocação para o Direito Penal.
Aníbal Bruno fez, realmente, do magistério superior o seu
destino, como sempre pretendeu (Nilo Batista, O Mestre
Aníbal Bruno, in Ciência Penai, vol. I, p. 5, 2.ª série). Sé
mais não produziu, foi porque a nação para isso não lhe deu
meios materiais. Trago, a respeito, testemunho pessoal. A
instâncias minhas, o Prof. Everardo Luna, em 1968, levou-me
a conhecê-lo. Encontramos Anibal Bruno em modestíssimo
apartamento, no Rio de Janeiro. De há muito aposentado,
vívía dos minguados proventos de catedrático e dos parcos
direitos autorais, destdnados, no Brasil, a livros científicos.
Conversamos longamente. Era uma satisfação usufruir de

* Conferência proferida em Belo Horizonte, em 11-11-76.


146 ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE :EM MATÉRIA PENAL 147

seus conceitos precisos acerca de filosofia, literatura, política criminológicas. Embora distinta do Direito Penal, penetra
e direito. Indaguei-lhe, a certa altura, sobre a conclusão de nele intimamente através da crítica, fornecendo a ela os mais
seu Tratado de Direito Penal. De seus lábios ouvi, entre importantes subsídios. . . A maioria dos dogmáticos refuta-
pesaroso e estarrecido, que a sua honestidade científica o riam essa posição da crítica dentro da ciência do Direito Penal.
impedia de ultimar o livro. Por nunca ter se deixado seduzir Mas é ela que concilia, como vimos, o rigor da técnica com o
por ambições econômicas, desprezando a advocacia e outros sentido das forças empíricas que movem o fenômeno do
· encargos que o desviassem da pesquisa e do estudo, Anibal crime e, semi deformar o Direito corno ele realmente existe,
Bruno confessava-se sem recursos para adquirir as novas ' " . '
estabelece uma relação entre o presente e o futuro, útil a
edições de autores estrangeiros, que não mais poderia con-
compreensão, que poderíamos chamar evolutiva, do Direito
tinuar citando, ante o risco de haverem modificado suas ori-
vigente e hoje mais do que nunca justificada: qu~n~o _os
ginárias concepções. Promessas de subvenções oficiais lhe
códigos penais, com as concessões que têm feito as exigencias
tinham sido feitas, mas delas já descria o mestre. Mal posso
fundamentais da corrente de inspiração naturalista, revela-
acreditar, ainda hoje, exista, em nosso país, tamanho descaso
ram que o Direito Penal está dentro de uma renovação pro-
por homens de pensamento do quilate de Aníbal Bruno, que,
funda nesse sentido. E assim ela evita o perigo maior do
dos poderes públicos, teria de receber todas as condições, à
continuidade da inestimáve1 contribuição ao progresso das tecnicismo, que é fazer perder ao jurista o sentido do his-
letras jurídicas brasileiras. tórico, cerrando o Direito vigente como coisa acabada e
entorpecendo-lhe o movimento para a sua evolução e trans-
DOGMATICA E POL1TICA CRIMINAL tormações oportunas, o que nos levaria, por fim, por caminhos
diversos, à idéia de um código ideal, perpetuamente válido,
2. Nada mais adequado, num preito de gratidão e de contra a qual valeria renovar a batalha que Savigny conduziu
saudade ao inesquecível penalísta pernambucano, do que através do historicismo" (ob. cit., tomo I, ps. 41, nota 19 e 47).
focalizar-lhe a atualidade do pensamento. E, numa época em Esta inclusão da Polítdca Criminal na ciência penal, que
que se cogita da reforma de nossas instituições penais, parece Anibal Bruno defendeu na década de 50, está hoje em voga
oportuno proceder o confronto das idéias de Aníbal Bruno na Alemanha. Com efeito, Claus Roxin, catedrático na Uni-
acerca do direito constituendo, com as atuais tendências de versidade de Munique, e um dos mais acatados penalistas
aperfeiçoamento do direito punitivo. germânicos da nova geração, defende idéias semelhantes.
Na primeira edição, de seu Direito Penal, escrito "com o Procurando dar novos rumos à dogmática jurídico-penal, em
pensamento voltado para os jovens estudiosos" (ed. de 1956, crise ante a polêmica entre finalistas e causalistas, proclama
tomo I, Prefácio), Aníbal Bruno destacava a importância da Roxin, que as soluções penais devem ser conjugadas com a
critica e da política criminal, incluindo-as na própria ciência política criminal, sem abandono da função do ordenamento
penal. A posição da política criminal - afirmava - "é sem- jurídico de "assegurar a igualdade na aplicação do Direito e
pre adiante do Direito vigente, cujas reformas oportunas a liberdade individual, frente ao ataque do 'Leviathan' do
sugere e orienta, recebendo inspiração, por um lado, da fi: Estado" (Política Criminal y Sistema del Derecho Penal,
losof.a e da história, e por outro, e sobretudo, das ciências Munich, 1972,).
148 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 149

Pensa Roxin que as concretas categorias do delito-tipici- casos em que se infringem lesões corporais graves para se
dade, antijurídicidade e culpabilidade devem se sistematizar defender de danos de pequena importância). Ademais, do
se desenvolver e se completar sob o prisma de sua função ponto de vista político-criminal, o princípio da prevalência
polítdco-crímínal (ob. cit., p. 40). do direito não pode viger para as agressões de crianças e
enfermos mentais, porque o ordenamento jurídico não neces-
Assim, em relação à tipicidade, para uma interpretação
sita impor-se a pessoas que não podem se motivar pelas nor-
restritiva que atualize a sua função de magna carta do Direito
Penal e sua natureza fragmentária, deve-se recorrer, como mas que infringem e que, precisamente por isto, ficam
critérios auxiliares, a princípios como o da adequação social, impunes (ob. cit., ps. 57 a 60).
que restringe o teor literal do tipo, pelo acolhimento de for- Quanto à culpabilidade, deve a mesma ser relacionada,
mas de conduta socialmente admissíveis e ao princípio da de um ponto de vista político-criminal, com a teoria dos fins
insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir da pena. Neste sentido, cumpre indagar se o autor da ação
danos de pequena monta. Maus tratos, desta forma, não típica e antijurídica merece ou não ser punido, isto é, se a
seriam quaisquer danos à integridade corporal, mas só aqueles pena, no caso, se faz necessária, seja para castigar o mal
relevantes, da mesma forma que a difamação só seria a lesão praticado (retribuição), seja para íntdmídar terceiros e evitar
grave à pretensão social de respeito (ob. cít., p. 5,3). que pratiquem ações análogas (prevenção geral), seja para
No que toca à antijurídicidade, para estabelecer o âmbito corrigir o próprio autor (prevenção especial). Com este cri-
das causas de justificação, alcançando-se, em conseqüência, tério, através da culpabilidade, limita-se a incidência da pena.
uma correta solução social dos conflitos, tem de se jogar, al- Com efeito, se, verbi gratia, alguém - por qualquer razão
ternativamente, com os princípíos da prevalência do direito, que seja - não pôde evitar o injusto típico que praticou, não
da autoproteção, da proporcionalidade, da ponderação dos há fundamento para puni-lo: qualquer que seja a teoria da
bens e da autonomia. Na legítima defesa, por exemplo, os pena adotada, não se pode querer retribuir uma culpabilidade
princípios de autoproteção e de prevalência do direito são os Inexistente, nem afastar a generalidade das pessoas da cau-
que servem de base à sua regulamentação legal. Isto significa sação de conseqüências inevitáveis, nem é necessário um
que todo :mundo tem o direito a defender-se de ataques efeito de prevenção especial, a quem não se pode censurar a
proibidos, de maneira a que não sofra nenhum dano. Ainda conduta (ob. cit., p. 67.).
que possível ao agredido subtrair-se ao ataque, a legítima
defesa é permitida. O princípio da prevalência do direito A TRILOGIA DAS REFORMAS PENAIS
(a idéia, portanto, de que o direito não tem que ceder ante o
injusto) vai mais longe aqui que os interesses de autoprote- 3. Correspondem às atuais tendências evolutivas do Di-
ção ... A autoproteção e a prevalência encontram, porém, reito Penal, as idéias de não incriminar infrações insignifi-
seus limites comuns num princípio, reitor de todo o ordena- cantes, de evitar a incidência de penas, sobretudo as privati-
mento jurídico, o princípio da proporcionalidade, que conduz vas de liberdade, se desnecessárias à retribuição e à prevenção
à renúncia da legítima defesa, nos casos de absoluta despro- e de emprestar à culpabilidade função de garantia individual,
porcionalidade dos bens que estão em conflito (isto é, nos erigindo-a em indeclinável pressuposto das sanções criminais.
150 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 151

Com efeito, atualmente, todo o movimento de renovação gir conforme ao Direito, em meio às provocações e estímulos
legislativa, no campo punitivo, procura dar efetividade à malsãos que a vida em sociedade oferece, mas um hábito para
trilogia: descriminalização, despenalização e limitação da o qual concorra a vontade do próprio criminoso, não uma
responsabilidade penal pela culpabilidade. rotina superficial imposta pelas condições do modo de viver
Pois bem, destes anseios, hoje gerais, já compartilhava na prisão e que só aí teria eficácia."
o nosso Aníbal Bruno, há vinte anos passados. Era ele, na Condenava, também, as penas curtas de prisão, nas quais
verdade, adepto da idéia de excluir do direito punitivo as "não é possível exercer sobre o delinqüente nenhuma ação
infrações de bagatela, que só sobrecarregam os juízos crimi- contínua e duradoura capaz de modificar a sua personali-
nais e comprometem a dignidade do magistério punitivo. dade, corrigindo a deformação criminógena que nela se ma-
Também preconizava evitar-se as penas privativas de liber- nifestou. Ao contrário, o criminoso, muitas vezes primário,
dade, substdtuindo-as por outras providências jurídico-penais. vai reunir-se na prisão a outros criminosos, que afinal se
E ao princípio da mula poena sine culpa, Anibal Bruno em- corrompem mutuamente, cada qual com a sua própria expe-
prestara importância fundamental. riência do crime, a vaidade das suas façanhas e os projetos de
Acerca da descriminalização, escrevia o grande penalista novos extravias. A sugestão do ambiente é para fortalecer a
pátrio: "a pena é um recurso extremo de que se vale o legis- perseverança no caminho do delito e aperfeiçoar a técnica do
lador, quando de outro modo não lhe seria possível assegurar delinqüente" (ob. cit., tomo III, ps. 23, nota 2, 65, nota 9, e 66).
a manutenção da ordem jurídica (ob. cít., tomo I, p. 286) ... A função Iimítatíva da culpabilidade, o mestre pernam-
Na evolução das legislações, algumas figuras penais podem bucano emprestava a maior ênfase, fruto, naturalmente, de
perder esse caráter, como tende a ocorrer hoje com o adulté- sua liberal concepção acerca do direito punitivo. "O Direito
rio, por exemplo" (ob. cit., tomo IV, p. 29). Penal é um sistema jurídico de dupla face, que protege a
Era incisivo o pronunciamento de Anibal Bruno sobre a sociedade contra a agressão do indivíduo e protege o indiví-
despenalização: "Tem-se revelado uma crise na pena priva- duo contra os possíveis excessos de poder da sociedade na
tiva da liberdade, reclamando-se uma redução ao mínimo prevenção e repressão dos fatos puníveis. Toda a sua atua-
dessa privação, falando-se em prisão sem muros ou mesmo em ção se faz sob o critério regulador da justiça. . . A lei puni-
trabalho livre obrigatório para substdtuí-la, a fim de evitar tiva, não só promove a defesa social pela proteção que con-
ao condenado restrições que embaracem o seu ajustamento fere, por meio dos rigores da sua sanção, às condições
à vida normal na comunidade de Direito. Esta é a mais grave existenciais da sociedade, nos termos em que ela se acha
das crises que têm afetado a pena, a que a atinge nas suas constituída, mas assegura e delimita o campo de ação do
características tradicionais de retribuição e aflição. . . o que Estado na repressão e prevenção direta da delinqüência, e
se torna evidente é que a Penologia atual, inspirada na de- com essa delimitação garante as liberdades individuais em
cisão de reajustar o delinqüente à vida social dentro do Di- geral e os direitos fundamentais que subsistem no próprio
reito, se encaminha cada vez mais para restringir a privação delinqüente" (ob. cit., tomo I, ps. 32 e 199). Especificamente
da liberdade ao mínimo, substituindo-a por um regime que sobre o princípio do nuUa poena sine culpa, que considerava
realize ou imite as condições da existência livre. Porque "imperiosa exigência da consciência jurídica", asseverava:
realmente se trata é de criar no delinqüente o hábito de rea- "o Direito Penal de hoje é conceitualmente um Direito Penal

532 - 11
152 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 153

da culpabilidade. M. E. Mayer pôde dizer que a dignidade sistema de Direito assenta em bases filosóficas" (A. Bruno.
do Direito Penal reside na reprovação da responsabilidade ob. cit., tomo I, p. 45). Ora, a filosofia ocidental rejeita o
pelo resultado e no reconhecimento da responsabilidade pela Estado totalitário, propondo-se a dar efetividade às declara-
culpabilidade. . . Persistem, entretanto, nas legislações vigen- cões universais de direitos, que garantem certas liberdades
tes, casos em que se faz sentir o pensamento da responsabili- individuais, corno a liberdade de consciência. Por outro lado,
dade pelo resultado, o que mostra que a evolução do princípio na seleção dos fatos a serem considerados crimes, o legislador,
ainda não se encerrou. Esses resíduos das velhas concepções até por questão de economia, deve partir sempre do princípio
objetivas, que existem mesmo nos códigos mais modernos, de que o Direito Penal "só deve intervir como ultima ratio
como o nosso, mostram-se, sobretudo nos chamados crimes da política social". Ê o que, invocando W. Maihofer, procla-
qualificados pelo resultado, fatos puníveis em que se exacerba ma Jorge de Figueiredo Dias: "importa que o legislador tome
a pena quando neles se produz involuntariamente um resul- verdadeiramente a sério a imposição de só colocar sob ameaça
tado mais grave, casos que von Liszt diz muito bem que não de pena aquelas condutas, que impedem ou põem em perigo,
correspondem nem à consciência jurídica de hoje, nem aos de forma intolerável, a livre realização da personalidade ética
princípios de uma política criminal racional" (ob. cit., tomo II, do homem na comunidade em que vive" (A Reforma do Di-
ps. 407 e 410, nota 1). reito Penal Português, p. 39, Coimbra, 1972).
Infelizmente, entretanto, nas últimas décadas, o legis-
4. Demonstrada, ainda que suscintamente, a atualidade lador não tem sabido resistir ao que o mesmo penalísta deno-
do pensamento de Aníbal Bruno, cumpre, numa segunda mina de "sedução de uma tão inconveniente como perigosa
parte deste trabalho, examinar a utilidade das idéias enun- inflação incriminatôria" (ob. e loc, cíts.). Fatos de escassa
ciadas e, em balanço panorâmico, verificar quais· os seus re- importância, através de impressionante sucessão de leis, vêm
flexos no Código Penal brasileiro de 1969. sendo erigidos à categoria de infrações penais, por meras
razões de conveniência momentânea. A pretexto de regular
DESCRIMINALIZAÇÃO novas relações, decorrentes do próprio desenvolvimento e da
civilização, ou de sofrear abusos, o Estado cria, incessante-
5. Descriminalizar significa colocar determinado com- mente, novos tipos penais. E que lhe é mais fácil e barato
portamento fora do sistema punitivo. Isto não implica, ne- criminalizar do que prevenir. Custa muito menos, por exem-
cessariamente, em proclamar a licitude das condutas postas plo, transformar infrações de trânsito em ilícitos penais,
à margem da repressão penal. Traduz, também, o entendi- através de leis que nem necessitam conter a especificação de
mento de que certos ilícitos jurídicos, definidos como infra- recursos orçamentários, do que construir obras de engenharia
ções penais, podem ser mais racionalment,e conjurados com de tráfego, capazes de atenuar os riscos da circulação de
sanções de outra natureza (administrativas, civis ou tribu- veículos.
tárias), ou com medidas meramente preventivas. Paralelamente a este fenômeno, conservam os velhos
O Estado, ao estabelecer os crimes e contravenções, tem Códigos figuras penais anacrônicas, fundadas em concepções
de se ater a certos limites. Por um lado, restringe-lhe a atua- morais ultrapassadas ou em fatos que a consciência social
ção a própria filosofia sob a qual se organizou, pois, "todo deixou de considerar criminosos. Nascidas de exigências de
154 ALCIDES MUNHOO NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENJ\L 1 )1

determinado momento da cultura, certas normas penais re-


vestem-se daquela precariedade a que aludia Anibal Bruno, íso um esforço inaudito. O juiz despacha o expediente, que
"sobretudo nos períodos históricos de crise social e política, l i' o é pequeno, ouve várias testemunhas, interroga acusados,
como o que hoje vivemos. A consciência desse caráter provi- atende as partes, fiscaliza o cartório, preside os debates das
sional é o que se faz sentir nas recentes criações legislativas nudiências de julgamento e ainda tem de proferir uma ou
penais" (ob. cit., tomo IV, p. 30, nota). duas sentenças por dia. A crise da Justiça está fundamental-
mente na sua base, no atraso com que são julgados os feitos,
N~ verdade, a hipertrofia da legislação penal criou a
pela impossibilidade em que se vêem os juízes de dar solução
n~cess1dade de uma "tarefa de purificação do autêntico Di-
à mole imensa de casos grandes e insignificantes, que lhes são
reito Penal", que lhe restaure a dignidade e a eficiência. A
distribuídos sem cessar, como uma espécie de motu continuo.
descriminalização, assim, apresenta-se como necessidade ina-
Isto acarreta desprestígio para a própria Justiça perante a
diável, sentida em todos os quadrantes. Entre nós a Sociedade
opinião pública, insuficientemente informada desses percal-
Brasile~ra de Cr~~inologia, apreciando o novo Código Penal
ços e estorvos. Espalha-se uma desconfiança generalizada no
e o projeto de Código de Processo Penal, fez notar que a crise
aparelho judiciário, que não tem condições de reparar, com
d~ Justiça brasileira, tem como causa preponderante o grande
prontidão e eficácia, a violação dos direitos dos membros da
~t:mero~ de pr?cessos sobre fatos sem importância, que nossos
comunidade" (Sobre a Reforma dos Códigos, in Jornal do
J~1zes sao obrigados a apreciar. O relatório de Evandro Líns e
Brasil, ed. 21. 09. 75, p. 20, 2.0 caderno).
S~l~a, ªP:º~ad~ ~ela. entidade, consigna: "questões patrímo-
~ia~s _e crimmais ínteíramente irrelevantes, quer sob o aspecto
6. Se é fácil perceber a utilidade em reagir à hipertrofia
jurídíco, quer sob o prisma social ou econômico convocam a
da lei penal, através da descriminalização, mais delicada é a
atençã~ ?e mini~tro_s, desembargadores e juízes' para decidi-
tarefa de escolha dos ilícitos penais a serem abolidos. Os con-
-l_as, exi?mdo, até o Julgamento, uma organização burocrática
claves de Direito Penal e de Criminologia, internacionais ou
d1spe~d1osa e um papelório inteiramente dispensável. Contra-
locais, como o IX Congresso Internacional de Direito Penal,
vençoes e outras infrações levíssimas, cobranças irrisórias,
Haia, 1964 (R.B.C.D.P., n.? 7, ps. 124 a 126), e o Seminário de
ass~ntos ?e nona?ª constituem a massa de serviço dos juízes
Direito Penal e Processo Penal de Belo Horizonte, 1974,
e tribunaís do pais. A máquina judiciária é emperrada e não
caminha e até se decidir um processo banalíssimo decorrem (R.D.P., n.v 15/16, p. 92), entre outros, fornecem subsídios à
muitos meses e não raro muitos anos de andamento e de descriminalização, indicando as figuras ou as categorias de
espera, nas prateleiras dos cartórios, nos escritórios dos advo- delitos a serem suprimidos.
gados e nas casas dos juízes. Isso, evidentemente, está errado Certamente com base em dados de tal natureza, foi que
e carecendo de uma reforma de fundo, especialmente nos L. H. C. Hulsman apontou os setores a descriminalizar (Des-
grandes centros, onde um juiz recebe centenas e às vezes mais criminalização, in R.D.P., n.05 9/10, ps. 7 a 26). Tais setores são:
de mil processos por ano, devendo instruí-los e julgá-los. De 1) as infrações fundadas exclusivamente na preocupação de
ano para ano os autos se vão amontoando sem ser possível tornar dominantes certas concepções morais, como, por exem-
dirimir, com razoável presteza, as causas submetidas ao Poder plo, a blasfêmia, o adultério, o incesto, a sodomia, o homos-
Judiciário. Para manter em dia o serviço de uma Vara é pre- sexualismo ou a prostituição sem envolvimento de menores e
sem escândalo público e certas espécies de delitos decorrentes
156 A.LCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 157

de intolerância política. Trata-se de infrações sem graves portância considerável, que pode alcançar meio salário mí-
danos sociais, que não ofendem bens ou interesses de outros nimo; pela contravenção de direção perigosa, que consiste
membros da comunidade, traduzindo, antes, o desejo de maio- em dirigir veículos pondo em risco a segurança alheia (art. 34,
ria, ou dos detentores do poder, de impor coativamente suas L.C.P.), será mobilizada uma delegacia de polícia (delegado,
idéias dissidentes, prática incompatível com sistemas de liber- escrivão, agentes), ouvidas testemunhas, formalizado um pro-
dade. Nas autênticas democracias, há que se respeitar o direito cedimento, acionado um tribunal (juiz, promotor, advogado,
das minorias de terem concepções divergentes, em matéria escrivão, oficial de justiça), com audiências e prazos, para
de moral, de política ou de comportamento sexual. Como afinal ser o cidadão condenado à multa de Cr$ 2,00. Aquele
salienta Jorge de Figueiredo Dias: "o Direito Penal está aí que supusesse corrigir o absurdo dessa sentença elevando a
para proteger interesses socialmente relevantes, bens jurídi- pena pecuniária cominada à contravenção, é, seguramente,
cos, e de nenhum modo para impor qualquer concepção moral um amante dos caminhos tortuosos" (Algumas Palavras Sobre
em sentido estrito" (ob. cit., p. 40); 2,) as infrações inspiradas Descri1ninalização, in R.D.P., vols, 13/14, p. 38). Aliás, em
pelo desejo de ajudar o delinqüente, como o uso de drogas, o matéria de ilícitos de trânsito, é sensível a tendência de não
alcoolismo, a mendicância e a vadiagem. O tratamento com- abusar da incriminação. Os países que as criminalizaram em
pulsório é comprovadamente ineficaz, ainda mais quando 'se excesso estão retrocedendo, como se verificou nas II Jornadas
pret,enda realizá-lo através da pena, estigmatizante e de duvi- Latino-Americanas de Defesa Social, Brasília, 1975.
doso valor recuperativo. Melhores são as medidas de assistên-
cia, que despertem nos destinatários o desejo de regenerar-se 7. No Brasil, há evidente excesso de incriminação. Além
e a conseqüente colaboração a este objetivo; 3) as infrações das figuras típicas do Código e da Lei de Contravenções Penais
em relação às quais a ameaça penal comprovadamente não em vigor, existem as definidas em abundante legislação com-
funciona. Em si, a eficácia intimidativa da pena está hoje em plementar. Consoante Reale Junior, a tipificação surge como
franco descrédito. No último Congresso da Associação Inter- "recurso para que o direito valha enquanto ordena sob ameaça
nacional de Direito Penal, Budapest, 1974, foi aprovado o penal e não como via extrema para a tutela de valores, cuja
relatório Kirali, consignando ser altamente improvável apre- positividade deva ser necessariamente respeitada" (Descrimi-
venção geral através da pena (R.D.P., n.08 15/16, ps. 81/82). nalização, in Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros,
Com maior razão o duvidoso efeito intimidatório das sanções n.> 29, p. 189.).
penais não existirá quanto às infrações socialmente toleradas, Mais de cinco dezenas de leis extravagantes, consideram
corno casa de prostituição, certas modalidades de aborto e o ilícitos penais violações jurídicas insignificantes ou fatos que
nosso brasileiríssimo jogo do bicho; 4) as infrações de baga- só afetam interesses secundários da administração pública.
tela, como muitas das contravenções penais, que melhor se Assim é que se incrimina: produzir açúcar acima da quota
situariam como meros ilícitos admínistratívos. Pitoresca- autorizada (Dec. Lei 16/66); vender sob o nome de couro pro-
mente, observou Nilo Batista, o paradoxo a que, no Brasil, dutos que não sejam obtidos da pele animal (Lei n.? 4.888/65);
pode conduzir um simples desrespeito a sinal de trânsito: "por paralisar o incorporador de edificação em condomínio a obra
avançar um sinal, dirigindo seu veículo, qualquer cidadão por mais de 30 dias (Lei n.º 4.591/64) ; deixar de restituir à
será sumariamente multado pelo guarda de trânsito, em im- autoridade licenças extintas pelo decurso do prazo (Lei n.?
158 ALCIDES MUNHO/Z NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 15!>

4.771/65); atuar como instituição financeira sem autorização Foram abolidos, apenas, os delitos de perigo de contágio
do Banco Central (Lei n.0 4.595/64); instalar ou utilizar es- venéreo e de moléstia grave, em face do desenvolvimento dos
tação ou aparelho rádioelétríco sem observância de disposição antibióticos bem como da "ausência de repercussão forense
legal (Código de Comunicações) e, até, pescar sem autorização dos fatos porventura havidos" (Exposição de Motivos n.? 45)
da SUDEPE (Dec.-lei 221/67). , e o atestado contra a liberdade de associação sindical (C.P. 40,.
Ao legislador de 1969 oferecia-se o ensejo de corrigir estas art. 199).
demasias, bem como o de abolir tipos anacrônicos, universal- Assim, a nossa reforma penal, em lugar de descrimina-
mente ultrapassados. O novo Código, entretanto, nem só man- lizar, realizará autêntica e lamentável criminalização.
teve toda a legislação sobre crimes especiais (art. 401), como
conservou e aumentou o elenco de fatos cuja incriminação não DESPENALIZAÇÃO
mais se justifica.
8. Despenalizar é excluir ou reduzir a incidência das.
Quanto aos delitos fundados em meras concepções morais,
penas privativas de liberdade. Por ser mais amplo que a idéia.
manteve-se a incriminação do adultério (art. 264) e da casa
que exprime, o termo, tem de ser compreendido sensu stricto,
de prostituição (art. 252), acrescentando-se-lhes os delitos de
incesto (art. 258), ressuscitado das Ordenações do Reino, e Já constitui truísmo afirmar a crise da pena de prisão.
de inseminação artificial (art. 267), de objetividade jurídica No século XIX, acreditava-se em sua eficácia ressocializadora;
truncada e tratamento absurdamente mais grave do que o hoje é ela encarada como fator criminógeno. Trata-se de>
de adultério (é inexplicável que o delito haja sido incluído resultado natural da evolução da penologia: da mesma forma
entre os crimes contra o estado de filiação, quando se trata, que as penas corporais, cruéis e infamantes, cederam passo·
de ofensa ao casamento, tanto que não subsiste se o marido para as penas privativas de liberdade, estas, agora, devem dar
consente na inseminação. Nem faz sentido que a pena e as vez a outras sanções, patrimoniais, ou restritivas de liber-
condições de procedibilidade sejam mais desfavoráveis que as dade. A prisão há de constituir o recurso extremo, a última
do adultério, único crime configurável em caso de insemina- solução, enquanto não se elaborar, para substituí-la, um siste-
ção, fora do casamento, por meio natural). ma penal coerente, conforme recomendações do IX Congresso
Apesar da reconhecida ineficácia da ameaça penal quanto Internacional de Direito Penal (R.D.P., n.? 15/16, p. 82).
a certas modalidades de aborto, ampliou-se sua incriminação. O problema das penas privativas de liberdade agrava-se
suprimindo-se a impunidade do aborto sentimental (art. 129): nos países em desenvolvimento. Preocupados com as suas ne-
providência inexplicável num diploma que cria, como moda- cessidades básicas, de cuja solução depende o próprio pro-
lidade privilegiada, o aborto por motivo de honra (art. 127), gresso, não podem estes destinar recursos suficientes à cons-
com pena passível de suspensão condicional (art. 70). trução ou à ampliação de estabelecimentos penais. No Brasil,
No que concerne aos delitos de bagatela, conservou-se as nossas prisões· são notoriamente insuficientes para abrigar
figuras como a hospedagem fraudulenta (art. 188), os crimes os condenados. Em São Paulo há 70 mil e, no Rio de Janeiro,
contra as marcas de indústria e comércio e de concorrência 50 mil mandados de prisão aguardando cumprimento, por
desleal (Título III, Capítulos III, IV e V), e outros tipos des- falta de capacidade dos estabelecimentos penais. A construção
tituídos de dignidade penal. de novas penitenciárias e a manutenção das existentes repre-
160 ALCIDES MUNIIOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 161

sentam pesados ônus sociais. Cálculos do início do ano pas- mente, à dualidade das penas privativas. A reclusão e a de-
sado, . revelam que a construção de novos presídios, com tenção, dispõe o novo Código, devem ser executadas de modo
capacidade para mil detentos, custava 170 milhões de cru- a que exerçam sobre o condenado individualizada ação educa-
zeiros, ou seja, 170 mil cruzeiros para cada internado. De tiva, no sentido de sua recuperação social (art. 37). O sistema
outra parte, os gastos operacionais eram de 4 mil cruzeiros do Código de 40, quanto a diversidade na forma de executar
A j

por mes, para cada preso. as penas de reclusão e de detenção, além de impraticável,
Para atenuar estas dificuldades é útil restringir a inci- contraria o ideal de ressocialização. Na correta observac'ío de
dência das penas privativas de liberdade, criando-se outras Aníbal Bruno, "as penas detentivas são proporcionadas ao
espécies de sanções e aumentando-se os poderes discricioná- delito praticado mais pela sua quantidade do que pela sua
rios dos juízes, para que tenham maior amplitude na substi- qualidade (ob. cit., tomo III, p. 63). Apenas para efeitos pro-
tuição de penas de prisão por outras mais leves, na concessão cessuaís, podem ser conservadas as duas categorias de priva-
do sursis e do perdão judicial e no encerramento antecipado ção de liberdade, facultada, em certas hipóteses, à substituição
de processo, por infrações pequenas, de agentes primários, não da reclusão por detenção (art. 73, § 3.0 ).
perigosos, que hajam reparado o dano decorrente do delito. A As criticadas penas de curta duração, insuficientes para
despenalização, nestes termos, preconizada em vários con- ressocializar, mas suficientes para corromper, foram evitadas
claves de penalistas brasileiros, como o Seminário de Direito no diploma de 1969. Na verdade, permitiu-se a substituição da
Penal e Criminologia de Goiânia, 1973 (v. Moção de Goiânia, detenção inferior a seis meses pela pena de multa (art. 46),
R.D.P., n.0 9/10, p. 61), Seminário de Direito e Processo Penal estendeu-se o sursis à pena de reclusão (art. 70) Inovação que,
de Belo Horizonte, 1974, V Congresso Nacional de Direito segundo Heleno C. Fragoso, bastaria para justificar a vigência
Penal, Sã.o Paulo, 1975 (R.D.P., n.> 15/16, p. 91), é também do novo Código. Ademais, previu-se o estabelecimento penal
reclamada pelo nosso poder judiciário. Em seu relatório diag- aberto e tnstltuclonalizou-ee a prisão albergue, para os cri-
nóstico, o Supremo Tribunal acentuou "a inadequação do
minosos primários, de nenhuma ou escassa perículosídade. A
sistema de penas, com a preponderante idéia de encarcera-
prisão aberta será destinada aos condenados a até seis anos
mento, ainda que nenhuma a periculosidade do réu. A multi-
plicidade de condenações à prisão, não executadas- pela im- de reclusão ou oito de detenção, podendo constituir fase da
possibilidade material de se efetivarem, dá margem à argüi- execução de penas mais graves. A prisão albergue será aplicada
ções de ineficiência do sistema carcerário e de desvio de como providência única, em condenações não superiores a
deveres funcionais. A faculdade de se substituírem penas de- três anos, ou como etapa do cumprimento da pena superior
tentívas por sanções pecuniárias adequadas, ou por medidas a esse limite (art. 40). Também foram ampliadas as hipóteses
reeducatívas; e a extensão da 'prisão albergue', a par de de perdão judicial, previsto, por exemplo, para lesões leves,
outras sugestões, contribuiriam para a melhoria da Justiça recíprocas ou privilegiadas (art. 131, § 5.0 ), para o dano com
Penal." reparação de prejuízo ( art. 178), para o furto ou apropriação
de coisa fungível comum, não excedente ao quinhão do con-
9. Embora timidamente, o legislador penal de 1969 rea- dômino (arts. 166 e 181, § 2.º), para a receptação da coisa
lizou certa despenalização, além de ter posto fim, pratica- de pequeno valor ou restituída antes do início da ação penal
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 163
162 ALCIDES MUNHOZ NETTO

comportamento conforme ao direito (cf. Heleno C. Fragoso,


(art. 1~~, pa_rágrafo único) e para a destruição de petrechos Lições de Direito Penal - Parte Geral, p. 213). A reprovabl-
de falsificaçao de moedas (art. 322, parágrafo único).
lidade penal assenta-se, realmente, na capacidade e na possi-
S~b ~utro aspecto, procurou-se limitar as penas de grande bilidade de agir o autor de acordo com os imperativos jurídico-
dura?ªº' _igualm:nte in~onvenientes. Consoante assinala Jorge -penais, ou seja, num poder formar sua resolução em conso-
de Figueiredo Dias, cuidadosa investigação criminológica re- nância com a norma.
vela "que um tempo de prisão superior a dez ou quinze anos
i~p~sibilita radicalmente, salvo em casos especialíssimos e Diz-se que, assim concebida, a idéia de culpabilidade está
atípicos, qualquer tentativa lograda de ressocialização: quem enfraquecida, porque este poder agir de outra forma é uma
passa mais que aquele tempo no ambiente artificial da prisão premissa indemonstrada e indemonstrável (cf. Claus Roxin,
pe_rde a po~sibilidade de se orientar na sociedade em que seja A Culpabilidade Como Critério Limitativo da Pena, in R.D.P.,
:~m~rodu~1do.' para além do que sofrerá provavelmente dis- n.v 11/12, p. 7), Mas, da mesma maneira que a controvérsia
túrbíos ps~qm?os irrecuperáveis; uma pena de prisão superior entre determinismo e livre arbitrío permanece insolúvel, cien-
tornar-se-a pois, do ponto de vista da recuperação social algo
1
tificamente, não há, também, como comprovar inexista, no
~e :11ui:o parecido com a pena de morte" (ob. cit., p. 3 5). A ser imputável, em condições normais, a faculdade de resistir
Iímítação da duração máxima das penas privativas de liber- a impulsos criminosos. Pois bem, é esta faculdade de resis-
dade r:a~iza-se no novo Código: a) pela manutenção dos limi- tência que, ao mesmo tempo, fundamenta a culpabilidade e
tes máximos da detenção e da reclusão em 10 e 30 anos limita a responsabilidade penal. Não se ignora que o Direito
(art. 37, § l.º), rejeitado assim o critério do Anteprojeto tem a preponderante função de proteger bens e valores fun-
Hungria de elevá-los para 20 e 40 anos (art. 35, § l.º), e, b) damentais da comunidade social e, portanto, de tutelar inte-
pela p~eservação do livramento condicional, possível depois de resses socialmente relevantes. Mas é preciso reafirmar, corn
cumprida certa parte da pena, qualquer que seja a sua natu- Figueiredo Dias, "que nem por isso se furta ao princípio da
reza ou quantidade (art. 74). culpa plena capacidade para resistir aos ataques que são diri-
Vê-se, destarte, que em matéria de despenalização, o legis- gidos do exterior, isto é, em nome de um Direito Penal de-
lador de 1969 foi sensível às modernas tendências. Pecou, fensivo, de mera intimidação, que relega a pessoa humana
co~tudo, pelo excesso de timidez, pois poderia ter inovado para objeto de fins heterônomos (ficando asslm aberto o
mais, quer com a previsão de outras espécies de sancão penal caminho para um Direito Penal de puro terror) ou de um
qu_er c~m a ampliação dos casos de sursis, de substítui~ão d~ Direito Penal de cariz exclusivamente protetivo que, invocan-
privaçao de liberdade por multas e de perdão judicial." do um salutar humanismo, torna a pessoa em objeto de
medidas terapêuticas coercivas e sob a capa do verdadeiro
LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PELA CULPA bem do delinqüente 'viola sua autonomia ética' e possibilita
a sua entrega ao Estado todo-poderoso" (ob. cit., p. 15).
10. Culpabilidade é o juízo de censura pessoal, incidente
Verdadeiramente, a culpabilidade tem uma função polí-
sob~~ o autor da ?~~duta típica e ilícita. Compõe-na a impu- tica que excede à sua Importâncía conceituai: ela limita o
t~billdade,. ~ P?ssibilldade do conhecimento do ilícito (poten- poder punitivo do Estado, pela exigência de que a pena só
cial consciencía da antijurídicidade) e a exigibilidade de
164 ALCIDES MUNHOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 165

inci~a se o autor, além de ter praticado o ilícito típico, seja sentido não se deduz prontamente, mas têm de ser apreen-
passível de censura pessoal. didos através de particular apreciação por parte do juiz e que
O princípio do nulla poena sine culpa constitui-se, pois, trazem consigo, sobretudo quando provém da linguagem co-
numa garantia da liberdade individual. Tal garantia é ne- mum, o germe da imprecisão. Isso não importa na pretensão
cessária à rea~ização da própria Justiça, posto que O dogma de limitar o relativo arbítrio do juiz que se manifesta sobre-
do n~llum crimen, nulla poena sine proeoia lege, tão caro tudo na aplicação da pena, mas em defender a firmeza da
ªº.s s1s:te~~ p~niti~os liberais, nem sempre assegura os di- definição do tipo, que é segurança da liberdade. Nem signi-
reitos mdividua.is .. E que o princípio da anterioridade da lei fica, também, desconhecer que nem sempre é possível ou
P.enal perde 1:1mto de sua eficácia em face dos tipos desconhe- mesmo conveniente evitar o emprego de elementos normativos
cidos : dos, hp?s penais abertos. De pouco vale a norma de no tipo pelo uso de termos jurídicos ou mesmo da língua
que n~o ha c~1r~.e s:m.1ei anterior que o defina, quando a vulgar" (ob. cit., tomo IV, p. 41).
s~cessao de leis. m.crimmatórias ( supra n. o 5) , torna ímpos- Sendo difícil impedir, quer o surgimento de novas moda-
sível, para a maioria dos destinatários, saber da existência de lidades delituosas, quer a proliferação dos tipos abertos ou
novas modalidades delituosas. Para quem desconhece e não com elementos normativos, é indispensável assegurar, em tais
tem tpossibilidade
- . de se informar acerca da nova lei , e' como casos, a liberdade, condicionando a punição à possibilidade
se e,s a nao ex1stis~e. Q~9:_nto aos tipos abertos, em que, pelo que tenha tido o autor do ilícito típico de conhecer a anti-
carater vago, da disposiçao incriminadora, ou pelo emprego juridicidade de sua conduta. E isto se obtém, ao erigir-se a
de elementos normativos, deixa-se ao juiz a missão de preci- culpabilidade, isto é, a censura pessoal, em firme pressuposto
~~r os contornos e a aplicabilidade do preceito legislado, é por da pena. Ademais, estendendo-se a exigência da censurabili-
igual pequeno o .alcance do princípio da reserva legal. Tipos dade pessoal a todos os efeitos causados pela conduta do au-
com~ os de praticar atos destinados a provocar guerra sub- tor, impede-se seja: o mesmo punido pelas conseqüências si-
versiva ou de fazer propaganda subversiva (Dec.-lei 898/69, tuadas além de sua vontade, desde que estas não lhe possam
arts. 25 e 45) podem se adaptar às mais variadas situações, ser atribuíveis, sequer a título de negligência.
d~ acor~o com o paladar do juiz. Também é grande O arbí-
tr~o d? Julgador, quando tem de precisar, por exemplo, 0 que 11. O diploma de 1969 pretendeu dar efetividade ao
~eJa r:x~, ato == ou desacato. O fenômeno não escapou
a argucia _cte Aníbal Bruno, que sabia muito bem como "pode
princípio do nuUa poena sine culpa; Na Exposição de Moti-
vos, lê-se que se "quis ajustar a nossa legislação penal às
sofrer a firmeza do Direito nos chamados tipos abertos em exigências fundamentais de um Direito Penal da Culpa, que
que o enunciado da formulação típica deixa margem a íncer- visa proscrever toda a forma de responsabilidade objetiva"
tez8:5 na sua interpretação. Ou ainda como afeta a segurança (n.? 3), bem como, que o princípio nullum crimeti sine culpa
da llberdade o emprego de fórmulas de demasiada amplitude é uma dais constantes do Código e sua "significação exegética
que impõe limites mal definidos na enunciação dos fatos. Ê não deve ser esquecida" (n.º 11). Só parcialmente, entre-
ness~ mesmo sentido, que vem influir a tendência que se tem tanto, o objetivo foi atingido.
ma~fest~do recentemente a introduzir na estrutura do tipo Evitou-se a responsabilidade objetiva em relação aos
maior numero de elementos normativos, de elementos cujo crimes agravados ou qualificados pelo resultado. Pelos efeitos
166 ALCIDES MUN1-IOZ NETTO A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 167

que agravam especialmente as penas, só responderá o agente errada compreensão da lei, somente atenuará a pena, e isto,
quando.os houver causado, pelo menos culposamente (art. 19) desde· que seja escusável. Ora, o erro escusável, ê o erro m-
€ as sanções irão variar conforme o resultado mais grave seja vencível, pelo qual não se pode censurar o autor. Permitindo
imputável ao dolo ou à culpa do autor (art. 131, §§ 2.º e 3.º). a nova lei a incidência da pena, ainda que atenuada, a quem
Da mesma forma, não mais subsistirá responsabilidade não é passível de censura e, portanto, não é culpado, abre
sem culpa, na partdcipação involuntária em crime mais grave. desnecessária brecha no princípio fundamental de que não há
A punibilidade de qualquer dos concorrentes determínar-se-á pena sem culpabüídade, A Anibal Bruno já parecia que
segundo a sua própria culpabilidade (art. 35, § 1.º). Assim, "quem ·mclui no dolo a consciência do ilícito, ou, como os
o mandante, de lesões corporais não poderá ser responsabili- finalistas, faz dessa consciência de agir de maneira contrária
zado pelo homicídio cometido por obra· exclusiva do executor ao dever o núcleo da culpabilidade, entendida como reprova..
material, como sucede ante o diploma em vigor (C. P. 40, bitidade perante a ordem de Direito, tem eonseqüentemente
art, 48, parágrafo único). O critério doutrinário, de excluir de admitir o erro quanto à anUjuridicidade do fato, desde que
a responsabilidade do mandante pelo crime mais grave, se essencial e escusável, como penalmente relevante. Se falta
não situado este na linha do normal desdobramento da ação, ao agente a consciência da ilicitude, ou não existe dolo e, por-
tem evitado, é certo, soluções aberrantes (como a de punir o tanto; culpabilidade, ou, como para os finalistas, o dolo per-
mandante do furto pelo estupro inesperadamente cometido siste, mas exclui-se a culpabilidade, e em todo caso o fato
pelo ladrão, encarregado apenas da subtração patrimonial). fica alheio à esfera da punição" (ob. cit., tomo II, p. 494).
Mas tal entendimento, além de conflitar -com o texto da lei E o Seminário de Belo Horizonte, de Direito Penal e Processo
não impede uma desproporção entre a culpabilidade e a pena.'
Penal, acolhendo sugestão nossa, recomendou a revisão do
É que na linha de normal desenvolvimento da ação situam-se
art, 20, para permitir-se a total isenção de pena quando a
todos os sucessos prevísíveís da execução do crime ( como a
suposição de licitude, ainda que derivada de erro de direito,
morte daquele a quem só se mandou espancar). Mas, esta
previsibilidade, capaz de fundamentar uma responsabilidade seja plenamente escusável (ob. loc. cit.).
a título de culpa, constitui justdficativa para punição por dolo. Sem repetir que a emoção e a. paixão, não excluem a res-
. Ora, o dolo, mais do que a previsibilidade, requer a vontade ponsabílídade penal (C. P. 40, art. 24, I), o novo diploma
ou anuência em concorrer para o crime mais grave. basicamente reproduz a atual disposição acerca da inimpu-
tabilidade. Para ter efeitos eximentes, a incapacidade de en-
12. A responsabilidade sem culpa, contudo, permanece tender o caráter criminoso do fato, ou determinar-se de acor-
no novo Código, máxime em relação à ignorância da antíju- do com este entendimento, tem de derivar de doença mental
ridicidade por erro de direito, bem como na fórmula da inim- ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado
putabilidade. (art. 31). Se a incapacidade volitiva ou intelectiva decorrer
A boa fé do autor, por suposição de licitude da conduta, de transtorno mental transitório ou de grave perturbação da
só o escusará se derivada de erro de fato (art. 21), ou seja, da consciência, não haverá, em princípio, isenção de pena. Ora,
.suposíção de situação de fato que tornaria a ação legítima. estes estados, contemplados por outros códigos modernos
A mesma suposição de licitude, se derivada de ignorância ou como causas biológicas de inimputabilidade, são cientifíca-

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168 ALCIDES '.MuN11oz· NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 16()

mente. aptos a anular o entendimento óu o autogoverno. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Não-os-contemplando; o-Código' de 19c69 cria, para tais situa-
ções, uma; ficção de ímputabilídade; permitindo, poís,: a pu- 13. Do que foi exposto, verifica-se que a reforma brasi-
nição de -quem, porIncapacidade de' entender.ou de· querer; leira ficou muito aquém do que se podia esperar, à vista das
não merece censura pessoal; nem é culpado. Esta· violação tendências contemporâneas em matéria punitiva. O diploma
ao nuua poena 'sine -cuõpa,' obrigará a.melhor doutrina· a foi- de 1969, apesar das emendas que lhe foram introduzidas, não
çar a· inclusão das graves· perturbações 'de consciência entre descriminalizou, foi demasiadamente parcimonioso na despe-
as doenças mentais, consoante, já -alertava Aníbal· Bruno, co- nalização e não logrou limitar, pela culpa, a responsabilidade
mentando. .Idêntíca-dísposíção- doCódígo .atual: .: · ''a:fórmula penal.
demasiadamente restrita adotada pelo Código: força a assímí- Ao contrário do Código de 1940, que honrou a nossa cul-
Ian.à, categoria .da doença, do :ar.t i2, ou ela. perturbação da tura, o de 1969 apresenta-se em grande atraso para a sua
1,1;\.Úd~ mental, do seu: parágraro.úníco, certos-estados que ~ época e em desacordo com o atual estágio do pensamento
J,_~g~laçÕes : modernas, tn1cluzem., pg;r : expressões como.Jpertur- jurídico-penal brasileiro, inclusive com a doutrina magistral-
bação .. da. conscíêncía' (Código alemão, .redação . vigente, art mente expO!slta pelo insdgne mestre pernambucano, que Minas
1
5~), gr~ve.;p~~~u(b.:1ç~o ,da c.pn,sGiê~cia;' (Códi~~_su.j~o, art; .lOJ, Gerais está a homenagear. Anibal Bruno integrou, é certo, a
'transtorno 'm entaL,tran.sitório': .(Código espanhol. )+ft ... 8,P,1
s
segunda ComiS1São revisora do diploma ora em quarentena.
~-.o;~) ' . e;tados crepÜscuiar'es .pão patQlógi~~s ~ü fl;'011,t'eiriç?s Mas, as deficiências dessa legislação não lhe podem ser debi-
da p~tólogia1 corno. -~- sono nqi'ciát, . isto· _é". est.adps c5~pi,scÜi~T tadas. Longe disso, por não lhe tolerar os vícios, ele ex:ternou
res u~ !J?odim
q J:)CQp;ei; .!).O c.ómeçô 'oi ]Í.Q fh:t:i . do 'sQ~O Ol,l no o desejo de não vincular seu nome à imperfeita obra, afas-
~ô11~wbúFspi.o ·ou., ria fiipp.,os~·: ppr súgestão.. ~1~m qe, fatos .. de tando-se, depois, dos trabalhos de revisão (cf. Heleno C. Fra-
~~t:µr~za ,p:léJ::b,iq_a;· fr:a,pst1.i?ri§s .'.011, rfã9, .ifué ., tomp:c}~et'E:m. ,º goso, Subsídios Para a História do Novo Código Penal, in R.D.P.
exefêíéiô ··norma[ dás funções p,síq\ticás;' corri profunda alte-· n.° 3, ps. 10/11).
ração da consciência e, por :coríse'gfün:te' cÍõs teqüisitôs' qüe. â
lêi exige'·párif o· }uílio: dê :-1mputabi1iõade'-'. (ob: df';' ~füno II, As idéias liberais e as soluções tão precisas, quanto equi-
pi ·513).: -.. : : · . ..... . .' ·.. '···· .. . . . ··., ·. .· ..·.,. ~- . .-,~ '.~:- .... libradas, de Anibal Bruno não foram incorporadas ao novo
: MeÍhbr tériâ.-' sictó' .âcàt.ar·, a fÕ:rantila do Anteprój~t(f cofu Código. Contudo, aí estão, atuais e palpitantes, como que a
inclusão dá gtàve anôniâlia · psiqüfoá éntié as cáusàs' biológi~ reclamar de todois os penalistas brasileiros, um esforço in-
cas· da inimputabilidáde·, · ou a adoção do pre.éeitc? do· Código gente para a reforma da reforma das nossas inst,ituições
Penal. Tipo para a América Latina, sugéridoºpelo próprio Mi~ penais.
nistro Nelson Hungria, preceito que alude à gravé 'perturbà-
ção de consciência. Tal solução, aliás, foi recomendada pelo
III Congres1so Nacional de Direito Penal, Recife, 1970 (v. Al:..
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íNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Aborto, 113, 158 Causa


- eugenésico, 20 - de exculpação, 139
- terapêutico, 135 n. 56 - de justificação, 19, 94, 148
Ação, 102 - suposição de, 19
- culposa, 105 Cegueira jurídica, 82, 85
- dolosa, 105 Censurabilidade
- necessária, 139 - do erro no Direito Romano,
Adultério, 150, 158 35
Agressões - da ignorância, 38
- de crianças, 149 Censura pessoal
- de enfermos mentais, 149 - e erro escusável, 120
Alteração de limites, 49 Ciências criminológicas, 147
Amoralidade Classificação
- do fenômeno jurídico, 61 - tricotômica de erro, 13
Analogia, 141 Coação moral, 13
- in bonarn partem, 134, 140 - irresistível, 12, 136
- recursos à 127 - putativa, 12, 139
Animosidade ao direito, 85 Cocaína
Antijurídicidade, 67 - porte por estrangeiro, 124
- caráter geral, 92, 93 Codificações, 42
- caráter objetivo, 78 Código
- e tipicidade, 89, 91, 92 - criminal de 1830, 52
- exame conjunto da, 94 - da Ba vária, 43
- formal, 125 - de Direito Canônico, 37
- geral, 91 - Napoleónico, 42
- penal, 91 - Penal de 1890, 54
- substancial, 125 - Penal de 1940, 101
Boa fé, 5, 48, 97, 122, 166 - Penal de 1969, 101, 16!J
Calamidade pública, 96 - Penal Militar, 101
Casa de prostituição, 122 - Penal Tipo, 168
- crença na licitude de, 123 Compositio, 24

532 - 13
184 ALCIDES MUNHOZ NETTO A .lGJ:COR,\NCIA DA ANTIJUP.IDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 185

Condutas inculpáveis, 122 - estrutura tripartida, 17 - função política da, 163 - Romano, 24
Conhecimento - participação involuntária - origem da, 67 - missão do, 67
- da lei, 62 em, 166 - presunção de, 120 - Tributário, 98
- da lei e do injusto, 20 - putativo, 115 Danos não dolosos, 93 Direito Penal
- da antijuridicidade, 77 - qualificado pelo resultado, Declaração de rendimentos, 98 - da culpa, 120, 122, 152
- do injusto, 83 152, 165 ' Defesa social, 151 - de terror, 121
- potencial da antijurídicida- Crimen culpae, 85 Delinqüentes habituais, 81 - purificação do, 154
de, 84 Crimes convencionais, 74 Delito Disciplina militar, 137
- potencial do injusto, 83 Critérios de escusa - culposo, 81 Distinção entre ignorância da lei
Consciência da antijurídicidade - e ambígüídade da lei, 97 - de criação política, 27, 81 e da antijurídicidade, 20, 21
- e culpabilidade, 77 - e crimes convencionais, 95 - e violação da lei moral, 26 Doença de notificação compul-
- e dolo, 77, 108 - e dever de conhecimento da Descaminho, 97 sória, 19
- e erro de fato, 111 lei, 96 Desconhecimento Dogmática jurídica, 147
- e normalidade de motiva- - esquema geral, 99 - da antijurídicidade, 75, 78 Dolo
ção, 110 - e normas universais, de _cul- - da lei por menores, 50
- conceito clássico, 43
- no juízo de censura, 109 tura, 96 - da punibilidade, 21
- dos inimputáveis, 107
- posição, 58, 83 Crítica, 146 Descriminalização, 150, 152, 155 - e conscíêncía da antijurídi-
- potencial, 106 Culpa Descriminantes putativas, 20, 77,
cidade, 77, 80, 108
Consciência do desvalor social, 81 - de direito, 85 80 - e consciência da norma pe-
Consciência da ilegalidade, 54 - dos inimputáveis, .107 - classificação das, 11, 16 nal, as
Consciência da ilicitude, 20, 124 - e possibilidade de represen- - como ignorância da antiju-
- e culpa, 104, 106
Consciência da imoralidade, 80 tação, 6 ridicidade, 94
- e ignorância da norma, 27
Consciência da lesividade, 80 - imprópria, 80, 117 - fáticas, 112
- e ilicitude especial, 79
Consciência de ocasionar o re- - moral e jurídica, 78 - no Código Penal de 1969, 114
- e representação, 6, 88, 89, 108
sultado, 80 - por extensão, 117 Despenalização, 150, 159
- e tipicidade, 106
Consciência de violar a lei, 80 Culpabilidade Dever
- exclusão por erro de fato,
Contrabando, 30 - ausência de, 122 - de agir, 19
110
Contravenção - ausência por ignorância, ·124 - funcional, 137
- exclusão por suposição de
- e crime, 96 - como valoração, 68, 105 Digesto, 27
licitude, 125
- municipal, 31 - componentes da, 105; 106 Direção perigosa, 157
- inexistência, 122
Corpus Iuris, 29 "-- conceito de, 162 Direito
- mala, 26
Crime - concepção causal da, 104 - Bárbaro, 35
- natural, 108
- atípico, 64 "- e juízo de censura, 83, 100 - Canônico, 36
- corno juízo hipotético, 67 - no Código Penal de 1969, 110
- conceitos de, 103 - e juízo de valor, 84
- elemento normativo da, 105 - constituendo, 146 - no Direito Canônico, 37
- concepções de, 103
- e proibição, 66 - das minorias, 156 - no Direito Romano, 25
- culposo, 116
- definição jurídica, 107 - e teorias da pena, 149 - do Oriente, 24 - normativo, 10
- de criação política, 47 - exclusão nas descriminantes - e norma, 66 - presumido, 39, 85
- de sonegação fiscal, 98 putativas, 119 - Estatutário, 38 - teoria extrema do, 79
- doloso, 134 - função limitadora .da, 149, - firmeza do, 141 - teoria limitada do, 82
- e ação imoral, 61 151 - imperatividade do, 67 - teoria psicológica do, 78
1.86 A !GNOR,\NCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 187

- teoria tradicional do, 79 - e teorias da pena, 118 Erro de Direito Extrapenal, 102, Estados crepusculares, 168
Duplo erro, 115 - escusável, 120, 167 128 Estado de necessídade, 135
Dúvida, 4 - espécies legais de, 101 - e bigamia, 129 - putativo, 139
- e erro, 4 - essencial, 14 - e crime contra a Economia - teoria diferenciadora, 136
- e ignorância, 4 - evitável, 82 Popular, 129 Estatuto dos Funcionários Públi-
Elementos - e falsidade ideológica, 129 cos, 137
- obstativo, 6
- jurídico-normativos da ilici- - e usura, 129 Exigibilidade de comportamento
- provocado por terceiro, 102 - nas Exposições de Motivos,
tude, 133 - sobre a antijurídicidade, 11, · diverso, 139
- jurídico-normativos do tipo, 102 ,· Escusabílídade do erro
57 - no Direito Romano, 34
8, 15, 131, 133, 165 - sobre a execução, 6 - critério gc .al para ar rlcão
- negativos do tipo, 16, 167 Erro de exigibilidade, 12, 13, 102,
- sobre a pena, 14 da, 100
Emoção e paixão, 167 135
- sobre a pessoa, 13 Escusável suposição de licitude,
Entorpecentes Erro de fato
- sobre causas de justificação, _ causa de exclusão do tipo, 125
- porte, 19, 122, 124 70, 83, 84, 85 Falsidade documental, 135, nota
Eqüidade, 120 110
- sobre descriminantes, 101, _ e casa de prostituição, 123 56
Erro 123 Favorecimento pessoal, 49
- acidental, 14 _ erro de direito, 7, 9, 10, 86.
- sobre direito natural, 38 - impeditivo da representa- Filosofia ocidental, 153
- classificação tricotômica do, - sobre elemento do crime, 101 -r-eau«; 35
13 ção, 14
- sobre elementos jurídico- - noção, 7 Função do tipo, 91
- colocação sistemática do, 110 -normativos do tipo, 11, 130, _ sobre circunstância do cri- Furto, 12, 15, 34, 111
- conceito de, 1 134 me, 110 - de uso, 74
- conceito empírico de, 4 - sobre lei extrapenal, 70 _ sobre coação moral, 139 "Gesamttatbestand", 87
- conceito teorético de, 4 - sobre o objeto, 13 _ sobre estado de necessida- Grave perturbação da consciên-
- culposo, 116 - vencível, 81, 82, 85, 101, 116
de menores, mulheres, mili- de, 139 cía, 167
- vício, 6 Erro de proibição, 9, 83 Hetei·onomia, 66
tares e rústicos, 25, 27, 32, Erro de Direito, 104 - conceito, 10 Homem médio, 100, nota 59
39, 51 - atenuante, 54 _ nas descriminantes putati- Homicídio, 14, 23, 28, 29
- derivado de explicação ad- - como excludente da culpa-
ministrativa, 98 vas, 113 -- culposo, 106
bilidade, 74 - plena relevância do, 124 - doloso, 106
- do ausente, 39, 47 - e casa de prostituição, 123
- do forasteiro, 45 Erro de subsunção, 37 - e prsconceítos sociais, 141
- e delicta iuris civitati, 55
- e boa fé, 5, 125 Erro de tipo, 9 Hospedagem fraudulenta, 158
- e erro de fato, 41 - conceito, 10 Ignorância
- e defeito de representação, - escusabilidade, 34 - E1 descriminantes putativas, - conceito, 1
7 - equiparação ao erro de fato,
- e delitos de criação política, 87 - da ilicitude, 81
124 - e erro de proibição, 10, nota
41 - da lei, 20, 38, 40, 54, 57, 124,
- irrelevância, 46
- e delitos naturais, 7 26, 101 125, 127
- impeditivo da representa-
- e dúvida, 4 Error comunis, 99 - de direito, 36, 40
ção, 15
- e ignorância, 1, 2, 3 Erros - de normas locais, 36, 40
- noção, 7
- e inabilidade, 6 - preponderância sobre o erro ~ posição sistemática no di- - do édito, 28
- e periculosidade, 46 de fato, 8, 9 reito brasileiro, 102 - e dúvida, 4
188 A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 189

- e erro,· l, 2; 3 Inimputáveis Manumissão, 33 - teorias da, 109


Ignorância da antíjuridicidade, - ações dos, 107 Medida de segurança, 107 Pf'nologla, 150
20 Inseminação artificial, 158 Morte fortuita, 107 Perda dn paz, 23
- abstrata, 18, 19 Integração da lei, 132 Negligência, 36, 84 Perdão judicial, 128, 160, 161
- concreta,' 18, 19 Intenção e volição, 5. Norma Periculosidad , 107
- critérios para a escusa, 95 Intarpretação - desconhecimento da, 18, Hl, Pert.urbaçâo arbítrárta da poss ,
- a casa de prostituição, 124 - elemento histórico da, 122 126 [3
- e ignorância · eia lei, 125 - fins da, 125 - e lei, 126 Política criminal, 72, 118, 120, 146
- inexistência da, 111 - judicial, 122 - inconstitucional, 08 Preconceitos sociais
- irrelevância, 59, 60, 63, 65,
"ruris" - integradora, 132 - e homicídio, 141
- civilis, 25 Normas Presunção
70, 71, 74
- dubii, 40 - objetivas de valoração, 67 - de conhecimento da lei, 44,
- isenção de pena, 126
- gentium, 25 - sistema de, 126 45, 46, 50, 53, 61, 69, 70
- nas descriminantes putati-
Juízo de censura - subjetivas de determinação, - de dolo, 85
vas, 94, 114; 116
- na culpabilidade, 105 · 67 Prevenção, 151
- no Direito bárbaro, 35
Jurisprudência, 122 Novatio leçis, 74 Prmcíp:o
- no Direito romano, 25
Justiça Obediência hierárquica, 15, 16, - da anterioridade da lei, 92
- por erro de díreíto,. 166
- crise da, 154 17, 18, 135, 137 - da autonomia, '!48
Ignorantia iuris, 28, .31 - realização prática da, 121 - putatíva, 139 - da autoproteção, 148
Inabilidade, 6 Legado, 30 Obrigatoriedade da lei, 47, 65 - da especialidade da sanção,
Incesto, 33, 158 Legítima defesa, 15, 17, 20, 93, Omissão 64
Incriminação, 157 112, 1'48 - e ignorância, 3 da legalidade, 68
Inexigibilidade de outra condu- Lei Ordem jurídica - da insignificância, 148
ta, 106, 135, 139, 140 - ambigüidade da, 97 - segurança da, 142 - da ponderação de bens, 148
- como causa supralegal, 141 - das XII Tábuas, 24, 61 Ordenações, 49 - eia prevalência, 148
- na óbediência hierárquica, - de Introdução ao Código Ordens - da proporcionalidade, 148
18, 138 Civil, 127 - manifestamente ilegais, 137 Princípios gerais de direito, 127
- putativa, 13 - falta de divulgação da, 96 - não manifestamente ilegais, Prisão, 151
- real, 13 - interpretação da, 97 138 - aberta, '161
Inflação incriminatória, 153 - obscura, 37 Participação -- albergue, 161
Infrações, 150, 155, 156 - vontade da, 122 - involuntária, 166 Prova
Leis - dificuldade de, 73
Ilicitude especial, 79 Pena .
- incriminadoras, 121 - crise da, 150, 159 - do conhecimento da lei, 69
- e dolo, 79
- iudicorum publicorum, 28 - de curta duração, 151, 161 - indireta, 62
Imputabilidade - motivos das, 122 - livre valoração da, 73
- de morte, 162
- ausência de, 106 Lesão corporal, 111 - de multa, 161 Putativo
- diminuição de, 106 Liberdade indivídual, 121, 151 - eficácia duvidosa da, 156 - coação moral, 14
- ficção de, 168 Licença da autoridade, 124, 133 - proporcional à culpabilida- - equiparação ao real, 140
- na culpabilidade, 106 Literatura jurídico-penal, 145 de, 125 Radiocomunicação, 122
Inimputabilidade, 167 Má fé, 52 - sentido retributivo da, 109 - estação clandestina de, 124
190 A IGNORÂNCIA D.\ ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL

Reclusão, 161 - sobre os fins da pena, 118


Recurso extraordinário, 99 Testamento, 32, 33
Reforma Tipicidade
- das instituições penais, 146 - concepções, 104, 105
- penal brasileira, 169 - critério da, 92
- trilogia das, 147 - e antijuridicidade, 90, 91
Relatório - e elementos subjetivos, 104
- diagnóstico do STF, 160 - interpretação restritiva na, ÍNDICE DA MATÉRIA
Repertório das Ordenações, 51 148
Representação - precedência na investigação
- defeituosa, 7 Sumário VII
da, 94
- e erro, 7 Tipo Prefácio IX
- falsa, 7 - como ratio essendi do cri-
Repressão, 151 me, 87
Responsabilidade - culposo, 105 CAPÍTULO I
- objetiva, 120, 165 - doloso, 105
- pelo resultado, 152 - e antijurídicidade, 90 NOÇÕES GERAIS
- sem culpa, 120 - e elementos normativos, 8 ,
Retroatividade - estrutura do, 106
- da lei nova, 127 1. Erro e ignorância _- . 1
Tipos 2. Equivalência jurídica dos dois estados . 3
Rusticidade, 33
- abertos, 164 3. Dúvida e ignorância . 4
Sanções
- civis, 93 4. Concepção empírica e concepção teorética de erro . 4
- pecuniárias, 161
-- desconhecidos, lM 5. Erro de fato e erro de direito . 6
"Schuldtheorien", 82
- penais, 93 6. Tese unificadora . 9
Sciencia iuris, 26
Transtorno mental transitório, 7. Erro de tipo e erro de proibição . 10
Segurança
167 8. Erro sobre a exigibilidade de conduta diversa . 12
- e justiça, 73
Suposição Utilidade 9. Divisão tricotômica do erro . 13
- de descriminante, 88 - e justiça, 72 10. Espécies de ignorância da antijurídicidade . 18
- de licitude, 119, 120 Usura, 19 11. Ignorância da antijurídicidade e ignorância da lei . 20
"Sursis", 160, 161 Vingança de sangue, 23
Tentativa, 93 Volição, 5
CAPÍTULO II
Teoria Vontade
- da antijurídicidade, 122 - do legislador, 122 HISTÓRICO
- da culpabilidade, 126 Valor
- do delito, 102 - fundado e fundante, 73 12. Fase pré-subjetiva e Grécia . 23
- extrema da culpabilidade, 85 - valoração jurídica, 90 13. Direito Romano . 24
- finalista da ação, 82 "Wehrgeld", 35 14. Díreíto Bárbaro e Direito Canônico . 35
15. Direito Estatutário . 38
16. Movimentos de codificação . 42
17. A doutrina dos clássicos . 43
192 ALCIDES MUNHOZ NETTO
A IGNORÂNCIA DA ANTIJURIDICIDADE EM MATÉRIA PENAL 193

J 8. A orientação positivista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 ' 7. Erro de direito extrapenal e. sobre elementos jurídico-


19. O Direito Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 -normativos do tipo...................................... 128
20. A tendência revelada 57 38. Erros de exigibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
PÊNDICE: Anibal Bruno e a Reforma Penal . . . . . . . . . . . . . . . . 145
CAPÍTULO III Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
huiice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
APRECIAÇÃO CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS DA IRRELEVÂNCIA índice Alfabético e remiss-ivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
DO DESCONHECIMENTO DA ANTIJURIDICIDADE huiice da Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191

21. Lei penal e consciência jurídica . . . . . . ....... ..... . . . . . . 59


22. A presunção de conhecimento das leis . ...... ....... . . . . . . 61
23. A obrigatoriedade. da lei :. . . . . . . 63
24. Aplicabilidade do direito . . . . . . . . . . . . . . ............. . . . . . . 64
25. Erro e concepções de direito . . . . . . . . . ............. . . . . . . 65
26. As razões politicas 70

CAPÍTULO IV

DOUTRINAS SOBRE A EFICACIA DA IGNORÂNCIA


DA ANTIJURIDICIDADE

27. Colocação do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77


28. Teoria psicológica do dolo :. . . .. . . . . . . .. . 78
29. Teorias normativas do dolo :. . . . . . . . . . . 79
30. Schuldtheorien: teoria extrema e teoria limitada da culpa-
bilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
31. Crítica à teoria dos elementos negativos do tipo . . . . . . . . 87
32. Critérios para a escusabilidade da ignorância: do injusto
por erro de direito 95

CAPÍTULO V

SOLUÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO


33. Espécies legais de erro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
34. o erro na teoria do delito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
a) erro quanto à circunstância de fato constitutiva do crime 110
b) erro nas descriminantes putativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
c) erro por suposição de licitude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
35. Presunção de culpa na punibilidade da ignorância da anti-
juridicidade por erro de direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
36. Tentativas de evitar a responsabilidade objetiva ..... : . . . . 122

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