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COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBOS DE MESQUITA (GO):

RESGATE HISTÓRICO DE UMA COMUNIDADE DE


ANCESTRALIDADE NEGRA.

por

MARCONDES SILVA DE OLIVEIRA

Brasília, 1º Semestre de 2011.


COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBOS DE MESQUITA (GO):
RESGATE HISTÓRICO DE UMA COMUNIDADE DE
ANCESTRALIDADE NEGRA.

por

MARCONDES SILVA DE OLIVEIRA

Monografia apresentada ao Departamento de Estudos Sociais


da União Pioneira de Integração Social

ORIENTADOR
Professora. Dr. Mercedes Gassen Kothe

Brasília, 1º Semestre de 2011.

2
Dedico esta monografia minha família,
especialmente a minha mãe Vilma Maria da Silva.
Aos meus amigos e amigas do curso de
história, com quem dividi três anos de
aprendizagem e conhecimento.
Aos meus colegas da Fundação Cultural
Palmares que me ajudaram a construir esta
pesquisa.

3
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram direta ou indiretamente neste grande


processo de conhecimento que é a monografia.
Aos moradores do Povoado de Mesquita que facilitaram a pesquisa, especialmente ao
José Antônio Batista, ao João Antônio Pereira Braga, Sandra Pereira Braga e Cesar Alves
Rodrigues.
Aos professores do Departamento de História da UPIS que durante três anos passaram
saberes do conhecimento histórico e pedagógico.
A professora e antropóloga Mariana Balen Fernandes pelo auxilio e orientação nessa
pesquisa.

4
RESUMO

O objeto de estudo deste trabalho é o resgate histórico da comunidade remanescente de


quilombos de Mesquita, situada na Cidade Ocidental, Goiás. Inicialmente foi abordada a
trajetória da escravidão no Brasil, dando ênfase no surgimento da escravidão em terras
brasileiras, nas atividades econômicas da sociedade escravista e da formação dos quilombos no
Brasil Colonial. Posteriormente é abordado como os escravos chegaram ao Estado de Goiás, as
principais rotas de entrada dos escravos, as atividades econômicas da sociedade escravocrata
goiana, tendo a mineração como seu principal expoente e a formação dos quilombos em território
goiano, como surgiram e suas relações com a sociedade. Por fim é feito um resgate histórico
sobre o Povoado de Mesquita, através da História Oral baseada em relatos dos moradores da
comunidade. É abordado o mito de origem da comunidade e o seu surgimento, as principais
manifestações culturais como a Festa do Marmelo e Festa do Divino Espírito.

Palavras-chave: Comunidade Quilombola, Escravidão, Identidade, Povoado de Mesquita.

5
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 7

1. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL ...................................................................... 9

1.1. Surgimento do escravismo em terras brasileiras........................................................... 9


1.2. Principais atividades da economia escravocrata. ........................................................ 16
1.3. Formação de Quilombos no Brasil Colonial ................................................................ 22

2. A ESCRAVIDÃO NEGRA NO GOIÁS ............................................................................. 26

2.1. Chegada dos escravos: Da Bahia a Vila Boa de Goyaz. .............................................. 26


2.2. Principais atividades da economia escravocrata goiana ............................................. 29
2.3. Formação dos quilombos no Estado de Goiás. ............................................................ 33

3. O POVOADO DE MESQUITA ......................................................................................... 38

3.1. A origem do quilombo de Mesquita............................................................................. 39


3.2. Manifestações culturais ................................................................................................ 50

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 55

APÊNDICES ...............................................................................................................................

ANEXOS .....................................................................................................................................

6
INTRODUÇÃO

A presente monografia abordará o tema quilombo. Um assunto que vem se tornando cada
vez mais evidente no meio acadêmico. Com a Constituição Federal de 1988 se reconheceu um
novo grupo étnico brasileiro: Os remanescentes de quilombos. A maioria desses grupos está no
campo, podendo também existir próximos a praias e a coexistir em zonas urbanas.
Essa pesquisa terá como objeto de estudo a Comunidade Remanescente de Quilombos de
Mesquita situada na Cidade Ocidental - Goiás. A investigação histórica buscará compreender a
constituição desse quilombo no estado do Goiás, resgatando sua origem através de relatos dos
seus moradores, usando a História Oral como método. Nessa pesquisa busca-se historicizar as
experiências vividas pelos moradores de Mesquita, passadas oralmente pelos seus ancestrais.
O Brasil começou a se preocupar com sua raiz negra 100 anos após a Lei Áurea, tentando
estudar um grupo étnico que constitui uma grande porcentagem dos traços culturais brasileiros. O
Brasil é a segunda maior nação negra no mundo, aqueles que se declaram pretos ou pardos
formam 45,3% da população, segundo o censo de 2000 do IBGE, desses que se declaram pretos
ou pardos, apenas 6,2% se declaram pretos e 39,1% se declaram pardos. Essa pesquisa mostra-se
como um número ilusório, sabe-se que o número real de negros no Brasil é bem maior. Definir o
número de negros num país com tanto racismo é uma tarefa extremamente difícil.
A construção de uma identidade quilombola é de grande importância para a manutenção e
promoção da cultura perante a nação. Grande parte da sociedade brasileira não sabe o que é um
grupo remanescente de quilombos. Aqueles que pensam que sabem, enxergam o território
quilombola como um pedaço da África transportado para o Brasil. É um grande erro pensar que
nesses 122 anos de “liberdade” o negro pôde praticar sua tradição, sua religião, enfim sua cultura
livremente. Esta pesquisa irá desmistificar alguns desses pensamentos, mas também legitimar
vários traços africanos que permaneceram em um povoado quilombola, mantendo assim uma
cultura de resistência.
O cotidiano da comunidade de Mesquita mostrará que a sociedade atual está presente nas
relações de seus moradores, mas há também a presença da matriz africana em suas tradições e
mitos. Esta pesquisa também evidenciará a relação do homem quilombola com suas terras.
7
Um dos principais porquês da presente pesquisa está na importância de que essa memória
quilombola possa ser perdida ou que essa cultura caia no esquecimento. O fomento desta
identidade afro-brasileira é de demasiada importância para a quebra do racismo e aceitação da
origem africana do povo brasileiro, acabando com preconceito sobre a palavra e o ser negro.
Esses elementos descritos mostram a relevância da pesquisa e análise de uma comunidade
remanescente de quilombos. A possibilidade de execução deste trabalho e acesso as fontes será
feita através de pesquisas no arquivo da Fundação Cultural Palmares, onde as comunidades
certificadas ou em processo de certificação possuem arquivo, também será feita pesquisa no
INCRA-DF, órgão responsável pela titulação das terras de Mesquita e investigação na própria
comunidade, colhendo entrevistas com os moradores e através da observação.
No primeiro capitulo intitulado “A Escravidão Negra no Brasil Colonial” será abordada a
trajetória dos escravos vindos da África no Brasil, nesse capítulo será mostrado como surgiu a
escravidão negra no Brasil, através da ética do lucro e da necessidade de produção em larga
escala. As principais questões que fizeram com que o negro fosse mais usado como escravo do
que os indígenas, as principais rotas de chegada de escravos no Brasil e o papel civilizador do
africano na cultura brasileira serão discutidos. Neste capítulo serão abordadas as principais
atividades de trabalho dos africanos no Brasil, a exploração do Pau-Brasil, o trabalho dos
engenhos e plantações de cana de açúcar, a exploração das minas e a produção agro-pecuária. O
primeiro capítulo é encerrado com a formação dos primeiros quilombos na era colonial do Brasil.
No segundo capítulo intitulado “A Escravidão Negra no Goiás” será descrita a chegada
dos escravos africanos na capitania de Goiás e os principais portos de abastecimento desses
escravos recém chegados. Serão abordados os caminhos e trajetórias para que os escravos
chegassem às minas de Goiás e as medidas usadas pelo governo para coibir as fugas. Por fim
haverá a analise da formação de quilombos no estado, suas principais formas e motivos.
O terceiro capítulo tratará do objeto de estudo desta monografia, fazendo um resgate
histórico da Comunidade Remanescente de Quilombos de Mesquita, localizada na Cidade
Ocidental. Será resgatada a origem da comunidade através dos relatos dos moradores, o seu mito
de origem, principais atividades econômicas e suas manifestações culturais, através das principais
festas agrícolas e religiosas.

8
1. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL

1.1. Surgimento do escravismo em terras brasileiras.

A escravidão é um tema bastante comum no meio acadêmico e na literatura em geral,


inúmeros filmes, novelas e livros já retrataram o tema escravidão. Existe uma conformidade geral
de opiniões do quanto à escravidão foi perversa e os vários males que causaram aos grupos que
foram escravizados. Quando se ouve a palavra “escravo” há um consenso comum entre as
pessoas do sentimento de tristeza e horror. Qual seria a justificativa para estabelecimento por
cerca de três séculos da escravidão negra?
A autora Suely Robles Reis de Queiroz em sua obra Escravidão Negra no Brasil afirma
que: “A escravidão é instituição tão antiga quanto o gênero humano e de amplitude universal,
pois, legitimada pelo direito do mais forte, ocorreu em todos os tempos e em todas as
sociedades” 1 ou como escreve Mauricio Goulart em Escravidão Africana no Brasil que “A
exploração do homem pelo homem é velha como o gênero humano, e, como ele, universal”. 2
Podemos depreender que a escravidão é tão antiga quanto o ser humano e que se
manifestou nas mais variadas sociedades e nos mais diferentes tempos, desde os gregos até a
colonização do Novo Mundo, os homens vivenciaram o sistema escravocrata. A escravidão negra
na África, no entanto, ocorre de forma diferente. Sua origem e motivos remetem a elementos
variados. “A escravidão surge no mundo ocidental quando perdera a razão de ser nesse mesmo
mundo: daí provocar controvérsias e a busca de justificativas através da história e da religião para
legitimar-se”. 3 A transição do feudalismo para o mercantilismo fez a escravidão perder suas
forças no Velho Mundo, a servidão feudal deixa de existir e começam a surgir diversas correntes
em prol da liberdade e do trabalho livre na Europa. A escravidão negra tinha caráter econômico e
foi legitimada pelas ciências, como a história e a biologia, e pela religião.

1
QUEIROZ, Suely Robles Reis de Queiroz. Escravidão Negra no Brasil. 3ª ed. São Paulo, SP: Ática, 1993, p.5.
2
GOULART, Mauricio. Escravidão Africana no Brasil: Das Origens à Extinção do Tráfico. São Paulo: Livraria
Martins, 1949, p. 31.
3
QUEIROZ, op. cit. p. 6.
9
[...] Essa mesma Europa impõe a escravidão na América. Ela não surge, pois,
naturalmente como na Antiguidade, mas de uma “ordem de acontecimentos que
se inaugura no século XV com os grandes descobrimentos ultramarinos e
pertence inteiramente a ela”. Foi a solução encontrada pelos europeus para
aumentar a lucratividade. 4

Os europeus não criaram a escravidão na África, mas adaptaram essa escravidão para os
fins lucrativos. A necessidade de mão-de-obra barata para os seus novos empreendimentos tornou
a escravidão negra umas das atividades mais usadas no processo de colonização da América.
A expansão do comércio fez com que a Europa procurasse novos centros comerciais e
novas maneiras de acumulação de capital. Essa expansão faz com que os navegantes europeus
financiados pelo Estado e iniciativa privada ultrapassassem os limites dos mares, que levaria a
conquista e colonização da América.
Com a conquista do Novo Mundo novas fontes de riqueza são encontradas, essas riquezas
são de exclusividade da Metrópole, acordo legitimado através do Pacto Colonial. Para a produção
das novas riquezas era necessária mão-de-obra barata. “Enquanto a acumulação de capital
estimula na Europa as condições para o surgimento da indústria que pressupõe o trabalhador livre
e assalariado, a necessidade de ampliação dessa acumulação impõe o trabalho compulsório na
América”. 5
Nesse contexto surge a escravidão no Brasil, após as grandes navegações, a conquista de
novos territórios e a exploração de várias riquezas era necessário braços fortes para o proveito das
novas formas de acumulação de capital.

[...] para produzirem as mercadorias exigidas, as colônias necessitavam de


trabalhadores [...] No caso do Brasil, a disponibilidade de terras e as condições
geoclimáticas favoreciam a produção de mercadorias tropicais como o açúcar.
[...] no entanto, exigia [...] mão-de-obra numerosa”. 6

Em busca da produção em larga escala seriam necessários vários trabalhadores, os


europeus que colonizaram a América seguiam a ética do lucro, portando queriam formas rápidas
e de fácil exploração. Era necessária mão-de-obra barata para a exploração das riquezas tropicais.
Assim, se deu inicio a escravidão na América.

4
QUEIROZ, Op. Cit. p.7.
5
Idem, p.10.
6
Idem, p. 9.
10
No Brasil durante muito tempo foi utilizada a escravidão indígena como afirma
ALBUQUERQUE:

[...] antes de investir maciçamente no tráfico africano, os colonos portugueses


recorreram à exploração do trabalho dos povos indígenas que habitavam a costa
brasileira. [...] O índio escravizado era chamado de “negro da terra”,
distinguindo-o assim do “negro da guiné”, como era identificado o escravo
africano nos séculos XVI e XVII. 7

Os índios foram os primeiros seres humanos a serem usados como escravos no Brasil,
principalmente na exploração do Pau Brasil. Vários foram os motivos para que a escravidão
indígena deixasse de ser a principal força de trabalho compulsório.

As epidemias dizimaram grande número dos que trabalhavam nos engenhos ou


que viviam em aldeamentos organizados pelos jesuítas. [...] O apresamento de
indígenas era uma atividade exclusiva dos colonos, dele ficava de fora o grande
comerciante sediado em Portugal ou aquele que atuava no tráfico africano. Para
completar, nenhuma comunidade indígena se firmou como fornecedora regular
de cativos o que dificultou a formação de redes comerciais [...] 8

Devido as estes motivos à escravidão indígena foi menos utilizada que a escravidão negra,
mas em alguns lugares como São Paulo, que não tinha acesso à compra de escravos vindos da
África, foi amplamente utilizado a escravidão dos naturais da terra.
Existiam dois grandes motivos para a preferência do uso dos africanos no trabalho
escravo:
O primeiro motivo era a questão econômica, como dito anteriormente o comércio dos
índios deixava de fora os comerciantes portugueses e os traficantes de escravos, logo a economia
não era ampliada por ser algo tão restrito a colônia. A solução foi utilizar a escravidão negra. O
tráfico dos africanos tornou-se “[...] o negócio de escravos mais lucrativo e amplo da terra” 9. Os
portugueses adquiriram o escravo africano por preços extremamente baixos, normalmente por
escambos. “A moeda corrente foi o búzio do sul da Bahia, muito apreciado pelos africanos. [...]
depois passaram a ser rolos de fumo o dinheiro em voga [...] três rolos de tabaco ordinário valiam

7
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. Uma história do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006,
p.40.
8
Idem. p. 40.
9
CALMON, Pedro. História da civilização brasilieira. Brasília: Senado Federal, Conselho editorial, 2002, p.46.
11
um negro”. 10 O comércio com os africanos que vendiam escravos era muito rendoso para os
negreiros portugueses, pois compravam escravos a preços baixos e vendiam nos portos brasileiros
a preços exorbitantes o escravo que custava três rolos de tabaco “era vendido no Brasil por 150$
e 200$”. 11 Esses dados mostram como o tráfico era uma atividade extremamente lucrativa e foi à
base da economia brasileira durante mais de três séculos de escravidão.
O outro motivo para a preferência pela escravidão negra era a aptidão para o trabalho, os
africanos já tinham habilidades para o trabalho na agricultura e no manejo de metais.
“Por sua evolução endógena - e não por influência árabe, como supõem historiadores racistas -,
haviam estes povos negros alcançado notável progresso na agropecuária e no artesanato,
principalmente no trabalho com os metais [...]” 12 Os africanos eram mais aptos ao trabalho nas
plantações, e essa era a principal atividade do Brasil Colonial, através da exportação de produtos
agrícolas como o açúcar, e posteriormente o cacau e o café. Os escravos africanos já tinham
experiência com o cultivo de cana-de-açúcar que aconteceu depois do primeiro contato com os
portugueses ao final do século XV.
Os colonizadores portugueses tinham experiência nas plantagens e já faziam uso da
escravidão negra, antes da conquista do Brasil. Por esse motivo ficou fácil à implementação da
escravidão africana no território brasileiro. Os escravos inicialmente vindos da África e
posteriormente os nascidos no Brasil (o tráfico negreiro continuou até 1850, quando a lei Eusébio
de Queirós entrou em vigor) foram responsáveis pela mão-de-obra da economia brasileira, além
de ser um elemento fundamental para o povoamento no Brasil.
Os escravos vindos da África desembarcaram nos portos das grandes cidades brasileiras
como Salvador, Rio de Janeiro, São Vicente e Recife para o cultivo de cana-de-açúcar, e
posteriormente para a atividade pecuária e exploração de minérios nas minas do interior do
Brasil, chegando ao Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e a região sul.
Podemos concordar com Albuquerque quando afirma que:

Os africanos para aqui trazidos como escravos tiveram um papel civilizador,


foram um elemento ativo, criador, visto que transmitiu à sociedade em formação

10
CALMON. p. 46.
11
Idem. p. 46.
12
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4º ed. São Paulo: Ática, 1985, p. 125.
12
elementos valiosos a sua cultura. Muitas das práticas da criação de gado eram de
origem africana. A mineração de ferro do Brasil foi aprendida dos africanos. 13

A importância dos escravos para a formação da sociedade brasileira é inegável, os


africanos não foram apenas à base da pirâmide da economia luso-brasileira, mas também um
elemento difundidor de técnicas e culturas. Como ALBUQUERQYE afirma, os escravos
ensinaram a mineração de ferro para os exploradores, com isso cai o mito de que as sociedades
africanas eram primitivas ou não tão evoluídas quanto à sociedade européia. O que existia eram
culturas totalmente diferentes, em que a sociedade européia conduzia-se para a acumulação de
capital, enquanto a sociedade africana vivia a economia de subsistência. Considerar a sociedade
africana com sua pluralidade e cheia de especificidades atrasada em relação à sociedade européia
é uma questão de ótica, em que enxergamos o mundo com os “olhos ocidentais”.
Os africanos vinham para todos os estados brasileiros para desempenhar diversas funções
tanto na cidade quanto no campo. A coroa portuguesa adotava a tática de misturar vários grupos
étnicos, para dificultar o surgimento de revoltas e fugas dos escravos. Os escravos vinham de
diferentes pontos do continente africano.
A Costa Atlântica tinha os principais portos para exportação de escravos, mas tivemos
escravos vindos da Costa Oriental da África como descrito:

A região de Angola foi a principal área exportadora de pessoas para a província


do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul. Mas cativos de
outras regiões também vieram aí parar. [...] Os traficantes do Rio de Janeiro
concentraram suas operações na Costa Oriental [...] sul da Tanzânia, o norte de
Moçambique, Maluí e o nordeste da Zâmbia. [...] Já os traficantes do envolvidos
no comércio baiano [...] se concentraram no comércio com a região do Golfo do
Benim (Sudoeste da atual Nigéria). 14

A diversidade de grupos étnicos africanos teve grande importância na formação cultural


brasileira, a maioria dos cativos vinha da costa atlântica do continente africano e ao contrário do
que os portugueses pensavam, as diferenças culturais e linguísticas dos grupos africanos não
impediram rebeliões dos escravos chegados ao Brasil.

13
ALBUQUERQUE, op cit. p. 43.
14
Idem. p. 45-46.
13
Os primeiros africanos chegaram ao Brasil juntamente com os primeiros exploradores
europeus. “Diz-se que alguns poderiam ter vindo com Pero Capico entre os anos 1516 e 1526.
Fala-se em outros, trazidos por Martim Afonso de Sousa para São Vicente”. 15 Como QUEIROZ
conclui, esses escravos vinham de forma esporádica, como parte da bagagem. Até 1930 não tinha
formado uma rede comercial do tráfico negreiro para o Brasil. Os africanos como dito
anteriormente vinham para várias regiões do Brasil, a chegada em novas terras tornava-se uma
vitória, pois a viagem dentro dos tumbeiros causava várias mortes, não só dos negros, mas
também da tripulação. Os maiores motivos eram a superlotação, doenças, naufrago, suicídio e a
duração da viagem.

Nos séculos XVI e XVII uma caravela portuguesa era capaz de transportar cerca
de 500 cativos [...] No século XVIII, a travessia de Angola para Pernambuco
durava em média trinta e cinco dias, quarenta até a Bahia e cinqüenta até o Rio
de Janeiro [...] o tráfico colocava os africanos em contato com doenças para eles
desconhecidas [...] os navios negreiros funcionavam como verdadeiros
misturadores de enfermidades típicas de cada continente.[...] 16

Uma grande porcentagem dos cativos vinha a falecer no próprio navio negreiro.
“Estimativas mais recentes calculam entre 15 e 20 por cento de mortos” 17. O contato com
doenças novas era o maior causador dos óbitos, os africanos também morreram tentando fugir do
terror do escravismo através do suicídio. Se considerarmos os 500 cativos que cada caravela
portuguesa transportava, morriam cerca de 75 a 100 escravos. Apesar do número alto de mortos,
a escravidão moderna ainda era altamente lucrativa para as metrópoles européias.
Os cativos africanos que conseguiam chegar com vida as terras brasileiras no inicio da era
colonial em sua maioria vinham para trabalhar nas plantagens de cana-de-açúcar. Após a
exploração predatória do Pau-Brasil, o açúcar foi o grande produto brasileiro, que durante vários
anos dominou o mercado internacional. A plantagem de açúcar foi introduzida na área litorânea
brasileira. Por esse motivo os escravos chegados após 1530 durante o ciclo do açúcar vinham
para abastecer os engenhos do litoral brasileiro, Salvador, Pernambuco e posteriormente com a

15
QUEIROZ, op. cit. p. 17.
16
ALBUQUERQUE, op cit. p. 48-50.
17
Idem. p. 50.
14
descoberta do ouro o Rio de Janeiro também se firma como um dos principais portos que
recebiam escravos africanos.
A autora descreve os destinos dos escravos chegados ao Rio de Janeiro e na Bahia:

Do Rio de Janeiro, por exemplo, os escravos eram redistribuídos para as


províncias de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Santa Catarina,
Paraná e Rio Grande do Sul. [...] Da cidade da Bahia, os escravos também
seguiam direções diversas. Pela Estrada Real, que ligava a Bahia a Minas, Mato
Grosso e Goiás, marchavam imensos comboios de escravos conduzidos por
tropeiros. 18

Essas rotas de escravidão mudavam de acordo com os interesses da metrópole portuguesa,


dependiam da demanda dos produtos que ficavam em alta em determinados momentos. Os
escravos chegados ao porto da Bahia vinham em sua maioria para trabalhar nas plantagens de
cana-de-açúcar e nos engenhos. A maioria dos engenhos situavam-se no atual nordeste brasileiro:
Pernambuco, Alagoas, Sergipe e na Bahia. Durante o período em que o açúcar e outros produtos
de origem agrícola eram os principais elementos da economia colonial, o afluxo de escravos para
o nordeste era imensamente superior ao das outras regiões do Brasil. Com a descoberta de ouro e
inicio da criação pecuária no Centro-Sul do Brasil esse afluxo de escravos muda de região,
começam a vir cativos para Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso Santa Catarina e
Rio Grande do Sul.

As mãos escravas extraíram ouro e diamantes das minas, plantaram e colheram


cana, café, cacau, algodão e outros produtos tropicais de exportação. Os
escravos também trabalhavam na agricultura de subsistência, na criação de gado,
na produção de charque, nos ofícios manuais e nos serviços domésticos.[...] 19

Segundo a autora, os escravos foram à base da economia colonial brasileira e


desempenharam diversos papeis e atividades na formação do Brasil, tanto culturalmente quanto
economicamente. Não apenas atuando como os braços do trabalho brasileiro, mas também como
um elemento cultural e formador de valores.

18
ALBUQUERQUE. p. 56.
19
Idem. p. 65.
15
1.2. Principais atividades da economia escravocrata.

O primeiro grande produto explorado nas terras brasileiras foi o Pau-Brasil, de tanta
fartura da planta, os portugueses nomearam a nova terra de Brasil. A exploração da madeira foi
de extrema importância para que os portugueses descobrissem a costa do território brasileiro. A
extração de Pau-Brasil foi uma atividade baseada na escravidão indígena, não há relatos da
participação de grandes contingentes de negros africanos na extração do Pau-brasil. A exploração
teve seu ápice nos primeiros 30 anos da conquista da colônia portuguesa na América e não durou
mais de 100 anos, após uma atividade predatória os portugueses tiveram que procurar um novo
meio de obtenção de capital. “A era da madeira não vai além de 1580, quando a exploração do
pau de tinta decaiu de importância”. 20 Desde a descoberta do Brasil foi tentado desesperadamente
encontrar metais preciosos, algo que ocorreu cedo nas colônias espanholas com a descoberta da
prata. Mas as riquezas minerais do Brasil estavam no interior da colônia, algo descoberto em
grande quantidade nos idos do século XVII. Outro elemento tinha que ser desenvolvido para ser
explorado na América portuguesa.
A cana-de-açúcar foi o primeiro produto em que foi utilizada grandes contingentes de
mão-de-obra do escravo africano. O açúcar era enormemente apreciado pelos europeus, e os
portugueses já tinham experiência na plantarem de cana-de-açúcar nas ilhas do atlântico. As
terras brasileiras eram perfeitas para o cultivo de cana-de-açúcar. “O clima quente e úmido da
costa serlhe-ia altamente favorável [...] a qualidade do solo, revelar-se-ia surpreendentemente
propício [...] toda a costa brasileira prestava-se para o cultivo de cana-de-açúcar”. 21 O clima
tropical e a terra brasileira eram favoráveis ao cultivo de diversos produtos agrícolas, algo
afirmado ao longo dos séculos como uma economia agro-exportadora. “[...] a abundância de
terras férteis e de fácil acesso constitui uma das condições primordiais do desenvolvimento do
escravismo colonial”. 22 Essa abundância de terras férteis fez surgir a grande propriedade
fundiária ou plantation, o elemento estrutural da economia escravocrata. O Brasil inicialmente foi
dividido em doze grandes propriedades fundiárias chamadas de capitanias hereditárias e estas

20
CALMON. Op. cit. p. 93.
21
JUNIOR, Caio Prado. História econômica do Brasil. 30º ed. Brasília: Editora Brasiliense, 1984. p. 18.
22
GORENDER. Op. Cit. p. 373.
16
capitanias tinham grande parte das terras distribuídas em forma de sesmarias. Havia uma
“[...] rigorosa delimitação das atribuições dos capitães hereditários. Estes só se tornavam
proprietários privados de 20% da área de sua respectiva capitania e se obrigavam a distribuir os
80% restantes a título gratuito de sesmarias [...]”23. Os colonos portugueses, capitães hereditários
e sesmeiros, em sua maioria se voltaram para a produção de açúcar. Para o cultivo da cana-de-
açúcar eram necessárias as grandes propriedades e uma poderosa força de trabalho, por essas
questões a combinação da plantation com o trabalho escravo deu tão certo na economia colonial
brasileira, tornando-se uma atividade extremamente rendosa até o final do século XVII.
Com o lucro da indústria canavieira do Brasil deu-se atenção também a outros produtos
agrícolas, como o tabaco, algodão e o cacau. Firmou se a estrutura do grande latifúndio, a
monocultura e a exploração do trabalho escravo, que no inicio era indígena, mas aos poucos foi
sendo substituído pelos escravos de origem africana, esse processo durou até o fim da era
colonial em algumas regiões.
Para estimular o surgimento de engenhos a Coroa portuguesa concedia vários benefícios
aos que se aventurassem nesse novo empreendimento:

O desenvolvimento da indústria açucareira tornara-se impetuoso entre 1570 e


1624 [...] Estimulava-a o comércio europeu; a Coroa protegia-a; [...] A Coroa
concedia ao açúcar dez anos de inserção de tributos e a metade destes no
seguinte, [...] criou uma honraria, a valer por um título, o de “senhor de
engenho”. 24

Os engenhos espalharam-se vertiginosamente pelo Brasil e logo se transformaram no


maior empreendimento brasileiro, foram trazidos enormes quantidades de escravos que
trabalhavam no engenho, no plantio de cana-de-açúcar e nas atividades secundárias como a
pecuária voltada para o engenho, com a tração animal usada para transportar as cargas. O mundo
do Engenho era cercado de outras atividades em que os escravos eram à força de trabalho.
“Os Engenhos precisavam ainda de matas para extração de lenha e madeiras de construção,
barreiros para extração da matéria-prima dos artigos de olaria [...] área para construção da
represa, sendo o engenho movido a roda de água”. 25 Os escravos africanos foram os

23
GORENDER. Op. Cit. p. 379.
24
CALMON. Op Cit. p. 94.
25
GORENDER. Op. cit. p. 374.
17
trabalhadores de todas as atividades citadas, desde o processo de colheita e moagem de cana até
as construções residenciais e das represas. A quantidade de produção nos engenhos era
diretamente ligada a quantidade de escravos que o senhor de engenho possuía. “Um grande
engenho, com 100 escravos de trabalho, teria um canavial de 87 hectares”. 26 Por isso era
interessante aos Senhores de Engenho a aquisição de vários escravos, mas nem todos conseguiam
possuir tão grande contingente de cativos negros.
Os colonos portugueses que tinham grande poder aquisitivo cada vez mais necessitavam
da mão de obra escrava, o açúcar dava muitos lucros para os senhores de engenho e para a
metrópole, dominando toda a “[...] paisagem brasileira, representando durante grande parte do
século XVII o elemento mais importante do comércio português” 27.
O Ciclo do Açúcar chega ao fim após a invasão dos holandeses no Brasil e:

[...] a ocupação de parte do Nordeste pelos holandeses tem papel de relevo. Com
a estada no Brasil, passam a dominar os segredos da produção e, quando
expulsos em 1654, vão se fixar nas Antilhas, onde montam uma indústria
açucareira concorrente. 28

Com a concorrência holandesa os preços do açúcar caem, fazendo com que a Colônia
perdesse o monopólio do produto, com isso concomitantemente ocorre o aumento da disputa pelo
tráfico negreiro. A metrópole portuguesa tem que se concentrar em novos produtos agrícolas, mas
nenhum oferece os lucros do açúcar até a descoberta das jazidas no interior do Brasil.
Após o fim do Ciclo do Açúcar foi necessário desenvolver uma nova fonte de exploração
para a obtenção de lucros por parte da metrópole portuguesa. Depois de várias incursões dos
bandeirantes paulistas pelo interior da colônia em busca de capturar indígenas para a escravidão é
achado ouro no estado de Minas Gerais. “Lá por 1696 fazem-se as primeiras descobertas
positivas de ouro no centro do que hoje constitui o Estado de Minas Gerais (onde atualmente se
acha a cidade de Ouro Preto)”29. Com a descoberta das jazidas no interior do Brasil, a estrutura
colonial rapidamente muda para atender as demandas da produção aurífera, novas incursões são
feitas, agora com o objetivo de encontrar ouro. O minério dourado é achado em grandes
quantidades em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. O centro político da colônia que era

26
GORENDER. Op. Cit. p. 373.
27
QUEIROZ. Op. Cit. p. 22.
28
Idem. p. 22-23.
29
JUNIOR. Op. Cit. p. 33.
18
localizado no Nordeste, devido à produção de açúcar, muda de região e com a descoberta do ouro
em grandes quantidades se fixa na região Centro-Sul. Com isso a metrópole portuguesa muda a
capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763. A estrutura da colônia sofre
alterações, são publicadas novas leis para a regulamentação da mineração do ouro, grandes
contingentes de escravos são transferidos dos grandes latifúndios e/ou são trazidos novos
escravos da África para as áreas de mineração. O Brasil se transforma e vai se interiorizando,
algo fundamental para a garantia da soberania dos territórios brasileiros após a independência.
Um novo sistema de leis e fiscalização é criado:

[...] para dirigir a mineração, fiscalizá-la e cobrar tributo (o quinto, como ficou
denominado), criava-se uma administração especial, a intendência de Minas, sob
a direção de um superintendente; em cada capitania que se descobrisse ouro,
seria organizada uma dessas intendências que [...] se subordinava única e
diretamente ao governo metropolitano de Lisboa. [...] Os funcionários
competentes (os guardas-mores) se transportavam então ao local, faziam a
demarcação dos terrenos auríferos, realizava-se a distribuição entre os
mineradores presentes. [...] 30

Diferentemente das outras atividades desenvolvidas no Brasil, como a extração de Pau-


Brasil, a produção da cana-de-açúcar, o empreendimento aurífero foi duramente vigiado e
regulamentado por leis, foram criadas intendências nas regiões que haviam exploração de ouro,
criados cargos de fiscalização da produção do minério. “Criaram-se Casas de Fundição em que
todo ouro extraído era necessariamente recolhido, ai se fundia e depois de deduzido o quinto e
reduzido a barras com o selo real [...] era devolvido ao proprietário.” 31 Apesar de toda
fiscalização, ainda assim havia formas de conseguir ouro ilegal nas minas. Era permitido apenas a
circulação do outro com a marca do selo real, mas escravos e mineradores conseguiam passar
com o ouro em pó escondido pelas casas de fundição.
Nesse novo ciclo econômico brasileiro, o escravo era novamente a figura principal na mão
de obra, representando grande parte população nas regiões onde se concentrava a exploração do
ouro. “[...] os escravos representavam 30 por cento da população das Minas Gerais. Tanto ali
como nas áreas de mineração do Mato Grosso e de Goiás [...] Nessas regiões os senhores

30
JUNIOR. Op. Cit. p. 33-34.
31
Idem. p. 34.
19
possuíam dez ou vinte escravos empregados na garimpagem dos rios”. 32 Os escravos formavam a
maioria dos empregados na exploração do ouro, não eram empregados índios e haviam
trabalhadores livres esporadicamente. As condições de trabalho eram consideras piores do que no
setor agrário “Suspeita-se que o escravo das minas vivia menos do que seus parceiros dos
engenhos e fazendas de café”. 33 Os escravos garimpeiros eram sempre vigiados, o medo do roubo
por parte dos senhores era muito grande. “[...] Mesmo assim, os escravos desenvolveram formas
sutis de ocultar algum achado precioso para comprar a tal sonhada alforria [...]”. 34 Com a
mineração o escravo aumentou suas chances de comprar a alforria, podia esconder ouro ou achá-
lo nos dias de folga em garimpos já abandonados, mas o número dos que realmente conseguiriam
comprar a liberdade é muito reduzido.
Nos fins do século XVIII a economia aurífera começa a entrar em declínio e mais um
ciclo exploratória chega ao fim dos grandes lucros. “A decadência da mineração do ouro (que já
começa a se fazer sentir desde meados do século) deriva de várias causas. A principal é o
esgotamento das jazidas”. 35 O ouro encontrado no Brasil se dava de forma superficial nas
margens dos rios e após vários anos de exploração a demanda de ouro esgotou. Outro motivo
para o declínio da mineração está inserida na ambição por parte da metrópole, havia muito
burocracia nas intendências e a metrópole exigia o pagamento do quinto a qualquer custo. Foi
fixada a quota em 100 arrobas. “Quando o quinto arrecadado não chegava a estas 100 arrobas,
procedia-se ao derrame, isto é, obrigava-se à população a completar a soma. [...] Cada pessoa,
minerador ou não, devia contribuir com alguma coisa[...]”36. As medidas duras por parte da
Coroa portuguesa, aliadas com a burocracia, corrupção das intendências e a escassez de ouro nos
centro de mineração fez com que o Ciclo do Ouro se encerrasse no fim do século XVIII no
Brasil.
Outra atividade surgida no Brasil foi a Pecuária (inicialmente de forma secundária). Está
atividade na era colonial brasileira servia de suporte para as outras grandes atividades
econômicas, como a atividade agro-exportadora e a mineração. A Pecuária servia como forma de
transporte e como forma de alimentação da população na época colonial. “A carne de vaca será

32
ALBUQUERQUE. Op. Cit. p. 75.
33
ALBUQUERQUE. Op. Cit. p. 75-76.
34
Idem. p. 76.
35
JUNIOR. Op. Cit. p. 35.
36
Idem. p. 35.
20
um dos gêneros fundamentais do consumo colonial. [...] Mas a pecuária [...] é uma atividade
nitidamente secundária e acessória”. 37 Na era colonial esta atividade sempre se mostrou como
uma atividade complementar aos grandes empreendimentos das plantations e das grandes Minas.
As primeiras criações de gado originaram-se no Nordeste, acompanhado os Engenhos de açúcar
que proliferavam em Pernambuco e na Bahia. Com o ciclo da mineração, as fazendas voltadas
para criação pecuária começam a surgir no Centro-Sul do Brasil para abastecer as regiões
mineradoras. Apesar do uso de grandes contingentes da mão-de-obra escrava:

[...] coexistiram na pecuária o trabalho escravo e o trabalho livre. O primeiro


teve significação acentuada, e mesmo básica em certas regiões, durante longo
período. De modo geral, a evolução associou o trabalho escravo em termos
alternativos ao trabalho livre, cujo emprego a pecuária absorveu mais cedo e
mais amplamente do que a economia plantacionista. 38

Segundo Gorender, a pecuária foi o setor que teve mais capacidade de absorver o escravo
como trabalhador livre, talvez por esse caráter secundário e auxiliar os lucros não eram tão
visados como nos engenhos de açúcar e minas de ouro.
O meio urbano foi outro setor em que o escravo de origem africana foi inserido.
Trabalhavam em diversos setores como tabernas, quitandas, vendedores ambulantes, construções
nas cidades, no artesanato, transporte de objetos e pessoas, serviços domésticos e manuais. Assim
como no campo, o escravo urbano fazia quase todas as funções de trabalho. Os escravos eram
proibidos de aprender os ofícios dos artesãos, mas isso “tinha de ficar no papel, pois nenhum
artificie português se privaria de viver à custa de escravos aos quais ensinaria seu oficio.” 39 Os
escravos foram a principal força de trabalho nas cidades, atuaram inclusive como pintores e
escultores, mesmo que de forma anônima. Apreenderam ofícios com os diversos imigrantes que o
Brasil começou a receber. O número de escravos por senhores era bem menor nas cidades do que
nos campos, qualquer atividade que necessitasse de alguma força física era exercida por escravos.

37
JUNIOR. Op. Cit. p. 26.
38
GORENDER. Op. Cit. p. 438.
39
Idem. p. 473.
21
1.3. Formação de Quilombos no Brasil Colonial

“A história da escravidão é inseparável da


história da luta contra a escravidão, não há
escravidão pacífica”.
Joel Rufino

Em todos os países da América em que foi utilizada a mão-de-obra do escravo de origem


africana, existiram as revoltas e o quilombo. Cada revolta e cada quilombo tem suas próprias
especificidades, suas origens e motivos singulares. Os quilombos formam a maneira mais
importante de resistência contra o escravismo. Escravidão e Quilombo são expressões ligadas
simbioticamente. Essas organizações de escravos que resistiram ao sistema escravocrata foram
chamados de mocambos, terras de preto, comunidades negras rurais e quilombos no Brasil; hide-
outs nos Estados Unidos; marrons no Caribe inglês (Suriname e Guiana); “Busch Negrões” na
Guiana Francesa; palenques na Colômbia e México; cumbes na Venezuela e cimarrons em Cuba
onde também foram chamados de palenque. Essa imensidade de palavras para representar a
forma de resistência dos negros mostra que onde houve escravidão, houve também a luta contra a
escravidão, a luta pela liberdade.
No Brasil os quilombos se formaram das mais diversas maneiras e dos mais variados
motivos. O quilombo foi tradicionalmente ligado a fuga e tinha como características ser um lugar
afastado das fazendas e minas. Assim era o conceito tradicional de quilombos elaborado pelo
Conselho Ultramarino em resposta ao Rei de Portugal. “Quilombo foi formalmente definido
como: toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que
não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões”.40 Este conceito de quilombo foi utilizado
até o século XX e vai ser a base de estudos de inúmeros cientistas sociais. Estudos recentes
mostram que os quilombos normalmente existiam próximos a fazendas, engenhos e centros
comerciais. “Foram muito mais comuns, no Brasil colonial e imperial, os pequenos grupos de
negros fugidos em áreas próximas de onde viviam os seus senhores”. 41 Os quilombos

40
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombos e as novas etnias. In: O’DWYER, Eliane Cantarino
(Org.)Quilombos: Identidade Étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: FGV, 2002 p. 47.
41
ALBUQUERQUE. Op. Cit. p. 126.
22
necessitavam de se relacionar com as quitandas e tabernas para a realização de trocas comerciais
e somente através dessas trocas que podiam manter a vida dos mocambos. A fuga aparece como a
principal forma para a criação dos quilombos, mas não foi a única. Muitos escravos alforriados
moravam em quilombos, pois a sociedade era excludente e seria difícil o acesso ao emprego,
alguns escravos receberam doação de terras dos seus senhores, muitas vezes para que estes
trabalhassem nas próprias terras dos senhores, mas em caráter livre, com isso os senhores de
escravos não tinham mais a preocupação da rebelião. Invasões de terras também eram freqüentes
e em conseqüência montavam quilombos nas terras invadidas. Haviam vários motivos para a fuga
dos escravos.

Castigo, trabalho excessivo, pouco tempo para o lazer, desagregação familiar,


impossibilidade de ter a própria roça e, é obvio o simples desejo de liberdade
[...] por vezes os cativos ausentavam apenas por tempo suficiente para pressionar
o senhor a negociar melhores condições de trabalho, moradia e alimentação,
para convencê-lo a dispensar um malvado feitor, a manter a mesma família
escrava, a cumprir acordos já firmados ou até para conseguir ser vendido a outro
senhor. 42

As fugas, revoltas e formação de quilombos eram as únicas maneiras de o escravo


conseguir alguma melhoria nas suas condições de trabalho ou convencer o senhor de escravos a
conceder algo necessário aos cativos. Essas fugas reivindicatórias serviam como protesto e o
escravo normalmente voltava a terra do senhor se as “propostas” fossem cumpridas. Mas na
maioria das vezes o principal objetivo da fuga era a liberdade, apesar de toda a dificuldade de um
escravo conseguir fugir e não ser capturado. “Fugir era perigoso, difícil e, geralmente, dependia
da solidariedade de outros escravos, libertos e livres. Era preciso alguém que pudesse facilitar a
fuga, fornecer abrigo, alimentação e trabalho para não levantar suspeitas”. 43 Para que escravos
fugissem era necessário que outros ficassem e, por vezes, recebessem castigos, alguns morriam
na condição de escravo para que outros alcançassem a liberdade.
A população nos mocambos não era constituída apenas de negros fugidos ou negros
libertos, outros setores, que formavam a camada de “baixo” da sociedade escravista, também se
refugiavam nas comunidades negras. “Para ali também convergiam outros tipos de trânsfugas,
como soldados desertores, os perseguidos pela justiça secular e eclesiástica, ou simples

42
ALBUQUERQUE. Op. Cit. p. 117.
43
Idem. p. 118.
23
aventureiros, vendedores, além dos índios pressionados pelo avanço europeu”. 44 Todas as
camadas da sociedade que não eram de acordo ou eram reprimidas pelo regime escravocrata,
acharam nos quilombos uma forma de viver em uma sociedade alternativa ao escravismo. O índio
por muitas vezes refugiou-se nos quilombos e trocou informações valiosas com os negros, sobre
plantas, armadilhas e como se proteger dos brancos, muitas vezes também o índio lutou contra os
negros, capturando escravas em nome dos senhores de escravos, lutaram contra os quilombos
como forma de vingança, pois os quilombolas algumas vezes raptavam índias. Nos quilombos,
principalmente os próximos as áreas mineradoras eram reduzidos o número de mulheres negras,
por isso ocorriam o rapto de mulheres em geral, assim como as índias. Lutaram contra os
quilombos por diversos motivos.
O Quilombo dos Palmares serviu de base durante muitos anos como referência de um
quilombo. Era uma sociedade alternativa, bem organizada politicamente e militarmente, com
autonomia, uma grande população e afastada das fazendas e centros comerciais. O próprio termo
quilombo tem influência nos Palmares. “Teria sido de fato depois de Palmares que o termo
quilombo se consagrou como definição de reduto de escravo fugido. Antes se dizia mocambo”. 45
O Quilombo dos Palmares com sua magnitude foi um caso singular, e tivemos poucos quilombos
que se assemelhassem ao Palmares que existiu no século XVII na Serra da Barriga. Os quilombos
normalmente não tinham uma estrutura geral definida. “O quilombo podia ser pequeno ou
grande, temporário ou permanente, isolado ou próximo dos lucros populacionais; a revolta podia
reivindicar mudanças especificas ou a liberdade definitiva [...]”46
Os primeiros quilombos foram surgindo próximos as regiões produtoras de açúcar,
inicialmente no nordeste brasileiro, surgiram nesta região grandes quilombos, como o Quilombo
dos Palmares e inúmeras revoltas, como a Revolta dos Malês ocorrida em Salvador. Com a
descoberta do ouro no centro do Brasil o afluxo de escravos aumentou nesta região e com isso o
surgimento de novos quilombos, que se espalharam rapidamente por todo Goiás, Minas Gerais e
Mato Grosso. Como as condições de trabalho nas áreas mineradoras eram mais severas que nos
engenhos, os escravos se sentiam mais encorajados para a fuga. Existe relatos de um grande

44
REIS, João José Quilombos e revoltas escravas no Brasil. Revista USP. Dossie Povo Negro – 300 anos. nº 28
1995/1996, p. 16.
45
Idem. p. 16.
46
Idem. p. 16.
24
quilombo formado em Minas Gerais que provocou medo nos senhores de escravos e na corte
portuguesa, na região ocorreram raptos, roubos e assassinatos, este era o Quilombo do Ambrósio.

Ali viviam mais de seiscentos cativos que se diziam obedientes apenas a seus
próprios reis e rainhas. Em 1746 foram enviados para combatê-lo quatrocentos
homens comandados por Antônio João de Oliveira. A batalha durou sete horas, o
quilombo foi arrasado e seus moradores capturados. 47

Os quilombos sempre apresentaram perigo para a sociedade escravocrata, se mais negros


fugissem e formassem quilombos, a economia estaria ameaçada. Por isso sempre houveram duras
ações contra os negros rebeldes e havia punição contra todos que ajudassem de alguma forma os
negros calhambolas.
Os quilombos se formaram em todas as regiões do Brasil, existem até os dias atuais e são
chamados de Comunidades Remanescentes de Quilombos. Os quilombos marcam uma fase de
opressão da história brasileira, mas essa marca é vista como uma forma de resistência e luta pela
liberdade.

47
ALBUQUERQUE. Op. Cit. p. 126.
25
2. A ESCRAVIDÃO NEGRA NO GOIÁS

2.1. Chegada dos escravos: Da Bahia a Vila Boa de Goyaz.

O Estado de Goiás começou sua experiência colonizadora tardiamente, cerca de dois


séculos depois da colonização das capitanias do litoral. O Estado começou a ganhar alguma
importância no cenário nacional após as primeiras bandeiras, com a exportação da mão-de-obra
indígena e também o desenvolvimento de algumas atividades agrícolas. Apesar de essas
atividades estarem se desenvolvendo na região, a Coroa portuguesa não via interesse na capitania
de Goyaz, acredita-se que essa falta de interesse se dava pela dificuldade de comunicação, acesso
e demarcação das terras.
As primeiras expedições para o território do atual Estado de Goiás tinham a intenção de
buscar riquezas, demarcar as fronteiras e capturar índios para levá-los para o litoral do Brasil.
Existia também um outro tipo de expedição, as “descidas” dos jesuítas do Pará com o objetivo de
aculturação e cristianização dos índios.
Bartolomeu Bueno da Silva, mais conhecido como o bandeirante Anhanguera ficou
conhecido como o descobridor da província de Goiás, na verdade Anhanguera foi o primeiro a se
fixar no território, muitos outros bandeirantes estiveram na capitania, mas não chegaram a se
fixar no território.
A Bandeira de Anhanguera saiu de São Paulo em 1722, conseguiu descobrir ouro nas
margens do Rio Vermelho, atual cidade de Goiás Velho. A região do Rio Vermelho foi a
primeira região de Goiás a ser ocupada. Foi fundado o arraial de Sant’Ana que depois seria
chamado Vila Boa de Goyaz e mais tarde Cidade de Goiás, que se tornara a capital da província
durante 200 anos.
Após a descoberta do ouro em Goiás, ocorre uma grande corrida em busca das jazidas de
ouro e vários mineradores instalam-se no interior da província em busca do minério dourado.
“A descoberta do ouro reorganizaria toda a economia do Império Colonial português. Seus

26
reflexos foram sentidos em Portugal, na África, nos portos de Salvador, Rio de Janeiro e também
em Goiás”. 48
O ouro goiano provocou inúmeras mudanças no cenário do território que hoje em dia
representa o Estado. A chegada de mineradores, escravos, instrumentos de trabalho e a instalação
da burocracia que representava a corte portuguesa causa alteração no Brasil central.
O escravo africano que tinha como destino à capitania de Goiás, chegava ao Brasil por
duas rotas principais, os portos da Bahia pelo caminho do sertão ou os portos do Rio de Janeiro
com o recém-aberto caminho novo. Durante vários anos a Bahia dominou o comércio de
escravos, ligando a África com o Goiás. “A distância de mais de 1.500 quilômetros entre
Salvador e Vila Boa, provocava a morte de inúmeros escravos pelo caminho, pois chegavam
extenuados da travessia do Atlântico”. 49 Essa distância entre Goiás e os portos de abastecimento
de escravos, representava a perca de grande número de escravos e a prática de atividades ilícitas.
Causando enorme prejuízo para a coroa. “[...] essa distância proporcionava aos traficantes de
escravos a certeza de que atividades ilícitas, como contrabando, dificilmente seriam descobertas.
Acreditavam que os “olhos do rei” não podiam vigiar a vasta extensão do sertão goiano [...]” 50
A rota dos escravos que vinham da Bahia foi descrita por Luís da Cunha Menezes:

[...] cuja posse como governador e capitão general de Goiás ocorreu em 1778. O
caminho saía da Cachoeira do Moritiba, atual município de Cachoeira na Bahia,
margeava o Rio São Francisco, até chegar ao registro de Duro, no arraial de São
José do Duro, norte de Goiás, prosseguia até Meya Ponte [Atual Pirenópolis]
onde as mercadorias e escravos eram novamente contados e distribuídos para
outros arraias. 51

Esta rota ficou conhecida como Caminho do Sertão e figurou como a principal Rota de
vinda de escravos para o Goiás. Existia uma rota recém-criada chamada Caminho Novo, ligava o
Rio de Janeiro a Goiás, mas apesar de diminuir a distância, foi menos usada para o abastecimento
de escravos da capitania goiana. A escolha pelo Caminho do Sertão se deu por vários motivos:

48
LOIOLA, Maria Lemke. Trajetórias Atlânticas, percursos para a Liberdade: Africanos e Descendentes na
Capitania dos Guayazes. Dissertação de mestrado em História pela UFG. Goiânia, GO. 2007, p.24.
49
Idem, p.26.
50
Idem, p.27.
51
Idem. P. 32.
27
[...] supõe-se que esta escolha derive das facilidades de contrabando, aliadas
àquelas que o Caminho Novo não tinha: abundancia de alimento e água, clima
mais ameno, presença de fazendas que garantiam alimentação dos comboios.
[...] Além disso, os campos abertos do Cerrado permitiam visualizar melhor a
paisagem, dando mais tempo de preparo em caso de ataques, ao contrário da
Mata Atlântica.[...]52

Havia uma outra possibilidade de rota de entrada de escravos no Estado de Goiás, a partir
do Maranhão e do Grão-Pará. “Entretanto, estava proibido desde a década de 1730 e só foi
liberado para navegação no final do século XVIII”. 53
O desconhecimento do território goiano e a questão de não haver uma sociedade ainda
formada, facilitava inúmeras atividades irregulares por parte dos traficantes de escravos. Os
caminhos do cerrado eram tortuosos e não havia controle por parte do Governo Colonial para
fiscalizar esse trajeto. “Contudo, não só os traficantes e sonegadores se beneficiaram da extensão
da capitania. Os escravos que fugiam do Maranhão, Pará e Pernambuco, buscavam refúgio nos
cerrados do Brasil Central pelas facilidades da geografia local”. 54
Compreende-se do trecho citado que o desconhecimento das terras da província goiana
propiciaram a vinda de escravos fugidos que formavam os primeiros quilombos na capitania. A
repressão aos escravo em Goiás foi relativamente menor do que em outros estados.
“Apesar de, aparentemente, a perseguição aos escravos negros ter ocorrido com menor frequência
em Goiás, a ligação entre a cor da pele e desordens esteve presente na documentação
55
administrativa” Os negros que fugissem ou representassem prejuízos a colônia deveriam ser
penalizados.
Uma das políticas para assegurar a soberania da colônia e para que negros não fugissem
foi a consolidação de fronteiras, era necessário a demarcação destas para que escravos não
escapassem e para que a Colônia não fosse ameaçada pelo vizinho espanhol. A capitania de
Goiás era bastante desconhecida, apenas alguns arraias que foram levantados para a produção
aurífera. “Os caminhos que, malgrado terem sido abertos para facilitar a entrada de gêneros e
escravos [...] foram transformados em verdadeiros descaminhos do sertão[...]”56.

52
LOIOLA. Op. Cit. p. 33.
53
Idem. p. 33.
54
Idem, p.27.
55
Idem. p. 27.
56
Idem. P. 28.
28
Após o fim do apogeu do ouro em Goiás e em sequência a proibição do Tráfico Negreiro
no Brasil, começa a ser ampliado o tráfico interno para abastecer as poucas jazidas de ouro que
restavam e para o abastecimento das fazendas.

2.2. Principais atividades da economia escravocrata goiana

Goiás tem sua fundação no ano de 1722 e antes desta data o território era conhecido
apenas pela exportação dos índios, capturados, principalmente, pelas bandeiras paulistas. A
Coroa portuguesa não via tanta importância na capitania e praticamente inexistia atividade
econômica no Estado. “[...] Antes do descobrimento do ouro em Goiás inexistia modalidade
produtiva no território que não fosse a dos silvícolas nativos. Mesmo as pequenas pastagens de
gado surgiram com a mineração nos primeiros núcleos de assentamento.[...]” 57 A história de
Goiás começa a ter importância para a Metrópole somente após a descoberta do ouro.
A mineração foi principal atividade desenvolvida na capitania goiana, o Estado começou a
se desenvolver após a corrida pelo ouro, grande fluxo de colonos, escravos, animais e
instrumentos para a mineração foram inseridos no cenário do cerrado goiano. Com está nova
atividade econômica, surgiam também maneiras de enriquecimento, não algo imutável como no
engenho que existia apenas o Senhor que detinha as riquezas, na mineração os escravos poderiam
conseguir alguma mobilidade social. Em busca das riquezas, “De um lado esteve o minerador,
patriarca e empreendedor no comando da massa de escravos, e de outro, pretos forros, mulatos e
brancos gravitando em volta das minas e dos negócios que proporcionavam”. 58 A possibilidade
de compra das alforrias, fazia com o escravos trabalhassem duro nas minas durante os dias de
folga e tentavam ludibriar o sistema de alguma forma, escondendo o ouro em pó ou algumas
pepitas, sob a possibilidade de serem duramente castigados se descobertos. A economia e a
fundação do Estado de Goiás tem uma ligação intensa com a descoberta das jazidas de ouro.
“Com a descoberta do ouro pelo Anhanguera em 1722 foram fundados Arrais, inicialmente ao sul
da Província e depois rumo ao norte, no caminho dos dois grandes rios do Estado, o Araguaia e o

57
ESTEVAM, Luis Antônio. O Tempo da transformação: estrutura e dinâmica na formação econômica de Goiás
Tese de doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP. 1997, p.12.
58
Idem. p. 7.
29
Tocantins”. 59 O Centro do Brasil se transforma no foco das atenções e Goiás figura entre os
principais estados produtores de pedras preciosas. Os primeiros focos de ouro foram descobertos
na primeira metade do século XVIII nas Minas de Goyaz que era pertencente a capitania de São
Paulo.

Os primeiros arraiais do ouro foram erigidos no centro-sul da capitania tendo


sido descobertos entre 1725 e 1731. A partir de então surgiram minas ladeando o
rio Tocantins e a sucessão de descobertas ao norte prosseguiu até a metade do
século quando mineradores da Bahia, Pará, Maranhão e Piauí estabeleceram-se
na região. 60

Com as primeiras descobertas de ouro de aluvião ao norte do Estado, vários mineradores e


aventureiros se transferem para o interior da colônia começando o povoamento do Centro-Oeste,
que já havia iniciado com a exploração de ouro em Mato Grosso. Goiás participa do período de
apogeu econômico brasileiro, mas também vive anos mais tarde o duro declínio. O Ciclo do Ouro
fixa Goiás, antes desconhecido, como um dos mais importantes estados brasileiros do século
XVIII.

A descoberta do ouro em Goiás (1722) introduziu no cenário colonial um


terceiro “eldorado” depois de Minas Gerais (1696) e Mato Grosso (1719). O
território, até então ocupado unicamente por indígenas (goyases) e quase
desconhecido, entrou para a história como as Minas dos Goyases. 61

Após a mudança de várias pessoas para as Minas dos Goyases a economia goiana vive um
período de grande ascensão devido a mineração do ouro, novamente o escravo é “recrutado” para
as diversas atividades da sociedade goiana tendo como foco principal a mineração do ouro de
aluvião. Assim a vida do cerrado começa a depender completamente da extração do ouro. Goiás
teria vivido quatro grandes etapas da mineração do ouro:

[...] Luis Palacin divide as etapas da mineração do ouro em Goiás, tomando


como base a produtividade das minas. 1º) 1726 a 1735, quando há um
rendimento extraordinário de uma ou mais oitavas por dia, para cada escravo (1
oitava = 3,56gr); 2º) 1736 a 1751, com o rendimento diminuído para uma oitava

59
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Peões, pretos e congos: trabalho e identidade étnica em Goiás. Brasília: Ed.
UNB, 1977. p. 48.
60
ESTEVAM. Op. Cit. p. 14.
61
Idem. p. 11.
30
e meia ou um pouco mais por semana, para cada escravo; 3º) 1752 a 1778,
quando não quase mais novos “descobertos”, mas as minas antigas garantem
ainda uma produtividade de uma oitava por semana, no máximo; 4º) 1779 a
1822, a “decadência”, que chega a proporções totais ao final. Poucos conseguem
meia oitava por semana. 62

O Estado teve um rápido crescimento econômico, assim que as primeiras jazidas de ouro
foram descobertas, mas devido ao ouro brasileiro ser encontrado em sua maioria nas margens dos
rios, esse ouro rapidamente se esgotou. Apesar da importância do Estado para a metrópole
portuguesa, as cotas de ouro não chegavam perto da produção de Minas Gerais. “Goiás
contribuiu com menos de um quarto do volume encontrado em Minas Gerais que, mesmo em
plena decadência sustentava níveis relativamente altos de extração”. 63 O ouro encontrado em
Goiás era explorado em menor quantidade e duração do que o de Minas Gerais. Existia na época
dois tipos de lavras de ouro:
[...] que Sant-Hilaire denominou de: “mineração de cascalho” e “mineração do
morro”, predominando, contudo, em Goiás a mineração do cascalho, consistente
na extração do ouro de aluvião depositado nas correntes de água dos rios,
córregos e ribeirões. A mineração de morro é mais complexa, exigindo maiores
conhecimentos técnicos [...]64

Na “mineração de cascalho”, predominante no Estado, era extraído o ouro de aluvião, que


era superficial e acabaria mais rápido como aconteceu em Goiás. Em Minas Gerais houve
predominância da “mineração do morro” em que se extraia mais ouro e o local de exploração
duraria mais tempo do que na “mineração de cascalho”. Isso aliado com a falta de planejamento
para a exploração do ouro em Goiás, explica o seu rápido declínio nos fins do século XVIII. Com
o fim do ciclo do ouro o Estado nunca mais figurou entre as principais potências econômicas
brasileiras.
Desde o inicio do apogeu do ouro, começa a se concentrar no interior do estado as
atividades agrícolas e pecuárias, inseridas de forma secundária, somente para abastecer as regiões
produtoras de ouro seguir.

As atividades produtivas em Goiás, apesar da “especialização” do


empreendimento mineratório não se restringiram à extração do metal. O grande

62
PALACIN, 1973 apud BRANDÃO, 1977. p. 49.
63
ESTEVAM. Op. Cit. p. 15.
64
SILVA, Martiniano José da. Quilombos do Brasil Central: Séculos XVII e XIX (1719-1888). Introdução ao
Estudo da Escravidão. Dissertação de mestrado em História pela UFG. Goiânia, GO. 1998. p. 166
31
distanciamento e a decorrente dificuldade de abastecimento fizeram com que
lavoura e pecuária coexistissem com a extração metalífera servindo de
amortecedores para as crises. 65

A distância entra as outras capitanias do Brasil Colonial foi um dos motivos que vez com
a atividade agrícola se desenvolvesse concomitantemente a atividade mineradora. Com a
diminuição da produção do Ouro nas Minas Gerais, Alguns mineradores migraram para outras
regiões auríferas, mas muitos resolveram mudar de região e de profissão, passando a produzir na
lavoura goiana. “[...] o negócio aurífero em crise e a população crescendo apontam que lavoura e
pecuária forneciam possibilidade de exploração não somente complementar mas de pura
sobrevivência em Goiás [...]”66
Ao redor das produções auríferas iam sendo levantadas lavouras para o abastecimento
das zonas mineradoras. A agricultura e a pecuária não eram voltadas para o comércio externo e
sim para própria subsistência da capitania. Essas atividades foram capazes de segurar a crise da
decadência do ouro fazendo com que a população de Goiás aumentasse mesmo em tempos de
crise.
A qualidade das terras goianas também foi de grande importância para a transição da
economia mineradora para economia agrícola.

A qualidade das terras goianas em sua quase totalidade possibilitam seu


aproveitamento agropecuário sem maiores restrições, pois apenas 14,5%
do território não tem aptidão natural para o cultivo. Principalmente a área
sul da superfície goiana ostenta potencial altamente produtivo [...] 67

Com mais de 85% das terras produtivas, a mudança das atividades econômicas tornou-se
mais fácil. As fazendas e sítios começam a ser incorporar a paisagem do Estado, as poucas
jazidas ainda restantes dão lugar a atividade agroexportadora.

A transição entre as atividades mineratória e agropecuária pode ser


captada pelo aumento do número de estabelecimentos rurais na região.
Em 1756 haviam em Goiás, 500 sítios de lavoura: em 1796, os sítios com
roças estabelecidas somavam 1.647 e, em 1828, foram detectados 2.380
aproximadamente. 68

65
ESTEVAM. Op. Cit. p. 17.
66
Idem. p. 17.
67
Idem. p. 20.
68
ESTEVAM. Op. Cit. p. 27.
32
No inicio do século XIX a produção da agropecuária no Estado de Goiás se torna a
atividade econômica mais importante, não trazendo êxitos e aparecimento no cenário nacional
como no auge da extração mineral, mas o Estado se mantém com uma produção agrícola e
pecuária consistente.

2.3. Formação dos quilombos no Estado de Goiás.

A atividade mineradora do Estado de Goiás deu origem a implementação da escravidão, a


capitania começava a participar do sistema colonial que tinha o escravo como a principal base de
sustentação. Sabe-se que os primeiros escravos vindos da África para o Goiás tinham como
objetivo trabalhar nas minas descobertas. Esses escravos vinham dos portos da Bahia e Rio de
Janeiro. Havia outra possibilidade para a chegada de negros na capitania de Goiás, aqueles que
fugiam de outros territórios como aborda Martiniano José da Silva

[...] no século XVII, além dos escravos indígenas, é provável que escravos
negros já fugissem do Maranhão, Bahia, Pernambuco, São Paulo e Minas
Gerais, percorrendo a rota do sertão, com destino ao norte e nordeste de Goiás. 69

Esses cativos fugidos das inúmeras capitanias do Brasil provavelmente formaram os


primeiros quilombos da capitania goiana, apesar de não constarem nos registros oficiais da
metrópole.
Existem relatos de escravos africanos na capitania de Goiás antes dos primeiros comboios
oficiais para abastecimento da região.

[...] o primeiro registro de comboio oficial de escravos foi feito em setembro de


1752. [...] os assentos de batismos de Meya Ponte (atual Pirenópolis), sinalizam
para a entrada sistemática de africanos em período mais recuado, pois os
batismos de escravos adultos datam da década de 1730. 70

69
SILVA, Op. Cit. p. 284.
70
LOIOLA, Op. Cit. p. 30.
33
A mineração começa a surgir com a alta produtividade por volta do ano de 1726 e para
essas primeiras explorações já eram utilizados grandes contingentes de escravos, com isso o ano
1752 como sendo a entrada do primeiro comboio oficial de escravos aparece como um equivoco.
Inúmeros são os motivos para discordância dos dados, os escravos batizados em 1730
podem ser os vindos fugidos do Norte e Nordeste do Brasil ou esses dados são devido a
sonegação das informações a respeito da importação de escravos.
A partir do século XVIII começam a ser identificados inúmeros quilombos pela Coroa
portuguesa, os quilombos existiam antes do século XVIII, mas é a partir dele que começam a
preocupar a Coroa. Esses aquilombamentos representavam perigo ao Governo Colonial, existia o
medo de quando os quilombos se organizassem estruturalmente poderiam oferecer riscos aos
interesses da Metrópole. Eram vários os motivos para que os escravos se revoltassem ou
partissem em fugas que posteriormente levariam a formação dos quilombos no estado goiano.
Como descreve o autor:

[...] os maus-tratos e a brutalidade nas minas e nos engenhos levavam os


escravos à revolta e, se bem sucedidos, a formar quilombos nas montanhas
vizinhas, como se não bastassem os esconderijos naturais do ecossistema dos
cerrados e a falta de um número maior de feitores armados nas lavras mais
distantes, também facilitando a fuga e a formação de quilombos no mais
centralizado território da Colônia. A fuga, fundada nos mais variados motivos,
inclusive o de “simples prazer de namoro com a liberdade”, como nas demais
áreas da região, ocorria de forma “interna”, “externa”, individual e coletiva,
sendo também frequente nesse território, até a “de canoa ou jangada”, facilitada
por três grandes rios - o Araguaia a oeste, o Tocantins a leste e o Paranaíba ao
sul.[...]71

O Estado de Goiás, assim como os demais estado brasileiros, foi um grande celeiro de
quilombos, o fato da capitania não ser ainda tão bem organizada e vigiada, além do cerrado e os
grandes rios proporcionaram as fugas e a formação de quilombos.
Existem relatos, desde muito cedo, de escravos fugidos de outras capitanias, que
percorrendo o caminho do sertão, chegam a Goiás. Mas os quilombos começam a ser
identificados somente a partir do século XVIII. “[...] mormente nas décadas de 1750-a-1760, toda

71
SILVA, Martiniano José da. Quilombos do Brasil Central: Séculos XVII e XIX (1719-1888). Introdução ao
Estudo da Escravidão. Dissertação de mestrado em História pela UFG. Goiânia, GO. 1998. p. 283.
34
a comunidade mineira de Goiás, vivia “na sombra dos quilombos” 72. Os quilombos no estado de
Goiás transformam-se em parte ativa da sociedade mineradora. Muitos dos escravos conseguem
comprar a sua alforria, ou seja comprar a liberdade. O escravo “usou a estratégia da negociação,
fez horas extras e trocou o ouro por cartas de alforria, chegando a fazer pequenos furtos com o
mesmo objetivo”. 73 Esses negros livres não conseguiam se inserir na sociedade preconceituosa,
por isso voltavam a trabalhar para o Senhor ou se agrupavam aos quilombos já existentes.
Havia várias formas de resistência dos escravos, uma delas que tinha um nível muito
elevado de dificuldade era a fuga e a posterior formação do quilombo. Outra forma de resistência,
mais bem aceita ou por vezes nem percebida pelo Senhor de escravos era o sincretismo religioso,
em que o escravo inseria elementos das religiões de matriz africana no catolicismo vigente na
sociedade colonial. Mesmo quando os negros moravam em quilombos levavam essa religião
sincrética sem abandonar as origens africanas, assim como não deixavam de incorporar os
ensinamentos religiosos aprendidos no Brasil.
As fugas levavam os descendentes de africanos a entrarem em contato com os índios tanto
nas tribos como nos quilombos, muitas vezes havia a miscigenação dos dois grupos étnicos, casos
bem mais raros no Brasil colonial. Esses encontros provavelmente possibilitavam a articulação
de:

[...] “planos políticos” de ataque contra o sistema, visando derrotar,


“militarmente”, os senhores, pondo os governos em verdadeira polvorosa O que
se expõe, é o que ocorreu, por exemplo, por volta de 1765, obrigando o
governador João Manoel de Mello a organizar e armar uma bandeira para
destruir uma aldeia de índios xavantes, aliados aos escravos fugidos, querendo
“invadir” o território português, possivelmente 289 apoiados pelos jesuítas
espanhóis [...]74

Os quilombos passam a ser tema recorrente do governo central, a oferecer perigo aos
Senhores, a constituir perigosas alianças. O Quilombo é um objeto de estudo com grande
diversidade e grandes possibilidades de estudo. No estado de Goiás são variadas as formas como
estes se constituíram e mais variadas ainda as formas com que se comportaram perante o
Governo português.

72
PALACIN, 1994, p. 79. apud SILVA, 1998. p.285.
73
SILVA. Op. Cit. p. 286.
74
Idem. p. 288-289.
35
Durante o século XVIII um quilombo do Goiás ganha grande destaque no cenário
nacional. Os Negros de Pilar:

[...] único quilombo de Goiás a merecer registro na historiografia brasileira - é,


possivelmente, no início da década de 1750, a comunidade quilombola que mais
apreensão causou às autoridades coloniais e aos exploradores das minas, como o
povoador mineiro Manoel de Moraes Navarro que se estabeleceu nas minas de
Pilar onde, ao enfrentar a resistente luta quilombola, teve um filho primogênito
assassinado por um grupo de escravos, seguido de outros atentados e extremas
violências. Os quilombolas se uniam aos escravos urbanos na resistência, os
escravos ameaçando matar os brancos, as coisas tomando tal vulto que o próprio
Capitão-General e governador da Capitania, Dom Marcos de Noronha, foi
compelido a ir em pessoa ao Pilar tomar conhecimento da “perigosa situação”.
Foi assim que ordenou plena liberdade de ataque aos quilombos da região,
mandando mesmo que se matassem “todos os quilombolas que acaso
resistissem [...] 75

Esse relato mostra como os quilombos apresentavam perigo para a Coroa portuguesa, para
os mineradores e donos de fazenda de Goiás. Mas muitos quilombos também conseguiram
coexistir com as áreas mineradoras, fazendas e de comércio, estabelecendo trocas de serviços e
de produtos. Não apresentando perigo, nem prejuízo para o Governo Central, a administração
fazia “vista grossa” a estes quilombos.
Muitos senhores de escravos se sentiam lesados com as fugas dos seus cativos, que eram
considerados bens materiais. A Metrópole tinha que tomar providencias em prol dos seus maiores
contribuidores de impostos. As fugas cada vez mais constantes e criação de vários quilombos
fizeram com que fosse criada “[...] instituição denominada Capitão-do-mato, contratado
especificamente para a captura individual ou coletiva dos negros fugidos, assim como as
chamadas forças para-militares também lançadas contra os quilombos [...]” 76 Com toda essa
preocupação por parte da Coroa, os negros eram considerados a parte de baixo da sociedade
escravocrata, apesar de constituírem a maior parte da população goiana.
Numa sociedade repressora como a da era colonial brasileira, o escravo tinha poucas
chances de subir de posição, sobravam poucas opções as cativos:

75
SILVA. p. 291.
76
Idem. p. 295.
36
[...] na economia mineradora goiana só sobraram ao escravo - fora a
possibilidade remota de comprar a sua liberdade e ser portanto alforriado pelo
senhor – duas alternativas: a primeira levava-o, ainda como escravo, para a
lavoura ou para os ofícios urbanos, sendo qualquer dessas transferências
benéficas para o negro[...] A segunda alternativa transportava o escravo não só
para fora das lavras como para fora da própria sociedade mineradora, assim
surgindo as fugas e a consequente formação de quilombos [...]77

Dessa forma, o quilombo e a fuga eram muito presentes no cotidiano dos escravos,
mesmo aqueles que com muito esforço conseguissem comprar a alforria seriam isolados da
sociedade colonial, o escravismo foi muito severo com as populações de origem africana, tanto
fisicamente quanto psicologicamente.
O autor Martiniano José da Silva fez a listagem dos principais quilombos de Goiás até o
ano de 1888, mostrando a importância que o Estado tem, apesar de “jovem” comparado aos
outros estados brasileiros possui uma história riquíssima da cultura negra. No Goiás vários
quilombos permanecem até hoje, resistindo as dificuldades da sociedade excludente.

77
SILVA. p. 298.
37
3. O POVOADO DE MESQUITA

Com a Constituição Federal de 1988, as comunidades remanescentes de quilombos


começam a figurar legalmente no cenário político brasileiro, alguns artigos da Constituição são
reservados ás Comunidades Tradicionais. Assim os negros e as comunidades quilombolas passam
a ter mais reconhecimento perante a sociedade brasileira.
O Art. 225, que discorre sobre a cultura, coloca o Estado como protetor e incentivador das
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras.
O Art. 68 da CF/88 afirma: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos”. No Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988 fica concedida o direito a propriedade definitiva para os
remanescentes de quilombos, e não por meio de tutela como é feito para os povos indígenas. O
Decreto n. 4887, de 20-11-2003, e a Instrução Normativa n. 16, de 24-3-2004, do INCRA,
regulamentam o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Essa titulação
de terras é feita pelo INCRA ou algum outro instituto de terras estadual, exemplos desses outros
institutos de terras são o ITERPA no Pará, ITERSP em São Paulo. A titulação de terras no Goiás
fica a cargo do INCRA-GO e INCRA-DF.
Em agosto de 1988, através da lei Nº 7.668, o Governo Federal cria a Fundação Cultural
Palmares – FCP, que tem a finalidade de proteger, promover e preservar o patrimônio, os valores
culturais, sociais e econômicos dos afro-brasileiros. A portaria Nº 98/2007 da Fundação Cultural
Palmares estabelece: “Art. 1° - Instituir o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades
dos Quilombos da Fundação Cultural Palmares, também autodenominadas Terras de Preto,
Comunidades Negras, Mocambos, Quilombos, dentre outras denominações congêneres, para
efeito do regulamento que dispõe o Decreto nº 4.887/03”. Através da portaria 98/2007 as
comunidades quilombolas são cadastradas e recebem uma Certidão de Autodefinição, essa
certidão é um primeiro passo para o acesso as políticas públicas e para a titulação de suas terras.
A criação da Fundação Cultural Palmares foi um passo decisivo para a luta do negro que busca a
inserção na sociedade brasileira, a FCP funciona como uma voz do negro dentro do meio Federal.

38
3.1. A origem do quilombo de Mesquita

Ao todo temos mais de 2.500 Comunidades Remanescentes de Quilombo, destas 1.63578


possuem a Certidão de Autodefinição emitida pela Fundação Cultural Palmares. Cerca de 200 79
comunidades remanescentes de quilombos foram tituladas. Direito confirmado aos remanescentes
de quilombos como reza o Art. 68 da Constituição Federal de 1988 e o decreto presidencial
4.887/2003.
Goiás tem fortes características da ancestralidade negra, o Estado foi fundado em função
das primeiras jazidas de ouro encontradas no seu interior. Para o trabalho nessas minas e nas
fazendas que abasteciam essas minas de ouro foram trazidos os escravos, que chegaram a formar
a maior parte da população goiana durante o período do apogeu da mineração. O negro tem um
grande papel de criador da cultura hoje existente no Goiás e consequentemente no Distrito
Federal. Essa cultura negra foi disseminada em grande parte através dos quilombos surgidos no
Estado.
No Estado de Goiás existem 22 80 comunidades remanescentes de quilombos certificadas
pela FCP, como podemos observar na tabela I. A maior comunidade em extensão territorial do
Brasil está situada no estado, Kalunga com cerca de 253.191,72 hectares, que está localizada nos
municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Terezina de Goiás.

TABELA 1 – Lista das Comunidades Quilombolas certificadas no Estado de Goiás.


Data de Ano da
UF Município Comunidade Situação Publicação Publicação
D.O.U. D.O.U.
GO Aparecida de Goiânia Jardim Cascata Certificada 02/03/07 2007
GO Barro Alto Antônio Borges Certificada 09/12/08 2008
GO Barro Alto Fazenda Santo Antônio da Laguna Certificada 13/12/06 2006
GO Campos Belos Brejão Certificada 13/03/07 2007
GO Campos Belos Taquarussu Certificada 13/03/07 2007
Cavalcante / Monte Alegre/
GO Kalunga Certificada 19/04/05 2005
Terezina de Goiás
GO Cidade Ocidental Mesquita Certificada 07/06/06 2006

78
Dados emitidos pela Fundação Cultural Palmares até maio de 2011.
79
Dados emitidos pelo INCRA até novembro de 2010.
80
Dados emitidos pela Fundação Cultural Palmares até maio de 2011.
39
GO Colinas do Sul José de Coleto Certificada 05/05/09 2009
Comunidade de Nossa Senhora
GO Cromínia Certificada 07/06/06 2006
Aparecida
GO Goianésia Tomás Cardoso Certificada 04/08/08 2008
GO Minaçú Quilombolas de Minaçú Certificada 12/05/06 2006
GO Mineiros Buracão Certificada 13/12/06 2006
GO Mineiros Cedro Certificada 08/06/05 2005
GO Monte Alegre de Goiás Pelotas Certificada 28/07/06 2006
GO Nova Roma Quilombola do Magalhães Certificada 04/06/04 2004
GO Posse Baco Pari Certificada 07/06/06 2006
GO Santa Rita do Novo Destino Pomba Certificada 25/04/06 2006
GO São João D'Aliança Forte Certificada 05/03/08 2008
GO São Luiz do Norte Porto Leucádio Certificada 20/01/06 2006
GO Silvânia Almeidas Certificada 25/05/05 2005
GO Trindade Vó Rita Certificada 05/05/09 2009
GO Uruaçu Urbana João Jorge Vieira Certificada 05/05/09 2009
Fonte: Fundação Cultural Palmares.
Na Cidade Ocidental-GO encontramos o povoado de Mesquita, o objeto de estudo desta
monografia. A Cidade Ocidental foi emancipada do município de Luziânia em nove de dezembro
de 1990. Está situada na mesorregião do Leste Goiano e na microrregião do entorno do Distrito
Federal, a 48 km de Brasília-DF e cerca de 190 km de Goiânia-GO, faz divisa com Brasília
(norte), Cristalina (sudeste), Luziânia (sul) e Valparaíso de Goiás (oeste). 81

Figura 1. Localização da Cidade Ocidental, Goiás.

Fonte: Wikipédia (2011)

81
WIKIPEDIA. Cidade Ocidental. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Ocidental>. Acesso em
01/05/2011.
40
O município de Cidade Ocidental tem uma relação intensa com o quilombo de Mesquita,
várias representações fazem referência a Mesquita. A Cidade Ocidental emancipou-se político-
administrativamente de Luziânia em 1990, mas a sua origem vem da época da construção de
Brasília em que o crescimento desordenado fez com que fossem construídos novos núcleos
habitacionais. A partir de 1976 começam a serem construídas as primeiras casas para suprir a
demanda populacional da nova capital. No final da década 1980 a Cidade Ocidental passa a ser
considerada um bairro de Luziânia para depois ganhar autonomia de um município. 82
Uma das principais referências do município está ligada ao fato deste possuir uma
comunidade remanescente de quilombos e por este motivo várias manifestações culturais são
relacionadas ao Povoado Quilombola de Mesquita, como as festas em homenagens aos santos e a
produtos típicos da região. Outra referência da Cidade Ocidental em relação ao quilombo pode
ser visto na própria bandeira do município. A estrela vermelha representa o Povoado de
Mesquita, os ramos representam o Marmelo, principal fruto da região e principal produto da
comunidade de Mesquita. Essas referências que estão indicadas na bandeira do município
demonstram a importância simbólica de Mesquita para a Cidade Ocidental.

Figura 2. Bandeira do Município de Cidade Ocidental.

Fonte: Prefeitura de Cidade Ocidental

82
PREFEITURA MUNICÍPAL DE CIDADE OCIDENTAL. Disponível em:
<http://www.cidadeocidental.go.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=49&Itemid=53>. Acesso
em 23/05/2011.
41
A zona rural do município da Cidade Ocidental está localizada a 5 km do perímetro
urbano. É na parte rural que estão situados os remanescentes de quilombos de Mesquita. Uma
comunidade bastante instigante devido à proximidade com Brasília, a grande capital do poder. A
proximidade com a capital da República fez com que a comunidade perdesse vários traços da
cultura de matriz africana e cedeu lugar a modernização e a globalização do mundo. Essa
desvalorização da cultura afro-brasileira está inserida no racismo e exclusão social que o negro
vem enfrentando desde a era colonial do Brasil, antigamente o ato de renegar o status de
descendente de escravos tornava menos difícil a inserção social e o primeiro fator para essa
inserção social seria a absolvição da cultura Ocidental. Com as ações criadas pelo Governo
Federal após a Constituição Federal de 1988 os negros passaram a ser incentivados a assumir
uma identidade e não mais obrigados a renegar a sua cultura para que pudessem ser inseridos na
sociedade.
A origem do Povoado de Mesquita está associada ao antigo município de Santa Luzia,
hoje chamado de Luziânia. Santa Luzia teve sua fundação, assim como as demais cidades
goianas, devido à descoberta de jazidas de ouro na região. As primeiras expedições a região onde
hoje é Luziânia tinham como objetivo abrir um caminho de Minas Gerais para Goiás, a fundação
do município deve-se a bandeira organizada por Antônio Bueno de Azevedo, descendente de
Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera. O bandeirante paulista partiu de Paracatu/MG rumo
ao oeste em 1746:

Antônio Bueno de Azevedo seguiu viagem rumo ao oeste, fixando seu


arranchamento no local que denominou Arraial de Santa Luzia, em 13 de
dezembro de 1746. Conta à tradição que tendo mandado levar um pouco de areia
do riacho, tamanha quantidade de ouro encontrado que ele e seus companheiros
não conseguiam acreditar no que viam. Mandou repetir a operação de lavagem e
a bateia trouxe mais granitos e palhetas de ouro. Ajoelhando-se agradeceu a
Deus e invocou Santa Luzia, dedicando a povoação que iria se formar sob os
auspícios de seu nome. 83

Após a descoberta das primeiras jazidas de ouro por Antônio Bueno de Azevedo foi
fundado o arraial de Santa Luzia durante meados do século XVIII, nesse período a região viveu

83
PIMENTEL, 1994. apud MADUREIRA, Priscila Jane. O ciclo da mineração no município de Luziânia – Goiás: O
rego de Saia Velha e as alterações na paisagem. Dissertação de mestrado em Gestão do Patrimônio Cultural -
Antropologia pela Universidade Católica de Goiás. Goiânia, GO. 2005. p. 16.
42
momentos de esplendor e apogeu econômico, recebendo grandes contingentes de escravos para
os mais diversos trabalhos, tanto na mineração quanto na construção de Santa Luzia. Em 1749
Santa Luzia foi elevada a condição de julgado. Desde a sua fundação torna-se intensa a
exploração das minas de ouro. “Em 1757 [...] o capitão José Pereira Lisboa teve conhecimento de
um caçador, ao abater um veado encontrou palhetas de ouro no bucho do animal, em uma região
ao norte de Santa Luzia”. 84 Depois desse relato, vários sertanejos e mineradores tiveram como
destino a região de Santa Luzia em busca das preciosas pedras de ouro. O julgado de Santa Luzia
tornou-se uma área enorme e contou com grandes contingentes de pessoas.

O julgado de Santa Luzia foi primitivamente muito extenso no sentido Norte-


Sul. A ele pertencia o Distrito Federal, os municípios de Formosa, Planaltina,
Cristalina, São João da Aliança, Padre Bernardo, Cabeceiras e diversos outros,
abrangendo uma superfície de 38.380.00 Km² (área maior que o reino da
Bélgica). O seu território foi delimitado por Ato de 20 de abril de 1778 [...]. 85

A história do Distrito Federal e seu entorno, assim como a origem da Comunidade de


Mesquita está totalmente relacionada á história de Santa Luzia, a sua extensão e dificuldade de
controle por parte do governo central fez com que os escravos e os negros libertos espalhassem-
se por toda a região do Brasil Central.
Os escravos foram trazidos para trabalhar nas minas de ouro e atividades auxiliares dessa
região durante o século XVIII. “Em 1763, durante o período áureo da exploração das minas de
ouro, a antiga Santa Luzia chegou a ter 16.529 habitantes, dos quais 12.900 eram escravos”. 86
Cerca de 75% da população da antiga cidade de Santa Luzia era composta por escravos, isso
demonstra a importância dos negros para a formação das cidades as voltas de Luziânia.
Os cativos trabalhavam nas mais diversas atividades da sociedade aurífera de Santa Luzia,
foram responsáveis pela construção da Igreja Matriz de Santa Luzia (Ver Anexo I – FIG 1)
iniciada em 1765 e concluída em 1778. Participaram também da construção da Igreja Nossa
Senhora do Rosário (Ver Anexo I – FIG 2) tombada pelo Patrimônio Histórico Estadual em 1980
que teria sido construída por 400 escravos durante o século XVIII, alguns escravos teriam sido

84
MADUREIRA. Op. Cit. p. 17.
85
PREFEITURA DE LUZIANIA. Disponível em: <http://www.luziania.go.gov.br/secretarias/historiacidade>.
Acesso em 21/05/2011.
86
ANJOS, Suelen Gonçalves dos. Cultura e Tradições negras no Mesquita:Um estudo da matrifocalidade numa
comunidade remanescente de quilombo. Revista PADÊ - UniCEUB. Vol 1, nº 1/2006. p.108.
43
enterrados abaixo do piso de madeira da Igreja, a construção desta Igreja está ligada a
discriminação que os escravos sofriam na Igreja Matriz de Santa Luzia, sendo necessário um
santuário para os negros 87.
Os escravos de Santa Luzia foram responsáveis pela construção de um rego em 1770,
chamado Saia Velha, para facilitar a garimpagem e o abastecimento de água.

O Rego de Saia Velha ou “Rego das Cabaças”, nome que lhe foi dado pelos
escravos, tinha 42 quilômetros de extensão; 2 metros de largura; e 2 metros e 80
centímetros de profundidade. [...] Esta magnífica obra de engenharia, realizada
com o concurso de milhares de escravos, e que levou mais de 2 anos para ser
concluída – de abril de 1768 a setembro de 1770 – constitui a mais
extraordinária realização do trabalho escravo no Planalto Central do Brasil,
durante o ciclo do ouro. 88

O Rego de Saia Velha ou “Rego das Cabaças” demonstra a importância dos escravos na
região de Santa Luzia, a sociedade santaluzense girava em torno do trabalho escravo que
funcionava como motor da produção aurífera. O Rego de Saia Velha foi construído para atender a
demanda relacionada ao ouro e quando sua produção deixou de ser satisfatória foi desativada no
século XIX. Ainda existem as ruínas do “Rego das Cabaças”.
Outra importante ligação do Município de Santa Luzia do século XVII com a
Comunidade de Mesquita infere-se na plantação de Marmelo, grande produto de exportação de
Mesquita. “O primeiro marmeleiro de Santa Luzia, hoje Luziânia, é plantado pelo Cel. João
Pereira Guimarães [...] A muda foi trazida da Bahia. Desse marmeleiro [...]saíram as primeiras
mudas que foram proliferando nas fazendas Ponte Alta, Barreiros, Jataí, Vargem, Mesquita[...]”89
O Marmelo de Santa Luzia se espalhou por toda a região, transformando a marmelada o principal
produto de sustento das fazendas. Santa Luzia passa a ser chamada comumente de Santa Luzia do
Marmelo. O marmelo chega a Fazenda Mesquita tomando conta da vegetação e torna-se o
principal item de exportação.
Durante o período do apogeu da mineração, os escravos fugiam das minas e fazendas de
Santa Luzia para onde está localizada atualmente a Cidade Ocidental, assim como para outras

87
PARÓQUIA SANTA LUZIA. Disponível em: < http://www.paroquiastaluzia.org>. Acesso em 22/05/2011.
88
PREFEITURA DE LUZIANIA. Disponível em: <http://www.luziania.go.gov.br/secretarias/historiacidade>.
Acesso em 22/05/2011.
89
Idem. Acesso em 23/05/2011.
44
cidades limítrofes, outra forma de chegada dos negros no município foram as doações de parte
das terras aos escravos, isto ocorreu após o declínio da economia do Estado de Goiás. Segundo o
relato de José Antonio Batista 90 administrador do quilombo de Mesquita, os primeiros escravos a
chegarem às proximidades de Mesquita fugiam das fazendas e minas de Luziânia. Batista afirma:

O que eu vejo falar é que os escravos de Luziânia fugiam para cá, aqui em cima
tem um local chamado atoleiro, porque eles fugiam de lá para cá, quando o
pessoal vinha de cavalo para buscar eles, eles pulavam para o lado de cá, como
era atoleiro o pessoal a cavalo não conseguia passar, enquanto o cavalo iria dar a
volta, os escravos já ganhavam tempo. 91

Os primeiros escravos a chegarem ao território hoje conhecido como Mesquita fugiam de


Luziânia através do “atoleiro”, um córrego com muita lama em que os capitães do mato em seus
cavalos não conseguiam passar, os escravos pulavam o “atoleiro” e conseguiam fugir, enquanto
os capitães do mato davam a volta para atravessar o córrego. Muitos escravos morriam nessa
tentativa de fuga, principalmente quando tentavam pular o “atoleiro”. A fuga e a fixação nas
terras podem ter dado a origem ao quilombo de Mesquita. Vários escravos podem ter se fixado
em Mesquita onde usavam a terra de forma comunal dando origem as famílias que estão em
Mesquita até hoje.
O mito de origem da Comunidade de Mesquita está ligada a doação das terras de um
fazendeiro à três escravas. Esse mito foi passado oralmente dos mais velhos aos mais novos e é
contado como surgimento do quilombo de Mesquita pela maioria dos moradores. José Antônio
Batista confirma esta história através dos relatos que foram contados pelos seus antepassados.

Aqui um fazendeiro deu essa terra para duas escravas, mas eu fiquei sabendo
que foi doado para três escravas. Dessas três escravas, duas casaram que formou
a família Teixeira Magalhães e a minha que é a Pereira Braga. Veio daí dessas
duas escravas. A terceira escrava não deixou herdeiros. Eu sempre ouvi que
eram duas escravas, mas depois de alguns anos eu descobri que eram 3 escravas
e só duas escravas se casaram [...] e ai surgiu Mesquita com essas duas
famílias. 92

Segundo o administrador do quilombo, Mesquita teria origem dessas duas escravas que
receberam as terras de um fazendeiro. Alguns contam que esse fazendeiro era português e possuía

90
José Antônio Batista, nascido em Mesquita em 1972. Excerce a função de administrador do Povoado de Mesquita.
91
Depoimento de José Antônio Batista. Entrevista realizada em 30-04-2011 no Povodo de Mesquita.
92
Idem.
45
o nome de Mesquita, daí teria sido a origem do nome da Fazenda Mesquita, que posteriormente
se tornaria no Povoado de Mesquita.
Em matéria do jornal Correio Braziliense em novembro de 1998 sobre a Comunidade de
Mesquita foram entrevistados alguns moradores sobre a origem do povoado. O senhor Benedito
Antônio Nonato, o velho Dito Nonato, com 83 anos na época da entrevista conta que “as três
negras ganharam um quinhãozinho que na época valia uns 60 mil réis. E pode ter sido ai a origem
das famílias que moram no lugar”. 93 A história referente ao surgimento da comunidade é contada
pela maioria dos moradores de forma parecida, alguns acrescentam novos detalhes. O senhor
João Antônio Pereira 94 afirma que: “Essas terras foram doadas para três escravas que foram
gerando famílias, que é a família Teixeira Magalhães e Pereira Braga. E foi gerando, casando
primo com primo. São duas famílias principais”. 95 As famílias Teixeira Magalhães e Pereira
Braga são as duas principais famílias do quilombo de Mesquita, a maioria dos moradores possui
um destes sobrenomes. Até pouco tempo a maioria dos casamentos ocorriam entre parentes, fato
que ocorre até os dias de hoje. Houve um aumento dos casamentos com as pessoas de fora da
comunidade.
A origem do nome Mesquita não é tão claro quanto o mito fundador da comunidade,
segundo José Antônio Batista: “Umas das origens é que uma dessas escravas tinha o nome de
Maria Mesquita”. 96 Umas das três escravas que receberam as terras possivelmente teriam o nome
de Maria Mesquita, mas sabe-se que Fazenda Mesquita já era conhecida nos período da
exploração de ouro em Santa Luzia, o que torna difícil as terras receberem o nome da escrava. De
acordo com João Antônio Pereira, nome teria vindo de uma outra forma:

A origem do nome Mesquita é que tinha um senhor que tinha o nome de João
Mesquita [...] ele foi o doador das terras. O primeiro nome era Fazenda
Mesquita, depois ficou Povoado Mesquita e agora Quilombo Mesquita depois do
reconhecimento. 97

93
ÁVILA, Cristina. Mesquita: Um quilombo no Planalto Central. Correio Braziliense. Brasília, 08/11/1998 Caderno
cidades. p. 1.
94
João Antônio Pereira, nascido em Mesquita em 1946. Excerce a função de presidente da Associação Renovadora
dos Moradores e Amigos de Mesquita.
95
Depoimento de João Antônio Pereira. Entrevista realizada em 20-05-2011 no Povodo de Mesquita.
96
Depoimento de José Antônio Batista. Entrevista realizada em 30-04-2011 no Povodo de Mesquita
97
Depoimento de João Antônio Pereira. Entrevista realizada em 20-05-2011 no Povodo de Mesquita.
46
Esta deve ser a versão mais correta sobre a origem do nome, pois o historiador Gelmires
Reis também afirma que a terra possivelmente foi doada a escravos alforriados por um português
chamado Mesquita. 98
O marmelo sempre foi o principal fruto colhido em Mesquita e com ele o Povoado era
reconhecido em outras regiões. As famílias se concentravam na produção da marmelada e alguns
outros itens para subsistência Assim afirma José Antônio Batista:

Na época dos meus pais e dos meus avós o sustento era a maioria no plantio de
marmelo, trabalhar dentro do Mesquita e outros eram trabalhando em outras
fazendas. Teve criação de gado para leite, não tinha criação para corte. Sempre
teve trocas, até hoje tem. Eu plantei muito milho vamos trocar por um porco ou
galinha, até hoje tem. Hoje muitos ainda plantam o marmelo, cultivam e fazem o
doce do marmelo. 99

O sustento dos moradores que produziam na própria comunidade vinha através da


fabricação do marmelo. Existiam algumas outras atividades complementares para manter as
famílias. Trocas eram feitas entre os moradores, os que tivessem uma plantação excedente de
arroz ou milho trocavam com os vizinhos por outros produtos necessários, como porcos e
galinhas. Segundo alguns moradores, o povoado exportava várias caixas com o doce em dezenas
de carros de boi que saiam frequentemente para abastecer os municípios em volta de Mesquita.
Aleixo Pereira Braga foi considerado o maior produtor de marmelo da região durante o século
XIX e hoje a casa onde Aleixo Pereira Braga (Ver Apêndice B – FOTO 3) viveu é uma das
reminiscências históricas do quilombo e da produção de marmelo. A escola presente no Povoado
de Mesquita recebeu o nome do grande produtor de marmelo, se chama Escola Municipal Aleixo
Pereira Braga I.
A cultura do marmelo permanece viva em alguns moradores do Povoado de Mesquita, os
marmeleiros dão frutos durante os meses de janeiro e fevereiro. Nessa época do ano ocorrem
festas e a colheita do marmelo, a polpa da fruta é armazenada em geladeiras, assim pode ser
produzido o doce do marmelo fora da época de colheita. Muitos fazem o marmelo para consumo
pessoal e não têm lucro com a marmelada, mas ainda existem algumas pessoas que o produzem

98
ÁVILA. Op. Cit. p. 1.
99
Depoimento de José Antônio Batista. Entrevista realizada em 30-04-2011 no Povodo de Mesquita.
47
como forma de sustento. Esse é o caso do senhor João Antônio Pereira, que cultiva e produz o
doce de marmelo artesanalmente até os dias de hoje. “João Antônio Pereira fabrica marmeladas
desde os 15 anos, perpetua a atividade que sustentou seus avós e pais, relembra um doce
apreciado por seus antepassados escravos e mantém a tradição do artesanato”. 100 João Antônio
Pereira (Ver Anexo I – FIG 3) continua mantendo as tradições de mais 150 anos atrás com a
produção do doce de marmelo, essas tradições foram passadas pelos seus pais e sempre foram a
forma de sustento da família, João Antônio Pereira diz: “Eu sempre trabalhei com a produção de
marmelo, já passei para o meu filho João Paulo” 101. O produtor de marmelo tem esperanças que a
tradição nunca de acabe e que as terras de quilombo virem um bairro comum da Cidade
Ocidental, ele deseja que os moradores tenham mais relações com suas terras e não as abandonei
para procurar emprego na cidade grande.
A marmelada é vendida em feiras e para as cidades próximas a Mesquita, muitas vezes os
produtores do doce de marmelo são chamados para participarem de eventos e encontros rurais e
sobre a cultura afro-brasileira. O produto é todo produzido na comunidade, inclusive as caixas de
madeira em que o doce é armazenado.
João Antônio Pereira conta como ele prepara a marmelada:

Os primeiros passos são simples: abrir o marmelo, tirar a semente, lavar e


colocar para ferver por trinta minutos em tacho de cobre. Em seguida, mói-se a
massa em máquina adequada e, depois, passa-se a massa na peneira. Daqui por
diante, está o segredo: adicionar a quantia certa de açúcar para o tanto de
massa. Dissolve-se o açúcar em água para ferver, durante vinte minutos.
Chegado ao ponto de melado, acrescenta a massa do marmelo. Aí é só mexer até
o ponto. 102

O doce de marmelo é vendido em caixas de madeira de 1 quilo e 500 gramas e pode ser
comprado na comunidade ou em feiras da região, além da marmelada são produzidos outros
produtos como a goiabada e biscoitos. Os moradores mais velhos da comunidade lutam para que
a tradição e as relações com as terras sejam mantidas e nunca se perca a sua origem afro-
brasileira.

100
SEBRAE GOIÁS. Disponível em: <http://www.sebraego.com.br/site/site.do?idArtigo=2973>. Acesso em
25/05/2011.
101
Depoimento de João Antônio Pereira. Entrevista realizada em 20-05-2011 no Povodo de Mesquita.
102
SEBRAE GOIÁS. Disponível em: <http://www.sebraego.com.br/site/site.do?idArtigo=2973>. Acesso em
25/05/2011.
48
O Povoado de Mesquita tem características de bairro de cidades do interior de Goiás e
dentro da própria comunidade temos uma zona urbana e rural. O centro da comunidade de
Mesquita é composto pela Igreja Nossa Senhora D’Abadia (Ver Apêndice B – FOTO 4), pela
Escola Municipal Aleixo Pereira Braga I (Ver Apêndice B – FOTO 5), pela Associação
Renovadora do Moradores e Amigos de Mesquita (Ver Apêndice B – FOTO 7) e pelo Posto de
Saúde. A avenida principal da comunidade é asfaltada e existe luz elétrica a cerca de 30 anos.
Segundo os moradores, a comunidade é bastante tranqüila e não existem muitos relatos de
violência que ocorram dentre da comunidade, apesar da estimativa de ter três mil habitantes. Mas
alguns moradores relatam que há pouco tempo tem presenciado o consumo de drogas dentro do
Povoado.
Os moradores relatam que após o reconhecimento de Mesquita em 2006 como
Comunidade Remanescente de quilombos, algumas coisas mudaram, a comunidade é atendida
pela programa do Governo Federal de distribuição de cestas básicas as famílias quilombolas mais
necessitadas, mas reclamam que a as cestas não chegam a todos os moradores que necessitam.
Após a o reconhecimento como remanescente de quilombos os moradores dizem que
houveram várias promessas, mas poucas ações foram realmente implementadas na Comunidade
de Mesquita.
A Comunidade de Mesquita tem em seu núcleo a imagem da mulher como uma das
principais forças, podemos observar isso através do mito de origem que a comunidade estaria
ligada as três escravas. Nos dias atuais a principal força da comunidade é também uma mulher, a
vice-presidente da Associação Renovadora dos Moradores e Amigos de Mesquita – AREME.
Sandra Pereira Braga (Ver Apêndice B – FOTO 6) é a principal articuladora dos direitos dos
quilombolas no âmbito Federal. Os moradores do quilombo incubem a representante da
associação diversas tarefas, Sandra se tornou a principal representante da comunidade e os
moradores vêem nela a força política da comunidade. Os moradores atribuem diversas tarefas a
vice-presidente como a compra de remédios em farmácias, luta por direitos trabalhistas,
marcação de consultas médicas além da organização de vários eventos para a comunidade.
Recentemente Sandra Pereira Braga lutou contra o desmatamento de uma área no
quilombo, essa área seria destinada para a construção de um condomínio. A empresa Taquari
Empreendimentos recebeu a licença da Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de
Goiás para desmatar 84 hectares de terras, porém a licença era irregular, pois de acordo com o
49
Ministério Público a área sofre processo de demarcação do seu território pelo INCRA.
A Titulação e demarcação da Comunidade de Mesquita segue no INCRA desde 2008 e
tem várias dificuldade para ser concluída, uma delas é a questão que a área em que o quilombo
está é rodeado de propriedades privadas, o que dificulta a sua regularização fundiária.

3.2. Manifestações culturais

As comunidades remanescentes de quilombo têm sua identidade comprovada através das


relações territoriais e suas manifestações culturais. As manifestações culturais são formas de
celebrar a vida em comum da comunidade através de ritos e festas. As comunidade quilombolas
apresentam nos dias de hoje uma predominância da religião cristã, poucas são aquelas
comunidades que são totalmente voltadas as tradições religiosas de matriz africana. A repressão
cultural que a sociedade branca exerceu sobre os remanescentes de quilombos fez com que estes
perdessem parte da prática religiosa africana, mas essa prática ainda existe em muitas
comunidades remanescentes de quilombos na forma de sincretismo religioso, com mescla de
elementos do cristianismo com elementos das religiões africanas. As festas são uma interação
coletiva em que todos os membros da comunidade partilham de valores parecidos. Os rituais
normalmente são de cunho religioso, mas também a exaltação do solo e dos produtos agrícolas
através de festas e feiras quilombolas. Com a influência da sociedade cristã, a maioria da
comunidades quilombolas praticam homenagens aos santos, através dos rituais, pousos e
novenas.
Na Comunidade de Mesquita há diversas manifestações culturais através de festas que
exaltam os santos e a principal atividade agrícola. A plantação de marmelo foi durante muito
tempo a principal atividade agrícola de Mesquita, assim como a produção da marmelada. Há
cerca de nove anos é feita a festa do marmelo, que inicialmente tinha o objetivo de levantar
fundos para a construção do santuário do Povoado de Mesquita. Assim como afirma Batista:

Em janeiro tem a festa do marmelo, essa festa do marmelo começou assim: Na


construção do santuário, juntou minha irmã, o Fábio Côrrea que é de Brasília, a
Madalena e mais umas seis pessoas aqui do Mesquita. Estávamos sem dinheiro
para comprar as ferragens para começar a construção do santuário, ai pensaram,

50
vamos fazer uma festa para adquirir dinheiro, vamos fazer então a festa do
marmelo, porquê era época do marmelo em janeiro. 103

A festa do marmelo assim como afirma Batista, foi criada para iniciar as obras do
santuário de Mesquita, essa festa resgata o período de ouro da comunidade de Mesquita em que a
produção de doce de marmelo era exportado para as arredondezas do quilombo.

É um resgate para conseguir dinheiro para construir o santuário. Fizemos uma


vez e gostaram, ai fez a segunda a terceira. A festa dura um dia, vendemos doce
de marmelo, fazem o marmelo na hora para você comer e degustar. A festa foi
crescendo, pegamos apoio da prefeitura. Já trouxemos Chico Rei e Paraná,
Milionário e José Rico. 104

Com o passar do tempo a festa do marmelo tornou-se um evento bastante importante para
a Cidade Ocidental, e conseguiu apoio da prefeitura municipal trazendo artistas do cenário
nacional para apresentação na comunidade. Com o apoio da prefeitura da Cidade Ocidental o
evento cresceu durando mais dias e criadas feitas novas atrações para a festa do marmelo. Em
2011 a festa ocorreu do dia 30 de janeiro a 5 de fevereiro e assim como descreve Sandra Pereira
Braga: “A festa do marmelo ocorre no galpão da Igreja, surgiu em para incentivar a construção da
Igreja. Na festa temos a venda de produtos do marmelo, temos almoço, acontecem leilões. E toda
arrecadação vai para Igreja”. 105 Os objetivos da festa nos dias de hoje ainda são arrecadar fundos
para a conclusão da construção da Igreja Nossa Senhora D’Abadia, em 2011 a programação da
IX Festa do Marmelo foi a seguinte: Dia 30 de janeiro: Passeio Ciclístico, Missa Festiva, Almoço
e Leilão; Dia 05 de fevereiro: Cavalgada e show com Roni e Ricardo; Dia 20 de fevereiro:
Corrida do Marmelo. 106
A Festa do Marmelo está se tornando um evento tradicional para a Cidade Ocidental,
assim como a Corrida do Marmelo vem se tornando bastante conhecida fora de Goiás. A Corrida
tem sua largada em frente à Paróquia de Santo Antonio, na Cidade Ocidental e sua chegada no
Povoado de Mesquita. “Em 2011 contou com a participação maciça de diversos atletas
profissionais, habituais corredores no circuito nacional e internacional, entre eles, o maratonista
meio fundista e atleta do Cruzeiro, Franck Caldeira, que possui o título de campeão dos jogos

103
Depoimento de José Antônio Batista. Entrevista realizada em 30-04-2011 no Povodo de Mesquita.
104
Depoimento de José Antônio Batista. Entrevista realizada em 30-04-2011 no Povodo de Mesquita.
105
Depoimento de Sandra Pereira Braga. Entrevista realizada em 20-05-2011 no Povodo de Mesquita.
106
JORNAL OCIDENTAL. Disponível em: < http://www.jornalocidental.com.br/?p=1200>. Acesso em 25/05/2011.
51
Pan-americanos de 2007.” 107 Com a participação de atletas do cenário internacional a festa pode
ser vista em diversos lugares do Brasil, assim a comunidade de Mesquita passa a ser mais no
notada no âmbito nacional. Os leilões ocorrem a partir de produtos doados a comunidade e
ocorrem lances de até 5 mil reais de pessoas que querem ajudar na construção da Igreja.
No mês de maio ocorre a festa do Divino Espírito Santo (Ver Apêndice B – FOTO 8) no
Povoado de Mesquita, essa festa ocorre em todo o Goiás. A festa do Divino Espírito Santo é
organizada pelos moradores da Cidade Ocidental e a celebração atravessa grande parte do
município. Essa folia demonstra o culto aos símbolos católicos presentes na Comunidade de
Mesquita, a maioria dos moradores de Mesquita se envolvem nesta festividade para manifestar a
sua crença. Assim como a família de José Antônio Batista que oferece o pouso aos cavaleiros
todos os anos.

Minha mãe sempre faz o último pouso. Começa lá perto da Cidade Ocidental e
vem para cá. Vai indo nas casas, essa do Divino o pessoal girava de carro, agora
vai ser o primeiro ano que vai ser girado a cavalo. Cada dia o pouso é numa
casa, ai chega e janta, no outro dia vai tomar café e o almoço e assim vai para
outra casa. 108

O pouso é uma homenagem aos cavaleiros que vão acompanhando a folia, é dada uma
festa e um jantar, após isso os cavaleiros se acomodam na casa em que foi oferecido o pouso ou
acampam nas proximidades desta casa. A festa do Divino Espírito Santo é uma manifestação
religiosa que ocorre há vários anos no quilombo de Mesquita, durante algum tempo a folia foi
feita de carro, mas esse ano voltaram as antigas tradições voltando a ser girado a cavalo. No dia
13 de maio foi oferecido o último pouso da Festa do Divino na casa de Adelina Pereira Braga,
mãe de José Antônio Batista. Foi oferecido um almoço aos cavaleiros e demais convidados que
seguiam a celebração do Divino, os cavaleiros fazem orações antes da refeição e após cantam
diversas músicas agradecendo a mesa farta.

107
JORNAL OCIDENTAL. Disponível em: < http://www.jornalocidental.com.br/?p=1226>. Acesso em 25/05/2011.
108
Depoimento de José Antônio Batista. Entrevista realizada em 30-04-2011 no Povodo de Mesquita.
52
CONCLUSÃO

A partir da escolha da Comunidade Quilombola de Mesquita como tema da presente


monografia foi necessário descrever a inserção do negro no Brasil e a formação dos quilombos
assim como a trajetória do negro no Estado de Goiás e a formação dos primeiros
aquilombamentos. Essa pesquisa inicial mostrou que desde a chegada dos negros em terras
brasileiras foi observada a resistência a condição social de escravo. Uma das formas maiores de
resistência a escravidão foi a fuga e a partir desta a formação dos quilombos. Os quilombos
surgiram em quase toda extensão territorial do Brasil, desde o litoral até o interior. Na época
colonial já fazia parte da sociedade brasileira sendo aceito em alguns casos e muitas vezes
combatido. Atualmente o que sobrou destes quilombos foi reconhecido como uma parte
integrante da cultura brasileira e recebeu o nome legal de Comunidades remanescentes de
quilombo.
As comunidades remanescentes de quilombo representam um grande fator da construção
da identidade afro-brasileira, que durante muito tempo foi esquecida junto a esfera social. As
comunidades quilombolas eram tratadas como assentamentos, invasões ou comunidades negras
rurais e não tinham os devidos cuidados que este grupo tão especifico no território brasileiro deve
ter. Através de ações do Governo Federal e legislação específica voltada aos remanescentes de
escravos, pode ser observado a importância desse grupo étnico para a formação cultural da
população brasileira e o quanto este grupo está presente nas zonas rurais de quase todos os
estados brasileiros. O resgate da memória quilombola é de fundamental importância para a
garantia dos direitos desses povos.
A construção de uma identidade quilombola é capaz de fortalecer a representatividade dos
remanescentes de quilombos perante a sociedade em geral. Esse foi um dos principais anseios
desta pesquisa, ajudar de certa forma a Comunidade de Mesquita a ter mais reconhecimento
perante o meio político.
A comunidade de Mesquita pode ser observada como um agrupamento de vários parentes,
que são independentes entre si, mas com vários traços étnicos e culturais parecidos. Com a
crescente demanda populacional os moradores deste povoado migraram em busca de melhores
condições de vida, isto fez com que os jovens fossem perdendo os laços das tradições

53
quilombolas, mas existe um esforço dos membros mais velhos e lideranças da comunidade em
resgatar suas origens e tradições.
O Povoado de Mesquita luta diariamente para manter o seu território e para manter a sua
cultura quilombola, vários moradores perderam o contato com as tradições e não consideram que
fazem parte do todo maior que é a comunidade. Várias ameaças territoriais são feitas e os
moradores são obrigados a conviver com a especulação fundiária que causa cada vez mais atrasos
para a regularização territorial do quilombo.
A formação dos quilombos desde anos inicias em que a escravidão foi instaurada no
Brasil, mostrou que onde houve a escravidão existiu a resistência a escravidão. Isto pode ser
observado na comunidade de Mesquita, onde até os dias atuais, os seus moradores tentam resistir
aos efeitos da globalização tentando viver uma vida modesta e tranqüila, conservando as
tradições de seus pais e avôs.

54
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56
APÊNDICES

APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Entrevistas realizadas com os moradores de Mesquita.

1. O Senhor(a) nasceu na Comunidade de Mesquita? Quando? Como era a comunidade na


sua infância?

2. Onde e quando seus pais nasceram? Como eles diziam que a comunidade era?

3. Como se deu a ocupação de terras?

4. Qual a origem do nome “Mesquita”?

5. Quais as principais atividades de sustento?

6. Quais as principais festas organizadas na comunidade?

7. Na sua opnião, quais são os principais problemas da comunidade?

8. Suas reivindicações são atendidas pelo governo?

57
APÊNDICE B – FOTOS

Todas as fotos presentes neste apêndice foram tiradas pelo autor desta monografia em
suas visitas a Comunidade Remanescente de Quilombos de Mesquita, localizada na Cidade
Ocidental/GO
FOTO 1. Placa indicando o inicio do Povoado Mesquita.

Material Pessoal

FOTO 2. Placa de regularização fundiária do território


quilombola feita pelo INCRA.

Material Pessoal

58
FOTO 3. Casa do século XIX de Aleixo Pereira Braga.

Material Pessoal

FOTO 4. Igreja Nossa Senhora D’Abadia.

Material Pessoal

59
FOTO 5. Escola Municipal Aleixo Pereira Braga I.

Material Pessoal

FOTO 6. Sandra Pereira Braga.

Material Pessoal

60
FOTO 7. Associação Renovadora dos Moradores e Amigos
de Mesquita

Material Pessoal

FOTO 8. Festa do Divino Espiríto Santo.

Material Pessoal
61
FOTO 9. Cavaleiros celebrando a mesa farta.

Material Pessoal

62
ANEXOS

ANEXO I – MATERIAL ICONOGRÁFICO

FIG 1. Igreja Matriz de Santa Luzia – Luziânia/Goiás.

Fonte: Wikipédia (2011)

FIG 2. Igreja Nossa Senhora do Rosário – Luziânia/Goiás

Fonte: < http://www.mochileiro.tur.br/luziania>

63
FIG 3. João Antônio Pereira e a marmelada produzida
em Mesquita

Fonte: Sérgio Araújo

FIG 4. Banner de divulgação da IX Festa do Marmelo.

Fonte: Jornal Ocidental

64
FIG 5. Chegada do Prefeito Alex Batista na Corrida do Marmelo.

Fonte: Jornal Ocidental

65
ANEXO II – ABERTURA DO PROCESSO DE CERTIFICAÇÃO PELA FUNDAÇÃO
CULTURAL PALMARES

66
ANEXO III – CERTIDÃO DE AUTO-RECONHECIMENTO

67
ANEXO IV – RECIBO DA CERTIDÃO DE AUTO-RECONHECIMENTO

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