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Stanley J.

Stein

VASSOURAS
um município brasileiro do café,
1850-1900

Tradução de

Vera Bloch Wrobel

A
EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
I’

CAPÍTULO IV

COMERCIALIZAÇÃO,
ABASTECIMENTO E TRANSPORTE

' s,
1| A ntes da construção da Estrada de Ferro D o m Pedro II, os
£ fazendeiros d e grandes lavouras de Vassouras enviavam diversas
vezes por ano seu trem d e carga de mula (tropa) sob responsabili­
dade de um arreador e tropeiros escravos, no difícil e frequente­
m ente perigoso trajeto para Iguaçu, perto da baía do R io o u para a
capital propriam ente d ita L á as sacas de café envoltas por sacos de
couro cru eram depositadas nos armazéns.do factótum urbano dos
fazendeiros, o s com issários ou correspondentes, para serem vendi­
das a exportadores estrangeiros de café estabelecidos no R io de
Janeiro.
Com o interm ediários espremidos entre os fazendeiros do inte­
rior e os exportadores de café, os comissários desem penham um
grande núm ero de serviços para seus clientes isolados. Em primeiro
lugar era vantajoso para os fazendeiros que o trem d e tropa ao
retom ar chegasse carregado de artigos não produzidos na fazenda:
gêneros alim entícios — bacalhau, cam e-seca, sal, toucinho d e fu-
meiro — , assim com o apetrechos de ferro e alguns artigos d e luxo.
O comissário era o abastecedor natural desses artigos, pois o di­
nheiro creditado aos fazendeiros pela venda de seu café era empre­
gado na aquisição d e artigos solicitados pelos fazendeiros. Em
segundo lugar, o com issário morava na capital do porto onde uma
ampla variedade de produtos importados estava disponível a preços
mais baratos d o que aqueles cotados por casas com erciais das cidades.,
de Vassouras e Pati, ou por vendas ao longo das estradas m unidpais.;,
Ao descrever a falta d e contato entre os fazendeiros e as casasl
comerciais na cidade de Vassouras, um membro da Câmara M uni-
cipal d e Vassouras explicou: “ .. .porque Iguassu e R io são vizinhos
e porque cada uma tem seus trens de carga, os grandes fazendeiros

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acham mais prático m anter relações com erciais diretas com aquelas
cidades”.1
D e boca em boca, conform e um fazendeiro aconselhava outro,
e via faturas descritivas, os comissários formaram um a clientela no
interior. D e Iguaçu em 1845, K m enta & R ibeiro anunciavam que
tinham “instalações para receber rem essas para futura entiega e
para estocar outras mercadorias”.2Em sua fatura, Am aral & Bastm
informavam que eram ..grandes com erciantes no R io d e Janeiro
onde possuem um armazém de secos e m olhados com vendas no
atacado ou no varejo e pagam ento à vista o u a crédito, fornecendo
artigos comprados em outras lojas, assim com o quantias em di­
nheiro”.3 U m fazendeiro podia despachar sua colheita para um
determ inado com issário, que, sem conhecê-lo, aceitava o café c d
vendia. E le en tão abria uma conta corrente, lançava o dinheiro na
conta e, numa nota entregue ao arreador, informava o fazendeiro
d eseu saldo. Através d e anos de contato, o fazendeiro e o comissário
desenvolveram uma confiança mútua; de sua parte, o fazendeiro
aceitava os preços obtidos pela venda de seu café assim com o as
provisões por ele encom endadas e depois “sacava dinheiro mais ou
m enos à vontade d e acordo com seu saído, e não poucos gastavam
todo o seu crédito antes que a nova colheita fosse feita.4A confiança
era mútua e quase sem pre por boas razões. U m com issário tinha que
ser cuidadoso para vender café consignado ao m aior preço possível
j a despeito d e flutuações diárias e não cobrar um preço m uito alto
| pelas provisões; se fosse detectada alguma fraude, a notícia logo se
espalhava entre os outros fazendeiros, que não mais fariam negócio
' com ele. A ntes de estender dem ais um crédito em provisões solici­
tadas, os comissários avaliavam através de seus clientes fazendeiros
a situação financeira de um nova conta. A pesar da confiança mútua,
ambos empregavam certos expedientes na negociação do café. O

1. Joaquim José Teixeira Leite no seu Relatório de Administração Municipal


apresentado à recentemente eleita CMV, 7 de janeiro de 1849. APV,
1849.
2. D e uma fatura enviada a Alexandre Michaude, A P V , 1845.
3. Libello Civil de Dívida ... contra RR. D. Carolina Jdlia Ferreira Dias e
Seos Filhos Menores, Viúva e Herdeiras do Fallecido A ntonio Tbomaz
Ferreira Dias. A PV , 1849.
4. Correio da manhã, 9 d e agosto de 1949.

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café m uito seco absorvia umidade na descida d a s m ontanhas paia as
planícies úmidas do R io, e o ganho em peso ia para o fazendeiro.
Para agir contra isso, os comissários compravam café ensacado na
base d e uma arroba de 15kg e o pesavam para exportadores na base
da arroba ligeiram ente m enor, a “inglesa".5
B em poucos eram os fazendeiros ou adm inistradores de fazen­
das que mantinham contas d e remessas e aquisições d e café solici­
tadas d e seus comissários. V isivelm ente d eficiente era a contabili­
dade d e Luís Peixoto de Lacerda W em eck, q u e registrou que “a
partir do início ele resolveu conduzir todos o s negócios da fazenda
com seus comissários, Furquim & Irm ão, para tom ar todas as nego­
ciações tão legais quanto possível Enviava pedidos afirmando espe­
cificam ente o porquê e a razão de cada solicitação. A s cartas eram
im pressas... e os com issários respondiam quando cumpriam as
solicitações”.6 Porém a maioria dos fazendeiros relutava em usar
“processos complicados d e contabilidade com ercial”7 e preferia
aguardar relatórios despachados ocasionalm ente pelos mais zelosos
com issários, prontos a “atender os pedidos d e Sua Excelência” e
esperançosos d e que “Sua Excelência honrar-m e-á com seu co­
m ércio, ao qual sem pre servirei diligentem ente”.8 N os extratos de
sua conta corrente, os fazendeiros verificavam o que haviam enco­
m endado, que faturas haviam sido saldadas o u hipotecas pagas
conform e haviam orientado, tudo classificado cuidadosam ente por
débitoou crédito. Durante um período de dois anos, 1835-1837, uma
fazenda de Vassouras recebeu de Iguaçu, entre outras coisas, dois
pares d e meias d e linho, duas arrobas decam e, duasdúzáas d e pratos,
um baú, pregos, duas arrobas d e toucinho d e fum eiro, um a resma

5. Além do mais, quando o café chegava sensivelmente encharcado, o preço


cotado pelos comissários era ligeiramente mais baixo que a cotação nor­
mal do dia. Inventário, 1847, falecido: Luiz Gomes Ribeiro, inventariante:
Joaquina Mathüde d ’Assumpçáo, Fazenda Gurubu, Sítio dos Encantos,
CPOV.
6. D e sua Prestação de Contas e m Inventários, 1862, falecida: Anna Joaqui­
na de S ão José Werneck, inventariante: Ignácio José de Souza Wemeck,
Fazendas Recreio, Pindobas, Palhas, CPOV.
7. “Contabilidade Rural”, OMunicípio, 27 d e setem bro de 1874.
8. Carta dos comerciantes do R io, Motta & Cia. para A nna Maria da Luz
Jordão, 2 2 de novembro de 1858, APV.

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m

de papel e um saco d e couro de saL9 Um com issário d o R io escreveu^ „


ao seu clien te d e Vassouras: “Com a sua mais estim ada carta de 72
d e fevereiro, recebem os p elo barco de M anoel José Lopes Tãvares
um a rem essa d e café cuja fatura de venda e pagam ento completo,
d e R s. 882$255 creditam os em sua con ta Por sua ordem, incluída"
em sua carta d e 12 d e fevereiro, pagamos a A gostinho Vieira Rs.
1:498$400, que debitam os em sua con ta Anexam os um recibo e> .
tam bém o débito ao Sr. Jordão que o acima m encionado Sr. Vieira
nos entregou.”10 Ví
D e um m odo geral, os estabelecim entos interm ediários '
considerados o “único ramo de negócios deixado aos brasileiros”11*
— conheciam bem m elhor que seus clientes fazendeiros o statiis '
financeiro d e seus estabelecim entos agrícolas. Com o clientes duram ,
te m uitos anos d e prosperidade evicissitudes, os fazendeiros eram
considerados amigos aos quais o s comissários ofereciam alojam en­
tos “suntuosos” sem pre que vinham ao R io d e Janeiro.^ N os dois-
lados da R ua dos Beneditinos, do Rosário, da Prainha e Visconde,
d e Inhaúm a, ruas estreitas com fileiras d e estabelecim entos comer-
a ciais de cujas largas portas saíam odores d e café e aniagem, estavam , ‘
$ localizados o s estabelecim entos interm ediários que recebiam a pro­
dução d e café dos grandes fazendeiros de Vassouras: Teixeira Leite

9. Bernardo Teixeira Pinto M achado para M anoel G om es Coelho 1S17.


APV.
10. M otta& C ia para A nna Maria da Luz Jordão, 5 de março de 1859. APV.
11. Quintino Bocayuva,MemYigcítt do governador do Estado do Rio, setembro
. de 1902, p. 49.
(Í2i Bocayuva, Mensagem do governador, p. 490. Embora escrito pouco depois
tde 1900, o retrato d e Pierre Denis do fazendeiro em suas visitas à cidade ‘
;|era sem dúvida fiel com relação a décadas anteriores. “N o campo, ncose 1
(ipobres levam a mesma vida”, Observou. “Enquanto estão em suas pro-
ipriedades o s fazendeiros não têm ocasião para gastos pessoais. Se vão à , ■
| cidade a negócio ou por lazer, é no máximo por alguns dias. Poucos são
jconhecidos nas cidades; a maneira mais simples de inspirar respeito e
estima é gastar regiamente. Considerações sobre economia são desneces­
sárias; uma vez de bolsos vazios, retomam âs suas casas c plantações. N âçàf
apreciam cálculos; preferem não somar as despesas. Durante o s dias de
relativo ócio que passam na cidade, revelam uma tendência ao esbanja- '
m ento qu e contagia as pessoas da cidade.” Brazil. Bem ard Miall, tratf ,
(Nova Iorque, 1911), p. 136.

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m & Sobrinhos, Teixeira L eite & Bastos, João Batista L eite & Cia.,
Furquim, Joppert & Q a., Tfeixeira d e Castro & M alafía, Faro &
•Irmão, Bernardo R ibeiro d e Carvalho, Ortigão & G a., R oxo, M on­
teiro & Lem os, A lves & Avellar, e Gracie, Ferreira & Cia- N estes
locais e em ruas próximas, centralizava-se o com ércio d e café dos
Wé'municípios do Vale do Paraíba; e dessas e de outras grandes casas
com erciais saíam as provisões para as fazendas d e café e para o
/m estoque de outros estabelecim entos locais —- ranchos, vendas, ta­
bernas, botequins — assim com o para os m ascates itinerantes.
1 O com ércio local de Vassouras que abastecia o pequeno fazen­
deiro prosperou com trens d e tropa viajando pela Estrada da Polícia
— na década d e 1840 a “mais extensa e im portante no B rasil... se
estendendo 400léguas de Cuiabá ao R io de Janeiro”.13D as parelhas
de mulas que se dirigiam para o R io e Iguaçu, as casas com erciais
adquiriam a produção de Minas de tecido grosso d e algodão, touci­
nho d e fumeiro e couro que suplementavam com mercadorias
importadas apanhadas na costa pelas parelhas qu e retom avam .14O
estoq u ed e vendas consistia de tecidos ordinários, mercadorias secas
(fubá, cam e-seca, toucinho de fumeiro, arroz, feijão, bacalhau,
m queijo, biscoitos), bebidas alcoólicas (aguardente, vinhos portu­
gueses baratos), bugigangas (fitas, pentes, carteiras de dinheiro,
escovas d e unha e de dentes, sabonete perfum ado) e mercadorias
d e ferro (m achados, enxadas, podadeiras, panda d e ferro e pratos
d e lata).15A esta lista eram às vezes acrescentadas roupas prontas e
couros.16U m estabelecim ento típico da década de 1840, um rancho
ou taberna na Estrada da Polícia, perto de Vassouras, era uma
em presa familiar próspera onde o “tabem eiro vendia bebidas alcoó­
licas, rapadura, m ilho, mercadoria de ferro... e nas horas d e lazer
jogava cartas. Sua m ulher preparava refeições, café para os viajantes,
broa de milho e biscoitos”.17Outros estabelecim entos beiravam um

13. Joaquim José Teixeira Leite ao presidente da província do R io, março de


1846. A PV, 1846.
14. Ibid; Siqueira, Memória histórica, p. 26.
• 15. Fatura apresentada por José Tomás da Sítva a Dom iciano Antonio de
Souza Monteiro, 1849. APV, 1849, anúncio de Ferreira da Costa &
Franca, O Vassoureme, 13 de agosto de 1882
16. Fatura de Padiiha & Athaide, 1852 A P V , 1852.
17. Macedônio, “Hércules e Omphalia”, O Município, 2 2 de agosto de 1878.
m ero nível de subsistência, conform e uma solicitação da década dc
1850 para uma taxa d e licença mais barata porque o proprietário
estava “doente e necessitado e não tem outro recurso para manter
su a fam ília a não ser sua pequena casa d e negócio”.1819
E sses pequenos com erciantes lidavam com tropeiros e cota
aqueles membros livres da sodedade “não favorecidos pela .sorte”®
— pequenos proprietários, locatários, agregados, as pessoas livres
pobres (pobreza), que sobreviviam com o subsidiários dos grandes
fazendeiros — e com a ampla população escrava nas estradas tora
d o s centros m unicipais.
O s grandes fazendeiros faziam poucas negócios com esses vare­
jistas, com exceção de um aou duas grandes casas d e varejo na cidade
d e Vassouras. Para im pedir que os escravos se reunissem nas portas
das tabernas ao longo das estradas curtas (travessias) que au avessa-
vam as principais estradas e que excediam em núm ero as lojas dc
m ercadorias secas,20 alguns fazendeiros permitiam que seus agie-
gados vendessem mercadorias secas e bebidas alcoólicas. Em 1849,
Silvério G om es Leal, que se intitulava um “habitante da Fazenda
A n tigo Pau Grande situada na Estrada Geral de M inas, um agtegado
d e seu proprietário, Barão d e Capivary”, solicitou a licença mar»
baixa possível para vender mercadorias secas, vinagre, óleo de oliva
e bebidas alcóolicas.21 D e m odo sem elhante, um agregado da Fa­
zenda do Secretário com prou feijão e milho para vender aos es­
cravos do fazendeiro, C históvão Corrêa e Castro.22 A maior parte
dos fazendeiros por todo o século se queixava que as vendas e
tabernas isoladas com erciavam mercadorias roubadas por esa a -

18. D atado de 23 de fevereiro d e 1858, para CMV. A PV , 1858.


19. Carta d e comerciante protestando sua alta taxa de licenciamento à CMV,
2 9 de janeiro de 1883. A PV , 1890.
20. E m 1836 havia 71 tabernas contra 20 lojas de mercadorias secas nas
estradas do município. Relatório do fiscal João Luís de Lima, 11 de
setem bro de 1836 para CM V. A P V , 1836.
21. Silvério G om es Leal à CMV. Concedida em 11 de agosto de 1849. APV,
1849.
22. D atado d e 29 d e abrilde 1867. A P V , 1867.

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vos,23 vendiam mercadorias de qualidade inferior a preços
excessivam ente elevados, ofereciam bebidas alcóolicas mal prepara­
das ou “falsificadas” a confiantes fregueses escravos e enganavam
os doentes com vendas de “pequenas ou amplas doses d e medica-
m entas venenosos, estragados e desconhecidos”.24D urante os anos íj;
de prosperidade agrícola de Vassouras, as tabernas e vendas se j|
agrupavam próximo às fazendas de café, e um a autoridade municipal 1
profundam ente irritada comparou-os à igualm ente danosa praga do 1
café: “E les estão sugando a seiva do fazendeiro e são um a praga
talvez pior que a doença que ataca o café.”25O s fazendeiros também
não estavam im unes à pratica de diminuição do peso com um entre
as lojas locais. “D o ze arrobas de carne”, escreveu um fazendeiro
local, “chegaram empacotarias em três pacotes d e 4 arrobas cada.
Assim que chegaram, d ei ordem para que fossem pesados; dois
pacotes deram três arrobas, um terceiro deu três arrobas e um pouco
mais d e 7kg”. O pior d e tudo é que os p acotes chegaram em
“perfeitas condições”. ‘Agora você v ê”, concluiu o fazendeiro, “por
que tenho que encom endar certas coisas d e Iguaçu, pois quando

23. Em um de seus contos regionais, M acedônio acendeu uma luz sobre a


psicologia dos negocianteslocaisquelidavam com artigosroubados. “U m
escravo trouxe uma colher, faca e garfo d e prata”, escreveu M acedônio
ironicamente, “e para ajudar o escurinho, o comerciante comprou-os a
preço razoável, em vista dos riscos da operação”. Raciocinou o comer­
ciante na ética do negócio: “Se o negro vende isso, deve ser dele; se não é
dele, podem os considerá-lo reembolsado pelo seu trabalho que o fazen­
deiro não remunera.” Macedônio expressou a visão de um comerciante
português ao aceitar café roubado dos escravos: “Os pobres negros...
tam bém têm seus próprios pés de café, e, quando não podem tê-los, as
plantações da fazenda sáo o produto de seu suor. Os escravos plantam,
capinam, colhem e preparam o café enquanto o fazendciro-patrSo se senta
ociosam ente d e pernas cruzadas." “Negócio é negócio”, O Município, 4
de outubro de 1877.
24. O Município, 4 de outubro de 1877; Posturas da CM V d e Pati do Alferes,
Artigos 15,21;farrnacêuticoM anoelJoséM onteirodeB arrosàC M V ,23
de ja n e ir o de 1847. APV, 1847; Antonio Corrêa e Castro, Eloy José
d’Avila e outras à CM V, conforme registrado em 0 Vassourense, 25 de
junho de 1882.
25. Joaquim José Teixeira Leite, criticando um queixoso taberneiro, José
Fernando Gorito. A o presidente da província d o R io, 6 d e setem bro de
1862. A P V , 1863.

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vêm do com ércio lo c a l... O com erciante não cobra pela remessa,
m as com pensa à sua m aneira”.26
A outro negociante em preendedor, o m ascate ou pim heiro
itinerante, o am plo m ercado potencial abastecido pela população
$•' escrava da fazenda era irresistível. D iferen te dos proprietários de
tabernas ou vendas, q u e comerciavam por trás d o balcão, os mas­
cates percorriam as estradas do m unicípio d c Vassouras com peque­
n o s baús d e m adeira o u de lata, amarrados às costas, para vender
diretam ente aos fazendeiros e seus escravos; outros usavam burros
ou m esm o carregadores para transportar a m ercadoria. Os mascates
vendiam aviam entos d e costura em bandejas de madeira ou canas
com tam po d e vidro e geralm ente incluíam em seu sortimento dc
mercadorias tecidos listrados ou quadriculados.27 Alguns incluíam
bilhetes d e loteria;28outros, que eram obrigados a fazer um depósito
de dois contos, “para indenizar aqueles que podiam ser enganados
p elo vendedor”,* ofereciam artigos d e ouro e prata, até diamantes
e condecorações que os novos barões ostentavam nas-la]idas.*
A lguns se especializaram em mascatear sapatos, folha-de-flandres e
utensílios d e folha-de-flandres e aguardente.31
Sabiam ente, o m ascate se concentrava primeiro nas prele-
rêndas das pessoas d o sexo fem inino da fam ília d o fazendeiio,
apresentando tecidos atraentes, fitas, jóias reluzentes e aviamentos.
Tais táticas e o Fato d e ser portador de boas notícias d o mundo fazi; un
com que o dono da casa desse perm issão para e le vender aos

\;
26. Barão d o Paty (F. P. de Lacerda Werneck) ao seu comissário, Bernardo
Ribeiro de Carvalho. Fazenda Monte A legre, 9 de dezembro de 1853
D ocum entos referentes à família Werneck. Arquivo Nacional.
27. D isposições da organização da Tabella, Artigo 7 ,1 0 de janeiro dc 1861.
A P V , 1861.
28. Pedido d e licença para mascatear bilhetes, 14 de fevereiro de 1853. APV, i»
1853.
29. Posturas da Câmara Municipal de Vassouras, 1857, Artigo 36.
30. D e uma lista de artigos encontrados no baú de lata de um mascate
multado em 1875 por náo ter pago sua licença. APV, 1875.
31. Auto de Multa contra Daniel Esposito, 17 d e janeiro de 1877. APV, 1877;
Pedido de lic e n ç a de Affonso Bandeira para mascatear folha-de-flandres,
13 de fevereiro de 1878. A P V , 1878; Carta da Secretaria do Governo da.
Província d o R io, 5 de juiho de 1873. A P V , 1873.

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escravos, o verdadeiro objetivo de um grande núm ero d e m ascates.32
E le mostrava aos escravos seu sortim ento de reluzentes aviamentos
e tecidos ordinários e baratos e depois d e receber enfiava seu metro
dentro da bengala, colocava o baú nas costas, pegava um a valise de
mão epunha-seem m archaparaoutrafazenda. Q uando seu estoque
de venda se esgotava, retomava para um quarto alugado no centro
de Vassouras e se reabastecia nas grandes casas com erciais da cidade.
M ais para o final do século, apareceram outros tipos de vende-
" dores. A s lojas d e Vassouras empregavam ocasionalm ente seus
próprios m ascates. Joaquim José da Silva pagou por duas licenças
em 1853 quando tinha um “pequeno com ércio na cidade” e desejava
“enviar alguém para uma pequena mascatagem”.33Cardoso Pereira
de U m a & G a. explicou à Câmara M unicipal q u e “e le s não carre­
ga m mercadorias para vender para nenhum freguês. A penas no fim
de cada sem estre, um funcionário visita os clientes para liquidar
contas e aproveita a oportunidade para exibir amostras de nova
mercadoria que nossa casa oferece aos seus clientes”.34 N a mesma
ocasião apareceu o “com eta”, com artigos que comprava no R io,
despachava para a ddade d e Vassouras een tã o enviava para clientes
espalhados pelo m unicípio. Qs clientes pagavam em dinheiro o u em
café e entregavam novos pedidos para a viagem d e volta.
U m a vez que os mascates entravam n o com ércio sem capital, o
ônus de uma licença municipal incomodava consideravelm ente, e
eles procuravam evitar os inspetores da Câmara. Alguns chegavam
a interromper a m ascatagem por algum tem po a fim d e enganar o
fiscal, antes d e retom ar sorrateiramente ao trabalho.35 Venância
P ortoree Francisco Caputo encontraram um expediente mais enge­
nhoso: formavam uma sociedade de mascatagem, agiam “com o se
fossem sócios, em seguida se separavam assim que pagavam pela
licença e se juntavam a novos sócios”. A perda d e receita aborrecia
um fiscal atormentado com o problema d e agarrar o s mascates

32. Am érico Werneclc, Gmciana, romance brasileiro (2 vols., 2a ed., R io de


Janeiro, Í920), 1,26; “. . . a verdadeira motivação da maioria dos mascates
é comerciar com escravos.” Relatório d o fiscal A ntônio José Eneas, da
Freguesia de Pati d o Alferes, 31 de dezembro de 1862. A P V , 1863.
33. Pedido de licença, 1853. APV, 1853.
34 Pedido de licença, 26 de janeiro de 1891.
35, A P V , 1867.

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trapaceiros, e e le se queixava: “Conheço alguns m ascates que ano
passado mudaram de sócios três vezes ou mais.”36
D e grande utilidade na distribuição d e mercadorias, especial-
m ente para os pobres livres e escravos que moravam distante dos
centros com erciais, os m ascates eram alvo de vigilância e controle
constante das autoridades m unicipais desde os primeiros anos do
sécu lo X IX . M uitos escravos africanos emancipados ou libertos
aparentem ente passaram a masca tear para ganhar a vida na década
d e 1830 e, conform e o nervoso G overno Imperial afirmou em sua
circular d e 1830, havia a “suposição e suspeita de que tais nqnos.
hom ens ou m ulheres, são os incitadoteseprovoçadoresdetum ultoí»
e agitações que têm influenciado aqueles que vivem na escravidão”.
“N enhum liberto pode deixar a grande ddade, a pequena cidade,
aldeia, fazenda ou a casa em que m ora para comercializar sem um
passaporte em itido peto Juiz Criminal ou Juiz de Paz”, para o qual
eram necessárias três testem unhas que assegurassem sua boa condu­
ta, e sem declarar seu destino.3738N o ano seguinte, o regulam ento
m unidpal d e Vassouras criou um controle sem elhante sobre aqueles
que podiam atuar com o m ascates sendo brasileiros ou estrangeiios/'6
C inco anos m ais tardeopresidenteda provmcia deu ordem para que
todas as câmaras municipais mudassem ou acrescentassem tais con­
troles sobre os mascates, fossem “escravos o u libertos, estrangeiros
ou brasileiros”.39 N a década d e 1840, os controles rigorosos foram
relaxados, já que o núm ero d e mascates portugueses imigrantes
reduziu qualquer possível am eaça d e “arruaceiros” libertos masca­
rados d e m ascates.
A gora era vez dos m ascates estrangeiros. Quando a alta das
preços dos gêneros alim entícios na década d e 1850 perturbou os
fazendeiros brasileiros, parte da culpa caiu sobre os m uitos imi­
grantes, inclusive mascates. “A s novas bocas... são d e estrangeiros,

36. Relatório d o fiscal Antonio José Eneas, 31 de dezembro d e 1864. APV.


1864,
37. E ssa leid e 14 de dezembro de 1830repetiu a resoluçâoda Conselho Geral
da Província da Bahia. A PV .
38. Posturas da Câmara Municipal de Vassouras, 1831, Parte 3 , Titulo 2,
Artigo 12.
39. Paulino José Soares de Souza, no decretosobre redistribuiçSo n° 18,1836.
A P V , 1836.

120
que agora correm pelo pais como mascates sem nenhum a intenção
de se estabelecerem aqui, visando apenas ao lucro pela venda de
jóias baratas e objetos sem valor e depois se aposentarem quando
seus bolsos ficarem cheios. Atras deles vêm outros, pois há sem pre
um grande núm ero desses caçadores de riqueza.’ Em 1859 havia
15 m ascates licenciados em Vassouras, quase todos portugueses.4041423
Bar volta d e 1864, o núm ero de mascates italianos havia crescido o
suficiente para acarretar queixas exageradas do com ércio varejista:

Eles bloqueiam a s ruas, as estradas, os pátios das fazendas, as cozinhas


ív ii e m esm o as senzalas, um enxame de italianos com suas malas e valíses de
mão, sem lar o u femflia; e com o pequenos mascates ou pombeiros, pagam
apenas 2 0 mil réis por uma licença. Não têm despesasepodem vender suas
mercadorias secas mais barato; por não terem reputação ou crédito a
. . perder, enganam aqui e se mudam para acolá e, quando têm uma certa
quantia que sentem q u e os fará felizes, voltam para sua terra.'12

í í Em 25 anos os italianos foram substituídos por sírios e libaneses,


chamados indiscriniinadam entc de turcos, cuja tática de negócios
era igualm ente criticada.

(2)

íí;; P elo transporte d o café e pela m anutenção de um fornecim ento


de provisões, os fazendeiros d e Vassouras pagavam um preço eleva­
do. Em bora m uitos fazendeiros acreditassem que o trabalho escra­
vo, incluindo aquele dos tropeiros escravos, era grátis já que o preço
da aquisição original estava pago, permanecia o custo d e manuten­
ção do trem d e tropa, q u e exigia uma despesa fixa e frequentem ente
envolvia perdas com mulas aleijadas ou afogadase café encharcado
ousujo de lama. A té qu e a Estrada de Ferro D om P edro II m udasse!
radicalm ente o problem a, o fazendeiro se rendia ao inevitável: “Sem j
o trem d e carga você não pode ser um fazendeiro da Serra Acimaj;
(planaltos).”4*

40. Pedro R am os da Silva, “Carestia de Gêneros Alimentícios”, Annexo K,


Relatório do presidente da província do Rio, I o de agosto de 1858, p. 21.
41. Tabella, 1859. A P V , 1859.
42. Comerciantes de Vassouras para CMV, 1864. A PV , 1864.
43. F . P. d e Lacerda Werneclt, Memória, pi 94.

121
A quela “pessoa m uito im portante das fazendas de cale’ "— o
arreador — estava incumbida do controle dos tropeiros ou toca­
dores e da responsabilidade da chegada segura da valiosa <arga de
café ao armazém do com issário, distante léguas na costa. Para tais- 6
posições, os fazendeiros de Vassouras empregavam imigrantes por- %
tugueses dos A çores, quase sem pre solteiros. Exem plodisso foi o
arreador que se descreveu no tribunal com o “José de M enezes
V asconcellos, um hom em branco, nascido na Ilha Tèrceira, 24 anos,
solteiro”.445Pelos serviços prestados ao proprietário da Fazenda São
Fernando em 1850-1851, um arreador recebeu aproximadamente,
R s.30$000 por mês, um terço a mais que o salário pago a outro ■>?
“em pregado livre”, o supervisor da secagem 'do café no terreiro. Sem
dúvida o proprietário não calculava dessa maneira, mas o fato c que
20% da força de trabalho masculina produtiva e efetiva da fazenda !.
(“sem pre escolhida entre os m elhores”46) ou sete entre 35 esi nivos
eram tirados do cam po para trabalharem com o tropeiros. As des- ‘
pesas com o transporte não terminam aqui. As contas incluíam tais 1,
entradas no valor d e R s.45$000pagos por “uma mula de carga jvra
substituir outra que m orreu”, o custo de duas peças especiai de
arream entos de madeira gravada totalizando Rs.6$000, mais o pieçe
pago a “João Benguella pelo aluguel d e uma mula de caiga.
R s.l2 $ 5 0 0 ”, para não m encionar o “custo de hom ens e anim ai no
R ancho do A lto” durante um período de cinco m eses ou ?
R s.300$220.47A lém do mais, quando os fazendeiros envi avam caie
para Iguaçu, seus comissários cobravam o baldeam ento la to por

44. A. d’E. Taunay, História, IV, 371, citando Jules d’Assier.


45. Da testemunha no caso de Francisco Aleixo vs. José Lourcr.co Al’V.
1847.
46. Alfredo de B arrose Vasconcellos, Capitão de Engenheiros, em Relatório
do presidente da província do Rio, I o de junho de 1860, p. ’ U
47. Conta corrente da receita e despesa do casai do finado Fernando I u m.ius
Santos Werneck até o dia 19 de setembro de 1851. Inventário, 1855, J
falecida: Jesuína Polucena d’Oiiveira Serra, inventariante: Dr. João Arse-
nio Moreira Serra, Fazenda São Fernando. APV, 1855. Ver A. d’R
Taunay, História, IV, 356-358.
barcos para o mercado do R io de Janeiro,'® alim entação e pastagem
enquanto aguardavam a carga de retom o.'19
D e acordo com o relato de um tropeiro ex-escravo, na manhã
de uma viagem para a costa, as mulas eram trazidas para o armazém
da fazenda. Pesava-se na balança da fazenda uma grande saca de
couro (broaca) com quatro arrobas de café. U m arreio d e carga era
colocado na mula para carregar oito arrobas igualm ente distribuídas
dos dois lados; se a mula pinoteava quando carregada, uma arroba
extra de café era jogada em seu lombo “para acalm á-la”. Para
proteger contra chuvas fortes e quedas imprevistas durante a via­
gem, cobriam -se as sacas com uma capa de couro cru amarrada com
uma correia apertada com torniquete no topo da carga. D ois tropei­
ros escravos supervisionavam cada lo te de sete burros. Nunca se
usavam cavalos para transportar carga porque a “experiência mostra
que eles não suportam marchar de 60 a 8Gkm diariam ente” por
estradas deficientes e não “passavam com segurança nas infinitas
poças de lama formadas durante aestação chuvosa”. A p ós receber
as últim as instruções do fazendeiro e uma papeleta com o peso de (
carga de café, a viagem começava. Na frente ia a m ula condutora, ji
em seguida os tropeiros escravos caminhando penosam ente ao lado j
de suas mulas d e carga, levando às vezes em suas m ãos “cabaças I
cheias de feijão-preto misturado com farinha branca” para comerem |
durante a viagem .4849501Os tropeiros e arreadores que vinham por último 1
estavam sem pre armados, os últimos com pistolas e o s primeiros com

48. Geralmente registrado na conta corrente expedida pelo comissário como


“frete de barco”, em 1850 cobrava-se R s 0$80 por arroba. Conta de venda
e líquido rendimento... de café que de sua Fazenda São Fernando me
consignou o limo. Sr. Dr. João Arsenio Moreira Serra. Inventário, 1855,
falecida: Jesufna Polucena d’Oliveira Serra. A PV , 1855. Os barcos tinham
velas e carregavam de oito a 35 toneladas com uma tripulação de três a
cinco pessoas. Relatório do presidente da província d o Rio, 1855, p. 56.
49. M otta & Cia. para An na Maria da Luz Jordão na conta d e 2 2 d e novembro
de 1858. A PV, 1859.
50. Siqueira, Memória Histórica, p. 4. A maioria das mulas vinha da feira de
Sorocaba, São Paulo, realizada todo ano em abril e maio, exatamente
antes da colheita do café. A .d ’F„ Taunay, História d o café, IV , 342,361,
371, 375. Som ente em 1877 as notícias sobre a feira dc Sorocaba foram
reproduzidas nos jornais de Vassouras.
51. Walsh, Notices of Brazil, U, 27.

123
facas compridas presas às costas seguras pelo d n to.a N o fim da tarife
a tropa procurava um rancho o u estação secundária para pernoitar.,,
N ão encontrando nenhum a, os viajantes fatigados freqüentemeofe,'. -
acampavam no m eio da estrada ou trilha, descarregavam as sacas de,' ‘
café e arreios e acendiam uma fogueira para esquentar seu feijão,
arroz e café.525354D ias mais tarde, os hom ens cobertos d e poeira e suor.
chegavam às portas do com issário no R io ou Iguaçu, onde o caíé era,
descarregado e pesado im ediatam ente, e o total, comparado com a J
lista feita p elo fazendeiro. A lguns dias d e descansa, e a viagem d e ­
volta com provisões com eçava. \ /
A lém da dispendiosa m anutenção das tropas d e carga, os dançs
sofridos pelo café e pelos animais durante a viagem acarretavam
queixas interm ináveis por parte dos fazendeiros do interior. “Oç
habitantes desse m unicípio precisam lutar contra estradas horríveis,
poças d e lama e precipícios que consom em a m aior parte do lucro-
acum ulado d e seus produtos.... e causam a m orte de seus animais”,
escreveu um fazendeiro em 1835.M Outro se queixou em 1850; *
“Tdmos tido muitas tem pestades... os animais ficam assustados ao
passarem por um lamaçal tão alto quanto seu s peitos, ou quando
caem pela beira da estrada. O s tropeiros ficam cobertos de lama a o .
tentarem salvar as sacas d e café q u e na maioria das vezes ficam /-
úm idas, e o café se estraga. Num a tropa d e mulas, quatro ou cinco
geralm ente se afogam nesse mar d e lama.” N um trecho particular­
m ente difícil o “tropeiro, árduo trabalhador, amaldiçoa u hora cm
q u e nasceu”!55 Lama e poças profundas eram temas recon entes
em outras queixas: “ Q uando as chuvas vêm, as estradas custam a
secar; chuvas diárias, faltad elu zsolare aconstantem archa d e tropas
e gado transformam os leitos d e estradas num mingau de lama tão
profundo que ffeqüentem ente m uitos animais são encontrados
afogados no m eio d e la ” Óbvias também eram as conscqüências

52. D e acordo com posturas municipais, arreadores e tropeiros tinham per­


missão para andar armados quando estivessem trabalhando. Posturas da
Câmara Municipal de Vassouras, 1831, Parte 2, Título 3, Artigo I.
53. Posturas d a Câmara Municipal de Vassouras, 1857, Artigo 65.
54. A P V , 1835.
55. Barão do Paty para Bernardo Ribeiro d e Carvalho, Fazenda M onte Alegre,
1854. Docum entos referentes à família Werneck. Arquivo N a u o u l.

124
dessa situação: “Grandes prejuízos ao fazendeiro, que não apenas
perde o animal pelo qual pagou um bom preço, mas ainda perde no
preço d e seu café, estragado pelo contato com a lama”.54A situação
ficou tão ruim que, em 1854 e nos primeiros m eses de 1855, a
assembléia provincial fo i informada que os custos de transporte
absorviam mais de um terço do valor do café trazido do interior.565758
Gomo produtores e expedidores de café para os portos costei­
ros, os fazendeiros insistiam que os “mais desejáveis m elhoram en­
tos” fossem “facilidade de com unicação acima d e tudo” e que as
estradas fossem preparadas para as fortes torrentes de novembro,
“não apenas para o período seco’’.xPela m etade d o século tom ou-se
mais do que evidente que a participação dos fazendeiros na manu­
tenção das estradas, apesar das posturas m unicipais em contrário,
era inteiram ente inadequada. Na verdade, a penúria do antigo
tesouro municipal e a imprecisão dos regulam entos municipais
tomavam difícil calcular onde deveria cair a responsabilidade para a
construção e m anutenção das estradas locais — se sobre o
fazendeiro ou a municipalidade.59Em 1830, uma estrada não-públi-
ca, portanto não-m unicipal, foi definida com o “privativa, usada por
alguns residentes” e deveria ser mantida pelos usuários contanto que
sua junção com qualquer estrada geral fosse mantida pelo fundo
provincial ou imperial.60 A falta d e uma definição precisa para
“alguns residentes” resultou num regulam ento apresentado em
1831 afirmando que todos os proprietários de terras deveríam
m anter... drenar e limpar estradas que defrontassem com suas
propriedades.61 Quatro anos mais tarde, as autoridades municipais

56. Siqueira, Memória histórica, p. 5.


57. Relatório do presidente da província d o Rio, 1855, 59; Relatório da comis­
são encarregada da revisão da tarifa... apresentado... ao governo imperial
(R io de Janeiro, 1853), p. 279.
58. Siqueira, Memória histórica, p. 5.
59. Ambrozio de Souza Coutinho para a Câmara Municipal de Pati d o Alíeres,
13 de dezembro de 1829, Artigo 9. “U m a vez que a Câmara nâo tem
fundos para reparar estradas públicas...” APV, 1829.
60. Posturas da Câmara Municipal de Pati do Alíeres, 1820, Artigo II. A PV ,
1830.
61. Projecto de posturas da Câmara Municipal de Vassouras, 1831, Parte 3,
Tftulo 3, Artigo 2. A P V , 1831.
aum entaram a responsabilidade dos fazendeiros, exigindo explicita­
m ente que tam bém fizessem a m anutenção das estradas provinciais
o u im periais que passassem por suas terras.*2 . -„
Ttazido novam ente à baila em 1853, o espinhoso problema
proposto pela linguagem im precisa d e posturas municipais relacio­
nado à m anutenção d e estradas fo i tratado por uma comissão
m unicipal que declarou q u e “desde que não encontram os em ne­
nhum a lei uma definição do q u e constitui uma estrada pública ou
particular, precisam os dar a essas palavras seu significado popular
segundo o qual um a estrada usada por alguns fazendeiros não seja
considerada pública”.®U m a palavra final, a téon d eos regulam entos
m unicipais diziam respeito, apareceu em 1857. Os fazendeiros re­
ceberam ordens d e m anter em boas condições qualquer estrada
m unicipal que se defrontasse com suas propriedades, sendo tal
estrada definida com o qualquer “estrada freqüentada que conduza
a aldeias do m unicípio, a qualquer m unicípio vizinho ou a qualquer
estrada provincial ou im perial q u e a atravesse”. N essa época, no
entanto, foi feita uma tentativa para definir aqueles term os elusivos,
“alguns” e “frequentadas”; classificadas com o estradas municipais
estavam aquelas estradas particulares que levavam aos mesmos
lugares dando “trânsito a dez ou m ais pessoas que vivem no mesmo
núm ero d e casas por um período de cinco anos com conhecim ento
e tolerância dos respectivos donos d e propriedades dando frente
para a estrada”.M
A indiferença da Câmara M unicipal em relação à m anutenção
das estradas teve suas origens nos m odelos econôm icos divergentes
entre cidade e campo. Vassouras, a cidade, dependia da atividade
com ercial da estrada geral q u e atravessava suas ruas estreitas. D iante
d e uma sugestão feita na década de 1840d e que o traçado da estrada
geral fosse refeito a fim d e encurtar sua extensão, o presidente da
Câmara se apressou em explicar que o seu primeiro efeito seria a
“ruína da cidadede Vassouras”. “Todo mundo sabe”, continuava sua6234

62. A P V , 1837.
63. Joaquim José Teixeira L eite e Camillo de Carmo para CM V, 20 de abril
de 1853.
64. Posturas da Câmara Municipal de Vassouras, 1857, Título 5, Artigos 68,
69.

126
petição, “que a estrada é a única fonte d e vida e prosperidade”.
Então, num tom profético, advertiu que “se vocês tirarem essa
estrada da cidade, a cidade terá que se mudar tam bém ”.65Os fazen­
deiros mantinham mais laços sociais do que econôm icos com a
cidade, para onde enviavam suas famílias a fim d e passar parte do
ano em casas da cidade, para participar das festividades da igreja e
da vida social da pequena nobreza comercial e proprietária de terras.
Sua produção d e café, por outro lado, vinha diretam ente do m uni- '~ >
cípio para Iguaçu e para o R io. Assim a prosperidade da ddade 1 j V
estava mais vinculada ao tráfegp da Estrada da Polícia e às vendas a j'SÍ y
pequenasproprietáriosepessoaspobresdavianhançacloqueàvida U
econôm ica das fazendas de café. O fato de o s inspetores municipais
importunarem os fazendeiras pela não m anutenção das estradas,66
enquanto a Câmara M unicipal usava a receita pública para obras e
benfeitorias na cidade não era, na verdade, um contra-senso, já que
a receita derivava de im postos sobre atividades com erciais e não
agrícolas: casas com erciais da ddade, tabernas, vendas, m ascates,
hotéis, barbearias, alfaiatarias, marcenarias, sapatarias, açougues e
pontos de venda de bilhetes de loteria. Aproximadamente 66% do
total da receita municipal no próspero ano de 1859 foram prove­
nientes de licenças e multas pagas pelos estabelecim entos com er­
ciais; enquanto isso, a Câmara Municipal estendia 54% d e sua
receita a obras públicas da ddade (Quadro 9).

65. Joaquim José Teixeira Leite ao presidente da província do Rio, março de


1846. A l’V , 1846. Quase a mesma afirmação apareceu 18 anos mais tarde
quando um a comissão municipal de finanças afirmou que o comércio era
a “principal fonte dessas receitas da Câmara.” João Ribeiro dos Santas
Zamith à CM V, 22 de novembro de 1865. A P V , 1864.
66. Relatórios d e fiscais â CMV; Joaquim Antonio de M acedo Tupinambá,
15 de janeiro de 1856; Antonio José Eneas, 27 d e janeiro de 1857;
Fabianno Carlos de Araújo, 3 de setembro de 1857; A ntonio José Eneas,
1860, e Antonio Florêncio Pereira do Lago, Chefe do 4 o distrito de Obras
Públicas da Prcvfnda do R io de Janeiro à CM V, 11 de dezembro d e 1862.
Tudo no A PV .

127
Quadro 9
R EC EITA E D E SPE SA D E O BR A S PÚBLICAS
D A C Â M A R A M UNICIPAL D E VASSO URAS,
1838-1879

Ano Receita Taxas Percen­ Gasto Percen­


local de tagem total de tagem
total licença da obras da
receita públicas receita

1838 5:0428327 2:8368400 56


1843 6:348$730 3:7398200 59 4:4688000 70
1844 6:2838300 3:9668600 63 13:5058000 210 '
1848 6:070$000 4:4008800 72 6:7008000“ 110
1849 12:007$38G 5:4808000 46 7:1008000 58
1852 12:9828246 7:7498440 60 9:1508470° 70
1855 16:9608031 14:2808000 84 10:5678403 60
1859 27:8798260 18:6838220 66 15:1898513 54
1862 30:9288533 29:4918573 97 20:8718833 67
1863 24:6398996 22:8108137 90 6:5398000 25
1865 28:4668152 21:7278003 76 18:6378000* 65
1866 23:0998435 20:1228500 87 5:375$000d 23
1867 23:2398832 21:2388669 91 8:5008000 36
1869 20:7788723 18:0238436 87 9:082$335e 43
1872 35:5098357 19:8328403 53
1875 23:4698650 26:7418008 94
1879 4:9408010 3:8098000 77

Representa o custo da construção do chafariz.


Construção da ponte local.
Contribuição d o município para a construção da gare da estação de
Vassouras, na Estrada de Ferro D om Pedro EL
Construção de estrada do centro da cidade para a Estrada de Ferio Dom
Pedro n e construção de uma estação nesse local.
Construção de estrada do centro da cidade à Estrada de Ferro Dom
Pedro R.

Fonte: Balanços R esum idos das Receitas e D espezas da CMV. A P V


‘VUA

SSÜL
ili!
O s fazendeiros tinham que usar seus próprios recursos para
construir e manter estradas vidnais que passassem por suas terras

128
ou de vizinhos até a junção com as estradas gerais do governo
provincial.67
E frequentem ente zelosos fazendeiros encontravam obstáculos
erguidos por seus vizinhos. Bernardo Caetano d e Freitas mandou
abrir uma trilha “sim ples” entre R io Bonito e m argens do rio Paraíba
ligando as picadas queseus vizinhos usavam paracom unicaçãoentre
suas fazendas. Um a vez concluída a trilha, ele achou que “todos os
m eus vizinhos negligenciam seu sagrado dever de m anter as estradas
que passam por sua propriedade”. O que o irritou ainda m aisfoi que
eles não limparam partes da trilha onde árvores cortadas na mata
virgem foram deixadas atravessadas no caminho. C ustódio C oelho,
a quem Freitas pagou uma pequena som a para abrir um atalho, usou
o dinheiro para limpar sua terra, deixando as árvores amontoadas
na trilha.6869Quatro m eses se passaram até que as autoridades muni­
cipais verificassem as queixas de Freitas.
H ouve o caso de Salvador Lopes de Figueiredo, que alegou não
ter lim pado sua parte da estrada durante dois anos porque “estava
convencido de que por lei e senso comum os proprietários deviam
conservar apenas aquelas estradas úteis ao trânsito público de
viajantes e não para o conforto pessoal de dois ou três fazendeiros”.
Já que ele não tinha mão-de-obra escrava excedente para limpar a
estrada, tinha que “implorar aos seus amigos para efetuar o trabalho
à sua cu sta... a não ser que eles quisessem gentilm ente pagar eles
m esm os”. C om um estilo floreado encerrou seu discurso: “Como
quer que seja feito, aceitarei com o um grande favor e caridade.”®
N ão houve qualquer espírito d e cooperação quando H onório Fran­
cisco Caldas enviou escravos para repararem uma parte da estrada
que sua represa danificara ao transbordar. N esse local encontraram

67. Com a expansão do café e da atividade comercial entre M inas e os portos


costeiros, o município de Vassouras vangloriava-se de ter pelo menos seis
estradas provinciais paralelas atravessando o mu nicípio em direçáo à serra
do Mar e descendo às planícies do Rio: Estrada de M arcos da Costa, do
Pilar, do Vernek, d o Commercio, da Polícia e a Estrada do Rodeio.
Siqueira ,Memória histórica, p. 11.
68. Bernardo Caetano de Freitas para a Câmara Municipal d e Pati, 14 de
janeira de 1830, A PV .
69. Salvador Lopes de Figueiredo à CM de Pati de A lferes, Fazenda do
Cordeiro, 31 dedezem bra de 1830. APV, 1830.

129
um fazendeiro enraivecido que insistiu que o nível da represa 1icas.se
perm anentem ente baixo e que Caldas o indenizasse por perdas e
danos. Caldas cham ou de volta seus escravos e deixou unir “imensa
poça d e lama” que im pedia todo o tráfego. Perguntou o diligente
inspetor da Câmara: “Essa Respeitável Corporação aterrai a .1 poça
o u reabrirá a antiga estrada?”* Quando os inspetores importuna­
vam os fazendeiros com queixas quanto à falta d e manutenção da-,
estradas, esses retrucavam que “em tem pos passados a estrada era
conservada pelos cofres provinciais”7071ou “a Câmara deveria cuidar
d e tais necessidades”,7273ou se refugiavam em brechas legais deixadas
nas posturas, insinuando que uma estrada continuava sendo parti
cular, não m unicipal, porque tinha sido usada sem seu “conhe­
cim ento e tolerância”. Enquanto a maioria dos fazendeiros negli­
genciava as estradas, outros ansiosos por terra incorporavam-nas a
suas propriedades “destruindo pontes, cavando valas ou empilhan­
d o madeira n o m eio do leito da estrada”,74 dando um péssimo
exem plo aos seus vizinhos caso não fossem punidos. E depois que
os escravos foram libertados, as boas intenções dos fazendeiros com
relação à m anutenção das estradas não tinham vez porque lhes
faltavam m ão-de-obra e dinheiro.75
C om o um corpo eleito, a assem bléia provincial reag iu às pode­
rosas pressões exercidas por eleitores d e uma província ngiícola em
expansão e muita prosperidade. Logicam ente os fazendeiros solici­
tavam aos representantes provinciais capital suficiente p<i< mantu
?aquelas estradas gerais próximas às fazendas d e café em expansão.
jÓ s fazendeiros tam bém não eram contra a possibilidade Jc obter
ium bom lucro através da venda da madeira desuas floresti is a “pi ecos
• excessivam ente elevados” para uso na construção de pontes n<ts

70. A P V , 1867.
71. Fiscal Joaquim Antonio de M acedo Tupinambá para CMV, 1856. APV,
1856.
72. Tupinambá para CMV, 12 de março de 1855. APV, 1855.
73. Suplicante: Francisco Gomes d’Assumpçao, Suplicado: Salusmano de
Souza Freitas, março de 1879. APV, 1879.
74. Antonio Florèncio Pereira do Lago para CMV, 11 de dezembro de 1862
APV, 1862.
75. Registro fiscal, 7 de janeiro de 1889. APV, 1889. ,

130
estradas provinciais.™ N ervosos com a constante pressão pela cons­
trução de estradas por toda a província, os presidentes provinciais
da m etade do século cuidavam das estradas que haviam proliferado
por toda parte, e o ônus de sua manutenção ficava por conta dos
orçamentos provinciais. Dentro do m unicípio d e Vassouras, havia
numerosos exem plos d e estradas gerais paralelas, um a substituindo
a outra em importância e — quando sua utilidade desaparecia —
em abandono. Joaquim José Teixeira L eite estava sem dúvida m o­
tivado pelos sucessivos abandonos num período d e 15 anos do
Caminho N ovo, Estrada do Vem ek e estrada do C om m ercio, quan­
do censura as autoridades provinciais. “Existem tantas estradas não
apenas úteis, mas de extrem a necessidade, e não há fundos para sua
conservação”, enquanto “despesas desconcertantes são feitas sem
nenhuma certeza d e que serão benéficas, ou m elhor, com evidentes
sinais de sua im propriedade.” “Certamente”, alegou, “a experiência
deveria ter ensinado q u e é um grande erro construir inumeráveis
estradas e im ediatam ente abandoná-las.” Filosoficam ente, con­
cluiu: “EssaCâm ara... sabe porexperiência que existem duas classes
dc indivíduos sempre prontos a prometer milagres raram ente cum­
pridos: descobridores d e minas e de pequenos atalhos.”7677
Por toda a província do Rio, os problem as das estradas de
Vassouras foram duplicados anos após anos e resum idos com fra­
seologia sem elhante. O relatório de 1841 do presidente provincial
atacava o desvio dos fundos de manutenção d e estradas, sobrando
pouco para com pletar artérias importantes e com plicando qualquer
supervisão ofíciaL78‘As antigas estradas seguiam planosdefíçientes”,
escreveu um presidente em 1854, “e a prova reside no fato de que
seria difícil encontrar em todo nosso país um território atravessado
por tantas estradas quanto nossa província.”79 Q uatro anos mais
tarde, outro presidente lamentava as “dispendiosas estradas que
satisfazem apenas pressões locais e interesses m uito lim itados quan­
do a vida de nossa nação exige a construção de grandes artérias que

76. Relatório do presidente da província doRio, Io de março de 1841, p. .24,


77. Joaquim José Teixeira Leite para o presidente da província do Rio, março
de 1846. APV, 1846.
78. Relatório dopresidente daprovíncia do Rio, Iode março de 1841, pp.22-24.
79. Relatório do vice-presidente daprovínqiado Rio, l e de agosto de 1854, p. 8.

131
tracem as linhas principais de nosso sistem a d e transporte”.80No ano
seguinte foram realçados os defeitos e distorções dentro da hierar­
quia administrativa provincial onde o presidente investigou a “falta
d e continuidade administrativa, sucessão rápida d e presidentes,
aborrecim entos e inim izade encontrada pot quem decide se opor a
m ilhares d e interesses individuais e desse m odo perde seu zelo e
dedicação.”8182M eses mais tarde, outro registro criticava a situação
em que “muitas estradas paralelas com petem umas com as outras,
ligando pontos terminais sem levarem a um ponto im portante...”
nas seçõ es intermediárias.® Examinando mais d e m eio século de
construção de estradas, o relatório provincial d e 1861 observou que
“quase todas as estradas foram construídas em solo impróprio e se
deterioraram por causa da constante passagem d e tropas e outros
veícu los.. eosestragos d e “copiosas chuvas de verãoquesó podem
ser reparados no fím da estação... Fazer reparos n o verão seria jogar
dinheiro fora”.83 O relatório presidencial retom ou no ano seguinte
ao tem a “plano incom pleto”, “interesses locais ao acaso” e o “caráter
tem porário da construção de estradas” — um ciclo d e 25 anos de
queixas — , em bora m itigasse sua crítica com a observação d e que
tais práticas eram com uns entre “países jovens, que, na falta de
experiência, tentam apressar o caminho do progresso m aterial.”84
Na sua ânsia d e construir estradas rapidamente, sem contar com
suficiente força d e trabalhe» para obras públicas, as autoridades
provinciais passaram para os em preiteiros a constm ção e manu­
tenção d e estradas. E sse sistem a mobilizou dois interesses conflituo-
I sos, o desejo do em preiteiro de obter lucros m aiores versus a boa
j m anutenção das estradas. A luta era desigual, conform e registros
' provinciais informaram à Assem bléia. Contratos pobrem ente redi­
gidos superestim avam os custos, permitiam especulação e favore­
ciam os astutos, que se aproveitavam também do núm ero insufi­
ciente de engenheiros supervisores designados para cobrir amplas
áreas.85Existia um pequeno policiam ento nas estradas para impedir
80. Relatório, 1858, p. 83.
81. Relatório, I o de agosto de 1859, p. 48.
82. Relatório, 16 de abril de 1861, pp. 14-15.
83. Relatório, 4 de maio de 1862, p. 68.
84. Relatório, 4 de maio de 1862 , p. 68.
85. Relatório, 3 de maio de 1864, p. 7

132
e corrigir o mau procedim ento de tropeiros e carroceiros. N a verda­
de, a confiança da província na fé contratual sem garantias de
supervisão durante a construção e m anutenção forjou um círculo de
irresponsabilidade. Chamado .para prestar con tas sobre o péssimo
estado da estrada, o em preiteiro da construção se defendia citando
cláusulas contratuais ou acusando viajantes p or estragos que ele
havia reparado “na véspera”; os viajantes alegavam que o estrago
era inevitável porque tinham que se livrar das enorm es poças de
lama, e o indolente em preiteiro dizia que o m au tem po era aforce
majeure de “tantos danos”. Tàl irresponsabilidade beneficiava ape­
nas o em preiteiro d e manutenção, que seguia o “ortodoxo preceito
d e salvar sua própria pele” e esperava pacientem ente que o “sol
reparasse todos os estragos que a chuva havia causado”.86 Desse»
lam açal administrativo e financeiro, uma ferrovia parecia ser a saída
im ediata.

(3)

U m excelente prospecto da “Grande Ferrovia N acional” acom­


panhado de um encarte— “Mapa d e uma Ferrovia da Corte para a
Vüla d e R ezende” — apareceu na década d e 1840 com o uma
prom essa para a redução das dificuldades de transporte. Com peãs
para estim ular o nacionalism o do jovem Im pério do Brasil, o pros­
pecto se iniciava: “. ..propom os uma com panhia que, consagrando
todos os seus bons desejos à prosperidade do heróico Império
Brasileiro, escolheu para seu em preendimento o estím ulo da maior
som a d e vantagens comerciais para o Império e principia com a
abertura de uma ferrovia d e Pavuna, n o m unicípio d o R io d e Janeiro,
para Campo Bello, distrito de R ezende.” A e sse efusivo prólogo
seguiram -se dois parágrafos protestando “vibrante amor” pela futu­
ra “prosperidade e glória do povo brasileiro” que era comparado ao
“feliz bem -estar” da Grã-Bretanha, onde a “ m ilagrosa chave da
indústria” dependia da máquina a vapor em pregada primeiramente
nas minas de carvão e depois pela Ferrovia Stockton and Darlington
em 1825. Impressionando os leitores com prom essas de transporte

86. Relatório, 1858, pp. 84-85.

133
rápido e conseqiientem ente distribuição mais barata das importa­
ções de sal, tecidos e vinhos do R io (um vagão fo i retratado transpor­
tando pianos e vidros), o prospecto prom etia resolver as dificuldades '
d e transporte dos fazendeiros. “N ão haverá mais lugar para as
dispendiosas tropas de mulas, não haverá mais riscos o u estragos
causados por arreadores incom petentes e animais moribundos e
fam intos. i
A despeito das prom essas de transporte mais barato que o
prospecto da ferrovia garantiu aos fazendeiros de Vassouras e aos
m oradores do V ale do Paraíba, passaram-se 15 anos a té que a
construção fosse inidada. Thom as Cochrane, que preparou o pros­
pecto d e 1839, não conseguiu cumprir sua concessão.878889Acima de
tudo, aos financiadores de uma ferrovia através dos distritos de
plantação d e café careciam influênda política e um clima financeiro
favorável para investim entos.
N ão tiveram que esperar m uito. Em 1825, a marcha dos acon­
tecim entos nacionais e estrangeiros m udou radicalmente a situação.
A crescente facilidade de com unicação com a Europa e notícias em
jornais sobre debates parlam entares franceses acerca d e uma ferro­
via renovaram o interesse brasileiro. O fim do trafico d e escravos
africanos originou uma reserva d e capital; e um balanço n o pêndulo
político colocou no poder o Partido Conservador, sobre o qual os
cidadãos mais im portantes d e Vassouras tinham influência. Não
obstante, m uitos fazendeiros do Vale do Paraíba permaneciam
indecisos, tem endo a drenagem financeira com a construção da
ferrovia. Outros insistiam que só havería tráfego suficiente para um
dia por m ês.8* M uitos fazendeiros d e Vassouras duvidaram que
algum dia o difícil projeto fo sse realizado. “Em 10 anos a ferrovia já
deverá ter ultrapassado a serra do M ar em busca de pontos onde
possa receber nossos produtos”, redigiu o Barão do Paty ao seu

87. Plano de uma estrada de ferro desde o município da Corte até a Vila de
Rezende. R io de Janeiro, 1839, na Typographia da Associação do Desper­
tador dirigida por F. de S. Torres H om em , A PV , 1840; Artigo de ofício
caminho de ferro entre o município da Corte e a p m ín c ía de São Paulo.
R io d e Janeiro, 1840. A P V , 1840.
88. C. B. Ottoni, Esboço histórico das estradas de ferro do Brasil (Rio de
Janeiro, 1866), p. 5.
89. Ottoni, Esboço histórico, p. 6.
- comissário. ‘Ainda tenho dúvidas arespeito disso. N ossas esperanças
muitas vezes não se realizaram, e os hom ens n ã o mudam.”* N o
entanto os irmãos Teixeira Leite, d e Vassouras — Joaquim José,
João Evangelista e Francisco José, e um parente afim, Caetano
Furquim de Alm eida — , com amplos investim entos financeiros
junto a fazendeiros locais e casas intermediárias do R io, empurraram
o projeto. Sem dúvida tinham esperanças de q u e sua iniciativa
trouxesse a concessão para a construção da ferrovia.9091 Certamente
Joaquim José Teixeira L eite percebeu as vantagens com erciais se a
ferrovia passasse pelo centro do município, pois um a estação central
serviría com o um ponto d e baldeação de carga e passageiros vindos
da cidade do R io e das províncias vizinhas d e S ã o Paulo e Minas.
Afinal de contas, com o líder dos interesses com erciais d e Vassouras
e funcionário da Câmara, ele havia afirmado um a década antes que
a Estrada da Polícia era a “única fonte de vida e prosperidade” e “se
vocês desviarem essa estrada da cidade, a cidade terá que se mudar
também”.
A Estrada de Ferro D om Pedro H, que atravessa o Vale do ;/
Paraíba, foi construída depois de 1855, mas os Teixeira L eite não
conseguiram sua concessão, e os engenheiros am ericanos decidiram '
transpor as m ontanhas costeiras para alcançar as terras planas ao
longo do rio Paraíba em Barra do Piraí, desviando do centro do
m unicípio de Vassouras.92 D e Barra do Piraí em direção ao leste
passando pelo m unicípio de Vassouras, os trilhos seguiam as mar-
gens do Paraíba com paradas em Ypiranga, Vassouras, Commereio

90. BarSo do Paty para Bernardo Ribeiro de Carvalho, 1854 (?). Em docu­
m entos referentes à família Wemeck, Arquivo Nacional.
91. O s membros da família contrataram engenheiros ingleses para fazer o
levantamento topográfico de um possível trajeto. Ottoni, Esboço históri­
co, p. 6 e José M atoso Maia Forte, “A Fazenda do Secretário”, pp. 11-12.
92. N a amarga luta acerca de onde localizar os trilhos sobre as montanhas
costeiras, as fontes variam do abertamente a d ep to ao ambíguo. Ver
Ignácio Raposo, História de Vassouras, p. 156; O ttoni, Esboço histórico,
pp. 6-7; Relatório apresentado pela diretoria aos acionistas da Estrada de
Ferro D. Pedro II em 31 de janeiro de 1857 (R io de Janeiro, 1857),
pp. 10-12.

135
■m

e ü b á — unia série de estações que contornavam o perím etro norte


de Vassouras, deixando para trás o centro comercial e agrícola A
única concessão que os interesses comerciais da cidade d e Vassouras
poderíam extrair da administração da ferrovia era a construção de
uma estação na parte sul da cidade de Vassouras ou na margem.de
Vassouras do rio Paraíba, ao invés d e uma estação do outro lado dc
■'I
rio para servir aos interesses d e um fazendeiro politicam ente in-
fluente.”
Im ediato e d e longo alcance fo i o efeito da Estrada de Ferro
D om Pedro 33 sobre o m odelo d e estrada de Vassouras. N esse local,
a ferrovia im pulsionou as mudanças que foram percebidas já em
1853, quando os transtornos da descida íngrem e da Estrada da
Polícia, da serra d o Mar através da aldeia d e Botaes, contrastavam
com as vantagens de um a nova estrada geral provincial mais a oeste,
a Estrada de Presidente Pedreira.* A s vantagens da Presidente
Pedreira provocaram ainda a relutante aprovação da Câmara de
Vassouras, ligada à Estrada da Polícia, conform e afirmou um verea­
dor que admitia que a primeira era “em m uitos aspectos superior a
outras estradas que atravessam o município porque desce a serra do
Mar em seu ponto m enos íngrem e e porque sua inclinação é 934

93. Joaquim José Teixeira Leite ao Diretório da Estrada de Ferro D . Pedro


II, 3 de julho de 1862. A PV , 1863; Relatório do vice-presidente da
província do R io, 8 de setembro de 1862, pp.42-43; C. B. Ottoni para
CMV, 3 de julho de 1863.
94. A s possibilidades da Estrada Presidente Pedreira, previa mente denomina­
da a “Estrada da Bocaina dos M endes”, foram estudadas pela primeira vez
por engenheiros provinciais sob ordens de um presidente provincial, Jose
Clem ente Pereira. A o casar-se com uma viúva rica, o português Clemente
Pereira tornou-se proprietário da extensa Fazenda das Cruzes, localizada
no canto ocidental do município de Vassouras, perto de Ypiranga. A
Presidente Pedreira cortava o rio Paraíba em Ypiranga, atravessava o
município de Vassouras para descer a serra do Mar através d o afluente
ribeirão dos Macacos; por ela era transportada a produção agrícola de.
Valença e, mais tarde, de Vassouras, na década de 1850. Luiz Antonio
Barbosa de Almeida para a CM V, 14 de março de 1854. A P V , 1854;
Relatório do presidente da província do Rio, I o de agosto de 1859, pp, 51-52.

136
adequada a carroças, inclusive as de quatro rodas” * Para os fazen­
deiros de Vàssouras nesse período, a Presidente Pedreira oferecia a
suprema vantagem, dp transporte de carroça, e em resposta a essa
crescente conscientização veio uma segunda observação da Câmara,
em 1853, d e que a Presidente Pedreira não “era apenas especial­
m ente vantajosa, mas ainda absolutamente necessária para a cidade
d e Vassouras e a m aior parte do município, que até esta data não
tinha uma única estrada de carroça para se viajar para a C orte (R io
d e Janeiro) e para transportar certas cargas volum osas”.*’ A té o
registro provincial daquele ano ecoava o desejo dos fazendeiros de
transportar café em carroças na Presidente Pedreira.5”Aborrecidos
por verem o centro com ercial estagnado enquanto tropeiros, carro­
ceiros e boiadeiros davam preferência à nova estrada, os membros
. da Câmara reclamaram a construção de um desvio a partir da cidade
até M endes na Presidente Pedreira.*
Quando os trilhos da ferrovia se aproximaram da cidade de
Belém , situada no sop é das montanhas costeiras, o critério do apoio
financeiro provincial à Estrada de Ferro D om Pedro II tom ou-se
evidente. N o projeto original do traçado através das planícies até
B elém haveria estações “em pontos de junção com estradas de
tráfego pesado”.* M as na segunda seção da ferrovia, entre Belém e
Barra do Piraí, a Presidente Pedreira podja canalizar sua carga em
pontossucessivos em vagões de carga, à medida que o s trilhos subiam
as m ontanhas costeiras seguindo o caminho tanto da ferrovia quanto
da estrada principal, ou seja, o caminho do afluente ribeirão dos
M acacos. O ríginalm ente uma estrada direta entre M inas e o porto
do R io de Janeiro, a Presidente Pedreira tom ou-se agora uma linha95678

95. CM V para o Presidente da Província, 4 de julho de 1853. APV, 1853; Luís


Peixoto dle Lacerda Werneclc, “Breves considerações sobre a posição
actual da lavoura d e café. Diffieuldade do transporte. Estado ruim das
estradas”, Jornal dp Commeráo, 12 de outubro de 1854.
96. CMV ao presidente da província do Rio, 16 de setembro de 1853. APV,
1853.
97. Relatório do presidente da província do Rio, I o de agosto de 1853. p.7.
98. CMV ao presidente da província do Rio, 16 de outubro de 1853. APV,
1853.
99. CM V para o Diretório da Estrada de Ferro D om Pedro II, 3 de julho de
1862. A P V , 1863.

137
d e abastecim ento para a ferrovia.100A lém do m ais, quanto mais os ■
trilhos subiam as m ontanhas costeiras, mais rapidam ente o tesou m
provincial reduzia os programas d e m anutenção das partes abando­
nadas da Presidente Pedreira. Para evitar um trecho pantanoso da
estrada, a Pedro II abriu um tronco para M acacos em 1861; imedia­
tam ente a província passou a econom izar 2:52ó$400 por ano em
, m anutenção.l01Em l8<S2,opiesidenteprovincialpropôsoabandono
com pleta d e todos o s trechos da Presidente Pedreira que atra-
i vessavam o m unicípio d e Vassouras “tão logo a construção da Ks-
| trada de Ferro D om Pedro II esteja concluída n o lo c a l”11" S ete anos
: m ais tarde, alguns trechos da abandonada Estrada Presidente Pe­
dreira foram descritos: “O leito da estrada está em péssimas con-
I dições, e quase todas as pontes caíram .. .”10B
A ju n ção da Pedro Ô com outras estradas outrora m uito movi­
m entadas tam bém fez piorar as condições da estrada dentro do ,
m unicípio d e Vassouras, pois não havia m ais fundos para a manu- ■
tenção da estrada provincial. Quando a estrada de ferro cruzou a
Estrada da Polícia nas margens d o Paraíba na estação de Vassoui as.
a vários quilôm etros do centro da cidade, previu-se que a Icicena
seção, ainda em uso, seguiría o destino das outras'duas seções.1911034
Sobre a Estrada do Com m ercio escreveu um pequeno comerciante,
quando a ferrovia chegou à estação do Commercio, onde a estrada
entrava no m unicípio: ‘A penas suas ruínas perm anecem , pois seu
estad o d e abandono é lam entável. N ão há com ércio nem manuten­
çã o da estrada. A penas aqueles proprietários que não podem aban­
doná-la perm anecem .”1 Com certeza as autoridades provinciais
estavam plenam ente cientes d o que estava acontecendo. U m rela­
tório registrava: “M uitas estradas que ficaram sem condições de
tráfego antes da construção d e ferrovias... perderam m uito sua
im portância.”105106D ezesseis anos após a colocação do prim eiro trilho

100. Relatório do presidente da província do Rio, 7 de outubro de 1856, pp. 12-13.


101. Relatório, 16 de abrii de 1861, pp. 23-24.
102. Relatório, 4 de m aio de 1862, p. 84.
103. Relatório d o Fiscal do 2° Distrito de Sacra Família à CM V, maio de 1869:
A P V , 1869.
104. Relatório, 21 de maio de 1867, p. 17.
105. A P V , 1864.
106. Relatório, 4 de outubro 1866, p. 3 2

138

roí

da Pedro II, o m odelo das estradas da província havia mudado


radicalmente de várias estradas principais paralelas essencialm ente
para mulas de carga para um sistema em que duas ferrovias, a Pedro
II e a Cantagallo, eram as “artérias principais” às quais se ligavam
pequenas estradas de carroças.107108
N o entanto a Pedro II não foi uma solução para as dificuldades"
de transporte dos fazendeiros de Vassouras. S e minimizava obs­
táculos criados pela natureza na época anterior às ferrovias, quando
as estradas principais cheias de latnaeíngrem espareciam ser amaior
dificuldade às remessas d e café, a ferrovia tam bém introduziu os
fazendeiros a um novo bode expiatório: a burocracia administrativa
e a incom petência. Assinada “Um Fazendeiro Im portante”, um%J
cartaapelava aos editores d e O Municípiopor “apoio para descobrir
seo s funcionários da ferrovia têm pena do pobre fazendeiro!” “Cada
dia, novas dificuldades são inventadas para atrapalhar o transporte
de mercadoria que nos é despachada do R io ou q u e enviam os para
lá.” U m agente ferroviário d e mentalidade burocrática havia se
recusado a aceitar café para ser despachado porque as etiquetas de
identificação eram d e um modelo antigo. O queixoso enviou rapi­
dam ente um escravo para uma estação linha abaixo, onde podería
comprar algumas etiquetas novas. “Fiquei surpreso,” prosseguia a
carta, “que a única modificação era um novo item a ser preenchido
— V alor D eclarado”’. O “Fazendeiro Im portante” terminava sua
carta em desespero: “E agora, Sr. Editor, com o pode um fazendeiro
que despacha café para comissários no R io declarar nas suas etique­
tas o valor de seu café, quando isso depende inteiram ente da sua
cotação ao ser vendido n o Rio? Como podem os declarar um valor
que só saberem os após recebermos notícias de nossos com issá­
rios!”®8 E para os fazendeiros mais idosos, a era da ferrovia prova­
velm ente apresentava outras desvantagens quando liam a respeito
de descarrilam entos descritos detalhadamente por jornais locais
para distrair a m onotonia da vida da fazenda. “íb m o s informados
que há dois dias, entre as estações de Ubá e Paraíba do Sul, cinco
vagões foram descarrilados quando a locom otivoa atropelou um boi
que passou na frentedo trem.” O assunto de interesse hum ano vinha

107. Relatório, 15 de março de 1871, p. 10.


108. 17 de junho de 1877.

139
no últim o parágrafo. “N osso inform ante nos disse que havia muitos
m ortos e diversos feridos.”®9Quatro dias mais tarde outro atrope-
lam ento perto d e Barra do Pirar deixou um engenheiro com as>
“pernas despedaçadas e abdom e esm agado e ele morreu imedia­
tam en te... Era casado e deixa m ulher e filhos”. N esse caso o jornal
fez um edital com entando que “Tais fatos, que se repetem com
freqüência, exigem toda atenção e preocupação da hierarquia ad­
ministrativa da ferrovia” .10
9
110 » ;*
O s fazendeiros rapidam ente se reorientaram no sentido de
| mudar as condições de transporte local, o índice d e adaptação
í variando com a distância que separava suas fazendas da estaçãom ais
i próxima. Quatro anos d epois que a Pedro H chegou ao Vale do
1 Paraíba, asubstituição de animais d e carga por carroças deboi estava
íi bem adiantada. A tendendo a uma solicitação provincial de 1868,
'^ fu a n to aos tipos de animais de carga utilizados h o município, um
vereador de Vassouras replicou que “bois e animais d e carga são
em pregados nesse m unicípio para serviço d e transporte. Qs fazen­
deiros que estão próximos a estações da Pedro II e têm estradas à
sua porta usam bois”.1110 que mais caracterizou a m udançadom eio'
de transporte fo i o aum ento do rebanho bovinõnas fazendas e a
dim inuição demnimais d e carga num período superior a 30 anos a
"partir de 1850. A pós a m etade da década d e 1860, os boísrapida-
rríentê sühstííuíram as mulas d e carga; pouco depois de 1873, o preço
dos bois superou o de animais de carga, atingindo em alguns anos
duas, às vezes três vezes seu valor.112
A s vantagens do novo sistem a de transporte eram claras para os
fazendeiros. O s carros d e bois gastavam um a pequena parte do
capital anterionnente despendido com mulas d e carga ecom pessoal
livre-e escravo. Enquanto o s tropeiros escravos eram transferida
para os reduzidos grupos d e trabalho riõ cãmjx^
A>>' perto d e uma centena de arrobas (aproximadamcrité "li5dÕkg) de
° :r"x "café ensacado a uma veíocidàde de 4kmyh aproximadamente; sob a
direção d e um único m estre-carreiro escravo, um carro puxado por

109. O Município, 15 de julho de 1877.


110. O Município, 19 de juího d e 1877.
111. CVM a o presidente da província do Rio, 1868. A P V , 1868.
112. Inventários, CPO V e A PV.

140
4 J|
fj duas ou três juntas d e bois começaria sua viagem an tes d o nascer do
so le retornaria após o o ca so , eliminando as contas d e rancho, com o
a alim entação do pessoal e o pasto dos animais. N a volta, os carros
® L Iraziain mercadorias encom endadas ao comissário n o R io e despa­
chadas por ferrovia. E além d e tudo o isolam ento da fazenda, até 4
então reforçado pelos estreitos e tortuosos cam inhos d e mulas, 4
com eçou a diminuir à medida que se com eçou a investir em estradas ^
ISf/«on ais próprias para veículos de rodas, não apenas carros de b ois,/

mas carroças puxadas por cavalos, com duas e quatro rodas, m a is/
I
-! ' W f
ligeiras, carruagens leves e tflburis.
<Jlte M uitos fazendeiros ansiavam por troncos da ferrovia que pu­
É.íM í
a S * dessem reduzir a distância percorrida por seus carros d e bois até as
i I- : estações da Pedro l í no perím etro do município. E ssas idéias eram
Ifp: bastante populares nas duas principais áreas produtoras de café do
município — o vale Massambará e a região d e Pati do A lferes — ,
onde os grandes fazendeiros podiam prever “m uita retração e
/desesperança por parte dos fazendeiros cujas plantações ficavam
longe da Pedro IL. porque careciam de “m eios fáceis d e transpor-
tar sua produção agrícola”. Conforme raciocinavam, onde “a força
propulsora da civilização” — a Pedro R — corria, a agricultura
prosperava, enquanto as áreas afastadas mergulhavam numa “apatia
i vergonhosa”.113A ntes d e os trilhos alcançarem R odeio, no afluente
ribeirão dos M acacos, os fazendeiros fizeram uma petição para uma
estrada de Pati para R odeio ou M endes;114e eles apoiaram a campa­
inha durante nove anos até que o governo provincial aprovou em
1870 a construção de uma estrada de Pati até B elém sobre a serra j
do M ar.115 O s fazendeiros de Massambará se alegraram; no ano
seguinte quando os ricos comerciantes de Vassouras fizeram circular
planos para uma ferrovia d e bitola estreita para unir Massambará a
M endes na Pedro D .116 Em 1874, a febre de ferrovia atingiu Pati
/.também, e um rico fazendeiro e comissário do R io daquela área,

■.113. O Vassourense, 16 de julho de 1882.


114. Relatório, 16 de abril de 1861, p. 24.
115. Relatório, 09 de outubro d e 1864, p. 51. Proposta do V ereador A. B. Moura
para CM V, Í9 de julho d e 1865. APV, 1865; Governo provincial para
CM V, 29 dc julho de 1870. APV, 187a
gv/..-.'
116. Raposo, História, pp. 192-193; O Município, 6 da julho d e 1873 e 27 de
I
/ julho de 1873.

Ips/ 141

■J
!

Joaquim Teixeira d e Castro, fundou uma com panhia para colocar os


trilhos entre Pati e B elém , em bora nada tenha s e concretizado. Na
batalha oscilante entre as duas áreas agrícolas d o município para a
obtenção de apoio provincial para os troncos da ferrovia, Pati
sobrepujou M assambará. O governo provincial concluiu em 1822
q u e o projeto d e bitola estreita M endes -M assam bará não era viável
e fechou com dois engenheiros, Luís R aphael V ieira Souto e Hen­
rique Eduardo Hargreaves, um contrato para a construção da fer­
rovia entre Pati e B elém .117O s fazendeiros d e Pati haviam ganb o seu
direito a uma ferrovia; esperaram 16 anos até que o direito se
tom asse realidade 118 Q uanto aos diversos fazendeiros da área de
M assambará — incluindo os barões d e Cananea, d e Massambará,
d e A vellar e A lm eida, Zeferina A delaide das Chagas W em eck, Luís
C aetano A lves e João R ibeiro dos Santos Zam ith — previram
dificuldades no final da década d e 1870 e, à própria custa, construí­
ram uma estação em Concórdia, na Pedro U , à qual seu café chegava
por carroça. A té q u e os habitantes de Pati obtivessem sua ferrovia
em l
d e carga até a estação da Pedro II em U bá, abaixo d e ConcóAlia no
rio Paraíba.119

(4 )

A reação em cadeia desencadeada pela construção da ferrovia,


pela redistribuição dos fundos de m anutenção da estrada c pelo
abandono de estradas paralelas d e tropas no sentido norte-sul por
estradas curtas d e carroças entre as fazendas e as estações ferrovia- '
rias no perím etro d o m unicípio atingiu o ponto mais sensível do
m unicípio— seu com ércio com viajantes da estrada principal e com
habitantes locais. A s palavras d e consolo do reservado presidente
provincial em 1865 — “V ocês m erecem nosso total apoio contra os

117. O Vassourense, 7 d e maio d e 1881 e 7 de dezem bro de 1882.


118. Max Vasconcellos, Vias brasileiras de comunicação (Rio de JancirOí,
1928), pp. 14-15.
119. Raposo,H istória, pp. 207-208; Pedidos dos m oradoresdePatydo Alfere$|
para conservação da estrada... onde transitam tropas e gentes a estação
de Ubbâ, agosto d e 1881. A P V , 1881.

142
problemas que a nova ferrovia tem im posto a v o cês ”12012— não
mitigaram os sinais de decadência comercial por todo lado. A s casas
n o antigo Caminho N ovo em Pati foram vendidas porque a aldeia
estava “com pletam ente decadente ”13 em 1865. Pati continuou
abandonada durante os 22 anos seguintes e por sua estrada “quase
não passavam viajantes, devido ao enorm e núm ero de estações da
Pedro U que pontflham as extremidades desse m unicípio e e lim inam
uma estrada por onde passavam os mais variados produtos d e M inas
a cam inho da capital do Império”.122 Im pressionantes foram os
efeitos sobre o valor dos prédios construídos para o com ércio ao
longo das estradas principais agora abandonadas: en tre 1 8 6 2 e 1865
uma loja, uma residência, dois ranchos e um salão d e bilhar em
Q uilom bo, na Estrada W emeck, desvalorizaram 75% ; outra loja e
moradia desvalorizaram 87% , e um terceiro grupo d e prédios,
47 % ,123A s vendas ao longo da Estrada da Polícia, perto de Sacra
Família, informavam à Câmara em 1863 que a região estava “deca­
dente”,já que os consum idores passaram a fazer com pras na estação
ferroviária de R odeio. A companhia de Braga & P ues exigiu uma
taxa d e licença mais baixa, uma vez que “a decadência d e Sacra
Família em Graminha é bem evidente devido à criação de um novo
centro com ercial... na estação de Rodeio, para onde foram todos os
fregueses”.124E no desastroso ano de 1863, outro com erciante, dessa
vez de Vassouras, apresentou uma solicitação sem elhante “em vista
da triste condição a que o com ércio dessa cidade ficou reduzido ” .125
Alguns pequenos com erciantes deixaram Vassouras atrás do “gran­
de núm ero de trabalhadores que têm que procurar em prego em
outros m unicípios porque aqui não há nenhum ” .126 Quando os
trilhos da ferrovia alcançaram a estação de Vassouras no rio Paraíba,

120. B ern ard odeSouzaF ran cop araC M V .lld eou tub rod e 1865. APV, 1865.
121. Inventário, 1862, falecido: Baráo do Paiy, inventariante: Francisco de
Assis e Almeida, Fazenda das Palmeiras, CPOV.
122. Torquato de M acedo Silva à CMV, 16 de fevereiro de 1887. A PV , 1887.
123. Inventário, 1862, falecido: Bardo do Paty, inventariante: Francisco de
Assis e Almeida, Fazenda das Palmeiras, CPOV.
124. Braga & Pires â CM V, 1863. APV, 1863.
125. APV, 1863.
126. Exposição, dezembro de 1864. APV, 1864.

143
os m aquinistas iam direto para lá sem entrar na cidade. M esm o os
rebanhos que anteriorm ente atravessavam o m unicípio a caminho
dos m atadouros do R io deixaram de passar pela Estrada da Polícia
para serem embarcados em trens de carga em Rodeio; a província
se recusava portanto a fazer qualquer reparo na estrada inútil.13
N em a prosperidade das estações ferroviárias do perím etro perdu­
rou. H á registro deque R odeio sofria de “apatia com ercial” em 1867,
pois os consum idores preferiam comprar diretam ente no R io. O
fator m ais im portante por detrás do declínio com ercial veio à tona
no relatório anual da Câmara M unicipal em 1869, quando João
R ibeiro d os Santos Zainith enfatizava “o avanço da Estrada d e Ferro
Pedro n , que permitiu aos consum idores obter provisões nos mer­
cados do R io ” .12
7
182913
0
M uitos com erciantes tentaram m anter seus negócios a despeito
do reduzido volum e d e com ércio, recebendo ajuda de autoridades
m unicipais tolerantes que reduziram as taxas d e licença. R ir volta
de 1870, no entanto, a esperança d e um retom o à época próspera
diminuiu, e o êxodo teve início. F elipe Laport, m ascate, avisou à
Câmara em 1870 que estava partindo “depois de mascatear merca- i
dorias secas e aviam entos nesse m unicípio desde 1863 até o ano
passado ” .139 O êxodo se acelerou por volta de 1877, quando as
notícias da partida de todos os tipos de negociantes preenchei am as
colunas dos jornais locais. “D om ingos Carvalho Guimarães vende
seu n egócio de com idas e bebidas porque deseja partir.” “Tòrquato
Ü f4
V illarinho roga aos seus fregueses que gentilm ente saldem as dívidas
o m ais rápido possível.” 131 Uma sem ana mais tarde, Augusto Chris-
tiano de Freitas, “antigo proprietário do H otel Quatro Colunas, roga
a seus devedores através desse jornal que se dirijam ao hotel p;
pagar as contas para que ele possa saldar suas dívidas”.132No:
seguinte um artista local, A ntonio Joaquim Pereira Falcão, anunciou

127. Joaquim José de Souza Lopes ã CM V, 1865. A PV , 1865.


128. Alfredo de Barros e Vasconcellos, diretor de Obras Públicas da Provín
do R io, à CMV, 26 d e novembro de 1870. A PV , 1870. :
129. A P V , 1869.
130. Felipe Laport à CMV, 9 de fevereiro de 1870.
131. O Município, 9 de agosto de 1877. . s
132. OM iimtípio, 19 de agosto de 1877.

144
sua intenção de deixar Vassouras e ir para Cam pos, onde estava
m ontando uma loja.133 Aqueles que tentaram resistir à rastejanter
depressão apresentaram às autoridades municipais um quadro som -1
brio da decadência com ercial por toda Vassouras em 1878 e 1879. í
M anoel Martins da Silva solicitou uma taxa d e licença mais barata
em 28 de fevereiro d e 1878, porque os negócios ao longo da ferrovia
entre Cbmmercio e Cazal estavam “decadentes”; A ntonio Lopes
Cancella avisou em março quenão garantia o pagam entodesua taxa
de licença, pois as condições de negócios em C om m erdo estavam
“decadentes”; do sopé da serra do Mar, José Teixeira da íòn seca
Bastos descreveu a “decadência dos M acacos” em dezem bro de
1878, e, de Sacra Família, José Furtado D om ingues d’01iveira reite­
rou “a decadência desse lugar” em março d e 1879.133135O declínio
com ercial também afetou os casais, uma vezq u e o salário m édio que
as casas com erciais pagavam aos funcionários n ão dava para o
sustento da família de dois. U m jovem herói de uma pequena história
corajosam ente declarou: “Irei para o R io e lá conseguirei um traba­
lho que propiciará o suficiente para viverm os juntos de maneira
m odesta ”335 O declínio entrou na conversa de duas comadres que
tagarelavam uma manhã acerca das notícias sobre uma ferrovia e
uma linha telefônica que, segundo os boatos, ligariam Vassouras à
estação ferroviária no rio Paraíba. “E o que a está surpreendendo?”,
perguntou uma. “N osso progresso e atividade”, respondeu a com a­
dre Paula. “Pensando bem , é nossa atividade— agora uma fruta rara
nessas redondezas.”136137
A redução dos laços sociais entre as famílias de fazendeiros e o
povo da cidade seguiu-se ao declínio com ercial. O custo de uma
passagem d e trem era insignificante, a viagem era breve o suficiente
para tranquilizar osm ais m edrosos, e em questão de horas as famílias
dos fazendeiros podiam passar férias no R io. M ais cedo ou mais
tarde, conform e escreveu Barroso, todos tinham q u e passar férias
na capital para ir à ópera ou, quando as damas estivessem interessa­
das, com prar uma nova toüette.w Alguns moradores da cidade, que
133. O Município, 2 de setembro de 1877.
134. A PV , 1878,1879.
135. “O Juramento”, O Município, 2 2 d e julho de 1877.
136. “Unia visita”, O Vassourense, 30 de abril de 1882.
137. Raposo, História, p. 208.

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se lembravam das lutas das autoridades para manter a indepen­
dência m unicipal na década d e 1850 dos controles cada v ez mais
rígidos da Capital Im perial, viam n o declínio com ercial, e especial-,
m ente no declínio social da cidade, outro sinal do que criticavam
com o “centralização”. M enos d e una quarto de século após aépoca
de maior prosperidade, outros se referiam à cidade com o prestes a
entrar no seu “período de decadência”. Já não havia mais a “vida, a
anim ação, o alvoroço d e 20 anos atrás”, recordou nostalgicamente;
um habitante da cidade em 1822. “H avia então o ruído das carroças,
o trote d e animais, gritos d e crianças, o s cantos d e rua dos vendedores
ambulantes de to d a esp éçied efru ta sed o ces... ouivodoscachorros
nas estradas que conduziam a esse antigo em pório d e mercadoria.”
C om m ais tristeza ainda, concluiu: “Vassouras hoje não é o que
costum ava ser”.138139
N ão obstante, a m elancolia, as lágrimas e as reconstruções
jornalísticas românticas dos anos tranquilos d o final da década de 70
e início d e 80 refletiam apenas um aspecto da econom ia municipal
— o com ercial. A redução d o com ércio local trouxe o declínio
econôm ico ao centro da cidade e a pequenas aldeias antes que os
sinais d e decadência aparecessem na região agrícola, cujo lento
declínio fo i consequência do envelhecim ento e não renovação fia
m ão-de-obra escrava e do esgotam ento do solo. Quando o povo da
cidade escreveu q u eo m unicípio haviasido “apunhalado no peito”121
pela ferrovia, eles confundiram a cidade com o cam po. Pois a cidade
d e Vassouras lam entou seu destino antes que a decadência agrícola
se tom asse evidente. N a verdade, em seus aspectos externos, a vida
da fazenda mostrava uma aparente riqueza resultantede um contato
mais próxim o com o litoral e da facilidade d e transporte. U m padrão
d e vida mais elaborado, uma ênfase maior em am enidades sociais c
no consum o de mercadorias im portadas — mobília, vestuário, ali­
m entação, utensílios dom ésticos e livros— durante algum tem po e
até uma certa m edida encobriram a lenta paralisia que afetou a
produção agrícola. O s prédios das fazendas tom avam -se m ais atra­
entes pela construção de jardins ou parques na frente ou atrás da
casa, on d e outrora existiram terraços de secagem . Papel de parede,

138. O Vassourense, 19 de fevereiro de 1882.


139. O Município, 24 de m aio de 1877.

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cortinas, mesas com tam po de mármore, pianos, cadeiras d e balanço,
máquinas de costura, pesadas camas francesas, cabines de banho,
telhas de ferro e fogões de tijolos gradativamente alteraram a austera
sim plicidade das residências ricas.Os fazendeiros m enos prósperos, (
cujos contatos e créditos no R io eram mais lim itados, continuaram . ^
a viver com o sempre haviam vivido. j

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