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Português

Poema em linha reta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo


Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana


Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!


Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,


Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
1.) Tendo em conta os versos 1 e 2, aponte o tipo de imagem que os conhecidos do
sujeito poético procuram transmitir.
Resposta: Nos versos 1 e 2 o sujeito poético procura transmitir o modo como todas
as pessoas que conhece aparentam ser perfeitas e como as mesmas levam a vida
sem falhas. Estas não levam “porrada”, ou seja, não são agredidas pelo destino, isto
é, não perdem, porque são os ”campeões em tudo”.

2.) Indique o motivo por que, na descrição do eu,


a) é repetida a expressão «tantas vezes».
Resposta: A descrição do eu é repetida a expressão” tantas vezes” porque
com ela tenta reforçar a crítica a si mesmo ao descrever-se como uma pessoa
“reles”, porco e “vil”.

b) São utilizados os advérbios «irrespondivelmente» (v. 4) e


«indesculpavelmente» (v.5).
Resposta: O eu utiliza estes advérbios, pois tenta não se mostrar como um
campeão, nem passar a imagem de homem bom ou sério, tanto que se
afirma como sendo reles. Este também assume não cumprir as regras de
higiene, sendo considerado porco, indesculpável e irresponsável.

3.) Identifique o recurso presente no verso «Que tenho enrolado os pés publicamente nos
tapetes das etiquetas» (v.8) e explicite o seu valor expressivo.
Resposta: O recurso expressivo é a metáfora, porque para além do sujeito lírico nos
confessar a sua incapacidade de se relacionar com os outros, este acaba por se
humilhar em público por não saber como agir.

4.) Aponte a razão por que, nos versos 12 e 13, é feita referência às criadas de hotel e aos
moços de fretes.
Resposta: Nos versos 12 e 13, as “criadas de hotel” e os “moços de fretes” desprezam
o sujeito poético invés de o tratarem com algum respeito e reverência.

5.) Explicite o significado dos versos «Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/ Que
confessasse não um pecado, mas uma infância; / Que contasse, não uma violência,
mas uma cobardia!» (vv. 22 a 24).
Resposta: Nestes versos, o sujeito poético encontrasse sozinho então, procura uma
companheira, isto é, alguém igual a ele, uma “voz humana” que se exponha tal como
ele faz, relatando todos os seus feitos e pontos fracos. Só assim poderia existir a
verdadeira intimidade.

6.) Relacione o título com o conteúdo do texto.


Resposta: No “Poema em linha reta” o autor é irónico e crítica aqueles que vivem
sempre em “linha reta”, ou seja, as pessoas serenas e as que não fogem as regras
morais. Para o sujeito poético a vida não pode ser representada por uma linha reta.
A vida é torta, é feita de altos e baixos, de erros e acertos, de imperfeições e de
contradições.

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