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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO


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CURSO
“A HISTÓRIA DO FEMINISMO”
COM PROFESSORA ANA CAMPAGNOLO

AULA 01 - SINOPSE

Quais foram as primeiras aparições de movimento de viés feminis-

ta e quais são as falsas narrativas que ouvimos a este respeito? Este

é o tema desta aula.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Ao final desta aula, espera-se que você saiba: qual o conceito

de feminismo; qual a diferença entre as discussões históricas a

respeito do sexo e a revolução sexual; o que são os dois discursos

do movimento feminista; por qual dos iluminismos o feminismo

foi influenciado; quem foi Marquês de Sade e qual sua importância

para a revolução sexual; quem foram os primeiros defensores do

feminismo; quais as semelhanças e quais as diferenças entre o

pensamento de Mary Wollstonecraft e o feminismo atual; como

houve o fim da primeira revolução sexual.

BONS ESTUDOS!
INTRODUÇÃO

Olá pessoal. Eu sou Ana Caroline Campagnolo. Eu sou deputada

estadual em Santa Catarina, eleita em 2018, e a única parlamentar con-

servadora do meu estado. Desde 2009, sou professora. Eu me formei em

2011. Eu sou graduada em História e pós-graduada em Literatura Portu-

guesa. Durante algum tempo, tentei fazer uma pesquisa sobre feminismo

e história das mulheres pelas vias tradicionais e acadêmicas. Eu cheguei

a me inscrever e ser aprovada em várias disciplinas, inclusive na banca de

qualificação do mestrado, em uma área de pesquisa de história do tempo

presente, em uma universidade pública em Santa Catarina. Contudo, por

imbróglios com a professora, acabei abandonando a vida universitária.

Resolvi, a partir de então, estudar história das mulheres e feminismo de

uma forma independente, pelos meus próprios caminhos, pesquisando a

bibliografia e lendo, de uma forma cronológica, essas obras. O resultado do

meu estudo foi o livro “Feminismo: Perversão e Subversão” (2019), publicado

pela Vide Editorial, famosa editora do professor Olavo. O livro é composto de

quatrocentas páginas, que são divididas em cinco capítulos, sobre a história

do movimento feminista desde 1790 até os dias de hoje. Nesse livro, abordo

todas as etapas e pautas do movimento feminista desde que surgiu, desde

educação até trabalho, direito, aborto, divórcio, ideologia de gênero. Neste

curso, manterei aproximadamente a mesma divisão de cinco capítulos pre-

sente no livros, ministrando os conteúdos sobre o feminismo também em

cinco aulas.

De uma forma resumida, nesta primeira aula vamos falar sobre os

precursores da revolução sexual e do feminismo. Eu vou explicar para vocês

por que o feminismo é a mesma coisa que a revolução sexual.

Na segunda aula, vamos falar sobre as questões de direito ao voto

e ao trabalho. Na terceira, continuaremos abordando os direitos civis, até

chegar nas pautas do aborto, do divórcio. E assim, sucessivamente, na

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quarta e quinta aulas, trataremos da ideologia de gênero, que é a pauta

mais recorrente e a última pauta do movimento feminista.

2. O QUE É O FEMINISMO?

Uma das principais dificuldades para começarmos a debater o movi-

mento feminista é conceituá-lo, ou seja, é definir o que é feminismo de uma

forma que seja satisfatório para todas as mulheres que se dizem feministas.

Se você discute com feministas na internet, provavelmente se deparou com

este problema: toda vez que você conversa com uma feminista, esta afirma

que aquele feminismo não é o dela. Ela declara: “Eu sou feminista, mas não

acredito nisso. Isso é femismo, não é feminismo. O meu feminismo não é

desse jeito”.

É verdade que existem vários tipos de feminismo. O feminismo lib-

ertário, o feminismo negro, o feminismo de direita, a cristã feminista - mul-

heres que se afirmam cristã e feministas, o que é um completo absurdo -,

feminismo marxista, entre outros. De fato, existem muitos tipos de femi-

nismo, mas, para podermos tratar desse assunto, precisamos definir pelo

menos um conceito mínimo, definir qual é a espinha dorsal do movimento.

É preciso definir qual é a coluna vertebral do movimento, pois não é possível

que este se metamorfoseei tantas vezes que não consigamos falar sobre

ele.

Dentre os vários livros que li, encontrei uma definição de 1979 bas-

tante satisfatória, a qual afirma que o movimento feminista pode ser enten-

dido por “aquelas pessoas que entendem que existe uma desigualdade

entre homens e mulheres e disso decorre a desvantagem das mulheres

mulheres e é preciso desfazer essa desvantagem através de políticas

públicas ou de ações diretas e afirmativas”. Resumidamente, de uma

forma genérica, este seria o ponto de vista do feminismo. Praticamente

todas as feministas acreditam nessa definição: que homens e mulheres

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não são iguais, que existe a desvantagem para as mulheres - que são e

sempre foram oprimidas - e que nós, como sociedade organizada políti-

ca-partidária, precisamos criar políticas públicas e intervir diretamente para

que tais vantagens diminuam. Este é o conceito mais básico do feminismo.

O algo em comum entre os vários movimentos feministas é essa ideia de

que a mulher é o sexo oprimido e está sempre em desvantagem.

No decorrer das aulas, veremos que, em volta desse pensamento,

gravitam ideias que são paralelas e acessórias, as quais não necessaria-

mente definem o movimento feminista.

3. REVOLUÇÃO SEXUAL

Ouvimos com bastante frequência que o movimento feminista

defende o direito da mulher de dirigir, o direito da mulher de trabalhar, o

direito da mulher de votar, e assim sucessivamente, como se isto fosse o

movimento feminista. Na verdade, isso não é. Por quê? A espinha dorsal

do movimento feminista é esta ideia de que a mulher é o sexo oprimido

e, politicamente falando, a revolução sexual. E não sou eu quem digo isso.

Poderíamos citar várias pensadoras feministas que abordaram esse tema.


Eu trouxe um livro que não deixa dúvidas disso, até mesmo pelo próprio

título: “Política Sexual” (1790), de Kate Millett.

Kate Millett é uma feminista clássica. Ela é uma das mães do femi-

nismo a partir das décadas de 1960 e 1970, do feminismo de segunda onda,

portanto. Em “Política Sexual”, Millett expõe várias queixas a respeito dos

caminhos tomados pelo movimento feminista ao conquistar direitos civis ou

ao ter conquistas no âmbito da cidadania, porque, para ela, isto não mudou

absolutamente nada na vida das pessoas e foi completamente inócuo, uma

vez que não houve uma verdadeira transformação nos costumes sociais e

sexuais. Isso significa que, para Kate Millett, uma das mães do movimento

feminista, o feminismo é a mesma coisa que revolução sexual. Não importa

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se vai haver voto ou não, se vai haver propriedade privada ou não, se as

mulheres vão ter o direito de dirigir ou não, desde que a revolução sexual

e a transmutação das relações humanas, das relações do casamento e da

família se modifiquem.

É preciso que isso fique absolutamente claro porque, a partir desse

ponto de vista, vamos entender o restante que será conversado nas aulas

seguintes.

Faz um bom tempo que esse livro de Kate Millett não é editado, mas

você pode encontrá-lo em sebos. É uma leitura que compensa, pois per-

mite que você tenha um panorama de qual é a real cabeça do movimento

feminista e o que esperam que este conquiste. Você vai perceber que não

é um objetivo cívico, um objetivo de conquista de cidadania ou igualdade

para homens e mulheres, mas sim a destruição de um status de casamento

e de família que sempre tivemos, o qual foi construído no Ocidente e há

muito existe.

4.1. O SURGIMENTO

Para adentrarmos nos precursores da revolução sexual e do movi-


mento feminista, teremos que nos transportar para a França, para a Inglat-

erra e para a América do Norte, por volta de 1750.

Em meados do século XVIII, começam a pipocar os primeiros grandes

pensadores da revolução sexual. A partir deste momento, quando falarmos

“feminismo” ou “revolução sexual”, estaremos falando da mesma coisa, por

isso essa introdução foi bastante importante. O sexo sempre foi um âmbito

muito polêmico da natureza humana. Quais as restrições do sexo, qual o

limite, como deve ou não ser feito, o que é digno e o que é indigno dentro

do sexo, o que deveria ser liberado e o que deveria ser crime são discussões

que permeiam a humanidade há muito tempo. O vício sexual, o pecado

sexual não é uma invenção do movimento feminista. Isso tem que ser dito,

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porque faremos algumas distinções.

O pecado ou, para quem é cristão e está assistindo à aula, as infrações

sexuais independem e são anteriores à qualquer ideologia, de esquerda

ou não. Essas fraquezas sexuais ou mesmo a libido natural do ser humano

podem ser usadas com algumas finalidades. Quando você pratica sexo para

atender a uma finalidade fisiológica, por puro prazer, você, que está tentando

convencer alguém a fazer sexo consigo com essa finalidade, provavelmente

está praticando um ato de sedução, podendo ser pecaminoso ou não. A

prática do sexo em si não é errada e tentar convencer o outro também

não é necessariamente errado. Quando você está obtendo uma vantagem

fisiológica do sexo, chamamos isso simplesmente de sedução. Por outro

lado, quando você está obtendo uma vantagem material, denominamos

isso de prostituição. Neste caso, não é necessário questionar se é certo ou

errado. Evidentemente, é algo errado, pois você está manipulando seja as

fraquezas seja a vontade sexual de alguém com fins materiais e financeiros.

Qual é a diferença dessas coisas, que podem ou não ser erradas, para

a revolução sexual? O que muda? Por que a revolução sexual não é somente

uma questão religiosa? Por que não se trata somente de pecado quando

falamos de revolução sexual? Porque, no caso da revolução sexual, o sexo

não é usado nem com finalidades fisiológicas, nem com finalidades finan-

ceiras. Na revolução sexual, o sexo é utilizado com finalidades políticas.

Na revolução sexual, todas as intenções, fraquezas, desejos humanos

relacionados ao sexo são dirigidos, coordenados ou até, às vezes, liber-

ados desde que gerem um resultado de controle.

Para entender melhor este tema, é preciso ler livros sobre globalismo.

Provavelmente, a Brasil Paralelo vai fazer aula sobre o globalismo1 também.

A revolução sexual apresenta uma ligação com isso: liberar o sexo, dar

impressão de um sexo liberal em troca de um controle político em outras

áreas. Tal situação foi retratada em algumas histórias bem clássicas.

1  Esse assunto foi abordado no debate “Globalismo: Bastidores do Mundo” entre Olavo de Carvalho e Paulo
Roberto de Almeida, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=CkgQhnApLow

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4.2. OS CASOS BÍBLICOS

Provavelmente, você já ouviu falar de Sansão e Dalila.

Sansão e Dalila (1630), Anthony van Dyck

A história de Sansão e Dalila se trata de um caso clássico em que

o sexo é utilizado com finalidades políticas. Sansão, sendo parte do povo

hebreu, estava ciente de que não poderia namorar com alguém de outro

povo, uma mulher pagão. Contudo, ele se rendeu à sedução e aos encantos

de uma mulher que não pertencia ao seu povo, a qual se chamava Dalila.

Como Dalila intentava ajudar a destruir o povo de Israel, usou o sexo e suas

artimanhas femininas para conseguir informações de Sansão. Dalila inclu-

sive conseguiu cortar o cabelo deste, deixando-o fraco. Com isso, Sansão

perdeu sua força e parou de ser um juiz poderoso na defesa de Israel, a

ponto de ser capturado e acabar morrendo enquanto estava preso. Esse é

um caso exemplar e simbólico de como o sexo pode ser usado com a final-

idade política, uma finalidade de controle ou de destruição política.

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Há um outro caso de que gosto muito, tanto que o escolhi para ser

a capa do meu livro. Trata-se da história de Salomé e João Batista. João

Batista acusou o rei de adultério por ter roubado a mulher do seu irmão. Por

causa de um casamento ilegítimo que havia contraído, ele acabou sendo

preso. Salomé, filha de Herodias, em uma festa organizada pelo rei, dançou

para este, utilizando seus atributos sexuais e sedutores. O rei então lhe

disse: “Se você dançar, eu lhe dou até metade do reino. Eu lhe dou qualquer

coisa que você quiser”. Vejam, a fragilidade sexual do rei fez com que colo-

casse nas mãos dessa mulher um poder política que ela não teria ou nunca

teve antes. Em troca de sua dança e sensualidade, Salomé pediu a cabeça

de João Batista. E aí chegamos na história que conhecemos, de que João

Batista perdeu a cabeça por causa da dança de Salomé.

Eu escolhi essa história bíblica porque acho que representa muito

bem uma analogia ao movimento feminista. Nós temos a primeira femi-

nista, que é a Salomé, pedindo a cabeça do primeiro homem cristão, que é

João Batista. Com base nessa história, entendemos no que consiste, afinal

de contas, o controle político através da revolução sexual.

As pessoas sempre têm essa ideia de que, se estiverem sexualmente

liberadas para fazer qualquer coisa - golden shower, sexo com animais,

sexo em grupo ou qualquer outro absurdo que você possa imaginar -, são

livres. Elas desenvolvem o seguinte raciocínio: “Se eu posso fazer tudo no

âmbito do sexo, eu sou livre. Se estou proibido de fazer algo no âmbito do

sexo, estou sendo oprimido.”. Como esse é um espaço do comportamento

humano muito sensível, as pessoas acham que a liberdade se resume a isso.

Assim, quando recebem a liberdade sexual, fecham os olhos para todos os

outros tipos de liberdade que podem estar perdendo: liberdade econômico,

religiosa, etc..

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4.3. SANTO AGOSTINHO

Se estamos tratando desse uso político,

não encontramos histórias simbólicas somente

na Bíblia. Já na Era Cristã, há o caso de Santo

Agostinho. Santo Agostinho escreveu sobre isso

em livros, nos quais compara os vícios, os desejos

humanos e a vontade divina.

Na Cidade de Deus, percebemos um lugar

onde o ego, as vontades, as fraquezas, os desejos

sexuais são controlados, para que Deus tenha

preferência. Na Cidade do Homem, é o contrário.

Agostinho de Hipona, O homem cresce o seu ego e a sua vontade e


Filósofo (354 - 430)
Deus é esquecido.

Portanto, essa questão entre sexo e controle político é bem antiga.

Entretanto, foi a partir de meados de 1789, durante o século XVIII, durante a

Revolução Francesa, que isso começou a ser teorizado e explanado de uma

forma explícita.

Veremos quais são que pensadores que falaram sobre isso e que

expuseram esse ponto de vista.

4.4. A ANTI-CRISTANDADE

Tendo em vista essa revolução sexual e o controle através do sexo ou

através da liberação do sexo, o movimento feminista é, desde o princípio,

também anti-cristão. Se é um movimento revolucionário sexual, é, também,

necessariamente, anti-cristão.

Muitas pessoas costumam afirmar que o movimento feminista era

bom no começo, quando era representado por mulheres modestas, cristãs

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e muito decentes e que somente depois surgiu o problema. Isso não é

verdade. Um dos primeiros livros feministas, escrito pela Cristina Pisano e

publicado em 1405, chama-se “A Cidade das Mul-

heres”.

Ainda no século XVI, o livro de Cristina era

uma sátira aos livros de Santo Agostinho, um

gigante excelente da literatura católica. Um dos

primeiros livros que começa a contestar a moral e

os direitos femininos ataca diretamente e satiriza

a obra de Santo Agostinho. Vemos esse fenômeno

se repetindo desde sempre, desde o início do

movimento feminista.

Há um outro livro muito bom que vocês Cristina de Pisano, Poetisa


(1364 - 1430)
podem estudar para entender essa gangorra

entre sexo e poder. É o livro “O Despertar do

Mundo Novo” (1937) de Aldous Huxley. Então, mencionamos alguns livros

que ajudam vocês a entender essa questão da disputa entre sexo e poder:

“Política Sexual” de Kate Millet, “O Despertar do Mundo Novo” de Aldous

Huxley e os livros de Santo Agostinho. Nesta primeira aula, também

usaremos como base o livro “Libido Dominandi” de Michael Jones. O livro é

bastante longo, mas ajuda a entender como o movimento feminista utiliza

o sexo como forma de poder.

4.5. OS DOIS DISCURSOS

O movimento feminista apresenta dois discursos. Um discurso

é aquele discurso que vende, o discurso para fora. Outro, é o discurso

interno.

O discurso vendido, que é muito falado hoje e está presente em todos

os lugares é o discurso de que o movimento feminista defende a libertação

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sexual. Finalmente, o movimento feminista admite qual é a sua pauta. É

uma pauta sexual, não é uma pauta jurídica, econômica ou de direitos civis.

É uma pauta sexual. O discurso vendido para fora é o discurso da liberação

sexual.

Por outro lado, o discurso exotérico, o discurso interno é o discurso

do controle através da falsa impressão de liberdade. Isso acontece, por

exemplo, quando o movimento feminista afirma que a mulher será livre do

marido ao trabalhar, enquanto que, imediatamente, só está substituindo a

submissão familiar pela submissão ao Estado, ao capitalismo, ao mercado

de trabalho, e assim sucessivamente.

Toda vez que você olha uma pauta feminista, saiba que apresenta

outras coisas por trás. Quando as feministas defendem, por exemplo, o

direito de trabalhar, não estão fazendo isso por entenderem que o trabalho

enobrece, mas sim por causas escusas, como afastar a mulher da família e

dos filhos. Percebam como essas questões são bem delicadas. Não existe

nenhum problema ou dilema moral em trabalhar. Não é errado trabalhar e

não é feminista trabalhar. No entanto, o discurso

que existe por trás, é um discurso feminista.

Chesterton, um dos conservadores que

mais combateu o movimento sufragistas nas

décadas de 1910 e 1920, escreveu em um de seus

livros, chamado “Essencial de Chesterton”, que

o problema do movimento feminista e das suas

pautas não era exatamente o que elas vendiam,

mas o que havia por trás.

G. K. Chesterton, Escritor (1874 - 1936)


Chesterton era contra o sufrágio feminino,

era contra o voto feminino não por ser contra o voto feminino, mas porque

as feministas que o defendiam afirmavam que a conquista do voto femi-

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nino era uma arma de destruição da família. Por isso, Chesterton não podia

defender essa pauta. O mesmo ele afirma acerca do socialismo: “Qual o

problema que os cristãos poderiam ter com a ideia de compartilhar ou de

partilhar as coisas e os bens que nós temos? Aparentemente, nenhum. O

problema é que, novamente, os ideólogos que defendem o socialismo o

fazem para destruir a família”.

Observamos isso se repetir na história do movimento femi-

nista. Este sempre apresenta uma pauta que parece simples, civil, jurídica,

econômica, a qual vem travestida, escondendo, na verdade, objetivos

escusos.

5. O SURGIMENTO

Nesta dubiedade de discursos, precisamos compreender como

começou o que hoje chamamos de movimento feminista.

5.1. OS ILUMINISMOS

O movimento iluminista exerceu uma influência muito poderosa

sobre o movimento feminista e sobre a revolução e, quem sabe, de uma


certa forma, ambos são a mesma coisa. É importante lembrar e reforçar

que quando os iluministas surgiram, tratava-se de teóricos homens. Os

primeiros defensores do iluminismo, da revolução sexual, das pautas

feministas são homens e não mulheres. Isso significa que este não é um

movimento legitimamente feminino. É um movimento que manobra mul-

heres, mas que não tem uma origem feminina.

No iluminismo, principalmente no início do século XVIII, houve pen-

sadores e teóricos homens defendendo o fim da ordem social cristã. Esses

homens defendiam que a religião, as igrejas cristãs em geral e, especifica-

mente, a Igreja Católica, não deveriam mais ser a régua ou o padrão para

medir as ações humanas e a organização da sociedade. Desde o princípios,

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estes foram pensadores anti-Igreja. Há um anticristianismo presente.

Portanto, é um movimento anticristão em essência e dele irão brotar as

primeiras sementes do movimento feminista, razão pela qual sempre vou

repetir: desde o começo, o movimento feminista é um movimento anti-

cristão. Ou seja, o movimento feminista não se tornou anticristão em 1960

ou em 1970.

A partir do Iluminismo, tem início uma guerra de ideias e cosmovisões.

O tradicional pensamento aristotélico passa a ser contestado por Newton,

Voltaire e Barão d’Holbach, o qual escreveu um livro chamado “Sistemas da

Natureza”. As pessoas progressivamente começaram a materializar tudo.

Para que você compreenda o que estava acontecendo, vou contar

uma anedota, uma metáfora bem tosca. Até o advento do Iluminismo,

imaginava-se que o vento balançava a folha das árvores. Ou seja, aquilo que

é transcendente, metafísico influenciava o mundo material. Aquilo que não

conseguimos ver, o vento, influenciava toda matéria. Então, o vento bal-

ançava a folha das árvores. Com o surgimento do Iluminismo, começa-se

a racionalizar tudo, a ciência ganha status de religião, como se fosse algo

sagrado e indiscutível, e, junto com isso, há o desprezo pelo que é tran-

scendente. De uma certa forma, é como se as pessoas pensassem que são

as árvores que balançam e, assim, fazem com que o vento surja. Há uma

mudança. Em vez de entender que o transcendente é o mais importante,

entende-se que a matéria é o mais importante. Basicamente, a partir desse

ponto de vista, compreende-se que somente a matéria importa. Por isso,

veremos depois que o movimento feminista se encaixa no materialis-

mo-histórico dialética e se dá também com o marxismo e com tudo que

é extremamente materialista e anti-metafísico. O namoro que existe entre

esses dois movimentos é muito antigo.

É importante mencionar que o Iluminismo se manifestou de duas

formas: uma de direita e outra de esquerda. Lembrando sempre que, tendo

em vista que o sistema vigente era o Antigo Regime, a monarquia, e os

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iluminismos se contrapunham a esta, ambos, devido ao contexto, eram rev-

olucionários. No modelo antigo, no modelo monárquico, não havia direita e

esquerda.

É possível salvar algumas coisas do movimento iluminista. A Rev-

olução Americana que conquistou a Independência dos Estados Unidos é

um movimento inspirado pelo iluminismo, embora não deixe de ser religioso.

A Revolução Americana não é antirreligiosa, nem anti-clerical. Tratava-se

de um movimento pela independência dos Estados Unidos. Os colonos, de

uma certa forma, entendiam que isso era um chamado divino, um chamado

religioso. Portanto, sob determinados aspectos, é uma revolução iluminista

e de direita. Não é uma revolução esquerdista ou totalmente ruim. É uma

revolução mais light e que respeita a religiosidade.

Em contrapartida, há a Revolução Francesa. Na Revolução Francesa,

a Igreja, a fé, tudo isso é descartado e desprezado ao máximo, como se fosse

o câncer da humanidade. Assim, todos os grandes revolucionários da França

eram anticlericais e já haviam abandonado a fé. Muitos eram antigos cal-

vinistas, protestantes, católicos, bispos, reverendos, que abandonaram tudo

isso para abraçar um movimento cético, ateísta, antideísta, etc..

Por que isso é importante? Porque o movimento feminista surgiu e

cresceu principalmente na França, não nos Estados Unidos. Igualmente,

é preciso levar em conta que as duas revoluções, a Revolução Americana e

a Revolução Francesa, aconteceram mais ou menos no mesmo período. A

Revolução Americana pela independência dos Estados Unidos data de 1776.

Um pouco depois, em 1789, acontece a Revolução Francesa. O feminismo e

o esquerdismo que conhecemos se originam na França. É importante per-

ceber qual é a influência e qual é a relação do iluminismo de esquerda, do

ateísmo, do ceticismo, da desconfiança com a religião, da inimizade com a

Igreja, com o movimento feminista.

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5.2. AS IRMANDADES

Passamos brevemente pelos Estados Unidos e pela França. Nós

também podemos mencionar a Alemanha, país em que começam a surgir

as primeiras lojas maçônicas e os illuminatis. Essas irmandades começam

a perceber o sexo e as fraquezas humanas como uma forma de controle

e começam a usá-los. O fundador da Ordem Illuminati, Adam Weishaupt,

tinha estudado em escolas de jesuítas.

Na Igreja Católica, existe a prática da

Confissão, na qual você conta para o padre seus

maiores medos, pecados e fracassos. O padre te

ouve e, de uma certa forma, liberta-te do fardo do

teu pecado, perdoa-te e ainda mantém tudo em

sigilo. Nesta época, no século XVIII, esse era um

processo conhecido por todos. Grupos de con-

trole psicológico, psíquico, político começam a

fazer uma paródia da confissão religiosa para criar

irmandades, nas quais as pessoas manipulavam

as fraquezas umas das outras, algo que pode ser


Adam Weishaupt, Filósofo observado na história dos Illuminati, uma espécie
(1748 - 1830)
de irmandade. Isso se estendeu por tanto tempo

que alcançou até Alfred Kinsey.

Alfred Kinsey é conhecido como o pai da

revolução sexual, mas, na verdade, ele já é ultrapas-

sado, surge com muito atraso. Conforme comen-

tamos antes, as pessoas têm essa impressão de que

a revolução sexual começou em 1960, com a pílula

anticoncepcional e o movimento hippie. Isso está

incorreto. A revolução sexual começou muito antes.


Alfred Kinsey, Biólogo
(1894 - 1956)

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Alfred Kinsey já usava esses métodos de espionagem psíquica semelhantes

a uma confissão adaptada a fim de controlar as pessoas. Caso vocês que-

iram ler um pouco sobre isso, recomendo o livro de T. C. Boyle, “O Círculo

Íntimo”, que é uma espécie de romantização e uma reconstrução do que

era o grupo de estudos do Alfred Kinsey. Kinsey realmente utilizava um

histórico psíquico e um catálogo sexual das pessoas que faziam parte do

seu grupo. Ele controlava as pessoas através do sexo. E essa literatura do T.

C. Boyle dá um panorama geral sobre isso.

Há uma revolução acontecendo nos Estados Unidos, outra na França

e o surgimento desses pensamentos de irmandades, lojas maçônicas e

Illuminatis, todos visando ao controle. É fundamental saber que nenhum

desses movimentos, nenhuma ideologia ou partido político surge essen-

cialmente para ajudar as pessoas. Esses grupos surgem para controlá-las. É

ilusão pensar que as pessoas criam movimentos de bom grado porque são

Anjos de luz querendo iluminar a humanidade. Sempre tentem identificar

e imaginar por que aqueles homens estão criando um grupo e qual a fina-

lidade deles. Por mais que possam trazer vantagens para as pessoas, esses

grupos organizados política e ideologicamente via de regra têm o objetivo

de controle. Controlar seus alunos, membros, asseclas, discípulos, seja lá o

que for.

6. OS TEÓRICOS

Visto o quadro geral da época, podemos focar nossa atenção na

França novamente, em que aconteciam os primeiros passos da Revolução

Francesa. Agora, vamos conversar sobre os grandes pensadores e teóricos

que deram início à revolução sexual em 1780, e daí em diante.

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6.1. O MARQUÊS DE SADE

Um nome muito importante para esta época é o Marquês de Sade.

Provavelmente, você já ouviu falar dele ou,

ao menos, ouviu a expressão “sadismo”. Cham-

amos de sádico uma pessoa má, que gosta de ver

o mal e prejudicar os outros. Aqueles que visitam

um site pornográfico a fim de assistir a imagens

de um sexo violento e brutal digitam, na barra de

pesquisa, “sadomasoquismo”, que é uma mistura

de prazer com violência. Marquês de Sade é um

pornógrafo que, em um período próxima à Rev-

olução Francesa, estava preso na Bastilha.


Marquês de Sade, Escritor
(1740 - 1814)

Lembrem-se que a

Revolução Francesa tem início

com a queda da Bastilha. Antes

do momento da derrubada,

Marquês de Sade já havia sido

transferido deste presídio, no

qual passou cerca de cinco

anos. Sade incitou a população

a derrubar a Bastilha, gritando

pela janela que os presos de


Queda da Bastilha (1789)
lá estavam sendo torturados.

Marquês de Sade foi preso no Antigo Regime e, posteriormente, foi preso

novamente. Ele era preso em qualquer regime ou organização política.

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Marquês de Sade é um dos pais do pensamento revolucionário

sexual e era um pornógrafo, um apologista da masturbação e um homem

extremamente misógino. Quero compartilhar com vocês algumas frases

que retirei do livro “Libido Dominandi”, que foram escritas por ele e tem

relação com seu trabalho:

“As mulheres não são nada mais que máquinas planejadas para

voluptuosidade, que só deve ser alvo da luxúria. São autoridades pouco

confiáveis, sempre que é preciso construir uma doutrina autêntica sobre

este tipo de prazer.”.

O trecho acima está no livro “Justine” de Sade.

Sade começou a escrever seus romances pornógrafos e obscenos, tal

como “Justine”, quando estava preso. Se você quiser dar um embrulho no

seu estômago e descobrir quanto Marquês de Sade era nojento, procure na

internet um filme chamado “120 dias de Sodoma”. Trata-se de uma adap-

tação para o cinema do livro de Sade com mesmo nome, o qual narra a

história de quatro pessoas que prendem 120 adolescentes e fazem todo tipo

de indecência que vocês possam imaginar. É um filme intragável, nojento,

mas, se você quiser ter uma ideia de como a cabeça do Marquês de Sade

era doentia, assista.

Sade começou a difundir a pornografia e a masturbação na França.

Seus livros e histórias começaram a ser lidos. Mais uma vez, notamos uma

grande diferença entre a Revolução Americana e a Revolução Francesa. De

uma certa forma, a Revolução Americana era uma revolução decente, feita

por pessoas decentes que queriam a independência e o direito de votar,

pessoas que queriam a autonomia da colônia. A Revolução Francesa, por

outro lado, é feita por pessoas violentas e é marcada por chacina, exter-

mínio, guerra, atitudes bárbaras, misturadas com a pornografia do Marquês

19
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
de Sade e outros pensadores.

Para mostrar que não estou inventando nada disso, eu trouxe alguns

livros de esquerdistas para vocês. Um deles, “Do Estado à Orgia - Ensaios

sobre o fim do mundo. Hobbes, Locke, Condillac, La Mettrie, Sade” (2016),

foi escrito por um acadêmico brasileiro chamado Francisco Verardi Bocca.

O livro trata de alguns pensadores dessa época, os quais já defendiam uma

bagunça total no sistema moral.

Marquês de Sade é um dos primeiros a defender que o casamento

é ruim, que a vida das pessoas deve ser uma suruba interminável e que o

sexo tem que ser livre. Essas pautas de amor livre e masturbação não foram

defendidas primeiramente por mulheres, mas sim por homens como Mar-

quês de Sade. Com base no livro de Francisco Bocca, fiz um resumo do

que Marquês de Sade defendia. Sade defendia: que as tensões eróticas

deviam ser totalmente liberdade, permitindo que as pessoas fizessem o

que tivessem vontade; que o vício devia ser incentivado e a virtude, não; que

as pessoas deviam ser indiferentes umas às outras ao se relacionarem - ou

seja, tratar o sexo com indiferença -; que a sensação era o mais importante

e não a racionalização, pois é mais importante ter prazer do que avaliar o

que você está fazendo. Ele defendia também: materialismo, masturbação,

dominação, consumo, aniquilação, exaustão, tudo isso ligado aos conceitos

de sexo. Se você quiser saber mais a respeito dessa confusão do Marquês

de Sade, eu indico “Do Estado à Orgia”, um livro que, aparentemente, foi

escrito por um esquerdista.

Ao mesmo tempo em que Sade incentiva a cultura francesa com

pornografia, a Revolução Francesa se estende e vai mostrando ser o total

contrário daquilo que prometia. A revolução prometia ser a voz do povo e

libertar este, mas foi um movimento extremamente violento e agressivo.

Tão violento e agressivo que, em determinado período, chegou a ganhar o

nome de governo do terror. O terror que Robespierre impetrou na França

após a Revolução Francesa foi tão grande que até mesmo o Marquês de

20
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Sade reconhecia isso. Eu trouxe um trecho de uma carta que Marquês

de Sade enviou aos seus amigos correligionários em que fala sobre o que

estava acontecendo na França. Sade escreveu o seguinte:

“Todos os padres refratários tiveram suas gargantas cortadas nas

igrejas, onde eram mantidos, dentre eles, o arcebispo Arles, o mais res-

peitável e virtuoso dos homens. Não há nada igual ao horror dos massacres

na França.”

Até mesmo Sade percebeu que a França, após a Revolução Fran-

cesa, havia tomado um caminho completamente absurdo. Entretanto, nem

por isso ele deixou de defender as suas pautas de amor livre e do fim da

monogamia. Seu desprezo pelas mulheres era tão grande, sua misoginia

era tal que fez, da sodomia (sexo anal), uma defesa política. Você provavel-

mente já ouviu ou viu isso nas ruas, em manifestações: a utilização do sexo

anal como uma pauta política. Existem até cartazes “Sexo anal contra o

capital”. As feministas de 2020 acham que estão inventando algo, mas o

Marquês de Sade já havia feito da sodomia uma espécie de pauta política, e

isso por causa do desprezo absoluto que nutria pelas mulheres. Ele era um

misógino de verdade. Portanto, não são os cristãos, os pastores, os homens

comuns brasileiros que são misóginos. Misógino é Marquês de Sade, um

dos fundadores da revolução sexual.

6.2. WILLIAM GODWIN

Enquanto isso acontecia na França, pensamentos revolucionários

começaram a chegar na Inglaterra, uma vez que os pensadores desse país

passaram a flertar com as ideias do movimento francês. Essas ideias fran-

cesas não se espalharam tanto pelo mundo naquela época, uma vez que os

Estados Unidos era essencialmente conservador e religioso, e a Inglaterra

também. Então, por mais que a Inglaterra defendesse mudanças políticas,

como aconteceu com Oliver Cromwell e com a Revolução Gloriosa, e os

21
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Estados Unidos também, com a Revolução Amer-

icana, eram revoluções praticamente políticas. Na

França, por outro lado, tratava-se de uma questão

política, social, sexual, antirreligiosa, uma mistura

de motivos.

Embora alguns pensadores ingleses de

fato tenham sido influenciados pelas ideias fran-

cesas, não prosperaram em defender isso dentro

da Inglaterra. Um desses pensadores era William

Godwin.
Oliver Cromwell, Líder Político
(1599 - 1658)

William Godwin é um dos pensadores da revolução sexual. Quero

frisar para que vocês prestem atenção: novamente, temos um homem. Não

falamos de mulheres ainda, porque ainda não apareceram aqui. William

Godwin era contra monogamia e contra o casamento, esse casamento

tradicional, católico, cristão, que conhecemos.

Vejam, os primeiros a levantar a ban-

deira do fim do casamento, do divórcio

facilitado, da liberdade sexual, não são as mul-

heres, são os homens. Até o momento, nós só

estamos falando de homens.

Talvez vocês já tenham ouvido falar do

William Godwin porque, além da literatura, era

um dos inimigos de Edmund Burke.

William Godwin, Jornalista


(1756 - 1836)

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
6.3. EDMUND BURKE

Edmund Burke é o pai do conservadorismo.

Há um livro dele chamado “Reflexões sobre a rev-

olução na França” (1790), no qual faz uma análise,

que vocês podem ler para entender o que foi a

revolução na França e qual foi a participação de

William Godwin e das feministas nesse processo.

A Revolução Francesa e a Revolução Americana

aconteceram quase que ao mesmo tempo e

Burke, embora conservador e monarquista, não foi

totalmente contra a independência dos Estados


Edmund Burke, Filósofo (1729 - 1797)
Unidos, porque entendeu que o rei e a monarquia

inglesa haviam sido injustos com os americanos em certos pontos. Ou seja,

Burke não era um cego reacionário que defendia o rei a toda custa, era um

homem muito lúcido e justo nos seus ponderamentos. Apesar de ter feito

elogios a muitos aspectos da Revolução Americana, era completamente

avesso à Revolução Francesa.

Por quê? Como é possível que Burke defendesse a Revolução Amer-

icana, mas não a Revolução Francesa, se ambas eram republicanas? Burke

defendeu a primeira, mas não a segunda, porque percebeu que, no caso da

França, não se tratava exatamente disso e começou a desmascarar o que

estava por trás da Revolução Francesa.

Nessa senda, conquistou alguns inimigos, tal como William Godwin,

um dos primeiros a defender o amor livre e o fim do casamento. William

Godwin também é famoso por ter sido o segundo marido da primeira fem-

inista, Mary Wollstonecraft.

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
6.4. A PRIMEIRA FEMINISTA

Mary Wollstonecraft escreveu um livro

chamado “Uma Reivindicação pelos Direitos

da Mulher”, publicado em 1792. Finalmente, já

estamos em 1790 e somente agora vamos falar de

uma mulher. Ainda assim, trata-se de um período

muito curto, porque Mary morreu em 1797. Mary

viveu muito pouco tempo e sua atuação fem-

inista sobre as ideias da França foi minúscula,

praticamente insignificante, principalmente se

comparada com todos os outros homens que


Mary Wollstonecraft, Escritora
(1759 - 1797) citamos, inclusive o próprio Godwin.

Mary Wollstonecraft é nossa primeira feminista. Os dois maridos que

teve defenderam as pautas de libertação sexual. Abordaremos isso logo

mais, mas, antes, vamos fazer uma pausa em absolutamente tudo para

falarmos um pouco desse livro, uma vez que a autora é a primeira feminista

e é o primeiro livro de uma mulher dessa época que mencionamos.

Mary Wollstonecraft escreveu “Uma Reivindicação pleos direitos da

mulher” como uma forma de contestar vários pensadores, inclusive ilumi-

nistas, por entender que estes ignoravam o problema das mulheres. Em

alguns pontos, Mary é igual às feministas de hoje e defendia pautas semel-

hantes. Em outros, é completamente diferente. Isso se explica pela própria

passagem do tempo, afinal, evidentemente, os tempos eram outros.

Há, por exemplo, uma crítica de Mary às mulheres e aos movimentos

femininos que é completamente incompatível com o movimento feminista

de hoje: Mary criticava mulheres que se comportavam como homens, as

quais chamava de mulheres masculinizadas. As feministas sequer gostam

deste termo, pois, para elas, não existe diferença entre comportamento

24
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
feminino e masculino. Mary também defendia a maternidade e, de uma

forma bem estranha, chegava a defender, em alguns pontos, a modéstia e

a castidade. Por quê? Porque Mary era uma inglesa, não uma francesa.

Talvez você já tenha ouvido o ditado de que o peixe apodrece pela

cabeça. Foi mais ou menos isso que aconteceu com Mary. Quando escreveu

o livro, Mary era, provavelmente, virgem. Apesar de contaminada pelo movi-

mento francês, muitas de suas ideias vinham da Inglaterra e alguns de seus

pensamentos e a forma de expor as pautas eram bem conservadores. Mary

tinha o pensamento, recorrente no Iluminismo, de que todos os problemas

da humanidade e os problemas morais dos homens e das mulheres pode-

riam ser solucionados com a razão, com o uso da razão, com a ciência, com

a educação. Esse é um pensamento iluminista que, podemos observar,

fracassou, dado que hoje as pessoas são super educadas e nem por isso

são moralmente superiores. Se bem que não são tão bem educadas assim

também, mas enfim… Mary também acreditava que as mulheres eram

privilegiadas, um conceito completamente diferente do defendido pelas

feministas de hoje. Atualmente, as feministas afirmam que as mulheres são

oprimidas o tempo todo, que ser mulher é péssimo, é horrível e que não há

nenhuma vantagem nisso. Mary Wollstonecraft não defendia isso.

A partir de agora, exporei alguns trechos do meu livro em que há

citação de outras obras para facilitar o entendimento, uma vez que, nessa

obra, tentei condensar a história do movimento feminista. Vamos abordar

esse pensamento da Mary. Como primeiro feminista, vivendo nos anos 1700,

Mary entendia que as mulheres eram socialmente privilegiadas. Vejam o

que ela escreveu:

“As mulheres às vezes se vangloriam de sua fraqueza, ganhando

poder de modo astuto ao jogar com a fraqueza dos homens. E elas

podem louvar sua influência ilícita, porque, como paxás turcos, têm

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
mais poder do que seus senhores, mas a virtude é sacrificada às sat-

isfações temporárias, e a respeitabilidade da vida, ao triunfo de uma

honra. As mulheres, como déspotas, talvez tenham agora mais poder do

que teriam se o mundo fosse governado por leis deduzidas do exercício

da razão.”.

Por que Mary achava isso? Ela reclamava que as mulheres da sua

época eram fúteis, que só pensavam em cabelo, moda, vestido sapato, que

só gostavam dessas futilidades, de fofoca e não se ocupavam de assuntos

sérios como a república, a filosofia ou o combate político. De uma certa

forma, Mary era uma mulher diferente das mulheres do seu tempo, assim

como toda mulher que mexe com política hoje em dia, porque, por mais

que muito tempo tenha passado, a maior parte das mulheres ainda não

gosta de política. Mary reclamava inúmeras vezes de que as mulheres

eram muito privilegiadas, pois, por exemplo, não precisavam trabalhar

tanto quanto os homens e mesmo assim recebiam as vantagens de ter o

que comer, de ter onde morar e etc.. Caso você queira compreender mais a

fundo, do ponto de vista da Mary, esse pensamento do que é ser privilegiada

em 1700, recomendo que você leia seu livro “Reivindicações dos direitos das

mulheres”.

Há um terceiro ponto no pensamento de Mary a ser abordado que não

é necessariamente um pensamento feminista. Mary contestava o duplo

padrão moral. Vocês também já devem ter ouvido alguém falar sobre isso,

mas de uma forma chula. As pessoas fazem os seguintes questionamentos:

“Por que um homem que vai para o carnaval e fica com todas as mulheres

é um garanhão e uma mulher que vai para o carnaval e fica com todos os

homens é uma vagabunda?”. O que essa frase quer dizer? Essa reclamação

significa o quê? As pessoas que colocam esse questionamento estão rec-

lamando do duplo padrão moral. Mesmo que nós não sejamos feministas

e que essa seja uma queixa feminista, é muito importante dizer que esse

26
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
duplo padrão moral não é um padrão cristão.

Por quê? Quando o movimento feminista ataca a moral burguesa,

acredita que esta e a moral cristã são exatamente a mesma coisa. Isso

não está correto. Mary reclamava disso e afirmava que os homens e mul-

heres tinham que ser julgados pelo mesmo padrão moral, tinham que ter

as mesmas virtudes. Ou seja, a objeção e a cobrança morais não deveria

ser diferente para homens e mulheres. O cristianismo prega basicamente

a mesma coisa. Se você ler a Bíblia inteira, não verá Deus dizendo que os

homens podem cometer mais pecados que as mulheres. Não existe isso. A

Bíblia fala sobre salvação individual e esta tem o mesmo preço para todos.

Para Salvação, é preciso mudança de vida, viver em virtude, abandonar os

vícios da carne, etc., e não há distinção na Salvação para homens e mul-

heres, pelo menos não no cristianismo. No Islã, há.

Portanto, essa queixa do movimento feminista não é uma queixa anti-

cristã, porque o cristianismo já prega a observação de um mesmo padrão

moral para ambos os sexos. Então, como se constitui um duplo padrão

moral, uma diferença na cobrança moral entre homens e mulheres? Isso

não aconteceu por causa do cristianismo, mas sim por causa da moral bur-

guesa. Isso aconteceu por causa das convenções sociais. Isso tem ligação

com sociedade e não com religião especificamente.

Assim, essa queixa da Mary Wollstonecraft não é necessariamente

uma queixa feminista, porque é o correto que homens e mulheres sejam

avaliados pelo mesmo padrão moral. A justificativa existente hoje social-

mente para as diferenças de avaliação entre o comportamento masculino

e feminino são biológicas, sociais. Por exemplo: por que uma mulher não

deve se dar ao desfrute tanto quanto um homem? Porque a consequência

biológica disso é mais grave para as mulheres. Se engravidar de alguém,

a mulher fica com um grande problema na sua vida. Por isso, deve se res-

27
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
guardar mais. Contudo, isso não está escrito na Bíblia, isso é uma convenção

social. As queixas de Mary neste sentido não eram necessariamente queixas

anticristãs.

Ao mesmo tempo que apresenta algumas características diferentes

do movimento feminista atual, Mary apresenta outras que são iguais. Isso

significa que ela é a mãe de alguns pensamentos do movimento feminista.

Agora, vamos abordar dois desses pensamentos, que são escrachados aqui

no livro. É evidente que, em cada página do livro da Mary que você lê, per-

cebe as primeiras sementinhas do movimento feminista. A primeira rec-

lamação que ela faz é perfeitamente compatível com o que o feminismo de

hoje acredita. Para Mary, homens e mulheres não são diferentes social-

mente, nem em questão de preferências e etc., a não ser por questões

culturais e históricas. Ou seja, é exatamente a mesma coisa que o movi-

mento feminista diz hoje. De acordo com essa concepção, se os homens e

mulheres fossem educados para serem iguais, seriam iguais. Se as meninas

gostam de bonecas e os meninos, de carrinhos, é devido a uma construção

social. Se homens e mulheres se comportam de formas diferentes é tudo

resultado de uma construção social. Neste ponto, o movimento feminista

começa a negar toda influência biológica, psicológica, hormonal, isso não

existe, tudo é uma construção cultural e por isso deve ser derrubada. Mary

Wollstonecraft também acreditava nisso.

No meu livro, abordei esse assunto. O trecho abaixo está presente na

página 71:

“Mary não suportava a futilidade feminina, ela acreditava que

se houvesse uma drástica mudança no que se exige das mulheres no

plano educacional, então nós poderíamos saber, com clareza, quais são

as tendências naturais da mulher e quais lhe são impostas.”.

28
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
O que Mary estava querendo dizer? Mary estava querendo dizer que

as mulheres só são fúteis e ficam o dia todo falando sobre cabelo e vestido

porque não receberam uma educação igual a dos homens. Na época da

Mary, não havia tantas pesquisas, mas, com o tempo, essa tese dela foi des-

bancada e eu vou mostrar um pouco disso para vocês.

Hoje, as mulheres têm um acesso completamente democrático

à internet, aos cursos nela disponíveis. Pensemos, por exemplo, na Brasil

Paralelo. A Brasil Paralelo é uma plataforma totalmente democrática. Não

há uma seleção entre homens e mulheres, negros ou brancos, gays ou

heteros, para se tornar membro. Qualquer pessoa pode assistir aos cursos

do Núcleo de Formação. Assim como na Brasil Paralelo, no Youtube, você

também encontra vídeos sobre praticamente qualquer assunto, desde

como fazer um ferro de passar roupas com uma garrafa PET até um tutorial

de maquiagem. Você encontra absolutamente tudo na internet. Mesmo

assim, com dinheiro, com a introdução no mercado de trabalho, com todos

os avanços e com toda democracia na educação que existe hoje, as mul-

heres continuam com as mesmas preferências. Elas assinam, assistem e

se inscrevem em canais de tutorial de maquiagem. Da mesma forma, os

homens continuam se inscrevendo em tutoriais de como reformar o carro e

investir na Bolsa de Valores. E como isso se construiu quanto mais o tempo

passou.

Então, o que acontece hoje? A tese da Mary Wollstonecraft foi total-

mente desbancada. Mary afirmou que se déssemos às mulheres acesso a

uma educação filosófica de alto nível, deixariam a maquiagem. Negativo.

Hoje, a mulher ganha quinze mil reais, é C.E.O. do Banco do Brasil e investe

dez mil reais do seu salário na própria beleza, no próprio corpo, em roupas,

sapatos e bolsas de marca. Ou seja, as preferências masculinas e femininas

se mostraram resistentes ao tempo, às mudanças sociais e até mesmo às

mudanças econômicas.

29
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Portanto, essa primeira tese da Mary de que as mulheres e os homens

seriam iguais se fossem educados de maneira igual foi desbancada, isso não

aconteceu. Apesar de tudo, o movimento feminista continua insistindo nessa

tese, dizendo que é preciso haver uma mudança maior, que houve poucas

mudanças. Não basta as escolas serem públicas, mistas e obrigatórias, isso

não está fazendo efeito. Agora, é preciso criar leis e ações afirmativas para

que as mulheres se pareçam mais com os homens como, por exemplo,

igualar, por via de lei, o salário da Marta, uma jogadora de futebol feminino,

com o salário do Neymar. Por quê? Porque se for por outras vias sociais,

isso não vai acontecer, pois as mulheres jamais vão contribuir e assistir

tanto futebol quanto os homens. Mesmo tendo percebido que com tantos

avanços, após séculos, as preferências continuaram existindo, as feministas

insistem que a mudança não é mais social e deve vir por força de lei.

No começo da aula, nós falamos sobre isso. O movimento feminista

acredita que há uma desigualdade, uma desvantagem entre homens e

mulheres, a qual deve ser destruída por força de mudanças políticas, sociais,

etc., impostas. Esse é um dos maiores problemas do movimento feminista:

o movimento não aceita a forma como a sociedade naturalmente se orga-

niza, porque, para elas, trata-se de uma organização cultural, construída

historicamente e que, por isso, não é natural.

Na verdade, é da natureza do ser humano construir tradições. Os

tigres, os leões, as lagartixas não constroem tradições, porque não é da

natureza deles. Por outro lado, é da natureza do ser humano experimentar

as coisas, manter aquelas que são boas e continuar as utilizando, fazendo

delas um modelo padrão. Por mais que algo seja uma construção cultural,

não significa necessariamente que é ruim, que é errado.

Por exemplo: é uma construção cultural comermos sentados em

uma cadeira, com os pratos sobre a mesa. Isso quer dizer que temos que

desconstruir essa forma de nos alimentarmos e começarmos a comer

debaixo da mesa, só porque comer sobre a mesa é uma convenção social?

30
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
É absurdo pensar que todas as convenções sociais são ruins. E esse é um

dos pensamentos da Mary.

Qual a relação deste com o feminismo de hoje? Esse pensamento

apresenta uma ligação intrínseca, muito forte, com a escola pública,

mista e obrigatória. Este primeiro ponto, de que homens e mulheres são

diferentes somente porque recebem uma educação diferente, é a primeira

etapa da ideologia de gênero e leva a uma segunda premissa, a premissa de

que a educação de todas as crianças deve ser pública, obrigatória e mista. A

segunda premissa é de que meninos e meninas precisam estudar juntos e

de que essa educação deve ser prestada pelo Estado e não pelos pais. Além

disso, que tal educação deve ser obrigatória, ou seja, que as pessoas devem

ser obrigadas a colocar seus filhos na escola para que aprendam o modelo

padrão moral ou de comportamento.

Essa é uma das grandes armas do movimento feminista: escola

pública como agente de transformação social. A escola deveria cumprir

a função de ensinar coisas úteis às pessoas, entretanto, há muito tempo, foi

entendida como agente de transformação social. Isso significa que as cri-

anças não devem ir para a escola para aprenderem matemática e português,

mas para aprenderem um forma de se comportar e de viver em sociedade,

uma forma determinada pelo Estado, pelas ideologias ou pelos partidos.

Quero mostrar para vocês mais um trecho do meu livro, presente na página

51, em que faço um resumo do ponto de vista da Mary com base nas duas

premissas em que acreditava - primeira premissa: homens e mulheres só

são diferentes por receberem educação diferente; segunda premissa: em

decorrência disso, a educação deve ser pública, obrigatória e mista -:

“A autora defende que a maneira ideal de igualar a opinião de todos,

conforme ditam os costumes da sociedade em que vivem, é colocar a edu-

cação das crianças sob o cuidado do serviço público.”

31
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Esse pensamento, escrito em 1790, de Mary

Wollstonecraft, uma mulher dita iluminista, até certo

ponto deísta, esclarecidíssima, que não era comunista

- dado que o comunismo nem sequer existia ainda - é

exatamente o mesmo pensamento de Alexandra Kol-

lontai, marxista fanática radical da União Soviética.

Ou seja, sequer existia marxismo quando Mary

Wollstonecraft escreveu seu livro, mas ela defendia

absolutamente a mesma ideia que Alexandra Kollontai


Alexandra Kollontai, Líder
veio a defender na União Soviética. Revolucionária (1872 - 1952)

Eu quero que vocês prestem muito atenção no próximo trecho que

vou compartilhar com vocês, a fim de identificar se não conhece alguém -

amiga, prima, vizinha - que pensa exatamente igual a Mary Wollstonecraft:

“Mary acreditava que as mães eram incapazes de dar uma boa

educação aos filhos por causa da limitação intelectual das mulheres.”

Em algum momento, você deve ter ouvido uma mulher objetar:

“Como eu não vou mandar meu filho para a escola? Essa alternativa não

existe, pois eu não sei ensinar meus filhos. Se acabarem as escolas no Brasil

será um absurdo, porque as mães não saberão o que ensinar para os seus

filhos.”.

Esse pensamento é muito absurdo, afinal de contas, as nossas mães

não passaram pela escola? Aprenderam o que então? Ficaram doze anos no

colégio e não aprenderam nada, a ponto de não serem capazes de ensinar

algo a seus filhos? Então a educação no Brasil foi um fracasso retumbante,

de forma que uma pessoa educada na nossa educação pública não pode

depois repassar esses conhecimentos aos seus próprios filhos? Que tipo de

educação é essa?

32
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
“Como iluminista confessa que era, Mary acreditava que a salvação da

humanidade aconteceria através da educação. Ela afirmou que os homens

e as mulheres da sua época eram incapazes de criar os próprios filhos, mas

parecia esquecer-se de que o Estado é composto por esses mesmos homens.

Em que se baseava para afirmar que os pais que trabalhavam para o Estado

eram mais aptos do que os pais que trabalhavam pelos seus próprios filhos

na educação dos mesmos? A idolatria da razão, característica deste período,

ajuda a entender este pensamento. Imaginavam eles que tanto o conheci-

mento quanto a virtude eram aprimorados pelos emprego do racionalismo,

o que colocava a devolução religiosa da família em descrédito diante do

que poderiam oferecer os pensadores iluministas.”.

Resumindo e traduzindo para o português mais fácil: como havia

uma contestação iluminista de que tudo que a família e a religião pre-

gavam era pior, baixo, inferior, os iluministas, que se consideravam ilumi-

nados, acreditavam que era o Estado que realmente tinha capacidade e

qualificação para dar às crianças do país inteiro a educação adequada.

Educação baseada sempre em quais princípios? Nos princípios que

convêm ao Estado e não mais à família.

Observamos sempre uma mistura e uma guerra constante entre

família e religião contra o Estado, a educação pública, o racionalismo, o

cientificismo. Obviamente, não estamos falando mal da ciência. É preciso

compreender que estamos falando de cientificismo, não de ciência.

Esses dois pensamentos da Mary Wollstonecraft, que são a

semente da ideologia de gênero e da escola pública moderna, são dois

conceitos que são difundidos e utilizados até a exaustão pelas femini-

stas. Tanto que o aumento do número de creches e o aumento do número

de horas que as crianças passam na escola parece uma questão vital para o

movimento feminista.

Por quê? Porque, assim como os marxistas, as feministas sempre

acreditaram que a escola serviria como agente de transformação social.

33
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Transformação social para levar ao quê? Levar à revolução sexual. Não é

para levar aos direitos civis, jurídicos, de propriedade privada, é para levar as

pessoas à revolução sexual. Isso significa uma mudança completa na forma

como as relações sexuais, as relações entre marido e mulher, a relação entre

pais e filhos, enfim, as relações convencionais se dão.

Quando escreveu esse livro, Mary ainda era uma pessoa inocente e,

provavelmente, virgem. Ela ainda não havia conhecido os homens. No seu

livro, Mary escreveu espécies de conselhos para as mulheres. Como tinha

uma fé muito absurdo no poder da razão, acreditava que qualquer pessoa

podia se autodeterminar a ser boa ou a ser virtuosa. É muito importante

pensar sobre isso. Pense em você mesmo. Quants coisas você faz de errado?

Quantos vícios e hábitos você tem, que gostaria de não ter, e os repete

novamente? Por quê isso acontece? Porque não adianta saber e pensar.

Às vezes, é preciso uma força maior. Chamamos isso de fé, Deus, milagre.

Mary Wollstonecraft, como todos os iluministas, ignorava essa dimensão da

vida e pensava que tudo se resolveria pela ciência ou pela razão. No seu

livro, Mary escreveu que as mulheres deveriam controlar suas paixões e

escolher homens melhores, viver um casamento decente e adequado, etc..

No entanto, quando foi a vez dela fazer isso, fez tudo ao contrário. Foi então

que Mary descobriu que a razão não dá conta dos dramas humanos, que é

preciso ter outros fatores.

De uma certa forma, Mary Wollstonecraft é a encarnação da Rev-

olução Francesa, é um exemplo da Revolução Francesa. Os revolucionários

que incentivaram a revolução se diziam defensores da razão e do pensa-

mento iluminista. Contudo, passados alguns anos, a Revolução Francesa se

mostrou um movimento visceral, carnal, chacinador. E o mesmo aconteceu

com a vida de Mary Wollstonecraft. Ela escreveu um livro dizendo às mul-

heres que deveriam se autocontrolar, se autogerir, ser virtuosas e racionais.

Depois, acabou se envolvendo com homens imorais. Vamos tocar neste

tema apenas para que vocês compreendam como Mary não conseguiu

34
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
aplicar sequer na sua própria vida o que defendia.

A primeira pessoa por quem Mary se apaixonou foi Gilbert Imlay.

Gilbert Imlay era um norte-americano que

viajava pelo mundo, um aventureiro defensor do

fim do casamento e do fim da monogamia. William

Godwin, segundo marido da Mary, e Marquês de

Sade também já defendiam isso. Se chegou a tocar

nesse assunto, Mary o fez muito tangencialmente.

Esse ódio e aversão ao casamento não surgiu nas

mulheres, surgiu nos homens. Foram eles os pri-

meiros a defenderem essa pauta. Por isso, quando


Gilbert Imlay, Executivo
(1754 - 1828)
hoje o movimento feminista afirma que casamento

é opressor e fala disso como se estivesse descobrindo

a roda, como se estivesse falando algo que é do interesse das mulheres, não

se engane, isso não é interesse das mulheres. As mulheres gostam de casar

e querem casar, vocês sabem disso. Vocês já viram quantas revistas de noiva

existem? Agora, já viram revista de noivo? Não existe, porque os homens só

casam porque acabam sendo convencidos. São as mulheres que, no fim,

têm o instinto de querer casar e formar uma família. Isso sempre foi assim.

Gilbert Imlay, primeiro marido da Mary, era um homem completa-

mente avesso ao casamento e defendia todo tipo de amor livre. Ele chegou

a publicar um livro chamado The Emigrants (1973), o qual acho que não está

publicado em português. O livro dele consistia numa espécie de tratado

de defesa do divórcio e da libidinagem generalizada. Basicamente, era isso

que ele defendia. Provavelmente, Imlay foi o primeiro homem com quem

Mary se relacionou sexualmente e ela acabou engravidando dele.

Não precisamos ser muito inteligentes para pensar: você é uma

mulher, supostamente filósofa, toda intelectual e inteligente. Você se rel-

aciona com um homem que é inimigo do casamento e engravida dele. O

35
E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
que vocês acham que Imlay fez? Ele fugiu. Qualquer pessoa racional pen-

saria isso, mas Mary, rainha da razão iluminista, não conseguiu prever isso.

Imlay abandonou Mary grávida. Ela acabou passando fome, frio até mesmo

durante a gestação. Depois de um tempo, ela descobriu que Imlay tinha

uma segunda mulher. Ou seja, além de não cuidar dela e não dar assistência

ao filho, ele se juntou com outra mulher. Isso era totalmente previsível,

afinal, Gilbert era a favor do divórcio, do amor livre e contra o casamento.

Enquanto estava nessa situação absurdamente terrível, Mary percebeu que

precisava de um marido, de um homem, para ajudá-la a sustentar a criança.

Afinal de contas, essa é a função do casamento. Acho que Mary, William

Godwin e Gilbert Imlay fizeram uma grande propaganda anticasamento

porque, primeiramente, não compreendiam o que era o casamento. Até

o momento em que passaram a viver isso na pele. Mary procurou Gilbert

e chegou a propor que este fosse marido das duas mulheres, pois queria

ajudar e suporte para criar a filha. Imlay, contudo, não quis. Diante disto,

Mary Wollstonecraft, a rainha da razão iluminista, tentou se suicidar no rio

Tâmisa. Ela acabou sobrevivendo, mas notem como essa proposta de casa-

mento livre, de divórcio, de descaso, de desapego, de libidinagem general-

izada afetou a própria vida da Mary. Mary, a primeira feminista, foi a primeira

vítima dessas ideias, não a primeira propagadora delas.

Depois, Mary reencontrou William Godwin, de que já falamos um

pouco. Godwin era um ex-pastor calvinista que abandonou o ministério,

depois, a fé e, depois, a Igreja, tornando-se um cético, um ateu convicto,

anti-Igreja e antirreligião. Novamente, Mary se envolve com um homem

anti-casamento. Ela foi conviver com ele e acabou engravidando. Antes

de prosseguirmos essa história, quero comentar outras informações sobre

quem era William Godwin.

William Godwin é um dos pais da revolução e exerceu muito mais

influência do que a própria Mary, a qual escreveu somente dois livro, “Uma

Reivindicação pelos direitos da mulher” e outro muito ruim sobre a revolução

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francesa. O primeiro deles demorou muito para ser resgatado e utilizado. Os

pensamentos que realmente valeram naquela época foram os dos homens.

Trouxe algumas frases que Godwin escreveu sobre casamento:

“A instituição do casamento é um sistema fraudulento.”

“Uma das motivações para a adoção da cosmovisão iluminista é a

erosão moral.” Ou seja, eles admitiam que o pensamento iluminista pre-

tendia destruir a moral convencional.

“O relacionamento promíscuo entre os sexos será uma das grandes

melhorias que resultarão da justiça política.”

Todas essas frases foram retiradas do livro de Godwin, “Justiça

Política”. Ele realmente era um homem anticasamento, até mais do que a

própria Mary. Dando continuidade à história dos dois, diferentemente de

Gilbert Imlay, que não gostava da Mary, William Godwin aparentemente

gostava muito dela. E gostava tanto e se apaixonou tanto que fez o quê? Ele

se casou com ela, que é o que os homens fazem quando gostam de uma

mulher. Os dois se casaram na Igreja. Eu quero compartilhar com vocês o

trecho do meu livro que aborda esse episódio totalmente contraditório na

vida da Mary:

“Mary contraiu matrimônio com William Godwin, que, aliás, também

é considerado um dos precursores do pensamento anarquista. Criticados e

questionados por suas reputações libertinas não condizerem com a ofici-

alização do casamento, os noivos se justificaram: o casamento foi o meio

legal que encontraram para proteger financeiramente tanto Mary quanto

o bebê que nasceria.”

Só que, foi para isto que criaram o casamento, para proteger a mulher

e a criança. Eles, que ficavam propagando para todos que casamento era

horrível, que o amor livre e a libidinagem generalizada que eram bons, que

o divórcio era uma bênção, ao vivenciaram a situação tradicional, casa-

ram-se. Quando questionados por que haviam se casado, dado que eram

abertamente inimigos do casamento, usaram a justificativa de que haviam

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se casado para proteger a criança. Sim, porque é para isso que serve o

casamento. Ou seja, “embora tenha atacado o casamento em um trabalho

filosófico que publicou, Godwin fez perfeito uso dele para o fim em razão do

qual foi essencialmente criado”, proteger a mulher. Finalmente, tudo que

disseram sobre como o casamento oprime a mulher caiu por terra quando

William Godwin casou-se com Mary justamente para protegê-la.

O casal Mary Wollstonecraft e Godwin

acaba muito cedo, porque, devido a complicações

no momento do parto, Mary faleceu. Sua filha,

Mary Godwin, ganhou o nome da mãe.

Uma vez que a Revolução Francesa ter-

minou por ser um fracasso retumbante, os

nomes que a defenderam, como Gilbert Imlay,

Mary Wollstonecraft e William Godwin, acabaram


Mary Godwin, Escritora (1797 - 1851) por cair em descrédito e ser odiados pelos ing-

leses. Quando a Revolução Francesa sucumbiu,

teve início o período napoleônico na França. A Inglaterra, por outro lado,

manteve muito do seu comportamento conservador e tradicional, assim,

ingleses como Mary e William passaram a ser desprezados, pois ninguém

os considerava intelectuais sérios, razão pelo qual o livro de Mary que men-

cionamos chegou a ser esquecido e desprezado por muito tempo.

7. OS REBENTOS

Depois do falecimento de Mary, William Godwin criou não apenas a

filha que tiveram juntos, como também a criança que Mary teve com Gil-

bert Imlay. Quando Mary estava na idade de contrair matrimônio, um rapaz

chamado Percy Bysshe Shelley entrou em contato William Godwin, que

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estava completamente esquecido nesse momento.

Shelley era um rapaz que estava atrás

de escritos iluministas. Lembram que, no início

da aula, comentamos sobre os illuminatis e os

maçônicos? Bem, Shelley era um pesquisador

e curioso do movimento illuminati e começou

a estudar isso. Além disso, era completamente

anti-cristianismo, anti-Igreja Católica e também

anti-casamento. Vejam que coincidência: na

história de que estamos tratando, da Revolução

Francesa e subjacências, todos que são anti-casa- Percy Bysshe Shelley, Poeta
(1792 - 1822)
mento são também anti-Igreja.

Percy Shelley procurava Godwin

declarando que é seu fã e que gosta muito dele. Como havia muito que

ninguém era fã de Godwin, pois este estava em completo descrédito, ele

resolveu fazer amizade com Percy. Depois de um tempo, Percy abandonou

sua mulher que, se não me engano, chamava-se Harriet.

Harriet acabou se suicidando depois,

inclusive, por causa do abandono e uma série de

problemas. Percy se casou com a Mary, filha do

William Godwin com Mary Wollstonecraft. Por

isso, hoje nós conhecemos a Mary, filha desse

casal, como Mary Shelley, escritora da obra “Fran-

kenstein” (1818). Com certeza, você conhece ou

já ouviu falar do Frankenstein. Existem muitas

especulações sobre como esse livro foi escrito.

Mary pode ter escrito uma história na qual a obra

mata o seu criador, em referência à sua própria


Harriet Westbrook, Autora (1795 - 1816)
vida, uma vez que, quando nasceu, matou a mãe.

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
O Doutor e o Frankenstein também podem ser

uma espécie de sátira da vida da sua mãe ou do

próprio Shelley, marido dela, que era um homem

completamente louco, ligado à revolução sexual.

De todas essas personalidades que falamos, a

Mary Shelley é provavelmente a mais famosa,

justamente por ter escrito “Frankenstein”.

Nesta relação entre Mary e Shelley, temos

mais um exemplo de um casamento totalmente

desfigurado pela revolução sexual. Mary e Shelley


Lord Byron, Poeta (1789 - 1824)
começaram a defender incesto, ménage, todo

tipo de coisa que hoje as feministas acham que estão revolucionando ao

citar. Se você quiser assistir a um filme sobre os rituais malucos que esse

casal fazia com outras pessoas, como Lord Byron e a Claire, que era meia

irmã deles, assista ao “Gótico”, de Ken Russell, que foi produzido em 1986.

Se você quiser outra opção, há um filme mais recente chamado “Mary

Shelley” (2017). Se você assistir a esses dois filmes, vai ter uma ideia de como

essas pessoas de quem estamos falando eram subversivas e sexualmente

depravadas.

Tudo que nós falamos até aqui, demonstrou que foram os homens

que defenderam a pauta e a luta anticasamento. Os homens é que queriam

se livrar da responsabilidade de cuidar das mulheres, porque o casamento

foi constituído com a finalidade de proteger a mulher e não de oprimi-la.

Eu quero compartilhar com vocês algumas frases do Shelley, das

obras dele:

“A conexão dos sexos deve ser mantida só enquanto contribui

para o conforto das parte e é naturalmente dissolvida.”.

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
Ou seja, se você não está gostando mais da sua mulher, você termina

com ela e pronto, que foi o que o Gilbert Imlay fez com a Mary Wollstone-

craft.

Shelley também escreveu o seguinte:

“A castidade é uma superstição monacal e evangélica. Seria difícil

conceber um sistema mais cuidadosamente hostil à felicidade humana

do que o casamento.”

Vejam a sucessão de homens que são inimigos do casamento. Só na

família da Mary Wollstonecraft há dois, o sogro e o genro, e as duas meninas,

de uma certa forma, vítimas desse processo. Com o passar do tempo, nos

últimos escritos da Mary Wollstonecraft, mãe da Mary Shelley, vemos que

aquela manda cartas, reclama do abandono do marido, diz que se sente

impotente, que as teorias que tinham sobre o casamento ser improdutivo

se desfizeram. Depois, quando lemos as cartas da filha dela, que é a Mary

Shelley, vemos-na amargurada e arrependida pela quantidade de maldade

que ambos, ela e o marido, e também seu pai e sua mãe, haviam feito às

pessoas. Percebe-se que foi uma vida bem conturbada e infeliz. E são essas

pessoas que querem ditar as regras da felicidade ou dizer o que é casa-

mento e o que é felicidade conjugal para nós hoje.

Resumindo todo esse período, observamos a quantidade absurda de

homens que defendem as pautas e que criaram as pautas que hoje as femi-

nistas arrotam por aí que são a libertação feminina. Na verdade, não. Foram

pautas sempre completamente masculinas, que convinham a interesses

masculinos.

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E-BOOK BP A HISTÓRIA DO FEMINISMO
8. O FIM DA REVOLUÇÃO SEXUAL

Para nos encaminharmos para o final da aula, vou compartilhar mais

um trecho do livro “Libido Dominandi”, que é muito recomendado para

você entender tudo que estamos conversando aqui.

“Quando Shelley [marido de Mary] morreu, a primeira revolução

sexual morreu com ele”.

Neste ponto, estamos encerrando a nossa primeira fase, que passou

por Marquês de Sade, inimigo de Burke, pai do conservadorismo, que

passou por William Godwin até chegar ao Percy Shelley. Essa fase está se

encerrando. A primeira etapa da revolução sexual está terminando.

“O que se seguiu foi o repúdio à revolução sexual, que se tornou con-

hecida como a Era Vitoriana.”

Vocês já devem ter assistido a esses filmes da Era Vitoriana, com

aqueles vestidos enormes, em que as pessoas eram proibidas de absolu-

tamente tudo, em que vigia uma moral muito burguesa constituída para

evitar exposição sexual, evitar obscenidades. Isso foi uma reação. Sabe

quando você vê algo muito absurdo e pega tanto nojo que fica mais radical

do que antes? Foi basicamente isso que aconteceu na Era Vitoriana. A Era

Vitoriana foi uma resposta à primeira revolução sexual que foi um fracasso,

um vexame, algo horrível.

“A viúva [Mary Shelley] dedicou o resto de sua vida a apagar os seus

experimentos sexuais da memória pública”.

Até ela sentia vergonha disso.

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“Shelley tornou-se, nas mãos de sua esposa, um anjo vitoriano e assim

permaneceu por 150 anos, até que a outra revolução sexual permitisse uma

interpretação diferente da sua vida.”.

Quando acaba a revolução sexual, no início dos anos 1800, um espírito

conservador começa a se espalhar por todo o mundo, uma reação, e demorou

mais cem anos para vermos o espírito da revolução sexual reaparecer. E

nesse intervalo, as pautas sexuais são um poquinho esquecidas, as pessoas

não ficam mais fissuradas em ménage, incesto, sexo grupal, e os demais

absurdos que os propagadores da revolução sexual defendiam, e começam

a focar em outras questões, como questões econômicos. É por isso que as

pessoas têm a impressão de que essa primeira onda do movimento fem-

inista era decente e não falava sobre sexo, aborto e divórcio. Isso é porque

os pensadores e os teóricos - novamente, sempre pensadores homens - vão

voltar os seus olhos para a organização social, política e economia. Na nossa

próxima aula, vamos ver que a primeira onda do movimento feminista

fala sobre direito à propriedade, direitos civis, direito da esposa ter acesso

à herança, direito de trabalhar, o direito de votar. São pautas que não são

extremamente sexuais. É por isso que as pessoas costumam espalhar esse

senso comum, de certa forma equivocado, de que o movimento feminista

é bom, porque, na cabeça dessas pessoas, o movimento feminista começou

na primeira onda, com a luta pelo sufrágio, com as mulheres querendo

votar e trabalhar. Não é isso. Nós estamos vendo agora que o movimento

feminista começa em 1789 com a primeira feminista que é a Mary Woll-

stonecraft, mesmo antes dessa expressão existir.

Estamos encerrando a nossa análise da primeira etapa do movi-

mento feminista no final do século XVIII, início do século XIX. O mais funda-

mental dessa primeira aula é compreender como o movimento feminista

surge ligados às questões de sexo: revolucionar o sexo, permitir incesto, per-

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mitir amor livre, permitir ménage. Essa é a pauta inicial do movimento. Deu

muito errado na sua primeira fase e por isso foi um pouco esquecido, mas

todo esse pensamento vai voltar, tanto que é um pensamento que temos

hoje, que as feministas levam para a internet, para o programa da Fátima

Bernardes, para novela, como se fosse uma revolução e uma invenção do

século XXI e não é, o movimento feminista sempre foi assim.

Relembrando: o objetivo da nossa aula era demonstrar que o mov-

imento feminista não é outra coisa senão uma revolução sexual. Se você

achou que as indicações de livro são excessivas para seu tempo de leitura,

vou deixar só dois para aprofundar no conteúdo da aula: o primeiro é o

“Política Sexual” da Kate Millett, e o “Libido Dominandi”.

Na próxima aula, falaremos sobre liberalismo, marxismo, direito de

trabalhar, direito de votar e tudo que aconteceu no movimento feminista a

partir dos anos 1850.

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