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Ensaio Charpy
Sousa e Brito, A. A.
Sociedade Portuguesa de Materiais
1ST- Departamento de Engenharia Mecânica
Resumo: O ensaio Charpy foi estabelecido há precisamente cem anos pelo cientista francês cujo no n
perpetuou. Apesar de algumas limitações este ensaio tem prestado relevantes serviços à investigação e à m US ri
Neste artigo, depois de um breve historial da sua evolução, apresenta-se uma revisão dos principais conceit
refereIltes ao ensaio Charpy e suas condições de aplicabilidade.
I .Súmula Histórica
Comemora-se este ano o centenário da criação do Ensaio largamente usado para determinar o comportamento à fractura
Charpy. Efectivamente em Junho de 1901 o cientista francês dos materiais estruturais.
Georges Charpy publicou o seu trabalho intitulado "Testing of
Metais by lmpact Bending of Notched Bars" na revista A introdução da soldadura como principal técnica de fabrico de
"Mémoires de la Société des lngénieurs Civils de France", componentes em aço, nomeadamente na construção naval, em
apresentando-o também, nesse mesmo ano, no Congresso da finais da primeira metade do séc. XX, fez com que a fractura
Associação Internacional de Ensaios de Materiais realizado em frágil se tornasse um fenómeno particularmente importante pela
Budapeste. possibilidade de trajectórias contínuas para a propagação de
fissuras, contrariamente ao verificado em peças rebitadas, nas
Nesse trabalho Charpy cita, no entanto, urna nota enviada em quais as fracturas frágeis podem em geral ser detidas nessas
1897 à American Society of Civil Engineers por Russel que foi junções, que se designam por travadores de fenda (crack
na realidade quem primeiro introduziu a técnica de pêndulo para arresters).
medição de energia absorvida.
Com o advento da Mecânica da Fractura, a partir da década de
Contudo o ensaio tem o nome do cientista francês devido cinquenta do mesmo século, foram criados parârnetros
fundamentalmente ao facto de Georges Charpy ter desenvolvido específicos e precisos para a definição da tenacidade dos
sistemática investigação sobre o comportamento dos materiais materiais e do seu comportamento perante cargas dinâmicas.
.. metálicos sujeitos a cargas dinâmicas, usando o ensaio de Contudo ainda hoje o ensaio Charpy é extensivamente utilizado
impacto por pêndulo, e ter tratado com extremo rigor a questão segundo as standardizações estabeleci das pela ASTM e
r do provete entalhado. instituições congéneres.
Georges Charpy (fig. 1) nasceu em Oullins, Rhône, em 1865 e Entre outras características do método destacam-se a
faleceu em Paris em 1945. Distinguiu-se em trabalhos de química simplicidade e os baixos custos da execução do provete, da
industrial e de metalurgia. A Academia de Ciências francesa condução de ensaio e do próprio equipamento.
consagrou os seus trabalhos no campo dos ensaios de impacto
em 1918.
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o ensaio Charpy adquiriu grande relevância durante a II Grande Três factores básicos permitem a ocorrência da fractura frágil,
Guerra quando surgiram as fracturas sistemáticas nos navios por inibição de deformação plástica: i) estado triaxial de tensão,
das classes "Liberty" e "T-2"., de construção soldada. Estes ii) baixa temperatura e iii) alta velocidade de aplicação da
navios foram construídos nos E.V., em grande número,
expressamente para o transporte de equipamento e combustível
destinados à ajuda militar às potências aliadas na Europa. Após
a entrada em serviço, cerca de 250 apresentaram fracturas de
1
carga. Note-se, no entanto, que não é necessária a presença
simultânea desses factores para a ocorrência de fractura frágil.
I
provetes com entalhe em V, permitiram obter correlações que medida em termos de 1) energia absorvida; 2) aparência da
demonstraram que as fracturas não ocorriam a temperaturas superficie de fractura e percentagem de fractura por clivagem,
superiores a uma determinada, a que correspondia, no caso do ou finalmente, 3) expansão lateral, equivalente à contracção
aço estudado, uma energia absorvida 15 ft.lb (ou sejam 20 J). no entalhe, traduzindo a ductilidade. -
Como resultado dessas constatações foi estabelecido o requisito 1. A variação da energia de impacto com a temperatura pode
de temperatura de transição dúctil-frágil, constituindo o por sua vez apresentar- se com maior ou menor relevância
primeiro critério de susceptibilidade à ocorrência de fractura dependendo dos materiais (fig. 2):
frágil. Essa transição não é no entanto abrupta ou pontual mas
processa-se mais ou menos sigmoidalmente num certo 1.1 - Os metais e ligas de baixa ou moderada resistência, de
intervalo, variável com o material, no qual a energia absorvida estrutura cúbica de corpo centrado, como os aços carbono e
.' diminui à medida que a temperatura baixa, tornando-se portanto os de baixa liga, o tungsténio, o molibdénio, o crómio, e muitos
necessário definir o significado dos sucessivos valores tomados materiais de estrutura hexagonal compacta, como as ligas de
pela curva energia-temperatura nessa zona de transição" berílio e de zinco, e igualmente os materiais cerâmicos
(Adiante serão descritas as diferentes formas que essa curva apresentam curvas com dois patamares distintos de energia, com
poderá tomar de acordo com três comportamentos básicos.). uma transição dúctil-frágil acentuada, revelando nitidamente a
variação do modo de fractura, ou seja dos mecanismos
A temperatura de transição dúcti-frágill determina a microestruturais actuantes. Para as temperaturas superiores às
temperatura a que um determinado material altera o seu da zona de transição, a fractura é dúctil (associada portanto a
comportamento de dúctil, a temperaturas superiores a essa, para coalescência de microcavidades), apresentando pronunciado
frágil, a temperaturas inferiores. O ensaio de choque em provete grau de deformação plástica. Para o lado de menores
entalhado tem, consequentemente, maior significado quando temperaturas a fractura é, pelo contrário, frágil, basicamente
.realizado na zona de temperaturas em que se verifica a transição por clivagem.o Nos metais a zona de transição ocorre entre 0,1
da rotura dúctil para a rotura frágil. Fixa-se então um valor e 0,2 da temperatura absoluta de fusão (-130 a 1200 C nos aços
abaixo do qual se admite que o material possa comportar-se ferriticos), e nos cerâmicos ocorre a cerca de 0,5 a 0,7 da referida
como frágil, evitando-se a sua utilização nessas condições. Este temperatura.
critério é ainda hoje largamente utilizado como energia de
impacto à temperatura mínima de serviço para vários tipos de 1.2 - Os materiais metálicos de baixa ou média resistência, de
estruturas, não obstante os materiais, as condições de serviço, estrutura cristalográfica cúbica de faces centradas e alguns de
as redundâncias de projecto, etc. poderem ser consideravelmente
diferentes das verificadas nas situações para que foi estabelecido.
o Confunde-se frequentemente os conceitos de fractura frágil e
de clivag em devido ao facto de estarem frequentemente
* Abstem-se aqui de transcrever as denominações, localizações intimamente relacionados sobretudo nos aços ferriticos .i.
e significados das várias temperaturas críticas definidas na fractura frágil é U/n modo de ocorrência e a clivagem é um
zona de transição, mas o leitor interessado poderá encontrar, mecanisrno que pode ser ou não responsável por aquele tipo de
por exemplo, em Marfins, C. S. citado na bibliografia. fractura.
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contra os montantes da máquina e actuado por um pêndulo que importância no controle de qualidade de produtos e mesmo
no momento de impacto leva uma velocidade muito elevada como ferramenta da Mecânica da Fractura não obstante novos
(cerca de 5 m.s-L). O provete é assim obrigado a flectir, e parâmetros por esta criado para o estudo do comportamento à
eventualmente a fracturar, a uma velocidade de deformação de fractura dos materiais. Tem-se demonstrado ainda de grande
cerca 1000 s -1. utilidade na construção soldada em aço (construção naval,
pontes, condutas petrolíferas, reservatórios de pressão, etc.),
O entalhe no provete induz um estado triaxial de tensão em alto sujeitas ao risco de fractura frágil. Nas relações comerciais entre
grau, que associado à elevada velocidade de Impacto torna o fornecedor e receptor de materiais pode-se por exemplo
ei1sãio um severo meio de verificação da tenacidade do material. estabelecer no caderno de encargos u~ valor de energia míniI11f
Adicionalmente, a possibilidade de realização de ensaios a absorvida a üina temperatura de ensaio especificada.
sucessivas temperaturas permite a determinação da variação
da tenacidade com a temperatura, e conseguentemente a v . Ensaios afins
determinação da temperatura de transição.
Um dos inconvenientes do ensaio Charpy deriva da ocorrência
No entanto; a energia consumida, cujo valor é obtido de dispersão nos resultados especialmente na região mais critica
directamente do ensaio (em [L.F] -mm. kgf., por exemplo), que é a da temperatura de transição. Essa dispersão é devida a
compreende não só a respeitante à nucleação e propagação da di versos factores, tanto inerentes ao próprio material
fissura, mas naturalmente, e sobretudo em materiais dúcteis, (heterogeneidades locais), como à preparação do provete
também a energia correspondente à deformação plástica do (dificuldade de reprodutibilidade da forma e profundidade do
provete antes da iniciação dessa fractura. Como a primeira entalhe), como ainda à condução do ensaio (adequado
parcela poderá então ser somente uma certa percentagem do posicionamento do provete na máquina).
total, o ensaio pode não conduzir a uma determinação
inequívoca da tenacidade do material. Contudo a sua maior e intrínseca limitação consiste, como se
viu, no facto da diminuta secção do provete ~ não traduzir as
O ensaio Charpy permite, no entanto, determinar diferenças condições reais encontradas em componentes estruturais
entre materiais que não são observadas num ensaio de tracção. normalmente muito mais espessas. Para uma dada temperatura
Mas os valores obtidos não são directamente expressos em os resultados do ensaio Charpy apresentam altos valores de
termos dos requisitos de projecto, uma vez que não é possível energia, enquanto que na realidade o mesmo material com maior
medir as componentes do estado triaxial de tensão existente no secção tem valores de tenaCidade slgmhcativamente inferiores.
entalhe. Devido àsdimensões normalizadas do provete a ensaiar,
verifica-se que há um alto grau de estado plano de extensão ~
triaxialidade ao longo de quase toda a secção entalhada, do
Esse facto é devido, como se sabe, à ocorrência de estado plano
de tensão no primeiro caso e estado plano de deformação no
segundo. Por sua vez a temperatura de transição varia com a
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que resulta o ensaio ser bastante severo. A energia de fractura espessura: uma chapa de maior espessura tem uma temperatura
medida pelo ensaio é uma energia relativa e consequentemente de transição superior à definida pelo ensaio Charpy.
não deve ser tomada directamente como um parâmetro de
projecto. As normas ASTM acentuam esse facto de modo claro, Com base no ensaio Charpy, mas procurando ultrapassar esses
como já referido. inconvenientes, outros métodos, mais ou menos similares, de
caracterização do comportamento frágil foram entretanto
O ensaio de impacto é no entanto essencial para o desenvolvidos. O ensaio Izod, o ensaio de Pellini, o ensaio de
estabelecimento da temperatura de transição dúctil-frágil. Um Robertson, etc.
critério bem definido é basear o resultado do ensaio na
temperatura a que a fractura é 100% de clivagem - temperatura § O ensaio Izod não difere basicamente do Charpy, senão pelo
de ductilidade nula. facto do provete ser encastrado verticalmente, sendo alterada
portanto a sua geometria. O impacto é produzido sobre a
As principais aplicações do ensaio Charpy são, por conseguinte, extremidade livre, do lado que contém o entalhe. O equipamento
na selecção de materiais resistentes à fractura frágil por meio de ensaio é semelhante podendo a mesma máquina ser adaptável
.da determinação das curvas de temperatura de transição e,assim, a um ou outro ensaio com a substituição de certos acessórios.
poder conhecer-se as temperaturas de serviço a que esses Mas o encastramento do provete dificulta o seu manuseamento
materiais não apresentam risco de fractura frágil. A filosofia de e posicionamento rápido para a realização de ensaios a
projecto reside então em seleccionar materiais que tem suficiente temperaturas deferentes das do ambiente. O seu uso, que foi
tenacidade ao entalhe quando sujeitos a severas condições de generalizado no Reino Unido, vem decaindo a favor do ensaio
serviço, permitindo que a capacidade de suportar esforços do Charpy. Não tendo, no entanto, quer um quer outro,
componente estrutural possa ser, por outro lado, calculada pel~s possibilidade de testar provetes de grandes dimensões, novos
métodos usuais da mecânica dos materiais sem recorrer aos ensaios foram sendo criados.
efeitos devidos à presença de fissuras e concentração de tensão.
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§ O ensaio Pellini foi criado nos E.U. por W. S. Pellini e seus
Considerando a selecção entre dois materiais, com diferentes colaboradores, já na 2" metade do século passado, no Naval
energias de deformação a uma dada temperatura e diferentes Research Laboratory, com a principal finalidade de ensaiar
temperaturas de transição, em regra a escolha deve recair sobre provetes com espessuras superiores a 25mm. Pellini deparou-
~ aquele que tiver temperatura de transição mais baixa. se com a impossibilidade de produzir fractura, em pequenos
A utilização do ensaio Charpy vem sendo também de extrema provetes, a tensões inferiores à de cedência. O ensaio destina-
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§ O ensaio de Robertson ou de paragem de fenda, é um O facto da solicitação de choque manifestar-se sob a forma de
ensaio complicado e caro que tem como finalidade estabelecer uma excitação impulsional variável no tempo segundo uma lei
a relação entre o nível de tensão e a capacidade do material envolvendo uma força e consequentemente parâmetros a ela
travar uma fenda que se propaga. rapidamente. É efectuado associados, como sejam o deslocamento do ponto de impacto,
sobre uma placa com determinado gradiente de temperatura e a sua velocidade inicial e o tempo de duração, impôs a
submetida a uma tensão transversal, determinando-se a necessidade de se desenvolverem técnicas capazes de colher e
temperatura a que a fenda, em progressão ao longo desse tratar esses dados.
gradiente, sofre o travamento. O gradiente de temperatura é
produzido introduzindo azoto líquido num orifício aberto numa A instrumentação do ensaio Charpy veio proporcionar essa
das extremidades da chapa e aquecendo a outra extremidade. informação adicional tornando possível a obtenção directa ou
A carga de impacto é aplicada na extremidade refrigerada, e a analiticamente (através de sensores apropriados), de dados
fenda propaga-se a partir dum entalhe previamente aberto no acerca das relações força-tempo durante o breve período de
orifício refrigerado. Regista-se a posição de paragem da fenda actuação do pêndulo sobre o provete. Uma curva típica é a
e a temperatura correspondente. Essa temperatura é geralmente apresentada na figura 5, que permite a obtenção dos valores
inferior à temperatura de transição determinada e,m outros dos seguintes parâmetros :Pgy - carga de cedência, que provoca
ensaios. Verifica-se também que a tensão correspondente toma o escoamento plástico generalizado no provete, Pmax - carga
valores inferiores à de cedência do material. maxima, PF - carga de fractura, bem como tempo
correspondente ao processo de fractura frágil. Também é
Apesar das vantagens específicas que cada um desses ensaios possível determinar as energias Ei - de iniciação e Ep - de
introduz, o certo é que o ensaio Charpy mantém a sua propagação dafractura, no caso de se conhecer a velocidade.
actualidade, graças sobretudo às suas características de do pêndulo, supondo-a constante, o que não é na realidade uma
~simplicidade e economia atrás destacadas. assunção válida, mas que pode ser corrigida.
Os ensaios de impacto estendem-se também aos materiais não Presentemente há a tendência de se usar no ensaio instrumentado
metálicos nomeadamente materiais poliméricos e compósitos. o provete standardizado com uma fenda prévia introduzida por
Nos polímeros a sua utilização reside essencialmente na fadiga, obtendo-se como resultado um parâmetro que se
determinação da transição dúctil-frágil o que em princípio designou por tenacidade fractura dinâmica. .
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