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RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO

Departamento Penitenciário Nacional


Exercício 2017

09 de julho de 2019
Controladoria-Geral da União - CGU
Secretaria Federal de Controle Interno

RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO
Órgão: MINISTERIO DA JUSTICA
Unidade Examinada: Departamento Penitenciário Nacional
Município/UF: Brasília/Distrito Federal
Ordem de Serviço: 201802068
Missão
Promover o aperfeiçoamento e a transparência da Gestão Pública, a
prevenção e o combate à corrupção, com participação social, por meio da
avaliação e controle das políticas públicas e da qualidade do gasto.

Auditoria Interna Governamental


Atividade independente e objetiva de avaliação e de consultoria,
desenhada para adicionar valor e melhorar as operações de uma
organização; deve buscar auxiliar as organizações públicas a realizarem
seus objetivos, a partir da aplicação de uma abordagem sistemática e
disciplinada para avaliar e melhorar a eficácia dos processos de governança,
de gerenciamento de riscos e de controles internos.

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POR QUE A CGU REALIZOU ESSE
QUAL FOI O TRABALHO?
TRABALHO Em 2015, o STF, por meio da ADPF nº 347,
REALIZADO reconheceu o quadro de violação massiva e
persistente de direitos fundamentais no
PELA CGU? Sistema Prisional e determinou o
descontingenciamento dos recursos do Funpen.
Esta Avaliação dos Resultados
O modelo de transferência de recursos via fundo
de Gestão (ARG) foi realizada
a fundo, objeto de avaliação neste trabalho, foi
no Departamento
estabelecido com o objetivo de reverter a
Penitenciário Nacional
situação do sistema.
(Depen) e em 24 Unidades da
Federação, junto aos gestores
dos recursos repassados via
fundo a fundo nos Estados e QUAIS AS CONCLUSÕES
dos gestores de 87 unidades
prisionais, e teve como objeto
ALCANÇADAS PELA CGU? QUAIS
a avaliação do novo modelo AS RECOMENDAÇÕES QUE
de transferências de recursos DEVERÃO SER ADOTADAS?
via fundo a fundo para o
sistema prisional, criado a A partir dos exames realizados é possível
partir das Medidas Provisórias afirmar que: não existem mecanismos
nº 755/2016 e nº 781/2017, a reguladores suficientes que assegurem que
qual posteriormente foi todas as áreas de gestão do sistema prisional
convertida na Lei nº consideradas relevantes sejam contempladas
13.500/2017. O trabalho foi com os recursos do fundo a fundo; o
executado por meio da arcabouço normativo estabelecido para a
realização de reuniões, modalidade fundo a fundo prevê parcialmente
entrevistas e aplicação de a estruturação institucional necessária à
questionários, com o objetivo garantia tanto da implementação célere e
de obter evidências que criteriosa dos recursos, quanto da
permitissem à equipe de responsabilização pela sua gestão; o nível de
auditoria apresentar suas execução dos recursos repassados é baixo, em
conclusões quanto à contraposição à esperada celeridade do
adequabilidade do modelo modelo; há um baixo direcionamento de
em termos de capacidade de recursos para áreas prioritárias, como
contribuir para a reversão do ações/projetos de promoção da cidadania e
quadro atual de falência do reintegração social, monitoração eletrônica de
sistema prisional e também pessoas e alternativas penais; constam
quanto à esperada celeridade fragilidades no âmbito das ações e
na utilização dos recursos instrumentos de planejamento.
recebidos.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental


CGU – Controladoria-Geral da União
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público
CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
Depen - Departamento Penitenciário Nacional
FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Funpen - Fundo Penitenciário Nacional
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LC – Lei Complementar
LEP – Lei de Execução Penal
MJSP – Ministério da Justiça e Segurança Pública
MNPCT – Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
MP – Medida Provisória
NEV - Núcleo de Estudos da Violência
PAR – Plano de Aplicação de Recursos
PCC – Primeiro Comando da Capital
PEESP - Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional
PNAISP - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Pessoas Privadas de
Liberdade no Sistema Prisional
STF – Supremo Tribunal Federal
TCE – Tomada de Contas Especial
TCU – Tribunal de Contas da União
UF – Unidade Federativa

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7

RESULTADOS DOS EXAMES 10

RECOMENDAÇÕES 52

CONCLUSÃO 54

ANEXOS 59

I – MANIFESTAÇÃO DA UNIDADE EXAMINADA E ANÁLISE DA EQUIPE DE AUDITORIA 59

II – LEVANTAMENTO DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO 66

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INTRODUÇÃO
O presente relatório apresenta os resultados da auditoria de avaliação realizada sobre
o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) – gerido pelo Departamento Penitenciário
Nacional (Depen), órgão integrante do Ministério da Justiça e Segurança Pública – com
o objetivo de avaliar a adequabilidade da modalidade de transferência obrigatória de
recursos aos entes federativos, também denominada modalidade “fundo a fundo”,
instituída pela Lei nº 13.500, de 26 de outubro de 2017.

Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou os pedidos de medida cautelar


ajuizados no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
nº 347, resultando no reconhecimento do sistema penitenciário nacional como um
“estado de coisas inconstitucional”, em razão do quadro de violação massiva e
persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de
políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza
normativa, administrativa e orçamentária.

Dentre os pedidos deferidos pelo STF no acórdão proferido na referida ADPF, houve a
determinação para que a União liberasse o saldo acumulado do Funpen para utilização
com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos
contingenciamentos.

Com o objetivo de viabilizar a célere utilização dos recursos descontingenciados do


Funpen, o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) nº 755, de 19 de dezembro
de 2016, a qual determinou que, anualmente, parte dos recursos daquele Fundo
deveriam ser transferidos aos entes federativos de maneira compulsória,
independentemente de convênio ou instrumento congênere. A introdução dessa nova
modalidade de transferência de recursos foi justificada pela burocracia dos convênios e
das demais modalidades de transferências voluntárias existentes – as únicas até então
aplicáveis ao Funpen –, que dificultava a execução dos recursos.

Nesse sentido, a Exposição de Motivos da MP nº 755/2016 assinalou:

Tanto a urgência quanto a relevância justificam-se em razão da necessidade


de afastar-se a burocracia dos convênios e das demais formas existentes de
transferência hoje obrigatórias para a utilização de recursos do Funpen. Com
isso, a sistemática de aplicação será adaptada à realidade que exige um meio
célere de utilização de recursos destinados ao Sistema Penitenciário por parte
dos Estados e do Distrito Federal.

Assim, essa nova sistemática de transferência foi introduzida com a finalidade principal
de conferir maior celeridade à execução dos recursos do Funpen, de modo a reverter as
péssimas condições penitenciárias reconhecidas pelo STF no âmbito da ADPF nº 347.

A MP nº 755/2016 foi posteriormente alterada pela MP nº 781, de 23 de maio de 2017,


que, por sua vez, foi convertida na Lei nº 13.500, de 26 de outubro de 2017, a qual
introduziu na Lei Complementar (LC) nº 79/1994 o regramento geral da modalidade
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fundo a fundo do Funpen que atualmente se encontra vigente. Além desse regramento
geral, foram editadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública vários normativos
infralegais que disciplinam o tema.

Visto que até o momento já foram realizados três repasses anuais pela nova modalidade
criada – nos exercícios de 2016, 2017 e 2018 – o presente trabalho de auditoria tem
como objetivo avaliar se a sistemática de transferência de recursos via fundo a fundo do
Funpen, da forma como está definida, tem gerado os resultados pretendidos de
agilidade e flexibilidade na execução dos recursos, contribuindo para a modernização e
o aprimoramento do sistema prisional brasileiro. Para tanto, foram definidas as
seguintes questões e subquestões de auditoria:

1. O modelo de repasse fundo a fundo criado pela Lei nº 13.500/2017 apresenta-se


adequadamente construído e capaz de reverter o quadro de falência do sistema
prisional?

1.1. Em que medida existem mecanismos – de natureza normativa ou de outra


natureza – que assegurem que os recursos da modalidade fundo a fundo sejam
aplicados nas áreas de gestão relacionadas aos principais problemas do sistema
prisional brasileiro?

1.2. O modelo prevê adequadamente, em seu arcabouço normativo, a


estruturação institucional necessária à garantia da implementação célere e
criteriosa dos recursos do Funpen, bem como da responsabilização pela gestão
desses recursos?

2. O modelo proporcionou a celeridade prevista na utilização dos recursos do


Funpen, com sua utilização direcionada para aspectos considerados prioritários
para a modernização e aprimoramento do sistema prisional?

2.1. Uma vez realizados os repasses aos entes federativos, os recursos foram
utilizados de maneira célere, proporcionando os meios necessários às atividades
e programas de modernização e aprimoramento do sistema prisional?

2.2. Os recursos transferidos via fundo a fundo têm sido direcionados para ações
voltadas aos problemas considerados prioritários por estudos e pesquisas sobre
o sistema prisional brasileiro?

2.3. A destinação de recursos para a aquisição de equipamentos é realizada de


modo racional, buscando atender às demandas prioritárias?

Para responder às questões formuladas, foram utilizadas quatro abordagens de


levantamento de informações: i) realização de pesquisa bibliográfica para a
identificação e compreensão dos principais problemas do sistema prisional brasileiro; ii)
levantamento de todos os normativos relacionados à modalidade fundo a fundo do
Funpen; iii) indagação e obtenção de documentos junto ao Depen, por meio de
Solicitações de Auditoria; e iv) levantamentos de informações conduzidos pelas

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unidades regionais da CGU junto aos gestores dos sistemas prisionais dos estados e
Distrito Federal.
Acerca da materialidade dos recursos destinados à modalidade fundo a fundo, constam,
na Lei Complementar nº 79/1994, os percentuais que a União deve repassar anualmente
aos entes federativos a título de transferência obrigatória, os quais devem ser aplicados
à dotação orçamentária do Funpen somente após excluídas as despesas de custeio e
investimento do Depen. Assim, foram definidos os seguintes percentuais: i) até 31 de
dezembro de 2017, até 75%; ii) no exercício de 2018, até 45%; iii) no exercício de 2019,
até 25%; e iv) nos exercícios subsequentes, 40%.

Verifica-se que os recursos do Funpen transferidos via fundo a fundo corresponderam a


elevadas parcelas tanto da dotação orçamentária quanto da execução financeira total
do Fundo registradas para os exercícios de 2016 e 2017, conforme demonstrado no
quadro abaixo:

Quadro 01 – Recursos transferidos fundo a fundo face à dotação orçamentária e à


execução financeira do Funpen (em R$)
Execução
Dotação Valores transferidos
Ano financeira1 % (c/a) % (c/b)
atualizada (a) fundo a fundo2 (c)
(b)
2016 2.612.572.154,00 1.172.879.550,02 1.119.611.111,00 42,85% 95,46%
2017 1.688.868.627,00 887.692.604,44 680.193.888,89 40,28% 76,62%
2018 911.009.718,00 279.832.426,02 61.464.281,72 6,75% 21,96%
Fontes: Tesouro Gerencial/Sítio eletrônico do Depen/Diário Oficial da União
1
Trata-se das despesas pagas.
2
Foram considerados os valores efetivamente transferidos em cada exercício. Assim, vale destacar que
os Estados da Bahia e do Ceará tiverem os seus repasses referentes ao exercício de 2016 efetivados no
exercício de 2017, estando, portanto, computados no valor relativo a 2017.
Observação: Realizou-se a comparação direta dos recursos do fundo a fundo com a dotação orçamentária
do Funpen, sem que tenham sido excluídas as despesas de investimento e custeio do Depen.

Verifica-se que os recursos transferidos nos exercícios de 2016 e 2017 corresponderam


a 42,85% e 40,28%, respectivamente, das dotações orçamentárias do Fundo. Já em
relação à execução financeira (pagamentos efetuados), a parcela do fundo a fundo foi
ainda mais significativa, correspondendo a 95,46% e 76,62% dos recursos,
respectivamente. Em 2018, por outro lado, além de a dotação do Funpen ter sido
substancialmente menor que aquelas de 2016 e 2017, a parcela do fundo a fundo
também foi bastante reduzida, correspondendo a 6,75% da dotação orçamentária e a
21,96% da execução financeira.

Ressalta-se, por fim, que os trabalhos foram realizados em estrita observância às normas
de auditoria aplicáveis ao Serviço Público Federal e que nenhuma restrição foi imposta
à realização dos exames.

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RESULTADOS DOS EXAMES
QUESTÃO DE AUDITORIA 1: O modelo de repasse fundo a fundo criado pela Lei nº
13.500/2017 apresenta-se adequadamente construído e capaz de reverter o quadro
de falência do sistema prisional?

1.1. Em que medida existem mecanismos – de natureza normativa ou de outra


natureza – que assegurem que os recursos do Funpen da modalidade fundo a fundo
sejam aplicados nas áreas de gestão relacionadas aos principais problemas do sistema
prisional?

Para responder a esta subquestão de auditoria, dividiu-se o trabalho nas seguintes


etapas: I) identificação dos principais problemas do sistema prisional brasileiro a partir
de pesquisa bibliográfica, buscando-se identificar, quando possível, suas principais
causas e possíveis soluções; II) levantamento dos mecanismos reguladores da
modalidade de transferência fundo a fundo do Funpen; III) avaliação da suficiência dos
mecanismos reguladores existentes para garantir que os recursos sejam direcionados à
mitigação dos principais problemas do sistema prisional.

A seguir, são apresentados os resultados obtidos.

I) Principais problemas do sistema prisional brasileiro

A complexa e problemática realidade do sistema prisional brasileiro desdobra-se há


muitos anos, tendo sido objeto de vários estudos acadêmicos, notícias, reportagens
jornalísticas, documentários e investigações parlamentares – a Câmara dos Deputados
já contou com quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) sobre o tema,
instauradas nos anos de 1976, 1993, 2007 e 2015.

A partir de levantamento de diversos documentos que tratam do tema, seja de forma


ampla ou com abordagens mais restritas, realizou-se a identificação dos problemas que
se apresentam como mais relevantes no âmbito do sistema prisional brasileiro. Também
buscou-se identificar as causas e as possíveis soluções para os problemas apontados, de
modo a se compreender quais áreas da gestão penitenciária devem ser aprimoradas
para que a execução penal cumpra com a sua finalidade precípua, qual seja, efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado, segundo dispõe a Lei nº 7.210/1984, ou
Lei de Execução Penal (LEP).

É importante ressaltar que a pesquisa realizada no âmbito do presente trabalho não


teve a intenção de esgotar o assunto – visto que este abarca múltiplos elementos que
podem ser individualmente investigados e abordados de forma mais profunda –,
consistindo tão somente em um esforço de sintetizar as situações mais problemáticas
que caracterizam a realidade do sistema prisional, a partir do material bibliográfico
colhido.

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Com o objetivo de sintetizar a exposição dos temas pesquisados, optou-se por apenas
mencionar, nos próximos parágrafos, os principais resultados e conclusões da pesquisa.
O detalhamento e o desenvolvimento dos temas, das fontes e dos dados coletados
podem ser consultados no Anexo II deste relatório.

A partir da frequência e da relevância dos temas, a equipe elegeu oito grandes grupos
de problemas, sendo eles: superlotação; precariedade das instalações físicas de
unidades prisionais; insuficiência na prestação de assistências e na oferta de trabalho
aos presos; fragilidades relacionadas aos agentes penitenciários; entrada de objetos
proibidos nos estabelecimentos penais; atuação e fortalecimento das facções
criminosas; insuficiência na separação dos presos conforme espécie e grau de
periculosidade; e dependência química e consumo de drogas nas unidades prisionais.

A partir da exposição dos problemas, que constam detalhados no Anexo II, verifica-se
que há uma grande interligação e retroalimentação entre eles, de modo que a
problemática do sistema prisional deve ser tratada de forma holística, com a adoção
concomitante de ações dirigidas às diferentes áreas de gestão do sistema.

Ainda assim, dois desses problemas se destacam devido não somente à sua relevância
intrínseca, mas por estarem intimamente vinculados a problemas de outras naturezas.
Trata-se da superlotação e da insuficiência na prestação de assistências e na oferta de
trabalho. Conforme apontado, verifica-se que a superlotação contribui para que não
haja a correta separação dos presos, para o fortalecimento das facções criminosas e para
o consumo de drogas no interior das unidades prisionais, além de ser um fator que
contribui para a própria insuficiência na prestação de assistências e na oferta de
trabalho.

A baixa oferta de assistências e de trabalho, por sua vez, também contribui para o
fortalecimento das facções criminosas e para o consumo de drogas, além de contribuir
diretamente para a reincidência penitenciária, o que, por sua vez, retroalimenta a
superlotação carcerária. Nesse sentido, destaca-se que as assistências, conforme a LEP,
devem “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

Nesse contexto, também há que se destacar que o próprio objetivo da execução penal,
segundo dispõe a LEP, consiste não somente na efetivação das disposições da sentença
ou decisão criminal, mas também na promoção de condições para a harmônica
“integração social do condenado e do internado”. Assim, para alcançar esse objetivo, as
assistências que o Estado deve garantir aos presos no âmbito material, da saúde,
jurídico, educacional, social e religioso, além da oferta ao trabalho, mostram-se de
extrema importância.

Cabe observar que as iniciativas que visam solucionar os problemas do sistema prisional
estão na alçada de diferentes atores, envolvendo as três esferas da Federação (União,
estados e municípios) e os três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário).
A própria sociedade também possui um importante papel nesse contexto, visto que os
apelos sociais tendem a influenciar os rumos de muitas decisões de governo que

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impactam nas políticas públicas. No caso específico do sistema prisional, é notório que
existe uma grande resistência por parte da sociedade em aceitar investimentos de
recursos públicos em ações que busquem melhorar as condições de vida de pessoas
privadas de liberdade.

II) Mecanismos reguladores da modalidade de transferência fundo a fundo do Funpen

Após identificar os principais problemas do sistema prisional brasileiro a partir de


levantamento bibliográfico, passa-se à segunda etapa do trabalho, que consiste no
levantamento dos mecanismos – de natureza normativa ou de outra natureza – que
regulam a forma de aplicação dos recursos do Funpen na modalidade fundo a fundo,
com o objetivo de identificar: a) as atividades do sistema prisional passíveis de
receberem recursos; e b) se há critérios de direcionamento dos recursos para
determinadas atividades. Na terceira etapa, será avaliado se esses mecanismos
reguladores são suficientes para proporcionar a mitigação daqueles principais
problemas do sistema prisional.

A modalidade de transferência obrigatória de parte dos recursos do orçamento do


Funpen para os entes federativos foi instituída por meio de alteração da lei de criação
do Fundo – a Lei Complementar nº 79/1994 –, inicialmente promovida pela Medida
Provisória nº 755, de 19 de dezembro de 2016, que foi posteriormente revogada pela
MP nº 781, de 23 de maio de 2017, a qual finalmente foi convertida na Lei nº 13.500, de
26 de outubro de 2017. Além do regramento geral sobre a modalidade fundo a fundo
que passou a constar da LC nº 79, outros normativos infralegais foram editados visando
regulamentar essa nova sistemática de transferência, dentre portarias e notas técnicas,
tendo sido todos objeto de análise no âmbito do presente levantamento, cujos
resultados são apresentados a seguir.

a) Atividades do sistema prisional passíveis de receberem recursos do Funpen na


modalidade fundo a fundo

O §2º do art. 3º-A da LC nº 79/1994 estabelece que os repasses obrigatórios realizados


na modalidade fundo a fundo devem ser aplicados, no caso dos estados e do Distrito
Federal, no financiamento de programas de melhoria do sistema penitenciário nacional,
sendo permitida a aplicação dos recursos em doze atividades distintas (elencadas no art.
3º da LC):

Quadro 02 – Atividades passíveis de financiamento pela modalidade fundo a fundo do


Funpen – Lei Complementar nº 79/1994
Atividades - Art. 3º da LC nº 79/1994
I - construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais
II - manutenção dos serviços e realização de investimentos penitenciários, inclusive em
informação e segurança
III - formação, aperfeiçoamento e especialização do serviço penitenciário

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Atividades - Art. 3º da LC nº 79/1994
IV - aquisição de material permanente, equipamentos e veículos especializados,
imprescindíveis ao funcionamento e à segurança dos estabelecimentos penais
V - implantação de medidas pedagógicas relacionadas ao trabalho profissionalizante do preso
e do internado
VI - formação educacional e cultural do preso e do internado
VII - elaboração e execução de projetos destinados à reinserção social de presos, internados e
egressos, inclusive por meio da realização de cursos técnicos e profissionalizantes
VIII - programas de assistência jurídica aos presos e internados carentes
IX - programa de assistência às vítimas de crime
X - programa de assistência aos dependentes de presos e internados
XI - participação de representantes oficiais em eventos científicos sobre matéria penal,
penitenciária ou criminológica, realizados no Brasil ou no exterior
XII - publicações e programas de pesquisa científica na área penal, penitenciária ou
criminológica
XIII - custos de sua própria gestão, excetuando-se despesas de pessoal relativas a servidores
públicos já remunerados pelos cofres públicos
XIV - manutenção de casas de abrigo destinadas a acolher vítimas de violência doméstica
XV - implantação e manutenção de berçário, creche e seção destinada à gestante e à
parturiente nos estabelecimentos penais, nos termos do § 2º do art. 83e do art. 89 da Lei
nº7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal
XVI - programas de alternativas penais à prisão com o intuito do cumprimento de penas
restritivas de direitos e de prestação de serviços à comunidade, executados diretamente ou
mediante parcerias, inclusive por meio da viabilização de convênios e acordos de cooperação
XVII - financiamento e apoio a políticas e atividades preventivas, inclusive da inteligência
policial, vocacionadas à redução da criminalidade e da população carcerária

No caso de repasses a municípios, a Lei dispõe que os recursos devem ser aplicados
especificamente no financiamento de programas destinados à reinserção social dos
presos, internados e egressos, ou de programas de alternativas penais.

Além do regramento instituído pela LC nº 79/1994, também foram editadas portarias


ministeriais para regulamentar os repasses, tendo sido editada inicialmente a Portaria
nº 1.414, de 26 de dezembro de 2016, que define regras gerais para a modalidade fundo
a fundo. Posteriormente, houve a edição das Portarias nº 1.221, de 21 de dezembro de
2017, e nº 225, de 10 de dezembro de 2018, que regulamentaram os procedimentos e
critérios das transferências relativas aos exercícios de 2017 e 2018, respectivamente.
Essas duas últimas Portarias, diferentemente da Portaria nº 1.414/2016, definiram as
atividades que poderiam ser financiadas com os recursos repassados, bem como o tipo
de despesa – custeio ou investimento –, conforme sintetizado no quadro a seguir:

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Quadro 03 – Atividades passíveis de financiamento pela modalidade fundo a fundo do
Funpen – Portarias nº 1.221/2017 e nº 225/2018
Portaria nº 1.221/2017 - Art. 5º
Inciso
Tipo de
Atividades do art.
despesa

Monitoração eletrônica de pessoas II
Integração e modernização dos sistemas de informações penais IV
Somente
Fortalecimento de participação e controle social VII
custeio
Capacitação dos trabalhadores do sistema penal IX
Estudos e pesquisas sobre política penal X
Somente Construção, reforma, ampliação e aprimoramento de
I
investimento estabelecimentos penais
Modernização e aparelhamento de estabelecimentos penais III
Promoção de cidadania da pessoa presa, internada e egressa V
Custeio e
Alternativas penais VI
investimento
Políticas de diversidade e garantia de direitos das mulheres no
VIII
sistema prisional
Portaria nº 225/2018 - Art. 5º
Tipo de
Atividades
despesa
Somente
Todas as atividades listadas no art. 3º da LC nº 79/1994 (Quadro 02)
investimento

Ao se cotejar as dezessete atividades definidas no art 3º da LC nº 79/1994 com aquelas


elencadas no art. 5º da Portaria nº 1.221, verifica-se que a maioria das atividades
definidas pela Lei Complementar encontram correspondência na Portaria, ainda que
não se utilizem termos idênticos. Por exemplo, percebe-se que a Portaria nº 1.221, ao
se referir genericamente à “promoção de cidadania da pessoa presa, internada e
egressa”, abarca as atividades descritas nos incisos V, VI, VII, VIII e XV do art 3º da LC nº
79/1994 (Quadro 02), que se referem às atividades de profissionalização, educação,
cultura, reintegração social dos presos, assistência jurídica e implantação e manutenção
de berçário, creche e seção destinada à gestante e à parturiente nos estabelecimentos
penais.

Verifica-se que as atividades da LC nº 79/1994 que não possuem nenhuma


correspondência na Portaria nº 1.221 são as seguintes (conforme incisos do Quadro 02):
IX - programa de assistência às vítimas de crime;
X - programa de assistência aos dependentes de presos e internados;
XI - participação de representantes oficiais em eventos científicos sobre matéria
penal, penitenciária ou criminológica, realizados no Brasil ou no exterior;
XIII - custos de sua própria gestão, excetuando-se despesas de pessoal relativas
a servidores públicos já remunerados pelos cofres públicos;
XIV - manutenção de casas de abrigo destinadas a acolher vítimas de violência
doméstica; e

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XVII - financiamento e apoio a políticas e atividades preventivas, inclusive da
inteligência policial, vocacionadas à redução da criminalidade e da população
carcerária.

Por outro lado, a Portaria nº 1.221 definiu uma atividade que não possui
correspondência direta na LC nº 79/1994, qual seja, “fortalecimento de participação e
controle social”. No entanto, o Depen informou que, na ocorrência de solicitações, por
parte das unidades federativas, de alocação de recursos em ações destinadas à
participação e ao controle social, tem sido possível enquadrá-las nos incisos VI ou VII do
art. 3º da Lei Complementar nº 79/1994 em razão das características dessas ações.
Ainda assim, é preciso ressaltar que essa situação suscita o risco de que recursos
repassados na modalidade fundo a fundo sejam executados sem a observância da
conformidade legal, visto que poderia ocorrer a aplicação de recursos em determinada
atividade que, embora prevista na Portaria regulamentadora do repasse, não se
encontra disciplinada pela LC nº 79/1994.

Já em relação às atividades que podem ser custeadas com o repasse de 2018, verifica-
se que a Portaria nº 225/2018 definiu que todas aquelas constantes do art 3º da LC nº
79/1994 estão aptas, desde que os recursos sejam aplicados somente em ações de
investimento.

Assim, verifica-se que as atividades passíveis de receberem recursos do Funpen na


modalidade Fundo a Fundo correspondem, a princípio, ao rol de atividades que podem
ser custeadas por recursos de qualquer modalidade do Fundo, definidas no art. 3º da LC
nº 79/1994. Contudo, essa relação de atividades pode ser eventualmente restringida
pela norma regulamentadora de determinado repasse, como ocorreu no caso dos
repasses de 2017 e de 2018 (apenas investimento), o que gera incertezas quanto ao
escopo das atividades que poderão receber recursos dos futuros repasses, podendo
prejudicar o planejamento e execução de atividades.

b) Critérios de direcionamento dos recursos do Funpen na modalidade fundo a fundo

Em relação ao direcionamento dos recursos para determinadas atividades do sistema


prisional, verificou-se o emprego de dois mecanismos: i) definição dos valores a serem
utilizados pelos entes federativos conforme a natureza de despesa; e ii) estabelecimento
de diretrizes para a aplicação dos recursos em determinadas áreas específicas. Passa-se,
a seguir, ao detalhamento de cada mecanismo.

b.1) Da definição dos valores a serem utilizados pelos entes federativos conforme a
natureza de despesa

Até o presente momento, o Depen realizou três repasses de recursos do Funpen na


modalidade fundo a fundo, que ocorreram nos exercícios de 2016, 2017 e 2018. O
repasse de 2016 foi realizado na vigência da Portaria nº 1.414/2016, a qual estabelece
parâmetros que devem ser observados na escolha das áreas de gestão que terão o
aporte dos recursos repassados, conforme demonstrado no quadro a seguir:

15
Quadro 04 – Parâmetros para a aplicação dos recursos repassados na modalidade
fundo a fundo do Funpen, conforme art. 1º, §§ 1º e 2º, da Portaria nº 1.414/2016
Exercício do
Parâmetros para aplicação dos recursos
repasse
I) Até o limite de 50% para o aprimoramento da infraestrutura e modernização
do sistema penal, com o objetivo previsto no inciso I do caput do art. 3º da LC nº
§ 1º - Até 31 de
79/1994, especificamente, para a construção de novos estabelecimentos penais
dezembro de
para o cumprimento da pena em regime fechado2; e
20171
II) Até o limite de 50% destinados à promoção da cidadania, alternativas penais,
controle social, capacitação e qualificação em serviços penais, com os objetivos
previstos nos incisos II a X, XIV, XVI e XVIII do caput do art. 3º da LC nº 79/1994.
I) Até o limite de 30% para o aprimoramento da infraestrutura e modernização
do sistema penal, com o objetivo previsto no inciso I do caput do art. 3º da LC nº
§ 2º - Exercícios 79/1994, especificamente, para a construção de novos estabelecimentos penais;
de 2018, 2019 e e
subsequentes II) Até o limite de 70% destinados à promoção da cidadania, alternativas penais,
controle social, capacitação e qualificação em serviços penais, com os objetivos
previstos nos incisos II a X, XIV, XVI e XVII do caput do art. 3º da LC nº 79/1994.
1
De acordo com a redação do dispositivo, subentende-se que estão contemplados os repasses de 2016 e
2017.
2
O trecho destacado foi alterado pela Portaria nº 72/2017 para a seguinte redação: “(...)
preferencialmente, para construção de novos estabelecimentos penais para o cumprimento da pena em
regime fechado, ficando a possibilidade de ampliação de estabelecimentos penais já existentes ou de
conclusão de estabelecimentos em construção.”

Além desses parâmetros que direcionam a aplicação dos recursos a determinadas áreas
temáticas, o §3º do art. 1º da Portaria nº 1.414/2016 define a forma de distribuição dos
recursos entre entes federativos. Conforme manifestação do Depen, todo esse
regramento de direcionamento e distribuição dos recursos foi observado para o repasse
de 2016.

Em relação aos repasses de 2017 e 2018, tanto os parâmetros para aplicação dos
recursos quanto a forma de distribuição constantes do art. 1º da Portaria nº 1.414/2016
deixaram de ser observados, em razão da alteração da Lei Complementar nº 79/1994
promovida pela Lei nº 13.500, de 26 de outubro de 2017. Foi somente esta Lei que
incluiu a regra de partilha dos recursos que se encontra no §7º do art. 3º-A da LC nº
79/1994. Assim, conforme informado pelo Depen à CGU, os critérios da Portaria nº
1.414 deixaram de ser convenientes e oportunos com a alteração sofrida pela LC nº 79,
embora aquela Portaria ainda se encontre vigente.

No que tange ao direcionamento dos recursos relativos aos repasses de 2017 e 2018,
verifica-se, conforme suas portarias regulamentadoras (Portaria nº 1.221/2017 e
Portaria nº 225/2018, respectivamente) e nota técnica específica, que houve a definição
dos montantes a serem aplicados pelos entes federativos nas categorias de custeio e
investimento, além da definição do percentual mínimo a ser aplicado em obras,
conforme a seguir:

16
Quadro 05 – Direcionamento na aplicação dos recursos relativos aos repasses de 2017
e 2018
Exercício do repasse Direcionamento dos recursos
• 63% dos recursos foram destinados a investimento e 37% dos recursos
2017 foram destinados a custeio.1
• No mínimo, 30% dos recursos devem ser aplicados na construção,
reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais.2
• 100% dos recursos foram destinados a investimento.3
2018 • No mínimo, 30% do total dos recursos do Funpen disponibilizados a cada
UF devem ser aplicados na construção, reforma, ampliação e
aprimoramento de estabelecimentos penais.4
1
Conforme Anexo II da Portaria nº 1.221/2017.
2
Conforme art. 7º da Portaria nº 1.221/2017.
3
Conforme art. 5º da Portaria nº 225/2018.
4
Conforme Nota Técnica nº 17/2018/COENA/CGMO/DIRPP/DEPEN/MJ, de 26/02/2018.

Questionado a respeito dos critérios utilizados para definir a distribuição dos recursos
entre custeio e investimento, o Depen informou o seguinte:

A partir da memória de cálculo confeccionada após a exclusão das despesas


de custeio e de investimento do Depen e adotando-se o partilhamento
estabelecido no §7º do art. 3º-A da Lei Complementar nº 79/1994, se obtém
a distribuição dos recursos com base na natureza de despesa advinda das
ações veiculadas no art. 3º da lei criadora do Funpen.

b.2) Do estabelecimento de diretrizes para a aplicação dos recursos em determinadas


áreas específicas

Desde 2017, o Depen tem publicado uma série de notas técnicas contendo orientações
aos entes federativos para a utilização dos recursos do Funpen transferidos na
modalidade fundo a fundo. Essas notas técnicas apresentam orientações técnicas que
devem ser observadas caso os estados e o DF optem por empregar os recursos na
aquisição de bens, na execução de obras ou no custeio de atividades que se enquadrem
em áreas temáticas/objetos específicos.

Em 2017, foram emitidas notas técnicas que estabeleceram diretrizes para a aplicação
dos recursos nas seguintes ações: construção/ampliação de vagas em estabelecimentos
penais; aquisições de scanner corporal, bloqueador de celular, equipamento de raio-X,
detector de metal (dos tipos banqueta, raquete e portal); e contratação de serviços de
monitoração eletrônica de pessoas.

As notas técnicas emitidas em 2018, que se encontram vigentes, tratam dos mesmos
temas das notas emitidas em 2017, exceto o tema de monitoração eletrônica, além de
nove novos temas: atividades educacionais, culturais e esportivas; assistência à saúde;
atividades laborais; assistência social; necessidade do público feminino;
reconhecimento das diversidades; aquisição de veículos; capacitação e qualificação de
servidores do sistema prisional; e integração e modernização do sistema de informações
penais. Cabe mencionar que as notas técnicas de 2017 foram revogadas tacitamente
pelas notas técnicas de 2018, conforme informado pelo Depen.

17
Dessa forma, caso um ente federativo opte por empregar os recursos na área de
atividades laborais, por exemplo, apresenta-se um rol de linhas de atuação que poderão
ser adotadas, quais sejam: a) estruturação de oficinas produtivas permanentes; b)
ampliação, construção e adequação de módulos de trabalho; c) publicidade e marketing
social para fomento do interesse de instituições públicas e/ou privadas para atuarem no
sistema prisional; e d) realização de encontro e seminários para fortalecimento e
construção do trabalho no sistema prisional.

Em que pese a importância da sua disponibilização, as notas técnicas emitidas pelo


Depen possuem caráter somente orientativo, não vinculante, promovendo o
direcionamento da aplicação dos recursos dentro de determinadas áreas temáticas,
caso essas sejam escolhidas pelo ente federativo para receberem recursos da
modalidade fundo a fundo.

III) Avaliação da suficiência dos mecanismos reguladores existentes para garantir que
os recursos sejam direcionados à mitigação dos principais problemas do sistema
prisional

A presente avaliação consistiu no cotejamento entre os principais problemas levantados


na etapa I da presente subquestão de auditoria com os mecanismos reguladores
identificados na etapa II. Assim, buscou-se identificar se todas as áreas de gestão do
sistema prisional que necessitam de aperfeiçoamento para solucionar aqueles principais
problemas podem receber recursos da modalidade fundo a fundo do Funpen. O quadro
a seguir sintetiza o cotejamento realizado.

Quadro 06 – Mecanismos reguladores do fundo a fundo relacionados às áreas de


gestão e problemas do sistema prisional

Mecanismos reguladores
Áreas de gestão LC nº Portaria nº
Problema
relacionadas 79/1994 - 1.221/2017 Existe Nota Técnica?
Art. 3º - Art. 5º

Obras de engenharia Inciso I Inciso I Sim

Centros de Sim
Acompanhamento de Incisos II e (Nota Técnica de 2017
Inciso XVI
Penas e Medidas VI que trata de
Superlotação Alternativas monitoração eletrônica)
Assistência jurídica Inciso VIII Inciso V Não
Assistências gerais /
Ver abaixo Ver abaixo Ver abaixo
Assistência ao egresso

Precariedade Obras de engenharia Inciso I Inciso I Sim


das instalações
físicas Manutenção predial Inciso II Não consta Não

18
Mecanismos reguladores
Áreas de gestão LC nº Portaria nº
Problema
relacionadas 79/1994 - 1.221/2017 Existe Nota Técnica?
Art. 3º - Art. 5º

Material Não consta Inciso V Não


Saúde Inciso IV Inciso V Sim
Insuficiência na Jurídica Inciso VIII Inciso V Não
prestação de
Educação Incisos V e VI Inciso V Sim
assistências e na
oferta de Incisos IV, V e
Social Inciso V Sim
trabalho VI
Religiosa Não consta Inciso V Sim
Trabalho Inciso V Inciso V Sim

Quantidade Não se
Não se aplica Não se aplica
Fragilidades insuficiente1 aplica
relacionadas aos
Sim
agentes
penitenciários Formação/capacitação Inciso III Inciso IX (específica para pós-
graduação)

Sistema de segurança
Entrada de
(ex: scanner corporal,
objetos Inciso IV Inciso III Sim
raio-X, bloqueador de
proibidos
celular)

Facções Remete aos problemas: superlotação, entrada de objetos proibidos e


criminosas insuficiência na prestação de assistências e na oferta de trabalho.

Insuficiência na
separação dos Remete aos problemas: superlotação e facções criminosas.
presos

Dependência
química e Remete aos problemas: superlotação, entrada de objetos proibidos, facções
consumo de criminosas e insuficiência na prestação de assistências e na oferta de trabalho.
drogas

Fonte: Elaboração própria


1
A contratação não poderia ser custeada com recursos do Funpen (Inc. XIII, do art. 3º, da LC nº 79/1994).

Verifica-se que existe previsão normativa acerca da possibilidade de utilização dos


recursos do Funpen na modalidade fundo a fundo para a maioria das áreas de gestão
indicadas no Quadro 06. No entanto, destacam-se as seguintes situações:
• Não existe nota técnica que vise orientar a aplicação dos recursos em assistência
jurídica, embora as demais normas permitam o financiamento dessa assistência.
• A LC nº 79/1994 não prevê expressamente a utilização de recursos do Funpen
em assistência material, a qual abrange o fornecimento de alimentação,
vestuário e instalações higiênicas (art. 12 da LEP). Conforme manifestação do
Depen, o fornecimento de vestuário à pessoa sob custódia do sistema prisional
pode advir da aplicação dos recursos na aquisição de insumos para cursos
profissionalizantes e/ou oficinas de costuras de unidades prisionais, ensejando a

19
confecção de uniformes. Além disso, tem-se autorizado a aquisição de “kits
higiene” com base na Resolução CNPCP nº 04/2017.
• Apesar de a LC nº 79/1994 não prever expressamente a utilização de recursos do
Funpen em assistência religiosa, consta na Nota Técnica nº
7/2018/CGPC/DIRPP/DEPEN, que trata de assistência social, a possibilidade de:
realização de encontros e seminários para sensibilização, capacitação e
fortalecimento de ações para a diversidade na assistência religiosa; e construção
de espaços para a realização da assistência religiosa.

Assim, considerando todas as informações expostas, é possível afirmar que:


i) Todas as áreas de gestão relacionadas aos principais problemas do sistema
prisional podem ter, em algum nível, o emprego de recursos do Funpen
transferidos na modalidade fundo a fundo.
ii) Existe direcionamento de recursos de caráter obrigatório, em razão da
definição prévia por parte do gestor federal – formalizada nas portarias
regulamentadoras dos repasses –, dos percentuais de recursos a serem
empregados pelos entes federativos conforme a natureza de despesa
(custeio e investimento).
iii) Existe direcionamento de recursos de caráter facultativo, em razão do
estabelecimento, por meio de notas técnicas, de diretrizes para a aplicação
dos recursos em determinadas áreas específicas, as quais, contudo, não
abrangem todas as áreas de gestão identificadas como relevantes (Quadro
06).

Assim, embora o resultado do cotejamento se mostre positivo, e a despeito do


direcionamento dos recursos instituído pelas Portarias nº 1.221/2017 e nº 225/2018, ao
delimitar os montantes que devem ser empregados em ações de custeio e investimento,
conclui-se que não existem mecanismos reguladores suficientes que assegurem que as
diversas áreas de gestão do sistema prisional sejam contempladas com os recursos da
modalidade fundo a fundo do Funpen, visto que os mecanismos existentes ainda
permitem grande discricionariedade por parte do gestor estadual ao definir os objetos
que serão custeados, podendo haver direcionamento para determinados objetos em
detrimento de outros que possuam criticidade elevada.

Em relação ao mecanismo de direcionamento dos recursos de caráter obrigatório – qual


seja, a definição dos percentuais a serem empregados em investimento e custeio de
maneira uniforme por todos os entes federativos –, percebe-se que o DEPEN não se
utiliza de critérios suficientes para fundamentar a definição desses valores. Dessa forma,
não constam evidências que assegurem, com razoável segurança, que esse mecanismo
seja adequado, tendo em vista que desconsidera que os sistemas prisionais estaduais
podem apresentar necessidades distintas entre si, conforme suas realidades locais, de
modo a demandar perfis de execução dos recursos distintos conforme a natureza de
despesa. Assim, para o repasse de 2018, por exemplo, embora alguns estados pudessem
ter a necessidade prioritária de emprego dos recursos em ações de custeio, este
emprego foi vedado pela Portaria nº 225/2018, ao restringir a utilização dos recursos a
ações de investimento.

20
Por último, destaca-se que, ao fomentar a aplicação dos recursos em construção,
reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais, por meio da
definição do percentual mínimo de 30% a ser aplicado pelos entes federativos, o Depen
direciona os recursos com o objetivo de mitigar um dos problemas mais relevantes do
sistema prisional, que é a superlotação, além do problema da precariedade das
instalações físicas. Contudo, a resolução da superlotação não se restringe à geração de
vagas e deve considerar outras medidas, como a estruturação de Centros de
Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas e o fortalecimento das assistências
aos presos e egressos, estas últimas com a finalidade de reduzir a reincidência
penitenciária.

Portanto, é bastante oportuno que o Depen avalie a possibilidade de inclusão de


mecanismos reguladores que visem promover a aplicação dos recursos da modalidade
fundo a fundo nessas outras áreas de gestão.

1.2. O modelo prevê adequadamente, em seu arcabouço normativo, a estruturação


institucional necessária à garantia da implementação célere e criteriosa dos recursos
do Funpen, bem como da responsabilização pela gestão desses recursos?

Trata-se de análise comparativa dos instrumentos normativos de relação interfederativa


entre as políticas de saúde e penitenciária, no contexto de financiamento federal fundo
a fundo, a qual tem a finalidade de identificar se o atual modelo de financiamento do
sistema penitenciário prevê, no conjunto de normas aplicáveis, a adequada
estruturação institucional, entendida como aquela capaz de garantir a implementação
célere e criteriosa dos recursos do Funpen e a responsabilização pela gestão desses
recursos.

A presente análise comparativa foi realizada com base nos normativos existentes, isto
é, não considerou as limitações e fragilidades existentes no funcionamento efetivo do
modelo da Saúde, assim como não elencou esse setor como parâmetro ou critério de
auditoria. Contudo, entende-se que o caráter mais consolidado da política de saúde
contribui para um diagnóstico acerca dos riscos existentes na recente estrutura
normativa da modalidade fundo a fundo do Funpen.

Nesse sentido, em relação à execução descentralizada desses recursos, entende-se que


instrumentos adequados são os que estabelecem ou promovem melhores resultados
em duas dimensões: implementação e responsabilização. Para a primeira são analisados
os seguintes componentes: critérios de repasse, usos e vedações, condições de
movimentação, planejamento e monitoramento. Por sua vez, a segunda dimensão é
composta pelos seguintes: participação social, transparência pública, devolução e
ressarcimento de recursos. Por fim, cada componente é caracterizado por determinado
conjunto de instrumentos, os quais são os atributos a serem analisados no estudo
comparativo das normas de ambas as políticas, conforme explicitado no quadro a seguir:

21
Quadro 07 – Modelo analítico da análise comparativa dos instrumentos
Dimensão Componente Atributo (exemplos)
Critérios de repasse: exigência de Fundo, conselho social, plano,
estruturas mínimas de gestão dos entes relatório, contrapartida, carreiras
beneficiários. de servidores.
Usos e vedações: tipos ou elementos de
despesa expressamente permitidos ou Pessoal, veículos, capacitação.
proibidos.
Identificação do beneficiário final,
Implementação
Condições de movimentação: controle da vedação do saque em espécie,
movimentação bancária. exclusividade de conta corrente e
de transferência eletrônica.
Planejamento: definição do ciclo de Modelo, periodicidade,
elaboração do plano. responsáveis, fluxo.
Monitoramento: definição do ciclo de Modelo, periodicidade,
elaboração do relatório de gestão. responsáveis, fluxo.
Participação social: definição de instâncias Existência de conselho, atuação na
de controle social nos ciclos de elaboração dos instrumentos de
planejamento e monitoramento. gestão, poder deliberativo.
Transparência pública: definição de dados a
Plano, relatório, execução
serem disponibilizados, mormente em
orçamentária.
transparência ativa.
Responsabilização Devolução: definição de procedimentos no
caso de não execução dos recursos ao final Fluxo, periodicidade, instrumentos,
do exercício, do prazo de execução ou de informações, responsáveis.
desvio de finalidade.
Ressarcimento: definição de
Fluxo, periodicidade, instrumentos,
procedimentos no caso de dano ao erário ou
informações, responsáveis.
de omissão no dever de prestar contas.
Fonte: Elaboração própria.

Na sequência, serão apresentados os resultados das análises efetuadas, com base no


conjunto de normas aplicáveis para o tema em estudo em ambos os setores de políticas
públicas. Inicialmente, são discutidos os componentes relacionados à implementação,
depois aqueles que compõem a responsabilização. Por último, apresentam-se uma
conclusão em resposta à finalidade desta análise comparativa.

Em que medida existem mecanismos institucionalizados que garantam a


implementação célere e criteriosa dos recursos do Funpen?

Conforme informado anteriormente, a dimensão de implementação dos recursos do


Funpen, com execução descentralizada por parte dos entes federativos beneficiários,
compreende a análise comparativa dos seguintes componentes: critérios de repasse,
usos e vedações, condições de movimentação, planejamento e monitoramento. O
comparativo entre os instrumentos dos setores avaliados está sintetizado no quadro
que se segue:

22
Quadro 08 – Comparativo dos instrumentos de implementação
Componente Saúde Penitenciária
Norma legal define a implantação de: Fundo
penitenciário ou específico; gestor local
Norma legal define a implantação
responsável; plano de ação; contrapartida de
de: Fundo de saúde; conselho de
Critérios de recursos do ente local de caráter facultativa;
saúde (paritário) para controle
repasse: exigência solicitação de habilitação técnica ao Depen;
social dos recursos; plano de
de estruturas relatório de gestão; conselho penitenciário ou
saúde; relatório de gestão; e
mínimas de gestão congênere para fiscalização dos recursos; e
contrapartida de recursos do ente
dos entes alimentação do Sistema Nacional de Informações
local obrigatória. Portaria define a
beneficiários. de Segurança Pública, Prisionais, de
obrigatoriedade de alimentação
Rastreabilidade de Armas e Munições, de
de sistema de informação do SUS.
Material Genético, de Digitais e de Drogas
(SINESP).
Usos e vedações:
Há exemplificação detalhada, em Há rol exemplificativo, em Lei, de gastos aplicáveis
tipos ou elementos
Lei, do uso e de vedações ao gasto aos recursos do Funpen. O Decreto
de despesa
com ações e serviços públicos de regulamentador repete os usos previstos na Lei.
expressamente
saúde, com detalhamento Por sua vez, as vedações estão presentes apenas
permitidos ou
infralegal pontual. em Portarias e Notas Técnicas.
proibidos.
Em Decreto regulamentar,
específico para a gestão
Em Lei, estabelece-se a exigência de utilização de
descentralizada dos recursos
banco oficial para aplicação dos recursos
Condições de transferidos, estão assentes as
financeiros transferidos e não utilizados. O
movimentação: regras operacionais para a
Decreto regulamentador não trata desse
controle da movimentação dos recursos, com
componente. As demais exigências previstas são
movimentação as seguintes exigências:
semelhantes às da saúde, apesar de presentes em
bancária. exclusividade de conta em banco
instrumentos infralegais (Portarias nº 128/2017,
oficial, movimentação eletrônica,
nº 1.221/2017 e nº 225/2018).
identificação do beneficiário,
restrição ao saque em espécie.
Estabelecem-se três instrumentos
de planejamento local: o Plano de
Foi estabelecido plano de aplicação dos recursos,
Saúde, com abrangência de quatro
a ser apresentado anualmente pelo gestor ao
anos, seguindo o Plano Plurianual,
Depen, como critério de repasse dos recursos. No
a Programação Anual e o Relatório
que diz respeito ao conteúdo do referido plano,
Planejamento: de Gestão. Há sistema
apenas consta previsão normativa de que os
definição do ciclo informatizado disponibilizado para
planos devem estar associados ao financiamento
de elaboração de a elaboração desses instrumentos,
de programas para a melhoria do sistema
plano. que devem ser elaborados pelo
penitenciário nacional, no caso dos Estados e do
gestor e objeto de deliberação do
Distrito Federal, e para a reinserção social de
conselho de saúde. Esses
presos, internados e egressos, ou de programas de
instrumentos possuem modelo,
alternativas penais, no caso dos Municípios.
mas não são analisados pelo
gestor federal individualmente.

23
Componente Saúde Penitenciária
Estabelece-se o relatório anual de
Foi estabelecido relatório anual de gestão, com a
gestão como instrumento hábil
mesma finalidade, a ser elaborado pelo gestor
para comprovar a regular
local e encaminhado ao Depen. Foi estabelecido
aplicação dos recursos
um conjunto de dados mínimos referentes a
transferidos no ano anterior. Por
qualificativos da população e dos
Monitoramento: meio do sistema informatizado,
estabelecimentos prisionais, com especificação
definição do ciclo esses relatórios devem ser
dos resultados físico-financeiros. Além desse
de elaboração do elaborados pelo gestor no início do
relatório, o monitoramento pelo Departamento é
relatório de exercício e encaminhados para
complementado pelo acesso às contas dos
gestão. deliberação do conselho de saúde
fundos, relatórios semestrais, visitas locais e
local. Ainda, há previsão do MS
alimentação dos sistemas de informação. Em
analisar esses relatórios. Além
Portarias e Notas Técnicas, também se encontram
disso, é realizado pelo Ministério o
previsões sobre o conteúdo dos relatórios
acompanhamento da alimentação
semestrais.
dos sistemas de informação.
Fonte: Elaboração própria.

Diante do comparativo acima, destacam-se os seguintes achados quanto ao


componente da implementação no âmbito da modalidade fundo a fundo do Funpen:

Critérios de repasse

No geral, esses critérios são similares, conforme apresentado no quadro acima. Todavia,
deve-se ressaltar a situação do critério da contrapartida no âmbito da modalidade fundo
a fundo do Funpen (inc. III, § 3º, art. 3º-A da Lei Complementar nº 79/1994). Em primeiro
lugar, destaca-se que a contrapartida é facultativa no âmbito do Funpen, conforme
entendimento do Depen acerca do inciso III, do §3º, do art. 3-A da referida Lei, que
condiciona a contrapartida a ato do Ministro de Estado que contemple os critérios e
condições. Verifica-se que, nos repasses de 2016 a 2018, não constam atos que
regulamentem a exigência de contrapartida.

Ainda, salienta-se que as Portarias do Depen que regulamentam os repasses de 2017 e


2018 exigem expressamente que os Estados e o Distrito Federal devem levar em conta
as recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura –
MNPCT, em conformidade com art. 9º, § 3º, da Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013.
Entretanto, no que diz respeito às Resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária – CNPCP, observa-se que houve ausência de menção explícita, nas
referidas portarias, à necessidade de consideração aos normativos desse Conselho para
orientar a execução dos recursos, conforme parágrafo único do art. 2º do Decreto nº
1.093/1994, que regulamenta a Lei Complementar citada acima.

Ressalta-se, contudo, a ausência de regulamentação específica do CNPCP acerca da


modalidade de transferência fundo a fundo do Funpen, tendo em conta a sua
competência regimental de estabelecer os critérios e prioridades para aplicação dos
recursos desse Fundo.

24
Usos e vedações

Na Saúde, há rol exemplificativo tanto dos usos quanto das vedações na aplicação dos
recursos pelos entes beneficiários, notadamente nos art. 3º e 4º da Lei Complementar
nº 141/2012. Por sua vez, no caso da modalidade fundo a fundo do Funpen, a Lei
Complementar nº 79/1994 apenas apresenta tal explicitação quanto aos usos. No que
diz respeito às vedações, esse normativo estabelece somente um caso, replicado no
Decreto nº 1.093, de 23 de março de 1994, e nas Portarias nº MJSP n 1.221/2017 e MSP
n° 225/2018: o previsto no inc. XIII, do art. 3º (vedação à aplicação dos recursos em
despesas de pessoal relativas a servidores públicos já remunerados pelos cofres
públicos). Salienta-se, contudo, que o §2º do art. 3º-A da LC nº 79/1994, ao prever
expressamente as atividades e programas que podem ser objeto de repasse, impõe, de
forma implícita, restrições quanto ao direcionamento dos recursos.

Conforme explicitado no item 1.1 do presente Relatório, a Portaria nº 1.221, de 21 de


dezembro de 2017, que regulamentou os repasses do exercício de 2017, apontou
expressamente as atividades que poderiam ser financiadas com os recursos repassados.
Apesar da não utilização de termos idênticos, as atividades previstas na Portaria
coincidem com as previstas na Lei Complementar. Por sua vez, a Portaria nº 225/2018
fez menção expressa aos usos previstos no art. 3º da LC nº 79/1994, de forma que
mitigou eventuais imprecisões quanto à compatibilidade entre as atividades previstas
na Portaria e na Lei Complementar.

As Portarias nº 1.221/2017 e 225/2018 também apresentam vedação expressa quanto


à utilização de recursos transferidos pela modalidade fundo a fundo na forma de
contrapartida devida pelos entes da federação em qualquer espécie de convênio ou
instrumento congênere firmado com a União.

No que diz respeito ao tipo de despesa – custeio ou investimento –, a previsão expressa


quanto à aplicação, e correspondente vedação implícita, constam somente nas Portarias
nº 1.221/2017 e 225/2017, com previsões diferentes para os repasses dos exercícios de
2017 e 2018.

Destaca-se ainda que a previsão de vedações está presente, de forma explícita e


consolidada, em documentos administrativos orientativos elaborados pelo Depen, com
destaque para os itens 01 e 08 da Nota Técnica nº 2/2018/COAPC/CGGIR-
DEPEN/DIRPP/DEPEN, de 21 de março de 2018, e ao item 05 da Nota Técnica nº
18/2018/COAPC/CGGIR-DEPEN/DIRPP/DEPEN, de 26 de fevereiro de 2018.

Assim, é oportuno considerar que a Lei e o Decreto regulamentador não estabelecem


expressamente um rol de vedações quanto às atividades e tipos de despesas, as quais
estão previstas, de forma implícita ou expressa, nos detalhamentos existentes em
portarias e documentos orientativos, os quais são elaborados, publicados e aplicáveis a
diferentes exercícios. Desta feita, embora não tenham sido identificadas contradições
nas previsões de usos e vedações, entende-se que a multiplicidade de instrumentos e
de normativos relacionados à adequada aplicação dos recursos pode gerar dificuldades

25
e incertezas quanto aos critérios exigidos para a utilização dos recursos transferidos em
cada exercício.

Condições de movimentação

Nesse componente, deve-se ressaltar que o Decreto regulamentador da LC nº 79/1994,


além de não abordar as condições de movimentação, não foi alterado após a instituição
da transferência fundo a fundo pelo Funpen por meio da Lei n° 13.500/2017.

A Portaria nº 1.414/2016, que foi prevista para estabelecer condições gerais, previu que
a movimentação dos recursos financeiros transferidos ocorresse por intermédio da
conta bancária específica do fundo penitenciário estadual ou distrital, ou, nos casos dos
Municípios, em conta bancária específica do fundo específico. Por sua vez, a Portaria nº
128, de 03 de abril de 2017, alterou essa sistemática ao prever que os recursos
repassados na modalidade fundo a fundo passariam a ser depositados e geridos
exclusivamente por conta bancária específica do Banco do Brasil.

As Portarias nº 1.221/2017 e nº 225/2018, que regulamentaram, respectivamente, os


repasses de 2017 e 2018, apesar de não se referirem explicitamente às Portarias nº
1.414/2016 e nº 128/2017, possuem conteúdo coincidente com essa última, pois
ressaltam que os recursos deverão ser movimentados, exclusivamente, nas contas
específicas que foram abertas pelo Depen em instituição financeira oficial da União.

Similarmente ao apontado para o componente de usos e vedações, considera-se que a


multiplicidade de portarias existentes, inclusive com o conteúdo divergente da Portaria
nº 1.414/2016 e com a ausência de menção expressa à Portaria nº 128/2017 nos
normativos que regulamentam os repasses de 2017 e 2018, pode gerar dificuldades e
incertezas quanto à sistemática de movimentação dos recursos.

Planejamento

Destaca-se a ausência de detalhamento na regulamentação do planejamento, pois não


há previsão normativa expressa, dentre outras, sobre o conteúdo detalhado do plano
de aplicação de recursos e das respectivas diretrizes para elaboração, por exemplo:
análise situacional local (estrutura e recursos), necessidades da população beneficiária,
monitoramento por indicadores, dentre outras.

Além disso, destaca-se a ausência de detalhamento expresso quanto à necessidade de


alinhamento entre esse plano de aplicação e o Plano Diretor1, previsto na Resolução nº
CNPCP nº 1, de 29 de abril de 2008, ou a outros instrumentos de planejamento que
contemplem metas e indicadores de médio prazo.

Ressalta-se, para fins de comparação, que o Decreto que regulamenta o Fundo Nacional
de Segurança Pública apresenta exemplo do detalhamento em comento para a
respectiva implementação (vide § 5º, art. 11 do Decreto nº 9.609/2018). Além disso, no

1
Consta ao final da presente análise item específico que apresenta o histórico do Plano Diretor.

26
âmbito da Saúde, inclusive no tocante ao alinhamento entre instrumentos de
planejamento, pode-se conferir os arts. 94 a 99 da Portaria de Consolidação MS nº
1/2017.

No que diz respeito ao relatório de gestão, salienta-se que, apesar de a Lei


Complementar apontar a sua aprovação como critério de recebimento do recurso, não
consta previsão para que o referido instrumento contemple informações sobre
cumprimento de metas pactuadas ou sobre a utilização de indicadores, apesar da
menção expressa à necessidade de apresentar dados sobre o sistema prisional. Ressalta-
se, inclusive, que o inciso V do §3º do art. 3º-A prevê que um regulamento poderá definir
outros dados a serem apresentados no relatório de gestão.

Verifica-se, assim, que os instrumentos de planejamento previstos para o repasse de


recursos na modalidade fundo a fundo do Funpen não são formados por documentos
formais que apontem os objetivos e metas de forma precisa e sistematizada, de modo
a orientar as ações e assegurar a transparência sobre os resultados esperados da política
pública.

Além disso, diferentemente do que ocorre na área da saúde, não há detalhamento e


previsão legal acerca da atuação de conselho penitenciário ou congênere na avaliação
do instrumento de planejamento, que, no caso da área penitenciária, restringe-se ao
plano de aplicação; bem como não se verifica a utilização de sistema informatizado para
auxiliar os gestores no planejamento.

Monitoramento

Da análise comparativa com a área da saúde, destaca-se a ausência, na regulamentação


penitenciária, de previsão expressa sobre a atuação de conselho penitenciário na
avaliação do relatório de gestão e sobre a implantação e utilização de sistema
informatizado, similar ao Sistema de Apoio ao Relatório de Gestão (SARGSUS), o qual
possui funcionalidade para elaboração também do plano de saúde e da programação
anual de saúde, bem como serve como fonte de transparência ativa desses instrumentos
de gestão.

Conclusão parcial

Em conclusão, a partir da situação encontrada e das análises efetuadas, entende-se que


os instrumentos estabelecidos garantem parcialmente a implementação célere e
criteriosa dos recursos do Funpen, considerando especialmente os seguintes achados:

• Multiplicidade de normativos regulamentadores dos usos e vedações na


aplicação dos recursos, bem como das condições de movimentação, com risco
de gerar dificuldades e incertezas quanto aos critérios exigidos para a utilização
dos recursos transferidos em cada exercício;
• Ausência de menção expressa às diretrizes do CNPCP nas portarias que
regulamentam a execução dos recursos;

27
• Ausência de regulamentação específica do CNPCP acerca da modalidade fundo
a fundo;
• Ausência de instrumentos de planejamento suficientes para abranger diferentes
momentos da aplicação dos recursos (anual, médio e longo prazo);
• Ausência de definição precisa acerca do conteúdo detalhado do plano de
aplicação, bem como da vinculação desse plano a instrumentos de planejamento
que contemplem metas e indicadores de médio e longo prazo;
• Ausência de definição quanto à utilização de sistemas de informação que apoiem
o planejamento e o monitoramento; e
• Ausência de definição precisa sobre a forma de atuação dos Conselhos
Penitenciários ou congênere na fiscalização da aplicação dos recursos em apoio
ao acompanhamento realizado pelo Depen.

Por fim, destaca-se que as imprecisões relativas ao conteúdo do plano de aplicação e do


planejamento, em um contexto de multiplicidade de normativos regulamentadores,
podem contribuir para a ocorrência de dificuldades durante a execução dos recursos e,
assim, para a continuidade dos pedidos de prorrogação de vigência dos recursos
transferidos, ocasionando a morosidade na aplicação efetiva dos recursos. Por outro
lado, a ausência de previsão expressa a respeito de diversos outros critérios integrantes
das transferências do Funpen (resoluções do CNPCP e atuação dos Conselhos)
prejudicam a aplicação criteriosa dos recursos transferidos.

Em que medida existem mecanismos institucionalizados que garantam a


responsabilização pela gestão dos recursos do Funpen?

Em continuidade a esta análise comparativa, abordam-se, a partir deste item, os


componentes da dimensão de responsabilização na gestão dos recursos do Funpen que
são executados por meio da modalidade fundo a fundo. São estes os componentes
analisados: participação social, transparência pública, devolução e ressarcimento. O
quadro seguinte sumariza o comparativo de instrumentos desta dimensão, segundo
componente:

Quadro 09 – Comparativo dos instrumentos de responsabilização


Componente Saúde Penitenciária
A atuação da participação social
mediante conselhos comunitários é
amplamente institucionalizada no
A partir da exigência legal da existência
Participação social: setor de saúde, sendo destacados os
de conselho penitenciário, o Depen
definição de instâncias seguintes atributos: paridade entre
requisita comprovação da criação e
de controle social nos sociedade e demais segmentos;
composição desses conselhos às
ciclos de planejamento existência de poder deliberativo
Unidades Federativas para repasse de
e monitoramento. sobre os instrumentos de gestão;
recursos.
fiscalização dos recursos executados
pelos gestores locais; manutenção
prevista em orçamento; etc.

28
Componente Saúde Penitenciária
Em Decreto regulamentar,
específico para a gestão
Em Portarias que fundamentam as
descentralizada dos recursos
transferências dos dois últimos
transferidos, estabelece-se, com
exercícios, indica-se a possibilidade de
respaldo na LRF, a obrigatoriedade
divulgação dos relatórios semestrais
Transparência pública: da ampla divulgação da execução
ou de seu conteúdo, bem como é
definição de dados a desses recursos, a qual originou a
definida a transparência ativa pelo
serem disponibilizados, instituição de portal da
Depen dos procedimentos de
mormente em transparência específico. Além disso,
devolução de recursos no portal do
transparência ativa. em Portarias Ministeriais, há a
Departamento. Além disso, estão
exigência de publicidade dos
presentes nesse portal quadros
instrumentos de planejamento
consolidados dos recursos transferidos
elaborados pelos gestores, bem
para cada Unidade Federativa.
como a situação de aprovação pelo
controle social.
Podem ocorrer em duas circunstâncias:
término de prazo de execução e por
desvio de finalidade por meio de
Devolução: definição de procedimento administrativo. Na
procedimentos no caso Podem ocorrer em duas primeira, há possibilidade de
de não execução dos circunstâncias: término de prazo de prorrogação que se encontra prevista
recursos ao final do execução e por desvio de finalidade em Lei e regulamentada em Portaria.
exercício, término do por meio de procedimento Ocorre mediante notificação com
prazo de execução ou administrativo. prazo e Guia de Recolhimento da União
de desvio de finalidade. (GRU). Além disso, informa-se que o
Depen tem autorização para solicitar
diretamente essa devolução ao banco
oficial.
Com base nas Portarias de repasse
anual, verifica-se que uma Tomada de
Os procedimentos para realização Conta Especial pode ser aberta se, após
Ressarcimento:
de ressarcimentos não são explícitos trinta dias de notificação para a
definição de
nas normas aplicáveis. Assim, deve- devolução de recursos, a Unidade
procedimentos no caso
se recorrer ao estabelecido Federada não atender. Outras
de dano ao erário ou de
genericamente no art. 84 do Decreto situações previstas são: não aprovação
omissão no dever de
Lei nº 200/1964 e no art. 8º da Lei nº do relatório pelo Depen e não
prestar contas.
8.443/1994. apresentação do relatório. Em situação
extrema, é realizado o registro de
inadimplência no SIAFI.
Fonte: Elaboração própria.

Em face do comparativo acima, destacam-se os seguintes achados referentes ao


componente da responsabilização no âmbito da modalidade fundo a fundo do Funpen:

Participação social

De início, deve-se ressaltar que a Lei n° 13.500/2017 elenca explicitamente os conselhos


penitenciários estaduais e distrital, para apoio ao controle e à fiscalização da aplicação
dos recursos do Funpen. Além disso, a aplicação dos recursos do Funpen deve observar
as resoluções do CNPCP. Assim, além das informações requisitadas pelo Depen acerca
da constituição dos conselhos penitenciários para fins de repasse, não foram
identificadas normas que definam a atuação desses conselhos nos instrumentos de
gestão (plano de aplicação, relatório semestral ou relatório de gestão). Por último,

29
salienta-se que os normativos do Funpen não mencionam a atuação dos conselhos de
comunidade como colaboradores na fiscalização dos recursos transferidos, tendo em
conta as atribuições desses conselhos de realizar visitas nos estabelecimentos penais e
de diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao
preso.

Transparência pública

Preliminarmente, entende-se que as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal e da


Lei de Acesso à Informação são comuns aos dois setores avaliados. Em todo caso, apesar
das providências já adotadas, considera-se que a adequação da transparência ativa, pelo
Funpen, é incipiente, inclusive tendo em conta a determinação 9.1.6 do Acórdão TCU nº
2.643/2017-Plenário, pois não há informação sobre a efetiva execução dos recursos
transferidos; ou, caso ocorram, informação sobre devoluções ou ressarcimentos.

Ainda, não existem informações sobre a possibilidade de acesso aos Planos de Aplicação,
Relatórios Semestrais e Relatórios de Gestão. Nesse contexto, cabe destacar que, no
âmbito da saúde, o SARGSUS funciona como fonte de transparência ativa dos
instrumentos de gestão a partir de exigência legal e normativa específica do Ministério
da Saúde (art. 31 da Lei Complementar nº 141/2012 e art. 96, 99 e 436 a 441 da Portaria
de Consolidação MS nº 1/2017).

Por fim, destaca-se a ausência de regulamentação e de transparência ativa sobre


eventuais recursos do Funpen que tenham sido transferidos às organizações da
sociedade civil (OSC), conforme autorização do art. 3º-B da Lei Complementar nº
79/1994, especialmente considerando todo o regramento diferenciado estabelecido
para que seja factível esse fomento ao terceiro setor.

Devolução

Em termos operacionais, o procedimento de devolução encontra-se institucionalizado.


Além disso, ressalta-se que as sucessivas prorrogações dos prazos de utilização devem
ser devidamente motivadas, consoante previsão do § 5º, art. 3º-A, da Lei Complementar
nº 79/1994 combinado com o art. 13 da Portaria MSP nº 225/2018 (referente ao repasse
ocorrido em 2018). Com efeito, entende-se que esse procedimento não está sendo
executado em razão de todos os repasses estarem com seus prazos de execução
vigentes, considerando as prorrogações concedidas aos repasses de 2016 e 2017.

Ressarcimento

Em termos operacionais, o procedimento de ressarcimento encontra-se


institucionalizado até o momento de abertura da Tomada de Conta Especial.

Conclusão parcial

Em suma, com base nos achados observados e nas considerações elencadas, entende-
se que os instrumentos estabelecidos garantem parcialmente a responsabilização da

30
gestão na execução descentralizada dos recursos do Funpen, considerando
especialmente as seguintes situações:

• Deficiências de transparência ativa dos recursos transferidos, incluindo execução


financeira realizada, bem como eventuais prorrogações, devoluções,
ressarcimentos e financiamentos de OSC;
• Deficiência de transparência ativa da documentação de habilitação e dos
instrumentos de gestão (plano de aplicação, relatórios semestrais e relatórios
anuais);
• Ausência de regulamentação da forma de atuação dos conselhos penitenciários
na elaboração e fiscalização dos instrumentos de gestão (plano de aplicação,
relatórios semestrais e relatórios anuais), em auxilio ao acompanhamento
realizado pelo Depen.

Diante do exposto, considera-se que sucessivas prorrogações de vigência dos repasses


realizados contribuem para que instrumentos de responsabilização como devolução e
ressarcimento não sejam aplicados. Nesse sentido, entende-se de maior importância a
realização criteriosa da análise dos pedidos de prorrogação. Além disso, considera-se
relevante a definição clara da forma de atuação do conselho penitenciário e de
comunidade como atores colaboradores de fiscalização para o Depen para fins de
promover a responsabilização, mediante controle social. Enfim, resta destacar a ampla
margem de melhorias possíveis no quesito de transparência ativa dos recursos do
Funpen.

Conclusão

Com fundamento nesta análise comparativa dos instrumentos normativos de relação


interfederativa entre as políticas de saúde e penitenciária, no contexto de
financiamento federal fundo a fundo, entende-se que o arcabouço normativo
estabelecido para o Funpen prevê parcialmente a estruturação institucional necessária
à garantia da implementação célere e criteriosa dos recursos. Similarmente, tal
arcabouço estabelece parcialmente a responsabilização pela gestão desses recursos. Em
ambas dimensões, foram identificadas insuficiências ou ausências em diversos
componentes analisados.

Plano Diretor de Melhorias para o Sistema Prisional

Conforme indicado no âmbito da análise do componente “planejamento” da presente


subquestão de auditoria, esta seção tem por objetivo apresentar brevemente o histórico
de uma importante iniciativa conduzida outrora pelo Governo Federal em conjunto com
as unidades federativas visando o aperfeiçoamento do sistema prisional brasileiro.

Trata-se do Plano Diretor de Melhorias para o Sistema Prisional, idealizado em 2007


como uma ferramenta de planejamento para orientar a atuação das unidades
federativas na reestruturação do modelo prisional brasileiro, de modo a adequar a
realidade de cada estado e DF às bases legais constantes da Constituição Federal, Lei de
Execução Penal, Resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal e outros

31
dispositivos aplicáveis, contribuindo, assim, para a consecução de um sistema prisional
mais humano, seguro e que atenda à legalidade quanto ao tratamento básico à pessoa
em situação de encarceramento.

O Governo Federal dividiu o Plano em três grandes eixos– sistema de justiça,


modernização da gestão e reintegração social – e elegeu 16 assuntos estratégicos para
os quais as unidades federativas deveriam traçar seus planejamentos e planos de ação
específicos, sendo eles: assistência jurídica; alternativas penais; comissão técnica de
classificação; conselhos da comunidade; diminuição do déficit carcerário;
aparelhamento e reaparelhamento; ouvidoria; escola de administração prisional;
Infopen; profissionais do sistema prisional, patronatos; saúde no sistema prisional;
educação no sistema prisional; assistência laboral e profissionalização; assistência à
família do preso; e mulher presa e egressa.

Visando à elaboração dos Planos Diretores estaduais, realizou-se, à época, um


diagnóstico da situação de cada unidade federativa, com o levantamento de dados
quantitativos e qualitativos diversos e a identificação das principais necessidades de
cada unidade. Esse diagnóstico situacional foi conduzido pelas UF em conjunto com o
Depen, o qual também ficou encarregado de realizar o monitoramento, o
acompanhamento e a avaliação das ações a serem desenvolvidas/planejadas pelos
órgãos estaduais de administração prisional.

No período compreendido entre 2008 e 2011, os Planos Diretores estaduais foram


objeto de monitoramento in loco ou virtual e atualização, tendo sido elaborados
materiais estatísticos e informativos por parte do Depen.

Conforme informado pelo Depen, embora tenha passado por uma reformulação visando
à sua otimização, o Plano Diretor iniciou uma trajetória descendente a partir de 2011,
até ser extinto ao fim do mesmo ano, por motivo de prioridades de gestão. Além disso,
o Departamento também informou que, em momentos passados, houve várias
tentativas de resgate do Plano Diretor por parte de sua equipe técnica responsável que
não foram bem-sucedidas, e que a retomada do Plano está sendo reavaliada pela atual
gestão.

Apesar de o Plano Diretor não ter tido continuidade, é necessário destacar que esse
instrumento foi formalmente incorporado à política prisional por meio da Resolução nº
01, de 29 de abril de 2008, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(CNPCP), a qual determina, em seu art. 1º, que “a liberação dos recursos financeiros
geridos pelo Departamento Penitenciário Nacional estará condicionada à elaboração do
Plano Diretor do Sistema Penitenciário pelas Unidades Federativas, a sua aprovação pelo
Órgão e ao consequente cumprimento do cronograma de ações estabelecido”. Além
desse dispositivo, a Resolução também dispõe que comissão a ser criada pelo Depen
deverá realizar o monitoramento e a avaliação das ações do Plano Diretor, além de
definir as 23 metas que o compõem.

Embora a Resolução nº 01/2008 não tenha sido objeto de revogação por parte de
nenhuma outra resolução do CNPCP – estando, em princípio, vigente –, o seu

32
cumprimento deixou de ser observado a partir da interrupção do desenvolvimento do
Plano Diretor por parte do Depen, em 2011.

É preciso ressaltar que a proposta do Plano Diretor representou um importante


instrumento de planejamento e monitoramento da política pública prisional em âmbito
nacional, estando alinhado com algumas premissas básicas que regem a elaboração e a
execução de políticas públicas de forma geral. Segundo o documento “Referencial para
Avaliação de Governança em Políticas Públicas” (TCU, 2014), uma política pública deve
orientar-se por uma formulação geral que defina sua lógica de intervenção e por planos
que permitam operacionalizar as ações necessárias, delineadas em função das
diretrizes, objetivos e metas propostas. O referido Referencial apresenta uma série de
boas práticas a serem adotadas na formulação de uma política pública, das quais se
destacam:
a) Explicitação do estágio inicial de referência, ou seja, da linha de base (ou “marco
zero”) que servirá de subsídio para a avaliação do resultado da intervenção
pública;
b) Definição de objetivos precisos o suficiente para permitir uma delimitação nítida
do campo de atuação da política, traduzindo-os, por sua vez, em metas precisas
e objetivamente caracterizadas, que concorram para a consecução dos
propósitos mais gerais da intervenção pública, de modo a orientar as ações
governamentais e assegurar a transparência sobre metas e resultados;
c) Consulta a todos os envolvidos na implantação durante o processo de
planejamento, incluindo-se a definição consensual dos objetivos, no acordo
sobre as prioridades e na pactuação de uma estratégia clara e compreensível,
levando em consideração como os produtos e serviços serão prestados e por
quem, de modo que estejam cientes dos resultados esperados;
d) Identificação e provisão de recursos humanos, físicos, financeiros e de tecnologia
da informação necessários para o início e o desenvolvimento da política pública;
e) Previsão da medição do progresso e conquistas no plano, incluindo-se a
identificação de indicadores-chave de progresso para os principais objetivos da
política, da disponibilidade suficiente de dados confiáveis e relevantes para dar
suporte aos relatórios de desempenho da política, assim como dos principais
agentes responsáveis pelo fornecimento e utilização de dados e informações.

Dessa forma, torna-se patente a necessidade de que a política prisional possua


instrumentos de planejamento que permitam conhecer a atual realidade de cada
unidade da federação, o estágio que se pretende alcançar no curto, médio e longo prazo
e quais ações precisam ser realizadas para este fim, com a clara identificação de
responsáveis, prazos e indicadores de acompanhamento. Uma vez que o
aprimoramento do sistema prisional demanda a atuação de diversos atores, distribuídos
entre as esferas federal, estadual e municipal e os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, esses instrumentos de planejamento mostram-se de extrema importância
para que todos os atores sejam claramente identificados e suas ações sejam articuladas
e alinhadas aos grandes objetivos da política. Além disso, a instituição de instrumentos
formais de planejamento de médio e longo prazo evita a descontinuidade da política em
decorrência de mudanças de governo.

33
Destaca-se ainda que o aperfeiçoamento dos instrumentos de planejamento e
monitoramento do sistema prisional, a racionalização das aquisições de bens e serviços
dos órgãos integrantes desse sistema, assim como o fortalecimento da cooperação
federativa e do apoio técnico da União aos entes federativos, estão em conformidade
com os objetivos e disposições da Lei nº 13. 675, de 11 de junho de 2018, que estabelece
o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, e com o Decreto nº 9.630, de 26 de
dezembro de 2018, que institui o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

34
QUESTÃO DE AUDITORIA 2: O modelo proporcionou a celeridade prevista na utilização
dos recursos do Funpen, com sua utilização direcionada para aspectos considerados
prioritários para a modernização e aprimoramento do sistema prisional?

2.1. Uma vez realizados os repasses aos entes federativos, os recursos foram utilizados
de maneira célere, proporcionando os meios necessários às atividades e programas de
modernização e aprimoramento do sistema penitenciário?

Para avaliar se houve celeridade na execução dos recursos do Funpen transferidos aos
entes federativos na modalidade fundo a fundo, inicialmente se propôs a aplicação de
dois procedimentos: 1) avaliação dos relatórios semestrais apresentados pelos entes
federativos, os quais devem conter dados sobre a execução física e financeira dos
recursos; e 2) avaliação dos dados atualizados sobre a execução financeira, obtidos a
partir das contas bancárias nas quais são mantidos os recursos repassados.

No entanto, as fragilidades existentes na forma de apresentação do conteúdo dos


relatórios semestrais impuseram limites à aplicação do primeiro procedimento.
Primeiramente, é preciso registrar que os relatórios semestrais não seguem um mesmo
formato, havendo grandes variações na forma de apresentação do conteúdo por parte
das UF, o que dificulta a localização das informações. Além disso, também não há uma
uniformização sobre os parâmetros a serem apresentados pelas UF no que tange aos
dados de execução orçamentária e financeira dos recursos, tendo sido identificados
relatórios com dados de execução relativos a diferentes estágios de execução da
despesa, como “valor bloqueado”, “valor empenhado”, “valor licitado”, “valor
contratado” e “valor pago”. Também houve limitação à extração dos dados de execução
dos relatórios semestrais em razão das seguintes circunstâncias: i) existência de dados
sem a correspondente especificação do estágio de execução da despesa a que se
referem; ii) baixa qualidade da digitalização dos documentos; e iii) ausência de tabelas
consolidadoras dos dados, estando estes distribuídos ao longo do documento.

Devido às limitações verificadas, para responder à presente subquestão de auditoria,


optou-se exclusivamente pela execução do procedimento de avaliação dos dados
atualizados sobre a execução financeira obtidos a partir das contas bancárias nas quais
são mantidos os recursos repassados. Esses dados foram apresentados pelo Depen e
são referentes à situação dos recursos em 19 de março de 2019. Apresenta-se, a seguir,
a avaliação sobre esses dados.

Primeiramente, é preciso observar que os repasses de recursos do Funpen na


modalidade fundo a fundo ocorrem, via de regra, no mês de dezembro de cada
exercício. Até o momento, foram realizados repasses nos exercícios de 2016, 2017 e
20182, cujas execuções financeiras totais são apresentadas no quadro a seguir:

2
Todas as unidades federativas receberam os repasses no mês de dezembro de cada exercício, com as
seguintes exceções: i) os Estados da Bahia e Ceará receberam o repasse relativo ao exercício de 2016
somente em outubro de 2017; ii) o Estado de Mato Grosso do Sul não recebeu o repasse de 2018.

35
Quadro 10 – Execução financeira dos recursos do Funpen transferidos na modalidade
fundo a fundo - Apuração em março/2019 (em R$)
Exercício do repasse Valor transferido Valor executado1 % de execução
2016 1.209.179.999,88 388.920.763,51 32,16%
2017 590.625.000,01 85.356.240,98 14,45%
2018 61.464.281,72 0,00 0,00%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados constantes do Despacho nº 1577/2019/DIRPP/DEPEN, de
20/03/2019.
1
Considera-se como valor executado o pagamento das despesas por parte dos entes federativos.

Considerando os valores executados totais, verifica-se que as taxas de execução dos


recursos para os três exercícios são baixas. Destaca-se que o repasse de 2016 possuía
vigência inicial até o final de 2017, tendo passado por duas prorrogações de prazo,
conforme as Portarias nº 1.171/2017 e nº 222/2018, e atualmente se encontra vigente
até o final de 2019. Já o repasse de 2017 possuía vigência inicial até o final de 2018 e
sofreu prorrogação até o final de 2019, por meio da Portaria nº 222/2018. Assim,
passados mais de dois anos desde o repasse de 2016, a taxa de execução alcançou em
torno de um terço dos recursos (32,16%). Já em relação ao repasse de 2017, a taxa de
execução alcançou somente 14,45% dos recursos, mesmo transcorrido mais de um ano
da transferência. Para o repasse de 2018, verifica-se que o lapso de aproximadamente
três meses não possibilitou qualquer execução de recurso.

Ao se estratificar a execução dos recursos conforme a natureza da despesa, verifica-se


um cenário com taxas de execução diferentes, conforme demonstrado abaixo:

Quadro 11 – Execução financeira dos recursos do Funpen transferidos na modalidade


fundo a fundo, por natureza de despesa - Apuração em março/2019 (em R$)
Exercício Valor % de
Natureza da despesa1 Valor transferido
do repasse executado execução
Construção 862.499.999,88 146.203.492,62 16,95%
2016 Aparelhamento - Despesas de capital 238.680.000,00 183.159.194,87 76,74%
Aparelhamento - Despesas de custeio 108.000.000,00 59.558.076,02 55,15%
Despesas de capital 374.397.187,49 24.717.983,16 6,60%
2017
Despesas de custeio 216.227.812,52 60.638.257,82 28,04%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados constantes do Despacho nº 1577/2019/DIRPP/DEPEN, de
20/03/2019.
1
Para o repasse de 2016, foram abertas três contas bancárias, por parte de cada gestor estadual, para o
recebimento dos recursos, conforme as categorias “construção”, “aparelhamento - capital” e
“aparelhamento - custeio”. Para o repasse de 2017, foram abertas duas contas bancárias, conforme as
categorias “capital” e “custeio”.

Para o repasse de 2016, verifica-se que as despesas de capital e custeio atingiram taxas
de execução superiores (76,74% e 55,15%, respectivamente) à taxa de execução
agregada do exercício (32,16%, conforme o Quadro 10). Por outro lado, a taxa de
execução relativa à construção foi bastante inferior, atingindo o índice de 16,95%. Já em
relação ao repasse de 2017, as despesas de capital, que neste caso incluem as despesas
de construção, foram ainda mais reduzidas: 6,60% do total repassado foi executado; e

36
somente 28,04% dos recursos destinados a despesas de custeio foram executados.
Assim, verifica-se que as taxas de execução de recursos destinados a obras, de forma
geral, são inferiores às taxas relacionadas a despesas de outras naturezas.

O detalhamento da execução dos recursos segundo a natureza da despesa e a unidade


da federação permite visualizar melhor os perfis de execução de cada natureza,
conforme exposto a seguir:

Quadro 12 – Taxa de execução financeira dos recursos do Funpen transferidos na


modalidade fundo a fundo, por natureza de despesa e UF - Repasse de 2016 - Apuração
em março/2019
Construção Aparelhamento - Capital Aparelhamento - Custeio
Percentual de Percentual de Percentual de
UF UF UF
Execução Financeira Execução Financeira Execução Financeira
AC 104,46% GO 122,49% SC 107,84%
GO 89,53% PI 115,45% AC 106,18%
TO 62,93% MA 105,84% ES 104,11%
PE 58,51% AC 105,60% MG 103,25%
CE 51,62% SE 104,79% MT 101,61%
SE 45,40% MG 104,72% SP 100,01%
PA 11,82% MT 99,71% GO 93,89%
RN 9,24% RJ 98,26% PI 89,80%
RJ 9,07% PA 96,56% PA 85,55%
RR 8,55% SP 96,42% PE 81,84%
MA 3,37% DF 90,92% CE 60,92%
AM 2,55% PR 90,09% TO 57,04%
SP 0,64% ES 86,70% RO 55,50%
AL 0,00% TO 85,99% SE 52,18%
AP 0,00% RN 77,13% RJ 50,54%
BA 0,00% SC 75,38% RS 45,19%
DF 0,00% PB 72,34% RN 44,59%
ES 0,00% PE 72,15% AL 43,63%
MG 0,00% AM 63,84% MA 34,35%
MS 0,00% RO 54,21% AM 34,04%
MT 0,00% AL 53,76% MS 25,14%
PB 0,00% MS 49,54% PB 5,94%
PI 0,00% CE 48,50% RR 5,82%
PR 0,00% AP 47,22% AP 0,00%
RO 0,00% BA 29,57% BA 0,00%
RS 0,00% RS 17,36% DF 0,00%
SC 0,00% RR 7,37% PR 0,00%
TOTAL 16,95% TOTAL 76,74% TOTAL 55,15%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados constantes do Despacho nº 1577/2019/DIRPP/DEPEN, de
20/03/2019.
Observação: Percentuais de execução acima de 100% indicam que houve a utilização dos rendimentos
oriundos da aplicação dos recursos.

37
A partir do Quadro 12, destacam-se as seguintes ocorrências relativas à execução do
repasse de 2016:
• Construção: Mais da metade das UF (14) não executou nenhum recurso
destinado à construção; cinco UF executaram mais de 50%, das quais somente
uma executou a totalidade dos recursos dessa categoria.
• Despesas de capital: Vinte e uma UF executaram mais de 50% dos recursos, das
quais seis executaram a totalidade dos recursos dessa categoria.
• Despesas de custeio: Quatro UF não executaram nenhum recurso destinado a
despesas de custeio; quinze UF executaram mais de 50% dos recursos, das quais
seis executaram a totalidade dos recursos dessa categoria.

Os dados apresentados no Quadro 12 evidenciam que o maior gargalo da execução dos


recursos encontra-se nas ações relativas a obras de engenharia, visto que, mesmo após
transcorridos mais de dois anos do repasse de 2016, mais de metade das UF não havia
realizado o pagamento de nenhuma despesa dessa categoria.

Quadro 13 – Taxa de execução financeira dos recursos do Funpen transferidos na


modalidade fundo a fundo, por natureza de despesa e UF - Repasse de 2017 - Apuração
em março/2019
Capital Custeio
Percentual de Execução Percentual de Execução
UF UF
Financeira Financeira
PI 50,40% MT 80,72%
AC 19,48% MG 79,80%
SP 17,25% SP 77,30%
DF 12,58% RO 44,08%
PA 12,49% AC 43,37%
SC 12,01% RR 41,27%
MG 11,38% SC 39,79%
RN 8,30% GO 36,82%
BA 6,48% AL 31,90%
PE 1,62% MA 31,33%
GO 1,37% BA 23,75%
CE 0,58% PA 18,65%
AL 0,42% RN 15,13%
MA 0,19% RJ 14,95%
AM 0,00% PI 11,99%
AP 0,00% CE 7,91%
ES 0,00% ES 6,25%
MS 0,00% TO 0,22%
MT 0,00% AP 0,17%
PB 0,00% AM 0,00%
PR 0,00% DF 0,00%
RJ 0,00% MS 0,00%
RO 0,00% PB 0,00%

38
Capital Custeio
Percentual de Execução Percentual de Execução
UF UF
Financeira Financeira
RR 0,00% PE 0,00%
RS 0,00% PR 0,00%
SE 0,00% RS 0,00%
TO 0,00% SE 0,00%
TOTAL 6,60% TOTAL 28,04%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados constantes do Despacho nº 1577/2019/DIRPP/DEPEN, de
20/03/2019.

A partir do Quadro 13, destacam-se as seguintes ocorrências relativas à execução do


repasse de 2017:
• Despesas de capital: Quase metade das UF (13) não executou nenhum recurso
destinado a despesas de capital; somente uma UF executou mais 50% dos
recursos (50,4%).
• Despesas de custeio: Oito UF não executaram nenhum recurso destinado a
despesas de custeio; somente três UF executaram mais de 50% dos recursos.

Embora a execução financeira do repasse de 2017 não apresente os valores referentes


a obras de modo separado, como ocorreu para o repasse de 2016, verifica-se que as
despesas de capital, nas quais se enquadram as obras de engenharia, atingiram taxas de
execução bastante inferiores àquelas verificadas para as despesas de custeio, sugerindo
existir o mesmo quadro de dificuldades para a implementação das ações relativas a
obras de engenharia verificado para o repasse de 2016.

Outro fato que merece destaque diz respeito à realização de repasses em exercícios
subsequentes a todos os estados, apesar de vários destes apresentarem baixas, ou
mesmo nulas, taxas de execução. Assim, mesmo que determinado estado não tenha
executado nenhum recurso do repasse de 2016 destinado à construção, por exemplo,
ele ainda assim terá recebido a integralidade dos repasses de 2017 e 2018, em cuja
programação também há a destinação de recursos para obras de engenharia. Isso
ocorre porque o nível de execução dos recursos de repasses anteriores não integra o rol
de condições para a realização de determinado repasse, conforme estabelecido pelo §3º
do art. 3º-A da Lei Complementar nº 79/1994. Como consequência, e considerando as
sucessivas prorrogações dos prazos de execução desses repasses, os recursos ficam
aplicados por longos períodos nas contas bancárias em que se encontram depositados,
representando um grande custo de oportunidade para o sistema prisional brasileiro.

Por fim, considerando os dados de execução financeira apresentados, é possível afirmar


que, de modo geral, os recursos do Funpen repassados aos entes federativos na
modalidade fundo a fundo não foram executados de maneira célere, contrariando a
expectativa inicial de que essa nova modalidade traria mais agilidade à execução dos
recursos, por se tratar de um mecanismo de transferência menos burocrático do que as
transferências de caráter voluntário, como convênios e contratos de repasse.

39
Possíveis causas e soluções

No âmbito da presente auditoria, 24 unidades regionais3 da CGU realizaram ações de


controle com a finalidade de levantar diversas informações sobre a execução dos
recursos do Funpen transferidos via fundo a fundo. Dentre as informações colhidas,
buscou-se identificar quais eram as principais dificuldades enfrentadas pelos gestores
estaduais dos sistemas prisionais para executar os recursos, bem como colher a
indicação de iniciativas que o Governo Federal, na figura do Depen, poderia adotar para
facilitar essa execução, de modo a contribuir para o processo de modernização e
aprimoramento dos sistemas prisionais estaduais.

As dificuldades e iniciativas apontadas indicam, de forma geral, quais teriam sido os


principais entraves que levaram à baixa execução dos recursos. Assim, passa-se à
exposição dos resultados obtidos a partir do levantamento realizado, que serão
apresentados separadamente, conforme as dificuldades e iniciativas indicadas de forma
geral e aquelas indicadas de forma específica para as ações relativas a obras de
engenharia.

a) Dificuldades e iniciativas – Visão geral

A dificuldade mais frequentemente relatada pelos gestores estaduais consiste na


insuficiência de servidores capacitados, no corpo técnico de suas instituições, para a
elaboração de editais e termos de referência. Também foram apontadas as seguintes
dificuldades:
• Exíguo prazo para a apresentação dos Planos de Aplicação de Recursos,
prejudicando a elaboração de um documento consistente, que permita a
identificação do melhor direcionamento dos recursos;
• Morosidade do Depen para aprovar projetos e responder aos pedidos de
alteração dos Planos de Aplicação de Recursos;
• Demora para obter autorização do Exército Brasileiro para aquisição de itens sob
o seu controle, como por exemplo armamento; Há exemplo de Estado que
informou que o tempo médio transcorrido entre a solicitação para aquisição de
itens que necessitam de aprovação do Exército e a efetiva autorização para
compra é de seis meses;
• Dificuldades no âmbito de procedimentos licitatórios: falta de interesse de
empresas locais em realizar cotações de preço para o governo estadual; e
demora na entrega dos itens adquiridos por parte do fornecedor.

Em relação às iniciativas que o Depen poderia adotar para facilitar a execução dos
recursos, três delas se destacam por terem sido indicadas por gestores estaduais de
várias unidades federativas, sendo elas: i) flexibilização na utilização dos recursos
repassados, de modo que não haja vinculação de valores às categorias de investimento
e custeio, visando permitir que os entes façam o emprego dos recursos conforme suas
necessidades específicas; ii) realização, por parte do Depen, de licitações com a

3
Unidades federativas que não participaram do levantamento: Amazonas, Maranhão e Rio Grande do
Norte.

40
disponibilização de Atas de Registro de Preços (ARP) para adesão dos entes federativos,
para aquisição de itens comuns e de grande demanda, visando a celeridade na execução
dos recursos, a economicidade (ganho de escala) e a padronização dos itens no sistema
prisional; iii) Aquisição direta, por parte do Depen, de itens comuns e de grande
demanda e posterior doação aos entes. Nota-se que, diferentemente da
disponibilização de ARP para adesão dos entes, a aquisição direta de itens com posterior
doação implicaria no não repasse dos recursos aos entes, ou seja, a execução dos
recursos para a aquisição de tais itens seria realizada pelo próprio Depen.

Os gestores estaduais também sugeriram que as seguintes iniciativas fossem adotadas


pelo Depen:
• Aprimorar a estrutura interna do Depen de modo a conferir mais celeridade às
análises das demandas/documentos apresentados pelos entes federativos;
• Apoiar na elaboração dos planejamentos dos entes federativos para a utilização
dos recursos, por meio da realização de estudos técnicos in loco e de oficinas
para auxiliar na definição de prioridades;
• Informar o valor do repasse com maior antecedência e conferir um maior prazo
para a elaboração dos Planos de Aplicação de Recursos;
• Promover a capacitação das equipes técnicas estaduais sobre formalização,
acompanhamento, execução e prestação de contas, por meio de cursos
(inclusive na modalidade à distância), seminários, workshops, entre outros,
visando padronizar a qualificação dos servidores;
• Fornecimento de projetos modelos com a padronização de especificações
técnicas para aquisições de objetos mais complexos;
• Realizar gestão junto ao Exército Brasileiro para garantir agilidade nas análises
dos pleitos formulados pelos entes federativos de aquisição de itens
controlados;
• Desenvolvimento de um sistema informatizado para formalização,
acompanhamento, execução e prestação de contas dos recursos;
• Padronização de documentos, como por exemplo o Plano de Aplicação de
Recursos;

b) Dificuldades e iniciativas – Obras de engenharia

As ações desenvolvidas pelos gestores estaduais relacionadas a obras de engenharia no


sistema prisional – seja para construção, ampliação, reforma ou aprimoramento de
unidades prisionais – são de grande relevância em razão de sua contribuição direta para
mitigar dois principais problemas do sistema, quais sejam, a superlotação e a
precariedade das instalações físicas de unidades prisionais. Além disso, essas ações
envolvem grande parte dos recursos repassados às unidades federativas via fundo a
fundo, visto que existe a determinação normativa de que pelo menos 30% dos recursos
repassados sejam aplicados na construção, reforma, ampliação e aprimoramento de
estabelecimentos penais.

Assim, buscou-se identificar, junto aos gestores estaduais, quais são as dificuldades
enfrentadas para a execução dos recursos em ações relacionadas a obras de engenharia,
bem como iniciativas que possam ser adotadas pelo Depen para facilitar a execução.

41
Como resultado, foram identificadas as seguintes dificuldades por parte dos entes
federativos:
• Morosidade na análise e aprovação, por parte do Depen, da documentação
relativa a obras (projetos arquitetônicos, planilhas orçamentárias, etc.)
encaminhada pelos entes, em razão da reduzida equipe técnica existente
naquele Departamento para avaliar a demanda de todas as unidades federativas.
A título de exemplo, houve estado que informou que o Depen levou mais de 11
meses para avaliar sua documentação encaminhada;
• Dificuldades, no âmbito estadual, de elaboração de projetos de engenharia, em
razão da insuficiência de servidores capacitados. Também foram mencionados
casos em que a UF possui uma Secretaria que centraliza todas as demandas de
obras de engenharia do estado, o que gera morosidade na tramitação e
conclusão dos procedimentos de contratação;
• Burocracia para aprovação dos projetos e/ou emissão de documentos no âmbito
estadual, em razão da exigência de manifestação de diferentes instituições;
• Falta de estrutura tecnológica (softwares e hardwares) no âmbito estadual para
elaboração dos projetos;
• Imposição pelo Depen de diversas condições minuciosas, além de rígidas
diretrizes construtivas;
• Distância geográfica para acompanhamento das obras;
• Dificuldade de aquisições de materiais específicos para obras prisionais.

Em relação às iniciativas que visem facilitar a execução de obras, aquela sugerida com
maior frequência pelos gestores estaduais consiste na disponibilização, por parte do
Depen, de projetos de engenharia padronizados que considerem as peculiaridades de
cada região do Brasil, de modo que as adequações a serem feitas pelas equipes técnicas
estaduais sejam mínimas. Outra iniciativa bastante mencionada refere-se ao
aprimoramento da estrutura interna do Depen, principalmente no que tange à sua
equipe técnica, para agilizar a avaliação da documentação encaminhada pelas unidades
federativas e prestar o apoio que se fizer necessário. Também foram indicadas as
iniciativas relacionadas a seguir:
• Elaboração de tabela de preços referenciais voltados para a construção de
estabelecimentos penais, uma vez que os serviços existentes no Sinapi não são
compatíveis com os serviços necessários para a construção de unidades
prisionais;
• Disponibilização de informações sobre o custo médio por área e/ou por vaga
para a contratação de obras de unidades prisionais, dando ao gestor público
maior segurança para a tomada de decisões;
• Criação de cadastro nacional de empresas com diferentes soluções tecnológicas
para a construção de unidades prisionais;
• Promoção de reuniões/eventos com as equipes técnicas de engenharia,
arquitetura, comissão de licitação (entre outros) dos estados para estimular a
troca de experiências, inclusive para tratar sobre a utilização da contratação
integrada prevista no Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) e sua
aplicação para o sistema prisional;
• Construção de unidades prisionais pelo próprio Depen e posterior entrega aos
estados.

42
Considerações finais

Tendo em vista o caráter declaratório das informações referentes às dificuldades e


possíveis iniciativas de melhoria da modalidade de transferência fundo a fundo do
Funpen, torna-se relevante que o Depen avalie a oportunidade e a conveniência das
medidas sugeridas pelos gestores estaduais – inclusive de forma conjunta com os entes
federativos, quando necessário –, visando a adoção de estratégias adequadas para
aperfeiçoar o grau de execução dos recursos.

Neste sentido, também é relevante ressaltar que a CGU já realizou trabalho específico
sobre as obras de unidades penais contratadas no âmbito do Programa de Apoio ao
Sistema Prisional (PNASP), que teve por objetivo, entre outros, avaliar os principais
problemas que ocasionam uma demora excessiva para o início das obras, e que resultou
em recomendações ao Depen. Trata-se do Relatório de Avaliação nº 67 (RAV 67),
disponível para download no link https://auditoria.cgu.gov.br/download/9687.pdf.

2.2. Os recursos do Funpen transferidos na modalidade fundo a fundo têm sido


direcionados para ações que busquem mitigar os problemas considerados prioritários
por estudos e pesquisas sobre o sistema prisional brasileiro?

Para identificar o direcionamento dos recursos transferidos na modalidade fundo a


fundo, foram avaliados os Planos de Aplicação de Recursos (PAR) apresentados pelos
entes federativos ao Depen, conforme estabelece o §3º, III, do art. 3º-A da Lei
Complementar nº 79/1994. De forma geral, esses Planos informam as ações nas quais
serão empregados os recursos, as quais são constituídas por despesas de investimento
e/ou custeio.

Para a presente avaliação, foram consideradas as últimas versões dos PAR4


apresentadas pelas 27 unidades federativas para os repasses de 2016 e 2017, bem como
eventuais solicitações de utilização dos rendimentos dos recursos. As despesas
indicadas pelas UF foram classificadas pela equipe de auditoria em 18 categorias,
conforme sua tipologia, de modo a permitir a consolidação dos diferentes conteúdos
apresentados. Assim, para responder à presente subquestão de auditoria, a
consolidação categorizada das despesas será cotejada com os problemas mais
relevantes do sistema prisional identificados no âmbito da subquestão 1.1 deste
Relatório.

A seguir, passa-se à exposição dos resultados obtidos.

Considerando todos os Planos de Aplicação de Recursos apresentados para os exercícios


de 2016 e 2017, obteve-se a seguinte distribuição de recursos:

4
A consulta às últimas versões dos Planos de Aplicação de Recursos ocorreu em março de 2019.

43
Quadro 14 – Distribuição dos recursos indicados nos Planos de Aplicação de Recursos
conforme a categoria de despesa – Exercícios 2016 e 2017
Categoria Valor %
Obras de engenharia (construção/ampliação/reforma/conclusão) 1.151.563.434,77 62,66%
Veículos 113.817.879,13 6,19%
Armamento e munição 110.555.271,70 6,02%
Scanner corporal 97.050.246,09 5,28%
1
Equipamentos e sistema de segurança 79.719.962,79 4,34%
2
Equipamentos de proteção 58.402.124,88 3,18%
3
Ações/projetos de promoção da cidadania e reintegração social 46.932.496,66 2,55%
Aparelhamento em geral (mobiliário, máquinas e equipamentos) 40.987.125,12 2,23%
Bloqueador de celular 31.464.831,51 1,71%
Monitoração eletrônica de pessoas 29.871.647,42 1,63%
4
Itens agregados 29.184.787,01 1,59%
Tecnologia da Informação 24.726.627,34 1,35%
5
Outros 6.959.726,31 0,38%
Capacitação de servidores do sistema prisional 6.758.481,12 0,37%
Fardamento 5.092.118,62 0,28%
Realização de pesquisa para fortalecimento/modernização da gestão 2.700.000,00 0,15%
Alternativas penais 1.325.674,96 0,07%
Elaboração de projetos de arquitetura e engenharia 732.523,09 0,04%
Total 1.837.844.958,52 100,00%
Fonte: Elaboração própria a partir dos PAR 2016 e 2017 encaminhados pelo Depen.
1
Incluem equipamentos de raio-X, detectores de metal, sistema de segurança por circuito fechado de TV
(CFTV), rádios de comunicação, entre outros.
2
Incluem equipamentos que visam à proteção individual, como coletes balísticos, capacetes, escudos,
caneleiras, algemas, entre outros.
3
Incluem despesas de investimento e custeio que visam à promoção de alguma das assistências previstas
na LEP, à oferta de trabalho ou à reintegração social, de forma geral.
4
Incluem itens de diferentes categorias que foram informados de forma agregada no PAR, não sendo
possível diferenciar o valor de cada item separadamente.
5
Incluem itens cujos objetos não foram informados de maneira clara no PAR, bem como itens que não
puderam ser enquadrados em nenhuma das outras categorias.
Observação1: Embora as categorias “bloqueador de celular” e “scanner corporal” pudessem estar
incluídas na categoria “equipamentos e sistema de segurança”, optou-se por deixá-las separadas em
razão de esta separação ter ocorrido na maior parte dos PAR.
Observação2: Embora a categoria “monitoração eletrônica de pessoas” pudesse estar incluída na
categoria “alternativas penais”, optou-se por deixá-la separada em razão de esta separação ter ocorrido
na maior parte dos PAR.

Acerca das 18 categorias apresentadas, convém registrar que se adotou a sistemática


de classificar as despesas conforme a sua finalidade sempre que esta estivesse explícita
no PAR, exceto para a categoria de obras de engenharia. Assim, por exemplo, caso um
PAR tenha definido a aquisição de mobiliário para equipar uma Central de
Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas, embora essa aquisição pudesse ser
enquadrada na categoria de “aparelhamento em geral”, optou-se por classificá-la em
“alternativas penais”.
Da análise do Quadro 14, verifica-se que a maior parte dos recursos transferidos foi
direcionada a obras de engenharia, correspondendo a aproximadamente 63% do total
44
repassado. A justificativa para esse percentual elevado é conhecida: na elaboração dos
PAR relativos a esses dois repasses, as UF tiveram que observar os montantes de
recursos definidos pelo Depen para cada natureza de despesa: para o repasse de 2016,
71% dos recursos deveriam ser aplicados em construção e 29%, em aparelhamento
(investimento e custeio); para o repasse de 2017, 63% dos recursos deveriam ser
aplicados em despesas de investimento (nas quais se enquadram as obras) e 37%, em
despesas de custeio.

Além disso, verifica-se que, depois de obras, as cinco categorias que possuem os maiores
valores individuais correspondem, em conjunto, a 25% da totalidade dos recursos,
sendo elas: veículos, armamento e munição, scanner corporal, equipamentos e sistema
de segurança e equipamentos de proteção. Destaca-se que a categoria de armamento
e munição foi a terceira colocada em termos de recursos alocados, compreendendo o
montante de mais de 110 milhões de reais.

Para responder à subquestão de auditoria em epígrafe, é preciso retomar os problemas


do sistema prisional considerados mais relevantes a partir do levantamento bibliográfico
realizado nesta auditoria, os quais foram apresentados na subquestão 1.1 deste
Relatório e em maiores detalhes no Anexo II. Sendo assim, serão apresentados a seguir
os principais problemas identificados, bem como as áreas de gestão correspondentes
que deveriam ser aperfeiçoadas, visando sua mitigação.

45
Figura 01 – Principais problemas do sistema prisional brasileiro e as áreas de gestão
correspondentes a serem aperfeiçoadas

Superlotação Precariedade das Insuficiência na


instalações físicas prestação de
• Obras de engenharia
assistências e na
• Centros de • Obras de engenharia
oferta de trabalho
Acompanhamento de • Serviços de manutenção
Penas e Medidas predial • Material
Alternativas • Saúde
• Assistência jurídica • Jurídica
• Educação
• Assistências gerais /
• Social
Assistência ao egresso Insuficiência na
• Religiosa
separação dos presos
• Trabalho
Remete aos problemas:
* Superlotação
Fragilidades
* Facções criminosas Dependência
relacionadas aos
agentes química e consumo
penitenciários de drogas
• Formação / Capacitação
Facções criminosas Remete aos problemas:
Remete aos problemas: * Superlotação
* Superlotação * Entrada de objetos
* Entrada de objetos proibidos
Entrada de objetos proibidos *Facções criminosas
proibidos
* Insuficiência na * Insuficiência na
• Sistema de segurança prestação de assistências prestação de assistências
e na oferta de trabalho e na oferta de trabalho

Fonte: Elaboração própria.

Considerando as áreas de gestão cujo aperfeiçoamento aponta-se como relevante para


a melhoria do sistema prisional, verifica-se que a maior parte obteve algum nível de
direcionamento dos recursos da modalidade fundo a fundo do Funpen no âmbito dos
repasses de 2016 e 2017.

No entanto, conforme abordado no item 1.1 do presente Relatório, o sistema prisional


possui dois grandes problemas que se destacam em razão da sua forte interligação com
alguns dos demais problemas apontados, além do fato de prejudicarem diretamente a
função precípua da execução penal de proporcionar a reintegração social do preso.
Trata-se dos problemas da superlotação e da insuficiência na prestação de assistências
e na oferta de trabalho (destacados na Figura 01), cujas áreas de gestão relacionadas
passam a ser de grande relevância para a melhoria do sistema prisional. Diante disso,
verifica-se que o direcionamento de recursos para essas áreas foi baixo, considerando
os dados apresentados no Quadro 14 para as seguintes categorias: ações/projetos de
promoção da cidadania e reintegração social – 2,55%; monitoração eletrônica de
pessoas – 1,63%; e alternativas penais – 0,07%.

46
Além disso, convém realizar as seguintes observações:
• Não se identificou nenhum direcionamento específico a ações relacionadas às
assistências jurídica e religiosa;
• Embora a categoria “aparelhamento em geral (mobiliário, máquinas e
equipamentos)” que consta do Quadro 14 seja constituída em sua maior parte
por despesas de aquisição de bens, 13% dos recursos dessa categoria
(aproximadamente 5,4 milhões) foram direcionados a serviços de manutenção
de objetos como: equipamentos de cozinha, câmaras de resfriamento e
congelamento, estações de tratamento de esgoto, geradores e subestações de
energia elétrica e portas pneumáticas de unidades prisionais.

Ao se compararem os repasses de 2016 e 2017 individualmente, merecem destaque


algumas situações observadas a partir das distribuições dos recursos, as quais são
apresentados nos Quadros 15 e 16 abaixo:

Quadro 15 – Distribuição dos recursos indicados nos Planos de Aplicação de Recursos


conforme a categoria de despesa – Exercício 2016
Categoria Valor %
Obras de engenharia (construção/ampliação/reforma/conclusão) 896.196.035,47 71,94%
Veículos 79.898.071,93 6,41%
Armamento e munição 70.105.172,34 5,63%
Scanner corporal 45.141.343,34 3,62%
Equipamentos e sistema de segurança 31.437.554,80 2,52%
Equipamentos de proteção 28.243.154,70 2,27%
Aparelhamento em geral (mobiliário, máquinas e equipamentos) 20.298.386,56 1,63%
Itens agregados 19.353.856,00 1,55%
Monitoração eletrônica de pessoas 14.873.505,00 1,19%
Bloqueador de celular 13.836.602,03 1,11%
Tecnologia da Informação 10.785.188,62 0,87%
Ações/projetos de promoção da cidadania e reintegração social 8.853.131,87 0,71%
Capacitação de servidores do sistema prisional 2.844.069,88 0,23%
Realização de pesquisa para fortalecimento/modernização da gestão 2.440.000,00 0,20%
Fardamento 549.993,00 0,04%
Elaboração de projetos de arquitetura e engenharia 449.153,80 0,04%
Alternativas penais 412.900,00 0,03%
Outros 58.222,13 0,00%
Total 1.245.776.341,47 100,00%
Fonte: Elaboração própria a partir dos PAR 2016 encaminhados pelo Depen.

Quadro 16 – Distribuição dos recursos indicados nos Planos de Aplicação de Recursos


conforme a categoria de despesa – Exercício 2017
Categoria Valor %
Obras de engenharia (construção/ampliação/reforma/conclusão) 255.367.399,30 43,13%
Scanner corporal 51.908.902,75 8,77%
Equipamentos e sistema de segurança 48.282.407,99 8,15%
Armamento e munição 40.450.099,36 6,83%

47
Categoria Valor %
Ações/projetos de promoção da cidadania e reintegração social 38.079.364,79 6,43%
Veículos 33.919.807,20 5,73%
Equipamentos de proteção 30.158.970,18 5,09%
Aparelhamento em geral (mobiliário, máquinas e equipamentos) 20.688.738,56 3,49%
Bloqueador de celular 17.628.229,48 2,98%
Monitoração eletrônica de pessoas 14.998.142,42 2,53%
Tecnologia da Informação 13.941.438,72 2,35%
Itens agregados 9.830.931,01 1,66%
Outros 6.901.504,18 1,17%
Fardamento 4.542.125,62 0,77%
Capacitação de servidores do sistema prisional 3.914.411,24 0,66%
Alternativas penais 912.774,96 0,15%
Elaboração de projetos de arquitetura e engenharia 283.369,29 0,05%
Realização de pesquisa para fortalecimento/modernização da gestão 260.000,00 0,04%
Total 592.068.617,05 100,00%
Fonte: Elaboração própria a partir dos PAR 2017 encaminhados pelo Depen.

Conforme mencionado anteriormente, o Depen definiu, para o repasse de 2016, que


71% dos valores transferidos aos entes federativos deveriam ser empregados
especificamente em ações de construção, ampliação e/ou conclusão de
estabelecimentos penais, razão pela qual a categoria de “obras de engenharia”
corresponde a aproximadamente 72% dos recursos indicados nos PAR de 2016 (Quadro
15).

Já para o repasse de 2017, definiu-se que 63% dos recursos deveriam ser empregados
em despesas de investimento, além de que, no mínimo, 30% deveriam ser aplicados na
construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais. Assim,
verifica-se que o conjunto dos PAR de 2017 efetivamente direcionaram 43,13% dos
recursos a obras de engenharia (Quadro 16), deixando uma margem maior de recursos
a serem empregados em outras categorias de despesa, em comparação ao repasse de
2016. Assim, destaca-se, por exemplo, a categoria “ações/projetos de promoção da
cidadania e reintegração social”, que correspondeu a somente 0,71% dos recursos de
2016 (8,8 milhões). Já em 2017, essa mesma categoria obteve 6,43% dos recursos totais
(38 milhões), representando mais de 4 vezes o valor alocado em 2016, ainda que o
repasse de 2017 tenha sido substancialmente menor que o de 2016.

Por fim, conclui-se que, embora os recursos da modalidade fundo a fundo tenham tido
um emprego diversificado nas várias áreas de gestão que compõem o sistema prisional,
somente uma área foi priorizada, tendo concentrado a maior parte dos recursos – qual
seja, a realização de obras de engenharia para construção, ampliação, reforma e
conclusão de estabelecimentos penais –, apesar de existirem outras áreas de igual
relevância para o aprimoramento do sistema, a saber: o provimento dos meios
necessários à efetivação e ampliação das alternativas penais (penas e medidas
alternativas) e o provimento das assistências material, à saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa, além da oferta de trabalho.

48
No que diz respeito ao baixo volume de repasses realizados nas áreas supracitadas por
meio da modalidade fundo a fundo, salienta-se que o Depen também fomenta as ações
dessas áreas por meio das transferências voluntárias, conforme esclarecimentos
prestados em sua manifestação final (Anexo I). Contudo, o presente escopo de análise
diz respeito apenas aos repasses da modalidade fundo a fundo, considerando que os
normativos também preveem a possibilidade de repasses por meio dessa modalidade.

Importa registrar que o Depen determinou que os recursos transferidos em 2018 devem
ser empregados exclusivamente em ações de investimento. Embora os PAR de 2018 não
tenham sido objeto da presente avaliação, a exclusão de despesas de custeio pode
prejudicar o aperfeiçoamento de algumas áreas de gestão do sistema prisional, como
por exemplo as ações de promoção da cidadania e reintegração social, as ações de
capacitação de servidores do sistema e a monitoração eletrônica de pessoas presas.

2.3. A destinação de recursos para a aquisição de bens é realizada de modo racional,


a partir de um planejamento prévio e buscando atender às demandas prioritárias?

Para responder a esta subquestão de auditoria, considerou-se o levantamento de


informações realizado junto aos gestores dos sistemas prisionais estaduais, por meio da
aplicação de questionários abertos. Em 24 unidades federativas5, foram aplicados dois
tipos de questionário: um direcionado à unidade gestora dos recursos recebidos via
fundo a fundo, e outro direcionado aos gestores de unidades prisionais.

A seguir, são apresentados os resultados das questões que tratam de planejamento e


priorização das aquisições, os quais foram obtidos a partir das respostas manifestadas
pelos gestores.

I) Planejamento prévio para a utilização dos recursos

Os gestores estaduais foram questionados acerca da existência de planejamento prévio


para a utilização dos recursos transferidos via fundo a fundo, que fosse embasado em
estudos técnicos que indiquem e consolidem a demanda pelos itens a serem adquiridos.
Das respostas apresentadas, verificou-se que:
• Sete unidades federativas informaram que o planejamento consiste no
levantamento das demandas apresentadas pelos departamentos técnicos que
integram o órgão estadual de gestão prisional, ou mesmo pelas próprias
unidades prisionais. Contudo, não foram apresentados estudos técnicos que
justificassem as demandas existentes, embora esses tenham sido solicitados
pela CGU.
• Sete unidades federativas informaram que a definição dos itens a serem
adquiridos ocorreu no âmbito de reuniões realizadas entre os responsáveis pelos
departamentos técnicos que integram o órgão estadual de gestão prisional.
Nestes casos, também não foram apresentadas evidências de que as decisões

5
Unidades federativas que não participaram do levantamento: Amazonas, Maranhão e Rio Grande do
Norte.

49
sobre o direcionamento dos recursos tenham sido sustentadas por estudos
pormenorizados.
• Sete unidades federativas reconheceram expressamente que não houve
planejamento prévio embasado em estudos técnicos. Dessas UF, cinco
apontaram que não houve tempo hábil para elaborar o planejamento, em razão
do curto prazo conferido pelo Depen para elaboração do Plano de Aplicação de
Recursos.
• Somente três unidades federativas mencionaram o envolvimento do conselho
gestor do fundo penitenciário estadual na definição dos itens a serem
adquiridos. Cabe informar que a existência de fundo penitenciário estadual e de
órgão ou entidade específica responsável pela sua gestão são condições
necessárias ao repasse dos recursos via fundo a fundo.
• Somente duas unidades federativas mencionaram que seus planejamentos
consideraram as recomendações expedidas por órgãos externos, como por
exemplo Ministério Público e Defensoria Pública Estadual, incluindo
recomendações decorrentes de inspeções realizadas no sistema prisional.

Dessa forma, demonstra-se que os entes federativos, de forma geral, não possuem um
sólido planejamento para a utilização dos recursos recebidos via fundo a fundo,
utilizando-se de levantamentos ou deliberações que carecem de fundamentação técnica
formalizada.

Além disso, verifica-se uma fragilidade na justificativa apontada por alguns estados de
que a ausência do planejamento seria decorrente do prazo exíguo para a apresentação
do Plano de Aplicação de Recursos, visto que a política prisional existe
independentemente do aporte de recursos do Funpen (seja por meio de transferências
obrigatórias ou voluntárias), contando com recursos provenientes, em grande parte, dos
próprios orçamentos estaduais. Assim, entende-se que cada ente federativo deveria
dispor de um planejamento estratégico advindo do contexto da política estadual
prisional, que fosse utilizado para subsidiar a definição das despesas a serem custeadas
com os recursos obtidos da modalidade fundo a fundo do Funpen.

II) Priorização das aquisições

Em questionários aplicados a gestores de 87 unidades prisionais, distribuídas entre 24


unidades da federação, indagou-se se os itens recebidos por essas unidades, adquiridos
com recursos da modalidade fundo a fundo do Funpen, eram prioritários quando
comparados a outras necessidades porventura existentes. À exceção das respostas de
30 gestores, que não foram conclusivas acerca da questão formulada, todos os demais
gestores afirmaram que os itens adquiridos eram prioritários. Destes, cinco também
acrescentaram que ainda havia a necessidade de aquisição de outros itens também
prioritários.

Considerações finais

Portanto, respondendo objetivamente à subquestão de auditoria em tela, é possível


afirmar que, na visão dos gestores estaduais, os itens recebidos atenderam às demandas

50
prioritárias existentes. No entanto, não foram identificadas evidências de que o
processo de definição das aquisições – que inclui a escolha dos itens e seus quantitativos
– tenha ocorrido de forma racional, ou seja, de que as demandas apresentadas tenham
sido devidamente fundamentadas e inseridas em um contexto de planejamento
estratégico, visando o atingimento de metas e a concretização de objetivos da política
prisional.

51
RECOMENDAÇÕES
1) Para uniformizar a forma de apresentação dos dados pelas Unidades Federativas e
aperfeiçoar o acompanhamento e a transparência dos instrumentos de gestão, a
Unidade deverá regulamentar, por ato normativo, o modelo e o conteúdo mínimo dos
seguintes instrumentos:
a) Plano de Aplicação de Recursos (§3º, III, do art. 3º-A da LC nº 79/1994);
b) Relatório de Gestão Anual (§3º, V, do art. 3º-A da LC nº 79/1994; art. 5º da Portaria
nº 1.414/2016; §1º, V, do art. 2º da Portaria nº 1.221/2017; §1º, IV, do art. 2º da Portaria
nº 225/2018), especialmente no que tange à execução físico-financeira dos recursos
recebidos mediante transferência obrigatória.
c) Relatórios Semestrais (§1º do art. 10 da Portaria nº 1.221/2017; §1º do art. 9º da
Portaria nº 225/2018)

2) Para aperfeiçoar a transparência ativa, a Unidade deverá promover a disponibilização,


em sítio oficial da internet, de dados atualizados relativos à modalidade fundo a fundo
do Funpen, contendo, no mínimo:
a) valores transferidos por exercício e por UF;
b) execução financeira;
c) percentual de execução das metas pactuadas no plano de aplicação aprovado;
d) dados sobre aprovação de relatório anual, prorrogações, devoluções e
ressarcimentos;
e) financiamentos de organizações da sociedade civil, quando existentes; e
f) versões simplificadas dos instrumentos de gestão (Planos de Aplicação de Recursos e
Relatórios Anuais).

3) Para aperfeiçoar os instrumentos de planejamento e de acompanhamento


direcionados ao sistema prisional, a Unidade deverá:

3.1. Instituir instrumentos de planejamento de curto, médio e longo prazo para a política
prisional nacional, considerando a experiência do Plano Diretor de Melhorias para o
Sistema Prisional e a previsão de elaboração do Plano Penitenciário Nacional disposta
no Objetivo 7 do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social - PNSP, que
contenham: a) diagnóstico da situação atual do sistema prisional brasileiro; b) objetivos
e metas; c) recursos necessários ao alcance dos objetivos e metas, bem como suas
fontes; d) o cronograma das atividades a serem realizadas, bem como a definição dos
seus responsáveis; e) as instâncias de monitoramento, incluindo indicadores que
permitam a medição do progresso para os objetivos e metas propostos.

3.2. Fomentar a instituição de instrumentos de planejamentos de curto, médio e longo


prazo por parte dos entes federativos, considerando a experiência do Plano Diretor de
Melhorias para o Sistema Prisional e a previsão de elaboração do Plano Penitenciário

52
Nacional disposta no Objetivo 7 do PNSP, de forma alinhada com os instrumentos de
planejamento da esfera federal de que trata o item 3.1.

3.3. Vincular os instrumentos de planejamento e de acompanhamento da modalidade


fundo a fundo do Funpen aos planejamentos federal e estaduais de que tratam os itens
3.1 e 3.2.

4) Para fomentar a ampliação de recursos para as áreas de Alternativas Penais e


Promoção da Cidadania (assistências e oferta de trabalho aos presos e egressos), a
Unidade deverá avaliar a conveniência e a oportunidade de promover o direcionamento
de parcelas de recursos da modalidade fundo a fundo para as referidas áreas, bem como
de promover medidas de divulgação e de fomento, junto aos estados, das possibilidades
de financiamento ligadas a essas áreas.

5) Para fomentar a atuação dos Conselhos Penitenciários dos Estados e do Distrito


Federal no papel de planejamento e de apoio à fiscalização dos recursos repassados, a
Unidade deverá avaliar a oportunidade e a conveniência de encaminhar proposta de
diretriz sobre esse tema ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,
considerando as incumbências desse órgão dispostas nos incisos I e II do art. 64 da Lei n
7.210/1984.

53
CONCLUSÃO
A presente auditoria de avaliação sobre a modalidade de transferência obrigatória de
recursos do Funpen – também denominada “fundo a fundo”, instituída inicialmente em
dezembro de 2016 pela MP nº 755 – foi realizada com o objetivo de responder a duas
principais questões de auditoria:
I) O modelo de repasse fundo a fundo apresenta-se adequadamente
construído e capaz de reverter o quadro de falência do sistema prisional?
II) O modelo proporcionou a celeridade prevista na utilização dos recursos
do Funpen, com sua utilização direcionada para aspectos considerados
prioritários para a modernização e aprimoramento do sistema prisional?

A primeira questão de auditoria consiste na avaliação do arcabouço normativo que


regulamenta a modalidade fundo a fundo com objetivo de verificar: i) se existem
mecanismos que assegurem que os recursos dessa modalidade sejam aplicados nas
áreas de gestão relacionadas aos principais problemas do sistema prisional brasileiro; e
ii) se o modelo prevê adequadamente a estruturação institucional necessária à garantia
da implementação célere e criteriosa dos recursos transferidos, bem como da
responsabilização pela gestão desses recursos.

Para executar aquela primeira verificação, realizou-se pesquisa bibliográfica de diversos


materiais que abordassem os problemas recorrentes do sistema prisional brasileiro, de
modo a melhor compreender o “estado de coisas inconstitucional” reconhecido pelo
STF no âmbito da ADPF nº 347, cujo acórdão motivou o Governo Federal a instituir a
modalidade de transferência de recursos fundo a fundo para o sistema prisional. Como
resultado, considerando a frequência e a relevância de diferentes situações
problemáticas apontadas pelos materiais consultados, a equipe de auditoria elegeu
oitos grandes grupos de problemas, buscando identificar suas causas, consequências e
possíveis soluções, sendo eles: 1) superlotação; 2) precariedade das instalações físicas
de unidades prisionais; 3) insuficiência na prestação de assistências e na oferta de
trabalho aos presos; 4) fragilidades relacionadas aos agentes penitenciários; 5) entrada
de objetos proibidos nos estabelecimentos penais; 6) atuação e fortalecimento das
facções criminosas; 7) insuficiência na separação dos presos conforme espécie e grau de
periculosidade; e 8) dependência química e consumo de drogas nas unidades prisionais.
Além disso, também se verificou que os problemas da superlotação e da insuficiência na
prestação de assistências e na oferta de trabalho possuem uma criticidade ainda maior,
em razão de sua interligação direta com outros problemas, como a atuação e o
fortalecimento das facções criminosas, a insuficiência na separação dos presos e a
dependência química e o consumo de drogas, o que resulta em grandes obstáculos à
consecução da finalidade da execução penal de “proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado”, conforme estabelece a Lei
de Execução Penal.

Com o levantamento dos principais problemas, também foram identificadas as áreas de


gestão do sistema prisional que deveriam ser aprimoradas para mitigá-los. Em seguida,

54
procedeu-se ao levantamento dos mecanismos reguladores da modalidade fundo a
fundo visando identificar se todas as áreas de gestão vinculadas aos problemas do
sistema prisional estavam aptas a receberem recursos do Funpen via fundo a fundo,
bem como se havia critérios de direcionamento dos recursos para determinadas áreas.

Como resultado, verificou-se que, considerando o regramento da Lei Complementar nº


79/1994, todas as áreas de gestão podem receber recursos em algum nível. Em relação
ao direcionamento dos recursos, existem dois tipos: de caráter obrigatório, que consiste
na definição, por parte do Depen, dos valores a serem aplicados pelos entes federativos
nas categorias de investimento e custeio, além do percentual mínimo de 30% a ser
aplicado em construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos
penais; e de caráter facultativo, que consiste no estabelecimento de diretrizes, por meio
de notas técnicas, para a aplicação dos recursos em determinadas áreas, sendo que não
há notas técnicas que tratem das áreas de assistências jurídica e material e de serviços
de manutenção predial.

Assim, é possível afirmar que não existem mecanismos reguladores suficientes que
assegurem que todas as áreas de gestão do sistema prisional consideradas relevantes
sejam contempladas com os recursos da modalidade fundo a fundo do Funpen em razão
dos seguintes achados: i) a definição prévia, por parte do Depen, dos valores que os
entes federativos devem aplicar em investimento e custeio permite uma grande
discricionariedade por parte dos entes federativos na escolha dos objetos que serão
custeados, podendo haver direcionamento para determinados objetos em detrimento
de outros que possuam criticidade mais elevada. Além disso, não constam evidências de
que tenham sido utilizados critérios suficientes para fundamentar a definição prévia
daqueles valores por parte do Depen; e ii) considerando os dois problemas dotados de
maior criticidade – quais sejam, a superlotação e a insuficiência na prestação de
assistências e na oferta de trabalho aos presos – verificou-se a existência de mecanismo
direcionador de recursos para somente uma das áreas de gestão relacionada a esses
problemas, que consiste na aplicação de percentual mínimo de 30% na construção,
reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais. Assim, não há
nenhum outro mecanismo que busque fomentar outras medidas que têm o potencial
de mitigar aqueles problemas, como a estruturação de Centros de Acompanhamento de
Penas e Medidas Alternativas e o fortalecimento das assistências aos presos e egressos
e da oferta de trabalho.

Ainda no âmbito da primeira questão de auditoria, a avaliação da adequabilidade da


estruturação institucional do modelo fundo a fundo do Funpen foi realizada a partir de
uma análise comparativa com o instrumento normativo da política de saúde, no
contexto do financiamento federal fundo a fundo, com o objetivo de verificar se há
garantia da implementação célere e criteriosa dos recursos transferidos pelo Funpen,
bem como da responsabilização pela gestão desses recursos. Optou-se por utilizar o
modelo da saúde como comparativo em razão de seu caráter mais consolidado, o que
permite a realização de um diagnóstico acerca dos riscos existentes na recente estrutura
normativa da modalidade fundo a fundo do Funpen.

55
A análise realizada consistiu na comparação entre os instrumentos de cada política,
conforme as seguintes dimensões e componentes: I) Implementação: critérios de
repasse, usos e vedações, condições de movimentação, planejamento e
monitoramento; e II) Responsabilização: participação social, transparência pública,
devolução e ressarcimento. Como resultado, os seguintes achados podem ser
destacados: multiplicidade de normativos regulamentadores; ausência de atualização
do decreto regulamentador do Funpen; ausência de definição precisa acerca do
conteúdo do Plano de Aplicação de Recursos, bem como da vinculação desse Plano a
instrumentos de planejamento que contemplem metas e indicadores de médio e longo
prazo; ausência de regulamentação da forma de atuação dos conselhos penitenciários
ou congênere na elaboração e fiscalização dos instrumentos de gestão, em auxilio ao
acompanhamento realizado pelo Depen; deficiências de transparência ativa. Portanto,
verificou-se que, em ambas as dimensões, há insuficiências ou ausências em diversos
componentes analisados, de modo que é possível afirmar que o arcabouço normativo
estabelecido para a modalidade fundo a fundo do Funpen prevê parcialmente a
estruturação institucional necessária à garantia tanto da implementação célere e
criteriosa dos recursos, quanto da responsabilização pela sua gestão.

Enquanto a primeira questão de auditoria voltou-se a avaliar diferentes aspectos do


arcabouço normativo que regulamenta a modalidade fundo a fundo, a segunda questão
buscou avaliar os seguintes aspectos da execução dos recursos por parte dos entes
federativos: celeridade, direcionamento efetivo dos recursos e planejamento e
priorização das aquisições.

Quanto à celeridade, verificou-se que o nível de execução dos recursos apurado em


março de 2019 se encontrava baixo, considerando os valores pagos. Para os repasses de
2016, 2017 e 2018, as taxas de execução correspondiam a 32,16%, 14,45% e 0%,
respectivamente. Contudo, ao se estratificar a execução dos recursos conforme as
categorias de despesas, verifica-se que as taxas relativas a obras são ainda menores. Por
meio da aplicação de questionários aos gestores dos sistemas prisionais estaduais, foi
possível identificar várias dificuldades que poderiam estar contribuindo para a baixa
execução dos recursos, bem como iniciativas que busquem mitigá-las.

Em relação ao direcionamento efetivo dos recursos, avaliaram-se os Planos de Aplicação


de Recursos apresentados por todas as unidades federativas para os repasses de 2016
e 2017. Como resultado, verificou-se que a maior parte dos recursos (62,66%) foi
direcionada para obras de engenharia, estando essa situação em conformidade com os
mecanismos de direcionamento adotados pelo Depen, por meio da definição dos
valores a serem aplicados nessa categoria. À parte dos valores destinados a obras de
engenharia, os demais recursos foram distribuídos entre 17 categorias, evidenciando
que a maior parte das áreas da gestão prisional cujo aperfeiçoamento aponta-se como
relevante para a melhoria do sistema penitenciário obteve algum nível de recursos.
Contudo, diante desse padrão de distribuição, sem instrumento direcionador da
aplicação dos recursos, áreas de gestão de grande criticidade receberam reduzidas
parcelas, conforme a seguir: ações/projetos de promoção da cidadania e reintegração
social receberam 2,55% dos recursos; monitoração eletrônica de pessoas, 1,63%; e
alternativas penais, 0,07%.

56
Por último, em relação ao planejamento e à priorização das aquisições, foram aplicados
questionários aos gestores dos sistemas prisionais estaduais de 24 unidades federativas,
buscando identificar se as aquisições realizadas com recursos da modalidade fundo a
fundo atenderam às demandas prioritárias existentes e se foram precedidas de
planejamento prévio embasado em estudos técnicos que indicassem e consolidassem a
demanda pelos itens a serem adquiridos. Como resultado, embora as aquisições tenham
sido apontadas como prioritárias pelos gestores estaduais, não foram identificadas
evidências de que o processo de definição das aquisições – que inclui a escolha dos itens
e seus quantitativos – tenha ocorrido de forma suficientemente racional, ou seja, de que
as demandas apresentadas tenham sido devidamente fundamentadas, formalizadas e
inseridas em um contexto de planejamento estratégico, visando o atingimento de metas
e a concretização de objetivos da política prisional.

Considerações finais

O conjunto de fragilidades apontadas ao longo do presente relatório acerca do modelo


instituído para as transferências fundo a fundo do Funpen, em conjunto com as
verificações realizadas no âmbito de alguns aspectos da execução prática do modelo,
indicam a necessidade de adoção de determinadas medidas por parte do Depen,
visando o seu aperfeiçoamento.

Além das situações específicas verificadas no âmbito da avaliação sobre a existência e


adequabilidade dos instrumentos do modelo que visam a implementação célere e
criteriosa dos recursos e a devida responsabilização pela sua gestão, o trabalho, de
forma geral, aponta para três principais fragilidades de caráter estruturante:

i) Planejamento insuficiente: o Plano de Aplicação de Recursos – único instrumento de


planejamento previsto no regramento da modalidade fundo a fundo, de caráter
operacional – não possui normatização expressa acerca do seu conteúdo e não é
vinculado a nenhum planejamento estratégico e tático da política prisional de forma
integral, de modo que os recursos da modalidade fundo a fundo sejam empregados de
forma racional, de acordo com as realidades específicas de cada unidade da federação,
na busca pelo alcance de objetivos previamente e claramente definidos, com a definição
de metas e indicadores que permitam o monitoramento e a avaliação das ações
empreendidas. Destaca-se ainda que o Depen interrompeu a política de fomento e
acompanhamento dos Planos Diretores de Melhorias para o Sistema Prisional das
unidades federativas, inclusive com a ausência de observância da Resolução nº 01, de
29 de abril de 2008, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP),
que condiciona a liberação de recursos geridos pelo Depen à elaboração, aprovação e
cumprimento dos referidos Planos.

ii) Insuficiente direcionamento dos recursos para mitigar o problemático quadro do


sistema prisional brasileiro, visto que as ações até então adotadas pelo Depen buscaram
priorizar a aplicação da maior parte dos recursos em obras de engenharia e despesas de
investimento, deixando outras duas importantes áreas de gestão sem a devida
priorização: as penas e medidas alternativas e a promoção da cidadania, compreendida

57
pelas assistências aos presos e egressos e pela oferta de trabalho. Não se verificou,
inclusive, que o direcionamento adotado pelo Depen – por meio da definição de valores
a serem aplicados em construção, investimento e custeio – tenha sido embasado por
critérios técnicos suficientes.

iii) Baixa execução dos recursos pelas unidades federativas. Os gestores dos sistemas
prisionais estaduais apontaram diversas dificuldades enfrentadas para executar os
recursos, das quais destacam-se: morosidade do Depen para aprovar os projetos
apresentados pelas UF e responder aos pedidos de alteração dos Planos de Aplicação de
Recursos; e dificuldades, no âmbito estadual, de elaboração de documentos técnicos,
principalmente projetos de engenharia, em razão da insuficiência de servidores
capacitados. Planejamentos deficientes por parte das unidades federativas também
podem contribuir para que os Planos de Aplicação de Recursos sejam frequentemente
reformulados, contribuindo para a morosidade na execução dos recursos.

58
ANEXOS
I – MANIFESTAÇÃO DA UNIDADE EXAMINADA E ANÁLISE DA
EQUIPE DE AUDITORIA

1. Manifestação da Unidade Auditada

A Unidade Auditada, por meio da Informação nº 35/2019/CGGIR-DEPEN/DIRPP/DEPEN,


apresentou manifestação acerca do Relatório Preliminar de auditoria. Considerando que
essa manifestação realizou uma apreciação conjunta sobre a seção de recomendações
do Relatório Preliminar, optou-se pela transcrição dos trechos a seguir:

[...] prestamos os seguintes esclarecimentos alusivos às recomendações


proferidas:

1. Para evitar a multiplicidade de normativos


regulamentadores, a Unidade deverá avaliar a conveniência e a
oportunidade de atualizar o Decreto regulamentador da Lei
Complementar nº 79/1994, de forma a incluir o regramento da
modalidade de transferência fundo a fundo do Funpen no que
tange, no mínimo, aos seguintes tópicos: a) critérios de repasse;
b) usos e vedações; c) condições de movimentação; d)
planejamento; e) monitoramento; f) transparência ativa; g)
devolução; e h) ressarcimento.

3.1. Foi constituído grupo de trabalho para instruir a regulamentação do


FUNPEN (08016.006564/2019-15), observando-se o Parecer nº
00118/2018/GAB CONJUR/CONJURMESP/CGU/AGU (SEI 7269819) e o
Relatório Preliminar de Auditoria Integrada no Fundo Penitenciário Nacional
(FUNPEN), TC 018.047/2018-1 (SEI 8260294), do qual foram efetivos os
seguinte produtos para autorização máxima deste Departamento:
• Proposta de alteração do Decreto n.º 1.093/1994, regulamentador da
Lei Complementar nº 79/1994;
• Proposta de Portaria única regulamentadora das transferências
obrigatórias realizadas por este Departamento na modalidade fundo a fundo;
e
• Proposta de Instrução Normativa (IN) regulando o procedimental que
envolve essa modalidade, como exemplo, estabelecer prazo de utilização dos
recursos, bem como as condições de prorrogação, cuja observância é
obrigatória e possibilita a devolução dos recursos não utilizados (o TCU
defende, como se demonstrará a seguir, que os recursos aplicados
irregularmente também consubstanciam recursos não utilizados); dados e
informações a serem prestados no relatório de gestão anual; estabelecer
aplicação dos recursos enquanto não u2lizados em conta bancária de
instituição financeira oficial; d) fixar critérios, condições, habilitação e
previsão de contrapar2da para os programas previstos no § 2º, do art. 3º - A,
da LC 79 e exigência de demonstração desses elementos em "plano" a ser
apresentado; os anexos dessa IN serão compostos de modelos de relatórios
e planos de aplicação.

2. Para uniformizar a forma de apresentação dos dados pelas


Unidades Federativas e aperfeiçoar o acompanhamento e a

59
transparência dos instrumentos de gestão, a Unidade deverá
regulamentar, por ato norma2vo, o modelo e o conteúdo
mínimo dos seguintes instrumentos: a) Plano de Aplicação de
Recursos (§3º, III, do art. 3º-A da LC nº 79/1994); b) Relatório
de Gestão Anual (§3º, V, do art. 3º-A da LC nº 79/1994; art. 5º
da Portaria nº 1.414/2016; §1º, V, do art. 2º da Portaria nº
1.221/2017; §1º, IV, do art. 2º da Portaria nº 225/2018),
especialmente no que tange à execução "sicofinanceira dos
recursos recebidos mediante transferência obrigatória. c)
Relatórios Semestrais (§1º do art. 10 da Portaria nº 1.221/2017;
§1º do art. 9º da Portaria nº 225/2018).

3.2. O Grupo de trabalho está confeccionando IN com todos esses


apontamentos.

3. Para aperfeiçoar a transparência ativa, a Unidade deverá


promover a disponibilização, em sítio oficial da internet, de
dados atualizados relativos à modalidade fundo a fundo do
Funpen, contendo, no mínimo: a) valores transferidos por
exercício e por UF; b) execução financeira; c) percentual de
execução das metas pactuadas no plano de aplicação
aprovado; d) dados sobre aprovação de relatório anual,
prorrogações, devoluções e ressarcimentos; e) financiamentos
de organizações da sociedade civil, quando existentes; e f)
versões simplificadas dos instrumentos de gestão (Planos de
Aplicação de Recursos e Relatórios Anuais).

3.3. O sítio deste Departamento


(http://depen.gov.br/DEPEN/dirpp/instrumentos-de-repasse- 1) contém as
informações acerca dos valores dos repasses e os normativos legais
regulamentadores e aplicáveis a essa nova modalidade de instrumento de
repasse. Para tanto, após as sobreditas determinações do Tribunal de Contas
da União, estamos trabalhando no melhoramento junto à assessoria de
comunicação para externar a documentação apresentada pelos beneficiários
dos repasses e a produção resultante das análise da mesma.

4. Para apoiar os gestores e conferir celeridade à gestão dos


recursos, bem como para aperfeiçoar a transparência, a
Unidade deverá avaliar a conveniência e a oportunidade de
ins2tuir ferramenta eletrônica para apresentação e
acompanhamento dos instrumentos de gestão (Planos de
Aplicação de Recursos, Relatório Semestral, Relatório de Gestão
Anual e demais documentos de acompanhamento e prestação
de contas).

3.4. Tendo em vista a recomendação do Acórdão 2643/2017-TCU-Plenário,


item 9.3.6, o qual recomendou a este Departamento Penitenciário Nacional
que "em conjunto com o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão, avalie a possibilidade de desenvolver funcionalidades no Sistema de
Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - Siconv para apoiar a execução,
o controle e a fiscalização dos recursos do Funpen transferidos na modalidade
fiando a fundo . " , tem-se a concretização das tratativas avençadas nas
gestões anteriores, cujo sistema Siconv recebeu nova modelagem, passando
a ser Plataforma +BRASIL, projeto encabeçado pelo Ministério da Economia,
a qual externa uma nova forma de trabalho, mais simples e eficiente, que
viabilize a execução de Políticas Públicas nos estados e municípios através de
todas as modalidades que envolvam repasses federais.

60
3.5. Dentre elas, a funcionalidade da transferência de recurso na modalidade
fundo a fundo, da qual este Departamento, por meio desta Coordenação-
Geral de Instrumentos de Repasse, é membro atuante de construção,
participando semanalmente de vídeo-conferências na sede do SERPRO para
o seu desenvolvimento, cujo piloto encontra-se pronto. A previsão de entrega
da parte inicial desta nova funcionalidade está para agosto/2019.

5. Para aperfeiçoar os instrumentos de planejamento e de


acompanhamento, a Unidade deverá:
5.1. Instituir instrumentos de planejamento de curto, médio e
longo prazo para a política prisional nacional, considerando a
experiência do Plano Diretor de Melhorias para o Sistema
Prisional e a previsão de elaboração do Plano Penitenciário
Nacional disposta no Objetivo 7 do Plano Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social - PNSP, que contenham: a)
diagnóstico da situação atual do sistema prisional brasileiro; b)
objetivos e metas; c) recursos necessários ao alcance dos
objetivos e metas, bem como suas fontes; d) o cronograma das
a2vidades a serem realizadas, bem como a definição dos seus
responsáveis; e) as instâncias de monitoramento, incluindo
indicadores que permitam a medição do progresso para os
objetivos e metas propostos.

5.2. Fomentar a instituição de instrumentos de planejamentos


de curto, médio e longo prazo por parte dos entes federativos,
considerando a experiência do Plano Diretor de Melhorias para
o Sistema Prisional e a previsão de elaboração do Plano
Penitenciário Nacional disposta no Objetivo 7 do PNSP, de
forma alinhada com os instrumentos de planejamento da esfera
federal de que trata o item 5.1. 5.3. Vincular os instrumentos de
planejamento e de acompanhamento da modalidade fundo a
fundo do Funpen aos planejamentos federal e estaduais de que
tratam os itens 5.1 e 5.2.

3.6. O Depen está elaborando uma carteira de políticas públicas em conjunto


com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (processo SEI
08016.004839/2019-78). Objetivo é identificar todas as políticas que têm
gerência do Depen (e aquelas que têm participação de gestão conjunta com
os Estados) verificar se é necessário a criação de novas políticas ou se as atuais
políticas públicas precisam ser interrompidas ou atualizadas para terem mais
chances de produzir resultados tangíveis. Verificar meios de avaliação e
monitoramento dessas políticas, considerando a participação da União e dos
Estados, e como podem ser estabelecidos indicadores gerenciáveis por
ambos. Essa avaliação será balizada pela Avaliação de Políticas Públicas do
Guia Prático de Análise Ex Ante e Ex Post da Casa Civil. Após o
estabelecimento da carteira final de políticas, serão feitos os diagnósticos nos
Estados para aplicação destas por meio de estabelecimento de plano com
metas, indicadores e ações.

6. Para fomentar a ampliação de recursos para as áreas de


Alternativas Penais e Promoção da Cidadania (assistências e
oferta de trabalho aos presos e egressos), a Unidade deverá
avaliar a conveniência e a oportunidade de promover o
direcionamento de parcelas de recursos da modalidade fundo a
fundo para as referidas áreas, bem como de promover medidas
de divulgação e de fomento, junto aos estados, das
possibilidades de financiamento ligadas a essas áreas.

61
3.7. Os recursos para as áreas citadas foram repassados mediante outros
instrumentos de transferências, dentre os quais os Termos de Execução
Descentralizado, firmado com Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a saber:

1º) Desenvolvimento de estratégias para promover a redução da


Superlotação e Superpopulação Carcerária no Brasil, com enfoque nas
políticas de alternativas penais e monitoração eletrônica de pessoas - Valor
R$ 20.000.000,00 (7491578).
2º) Promoção da documentação civil das pessoas privadas de liberdade no
sistema prisional, incluindo a execução do cadastramento da identificação
biométrica - Valor R$ 35.000.000,00 (7776390).
3º) Projeto “Penas Inteligentes”, contemplando o aprimoramento da base de
dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional
(Sisdepen), por meio de aperfeiçoamento e interoperabilidade e
disseminação nacional do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) –
Valor R$ 35.000.000,00 (7478226)

3.8. Ademais, temos as transferências voluntárias, no caso em tela convênios


vigentes que contemplam:
• Projeto Implementação de Capacitação e Implantação de Oficinas
Permanentes – Procap, visando profissionalizar pessoas presas em várias
áreas diferenciadas, por intermédio da aquisição de equipamentos e
contratação de empresa para ofertar os cursos.
• Projeto Aparelhamento de Unidades Básicas de Saúde no Sistema
Prisional – UBS, visando adquirir equipamentos e móveis para as unidades de
saúde instaladas dentro de estabelecimentos prisionais, criando condições
favoráveis para a oferta da atenção primária à saúde da população presa.
• Implantação de Centros de Monitoração Eletrônica de Presos, que
objetivam utilizar a monitoração eletrônica de pessoas como medida cautelar
diversa da prisão e assegurar o cumprimento de medidas protetivas de
urgência, em substituição à privação de liberdade.
• Implantação/ Aparelhamento de Central/ Núcleo de Alternativas
Penais, objetivam apoiar o Poder Judiciário no acompanhamento e
fiscalização das alternativas penais aplicadas.
• Aparelhamento de Unidade Materno Infantil no Sistema Prisional –
UMI, objetivam a aquisição de equipamentos e móveis para criar condições
favoráveis para a oferta da atenção primária à saúde de presas gestantes,
parturientes, nutrizes e de crianças que se encontram em ambiente
intramuros.

3.9. Além disso, segue em anexo Relatório (8858669) da Coordenação de


Monitoração Eletrônica e Alternativas Penais (COMAP) que tem como
principal competência a promoção de estratégias para desenvolver políticas
públicas com foco na intervenção penal mínima, no desencarceramento e na
restauração dos danos e laços sociais com a formulação, implementação,
acompanhamento, avaliação e qualificação da rede de serviços de
atendimento de pessoas em situação de alternativas penais e monitoração
eletrônica.

7. Para fomentar a atuação dos Conselhos Penitenciários dos


Estados e do Distrito Federal no papel de planejamento e de
acompanhamento dos recursos repassados, a Unidade deverá
avaliar a oportunidade e a conveniência de encaminhar
proposta de diretriz sobre esse tema ao Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária, considerando as incumbências

62
desse órgão dispostas nos incisos I e II do art. 64 da Lei n
7.210/1984.

3.10. Dentro das propostas de normativos do DEPEN citados no item 3.1


existe a possibilidade de maior atuação dos conselhos. Ressalta-se a
necessidade de articulação externa que pode extrapolar a governança do
Departamento Penitenciário Nacional.
[...]

Além disso, a Unidade Auditada, por meio do Ofício nº 1168/2019/GAB-


DEPEN/DEPEN/MJ e do Despacho nº 275/2019/CORDEPEN/GAB-DEPEN/DEPEN,
encaminhou manifestação acerca do registro realizado no Relatório Preliminar (pg. 18)
que mencionou a ausência de nota técnica orientativa sobre o financiamento, por meio
da modalidade fundo a fundo do Funpen, de “programas de assistência jurídica aos
presos e internados carentes”. Em síntese, a Unidade Auditada apresenta informações,
bem como Nota Técnica nº 1/2017/CORDEPEN/GAB DEPEN/DEPEN, sobre os esforços e
recursos direcionados para ações relacionadas à assistência jurídica aos detentos do
sistema prisional. Destacam-se os seguintes trechos do referido Despacho:

[...] 5. A Corregedoria-Geral do DEPEN, por meio da Nota Técnica nº


1/2017/CORDEPEN/GAB DEPEN/DEPEN (8888192), com a anuência do
Diretor-Geral do DEPEN, manifestou-se pela inviabilidade do acordo de
cooperação, embasando-se em três aspectos: existência de termo de
cooperação com as Defensorias Públicas com objeto mais amplo,
manifestação institucional do Ministério da Justiça e Segurança Pública de
apoio ao fortalecimento institucional das Defensorias Públicas em razão da
vigência da Lei 12.303 de 19 de agosto de 2010 e por último e de grande
relevância, o abismo entre o custo da ações realizadas nos Estados pelas
Defensorias Públicas e os Advogados designados pela Ordem dos Advogados
do Brasil.

6. Por oportuno, cabe fazer menção ao Projeto Defensoria sem Fronteiras. A


ação representa o esforço das Defensorias Públicas do país, bem como dos
demais órgãos do sistema de justiça, em desenvolver ações que contribuam
para o enfrentamento ao quadro de superlotação, violência e violação de
direitos no sistema prisional.
[...]

18. A partir das informações apresentadas observa-se que o DEPEN vem


envidando esforços e recursos para o planejamento, desenvolvimento e
execução de ações relacionadas à assistência jurídica aos detentos do sistema
prisional, atuando como pactuante do Acordo de Cooperação - Defensoria
sem Fronteiras, o qual tem como objeto a promoção de atendimento
concentrado de pessoas presas em caráter definitivo ou provisório em
Unidades Federativas específicas, adotando as medidas judiciais e
administrativas cabíveis para a garantia de seus direitos.

2. Análise da Equipe de Auditoria

a) Itens 3.1., 3.4. e 3.5. da Informação nº 35/2019/CGGIR-DEPEN/DIRPP/DEPEN:

No que diz respeito à Recomendação 1 do Relatório Preliminar, referente à avaliação da


conveniência e oportunidade de atualizar o Decreto regulamentador do Funpen, a

63
Unidade Auditada ressaltou os esforços recentes realizados para atingir esse objetivo.
Nesse sentido, é importante salientar que o Depen promoveu reunião, nos dias 15 e 16
de maio de 2019, com representantes do Tribunal de Contas da União, CGU, do Depen,
da CGU e do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos
Humanos e Administração Penitenciária do Brasil (CONSEJ), com o objetivo de debater
as propostas de regulamentação da modalidade fundo a fundo do Funpen. Diante do
exposto, verifica-se que a Unidade Auditada já demonstra que possui avaliação quanto
à necessidade de atualização do Decreto regulamentador, não sendo necessário a
permanência da referida recomendação no Relatório Final.

Verifica-se que, também no que diz respeito à Recomendação 4 do Relatório Preliminar,


referente à avaliação da conveniência e oportunidade de instituir ferramenta eletrônica
para acompanhamento dos instrumentos de gestão, a Unidade Auditada apresentou
esclarecimentos que demonstram a existência de posicionamento quanto ao tema, não
sendo necessário a permanência da referida recomendação no Relatório Final.

b) Itens 3.2., 3.3., 3.6 e 3.10 da Informação nº 35/2019/CGGIR-DEPEN/DIRPP/DEPEN:

A Unidade Auditada apresentou informações sobre as atividades em andamento que


podem contribuir para o aperfeiçoamento das fragilidades referentes aos seguintes
achados de auditoria: ausência de modelo padronizado para os instrumentos de
planejamento e de prestação de contas; deficiências na transparência ativa; ausência de
instrumentos de médio e longo prazo que sejam alinhados e vinculados ao plano de
aplicação e ao monitoramento dos repasses do fundo a fundo; necessidade de
aperfeiçoamento do controle social.

Contudo, considerando que a Unidade Auditada não apresentou fatos que possam
modificar as análises realizadas, e que as informações prestadas não são suficientes para
considerar que os objetivos das Recomendações 2, 3, 5 e 7 do Relatório Preliminar foram
alcançados, entende-se pela permanência dessas Recomendações no Relatório Final.

c) Despacho nº 275/2019/CORDEPEN/GAB-DEPEN/DEPEN e os itens 3.7., 3.8., 3.9 da


Informação nº 35/2019/CGGIR-DEPEN/DIRPP/DEPEN:

Os referidos itens e documentos, em síntese, apresentam informações sobre o repasse


de recursos que é realizado, por meio da modalidade de transferência voluntária do
Funpen, para as áreas de alternativas penais, promoção da cidadania das pessoas
privadas de liberdade e assistência jurídica dos presos.

As considerações realizadas contribuem para demonstrar que, apesar do baixo volume


de recursos repassados para essas áreas por meio da modalidade fundo a fundo,
conforme achado de auditoria registrado no Relatório Preliminar, existem ações e
repasses que o Depen realiza no âmbito das modalidades voluntárias de transferência.

Verifica-se, apesar disso, que os esclarecimentos realizados não são suficientes para
modificar substancialmente os registros realizados no Relatório Preliminar,
considerando que os fatos apontados foram referentes à modalidade fundo a fundo do

64
Funpen. Nesse sentido, será acrescido referência à presença de atuação do Depen
nessas áreas por meio da modalidade de transferência voluntária, mas sem modificação
substancial dos fatos e da recomendação referente ao tema.

Salienta-se, ainda, que a ausência de nota técnica orientativa para o financiamento de


programas de assistência jurídica aos presos e internados, que foi registrado na página
18 do Relatório Preliminar, também foi uma afirmativa inserida no contexto da
modalidade fundo a fundo do Funpen. Portanto, as informações constantes da Nota
Técnica nº 1/2017/CORDEPEN/GAB DEPEN/DEPEN e do Despacho nº
275/2019/CORDEPEN/GAB-DEPEN/DEPEN, que ressaltam a atuação da Unidade
Auditada em ações para fomentar a assistência jurídica por meio de Acordos de
Cooperação com a Defensoria Pública, não apresentam contradição com o fato
apontado no Relatório Preliminar.

65
II - LEVANTAMENTO DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS DO SISTEMA
PRISIONAL BRASILEIRO

A complexa e problemática realidade do sistema prisional brasileiro desdobra-se há


muitos anos, tendo sido objeto de vários estudos acadêmicos, notícias, reportagens
jornalísticas, documentários e investigações parlamentares – a Câmara dos Deputados
já contou com quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) sobre o tema,
instauradas nos anos de 1976, 1993, 2007 e 2015.

A partir de levantamento de diversos documentos que tratam do tema, seja de forma


ampla ou com abordagens mais restritas, realizou-se a identificação dos problemas que
se apresentam como mais relevantes no âmbito do sistema prisional brasileiro. Também
buscou-se identificar as causas e as possíveis soluções para os problemas apontados, de
modo a se compreender quais áreas da gestão penitenciária devem ser aprimoradas
para que execução penal cumpra com a sua finalidade precípua, qual seja, efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado, segundo dispõe a Lei nº 7.210/1984, ou
Lei de Execução Penal (LEP).

É importante ressaltar que a pesquisa realizada no âmbito do presente trabalho não


teve a intenção de esgotar o assunto – visto que este abarca múltiplos elementos que
podem ser individualmente investigados e abordados de forma mais profunda –,
consistindo tão somente em um esforço de sintetizar as situações mais problemáticas
que caracterizam a realidade do sistema prisional, a partir do material bibliográfico
colhido.

Para facilitar a exposição, os problemas serão apresentados individualmente em


tópicos, cada qual constituído de uma breve caracterização do problema e, sempre que
possível, suas principais causas, consequências e possíveis soluções.

1. Superlotação

Segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)6, a


população prisional em junho de 2016 correspondia a 726.712 pessoas privadas de
liberdade, enquanto o número de vagas disponível no sistema era de 368.049,
resultando em um déficit de 358.663 vagas. Ou seja, àquela época, era necessário que
as vagas existentes fossem quase duplicadas para se atender à demanda de pessoas
privadas de liberdade.

A superlotação passa a ser um grave problema quando se consideram as suas principais


consequências, a saber: i) contribui para a formação e o fortalecimento das facções
criminosas nas unidades prisionais; ii) dificulta a separação dos presos de acordo com a
espécie de prisão (provisórios e condenados) e o grau de periculosidade; iv) fomenta a

6Os responsáveis por esse levantamento são o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública. Disponível em http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen. Acesso em: 18/03/2019.

66
violência e as rebeliões nas unidades prisionais; iv) dificulta a prestação das assistências
a toda a população carcerária, conforme prevê a Lei de Execução Penal; e v) contribui
para a violação aos direitos fundamentais dos presos. Essas consequências serão
posteriormente apresentadas com maiores detalhes.

A primeira e mais pragmática solução que se vislumbra para a superlotação das unidades
prisionais é a construção de novos estabelecimentos e a consequente criação de novas
vagas. Contudo, essa solução deixa de ser exclusiva ao se avaliarem três importantes
causas que contribuem para a elevada população carcerária, abordadas a seguir.

1.1. Presos provisórios

A prisão provisória, também denominada prisão cautelar, é composta por três


modalidades: em flagrante, temporária e preventiva7. A prisão em flagrante é aquela
que ocorre durante o ato criminoso. Já a prisão temporária é geralmente decretada para
assegurar o sucesso das investigações do inquérito policial, com prazo de duração de
cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. A prisão preventiva, por sua vez, não tem prazo
definido e pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação
penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria,
devendo ser motivada por algum dos seguintes fundamentos: garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar
a aplicação da lei penal.

A partir da Resolução CNJ nº 213/2015, instituiu-se o instrumento processual


denominado audiência de custódia, segundo o qual todo preso em flagrante deve ser
levado à presença da autoridade judicial no prazo de 24 horas, para que esta avalie a
legalidade e a necessidade da manutenção da prisão. Nessas audiências, após
entrevistar o preso e ouvir as manifestações do promotor de justiça e do defensor
público ou advogado do preso, o juiz poderá relaxar a prisão (quando esta for ilegal),
converter a prisão em flagrante em preventiva ou conceder liberdade provisória, com
ou sem fiança.

Dessa forma, as audiências de custódia consistem em um importante mecanismo que


permite uma rápida avaliação sobre a real necessidade de manutenção de pessoas no
cárcere. No Brasil, nos casos em que não se realiza a audiência de custódia, o contato
entre juiz e preso normalmente ocorre na audiência de instrução e julgamento, que
pode levar meses para ser realizada8.

Conforme apontado no relatório final da última CPI sobre o sistema carcerário,


publicado em 2017, nem todos os estados instituíram as audiências de custódia, razão
pela qual a referida Comissão sugeriu regulamentá-la no próprio Código de Processo

7
FARIA, José Roberto Telo. Prisão em flagrante, prisão temporária e prisão preventiva. Revista Jus
Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5276, 11 dez. 2017. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/62027>. Acesso em: 26/03/2019.
8
PIMENTA, Luciana. Audiência de custódia: o que é e como funciona. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI239559,41046-
Audiencia+de+custodia+o+que+e+e+como+funciona>. Acesso em: 26/03/2019.

67
Penal, como uma forma de tornar essa medida obrigatória e uniforme em todos os
estados federativos.

Dada a característica inata de excepcionalidade das prisões provisórias, sustenta-se, na


literatura, que sua utilização seja excessiva por parte do sistema de justiça do Brasil. Esse
entendimento é sustentado, principalmente, pelos dados estatísticos que revelam o
tamanho da população de presos provisórios no país: segundo o último Infopen, em
junho de 2016, 40% da população prisional era composta por presos que não haviam
sido julgados, logo, não haviam recebido decisão condenatória. Ao se considerar cada
unidade federativa isoladamente, verifica-se que a taxa de presos provisórios alcançou
o menor índice em Rondônia, com 17%, e o maior índice no Ceará, com 66% de presos
sem condenação.

Outros dados que corroboram aquele entendimento foram apresentados no relatório


do IPEA intitulado “A Aplicação de Penas e Medidas Alternativas”, publicado em 2015,
o qual aponta que, da amostra representativa analisada na pesquisa, uma elevada
parcela dos presos em flagrante teve a prisão provisória mantida: 73,3%. Além disso, ao
se identificarem os tipos de sentença imputados aos réus que compunham a amostra,
verificou-se que, dentre aqueles que cumpriam prisão provisória, 37% não foram
condenados à pena privativa de liberdade, distribuindo-se nas seguintes categorias:
17,3% foram absolvidos; 9,4% foram condenados a penas alternativas; 3% tiveram de
cumprir medidas alternativas; 3,6% dos casos foram arquivados; 3,6% foram prescritos
e 0,2% foram enquadrados em medida de segurança.

Outra pesquisa, conduzida pelo Instituto Sou da Paz, analisou 7.734 prisões em flagrante
registradas em 2013 na cidade do Rio de Janeiro. Dos presos que foram julgados (5.648),
verificou-se que somente 25% foram condenados ao regime fechado, enquanto os
demais 75% tiveram as seguintes decisões: 23% receberam penas alternativas ou foram
condenados ao regime aberto; 19% foram condenados ao regime semiaberto; 14%
firmaram acordos com a justiça; 14% foram absolvidos; e 5% tiveram o processo
arquivado.

Esses dados sugerem que a prática de imputação da privação da liberdade aos réus em
momento anterior à sua condenação possa estar ocorrendo, em certa medida, de forma
arbitrária, resultando em muitas prisões provisórias desnecessárias. Assim, defende-se
que existe uma cultura de encarceramento, em que a banalização da prisão provisória
esteja contribuindo diretamente para o expressivo crescimento da população prisional
verificada nos últimos anos.9

Ocorre que, desde a entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, as autoridades julgadoras


nos processos penais passaram a contar com um conjunto de medidas cautelares

9
PEREIRA, J. B.; CARDOSO, D.B.; CARVALHO, G.G.R. A banalização da prisão preventiva e seus reflexos
na superlotação carcerária. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/64984/a-banalizacao-da-prisao-
preventiva-e-seus-reflexos-na-superlotacao-carceraria>. Acesso em 29/03/2019.

68
diversas da prisão10, que deveriam ter o seu emprego priorizado em relação à prisão
preventiva, conforme se depreende do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal: “a
prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra
medida cautelar”.

Naquele mesmo estudo do IPEA, citado anteriormente, buscou-se identificar os


principais óbices para a adoção de sanções alternativas à prisão no âmbito do processo
penal, sejam elas na instância anterior à condenação (medidas cautelares), sejam elas
no momento da decisão condenatória (penas restritivas de direito11). Dentre os óbices
apresentados, vale destacar dois deles: 1) resistência e cultura conservadora dos atores
que integram o sistema de justiça brasileiro, evidenciadas na visão presente entre
parcela dos juízes e promotores de que as penas alternativas são sinônimo de
impunidade; e 2) a falta de estrutura para execução e fiscalização do cumprimento desse
tipo de sanção é argumento corrente para justificar a não substituição em casos cabíveis.
Além desses óbices, a pressão da opinião pública em favor de punições mais severas
também é considerada motivo para o uso restrito das sanções alternativas à prisão12.

Nesse sentido, uma das principais soluções que se apresenta para ampliar a utilização
das penas e medidas alternativas consiste na correspondente ampliação de sua
estrutura de execução e monitoramento, composta pelos Centros de Acompanhamento
de Penas e Medidas Alternativas, vinculados aos órgãos executivos estaduais
responsáveis pela administração penitenciária. Esses Centros, que se constituem em

10
São medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal): I - comparecimento
periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II -
proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao
fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca
quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento
domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e
trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou
financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação
provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os
peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de
reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do
processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
11
De acordo com o Código Penal, há três espécies de pena: i) privativas de liberdade; ii) restritivas de
direito; e iii) de multa. As penas restritivas de direito, também denominadas “penas alternativas”,
substituem as privativas de liberdade quando: I) aplicada pena privativa de liberdade não superior a
quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a
pena aplicada, se o crime for culposo; II) o réu não for reincidente em crime doloso; e III) a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. São penas restritivas de direito: a)
prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) limitação de fim de semana; d) prestação de serviço
à comunidade ou a entidades públicas; e) interdição temporária de direitos; e f) limitação de fim de
semana.
12
SALLA, Fernando. De Montoro a Lembo: as políticas penitenciárias em São Paulo. Revista Brasileira de
Segurança Pública, Ano 1, Edição 1, 2007.

69
estruturas próprias dotadas de equipe multidisciplinar, são destinados ao
acompanhamento de infratores sujeitos ao cumprimento de medidas cautelares
diversas da prisão ou de penas restritivas de direitos, sendo esses infratores qualificados
como de baixo potencial ofensivo, em virtude dos requisitos legais que devem cumprir
para receberem aquelas sanções.

Assim, esses Centros devem estar estruturados para, por exemplo, permitir a execução
da monitoração eletrônica dos réus13, provendo os recursos logísticos e humanos
necessários. Outra atividade atribuída a esses Centros relaciona-se à efetivação da pena
de prestação de serviço à comunidade. Para isso, os Centros encarregam-se de captar
vagas em instituições sociais da comunidade para a recepção dos apenados; elaborar o
perfil psicossocial do indivíduo e encaminhá-lo para uma instituição que seja adaptada
às suas habilidades e a esse perfil; acompanhar o desempenho do indivíduo na
instituição; e supervisionar e apoiar tecnicamente as comarcas que desenvolvem
programas de penas alternativas14.

Cabe destacar que os Centros de Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas


também possuem o papel de promover a ressocialização dos infratores, visto que não
os excluem do convívio social e familiar e contribuem para despertar a participação
cidadã. Além disso, há Centros que também atuam no sentido de reduzir as
vulnerabilidades sociais do seu público usuário – a exemplo de baixa escolaridade,
pouco acesso a informações e direitos, abuso de substâncias entorpecentes,
desemprego e subemprego e problemas de saúde física/psicológica –, oferecendo as
assistências necessárias.

Portanto, depreende-se que o provimento de suporte técnico e administrativo para a


execução das sanções alternativas à prisão, na figura dos referidos Centros, por parte
dos órgãos executivos estaduais responsáveis pela administração penitenciária,
contribuiria para que o Poder Judiciário, ao ter maior confiança no seu efetivo
cumprimento, aplicasse as penas e medidas alternativas em maior escala.

1.2. Presos mantidos sem respaldo legal e benefícios não concedidos

Outro fator que contribui para o grande volume da população carcerária consiste nos
indivíduos mantidos presos após já terem cumprido a pena (o que se denomina,
informalmente, “cadeia vencida”), e naqueles mantidos em um determinado regime15 a
despeito de já cumprirem com os requisitos para a progressão de regime, estando
ambas as situações em desacordo com a lei.

13
Além de ser uma medida cautelar, a monitoração eletrônica também pode ser utilizada como meio de
fiscalização nos casos de saída temporária no regime semiaberto e de prisão domiciliar (Lei de Execução
Penal, art. 146-B).
14
SALLA, op. cit.
15
Segundo o Código Penal, existem três espécies de regime de cumprimento de pena, que devem ser
cumpridos em estabelecimentos penais distintos: i) regime fechado, a ser cumprido em estabelecimento
de segurança máxima ou média (penitenciária); ii) regime semi-aberto, a ser cumprido em colônia
agrícola, industrial ou estabelecimento similar; e iii) regime aberto, a ser cumprido em casa de albergado
ou estabelecimento adequado.

70
Segundo a Lei de Execução Penal, a pena privativa de liberdade deve ser executada em
forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada
pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior
e ostentar bom comportamento carcerário. Apesar de a mudança de regime não
impactar na população carcerária global – visto que todos são contabilizados como
“presos” –, o não cumprimento da progressão de regime, quando cabível, impacta
diretamente na população carcerária de cada tipo de estabelecimento penal.

Além desses casos, também existem indivíduos em privação de liberdade que são
mantidos nessa situação mesmo com o cumprimento dos requisitos necessários ao
recebimento de benefícios penais, como a suspensão condicional da pena, o livramento
condicional, a comutação de pena e o indulto. Quando aplicados, esses benefícios
contribuem diretamente para a redução do número de presos.

Uma das principais causas para as situações abordadas é a apreciação intempestiva das
ações penais por parte do Poder Judiciário, apontada no relatório final da última CPI
sobre o sistema carcerário, publicado em 2017. Nesse sentido, cabe também mencionar
o relatório resultante do mutirão carcerário realizado pelo CNJ em 2014 no sistema
prisional de Guarulhos/SP, no qual consta o apontamento da 57ª Subseção da OAB de
Guarulhos de que os benefícios demoram, em média, mais de um ano para serem
apreciados. Há também, nesse relatório, uma crítica referente à forma de atuação dos
juízes na execução penal: os juízes não impulsionavam os processos de forma
independente, permanecendo inertes aguardando a provocação da Defensoria Pública
ou dos advogados constituídos pelos sentenciados.

Dessa forma, tem-se a princípio duas importantes medidas para solucionar o problema
apontado: i) aprimorar a gestão processual das varas criminais, com os investimentos
materiais e humanos que se fizerem necessários para garantir uma célere tramitação
processual; e ii) garantir a assistência jurídica aos presos sem recursos financeiros para
constituir advogado, segundo previsto na Lei de Execução Penal, para que possam ser
informados e orientados acerca de seus direitos, bem como para impulsionar a
efetivação desses direitos por parte das autoridades judiciárias.

Conforme será apresentado adiante, a assistência jurídica integra o rol de assistências


que, embora devam ser garantidas aos presos por parte do Estado, conforme a lei, ainda
não são universalizadas dentro do sistema prisional brasileiro.

1.3. Presos reincidentes

Outro fator que alimenta a superpopulação carcerária compreende os indivíduos que,


já tendo cumprido pena anteriormente, retornam ao sistema prisional para o
cumprimento de uma nova pena, o que se designa por reincidência penitenciária16.

16
Conforme sugerido por Julião (2009), há outros três tipos de reincidência: i) reincidência genérica, que
ocorre quando há mais de um ato criminal, independentemente de condenação, ou mesmo autuação, em
ambos os casos; ii) reincidência legal, que, segundo a nossa legislação, é a condenação judicial por novo

71
O Relatório de Pesquisa intitulado “Reincidência Criminal no Brasil”, publicado pelo Ipea
em 2015, identificou as cinco principais pesquisas nacionais sobre reincidência, dentre
as quais três apresentaram taxas de reincidência penitenciária, conforme a seguir:

Quadro 17 – Principais pesquisas nacionais que tratam de reincidência


penitenciária
Autor Título Taxa de reincidência
Sérgio Adorno; Eliana Reincidência e Reincidentes Penitenciários
São Paulo: 46,3%
Bordini em São Paulo (1974-1985)
Reincidência e Reincidentes Penitenciários
Julita Lemgruber Rio de Janeiro: 30,7%
no Sistema Penal do Estado do Rio de Janeiro
Dados de 2001 para Brasil e de 2006 para Brasil: 70%; e Minas Gerais,
Depen Minas Gerais, Alagoas, Pernambuco e Rio de Alagoas, Pernambuco e Rio de
Janeiro.1 Janeiro: 55,15%
Fonte: Adaptado do Relatório de Pesquisa “Reincidência Criminal no Brasil”, Ipea, 2015.
1
Para apurar a reincidência penitenciária, foram considerados presos condenados e provisórios com
passagem anterior no sistema prisional.

Diante dos dados levantados pelas pesquisas sobre o tema, verifica-se que a taxa de
reincidência penitenciária é elevada, indicando que esse fenômeno deve ser
considerado como uma causa importante da superlotação carcerária.

As iniciativas que contribuem para reduzir as taxas de reincidência englobam,


principalmente, as assistências que devem ser prestadas pelo Estado, além da oferta de
trabalho, que objetivam promover a reintegração social do preso. O desenvolvimento
de política específica voltada aos egressos também é fundamental para prevenir a
reincidência, devendo estar pautada em duas ações, conforme dispõe a Lei de Execução
Penal: na orientação e apoio ao egresso, para reintegrá-lo à vida em liberdade; e na
concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado,
pelo prazo de dois meses.

2. Precariedade das instalações físicas de unidades prisionais

As péssimas condições de alojamento das unidades prisionais, de forma geral, são de


conhecimento público há muitos anos, tendo sido evidenciadas com mais detalhes pela
CPI do sistema carcerário instaurada pela Câmara dos Deputados em 2007 – cujo
relatório final foi publicado em 2009 –, que realizou diligência nas 27 unidades
federativas do país.

De acordo com os últimos relatórios publicados na internet dos mutirões carcerários


realizados pelo CNJ, relativos a inspeções ocorridas em 201417, foram observados os

crime até cinco anos após a extinção da pena anterior; e iii) reincidência criminal, quando há mais de uma
condenação, independentemente do prazo legal. (Ipea, 2015)
17
Relatórios obtidos da página <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/pj-mutirao-
carcerario/relatorios>. Acesso em: 02/02/2019.

72
seguintes problemas relacionados às instalações físicas das unidades visitadas: i)
estrutura de saneamento precária, com vazamentos e esgoto e lixo a céu aberto,
acarretando mau cheiro e proliferação de vetores; ii) estruturas prediais antigas, em
ruínas; iii) celas sem ventilação adequada, escuras, sujas e insalubres; iv) infiltrações; v)
racionamento de água, havendo casos de falta de água para consumo e para a descarga
de vaso sanitário; v) instalações elétricas irregulares, com a presença de “gambiarras”.

A 2ª edição do relatório intitulado “A visão do Ministério Público sobre o sistema


prisional brasileiro”, publicada em 2016 pelo Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP), apresenta uma consolidação dos dados colhidos por promotores de justiça e
procuradores da república nas inspeções carcerárias realizadas em 2014 e 2015, tendo
sido inspecionados, respectivamente, 1.284 e 1.442 estabelecimentos penais. O quadro
a seguir reúne os resultados das inspeções realizadas em 2015 sobre estrutura predial;
iluminação, insolação, aeração e temperatura das celas; e instalações hidráulicas,
elétricas e sanitárias.

Quadro 18 – Avaliação de elementos que compõem as instalações físicas de unidades


prisionais, 2015
Objeto de avaliação Ótimo Bom Regular Ruim Não se aplica
Estrutura predial 4% 32% 33% 28% 3%
Iluminação das celas 3% 30% 35% 27% 4%
Insolação das celas 2% 27% 34% 32% 5%
Aeração das celas 3% 26% 35% 31% 5%
Temperatura das celas 2% 22% 38% 31% 7%
Instalações hidráulicas 2% 24% 36% 29% 9%
Instalações elétricas 2% 25% 33% 31% 8%
Instalações sanitárias 2% 23% 38% 30% 7%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016

Verifica-se que, para todos os objetos avaliados, mais de 60% dos estabelecimentos
penais foram classificados como regular ou ruim, enquanto somente menos de 5%
obtiveram a melhor classificação (ótimo), evidenciando a inadequação de grande parte
das estruturas que custodiam os indivíduos privados de liberdade, os quais
compulsoriamente devem habitar espaços insalubres e deteriorados, sendo essa
condição agravada pela superlotação carcerária. O encarceramento nessas condições
caracteriza-se como uma violação ao direito básico dos presos de ocupar um ambiente
salubre, conforme previsto expressamente na LEP.

A resolução do problema em tela perpassa necessariamente pela execução de obras de


engenharia com o objetivo de adequar as estruturas precárias existentes, bem como
pelo provimento contínuo de serviço de manutenção predial a todos os
estabelecimentos penais, para que as demandas de reparo sejam tempestivamente
atendidas e as estruturas se mantenham preservadas.

73
3. Insuficiência na prestação de assistências e na oferta de trabalho aos presos

Segundo a LEP, o Estado tem o dever de garantir ao preso alguns tipos de assistência
com o objetivo de prevenir o crime e orientar o seu retorno à convivência em sociedade,
sendo essas assistências classificadas em material, à saúde, jurídica, educacional, social
e religiosa. Além das assistências, também cabe ao Estado oferecer a prática de
atividade laboral com a finalidade educativa e produtiva. Embora as assistências e a
oferta de trabalho devam ser garantidas a toda a população carcerária, os
levantamentos realizados mostram que ainda existem muitas lacunas no cumprimento
desse dever estatal, o que ocasiona a violação de importantes direitos dos presos e, em
última instância, prejudica a sua reintegração social, contribuindo para a reincidência
em atividades criminosas.

A seguir, são apresentados dados que revelam o grau de insuficiência na prestação de


cada assistência prevista em lei, bem como na oferta de trabalho, os quais foram
extraídos do Infopen e/ou do relatório publicado pelo CNMP intitulado “A visão do
Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro - 2016”, mencionado
anteriormente.

Assistência material

A assistência material ao preso consiste no fornecimento de alimentação, vestuário e


instalações higiênicas, sendo este um dever da administração prisional estadual ou
federal, a depender do tipo de estabelecimento.

O relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro - 2016”


revelou as quantidades de unidade prisionais que forneciam itens básicos de assistência
material em 2015, averiguadas em inspeções carcerárias, conforme se exibe nos dois
quadros a seguir.

Quadro 19 – Quantidade de unidades prisionais com assistência material: camas,


colchões, roupa de cama e toalha de banho, 2015
Roupa de cama Toalha de banho
Unidades
Unidades Unidades Unidades
com Unidades Unidades
com com roupa com toalha
Total de camas que que
Estados colchões de cama em de banho
Respondentes para fornecem fornecem
para todos mau estado em mau
todos os roupa de toalha de
os presos de estado de
presos cama banho
conservação conservação
Centro-Oeste 234 91 39% 176 75% 16 7% 6 3% 9 4% 1 0,4%
Nordeste 382 103 27% 193 51% 53 14% 19 5% 44 12% 15 4%
Norte 159 49 31% 95 60% 21 13% 2 1% 21 13% 2 1%
Sudeste 480 158 33% 432 90% 377 79% 59 12% 365 76% 51 11%
Sul 183 89 49% 163 89% 49 27% 15 8% 55 30% 16 9%
Total 1.438 490 34% 1.059 74% 516 36% 101 7% 494 34% 85 6%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016

74
Quadro 20 – Quantidade de unidades prisionais com assistência material: vestuário,
banho, material de higiene pessoal e alimentação orientada por nutricionista, 2015
Vestuário Banho Higiene Pessoal Alimentação
Unidades Unidades
Total de Unidades que que têm Unidades que que possuem
Estados Unidades que
Respondentes fornecem uniformes fornecem cardápio
garantem o
uniforme aos em mau material de orientado
banho diário
presos/internos estado de higiene pessoal por
conservação nutricionista
Centro-Oeste 234 63 27% 17 7% 221 94% 111 47% 132 56%
Nordeste 382 125 33% 39 10% 355 93% 155 41% 166 43%
Norte 159 28 18% 9 6% 147 92% 123 77% 134 84%
Sudeste 480 392 82% 60 13% 463 96% 419 87% 365 76%
Sul 183 78 43% 22 12% 178 97% 158 86% 142 78%
Total 1.438 686 48% 147 10% 1.364 95% 966 67% 939 65%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016
Observação: Foram destacados em laranja os dados que possuem caráter negativo, em razão de
indicarem unidades que possuem itens em mau estado de conservação, ao passo que os demais dados
indicam somente o fornecimento do item.

Considerando os valores totais apurados, verifica-se que menos da metade das unidades
cumpriam com o fornecimento de camas, roupas de cama, toalhas de banho e
uniformes aos presos. O fornecimento de colchões e de material de higiene pessoal
também estava distante da universalização, compreendendo 74% e 67% das unidades,
respectivamente. O banho diário ainda não era garantido em 5% das unidades,
enquanto 35% não ofereciam refeições conforme orientações de nutricionista.

Nota-se que a proporção de unidades que cumpriam com o fornecimento dos itens pode
variar consideravelmente conforme a região geográfica, a exemplo do fornecimento de
toalhas de banho, que atingiu a taxa de 5% no Centro-Oeste e 76% no Sudeste. Esse
dado é importante para demonstrar que, embora existam problemas generalizados no
sistema prisional, estes sempre terão diferentes graus de incidência quando forem
efetuados recortes regionais ou estaduais.

Assistência à saúde

A assistência à saúde do preso deve possuir caráter preventivo e curativo e


compreender atendimento médico, farmacêutico e odontológico. A LEP determina que,
quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência
médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção
do estabelecimento.

Importa registrar que a assistência à saúde no sistema prisional encontra-se amparada


pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Pessoas Privadas de Liberdade no
Sistema Prisional (PNAISP), instituída pela Portaria Interministerial nº 01, de 02 de
janeiro de 2014, que visa garantir aos presos o acesso ao cuidado integral do Sistema
Único de Saúde. As competências para a execução da PNAISP estão divididas entre a
União – na figura dos Ministérios da Saúde e da Justiça –, os estados e o Distrito Federal

75
– na figura da Secretaria Estadual de Saúde e da Secretaria Estadual de Justiça, da
Administração Penitenciária ou congênere – e os municípios, estes em caráter
facultativo. Contudo, o caráter facultativo da adesão do município na PNAISP não tem
sido compreendido pelos atores atuantes no governo federal como uma previsão legal
que autoriza a omissão do município na prestação de serviços de saúde à população
prisional, tendo em vista a responsabilidade desse ente no âmbito da atenção básica,
conforme exposto nos Relatórios de Auditoria da CGU nº 20180110918 e 20180124019.

Foram levantadas no último Infopen (2016) as quantidades de pessoas privadas de


liberdade mantidas em unidades que possuíam módulo de saúde, revelando que
587.493 pessoas, ou 85% da população carcerária, encontravam-se nessa situação. Vale
registrar que os cômputos das unidades federativas variaram entre o menor índice de
20%, registrado para o Amapá, até 100%, registrado para a Bahia, São Paulo e Distrito
Federal, conforme o quadro abaixo:

Quadro 21 – Percentual de pessoal privadas de liberdade em unidades com módulo


de saúde

Fonte: Infopen, junho/2016

18
Disponível em: https://auditoria.cgu.gov.br/download/11610.pdf . Acesso em: 30/04/2019.
19
Disponível em: https://auditoria.cgu.gov.br/download/12790.pdf . Acesso em: 01/07/2019.

76
Outro dado obtido pelas inspeções carcerárias realizadas por membros do Ministério
Público em 2015, constante do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema
prisional brasileiro - 2016”, evidencia a situação da assistência à saúde sob outro
parâmetro. Do total de 1.438 unidades prisionais respondentes, verificou-se que
somente 40% das unidades contavam com farmácia, variando de 26% para a região do
Centro-Oeste até 57% para a região Sudeste.

Quadro 22 – Quantidade de unidades prisionais com farmácia, 2015


Total de
Estados Unidades com farmácia
Respondentes
Centro-Oeste 234 60 26%
Nordeste 382 103 27%
Norte 159 65 41%
Sudeste 480 274 57%
Sul 183 77 42%
Total 1.438 579 40%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016
Também é importante registrar que a mera existência de módulos de saúde nas
unidades prisionais não garante que a assistência esteja sendo devidamente prestada.
Em um trabalho conduzido pelo Ipea, que resultou na publicação do relatório
“Reincidência Criminal no Brasil” (2015), estudos de caso demonstraram os seguintes
problemas no âmbito da assistência à saúde: i) número insuficiente de profissionais do
quadro técnico; ii) desmotivação dos profissionais em razão dos baixos salários
recebidos; e iii) dificuldades de estabelecer cooperação com a rede municipal e estadual
de saúde para obter atendimento aos presos em casos de média e alta complexidade,
que não eram atendidos pelos módulos de saúde dos estabelecimentos penais. Por sua
vez, salienta-se que o Relatório CGU nº 201801240 apontou que o Ministério da Saúde
não tem alcançado as metas previstas referentes à habilitação das Equipes de Saúde
Prisional.

Assistência jurídica

A Lei de Execução Penal determina que as unidades federativas devem ter serviços de
assistência jurídica, integral e gratuita, prestados pela Defensoria Pública dentro e fora
dos estabelecimentos penais, sendo esses serviços destinados aos presos sem recursos
financeiros para constituir advogado, os quais constituem a maior parte da população
carcerária20. Cabe também às unidades federativas prestar auxílio estrutural, pessoal e
material à Defensoria Pública no exercício de suas funções, devendo todos os
estabelecimentos penais possuírem local apropriado ao atendimento pelo defensor
público.

20
Agência CNJ de Notícias. ONU aponta a falta de defensores públicos entre as causas da
superpopulação carcerária no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61237-onu-
aponta-a-falta-de-defensores-publicos-entre-as-causas-da-superpopulacao-carceraria-no-brasil>. Acesso
em: 27/03/2019.

77
O Infopen de 201421 realizou levantamento de dados relacionados à assistência jurídica,
identificando como as unidades prisionais estavam estruturadas para oferecer o
atendimento jurídico. Obteve-se o seguinte resultado:

Figura 02 – Unidades1 com sala para atendimento jurídico gratuito

Fonte: Infopen, junho/2014


1
Os dados apresentados foram coletados de todas as unidades prisionais estaduais existentes à época,
exceto as de São Paulo, que contava com 162 unidade e não encaminhou as informações requeridas pelo
Infopen. Total de unidades que apresentaram as informações: 1.258.

Os dados mostram que 76% das unidades prisionais prestam atendimento jurídico
gratuito de alguma forma, sendo que na maior parte das unidades (40%), a sala de
atendimento jurídico é compartilhada com outros serviços, enquanto 22% possuem
salas exclusivas e 14% realizam o atendimento no parlatório. Por outro lado, 22% das
unidades não possuem nenhuma sala para esse tipo de atendimento.

No levantamento, também se verificou que 23% das unidades (288) não prestam
assistência jurídica gratuita aos presos de forma sistemática. Relativamente àquelas que
prestam essa assistência, 63% das unidades o fazem por meio da Defensoria Pública,
11% fazem uso de advogados conveniados/dativos e 1% presta assistência jurídica
privada por meio de organização não governamental ou outra entidade sem fins
lucrativos22.

Com base nas inspeções carcerárias realizadas pelo Ministério Público, dados sobre a
assistência jurídica também foram apresentados no relatório “A visão do Ministério
Público sobre o sistema prisional brasileiro - 2016”, conforme quadro abaixo.

21
O último levantamento do Infopen, de junho de 2016, não apresentou dados relativos à assistência
jurídica.
22
Os diferentes tipos de prestação não são excludentes entre si.

78
Quadro 23 – Quantidade de unidades prisionais com assistência jurídica, 2015
Unidades com assistência jurídica Unidades com serviço de
Total de
Estados gratuita e permanente aos assistência jurídica no próprio
Respondentes
presos/internos carentes estabelecimento

Centro-Oeste 234 202 86% 39 17%


Nordeste 382 266 70% 89 23%
Norte 159 152 96% 46 29%
Sudeste 480 448 93% 328 68%
Sul 183 171 93% 91 50%
Total 1.438 1.239 86% 593 41%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016

Embora a maior parte das unidades (86%) tenha informado que oferece assistência
jurídica gratuita e permanente aos presos carentes, somente 41% das unidades o fazem
no próprio estabelecimento, estando o restante em desacordo ao que determina a Lei
de Execução Penal.

Assistência educacional

A assistência educacional é compreendida pela instrução escolar e pela formação


profissional do preso. Segundo a LEP, a instrução escolar abrange: i) o ensino
fundamental, em caráter obrigatório, e ii) o ensino médio (regular ou supletivo), com
formação geral ou educação profissional de nível médio, em obediência ao preceito
constitucional de sua universalização. O ensino profissional, por sua vez, deve ser
ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.

O ensino ministrado aos presos deve ser integrado ao sistema estadual e municipal de
ensino e deve ser mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União,
com a utilização de recursos tanto do orçamento da educação, quanto do sistema
estadual de justiça ou da administração penitenciária. Além disso, as atividades
educacionais também podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou
particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados. Também se
permite aos presos a participação em programas de educação à distância.

De forma similar à assistência à saúde, a assistência educacional no sistema prisional


também se encontra estruturada na forma de política pública, por meio do Plano
Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional (PEESP), coordenado e
executado pelos Ministérios da Educação e da Justiça e Segurança Pública.

O último levantamento do Infopen (2016) obteve alguns dados relacionados à


assistência educacional, os quais são apresentados abaixo:

79
Quadro 24 – Pessoas privadas de liberdade envolvidas em atividades educacionais por
UF1

Fonte: Infopen, Junho/2016


1
O estado do Rio de Janeiro não informou dados sobre a população envolvida em atividades de ensino,
assim, a população prisional desse estado não foi considerada no cálculo do percentual total.
Obs.1: “Atividades de ensino escolar” compreendem atividades de alfabetização, formação de ensino
fundamental até ensino superior, cursos técnicos (acima de 800 horas de aula) e curso de formação inicial
e continuada (capacitação profissional acima de 160 horas de aula).
Obs.2: “Atividades educacionais complementares” compreendem programas de remição por meio da
leitura, programas de remição por meio do esporte e demais atividades educacionais complementares
(tais como videoteca, atividades de lazer e cultura).

Considerando o universo da população carcerária, verifica-se que somente 12% dos


presos participam de algum tipo de atividade educacional, sendo que somente 10%
estão envolvidos com algum tipo de atividade de formação de ensino escolar ou
profissional. Considerando os cômputos individuais de cada unidade federativa, verifica-
se que o Amapá e o Rio Grande do Norte são os estados que apresentam as menores
proporções de presos em atividades educacionais – ambos com uma taxa de 2% -,
enquanto Tocantins possui a maior taxa apurada, 25%.

80
O relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro - 2016”
também apresenta importantes dados complementares sobre a assistência
educacional, exibidos a seguir:

Quadro 25 – Quantidade de unidades prisionais que oferecem algum tipo de


assistência educacional, 2015
Unidades que Unidades com Unidades com
Total de Unidades com garantem o livre atividades espaços para a
Estados
Respondentes biblioteca acesso à leitura a culturais e de prática
todos os presos lazer esportiva
Centro-Oeste 234 74 32% 165 71% 76 32% 76 32%
Nordeste 382 70 18% 205 54% 105 27% 105 27%
Norte 159 59 37% 116 73% 74 47% 74 47%
Sudeste 480 301 63% 391 81% 326 68% 326 68%
Sul 183 122 67% 154 84% 97 53% 97 53%
Total 1.438 626 44% 1.031 72% 678 47% 678 47%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016

Verifica-se que menos da metade do total de unidades prisionais avaliadas apresentam


biblioteca (44%), oferecem atividades culturais e de lazer (47%) e contam com espaços
para a prática esportiva (47%). Também se destaca o fato de 28% do total de unidades
não permitirem o livre acesso à leitura a todos os presos.

Assistência social

No âmbito do sistema prisional, cabe aos serviços de assistência social, de forma geral,
conhecer os problemas, dificuldades e necessidades dos presos e encaminhá-los aos
serviços específicos que possam resolvê-los; promover a aproximação da família do
preso; e providenciar a obtenção de documentos (como certidão de nascimento,
identidade e CPF), uma vez que muitos indivíduos chegam ao estabelecimento penal
com a documentação incompleta ou mesmo sem nenhuma documentação. Cabe
pontuar que a regularização da documentação dos presos é de grande importância, visto
que é uma condição para sua inclusão em programas de trabalho e estudo.

O levantamento de dados relativos à assistência social foi feito pelo Infopen de 2014,
revelando a quantidade de unidades prisionais que dispunham de estrutura para a
realização dos atendimentos aos presos, qual seja:

81
Figura 03 – Unidades com sala de atendimento para serviço social

Fonte: Infopen, junho/2014

Verifica-se que 36% dos estabelecimentos penais não contavam com sala de
atendimento para serviço social. Das 779 unidades que dispunham de sala, 63%
utilizavam salas compartilhadas com outros serviços.

Outros dados obtidos pelo levantamento indicam a proporção de pessoas presas para
cada assistente social, em cada unidade da federação:

Quadro 26 – Proporção de pessoas presas na UF por assistente social, em ordem


crescente
Proporção de pessoas presas na UF Proporção de pessoas presas na UF
UF UF
por assistente social por assistente social
AP 92 AL 417
AC 129 MS 444
MA 133 PB 457
PI 202 TO 539
ES 216 SC 618
PA 217 SE 676
BA 228 GO 779
RS 265 DF 1327
AM 273 CE 1361
MG 301 RN 1409
MT 345 RJ1 -
RO 382 RR1 -
PE 384 SP NI2
PR 406 Total 386
Fonte: Adaptado de Infopen, junho/2014
1
Rio de Janeiro e Roraima não possuem unidades com assistente social.
2
Não informado.

Os elevados números de presos que devem ser atendidos pelos assistentes sociais –
situação verificada em todas as unidades federativas – são um indicativo de que o
serviço, apesar de existente em vários estabelecimentos, pode não contar com recursos
humanos suficientes para atender satisfatoriamente à demanda de pessoas
encarceradas.

82
Assistência religiosa

A prestação de assistência religiosa nos estabelecimentos penais tem como principal


característica a liberdade de culto, sendo facultada aos presos a participação em
atividades religiosas organizadas localmente. A LEP estabelece que os estabelecimentos
devem possuir local apropriado aos cultos religiosos e devem permitir a posse de livros
de instrução religiosa.

O relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro - 2016”


apontou os seguintes dados relativos à assistência religiosa:

Quadro 27 – Assistência religiosa em unidades prisionais, 2015


Unidades com presos que
Unidades com local Unidades com presos
Total de ressentem da ausência de
Estados destinado à realização obrigados a participar
Respondentes alguma representação
de cultos religiosos de atividade religiosa
religiosa
Centro-Oeste 234 80 34% 11 5% 0 0%
Nordeste 382 149 39% 28 7% 4 1%
Norte 159 77 48% 10 6% 1 1%
Sudeste 480 286 60% 35 7% 12 3%
Sul 183 121 66% 10 5% 0 0%
Total 1.438 713 50% 94 7% 17 1%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016

Conforme apurado, metade das unidades prisionais não cumpre com a obrigação legal
de oferecer local destinado à realização de cultos religiosos. Além disso, verifica-se que
há poucas unidades com presos que desejam alguma representação religiosa não
oferecida (7%) e que determinam a participação compulsória em atividades religiosas
(1%), o que é vedado pela lei.

Oferta de trabalho

Segundo a Lei de Execução Penal, o trabalho ofertado ao preso possui o caráter de dever
social e de condição de dignidade humana, e tem como finalidade a educação e a
produção. Os presos condenados à pena privativa de liberdade estão obrigados a
trabalhar na medida de suas aptidões e capacidade, e a remuneração advinda do
trabalho deverá ter as seguintes aplicações: indenização dos danos causados pelo crime,
desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; assistência à
família; pequenas despesas pessoais; e ressarcimento ao Estado das despesas realizadas
com a sua manutenção, em proporção a ser fixada. Parte da remuneração também pode
ser depositada em caderneta de poupança para ser entregue ao condenado quando
posto em liberdade.

O trabalho pode ser oferecido aos presos no interior dos estabelecimentos pela própria
administração pública ou em parceria com a iniciativa privada, por meio da celebração
de convênios para a implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio
dos presídios. O trabalho também pode ser executado externamente ao

83
estabelecimento, desde que atendidos alguns requisitos por parte do preso, como o
cumprimento mínimo de um sexto da pena.

O último Infopen identificou que somente 15% da população carcerária exercia algum
tipo de trabalho em 2016, sendo que esse índice alcançou o menor valor no Rio Grande
do Norte, com 1% da população em atividade laboral, e o maior valor em Minas Gerais,
com 30%. O quadro abaixo apresenta esses dados:

Quadro 28 – Pessoas privadas de liberdade em atividade laboral por UF

Fonte: Infopen, junho/2016

A respeito deste tema, cabe mencionar alguns achados registrados no relatório do Ipea
“Reincidência Criminal no Brasil” (2015) que contribuem para explicar o baixo
percentual de presos em atividades laborais. São eles:
• As oportunidades de trabalho não atendem à demanda de presos que querem
trabalhar, em razão de não haver empresas suficientes para firmarem convênios
com o sistema prisional estadual. Apontou-se que existe resistência e
preconceito por parte do empresariado para empregar pessoas encarceradas.
• Presos que trabalham e que integram módulo específico da unidade prisional
podem ser estigmatizados e hostilizados pelos demais presos, sendo vistos como
possíveis delatores, além da imagem de que muitos dos integrantes do módulo
seriam condenados por crimes sexuais; assim, há uma cultura local que contribui
para que muitos presos rejeitem a prática de atividades laborais.

84
Destaca-se ainda que, conforme os Relatórios da CGU nº 201801109 e 201801240, a
meta do Plano Plurianual 2016-2019 referente ao trabalho no sistema prisional não tem
sido atingida, constando oportunidades de cooperação entre órgãos federais no âmbito
da Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional, aprovada
recentemente por meio do Decreto nº 9.450, de 24 de julho de 2018.

4. Fragilidades relacionadas aos agentes penitenciários

Os agentes penitenciários federais e estaduais possuem um papel de grande relevância


e criticidade no âmbito do sistema prisional, uma vez que a eles compete o exercício das
atividades de atendimento, vigilância, custódia, guarda, assistência e orientação de
pessoas recolhidas aos estabelecimentos penais, além do controle sobre a entrada e
saída de pessoas, veículos e volumes, utilizando-se dos sistemas de revista disponíveis.
Em suma, cabe aos agentes penitenciários garantir a ordem e a segurança nos
estabelecimentos penais, zelando pela integridade física e moral dos profissionais que
ali atuam, dos visitantes e dos próprios presos.

A primeira fragilidade relacionada aos agentes penitenciários consiste nos quantitativos


de servidores em exercício no país, que se mostram insuficientes para atender à elevada
população carcerária existente. Segundo levantamento realizado pelo portal de notícias
G1 em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e o Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP)23, o Brasil possui uma média de 7 detentos por agente
penitenciário, enquanto a proporção mínima desejável, segundo a Resolução CNPCP nº
01/2009, é de um agente para cada 5 detentos. Há, contudo, diferenças regionais: das
27 unidades federativas, oito possuem médias que atendem à resolução (AC, AP, MA,
MT, MG, RN, RO e TO), das quais a menor foi apurada para Tocantins (2,6); das UFs
restantes, Pernambuco apresenta a pior média, com 20 detentos para cada agente
penitenciário.

Outro problema diz respeito à falta de reconhecimento e valorização que a categoria de


agente penitenciário sofre do próprio Estado, o que se reflete na falta de
regulamentação uniforme da carreira, que assume diferentes formatos nas unidades da
federação – há casos de profissionais terceirizados exercendo a função de agente
penitenciário. Além disso, indica-se não haver investimentos para garantir aos agentes
uma qualificação adequada e contínua, bem como remuneração em conformidade com
a natureza periculosa da função24.

23
Disponível em: <https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-tem-media-de-7-presos-
por-agente-penitenciario-19-estados-descumprem-limite-recomendado.ghtml>. Acesso em:
29/03/2019.
24
Sobre esses apontamentos, consultar: i) CÂMARA, Paulo Sette. A política carcerária e a segurança
pública. Revista Brasileira de Segurança Pública. Ano 1, Edição 1, 2007; ii) BRASIL. Câmara dos Deputados.
CPI – Sistema Carcerário Brasileiro – Relatório Final. Brasília, 2017; iii) O TEMPO. Quase 60% dos agentes
penitenciários mineiros são contratados. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/cidades/quase-
60-dos-agentes-penitenci%C3%A1rios-mineiros-s%C3%A3o-contratados-1.1008398>. Acesso em
29/03/2019.

85
Sobre o tema, cabe registrar que se encontra em tramitação a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 372/17, que passa a conferir status de polícia aos agentes
penitenciários a partir da criação das polícias penais federal, estaduais e distrital, que
passarão a integrar o rol de órgãos do sistema de segurança pública instituído pela
Constituição Federal.

É preciso chamar a atenção para algumas graves situações que podem surgir em
consequência das fragilidades apontadas. A quantidade insuficiente de agentes pode
favorecer a ocorrência de casos de violência dentro das unidades prisionais, tanto entre
os detentos como também entre estes e os próprios agentes. A formação inadequada
do agente, por sua vez, também pode contribuir para a existência de um ambiente
violento quando resulta em abuso de poder no tratamento dispensado aos presos, o
que viola direitos, gera revolta e alimenta um ciclo de tensão e violência perpetrado por
detentos e agentes. Também podem ocorrer casos de corrupção praticada por agentes
penitenciários com vistas a permitir a entrada de itens proibidos nos estabelecimentos,
o que fortalece a atuação das facções criminosas (este assunto será abordado adiante).

5. Entrada de objetos proibidos nos estabelecimentos penais

A entrada de objetos proibidos em estabelecimentos penais é uma ocorrência frequente


no sistema prisional, que se pode constatar a partir de várias apreensões noticiadas em
veículos de comunicação25. Os objetos mais comumente encontrados são celulares,
drogas e armas, e sua entrada ocorre principalmente por meio de: visitantes ou drones,
indicando limitações ou falhas nos sistemas de segurança dos estabelecimentos; e
agentes penitenciários corrompidos, que entregam os itens aos detentos em troca de
dinheiro.

Tal ocorrência é extremamente prejudicial não somente ao sistema prisional, mas à


segurança pública de forma geral, visto que a disseminação de celulares dentro dos
presídios permite uma fácil comunicação entre o mundo extramuros e os presos,
possibilitando a continuidade do comando de atividades criminosas, como tráfico de
drogas, roubos e assassinatos, por parte de chefes de facções que se encontram detidos.
Além disso, essa fácil comunicação em conjunto com a posse de armas por parte dos

25
Citam-se, a título de exemplo: i) ASPEGO. Drogas, armas e celulares na prisão. Disponível em:
<https://www.aspego.com.br/noticias/drogas-armas-e-celulares-na-prisao.html>; ii) G1. Entrada de
arma e celular em prisão do Tocantins tem tabela de preço. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-
nacional/noticia/2017/01/entrada-de-arma-e-celular-em-prisao-do-tocantins-tem-tabela-de-
preco.html>. iii) HOJE EM DIA. Investigação apura entrada de celular, drogas e outros itens proibidos em
penitenciária de Valadares. Dispnível em:
<https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/investiga%C3%A7%C3%A3o-apura-entrada-de-celular-
drogas-e-outros-itens-proibidos-em-penitenci%C3%A1ria-de-valadares-1.581315>; iv) G1. Mais de 14 mil
celulares foram apreendidos em presídios de SP em 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/mais-de-14-mil-celulares-foram-apreendidos-em-presidios-de-sp-em-2017.ghtml>; e v)
ESTADO DE MINAS. Quatro drones já foram interceptados com drogas, celulares e armas em Minas.
Disponível em:
<https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2018/07/31/interna_gerais,976799/quatro-drones-ja-
foram-achados-com-drogas-celulares-e-armas-em-minas.shtml>. Acesso em 27/03/2019.

86
presos, sejam elas armas de fogo ou brancas, é o principal fator que viabiliza a
ocorrência de episódios de grandes violência e rebeliões deflagradas nas prisões.

Visando o aprimoramento de seus sistemas de segurança, várias unidades prisionais têm


adquirido scanners corporais, que são equipamentos de inspeção corporal que
funcionam por meio da emissão de baixas doses de raios-X, gerando imagens que
permitem identificar se a pessoa carrega algum objeto consigo, dentro ou fora do corpo.
Dessa forma, substitui-se a revista manual – alcunhada de vexatória, por expor partes
íntimas dos revistados – por um processo de inspeção mais seguro, ágil e humanizado.

Outra medida adotada por algumas unidades prisionais para coibir a comunicação dos
presos por meio de aparelhos celulares é a instalação de bloqueadores de sinais de
telefonia móvel nos estabelecimentos, a qual atualmente é custeada pela administração
prisional. Há, contudo, o entendimento de que o serviço de instalação e manutenção
desses bloqueadores deveria ser realizado por parte das empresas prestadoras de
serviço de telefonia móvel em todos os estabelecimentos penais, sendo essa exigência
objeto de projeto de lei em trâmite no Legislativo26.

Por último, tendo em vista os problemas e desafios apontados, torna-se relevante a


instituição de sólidos programas de integridade com o objetivo de promover a adoção
de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à
remediação de fraudes e atos de corrupção no âmbito do sistema, tendo como
referência os preceitos da política de governança da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional, criada pelo Decreto nº 9.203, de 22 de novembro de
2017.

6. Atuação e fortalecimento das facções criminosas

O nascimento, o fortalecimento e o papel exercido no mundo do crime e na sociedade


em geral pelas facções criminosas têm sido objeto de investigação e estudo por parte
de autoridades de segurança pública e pesquisadores há alguns anos. Assim, embora
existam extensos conteúdos sobre o tema, como livros e dissertações publicados, a
finalidade do presente registro é apontar brevemente os principais fatores que teriam
levado ao surgimento, crescimento e manutenção desses grupos organizados27,
seguindo o princípio de que, para solucionar um problema, é preciso compreender suas
causas e agir sobre elas.

26
CÂMARA NOTÍCIAS. Câmara aprova projeto que exige bloqueador de sinal de celular em presídios.
Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SEGURANCA/547833-CAMARA-
APROVA-PROJETO-QUE-EXIGE-BLOQUEADOR-DE-SINAL-DE-CELULAR-EM-PRESIDIOS.html>. Acesso em:
27/03/2019.
27
Foram consideradas as seguintes fontes: i) DIAS, C. N.; ADORNO, A. Cronologia dos “Ataques de 2006”
e a nova configuração de poder nas prisões na última década. Revista Brasileira de Segurança Pública,
São Paulo, v. 10, n. 2, 118-132, Ago/Set 2016; ii) DIAS, C. N.; MANSO, B. P. PCC, sistema prisional e gestão
do novo mundo do crime no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 11, n. 2, 20-29,
Ago/Set 2017; iii) BRASIL. Câmara dos Deputados. CPI – Sistema Carcerário Brasileiro – Relatório Final.
Brasília, 2017; e iv) GAZETA DO POVO. Como e por que o PCC se tornou a maior facção criminosa do país.
Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/como-e-por-que-o-pcc-se-tornou-a-maior-
faccao-criminosa-do-pais-eaak88sbis60tx4huepxnsxv5/>. Acesso em: 28/03/2019.

87
As facções criminosas podem ser compreendidas como grupos portadores de uma
identidade, de um discurso e de formas de organização e regulação social que se
enraizaram dentro e fora das prisões. O Primeiro Comando da Capital (PCC), maior
facção criminosa do país, teria surgido dentro de uma unidade prisional em 1993 com o
discurso de promover a organização e a união de seus membros para enfrentar a prática
carcerária desumana, que seria caracterizada pela injustiça, opressão, tortura e
massacres nas prisões. Um dos motivos apontados para o seu crescimento é a melhoria
nas condições de vida que o grupo oferece aos presos que se tornam seus filiados, como,
por exemplo, impedindo estupros e providenciando itens básicos como escovas de
dentes e colchões. Portanto, as péssimas condições do cárcere, a ausência de
assistências básicas aos presos e a violência generalizada (entre os próprios presos e
entre esses e as autoridades locais) teriam sido os elementos propulsores para o
surgimento e a expansão do PCC.

Outros fatores são apontados para o crescimento e a manutenção desses grupos:


aumento massivo da população carcerária; transferências das lideranças para unidades
de outros estados, ampliando seus campos de articulação e influência; e disseminação
de aparelhos celulares nas prisões, permitindo a comunicação entre seus membros e
líderes, independentemente de estarem presos.

O fortalecimento das facções criminosas também se deve à sua atuação direta no tráfico
de drogas, que é a principal fonte financiadora de suas ações, incluindo as demandas de
seus integrantes que se encontram encarcerados. Disputas entre diferentes facções pelo
domínio sobre territórios do mercado de drogas solidificam a rivalidade entre esses
grupos, criando-se ambientes de tensão e conflito dentro das prisões, que
eventualmente podem resultar em massacres de grandes proporções.

Pode-se afirmar que o problema das facções criminosas no Brasil é dotado de alta
complexidade em razão das seguintes características: i) não se restringe ao sistema
prisional, estando espalhado por todo o tecido social; ii) constitui-se de grupos que
atuam há muitos anos, os quais possuem uma inteligência gerencial consolidada e
gozam de prestígio e poder; e iii) está intrinsecamente ligado ao tráfico de drogas e à
marginalização de grupos sociais, os quais representam alguns dos maiores problemas
sociais do Brasil. Portanto, tratar de soluções para as facções criminosas de forma
completa envolve necessariamente abordar esses outros aspectos apontados, o que
resultaria na abordagem de temas que fogem ao escopo do presente trabalho, ainda
que sejam de grande relevância.

Contudo, a partir das informações levantadas acerca da dinâmica das facções


criminosas, é possível indicar iniciativas que podem ser adotadas no âmbito específico
do sistema prisional visando dificultar as atividades das facções dentro dos presídios,
incluindo sua ampliação por meio do recrutamento de novos membros. Essas iniciativas
deveriam buscar, sobretudo, a manutenção de sistemas de segurança sólidos e efetivos;
o monitoramento dos presos e a manutenção da ordem e da disciplina no ambiente
carcerário; e o provimento de condições de vida adequadas a todos os detentos,

88
incluindo atividades que têm o potencial de promover sua ressocialização, como
educação, trabalho e recreação.

7. Insuficiência na separação dos presos conforme espécie e grau de periculosidade

Segundo a Lei de Execução Penal, os presos devem ocupar as celas de acordo com dois
critérios de separação: espécie de preso e grau de periculosidade. Primeiramente, no
que diz respeito à espécie, deve-se separar os presos provisórios daqueles condenados
por sentença transitada em julgado. Além disso, dentro de cada espécie, os presos
devem ser separados conforme os seguintes critérios, que denotam o grau de
periculosidade, nos termos do art. 84 da LEP:
1) Presos provisórios:
I) acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;
II) acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à
pessoa;
III) acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos
apontados nos incisos I e II.
2) Presos condenados:
I) condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;
II) reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou
grave ameaça à pessoa;
III) primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou
grave ameaça à pessoa;
IV) demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em
situação diversa das previstas nos incisos I, II e III.

Acerca deste tema, membros do Ministério Público colheram dados em inspeções


carcerárias realizadas em 2015, revelando que somente 19% de um total de 1.438
unidades prisionais realizavam a separação entre presos provisórios e condenados; 11%
separavam presos primários de reincidentes; e 23% separavam os presos conforme a
natureza do delito. Além disso, verificou-se que o critério de separação mais utilizado
foi o das facções criminosas, ocorrendo em 34% das unidades. Essa prática é adotada
com frequência em decorrência da rivalidade que se instala entre as facções, o que
coloca em risco a própria vida dos detentos.

O quadro abaixo exibe os dados coletados pelo Ministério Público:

89
Quadro 29 – Quantidade de unidades prisionais por tipo de separação de presos por
região, 2015
Os presos
Os presos
são
Os presos que Os presos Os presos são
mantidos
provisórios são cumprem primários mantidos Há grupos ou
separados
Total de mantidos pena em são separados facções
de acordo
Estados Respon separados dos regimes mantidos conforme a criminosas
com a
dentes presos em distintos separados natureza do identificados no
identificaçã
cumprimento são dos presos delito cometido estabelecimento
o de grupos
de pena mantidos reincidentes (periculosidade)
ou facções
separados
criminosas
Centro-
234 37 16% 92 39% 20 9% 57 24% 61 26% 35 15%
Oeste
Nordeste 382 64 17% 90 24% 34 9% 65 17% 106 28% 63 16%
Norte 159 28 18% 47 30% 14 9% 33 21% 33 21% 21 13%
Sudeste 480 108 23% 168 35% 63 13% 133 28% 210 44% 139 29%
Sul 183 42 23% 64 35% 24 13% 37 20% 72 39% 85 46%
Total 1.438 279 19% 461 32% 155 11% 325 23% 482 34% 343 24%
Fonte: Adaptado do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”, CNMP,
2016

Chama a atenção o dado de que 68% das unidades não separam os presos conforme o
regime de cumprimento de pena, visto que a LEP prevê que cada regime deve ser
cumprido em estabelecimento penal específico: o regime fechado em penitenciária; o
regime semi-aberto em colônia agrícola, industrial ou similar; e o regime aberto em casa
de albergado, o que indica haver quantidades insuficientes desses diferentes
estabelecimentos para atender à demanda existente.

A não separação de presos conforme sua espécie e seu grau de periculosidade é um dos
principais motivos para que as prisões sejam vistas pela sociedade em geral como
“escola do crime”, pois presos perigosos e experientes podem influenciar, capacitar ou
cooptar presos que tenham cometido crimes de menor potencial ofensivo, prejudicando
diretamente a função ressocializadora da pena.

Os fatores que possivelmente mais contribuem para o problema em tela consistem na


superlotação carcerária, o que torna as celas existentes insuficientes para promover a
devida separação, e a prevalência das facções criminosas sobre a gestão das unidades
prisionais, que determinam que a separação ocorra de modo que integrantes de facções
diferentes não se misturem.

8. Dependência química e consumo de drogas nas unidades prisionais

Embora não se tenha identificado nenhum levantamento quantitativo sobre os


dependentes químicos que se encontram privados de liberdade, sabe-se, a partir de
estudos de caso e inspeções carcerárias, que existe uma grande massa de usuários de
drogas nas prisões.

Apesar de essa ser uma realidade que traz graves consequências tanto para o sistema
prisional quanto para a sociedade em geral, este é um tema que não possui grande

90
visibilidade social e política, o que acarreta na insuficiência de políticas públicas de saúde
para tratar toda a população carcerária usuária de drogas, seja pela falta de profissionais
habilitados, de medicamentos e estrutura adequada, ou mesmo pela adoção de
estratégias de tratamento ineficazes.

O problema da dependência química nas prisões alimenta a violência e a criminalidade


dentro e fora do ambiente carcerário. Dentro das prisões, a maior dificuldade de acesso
às drogas aliada à falta de tratamento específico provoca crises de abstinência nos
dependentes que podem gerar graves agressões entre os detentos. Por outro lado, o
consumo de drogas dentro das prisões faz com que os detentos contraiam dívidas com
traficantes, geralmente integrantes de facções criminosas, que acabam sendo saldadas
pela família do preso ou pelo próprio preso, quando liberado, mediante o cometimento
de novos crimes, contribuindo assim para o ciclo de violência urbana.

Também importa mencionar que nem todos os casos de consumo de drogas nas prisões
é decorrente de uma situação de dependência química prévia ao encarceramento. Há
relatos de detentos que adquirem o vício na própria prisão, em razão da constante
influência ou mesmo porque são obrigados a consumir drogas pelos seus companheiros
de cela. Além disso, a reclusão em celas precárias e superlotadas atrelada à ociosidade
são fatores que colaboram para o consumo de drogas, como uma forma de amenizar as
agruras vividas diuturnamente pelos detentos.28

9. Considerações finais

A partir da exposição dos problemas, que foram agrupados em oito grandes grupos,
verifica-se que há uma grande interligação e retroalimentação entre eles, de modo que
a problemática do sistema prisional deve ser tratada de forma holística, com a adoção
concomitante de ações dirigidas às diferentes áreas de gestão do sistema.

Ainda assim, dois desses problemas se destacam devido não somente à sua relevância
intrínseca, mas por estarem intimamente vinculados a problemas de outras naturezas.
Trata-se da superlotação e da insuficiência na prestação de assistências e na oferta de
trabalho. Conforme apontado, verifica-se que a superlotação contribui para que não
haja a correta separação dos presos, para o fortalecimento das facções criminosas e para
o consumo de drogas no interior das unidades prisionais, além de ser um fator que
contribui para a própria insuficiência na prestação de assistências e na oferta de
trabalho. A baixa oferta de assistências e de trabalho, por sua vez, também contribui
para o fortalecimento das facções criminosas e para o consumo de drogas, além de
contribuir diretamente para a reincidência penitenciária, o que, por sua vez,

28
Para o registro do presente tópico, foram consideradas as seguintes fontes: i) IPEA. Reincidência
Criminal no Brasil – Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro, 2015; ii) MONTENEGRO, M. C. O que a
dependência química nos presídios tem a ver com você, que nem conhece uma prisão? Disponível em:
<https://medium.com/@conselhonacionaldejustica/o-que-a-depend%C3%AAncia-qu%C3%ADmica-nos-
pres%C3%ADdios-tem-a-ver-com-voc%C3%AA-que-nem-conhece-uma-pris%C3%A3o-2f0767ad1cb>; e
iii) INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS. Presos dependentes químicos. Disponível em:
<https://ibccrim.jusbrasil.com.br/noticias/2901389/presos-dependentes-quimicos>. Acesso em:
28/03/2019.

91
retroalimenta a superlotação carcerária. Nesse sentido, destaca-se que as assistências,
conforme a LEP, devem “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
sociedade”.

Nesse contexto, também há que se destacar que o próprio objetivo da execução penal,
segundo dispõe a LEP, consiste não somente na efetivação das disposições da sentença
ou decisão criminal, mas também na promoção de condições para a harmônica
“integração social do condenado e do internado”. Assim, para alcançar esse objetivo, as
assistências que o Estado deve garantir aos presos no âmbito material, à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa, além da oferta ao trabalho, mostram-se de extrema
importância.

Cabe observar que as iniciativas que visam solucionar os problemas do sistema prisional
estão na alçada de diferentes atores, envolvendo as três esferas da Federação (União,
estados e municípios) e os três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário).
A própria sociedade também possui um importante papel nesse contexto, visto que os
apelos sociais tendem a influenciar os rumos de muitas decisões de governo que
impactam nas políticas públicas.

No caso específico do sistema prisional, é notório que existe uma grande resistência por
parte da sociedade em aceitar investimentos de recursos públicos em ações que
busquem melhorar as condições de vida de pessoas privadas de liberdade. Há, inclusive,
uma hipótese29 nesse sentido que buscar explicar o verdadeiro motivo da permanência
do caos no sistema prisional brasileiro ao longo de tantos anos, a despeito de toda a
estrutura jurídico-formal existente. A explicação estaria no conceito da concepção de
dignidade não ontológica: devido à fragilidade na formação moral e social de grande
parte da sociedade brasileira, esta teria uma concepção de dignidade muito mais
vinculada ao que o indivíduo tem ou faz do que ao simples fato de se tratar de um ser
humano. Assim, nessa concepção, pessoas que cometem crimes ou são acusadas de
terem cometido crimes, devido ao seu comportamento reprovável, não seriam titulares
da dignidade e, portanto, não teriam o direito a serem tratados de forma digna, o que
explicaria o generalizado quadro de violação aos direitos fundamentais dos presos no
Brasil.

29
BARCELLOS, A. P. Violência urbana, condições das prisões e dignidade humana. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 254, 2010.

92

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