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ARTIGOS

06 ENTREVISTA COM CIDA FALABELLA

22 BOLÍVIA, UMA SEQUÊNCIA HISTÓRICA MISÓGINA


ENTREVISTA SILVANA VÁZQUEZ

36 CHAPEUZINHO VERMELHO, A HEROÍNA


QUE MORREU POR TRANSGREDIR.
MARÍA LUISA DE FRANCESCO

45 MULHERES CUIDADORAS
JÉSSICA LORENA MUÑOZ PIZARRO

POEMAS
21 OS ARAUTOS BRANCOS DA MORTE
LIVRE ADAPTAÇÃO DO POEMA DE
CÉSAR VALLEJO POR GERMÁN MILICH

35 AINDA HÁ PALAVRAS
BRENDA MAR(QUE)S PENA

APOIO
CARAVANA GEALI
GRUPO EDITORIAL GRUPO DE ESTUDOS
E PESQUISA EM
ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
EDITORIAL
A RESPOSTA É ARTE
O assassinato de Marielle foi um feminicídio de Estado,
não um crime ligado ao patriarcado da vida privada, foi
uma mensagem do patriarcado assumindo o aparato
público de um país.
SEMPRE VOU ME LEMBRAR DE MARIELLE FRANCO
COMO AQUELA QUE, ALÉM DE RESISTIR, AVANÇA E
TRANSFORMA. Se há uma coisa que aprendi com o seu
exemplo, é que a resistência não deve ser naturalizada,
que nós merecemos algo melhor. Não pode ser que
nossa vida se limite a resistir eternamente quando já
existem condições para viver com dignidade.
Não podemos aceitar a resistência como algo natural,
porque isso nos detém no precário, nos desqualifica. A
resistência não pode ser instalada como uma condição,
a resistência é uma fase táctica de uma estratégia,
resistimos porque temos um plano, um pensamento
elaborado que nos fará avançar.
O patriarcado rejeita tudo o que é pensamento,
elaboração e teoria. Quanto menos elaboramos, melhor
para seus interesses, por isso nos mantém pobres e
nos bombardeia com informações que nos educam a
agir sem pensar e que caracterizam a arte como algo
superfluo e inútil.
Marielle questionou esse determinismo para nos
mostrar que é possível, a partir da resistência, avançar
e não lidar apenas com o urgente, mas também, com o
que é importante.
Ela escolheu fazer parte de toda a complexidade que
envolve participar de um partido político e entrou com
legitimidade e autoridade nas verdadeiras esferas do
poder para transformar formalmente - nas entranhas -
uma máquina pública baseada na iniquidade patriarcal.
Essa foi a sua transgressão, porque o que o poder
esperava dela era que fosse uma eterna protestante,
uma liderança em algumas manifestações, realizadas
em algumas ruas em algum dia de algum ano. Os
poderosos não esperavam sua presença constante
e empoderada como representante formal de uma
parte da cidadania, nem sua inteligência, nem seu
pensamento estratégico e elaborado.
Como o patriarcado não tem outros argumentos
além da força e o medo ele reagiu - como de costume
- com extrema violência e covardia: 9 tiros numa
emboscada. Esse talvez seja o paradoxo mais triste que
o patriarcado nos impõe, ter que morrer para avançar.
Esse é o paradigma que temos que mudar, temos que
iniciar uma era sem mártires. NOS QUEREMOS VIV@S!
E é por isso que fazemos essa revista, para pegar
esse legado, divulgá-lo e criar instâncias práticas para
aplicá-lo na transformação da sociedade. Precisamos
recuperar a produção da arte, precisamos naturalizar o
pensamento e a filosofia. Precisamos nos inspirar em
Marielle e nos sentir capazes de ocupar outros espaços.
Portanto, para homenagear a memória de Marielle nós
artistas não podemos simplesmente resistir, também
temos que avançar e recuperar territórios, temos que
nos comunicar melhor, temos que discutir estratégias,
temos que fazer política, temos que produzir arte.
Que um artista possa viver de seu trabalho artístico
é possível, é necessário e é o caminho para garantir
o direito constitucional de acesso aos bens artístico-
culturais que são, no final das contas, os que qualificam
o debate, ampliam a visão crítica e nos libertam.

POR ISSO A RESPOSTA É ARTE!


GERMÁN MILICH ESCANELLAS
EXPEDIENTE
GERMÁN MILICH ESCANELLAS
Editor Responsável > A Imensa Minoria
BRENDA MARQUES
Jornalista Responsável > Imersão Latina
MARJA MARQUES
Design > Coletivo Contorno
FOTO THIAGO MACEDO

Entrevista com
CIDA FALABELLA
“Sou uma mulher de teatro e meu
manifesto é um desabafo entre Antígona
e Diadorim, trago meu punho cerrado”.

06
CIDA FALABELLA é atriz, diretora teatral e
professora, formada em História e Mestre em
Artes pela UFMG. No biênio 2011 - 2012 integrou
o Conselho Municipal de Cultura. Em 2017,
assume seu primeiro mandato na Câmara de
BH, onde atua com foco na promoção da cultura,
compreendida de maneira transversal, inclusiva e
diversa. Período de mandato: 2017 - 2020.
AIM : Em sua opinião como vereadora, o que não
está sendo bem feito no poder público em relação à
produção de bens artístico-culturais?
CIDA : Da parte do poder público a nossa luta é para
que a cultura seja vista como um elemento fundante
de qualquer administração, que tenha um espaço de
valorização, de destaque, que se sente à mesa junto
com as outras pastas: segurança pública, educação,
saúde e não ser apenas um apêndice do gabinete do
prefeito.
Nesse momento a gente está passando por uma
grande mudança, uma chacoalhada em Belo
Horizonte, que vem de um modelo em que as leis de
incentivo viraram política pública, o que é uma coisa
completamente absurda porque isso não é política, é
um critério que exclui muita gente séria.
E no processo dessa última administração, o que
podemos ver é que teve avanços, pessoas muito
comprometidas com a inclusão de produtores,
adequação dos editais, aumento do orçamento,
sobretudo para o Fundo Municipal de Cultura, que é
um dos principais instrumentos. Um exemplo disso
foi a nossa luta para voltar com a Secretaria de Cultura
preservando a Fundação Municipal de Cultura.

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AIM : E como atriz, em que nós artistas estamos
errando em relação à produção de bens artísticos
culturais?
CIDA : Eu acho que hoje somos alvo e estamos
tentando resistir. Desde 2016 vivemos um momento
de grande resistência dos artistas, à censura,
aos ataques aos direitos, temos assumido um
protagonismo nisto e isso afeta a produção de arte.
Muitas vezes temos que ficar segurando uma rédea
que não é só nossa e isso é muito pesado. Existe
resistência e uma tentativa de ampliação, mas
somos alvos e a cultura está sendo desmontada nas
políticas federais e estaduais. Belo Horizonte acabou
se tornando um bolsão de proteção de determinadas
questões.
Mas, obviamente temos problemas. BH é uma cidade
muito grande com uma produção intensa e grande
parcela da população que produz essa cultura sempre
ficou fora dos editais e das políticas públicas.
E também temos que pensar nas artes, é importante
fazer essa diferenciação, porque são coisas diferentes
as manifestações da cultura e a produção de bens
artísticos. As artes precisam ser tratadas com políticas
específicas.
No governo Dilma, com o Juca Ferreira à frente, existia
uma tentativa de estruturar a política nacional para
as artes, pois dentro da cultura temos que considerar
a arte como um universo próprio. Cultura é um termo
muito amplo e a arte é uma seta, uma ponta de
lança que atravessa todas as questões e tem suas
especificidades próprias inerentes à sua produção.
Precisamos avançar nessa política municipal para as
artes.
A crítica maior é que a gente perdeu a narrativa na
sociedade de qual é o papel do artista.

Mas quando a gente pensa quais são os instrumentos


que esses caras usam: fakenews e robôs, vemos que
a briga é muito desigual. Então eu penso que assim a
gente ainda está com uma certa confusão, vamos dar
um desconto para nós, porque de fato as formas de
08 ataque são muito pesadas.
FOTO THIAGO MACEDO

A crítica maior
é que a gente
perdeu a
narrativa na
sociedade de
qual é o papel
do artista.
AIM : A Gabinetona abriu as emendas impositivas
para consulta pública, por quê?
CIDA : As emendas impositivas foram uma forma
de incidir de uma maneira menos eleitoreira, que não
fosse um instrumento para garantir a reeleição do
parlamentar, não queríamos trabalhar assim.
Vemos que em grandes áreas como política para a
mulher, cultura, meio ambiente, eram necessárias, por
isso não íamos abrir mão desse recurso, pois a emenda
impositiva é necessária, precisamente, quando não há
política pública.
Agora tudo está em xeque, estamos num momento de
grande crise, mas ao mesmo tempo a crise faz a gente
também repensar os nossos modelos. Por isso criamos
esse mecanismo de consulta participativa que integra
a sociedade e também presta contas de uma forma
transparente.

AIM : Quem se preocupa com a saúde dos


produtores e gestores culturais públicos que são a
cara visível dos centros culturais, mas não são os
responsáveis pelos problemas de falta de orçamento
e infraestrutura?
CIDA : Estamos num momento de ataque ao
servidor público, em que os servidores são chamados
de parasitas. E a gente sabe que não existe política
pública sem servidor público. Então eu acho que não
está ligado só ao gestor cultural, também está ligado
ao gestor da saúde, aos diretores das escolas. Só que
as pessoas que trabalham com arte e com cultura
muitas vezes trabalham além do horário tradicional e,
inclusive, muitas vezes sem ser remunerados, sempre
dando aquele jeitinho. Isso tudo é real.
Então acho que a gente tem que pensar numa
valorização do servidor, dos gerentes de centros
10 culturais, dos gestores e do próprio centro cultural.
A gente sempre quando pode faz as emendas
destinando mais fundos para os Centros Culturais
porque a gente sabe que, historicamente, muitos deles
foram construídos ligados ao orçamento participativo
e o recurso é muito restrito.
Mas eu acho que isso está nesse horizonte de
mudanças, eu vejo que já existe uma programação,
um pensamento e muitas coisas acontecendo
na cidade que valorizam esses centros culturais
porque tudo o que está nas bordas, que tem menos
visibilidade necessita virar prioridade.

AIM : Então, quem protege o gestor cultural?


CIDA : Acho que nós vereadores temos que protegê-
los, a população dos bairros tem que compreender a
sua importância e protegê-los.
Não é uma tarefa de uma pessoa só ou uma coisa
que se faz por decreto. Então, esse é um momento de
ataque a todos os serviços públicos porque a ideia é
que tudo seja privado, que tudo acabe, então o ataque
ao SUS, por exemplo, é um ataque ao servidor do SUS
e também aos gestores públicos. O GESTOR PÚBLICO
ESTÁ SENDO MASSACRADO NESSE MOMENTO.
Eu acredito que o gestor cultural, pelas características
do seu trabalho, pelas trocas que ele como gestor
cultural precisa realizar para que o trabalho se dê, fica
em um estado que afeta sua sensibilidade, porque
a exigência do trabalho do servidor público é muito
intensa e muitas vezes não é justa porque não é sobre
eles que tem que recair a culpa de nada.

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AIM : Você não acha que dentro da dificuldade
de compreender a função da arte a figura do gestor
cultural é a mais incompreendida, pelo fato de ser
fundamental na engrenagem de produzir bens
artísticos?
CIDA : Tudo isso diz respeito à arte como um todo.
Aqui na câmara a gente vive isso 24 horas por dia.
A última fala aqui no dia do debate sobre a moção
de repúdio à Netflix que estava sendo votada era:
os artistas são criminosos.
Ouvimos isso aqui, e com gestores da arte também
acontece, por exemplo um Centro Cultural que fez
uma exposição que foi filmada por parlamentares e
que foi polêmica; quem ficou mais exposto? O gestor
do centro cultural. As pessoas foram na casa dele e
atacaram ele. É uma situação muito difícil mesmo.
Nós artistas também estamos todos expostos. Eu
como vereatriz também estou exposta a esse tipo de
ataque, a receber ilações sobre o meu trabalho, sobre o
trabalho da ZAP 18 dizendo, por exemplo, que a ZAP 18
ganhou algum tipo de projeto porque eu fiz algum tipo
de ingerência.

AIM : Na Zap 18 há 18 anos você está lidando aí com


esses desafios: como faz para fomentar a produção de
arte e conseguir financiamentos para o grupo? Como
foi pensar na formação de novos gestores?
CIDA : Da Zap 18 eu formalmente me afastei, mas
ela faz parte da história da minha vida, não acho que
seja possível ser vereadora da cultura apagando a
minha própria história. É um lugar que eu continuo
visitando, apoiando, é próximo da minha casa, mas
não é a minha atividade principal.
E nós durante esse tempo formamos pessoas que
estão ligadas à Zap e pensam a Zap para além de mim,
tem uma nova geração jovem inteligente tocando lá.
E a gente vive como um coletivo, um espaço cultural
e um lugar de formação, as instabilidades que todo
coletivo vive. COMO DIZIA MALLARMÉ “UM LANCE
12 DE DADOS NÃO ABOLIRÁ O AZAR”.
TODO ANO UM ARTISTA LANÇA OS DADOS E ENTRA
EM VÁRIOS EDITAIS: quando tem recursos consegue
fazer com mais qualidade, com mais empenho de
todo mundo, quando não tem você faz do mesmo
jeito, só que cada um correndo atrás de mais três
ou quatro coisas para segurar a onda e não é o ideal,
porque o que se oferece ali para o entorno é gratuito.
Os espetáculos não, mas as oficinas sim porque o tipo
de público que a gente quer para as oficinas e que acha
importante formar é, precisamente, aquele que não
tem como pagar pelas oficinas.
Então a gente tem uma parceria muito longa com
educação de jovens e adultos com as escolas
municipais e estaduais. Mas a montagem de um
espetáculo está mais restrita, porque você não tem
recurso para isso. E as pessoas não têm disponibilidade
de conseguir ensaiar três ou quatro vezes por semana
porque elas estão correndo atrás da sobrevivência.
Mas na Zap o aprendizado de lá é que nós vamos
manter as portas abertas funcionando. Eu acho que
a gente vive sim uma precarização do trabalho, nunca
antes nesse país se viu uma coisa assim, os artistas
são maltratados, sobretudo os grupos periféricos.
Têm essa desvalorização do próprio valor do ingresso
que a gente não consegue cobrar minimamente, com
os programas que se tinham de nível nacional, embora
não atendiam o tamanho do Brasil, você podia pelo
menos recorrer aos prêmios. O Myriam Muniz, por
exemplo, há anos que não tem esse prêmio. Nem
sequer temos Ministério.

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AIM : Falando disso, quer comentar algo sobre
Alvim?
CIDA : Alvim performou muito bem o governo
Bolsonaro: um intelectual respeitado que emigra para
esse campo, sofreu um processo de transformação.
Um homem de teatro pensante, um pensador do
teatro virou um homem que defende a ideia de arte
total e arte conservadora. É algo tão surreal que parece
que é uma peça que está sendo criada em tempo real
por um dramaturgo. Toda vez que eu o via, dizia: “não
é possível, que esse cara tenha se transformado nesse
personagem”.
E agora Regina Duarte que vai performar essa mulher
que é um símbolo da TV Globo e que não tem
nenhuma trajetória na área nem no serviço público.
Nunca foi gestora, não tem nenhuma experiência
nisso, nem traz como atriz essa carga nessa atividade,
embora seja uma mulher que teve momentos
importantes na teledramaturgia.
Mas temos que separar a Regina Duarte e o que ela
representa que eu acho que é mais do mesmo, da
relação misógina do governo com ela, falando dela
como a namoradinha do governo, a noivinha, por isso
temos que separar os ataques misóginos que a Regina
sofre, com os quais discordamos. Ela hoje apresenta
valores mais conservadores que não nos representam,
não acreditamos que ela vai conseguir fazer nada de
positivo na Secretaria.
A verdadeira ministra de Cultura é a Damaris, que é
quem performa melhor esse governo. Essa mulher que
fala sobre vários assuntos que trabalham no imaginário
cultural e ela tem uma ideia do que representa
dentro do governo Bolsonaro. Então eu acho que
eles acabaram com o Ministério, porque tem vários
ministros que performance a cultura. É uma táctica.

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AIM : Quais as maiores dificuldades que você
enfrenta na Câmara Municipal de Belo Horizonte?
Como é esse dilema da sua vivência na atuação teatral
e agora ter que conviver com esse ambiente às vezes
tão adverso?
CIDA : O trabalho parlamentar é extremamente
machista. O machismo foi a coisa que mais se exaltou
para mim, nunca me vi tão feminista desde que eu
entrei aqui e comecei a entender o espaço que falta às
mulheres. Isso vai desde silenciamento e , infelizmente,
às vezes se estende para companheiros que vão além
do campo da direita.
O caso da Marielle foi um símbolo disso, uma
companheira que foi morta São processos de poder
muito violentos que expulsam as mulheres o tempo
inteiro dos espaços de decisão. E desde a nossa eleição
de uma forma crescente os ataques à cultura, à arte
e aos artistas reverbera em mim de uma maneira
extraordinária, pois eu sou militante da cultura há mais
de 40 anos, então não tem como não me sentir alvo
desses ataques.
A gente falou desde o início que ia performatizar a
política, mas a direita está ganhando de 10 a 0 na
performatização. É impossível concorrer com Alvim ou
com a Regina Duarte. O que eles simbolizam então é
como aquela foto em negativo: a gente está um polo
da performatização da política, no sentido de trazer
a sensibilidade, de trazer a arte, de trazer o debate da
cultura. E eles também estão compreendendo isso no
outro polo, de que eles vão precisar desses elementos
que eles usam o tempo inteiro: simbólicos e artísticos.
Portanto é uma disputa de simbólico. E nesse último
ano para mim ficou nítido que vou disputar esse
simbólico, cada vez mais, voltando a fazer o que eu sei
fazer que é o teatro.
Então para sobreviver nessa selva retomei meu
trabalho como atriz, voltei a me apresentar voltei a
participar, mesmo que pontualmente, de projetos na
cidade, de leituras dramáticas de um texto de Jorge
15 Furtado que fala sobre um episódio de censura.
FOTO THIAGO MACEDO

“Então para
sobreviver
nessa selva
retomei meu
trabalho
como atriz,
voltei a me
apresentar
voltei a
participar...”
Cida
Falabella
Fiz um trabalho chamado: “O manifesto desabafo de
uma mulher de teatro”, que eu escrevi sobre ser essa
mulher de teatro no meio desse contexto. Apresentei
meu solo que já não fazia um tempão: “Sou uma
mulher de teatro e meu manifesto é desabafo entre
Antígona e Diadorim trago meu punho cerrado”. Aí eu
vou falando de outras mulheres de teatro falando da
Fernanda, falando da Cacilda Becker, tentando puxar
essa memória da ancestralidade das mulheres que vêm
antes de mim e as que vieram depois.
Então é um ambiente difícil, mas que a gente
aprende a conviver com ele. Sobre o respeito, antes a
gente só tinha um vereador que falava de cultura, o
Arnaldo Godoy e a gente sente que a nossa eleição
e a Gabinetona, um projeto atravessado pela cultura,
trouxe mais luz a esse debate, e embora eles nos
ataquem eles também nos temem e nos respeitam.
Não sou tão nova, faço questão de deixar meu cabelo
branco, tenho 40 anos de teatro, tenho uma história de
vida, de coerência nessa militância pela valorização da
cultura e da arte, disso ter uma importância na cidade.
Nos anos 90 a gente lutava pelos grupos de teatro,
pois tinham uma forma de produzir que é diferente
do produtor que vai lá e reúne um elenco, é necessário
que existam recursos para isso. Era um grande debate
dos anos 90, o movimento de arte nacional e depois
o local, que depois deu no processo de Arte Contra a
Barbárie, em São Paulo, depois no Redemoinho e no
Movimento Nova Cena, em Belo Horizonte, que reúne
interessados na reflexão sobre políticas públicas para a
Cultura.
Na Gabinetona tem um grupo de teatro que trabalha
com práticas do Teatro do Oprimido trazendo o afeto à
política, então sem o acolhimento da construção que a
gente faz acho que não sobreviveríamos. É um mandato
atravessado pelo teatro, como um das práticas que
a gente utiliza dentro do mandato. A gente valoriza
o processo não só o resultado.

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AIM : Você acha que o mundo da política é teatral?
CIDA : É uma grande arena, o problema é que
nem sempre os atores são bons, alguns são muito
canastrões. Como disse o FERNANDO BONASSI “NÓS
FAZEMOS TEATRO CONTRA O MAL TEATRO QUE
QUEREM FAZER DA REALIDADE”. É uma exposição
o tempo inteiro, a gente acaba performando uma
persona, a Cida que está lá, não é a mesma que está
aqui falando, embora seja a mesma pessoa, nem a
mesma que vai à casa da filha e também é avó.
Teve uma coisa no início do mandato muito engraçada,
nas minhas primeiras falas no microfone era muito
tenso e eu chegava muito dura e meus assessores me
falavam que eu fazia um movimento com a perna, o
que Eugenio Barba chama de equilíbrio precário, aí
todos falavam: “olha lá mexeu a perninha, agora vai
botar pra quebrar”. Eu tenho muita orientação para
estar em cena, no início quando ia nas reuniões ou no
plenário eu organizava tudo o que eu ia falar, como
uma atriz. Além do mais tenho dramaturgos que me
ajudam e me orientam na direção de arte.

AIM : Quando falamos de financiar arte o que é que


precisa ser financiado?
CIDA : Debater privilégios mesmo sendo da arte,
não é um debate simples: qual arte que vai ser
financiada. Tem que ser pensado o acesso, questões
que estão atravessando o debate racial, de gênero
e feminista. Não tem como você fazer esse debate
sem considerar que a arena política da sociedade está
18 debatendo, sobretudo, representatividade.
Então eu, não consigo pensar em como fazer esse
debate sem passar por essas questões, não é um
debate simples de se fazer. Porque por outro lado
muitos artistas que tinham trabalhos estruturados
de grupos agora estão sem nada. Como vamos fazer
esse debate de forma que ele seja democrático e
equilibrado? A gente sempre acha que deve apostar
nos coletivos, nas estruturas que têm uma inserção
nas suas comunidades. Nesse momento a gente vai ter
que fazer mais na continuidade do debate através da
construção de qualquer tipo de edital.

AIM : Que podemos falar de Marielle?


CIDA : Marielle é uma força com quem tivemos a
sorte de conviver - num breve tempo, como vereadoras
da mesma bancada, fomos eleitas no mesmo pleito.
E a gente teve algumas ocasiões juntas e ela trazia
essa força que é essa representatividade no corpo
dela. A representatividade da mulher negra, periférica,
favelada. ELA FALAVA: NÓS PRECISAMOS FAVELIZAR
A POLÍTICA. ELA TINHA UMA INSERÇÃO MUITO
GRANDE NO DEBATE CULTURAL COM A JUVENTUDE
E COM AS MULHERES.
Ela chegou na política muito preparada, trabalhou
no mandato do Freixo. A gente sentiu uma dor
enorme de ver uma carreira, de uma mulher que
poderia fazer tanta diferença ser interrompida. Mas
a gente vê também que A MORTE DA MARIELLE
DEFLAGRA UMA NECESSIDADE DE OUTRAS
MULHERES OCUPAREM A POLÍTICA E SE SENTIREM
PREPARADAS PARA FAZER ISSO. ISSO É MUITO
BONITO DE VER, SEMENTES DE MARIELLE, EMBORA
ISSO NÃO DEVERIA CUSTAR A VIDA DE NINGUÉM.
A gente sabe que o legado que ela deixou é gigantesco.
Isso, de alguma forma nos conforta porque a gente
sabe que a Marielle está viva sobretudo nas jovens
negras periféricas e esse legado é incontornável. Deve
ser por isso que a direita fica tão louca com tudo o
que diz respeito a Marielle e até hoje a gente não sabe
quem a mandou matar.

19
MARIELLE VIVE - Homenagem na
Camâra Municipal de Belo Horizonte

MARIELLE VIVE - Homenagem na


Camâra Municipal de Belo Horizonte
Aurea Carolina, Talíria Petrone
e Cida Falabella.

20
OS ARAUTOS
BRANCOS DA
MORTE
Há golpes na vida, tão fortes... eu não sei!
Golpes como do ódio do homem;
como se diante deles,
a ressaca de tudo sofrido se estancasse na alma...
São poucos; mas são...
Eles abrem trilhas escuras no rosto mais feroz
e nas costas mais fortes.
Serão eles, acaso, potros de bárbaros Átilas
ou os arautos brancos que a morte nos envia.
São as profundas quedas dos cristos da alma de
alguma fé adorável que o destino blasfema.
Esses golpes sangrentos são os estalos de um pão
na porta de um forno que se queima.
E nós... pobres!
Viramos os olhos, como quando por cima do ombro
nos chamam com um tapa;
enlouquecidos os olhos e tudo o que vivemos se estanca
como uma poça de culpa em nosso olhar.
Há golpes na vida, tão fortes... eu não sei!

LIVRE ADAPTAÇÃO DO POEMA


DE CÉSAR VALLEJO
POR GERMÁN MILICH
BOLÍVIA:
UMA
SEQUÊNCIA
HISTÓRICA
MISÓGINA
Entrevista com
SILVANA VÁZQUEZ
Gestora Cultural
y Comunicadora
Estratégica, especialista
em Género y Cultura.

22
ENTENDO A BOLÍVIA
Entrevistamos a Gestora Cultural Silvana Vázquez
sobre a complexa situação da Bolívia. A democracia
é a resposta para tudo?

AIM : Sobre a situação atual da Bolívia, trata-se de


um governo de fato, é uma ruptura legal ou algo que
vai muito além das narrativas hegemônicas europeias
da esquerda contra a direita?
SILVANA : Na Bolívia a sequência histórica foi:
Conquista, Colônia, República, Estado, Nação com
Ditadura e Democracia. É uma sequência em que
as liberdades humanas têm uma jornada muito
difícil e contraditória. NÃO FORAM SISTEMAS
DE GOVERNOS DE LIBERDADES, MAS DE
CENTRALIDADES. E TODA CENTRALIDADE
DE PODER PRECISA CRIAR MANEIRAS DE
REPRODUZIR CERTAS HIERARQUIAS, que
nas democracias são chamadas representativas, então
vamos às urnas e fazemos um contrato. E é isso que
conhecemos como democracia.
Quando você dá seu poder a essa centralidade por
contrato, faz isto a partir da sua zona de conforto. E,
na verdade, pode se chamar democracia ou ditadura,
a verdade é que sempre tem um componente de fato,
porque tiram proveito do poder da esperança que os
cidadãos lhes dão para, na realidade, fazer políticas
baseadas em ALTOS NÍVEIS DE CORRUPÇÃO
E VULNERABILIDADE DOS DIREITOS
HUMANOS.
Nesse sentido, vou me concentrar nos acontecimentos
de 2019/2020. Estou muito envolvida com a agenda
das mulheres e com os casos de violações coletivas,
individuais, feminicídios e infanticídios. NÃO
VIMOS NENHUM RESULTADO A FAVOR DOS
DIREITOS HUMANOS das mulheres que viveram
essas situações tanto no governo Evo quanto nesta
23 chamada transição.
A isso, acrescentamos O INCÊNDIO DE TRÊS
ECOSSISTEMAS FUNDAMENTAIS PARA
O MUNDO: CHIQUITANIA, AMAZÔNIA E
CHACO, com milhões de hectares incinerados, além
de um número não registrado de animais silvestres e
tudo de maneira legal, com o governo de Evo Morales
em conchavo com setores empresariais e a China, com
o objetivo de expandir a fronteira agrícola.
Junto com essa estratégia de neocolonização, foram
realizadas as migrações dos cocaleiros (plantadores
de coca) que atingem esses ecossistemas que já são
habitados por povos indígenas que têm relação própria
com a Casa Grande (como dizem os índios das terras
baixas). Pacha Mama é um uso dos indígenas das
terras altas com significado semelhante). Transferem
e legalizam essas ocupações com interesses políticos,
porque o setor dos cocaleiros está relacionado ao MAS
de Evo Morales.
Em todo o mundo, quando as líderes dos povos
das terras baixas, que são os povos desses três
ecossistemas incinerados, foram convocadas, para dar
suas versões, elas foram censuradas, demonizadas
e culpadas, elas foram reprimidas interna e
externamente.
O QUE O MUNDO NÃO QUER VER É O DANO
QUE LHE FOI FEITO A DETERMINADOS
GRUPOS INDÍGENAS E ECOSSISTEMAS -
TANTO SUA FLORA COMO SUA FAUNA -.
ADICIONADO À FRAUDE ELEITORAL.
Isso ocorre porque a democracia é um sistema que
tende a acumular poder e que é sempre ruim. A
democracia precisa de uma revisão que a separe do
mercado e das ideologias de esquerda ou direita.
A acumulação de poder é a tendência do sistema
democrático e os resultados são visíveis. O que
aconteceu na Bolívia foi num contexto de um sistema
24 democrático.
AIM : Em relação ao setor produtivo artístico-
cultural: houve também uma ruptura (principalmente
na distribuição de recursos) ou o atual governo
manteve a mesma linha?
SILVANA : Na realidade, uma ruptura só
é possível a partir das bases e, desde que não
sejam cooptadas, POIS UMA DAS GRANDES
CARACTERÍSTICAS DOS GOVERNOS DA
ESQUERDA É O ROMANCE MÚTUO COM
AS BASES E SUA COOPTAÇÃO. O mesmo vale
para os ativismos, fazendo-nos acreditar em uma
famosa revolução artística e cultural, mas que nunca
aconteceu, não foi suficiente. Houve muitas mágoas
e a última administração de Wilma Alanoca não foi
muito boa.
Um elefante branco - o Museu Evo Morales - foi
construído, em um local sem promoção turística,
sempre dentro do sistema democrático. Os estados-
nação tornaram-se necessários para unificar uma
nação e uma cultura; o estado-nação faz parte
do sistema democrático além de suas estações e
amadurecimentos.
A revolução artística cultural não aconteceu, teve
algumas abordagens, mas existiu algum tipo de medo,
interesse ou corrupção que a evitou.
O QUE SABEMOS DA TEORIA E DA PRÁTICA
É QUE, ENQUANTO AS PESSOAS NÃO
FOREM LIVRES PARA CRIAR E PENSAR,
CONTINUAREMOS SEM REVOLUÇÃO, porque,
ao refletir, perceberão que a democracia da maneira
como é proposta não funciona e será preciso criar
outro sistema e remover certas ferramentas usadas
para centralizar o poder, por isso é melhor ter pessoas
25 ignorantes.
A institucionalidade cultural do estado plurinacional
foi, na realidade, mais um dispositivo da lógica dos
estados nacionais, da ditadura, da lógica dos anos
80, 90, etc., com o objetivo de unificar e recriar seus
símbolos e promover um carisma político unificado
que é uma expressão da ambição de permanecer no
poder.

AIM : Na Bolívia, durante o governo de Evo Morales,


houve uma política cultural real e profunda ou foi
simplesmente o que é conhecido como marketing
étnico cultural, ou seja, vender uma imagem no
exterior, mas sem uma verdade apoiando esse
processo?
SILVANA : NÃO HÁ COMO NEGAR QUE
HOUVE TENTATIVAS INTERESSANTES
DO SETOR PÚBLICO, PORQUE O SETOR
ARTÍSTICO PRIVADO ELE SEMPRE
PROCURARÁ QUEBRAR SUAS PRÓPRIAS
BARREIRAS DENTRO DE UM SISTEMA QUE
NÃO O CULTIVA E NÃO O CRIA PARA SER
REVOLUCIONÁRIO E INOVADOR, porque na
Bolívia não há escola ou incentivo para isso. Apesar
disso, o setor privado rompe suas próprias barreiras.
Não se pode negar que o Ministério do Planejamento
- e não o Ministério da Cultura - procurou fazer esses
incentivos com fundos para esse setor, mas não
teve tempo para amadurecer. É por isso que não
conseguimos ver bem os resultados, mas os pontos
fracos que são principalmente as agendas de direitos
humanos e igualdade de gênero e oportunidade são
a falta de visão e proatividade dos regulamentos
administrativos e classificadores orçamentários
vinculados a esse setor.
Era tratado como se estivesse comprando
equipamentos, como se fosse feito um desembolso
para uma construção ou comprando uma propriedade
e não como se estivéssemos falando sobre direitos
humanos, então havia uma falha absoluta nos
26 regulamentos.
Em relação a se tudo era apenas para vender uma
imagem no exterior, bem, acho que é isso que todos os
governos fazem, só que a Bolívia é mais pitoresca e o
que serviu foi construir a imagem de Evo Morales como
uma espécie de Simon Bolívar indígena.
A política cultural do estado plurinacional baseou-se
na construção da sua imagem usando símbolos,
bandeiras, cores, iconografia, estilos arquitetônicos e
tudo o que forma um aparato cultural político. Quando
falamos com as populações indígenas das terras
baixas que são absolutamente invisíveis no mundo,
percebemos que elas não foram beneficiadas, mas
foram vítimas, principalmente da neocolonização para
fins agrícolas.
Portanto, podemos ver nessa política cultural que havia
uma política racista multilateral no meio e o discurso
do racismo foi ouvido muito em reuniões dentro do
MAS, enquanto discriminava outras etnias.
E O RESULTADO É EVIDENTE, OS ATORES
DO RACISMO SE EXPANDIRAM.

AIM : É possível acessar recursos para produzir arte


na Bolívia? Existe um orçamento alocado e legislação
vigente que garanta o direito à produção artística e à
emancipação econômica de diferentes culturas?
SILVANA : Os recursos existem, mas são limitados
e direcionados. Tive a experiência de trabalhar
liderando uma instituição cultural do Estado e propus
projetos para formar economias colaborativas no setor
artístico cultural, PROJETOS FEMINISTAS PARA
ENRIQUECER A NARRATIVA DO FEMINISMO,
ABRIMOS PORTAS PARA O ATIVISMO,
REALIZAMOS FESTIVAIS.
Mas como eu disse antes, os regulamentos são muito
burocráticos, repressivos e não estão preparados para
a inovação ou para a proposta de Direitos Humanos ou
do setor artístico-cultural. Portanto, existem recursos,
mas não há plano, mentalidade ou regulamentação
adequados para distribuir esse recurso.
Com um grupo de parceiras, vencemos um concurso,
27 mas tivemos que abandoná-lo devido à falta de
responsabilidade administrativa em relação a
esforços independentes, pois havia muitas falhas
administrativas. Não foi culpa dos funcionários,
que trabalharam duro naquele Ministério, mas dos
regulamentos inadequados que não se alinham
com o progresso.
Outro exemplo que posso dar é a análise que fiz da
gestão da cultura por oito anos do governo municipal
de Santa Cruz de la Sierra e seu orçamento que tinha
um forte senso político.
Tudo o que foi contratado foi atravessado por
narrativas patriarcais, machistas, misóginas e binárias,
sem qualquer promoção da diversidade humana.
POR MAIS QUE O SISTEMA SEJA
DEMOCRÁTICO OS ORÇAMENTOS SEMPRE
SE BASEIAM EM UMA SIMBOLOGIA QUE
FORTALECE A CENTRALIZAÇÃO DO
PODER, em unificar uma estrutura do que deveria
ser a identidade na qual os homens brancos têm o
poder para tomar decisões.

AIM : Indo para um nível mais geral da teoria da


Gestão Cultural, o que você acha da confusão entre
Arte e Cultura? Na sua opinião, quais seriam as
diferenças?
SILVANA : Esse é um assunto sobre o qual escrevo
muito. Não sei se devo chamar de confusão, mas vejo
que muitos ativistas têm uma noção de cultura que a
confunde com as "belas artes" ou com a "arte de rua",
como se a cultural tivesse uma matriz artística, mas
esquece que existe a cultura do estupro, ou o contrário
a cultura do amor pela natureza.
Se formos para a definição mais estrita de cultura, é
um conjunto de hábitos, tradições e costumes, sendo
que a arte, por sua vez, questiona hábitos, tradições
e costumes, tanto urbanos quanto rurais: casamento
infantil, mutilação do clitóris, estupros.

28
Não podemos cair no romance do observador, o
espectador que vem em Bolívia para realizar turismo
étnico cultural, mas temos que no responsabilizar
pelo que são nossos costumes. Acrescentando a
isso as ocupações das igrejas católica e evangélica
nas populações indígenas e rurais que impactam
diretamente em hábitos, costumes e tradições.
Essa é a discussão que devemos retomar para que
nossos povos possam continuar progredindo individual
e coletivamente.

AIM : Quando falamos de financiamento da Arte


e da Cultura, o que precisa ser financiado no processo
de criação de bens artístico-culturais? Você acha que
pensar melhor nesse sentido pode ter um impacto no
sistema de produção de bens artísticos culturais?
SILVANA : Vamos primeiro modificar os
regulamentos burocráticos, vamos melhorar o sistema
democrático, vamos mudar as pessoas que estão
agora, até os candidatos que temos na Bolívia, porque
o atual sistema de financiamento é binário, misógino e
anti-direitos. A família tradicional é o que é financiado
hoje em dia, isso é cultura.
Talvez seja necessário que os artistas se comuniquem
melhor e discutam mais esse ponto, porque é muito
diverso. O PRINCIPAL É A FORMAÇÃO LAICA,
FEMINISTA, IGUALITÁRIA, INOVADORA E
BIOCÊNTRICA (que não seja antropocêntrica).
Esse tipo de treinamento é fundamental, financiando
experiências e, com isso, veremos se é necessário
financiar o espetacular. Provavelmente sim, mas nos
falta essa parte fundamental, porque, quando temos
acesso a formação, também acessamos ferramentas
de análise crítica, podemos gerenciar recursos com
setores privados e deixamos de depender da mão do
Estado.

30
SE NÃO FINANCIARMOS A FORMAÇÃO,
SEMPRE DEPENDEREMOS DO ESTADO OU
DE ALGUM SETOR DO PODER.
A lógica colaborativa é um pensamento complexo que
precisa de ferramentas intelectuais. Temos que parar
de financiar a dependência patriarcal e paterna (se é
que são coisas diferentes).

AIM : Como você vê o futuro da Bolívia e da região a


partir do seu lugar de Gestora Cultural?
SILVANA : Meu lugar de Gestora Cultural não
é separado do meu lugar como pessoas com suas
próprias crises, reflexões e crenças; declarei-me
ateia dos partidos políticos - não da política - não
acredito em nenhum governo, não acredito no sistema
democrático, acredito em criar um sistema mais
evoluído e, a partir desse local, também penso em
gestão cultural.
NÃO DEVEMOS DEPENDER DAS
INSTITUIÇÕES CULTURAIS DE NOSSOS
PAÍSES, POIS A TENDÊNCIA É QUE OS
GOVERNOS CONTINUEM COOPTANDO E
PROCURANDO ESSA DEPENDÊNCIA.
Eu entendo que alguns países vão para isso
esperançosos e obnubilados com romances com novos
governos (como México, Argentina e Uruguai), mas
devemos ter cuidado, porque o sistema democrático é
projetado para a acumulação de poder e para tomar o
poder. Eu aprendi isso com o feminismo.
Eu vejo o futuro da Bolívia como um despertar,
estamos no processo de despertar. A crise e o declínio
que sofremos na agenda dos direitos humanos, meio
ambiente e povos indígenas e, portanto, todas as
agendas que cruzam a agenda cultural nos levaram
a uma transição.

31
O SISTEMA
DEMOCRÁTICO
É PROJETADO
PARA A
ACUMULAÇÃO
DE PODER E
PARA TOMAR
O PODER.
EU APRENDI
ISSO COM O
FEMINISMO.
Silvana Vázquez
Quando me refiro à transição, não é o rótulo vendido
pela mídia - pública ou privada - não me refiro
à transição como um nome para um processo
institucional administrativo, mas à transição espiritual
e humana. E estamos nessa transição, portanto,
teremos momentos difíceis e contraditórios. Porque
agora vamos enfrentar propostas de partidos políticos
conservadores e planos governamentais “fascistóides”
e anti-direitos.
E tenho certeza de que isso não vai durar. Hoje a
Bolívia é uma fonte de inspiração para nossos países
irmãs e irmãos, para que seja possível enxergar além de
um sistema binário. ESTA CRISE QUE ESTAMOS
ENFRENTANDO É UMA CRISE DO SISTEMA
DEMOCRÁTICO.
O futuro está em nossas mãos, em nossa capacidade
de criar novos espaços para a reflexão política, novos
espaços para a reflexão artístico-cultural, que vão
contra a cultura da corrupção, da estupidez, do
medo de nos sentir julgado. As crises nos permitem
confrontar esses medos, quebrá-los e evoluir.
Infelizmente o futuro próximo não será equânime
na América Latina devido a que alguns países estão
obnubilados em romances ou, pior, em momentos
de atrocidades. Isso é contrário à diversidade e as
diferenças de cores de pele e opções sócio afetivas que
temos em nossos países, e a Bolívia está no meio disso
em uma crise, vendo por qual caminho construir algo
diferente.

33
AIM : E, finalmente, você quer comentar algo sobre
Marielle Franco?
SILVANA : Como estamos conectados com nossas
memórias, desejos e crenças, quando o assassinato
de Marielle aconteceu, também me machucou, chorei
e sofri. E a distância, como parte dessa comunidade e
daquela conexão com a memória, falei sobre o assunto
nas minhas redes, procurei entender mais o que isso
significava. Porque, obviamente, é a representação
e o ícone do ataque que sofremos todas aos nossos
direitos e liberdades.

Marielle é um ícone do que pode


acontecer com qualquer de nós.
Mas, além do que ela representa
como ser humano para quem
temos um coração que busca o
progresso individual e coletivo, sua
memória nos fala muito mais da
emancipação do que da sofrimento.
Uma emancipação que precisa continuar sendo
cultivada, precisamos lembrar disso, deve sair das
fronteiras do Brasil e chegar mais em Bolívia, é uma
inspiração poderosa, talvez não de esperança - já que
não podemos nos permitir ingenuidade, todos os dias
nos matam - mas sim de amor e realidade.

MARÍA SILVANA VÁZQUEZ VALDIVIA mora na Bolívia


e é Criadora e Produtora da Marca de “Poleras”
(Camisetas) Masiva. E, também, Especializada em
Assessoria e Conteúdo para Projetos Socioculturais
alinhados ao Desenvolvimento Sustentável.

34
AINDA HÁ
PALAVRAS
A vida ainda pulsa em esperança
Implorando algumas gotas do cálice
Das doces palavras voando ao vento
No outono que vai junto com as folhas
Afastando burocracias e
compromissos
Descobrindo o amargor dos dias
opacos
Escrevendo com batom versos
preciosos.

BRENDA MAR(QUE)S PENA


Por MARÍA LUISA
DE FRANCESCO
Escritora de Salto -
Uruguai, especializada
em literatura infantil
e juvenil.

CHAPEUZINHO
VERMELHO, A
HEROÍNA QUE
MORREU POR
TRANSGREDIR.
36
SEU PAI MENTIU PARA VOCÊ
Nesta seção, convidamos a escritora de Salto -
Uruguai, María Luisa de Francesco, especializada
em literatura infantil e juvenil, a desmascarar certos
conceitos ideológicos transmitidos pelos clássicos da
literatura infantil.

“ELES QUEREM PROIBIR VOCÊ DE NOVO.


NOVAMENTE, TEU CAPUZ VERMELHO
DEVE SER TINGIDO E A HISTÓRIA
CENSURADA. NÃO É A TUA PRIMEIRA VEZ
COMO UMA MENINA PROIBIDA, POR ISSO
SEMPRE VIVEMOS DA NEGAÇÃO DO MAL
AO PIOR”.
LENDA E MITO
Lenda porque nasce da orilatura popular e mito porque,
sendo uma heroína de sua própria história, morre no
final.
“Vou te defender porque gostei da versão de Don
Perrault, gostei que tivesses a coragem de desobedecer
à tua mãe e de ter ido para a cama com um lobo. Tu
desconfiastes que não era tua avó. Por trás desses
cabelos e aqueles dentes... sapeca, sabias que havia
algo duro e proibido”.
Ela quebra as regras e é punida, muito punida, como
toda mulher transgressora. Ele ousa seguir outro
caminho, desobedecer ao mandato, ousa deitar-se
nua com uma besta estranha e sabe que do outro lado
de sua transgressão, a esperam a punição e a morte.
A heroína, luta, ousa, revela-se, para dar lugar ao mito
com seu feito.
OS CASTIGOS
“De toda as histórias, tu és a única que foi devorada; é
por isso que eles te perseguem ou, talvez, porque não
eres da realeza? Ou porque quando o lobo bateu seu
dentes em ti gostastes e isso ainda é proibido?”
37
VOU TENTAR MOSTRAR O QUE LI E
ESTUDEI SOBRE ESSE PERSONAGEM
ÚNICO QUE MERECE OUTRAS LEITURAS.
AS QUE IREI OFERECER VÊM MAIS
DO LADO DA PSICOLOGIA E DA
PSICOPEDAGOGIA.
No entanto, levanto uma bandeira: A literatura deve
beber da arte e Chapeuzinho Vermelho é uma história
popular, e isso importa muito! Nascida da oralidade do
campo europeu e, mais importante, no final da história
não se torna uma princesa.
Seria por isso que seu destino, mil vezes escrito e
recriado, nunca chegou à Disney como uma mega
produção? Eu me pergunto retoricamente porque sei
que os destinos da Disney precisam ter uma estrutura
de riqueza e luxo típico da nobreza, não a voz do povo.
Se você me perguntar qual versão as crianças mais
gostam, direi que é a do lobo punido com a morte por
pedras na barriga. Porque eles esperam um final feliz,
porque o lobo significa perigo para eles, porque sem
dúvida entre 4 e 12 anos o animal representa o medo,
porque eles também querem viver o feito de uma
garota que revive.
Reviver e se salvar da morte: um eterno sonho humano.
Como os meninos não iriam gostar de ouvir que a
menina está salva!
Chapeuzinho Vermelho, uma heroína ingênua. Sua
história se tornou um clássico por excelência de muitas
gerações. Existem inúmeras versões e está escrito em
várias línguas. Filmes, desenhos animados, não há
ninguém que escape dessa menina da floresta.
Mas, sem dúvida, CHAPEUZINHO VERMELHO
É, ACIMA DE TUDO, UMA GAROTA QUE
PRECISA DE PROTEÇÃO E QUER TER
ALGUMA LIBERDADE, de modo que as crianças
de ontem e de hoje amam o protagonista.
38
Obviamente, se instalou nos povoados como uma
forma de lenda e até se fala em outras versões
semelhantes do Oriente antes de seu primeiro escritor,
Charles Perrault, francês, decidir escrevê-la e torná-la
imortal.
O conteúdo deste clássico - tanto a versão original de
Perrault quanto a versão posterior feita pelos irmãos
Grimm da Alemanha - foi profundamente estudada,
pela literatura e principalmente pela psicologia,
psicanálise e pedagogia.

CHARLES PERRAULT, PAI PRESENTE


Se tomarmos como referência que a lenda nasce nos
anos 1600 aproximadamente, devemos dizer que não
era uma história para crianças, uma vez que não eram
consideradas como tais.
Por outro lado, é correto sugerir que é uma lenda dos
povoados, não consigo imaginar que a história real
nunca abrigue um menino ou uma menina comidos
por lobos famintos. A lenda popular geralmente se
alimenta de um fato e, então, a fantasia e a tendência
de contá-la moldam a história.
Perrault, que era muito purista quando escreveu o
texto, teve que escrever essa história em um momento
particular de sua vida. Ele havia proposto reunir em um
livro lendas do interior da França e tinha ficado viúvo
com filhas pequenas.
Criar sozinho suas filhas e gostar de literatura também
deve ter sido um grande desafio. Muitas de suas
histórias têm tendência a brincar com as palavras, ele
propõe entreter as crianças, provavelmente as suas.
Mas também lembremos que, na época, a moral e a
religião predominantes faziam uso de "bons costumes",
a moral da história, caso um leitor ingênuo não
entendesse a mensagem metafórica dela.
Na versão original, Perrault nos diz que a garota se
despe para ir para a cama com o lobo e a moral final -
que é explícita para as meninas que são jovens e bonitas
- adverte que os lobos sempre chegam a seus quartos.
39 O aviso, envolto em uma grande metáfora, é óbvio.
OS LOBOS
SEMPRE
CHEGAM
A SEUS
QUARTOS.
Na primeira ilustração de Charles Doré, podemos ver
uma Chapeuzinho Vermelho adolescente, assustada,
mas com uma inclinação sexy, deitada com o lobo.
“Tu és meu personagem favorito, desobediente,
sonhadora, romântica e ousada, deitada com uma fera
e com um rosto inocente enquanto o lobo baba com
um amor agonizante entre os dentes (eu nunca quis
perguntar onde tua mão estava colocada debaixo dos
cobertores...) "
Se você não conhece essa versão, é porque seu
pai mente para você, ele nunca contou a história
verdadeira.
A história de uma menina, que vai virando mulher, que
se afasta dos conselhos de sua mãe, porque para se
tornar uma mulher, ela precisa desobedecer e vai para
a cama com um estranho, que deu o endereço da avó,
em um jogo e que, no final, morrerá devorada pelo
instinto sexual.

A VERSÃO DOS GRIMM


Então, como eu disse, na Alemanha a censuraram,
pois consideraram errado esse ato e os irmãos Grimm
a salvaram (?) a menina e sua avó e mataram o lobo
de uma maneira muito cruel: abrindo a sua barriga
e colocando pedras. Já havia uma tradição literária
de salvar crianças de ogros fazendo uma espécie de
cirurgia.
Para Erich Fromm, é a história de três gerações de
mulheres que derrotam um homem. Para Bruno
Bettelheim, em "Psicanálise dos Contos de Fadas", a
garota se desvia do caminho da virtude, para Carl Jung,
é um jogo sexual que libera tensão no ato carnal do
canibalismo.

CESARIANA COMO PUNIÇÃO PELO TRAVESTISMO


Mas o professor Daniel Nahún, do Uruguai, tem uma
interpretação mais profunda: é uma punição por seu
travestismo. Porque o lobo, lembremos, se veste como
avó, mulher e, portanto, seu castigo é a morte por uma
cesariana de pedras que o fará se afogar. É este o fim
41 que meninos e meninas mais gostam?
Não sei, acho que por muitas gerações as versões
narradas não eram exatas. As meninas não sabem que
a precoce Chapeuzinho Vermelho se despiu antes de
ir para a cama; os meninos não sabem que devorar, na
literatura, significa lidar com sexo.
A sociedade patriarcal prefere matar tudo aquilo que
teme, em vez de aceitar que a morte de uma menina
pode significar sua primeira experiência sexual. É um
tabu que, ainda hoje, 400 anos depois de se dar a
conhecer, a menina não pode revelar.
OS PORQUÊS
"Eu defendo tua história, porque as meninas precisam
aprender a desobedecer e - se um dia elas dormem
com um lobo, com ou sem disfarce - a se entregar a
esse final voraz!"
Há neste conto uma questão que não é discutível,
embora uma criança ouça a história de uma garota
devorada por um lobo, as conotações sexuais da
história são óbvias para qualquer leitor ávido e adulto.
Mas a dos Grimm não é a versão original. Insisto
em que as crianças têm o direito de ouvir todas as
versões e escolher depois de conhecê-las. E ouso
apresentar esta história para discussão entre púberes e
adolescentes:
+ Por que o lobo foi punido dessa maneira pelos
irmãos Grimm?
+ Foi porque ele se vestiu de mulher?
+ O lobo, para enganar, adota vestidos femininos e isso
merece a morte?
+ É intencional que os Grimm modifiquem o final
francês para uma final alemã mais “feliz”?
+ Eles fizeram isso para deixar os leitores felizes ou
pretendiam matar outro transgressor?
+ De acordo com os Grimm, um homem vestido de
mulher merece mais punição do que uma jovem
transgressora?
Nessa versão, eles “salvam” a garota, mas matam o
travesti... Continuam matando a transgressão.

42
“Eu defendo
tua história,
porque as
meninas
precisam
aprender a
desobedecer
e - se um dia
elas dormem
com um lobo,
com ou sem
disfarce - a
se entregar
a esse final
voraz!”
María Luisa
de Francesco
LITERATURA VERSUS PSICOLOGIA
São todas perguntas. Não darei minhas respostas,
porque o importante é criar um debate interno, você
lendo, procurando informações ou compartilhando
com os jovens e eu provocando questões.
E, resumindo, digo apenas que a história de Charles
Perrault, o original, está excelentemente escrita. Ela
cumpre tudo o que pode ser solicitado a uma história,
é curta, substancial e adequada a qualquer idade.
O resto: análises e suposições da psicologia e da
psicanálise, eles validam a história ou não? Não!
A literatura é arte e, portanto, tem milhares de
interpretações, mas quem lê ou ouve a história ama o
conteúdo artístico nela. Artisticamente, é sem dúvida
uma obra clássica que continua a ser ouvida, lida,
editada e modificada, portanto, seu valor.

Obrigada por me deixar falar sobre


uma de minhas heroínas favoritas,
a jovem que ousou transgredir as
regras, apesar do perigo iminente
que a perseguia: ela não é uma
princesa, ela se desvia dos conselhos
maternos para experimentar seu
próprio caminho, prefere dormir com
uma besta antes que casar com um
príncipe e continua popular. Não
acredito em sua morte, mas em seu
renascimento.
MARÍA LUISA DE FRANCESCO
EXPERT EM LITERATURA INFANTIL E JUVENIL
ANIMACIÓN DE LECTURA
ESCRITORA

44
MULHERES
CUIDADORAS
JÉSSICA LORENA
Por
MUÑOZ PIZARRO
Docente Investigadora
de la Universidade de
Santiago de Chile
Especialista en
Filosofia, Economia
y Desenvolvimento.

45
Pouco tempo depois de caminhar pelas ruas
movimentadas do Chile, no domingo, 8 de março
deste ano, nas marchas pela igualdade, justiça e
libertação das mulheres, em nível planetário, estamos
enfrentando uma epidemia que afeta vários países.
A maioria optou por decretar quarentenas para impedir
a propagação do vírus COVID-19 pelos territórios,
deixando milhares de pessoas mortas. Mesmo
assim, seu progresso não pode ser completamente
interrompido e a questão que se coloca é o que
acontece com as mulheres afetadas direta e
indiretamente pelas Políticas de Assistência.
AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL E
ECONÔMICA DAS SOCIEDADES OCIDENTAIS
ESTABELECEM UM MODO DE PRODUÇÃO E
UMA SOCIALIZAÇÃO DAS PESSOAS ATRAVÉS DE
UMA DIVISÃO DO TRABALHO, QUE ORIENTA AS
MULHERES NO CUIDADO E ATENÇÃO AOS OUTROS
E OS HOMENS NA PRODUÇÃO DE MERCADORIAS.
Assim, atualmente a pandemia do Corona Vírus
levanta a questão da divisão dos cuidados domésticos.
Os dados indicam que grande parte desse trabalho
é realizada por mulheres, sem remuneração e elas
também são outra grande parte do trabalho de
assistência social pago. Especialmente no contexto
de surtos de doenças virais, tão graves quanto o
COVID-19, um grupo de cientistas britânicos aponta
que a participação de mulheres nos governos é
necessária para fazer parte dos protocolos.
46
Desse modo, leva-se em consideração que as mulheres
são as mais afetadas nesses processos de infecção
viral, porque são elas que cuidam da maior parte dos
infectados, portanto seu grau de exposição é maior.
Esta situação de catástrofe e quarentena que estamos
decretando para a maioria dos países com a epidemia,
contempla que os estabelecimentos de ensino para
evitar uma crescente propagação de vírus. Isso significa
que a maioria deles realiza tarefas de cuidado em um
contexto de alto estresse, além de tudo ou que envolve
procedimentos de medidas extremas de higiene, de
acordo com as recomendações da OMS (Organização
Mundial de Saúde).
Isso implica uma maior carga de trabalho e exposição
ao vírus para as mulheres, que se tornam cuidadoras
em tempo integral na tarefa de atendimento domiciliar
ou no trabalho em saúde, quando são enfermeiras,
responsáveis por cuidar de pacientes em condições
graves.
Segundo dados da organização Yo Cuido, no Chile,
98% das pessoas que cuidam de pessoas acamadas,
deficientes ou dependentes são mulheres. Muitos
desses pacientes críticos, que estão sob os cuidados de
seus familiares, têm sérias dificuldades de deglutição,
o que os leva a sofrer pneumonia devido à micro-
aspiração, ou seja, uma infecção no pulmão devido
à aspiração de alimentos.
Devido à natureza arriscada e perigosa desse tipo de
atividade, a Associação buscou reconhecer que ser
cuidador é um trabalho permanente muito exigente,
não reconhecido pelo Estado. Somente em junho
de 2019, com sua luta incansável, eles conseguiram
aprovar a Lei 20.422 para reconhecer o papel e os
47 direitos dos cuidadores.
Da mesma forma, com o objetivo de tornar visível o
trabalho dos cuidadores, eles realizaram uma pesquisa
para determinar a situação de emprego e o bem-estar
emocional das pessoas que deveriam dedicar seu
tempo a cuidar de um membro da família em situação
de dependência. 98% das pessoas que realizam esse
trabalho são mulheres, deixando evidente que elas são
realmente as que cuidam de pessoas que precisam de
cuidados de saúde.
Além disso, 68% das pessoas pesquisadas têm a
“SÍNDROME DO CUIDADOR” em um nível intenso,
ou seja, uma sobrecarga muito forte. Isso revela um
prejuízo da saúde física e mental das mulheres que
realizam essas tarefas cansativas.
No contexto da COVID-19, esse requisito é muito
maior, uma vez que a demanda já feita no atendimento
agora acrescenta os riscos que essas pessoas envolvem
em serem expostas a infecções ou infectar cuidadores.
Essa epidemia agrava a tensão, a severidade máxima
dos cuidados para não se expor à infecção, definindo
um cenário difícil e premente para todas as pessoas
que serão expostas à propagação do vírus.
ESTA REALIDADE NOS LEVA A REFLETIR COMO
SOCIEDADE EM CONTEXTOS DE PROTESTOS
SOCIAIS, QUE A PANDEMIA TRAZ NOVAMENTE O
QUESTIONAMENTO DE NOSSAS ESTRUTURAS DE
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO. Os Estados têm
uma tarefa relevante no reconhecimento dessas tarefas
com reciprocidade e equidade. A mulher é a mais
prejudicada por não ser considerada uma trabalhadora,
e isso é uma tarefa árdua, dolorosa e injusta.

48
PRESTIGIE A
LITERATURA MINEIRA
O DIA QUE... MEU PAI
SAIU DE CASA
Ana Laura Côrtes
Na história, uma menina doce e sensível
recebe a notícia da separação dos pais.
Sem entender muito bem, ela fica triste e
chora. Mas os dias vão passando e as coisas
chegam ao lugar, até que a menina se sente
aliviada. Ilustrações de Cristiane Freitas.

APARECIDA RAINHA
Leonardo Costaneto
Nas palavras de Tonico Mercador, “os
acontecimentos narrados em Aparecida
Rainha não são episódios de um memorialista.
Prefiro chamá-los de ‘lembranças ficcionais’,
em que o autor, indo atrás de um tempo para
que este não se perca, desfila seus variados
personagens – negros escravizados, gente do
interior, familiares e as jovens por quem se
apaixona. Nenhuma fala ou diálogo descamba
para o maneirismo fácil do vocabulário oral.
Assim o autor pavimenta sua estrada de
escritor sério e criativo”.

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