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MÚSICA E DESENVOLVIMENTO
DA MENTE
CONVERSA INICIAL
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comportamento muda de direção?”; e. “Por que o comportamento é
interrompido?”.
Eis como Reeve (2006) define “motivação”: um constructo psicológico
referente aos processos que fornecem energia e direção às realizações
humanas. De acordo com o autor, energia diz respeito à força, à intensidade e à
persistência nas ações, enquanto direção corresponde aos objetivos e
comportamentos orientados a metas. Portanto, o estudo da motivação aborda o
conjunto de fatores que desencadeia um comportamento, assegurando
continuidade e êxito na obtenção de resultados.
A literatura psicológica tem salientado a importância da compreensão dos
chamados “indicativos comportamentais de motivação”, com os seguintes
destaques: intencionalidade – considera que os indivíduos escolhem engajar-se
ou não em suas realizações; engajamento – aspecto referente à intensidade e à
qualidade emocional do envolvimento com determinada atividade; esforços –
relativos ao nível de empenho; persistência – grau de perseverança no
transcorrer do tempo; resiliência – capacidade de superação ou adaptação a
situações adversas. A resiliência trata da capacidade humana de sobrepujar
situações debilitantes. No cotidiano, pode ser observada em relatos “Determinada
pessoa apresentava muitas fragilidades enquanto músico; entretanto, superou-as
e, hoje, ocupa um posto de destaque neste meio”. Não se trata, contudo, de uma
abordagem pautada na meritocracia, mas no potencial humano para progredir em
meio às dificuldades.
No tocante aos estudos sobre música e motivação, Austin e colaboradores
(2006) explicam que, seguindo uma tendência da psicologia, as investigações
neste contexto alinham-se às mudanças paradigmáticas que defendem menor
ênfase nos aspectos biológicos e inatos e maior destaque aos fatores cognitivos
e socioambientais. Os teóricos desta corrente consideram a motivação um
processo mental e intencional, conferindo aos indivíduos um papel central em seu
desenvolvimento.
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Figura 1 – Tipos de fatores relacionados à motivação
Engajar-se em uma tarefa, mais do que iniciar e manter o curso das ações,
é encontrar prazer e satisfação pessoal nas realizações. A motivação está ligada,
portanto, ao sentimento de felicidade que determinadas experiências podem nos
proporcionar. Essas considerações estão associadas à teoria do fluxo, de autoria
do psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (1934), importante representante
da denominada “psicologia positiva”, corrente que, conforme Seligman e
Csikszentmihalyi (2000, citado por Boruchovitch et al., 2017), caracteriza-se pela
ênfase em felicidade, autorrealização, bem-estar, saúde psíquica e
desenvolvimento das potencialidades humanas, como a criatividade. Assim,
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distancia-se das visões psicológicas mais tradicionais, que atribuem demasiado
valor a disfunções e patológicas psicológicas.
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Você, certamente, já vivenciou o estado de fluxo em alguma ocasião em que
cumpria os requisitos dispostos acima. Praticando esporte, tocando um
instrumento, cantando ou dançando em diversos níveis de complexidade (sendo
um expert na área ou não) e diferentes contextos situacionais (na área acadêmica,
na escola ou na igreja), podemos vivenciar semelhante experiência
cognitivamente estimuladora e potencialmente motivacional. A dimensão
motivacional da experiência de fluxo consiste nos próprios elementos que
conduzem a esta experiência psíquica, qualificam positivamente o envolvimento
com a tarefa, associam-se a emoções positivas, como alegria e felicidade,
focalizam a energia psíquica, criam ordem na experiência realizada e, assim,
proporcionam desempenhos exitosos (Csikszentmihalyi, 2000, citado por Araújo,
2015) Em síntese: quanto mais se alcança o estado de fluxo em determinada
realização, mais provável é a recorrência da ação.
Saiba mais
“Flow - Estado de Fluxo - Mihaly Csikszentmihalyi” (TedX). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=BAljbVf-HXA>. Acesso em: 2 out. 2018.
Obs.: ative a função legenda nas configurações do vídeo.
1 “[...] a educação musical para crianças deve ser realizada de forma lúdica, a partir de uma série
de atividades musicais que, gradualmente, propiciem um contato mais amplo das crianças com a
linguagem musical, desenvolvendo as habilidades perceptivas para que elas se tornem cada vez
mais receptivas ao fenômeno sonoro, e também para que sejam capazes de reagir a estes
estímulos com respostas musicais” (Madalozzo; Costa, 2016, p. 2).
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instrumental ou vocal, mas a sensibilização das crianças aos fenômenos sonoro-
musicais. Evidências sugerem que as aulas de musicalização podem ser tão
motivadoras quanto as atividades de performance musical, considerando o papel
fundamental que a ação docente exerce no engajamento dos aprendizes em
semelhante contexto. Os resultados de investigações têm confirmado a relação
positiva entre os fatores que geram o fluxo e a motivação para aprender música.
Em suma, “quanto mais os elementos que proporcionam o estado de fluxo estão
presentes na prática musical das crianças, maior é a motivação dos mesmos para
aprender música” (Araújo; Campos; Banzoli, 2016, p. 51).
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A motivação extrínseca, ao contrário do que frequentemente se concebe
no senso comum, não é uma motivação negativa; quanto maior o nível
de internalização dos fatores externos (ou extrínsecos), como
integrantes da vontade do indivíduo, maior a capacidade de
autodeterminação.
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Pedro tem 12 anos e cursa o 8º ano do Ensino Fundamental II. Há alguns meses, teve
início em sua escola o projeto da fanfarra com instrumentos de sopro e percussão. Embora as
atividades sejam recentes, o sucesso do grupo é notório, tanto no ambiente escolar quanto
externo. A equipe tem realizado viagens para participar de torneios, além de representar a escola
em eventos esportivos e culturais da cidade. Pedro, que nunca havia manifestado interesse em
tocar um instrumento musical, sentiu-se instigado a participar da banda, não pela oportunidade de
tocar um instrumento e fazer música com os amigos, mas pelo prestígio que a filiação a este grupo
podia oferecer. Além disso, a oportunidade de viajar e conhecer novos lugares também chamou a
atenção de Pedro, que, apoiado pelos pais, decidiu integrar o grupo tocando trompete (instrumento
que escolheu arbitrariamente). Ao começar a frequentar os ensaios, Pedro surpreendeu-se com a
seriedade dos amigos que participavam do projeto, sempre concentrados, dedicados e
preocupados com os bons resultados musicais. Instigado, decidiu pesquisar mais sobre bandas e
fanfarras, coletando informações na internet e conversando com os colegas veteranos do grupo.
No estudo do trompete, Pedro encontrou desafios que o fizeram repensar sua escolha
instrumental e até mesmo a participação no grupo. Todavia, graças ao olhar atento do maestro,
foi convidado a integrar os “encontros de naipes”, uma espécie de reforço para os alunos novos
ou com dificuldades. Participando destes encontros, Pedro teve a oportunidade de aprender com
os trompetistas mais experientes da banda, o que favoreceu um salto qualitativo em poucas
semanas. Neste período, aprendeu a tocar boa parte do repertório do grupo, composto por
marchas cívicas e músicas populares incluindo o pop rock – seu estilo musical favorito. Agora, a
diversão com a galera, as viagens e a fama na cidade são apenas parte das razões para o
envolvimento de Pedro junto à fanfarra. Caso esses elementos não mais existissem, o prazer de
fazer música e aprimorar-se em seu instrumento seria mais que o suficiente para a continuidade
deste vínculo, que agora representa uma parte essencial da vida de Pedro.
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indubitavelmente alcançado. A partir deste ponto, o lócus de causalidade
na motivação de Pedro é interno e a motivação, inicialmente extrínseca,
equipara-se à intrínseca em termos qualitativos.
Saiba mais
“Motivação para prática musical no ensino superior: três possibilidades de
abordagens discursivas” (Araújo; Cavalcanti; Figueiredo, 2010). Disponível em:
<http://abemeducacaomusical.com.br/revista_abem/ed24/revista24_artigo4.pdf>.
Acesso em: 2 out. 2018.
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reflexão e colaborar para as realizações coletivas, destacando as próprias
contribuições e valorizando as demais. A (3) aprendizagem criativa, por seu
turno, é uma abordagem que contempla professores e alunos, abarcando diversas
variáveis relativas aos conceitos de “aprendizagem” e “criatividade”. Sabemos que
a aprendizagem envolve aquisição de novas informações, desenvolvimento de
habilidades, construção e aplicação de novos conhecimentos, o que atenua as
relações entre aprendizagem e criatividade, uma vez que “a própria ideia de
criatividade já está presente na ideia de aprendizagem, pois aprender é criar, é
criar conhecimento, é criar saber” (Patrício, 2001, p. 239).
Craft (2005) entende que os três termos [ensino criativo, ensino para
criatividade e aprendizagem criativa] podem ser vistos como diferentes
aspectos do mesmo processo, sendo necessário aprofundar a
compreensão sobre como eles se diferenciam e se relacionam nas
pesquisas sobre a criatividade na escola (Beineke, 2015, p. 43).
Saiba mais
“Ensino musical criativo em atividades de composição na escola básica” (Beineke,
2015). Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revist
aabem/index.php/revistaabem/article/view/531/441>. Acesso em: 2 out. 2018.
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Nesta ótica, “a criatividade exige que um conjunto de normas e práticas sejam transmitidas do
domínio ao indivíduo, que precisará produzir uma variação do conteúdo do domínio. Tal variação
precisa ser selecionada pelo campo para inclusão no domínio” (Csikszentmihalyi, 1997, citado por
Beineke, 2009, p. 34).
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da representatividade feminina e dos homossexuais. A despeito da postura
bastante subversiva para sua época, conquistou os prêmios mais cobiçados do
cenário pop e o respeito da mídia, dos demais artistas e, como os números de
venda indicam, de um público de proporções inéditas.
Conforme vimos, as contribuições de Csikszentimihalyi oferecem um rico
quadro conceitual a partir do qual podemos analisar fenômenos criativos em
diferentes níveis de complexidade. Observando este relato sucinto da carreira de
Madonna (uma figura considerada criativa), podemos observar a incidência das
três dimensões indicadas pelo modelo sistêmico de Csikszentimihalyi: a artista em
questão representa o indivíduo, cujas realizações foram mobilizadas com base
nos parâmetros do universo da música pop (domínio específico); o que nos
permite compreender Madonna como uma “personalidade criativa” é a aprovação
que o campo (sociedade) – especialistas, aficionados e consumidores de cultura
pop – atribuiu à personalidade em questão. Associando tais considerações ao fato
de que os feitos de Madonna inovaram e modificaram o domínio de maneira
marcante, podemos afirmar que estamos diante de uma personalidade criativa.
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3. Motivação intrínseca – não considerada como uma competência inata,
mas como um fator a ser desenvolvido (conforme sustenta a teoria da
autodeterminação).
5.1 Ambiente
5.2 Indivíduo
5.3 Processo
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músicos e/ou pesquisadores em música. Na próxima aula, trataremos de um
conceito-chave para os estudos sobre música e desenvolvimento da mente:
metacognição.
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REFERÊNCIAS
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BZUNECK, J. A. A motivação do aluno: aspectos introdutórios.
BORUCHOVITCH, E.; BZUNECK, J. A. (Orgs.). A motivação do aluno:
contribuições da psicologia contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 9-36.
DECI, E. L.; RYAN, R. M. The “what” and “why” of goal pursuits: human needs and
the self-determination of behavior. In: Psychological Inquiry, v. 11, 2000. p. 227-
268.
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