Você está na página 1de 6

.

------------------ -------

Ensaio Charpy

NO CENTENÁRIO DO ENSAIO CHARPY

Sousa e Brito, A. A.
Sociedade Portuguesa de Materiais
1ST- Departamento de Engenharia Mecânica

Resumo: O ensaio Charpy foi estabelecido há precisamente cem anos pelo cientista francês cujo no n
perpetuou. Apesar de algumas limitações este ensaio tem prestado relevantes serviços à investigação e à m US ri
Neste artigo, depois de um breve historial da sua evolução, apresenta-se uma revisão dos principais conceit
refereIltes ao ensaio Charpy e suas condições de aplicabilidade.

I .Súmula Histórica

Comemora-se este ano o centenário da criação do Ensaio largamente usado para determinar o comportamento à fractura
Charpy. Efectivamente em Junho de 1901 o cientista francês dos materiais estruturais.
Georges Charpy publicou o seu trabalho intitulado "Testing of
Metais by lmpact Bending of Notched Bars" na revista A introdução da soldadura como principal técnica de fabrico de
"Mémoires de la Société des lngénieurs Civils de France", componentes em aço, nomeadamente na construção naval, em
apresentando-o também, nesse mesmo ano, no Congresso da finais da primeira metade do séc. XX, fez com que a fractura
Associação Internacional de Ensaios de Materiais realizado em frágil se tornasse um fenómeno particularmente importante pela
Budapeste. possibilidade de trajectórias contínuas para a propagação de
fissuras, contrariamente ao verificado em peças rebitadas, nas
Nesse trabalho Charpy cita, no entanto, urna nota enviada em quais as fracturas frágeis podem em geral ser detidas nessas
1897 à American Society of Civil Engineers por Russel que foi junções, que se designam por travadores de fenda (crack
na realidade quem primeiro introduziu a técnica de pêndulo para arresters).
medição de energia absorvida.
Com o advento da Mecânica da Fractura, a partir da década de
Contudo o ensaio tem o nome do cientista francês devido cinquenta do mesmo século, foram criados parârnetros
fundamentalmente ao facto de Georges Charpy ter desenvolvido específicos e precisos para a definição da tenacidade dos
sistemática investigação sobre o comportamento dos materiais materiais e do seu comportamento perante cargas dinâmicas.
.. metálicos sujeitos a cargas dinâmicas, usando o ensaio de Contudo ainda hoje o ensaio Charpy é extensivamente utilizado
impacto por pêndulo, e ter tratado com extremo rigor a questão segundo as standardizações estabeleci das pela ASTM e
r do provete entalhado. instituições congéneres.

Georges Charpy (fig. 1) nasceu em Oullins, Rhône, em 1865 e Entre outras características do método destacam-se a
faleceu em Paris em 1945. Distinguiu-se em trabalhos de química simplicidade e os baixos custos da execução do provete, da
industrial e de metalurgia. A Academia de Ciências francesa condução de ensaio e do próprio equipamento.
consagrou os seus trabalhos no campo dos ensaios de impacto
em 1918.

Desde as últimas décadas do séc. XIX já haviam sido


documentados casos de fractura do tipo frágil em diversos tipos
de estruturas, sem que, no entanto, se conhecessem as reais
condições em que se produziam. Charpy desenvolveu o ensaio
no sentido de obter conhecimento do comportamento dos
materiais metálicos sujeitos a de cargas dinâmicas, explorando
o efeito de entalhes previamente abertos nos provetes.

A primeira norma para a execução deste ensaio foi publicada


em 1933 pela ASTM (American Society for Testing and
Materiais), sendo sujeita a partir daí a di versas revisões e
alterações.

o Ensaio de Impacto Charpy com Provete Entalhado


(designado na literatura anglo-saxónica por Charpy V-notch
Impact Test ou CVN lmpact Test) tornou-se então o mais Fig. 1 Georges Charpy

57
Ensaio Charpy

11. Temperatura de transição 111 . Tenacidade ao entalhe

o ensaio Charpy adquiriu grande relevância durante a II Grande Três factores básicos permitem a ocorrência da fractura frágil,
Guerra quando surgiram as fracturas sistemáticas nos navios por inibição de deformação plástica: i) estado triaxial de tensão,
das classes "Liberty" e "T-2"., de construção soldada. Estes ii) baixa temperatura e iii) alta velocidade de aplicação da
navios foram construídos nos E.V., em grande número,
expressamente para o transporte de equipamento e combustível
destinados à ajuda militar às potências aliadas na Europa. Após
a entrada em serviço, cerca de 250 apresentaram fracturas de
1
carga. Note-se, no entanto, que não é necessária a presença
simultânea desses factores para a ocorrência de fractura frágil.

O conceito de tenacidade ao entalhe é definido como a


dimensão assinalável e 19 partiram-se completamente em dois. capacidade do material absorver energia, usualmente quando
A maioria dos casos ocorreu nos meses de inverno, mas grande carregado dinamicamente, em presença de uma fissura pré-
parte das vezes em mar relativamente calmo. existente. É a presença da fissura ou outra forma de concentração
de tensão que torna o material susceptível de fractura frágil sob
Esses factos levaram a supor que aços normalmente dúcteis, certas condições. O entalhe pode ser inerente ao projecto ou
como os utilizados na construção naval, poderiam tornar-se devido a causas acidentais como sejam heterogeneidades do
frágeis sob certas condições, nomeadamente baixa temperatura. material, defeitos resultantes dos processos de fabrico,
Verificou-se que as fracturas tinham tido inicio em entalhes nomeadamente em soldaduras. Nos aços a tenacidade ao entalhe
existentes em placas soldadas dos "decks", Chapas de aço é influenciada pela composição química (teor de carbono,
removidas dos navios danificados foram analisadas, sob os elementos de liga, impurezas), e por propriedades físicas,
auspícios do National Bureau of Standards e do Naval Research mecânicas e microestruturais (dureza, tipo de microestrutura,
Laboratory, em Washington, tendo-se constatado que tinham a tamanho de grão, tratamentos efectuados, direcção de
composição e a resistência estática na altura requeridas, mas laminagem, condições superficiais).
apresentavam alta sensibilidade ao entalhe à temperatura a que
os navios operavam. Os resultados de ensaios Charpy, em A partir do ensaio Charpy a tenacidade ao entalhe pode ser

I
provetes com entalhe em V, permitiram obter correlações que medida em termos de 1) energia absorvida; 2) aparência da
demonstraram que as fracturas não ocorriam a temperaturas superficie de fractura e percentagem de fractura por clivagem,
superiores a uma determinada, a que correspondia, no caso do ou finalmente, 3) expansão lateral, equivalente à contracção
aço estudado, uma energia absorvida 15 ft.lb (ou sejam 20 J). no entalhe, traduzindo a ductilidade. -

Como resultado dessas constatações foi estabelecido o requisito 1. A variação da energia de impacto com a temperatura pode
de temperatura de transição dúctil-frágil, constituindo o por sua vez apresentar- se com maior ou menor relevância
primeiro critério de susceptibilidade à ocorrência de fractura dependendo dos materiais (fig. 2):
frágil. Essa transição não é no entanto abrupta ou pontual mas
processa-se mais ou menos sigmoidalmente num certo 1.1 - Os metais e ligas de baixa ou moderada resistência, de
intervalo, variável com o material, no qual a energia absorvida estrutura cúbica de corpo centrado, como os aços carbono e
.' diminui à medida que a temperatura baixa, tornando-se portanto os de baixa liga, o tungsténio, o molibdénio, o crómio, e muitos
necessário definir o significado dos sucessivos valores tomados materiais de estrutura hexagonal compacta, como as ligas de
pela curva energia-temperatura nessa zona de transição" berílio e de zinco, e igualmente os materiais cerâmicos
(Adiante serão descritas as diferentes formas que essa curva apresentam curvas com dois patamares distintos de energia, com
poderá tomar de acordo com três comportamentos básicos.). uma transição dúctil-frágil acentuada, revelando nitidamente a
variação do modo de fractura, ou seja dos mecanismos
A temperatura de transição dúcti-frágill determina a microestruturais actuantes. Para as temperaturas superiores às
temperatura a que um determinado material altera o seu da zona de transição, a fractura é dúctil (associada portanto a
comportamento de dúctil, a temperaturas superiores a essa, para coalescência de microcavidades), apresentando pronunciado
frágil, a temperaturas inferiores. O ensaio de choque em provete grau de deformação plástica. Para o lado de menores
entalhado tem, consequentemente, maior significado quando temperaturas a fractura é, pelo contrário, frágil, basicamente
.realizado na zona de temperaturas em que se verifica a transição por clivagem.o Nos metais a zona de transição ocorre entre 0,1
da rotura dúctil para a rotura frágil. Fixa-se então um valor e 0,2 da temperatura absoluta de fusão (-130 a 1200 C nos aços
abaixo do qual se admite que o material possa comportar-se ferriticos), e nos cerâmicos ocorre a cerca de 0,5 a 0,7 da referida
como frágil, evitando-se a sua utilização nessas condições. Este temperatura.
critério é ainda hoje largamente utilizado como energia de
impacto à temperatura mínima de serviço para vários tipos de 1.2 - Os materiais metálicos de baixa ou média resistência, de
estruturas, não obstante os materiais, as condições de serviço, estrutura cristalográfica cúbica de faces centradas e alguns de
as redundâncias de projecto, etc. poderem ser consideravelmente
diferentes das verificadas nas situações para que foi estabelecido.
o Confunde-se frequentemente os conceitos de fractura frágil e
de clivag em devido ao facto de estarem frequentemente
* Abstem-se aqui de transcrever as denominações, localizações intimamente relacionados sobretudo nos aços ferriticos .i.
e significados das várias temperaturas críticas definidas na fractura frágil é U/n modo de ocorrência e a clivagem é um
zona de transição, mas o leitor interessado poderá encontrar, mecanisrno que pode ser ou não responsável por aquele tipo de
por exemplo, em Marfins, C. S. citado na bibliografia. fractura.

58
Ensaio Charpy

estrutura hexagonal compacta, oomB-as.-ligas-à~


titânio, cobre.e.níquel, e mesmo aços de alta resistência, como 1
o aço inoxidável*, possuem elevada energia de impacto Energia
relativamente insensitiva à variação de temperatura não 2
Absorvida
aprespntando portanto fractura por c1ivagem. Por isso o ensaio
de impacto é pouco usado nesses materiais. A fragilidade poderá
nó entanto advir por efeitos ambientais (fragilização por
hidrogénio ou corrosão sob tensão).
3
13 - Nos materiais de alta resistência a energia de impacto é
sempre baixa, pelo que a fractura frágil pode ocorrer a tensões
L-.------
nominais no domínio elástico, a quaisquer temperaturas e
velocidades de deformação em presença de fissuras. Estão nesta Temperatura
categoria os aços de alta resistência, como aços maraging e
aços do tipo AISI 4340 temperados e revenidos, e certas ligas Fig. 2 - Energia absorvida em função da temperatura para os
de alumínio e titânio. três tipos de comportamento

2. A inspecção visual da superfície fracturada, ou seja a


aparência de fractura, conduz também a úteis determinações.
A superfície poderá apresentar-se fibrosa, indiciando rotura
dúctil, por corte, ou granular e brilhãi1tefevelando uma rotura
frágil, por clivagem. Naturalmente, nos materiais que JS.rea
ãpreSentam uma mudança do modo de fractura com a
de
temperatura, a presença de superfície parcialmente formada
CHvagem
pelos dois tipos de aparência indica que o ensaio foi realizado
precisamente à temperatura dentro da gama em ue se rocessa
essa transição. porção da superfície correspondente à
c1ivagem, apresenta-se no centro, sendo a fibrosa periférica -
lábios de corte. A percentagem de superfície de c1ivagem Fig. 3 - Aparência de superfície de fractura e percentagem de
estabelece um valor numérico a essa determinação (fig, 3): c1ivagem

3. A terceira fonte de informação obtida no ensaio relaciona-se 1--1Omm-t ;

com o grau de expansão lateral na base de fractura oposta ao ; Entalhe


entalhe (fig. 4). Como os anteriores/este critério pode ser
Contracção
expresso graficamente em função da temperatura, para obtenção Lateral
duma curva de transição frágil-dúctil. Expansão
Lateral
A norma ASTM E-23, entre outras, estabelece o modo de
aplicação dos três critérios citados. É de notar no entanto que,
para um mesmo material, as temperaturas de transição
determinadas a partir de cada um desses critérios não se
apresentam necessariamente coincidentes.
)E.I!l~",-Entalhe
IV. Aplicações do ensaio Charpy

A norma ASTM A 370 frisa de forma categórica, quanto ao


significado do ensaio de impacto, que é um ensaio dinâmico
no qual um provete maquinado e normalmente entalhado atinge Fig. 4 - Expansão lateral e correspondente contracção na zona
a rotura quando submetido a um única pancada, numa máquina de fractura.
especialmente concebida para o efeito, sendo registado o valor
da energia necessária para o fracturar. Aos valores dessa energia
atribui-se um carácter comparativo de selecção de materiais, sendo por isso muito difícil, senão impossível, o seu tratamento
para utilização em termos de calculo estrutural. A sensibilidade
ao entalhe obtida em determinado ensaio diz respeito apenas a
esse provete, suas dimensões, geometria do entalhe e outras
* Recorde-se que o ferro tem estrutura c.c.c. a temperaturas
condições envolVIdas, nao podendo portanto ser extrapolada.
abaixo de 700 C e estrutura c.f.c. (austenitica) a temperaturas
0

acima dessa. À parcial fragilidade apresentada no primeiro


caso, contrapõe-se a ductilidade dafase austenitica: Deste modo
o ensaio Charpy usa um provete prismático de secção lOxlO
mm e comprimento de 55 mm com um entalhe em V de 4SOde
as adições de crámio e níquel, retendo esta fase a baixas
2mm de profundidade e 0,25 mm de raio na raiz. A solicitação
temperaturas, levam o aço inoxidável ao comportamento
é de f1exão em três pontos pois o provete é simplesmente apoiado
correspondente a este grupo.

59
Ensaio Charpy

contra os montantes da máquina e actuado por um pêndulo que importância no controle de qualidade de produtos e mesmo
no momento de impacto leva uma velocidade muito elevada como ferramenta da Mecânica da Fractura não obstante novos
(cerca de 5 m.s-L). O provete é assim obrigado a flectir, e parâmetros por esta criado para o estudo do comportamento à
eventualmente a fracturar, a uma velocidade de deformação de fractura dos materiais. Tem-se demonstrado ainda de grande
cerca 1000 s -1. utilidade na construção soldada em aço (construção naval,
pontes, condutas petrolíferas, reservatórios de pressão, etc.),
O entalhe no provete induz um estado triaxial de tensão em alto sujeitas ao risco de fractura frágil. Nas relações comerciais entre
grau, que associado à elevada velocidade de Impacto torna o fornecedor e receptor de materiais pode-se por exemplo
ei1sãio um severo meio de verificação da tenacidade do material. estabelecer no caderno de encargos u~ valor de energia míniI11f
Adicionalmente, a possibilidade de realização de ensaios a absorvida a üina temperatura de ensaio especificada.
sucessivas temperaturas permite a determinação da variação
da tenacidade com a temperatura, e conseguentemente a v . Ensaios afins
determinação da temperatura de transição.
Um dos inconvenientes do ensaio Charpy deriva da ocorrência
No entanto; a energia consumida, cujo valor é obtido de dispersão nos resultados especialmente na região mais critica
directamente do ensaio (em [L.F] -mm. kgf., por exemplo), que é a da temperatura de transição. Essa dispersão é devida a
compreende não só a respeitante à nucleação e propagação da di versos factores, tanto inerentes ao próprio material
fissura, mas naturalmente, e sobretudo em materiais dúcteis, (heterogeneidades locais), como à preparação do provete
também a energia correspondente à deformação plástica do (dificuldade de reprodutibilidade da forma e profundidade do
provete antes da iniciação dessa fractura. Como a primeira entalhe), como ainda à condução do ensaio (adequado
parcela poderá então ser somente uma certa percentagem do posicionamento do provete na máquina).
total, o ensaio pode não conduzir a uma determinação
inequívoca da tenacidade do material. Contudo a sua maior e intrínseca limitação consiste, como se
viu, no facto da diminuta secção do provete ~ não traduzir as
O ensaio Charpy permite, no entanto, determinar diferenças condições reais encontradas em componentes estruturais
entre materiais que não são observadas num ensaio de tracção. normalmente muito mais espessas. Para uma dada temperatura
Mas os valores obtidos não são directamente expressos em os resultados do ensaio Charpy apresentam altos valores de
termos dos requisitos de projecto, uma vez que não é possível energia, enquanto que na realidade o mesmo material com maior
medir as componentes do estado triaxial de tensão existente no secção tem valores de tenaCidade slgmhcativamente inferiores.
entalhe. Devido àsdimensões normalizadas do provete a ensaiar,
verifica-se que há um alto grau de estado plano de extensão ~
triaxialidade ao longo de quase toda a secção entalhada, do
Esse facto é devido, como se sabe, à ocorrência de estado plano
de tensão no primeiro caso e estado plano de deformação no
segundo. Por sua vez a temperatura de transição varia com a
-
que resulta o ensaio ser bastante severo. A energia de fractura espessura: uma chapa de maior espessura tem uma temperatura
medida pelo ensaio é uma energia relativa e consequentemente de transição superior à definida pelo ensaio Charpy.
não deve ser tomada directamente como um parâmetro de
projecto. As normas ASTM acentuam esse facto de modo claro, Com base no ensaio Charpy, mas procurando ultrapassar esses
como já referido. inconvenientes, outros métodos, mais ou menos similares, de
caracterização do comportamento frágil foram entretanto
O ensaio de impacto é no entanto essencial para o desenvolvidos. O ensaio Izod, o ensaio de Pellini, o ensaio de
estabelecimento da temperatura de transição dúctil-frágil. Um Robertson, etc.
critério bem definido é basear o resultado do ensaio na
temperatura a que a fractura é 100% de clivagem - temperatura § O ensaio Izod não difere basicamente do Charpy, senão pelo
de ductilidade nula. facto do provete ser encastrado verticalmente, sendo alterada
portanto a sua geometria. O impacto é produzido sobre a
As principais aplicações do ensaio Charpy são, por conseguinte, extremidade livre, do lado que contém o entalhe. O equipamento
na selecção de materiais resistentes à fractura frágil por meio de ensaio é semelhante podendo a mesma máquina ser adaptável
.da determinação das curvas de temperatura de transição e,assim, a um ou outro ensaio com a substituição de certos acessórios.
poder conhecer-se as temperaturas de serviço a que esses Mas o encastramento do provete dificulta o seu manuseamento
materiais não apresentam risco de fractura frágil. A filosofia de e posicionamento rápido para a realização de ensaios a
projecto reside então em seleccionar materiais que tem suficiente temperaturas deferentes das do ambiente. O seu uso, que foi
tenacidade ao entalhe quando sujeitos a severas condições de generalizado no Reino Unido, vem decaindo a favor do ensaio
serviço, permitindo que a capacidade de suportar esforços do Charpy. Não tendo, no entanto, quer um quer outro,
componente estrutural possa ser, por outro lado, calculada pel~s possibilidade de testar provetes de grandes dimensões, novos
métodos usuais da mecânica dos materiais sem recorrer aos ensaios foram sendo criados.
efeitos devidos à presença de fissuras e concentração de tensão.
\
§ O ensaio Pellini foi criado nos E.U. por W. S. Pellini e seus
Considerando a selecção entre dois materiais, com diferentes colaboradores, já na 2" metade do século passado, no Naval
energias de deformação a uma dada temperatura e diferentes Research Laboratory, com a principal finalidade de ensaiar
temperaturas de transição, em regra a escolha deve recair sobre provetes com espessuras superiores a 25mm. Pellini deparou-
~ aquele que tiver temperatura de transição mais baixa. se com a impossibilidade de produzir fractura, em pequenos
A utilização do ensaio Charpy vem sendo também de extrema provetes, a tensões inferiores à de cedência. O ensaio destina-

60
Ensaio Charpy

se essencialmente à determinação da temperatura de ductilidade O comportamento visco-elástico de polímeros é frequentemente


nula (nil ductility temperature, NDT, na literatura anglo- estudado através de ensaios dinâmicos.
saxónica) dos aços ferritícos, recorrendo ao efeito da queda
livre de uma massa, a partir de determinada altura sobre o provete VI . Correlações entre os resultados do ensaio Charpy e os
cuja deformação é constrangida, de modo a que a tensão seja valores dos parâmetros da Mecânica da Fractura.
inferior à de cedência do material. Este possui um entalhe aberto
num cordão de soldadura. As condições de ensaio (equipamento, O custo do ensaios específicos da mecânica da fractura (a
provete, cordão de soldadura, etc.), encontram-se especificadas maquinagem do provete, a abertura da pré-fissura de fadiga, os
pela Norma ASTM E-208. A temperatura de ductilidade nula é requisitos dimensionais dos provetes necessários para assegurar
determinada conduzindo o ensaio a várias temperaturas, uma válida obtenção de valores, e o tempo de ensaio, para
intervaladas de 5 graus centígrados. Para cada temperatura são além dos custos do próprio equipamento), tornam os mesmos
ensaiados dois provetes. A temperatura à qual pelo menos um impraticáveis como técnica corrente de controlo de qualidade.
dos provetes se rompe, tal não acontecendo à temperatura Pelo contrário, o ensaio Charpy é, como atrás já se frisou, muito
imediatamente superior, é então definida como a temperatura simples e económico.
de ductilidade nula.
Consequentemente seria de extrema importância a correlação
§ O ensaio de rasgão dinâmico é uma espécie de ensaio entre os valores que se obteriam num e noutro caso. Assim ) tem
Charpy gigante visto que o provete atinge o comprimento de sido procurado o estabelecimento de relações básicas entre esses
450 mm com uma secção de 120x16 mm2 (O último valor, parâmetros. Essas relações, naturalmente sempre empíricas, são
correspondente à espessura, poderá mesmo ser superior intrinsecamente difíceis dada a própria natureza e características
atingindo a do componente em estudo). O provete é previamente dos ensaios, e dos p~râmetros neles obtidos. Nos casos
sujeito a um cordão de soldadura metalurgicamente fragilizado. estudados as relações encontradas restringiram-se a situações
pontuais, variando com o material, condições de ensaio, etc.
§ O ensaio de flexão lenta consiste em f1ectir uma placa
simplesmente apoiada aplicando a carga na secção central, e Para uma completa descrição dessas correlações e respectiva
obtendo-se a energia de deformação através da área da curva discussão remete-se o leitor para Barson e Rolfe (capitulos 5,
carga-flecha. Realiza-se o ensaio a várias temperaturas, 15 e 17)ou Hertzberg (cap. 9.4), citados na bibliografia, e outras
considerando-se a deformação plástica junto ao entalhe, a flecha referências por sua vez neles indicadas.
na carga máxima e o aspecto &.. fractura como critérios de
determinação do comportamento frágil. VII . Ensaio Charpy instrumentado

§ O ensaio de Robertson ou de paragem de fenda, é um O facto da solicitação de choque manifestar-se sob a forma de
ensaio complicado e caro que tem como finalidade estabelecer uma excitação impulsional variável no tempo segundo uma lei
a relação entre o nível de tensão e a capacidade do material envolvendo uma força e consequentemente parâmetros a ela
travar uma fenda que se propaga. rapidamente. É efectuado associados, como sejam o deslocamento do ponto de impacto,
sobre uma placa com determinado gradiente de temperatura e a sua velocidade inicial e o tempo de duração, impôs a
submetida a uma tensão transversal, determinando-se a necessidade de se desenvolverem técnicas capazes de colher e
temperatura a que a fenda, em progressão ao longo desse tratar esses dados.
gradiente, sofre o travamento. O gradiente de temperatura é
produzido introduzindo azoto líquido num orifício aberto numa A instrumentação do ensaio Charpy veio proporcionar essa
das extremidades da chapa e aquecendo a outra extremidade. informação adicional tornando possível a obtenção directa ou
A carga de impacto é aplicada na extremidade refrigerada, e a analiticamente (através de sensores apropriados), de dados
fenda propaga-se a partir dum entalhe previamente aberto no acerca das relações força-tempo durante o breve período de
orifício refrigerado. Regista-se a posição de paragem da fenda actuação do pêndulo sobre o provete. Uma curva típica é a
e a temperatura correspondente. Essa temperatura é geralmente apresentada na figura 5, que permite a obtenção dos valores
inferior à temperatura de transição determinada e,m outros dos seguintes parâmetros :Pgy - carga de cedência, que provoca
ensaios. Verifica-se também que a tensão correspondente toma o escoamento plástico generalizado no provete, Pmax - carga
valores inferiores à de cedência do material. maxima, PF - carga de fractura, bem como tempo
correspondente ao processo de fractura frágil. Também é
Apesar das vantagens específicas que cada um desses ensaios possível determinar as energias Ei - de iniciação e Ep - de
introduz, o certo é que o ensaio Charpy mantém a sua propagação dafractura, no caso de se conhecer a velocidade.
actualidade, graças sobretudo às suas características de do pêndulo, supondo-a constante, o que não é na realidade uma
~simplicidade e economia atrás destacadas. assunção válida, mas que pode ser corrigida.

Os ensaios de impacto estendem-se também aos materiais não Presentemente há a tendência de se usar no ensaio instrumentado
metálicos nomeadamente materiais poliméricos e compósitos. o provete standardizado com uma fenda prévia introduzida por
Nos polímeros a sua utilização reside essencialmente na fadiga, obtendo-se como resultado um parâmetro que se
determinação da transição dúctil-frágil o que em princípio designou por tenacidade fractura dinâmica. .
à

depende das condições de actuação da carga (velocidade de


deformação, temperatura) da geometria do provete e do entalhe, Embora apresente ainda algumas limitações, o ensaio
e das eventuais alterações operadas no material. instrumentado oferece sobre o tradicional incontestáveis

61
Ensaio Charpy

vantagens nomeadamente na mais eficaz comparação de Bibliografia


propriedades de materiais e consequentemente no
desenvolvimento e na avaliação de novos materiais, no § Hertzberg, R. W. , Deformation and Fracture Mechanics
estabelecimento de especificações de controle de qualidade no ofEngineering Materials, John Wiley, 3" ed. , USA.. 1989.
fabrico e na recepção de materiais. Este campo está naturalmente § Barson,1. M. and Rolfe, S. T., Fracture & Fatigue Control
em constante desenvolvimento. in Structures, Applications of Fracture Mechanics, Prentice
Hall, 2" ed., USA, 1976.
§ Dowling, N. E., Mechanical Behavior of Materiais,
Carga Má.im.
1'•••• Printice-Hall, USA, 1993.
§ Dieter, G. E., Mechanical Metallurgy, Mc Graw-Hill
p 1988.London.
§ ASM, Metals Handbook, vol. 8. Metals Park, Ohio, 1985.
§ ASTM, Annual Book of Standards, VoI. 03-01 - US 1998
(Normas A 370-92, E 23-92, E-208-91, E 436-91, E 604-
88, E 616-89, E 1236-91 e E 1271-88) .
§ Martins, C. S. , Ensaios Mecânicos, Ed. AEIST. Lisboa,
1994.
§ Sousa e Brito, A. A., A Mecânica da Fractura. Ingenium
t
n° 9 Set. 2000, Ordem dos Engenheiros, Lisboa.
§ (sobre os dados biográficos de G. Charpy consultou-se a
Fig 5. Curva esquimática carga-tempo de ensaio Charpy
Internet).
instrumantado

62

Você também pode gostar