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Obesidade infantil e exercício

Sandra Mara F. Villares, 


Maurício Maltez Ribeiro
e Alexandre Galvão da Silva

Obesidade na infância está se


apresentando como uma 
epidemia global. Nas últimas décadas
duplicou a incidência da obesidade entre as
crianças e adolescentes. Nos Estados
Unidos aproximadamente 25% das crianças
entre 6 e 17 anos são obesas ou
apresentam risco de sobrepeso. A obesidade representa nos Estados Unidos a
doença nutricional mais prevalente entre crianças e adolescentes. Nas nações em
desenvolvimento, a obesidade coexiste com a desnutrição, provavelmente pela
modificação dos hábitos e estilo de vida, que se tornaram mais “americanizados”.
A obesidade infantil está associada a conseqüências negativas para a saúde da
criança e do adolescente, incluindo dislipidemias, inflamações crônicas, aumento da
tendência a coagulação sangüínea, disfunção endotelial, resistência a insulina,
diabetes tipo 2, hipertensão, complicações ortopédicas, alguns tipos de cânceres,
apnéia do sono, estatohepatite não alcoólica. Quadro psicológico conturbado, com
diminuição da auto- estima, depressão e distúrbio da auto-imagem, também está
associado à obesidade infantil. 

Como a criança obesa tem um maior risco de tornar-se um adulto obeso, poderá
haver conseqüências profundas na saúde publica nos próximos anos como
resultado das comorbidades associada à obesidade, como diabetes tipo 2, doenças
cardíacas isquêmicas e infarto. Quando 508 indivíduos do estudo Harvard Growth
Study, originalmente observados entre 1922 a 1935, foram reexaminados 55 anos
mais tarde, os pesquisadores demonstraram que os adolescentes obesos
apresentaram na idade adulta maior risco de múltiplos problemas de saúde que os
adolescentes que não eram obesos, independentemente do peso na idade adulta.
O Bogalusa Heart Study determinou a relação entre obesidade e o risco de doenças
cardiovasculares. Das 9.167 crianças na idade escolar de 5 a 17 anos que
participaram do estudo, 11% apresentavam obesidade; 58% das 813 crianças
obesas apresentavam pelo menos um risco cardiovascular adverso. Fatores de
risco incluíam níveis elevados de colesterol, elevação da pressão arterial e elevação
dos níveis de insulina de jejum. Entre adolescentes que faleceram de trauma, a
presença de fatores de risco das doenças cardiovasculares foi correlacionada com
doença coronariana aterosclerótica assintomática, e nos obesos as lesões
aterosclerótica estavam mais avançadas.

O diabetes mellitus tipo 2, que há alguns anos apresentava-se como entidade rara
entre adolescentes, agora é considerado em certas populações como a metade dos
novos casos de diabetes diagnosticados. O aumento do diabetes tipo 2 é atribuído
ao aumento da obesidade infantil.

Complicações respiratórias, como apnéia do sono, asma e intolerância aos


exercícios, são freqüentes em crianças obesas e podem limitar a prática de
atividade física e dificultar a perda de peso.

A obesidade parece ser condição familiar. Crianças com idade entre 3 e 10 anos
com pais obesos têm o dobro de chances de tornar-se adultos obesos quando
comparadas com crianças obesas cujos pais não são obesos. Crianças de 1 a 2
anos com um dos pais obeso expressa um aumento do risco de obesidade em
28% . O status de obesidade infantil após os 6 anos correlaciona-se com obesidade
na idade adulta; entretanto, a criança obesa antes dos 3 anos de idade não
predispõe à obesidade na fase adulta. 

O ambiente familiar influencia o desenvolvimento da obesidade na criança. Hábitos


de ingerir “fast-food”, modificações da composição dos alimentos com ingestão de
alimentos densos, ricos em gorduras, refrigerantes, porções de alimentos ricos em
açúcar com altos índices glicêmicos e aumento da porção das refeições são hábitos
da família que podem levar à obesidade infantil. Pesquisas demonstram também
que a inatividade da família prediz a inatividade da criança. A atividade física dos
pais influencia a freqüência de exercício dos seus filhos. 

Tratamento 

O tratamento da obesidade pode compreender três formas: comportamental,


farmacológica e cirúrgica. Devemos entender que o tratamento comportamental é
importante e deve acompanhar os outros métodos terapêuticos. Neste capítulo
daremos ênfase ao tratamento comportamental. A tentativa de mudanças nos
hábitos de vida das crianças obesas torna-se essencial, promovendo o estímulo
para a prática de exercício físico, assim como estimulando a criança a realizar
refeições mais saudáveis e bem equilibradas.
O tratamento da criança obesa não pode ser isolado da família. Programas de
tratamento de crianças obesas que incluem múltiplos membros da família têm mais
sucesso a longo prazo que programas que incluem somente a restrição alimentar
da criança obesa. O tratamento de crianças obesas através de mudança de
comportamento da família foi motivo de um estudo de seguimento por 10 anos. O
estudo utilizou orientação da dieta, programa de exercício físico e mudança de
comportamento. Os resultados indicaram que os efeitos positivos da terapia iniciada
entre as idades de 6 e 12 anos poderiam persistir no adulto jovem.  
Deve-se incluir na pratica diária das crianças e adolescentes obesos movimentos
espontâneos como brincar, correr, saltar, ir andando para a escola, etc. Iniciar uma
alimentação mais saudável e equilibrada e, se possível, adotar prática regular de
atividades físicas programadas. Assim, estabelecer um incentivo maior para a
aderência ao estilo de vida mais ativo, incluindo esporte e modelos competitivos
lúdicos.
A atividade física incentiva o compromisso da criança no controle alimentar e
propicia a melhora da alto-estima. Quando comparamos a aderência de um grupo
de 94 crianças obesas (IMC>95% para a idade) após cinco meses de tratamento
comportamental, observamos que apenas 29% destas crianças alcançaram o final
deste período. Destas, 30% pertenciam ao subgrupo de crianças que fizeram
controle alimentar, enquanto 70% faziam parte do subgrupo de crianças obesas que
fizeram, além da reeducação alimentar, o exercício físico programado (três vezes
por semana, uma hora por dia). Setenta e um por cento das crianças que iniciaram
o programa não aderiram ao tratamento comportamental. 

Aspectos gerais do exercício físico na criança

Poucos estudos são dedicados aos aspectos da atividade física na criança. Os


processos metodológicos para o esclarecimento das variáveis da aptidão física
relacionada a crianças e adolescentes são escassos e muitas vezes impreciso. 
Trabalhos recentes apontam que os meninos são mais ativos do que as meninas da
mesma faixa etária, assim como a raça branca possui capacidade cardiovascular
maior do que a raça negra da mesma idade. 

A capacidade física da criança é menor quando comparada à do adulto. 

Aspectos estruturais (anatômicos) e fisiológicos da criança reduzem sua capacidade


de realizar exercícios físicos muito intensos e duradouros quando comparadas aos
adultos. 
Estudos revelam menor capacidade cardiorrespiratória nas
crianças e/ou adolescentes, as quais apresentam menor
volume sistólico, menor débito cardíaco e menor capacidade
ventilatória quando comparadas aos adultos, limitando o seu
rendimento numa mesma carga de exercício físico. Além
desse aspecto estrutural e fisiológico, crianças apresentam
comportamentos metabólicos que atenuam a capacidade e o rendimento durante a
prática de exercício, com diminuição em vias metabólicas para obtenção de energia
rápida (via glicolítica) acarretada por uma menor concentração e menor atividade
enzimática (fosfofrutoquinase – PFK). 
Para avaliar a capacidade cardiorrespiratória máxima em crianças e adolescentes,
os métodos não diferem daqueles utilizados em indivíduos adultos, sendo comum
usar testes de carga progressiva modificada a cada minuto até que se atinja a
exaustão, realizado em esteira rolante e/ou cicloergômetro. A avaliação metabólica
e respiratória é realizada por meio da ergoespirometria, a qual correlaciona a fração
inspirada de oxigênio e a fração expirada de dióxido de carbono, determinando a
razão de troca respiratória (RQ) e suas variáveis ventilatórias (VEVO2 e VEVCO2),
sendo observado o plateau na variável consumo de oxigênio mesmo com
incrementos de cargas (teste máximo).

As crianças, de um modo geral, apresentam uma menor acidose metabólica, ou


seja, menor formação de ácido lático como produto do metabolismo mais intenso.
Além desse aspecto, a criança possui um tamponamento menos eficaz dessa
acidose, tanto metabólico quando respiratório. Na criança obesa esses
comprometimentos parecem ser mais evidenciados, com o pico da formação de
ácido lático podendo ser atingido mais precocemente, quando comparada a
crianças magras.

Criança magra e criança obesa

A composição corporal da criança pode explicar algumas das diferenças


anatômicas e fisiológicas encontradas entre crianças obesas e crianças magras.
Foi demonstrado que crianças obesas apresentavam funções do ventrículo
esquerdo desfavoráveis concomitante a maiores índices de massa ventricular.
Crianças obesas apresentam um comprometimento da vasodilatação, que é
endotélio-dependente, quando comparadas a crianças magras. Além dessa
observação, ficou evidenciada a existência da correlação positiva entre o nível de
atividade física e a maior dilatação arterial. Nesse estudo os autores bloqueavam a
circulação da arterial femural superficial por um período de cinco minutos,
observando posteriormente através do ecocardiógrafo a dilatação apresentada. 
Em nosso laboratório (dados não publicados), quando testamos a resposta
vasodilatadora frente ao exercício isométrico a 30% da contração voluntária máxima
(CVM), as crianças obesas (IMC >95%) apresentaram valores atenuados quando
comparadas a crianças magras da mesma idade (menor condutância vascular). Ou
seja, as crianças com obesidade apresentam menor resposta e menor reatividade
vascular.

Nível da atividade física

Alguns aspectos fisiológicos são bastante relevantes quando comparamos crianças


magras com crianças obesas. A capacidade física e o perfil metabólico são fatores
a ressaltar.

Quando foi comparada a resposta cardiorrespiratória ao esforço físico na esteira


ergométrica de 20 crianças obesas contra 10 crianças magras, constatou-se que as
crianças com sobrepeso apresentavam capacidades físicas atenuadas. Dados do
nosso ambulatório confirmam essas respostas e indicam que crianças e
adolescentes obesos apresentam capacidade cardiorrespiratória inferior à dos não
obesos. 
A falta de atividade física atenua a capacidade física em pacientes com sobrepeso
quando comparados a crianças magras da mesma idade. Porém, ainda é bastante
controverso se a inatividade física é conseqüência da obesidade. O grau de
condicionamento cardiovascular estava diretamente proporcional ao aumento de
massa magra (livre de gordura) e inversamente proporcional ao aumento de massa
gorda.
Durante os testes máximos o que nós observamos normalmente é uma menor
capacidade de realizar exercícios físicos mais intensos, ou seja, geralmente os
indivíduos obesos atingem cargas menores de exercícios, além de uma enorme
dificuldade em atingir o consumo máximo de oxigênio. Nesses indivíduos a
exaustão é atingida antes de se estabelecer o momento crítico para determinar o
consumo máximo de oxigênio (determinado pelo platô de consumo de oxigênio).
Além desses aspectos relacionados ao máximo de capacidade funcional, alguns
fatores metabólicos e respiratórios dificultam a análise desses exames no que se
refere à determinação dos limiares ventilatórios. 
A dificuldade para a análise dos limites da formação da acidose e mudança das vias
metabólicas durante o exercício progressivo máximo, ou limiares ventilatórios, são
acarretados justamente por esses processos metabólicos alterados, gerando
ajustes ventilatórios adversos e irregulares que interagem e não possibilitam uma
determinação tão precisa. 

Cento e quarenta crianças obesas foram avaliadas no Laboratório de


Ergoespirometria da Unidade de Reabilitação Cardiovascular e Fisiologia do
Exercício do Instituto do Coração do HC –FMUSP. Aproximadamente 70% das
crianças não atingiram ou não foi possível determinar o segundo limiar ventilatório
(ponto de descompensação respiratória, PDR), sendo que na esteira rolante a
dificuldade é ainda maior quando comparada ao cicloergômetro. 

Efeito do treinamento físico

Composição corporal

A dieta isolada propicia, sem dúvida, um balanço energético negativo para o


controle de peso quando comparada ao exercício físico isolado, visto que a criança
pode estar reduzindo sua ingestão calórica em 1.000 kcal (por exemplo) durante as
vinte e quatro horas do dia, mas ficaria muito difícil essa mesma criança aumentar
seu gasto energético com atividade física em 1.000 kcal por dia. Portanto, a curto
prazo a restrição calórica favorece a perda de peso.

Entretanto, indivíduos que realizam dieta por um período prolongado diminuem o


metabolismo de repouso, e há perda de massa magra, podendo assim “estacionar”
seu peso e até mesmo voltar a engordar.

Em relação ao exercício e/ou treinamento físico, estudos demonstram que o gasto


energético diário está aumentado nas crianças exercitadas mesmo após o período
de exercício, e assim podemos inferir que o treinamento físico poderia alterar o
metabolismo de repouso das crianças durante as vinte e quatro horas do dia. 
Portanto, associar a restrição calórica ao treinamento físico regular parece ser um
bom preditor para o controle do peso corporal e principalmente da sua composição
referente a uma diminuição da quantidade de gordura corporal. 
Em relação à intensidade de exercício não existe consenso na literatura sobre qual
intensidade seria a ideal para a criança obesa realizar. Porém, baseado nas nossas
observações e nos dados apresentados na literatura, alguns aspectos físicos,
fisiológicos e psicológicos precisam ser considerados: a criança obesa apresenta
uma baixa capacidade cardiorrespiratória; muitas vezes menor habilidade motora
(menor eficiência mecânica); problemas osteomusculares e articulares; menor
estímulo para realizar exercícios, além de aspectos metabólicos que comprometem
a realização de exercícios muito intensos (via glicolítica).
Assim, podemos sugerir que crianças obesas realizem atividades leves e/ou
moderadas, as quais propiciam vias metabólicas oxidativas e conseqüentemente
utilização da gordura como predominância de substrato energético, podendo, com
isso, aumentar o tempo de realização das sessões de exercício. 
Portanto, a prática regular de atividade física pode interferir positivamente no
balanço energético, como também prevenir e tratar o quadro de fatores de risco
associados à obesidade.

Prescrição de exercício físico

Prescrever exercício físico para criança é sempre mais difícil. O princípio


fundamental para a prática de exercício físico na criança está diretamente
relacionado ao prazer e ao bem-estar.

Não podemos imaginar uma criança praticando exercício três vezes por semana,
uma hora por dia, no cicloergômetro ou mesmo numa esteira rolante. Pensar em
atividade física para crianças e/ou adolescente é pensar em criatividade. É saber
conduzir e estimular a criança para fazer exercícios através de movimentos lúdicos,
tais como: andar, correr, saltar, pular, subir, descer, rolar, nadar, etc.... Porém,
sempre conduzir o esforço com intensidades realmente eficientes.
Contudo, antes de iniciar um programa específico para perda de peso numa criança
obesa, deve-se fazer uma avaliação prévia da capacidade funcional desses
pacientes, seja por uma avaliação apenas cardiovascular (teste ergométrico), seja
por uma avaliação da capacidade cardiorrespiratória (teste ergoespirométrico). Pois,
é a partir destes dados que a prescrição passa a ter uma individualidade e uma
segurança maior.

A determinação da capacidade física máxima e dos limiares ventilatórios (através


da ergoespirometria) estabelece os valores das intensidades do treino para cada
criança, a qual será sempre medida pela relação com freqüência cardíaca (FC), ou
seja, é seguido o mesmo princípio do treinamento estipulado para os adultos, com a
FC relacionada no momento do limiar anaeróbio (LA) e a FC relacionada no
momento do ponto de descompensação respiratória (PDR), sendo estes os limites
inferiores e superiores do treinamento, respectivamente. Porém, as crianças obesas
apresentam dificuldades em alcançar ou mesmo de ser determinado o ponto de
descompensação respiratória. Assim, devemos definir o limite superior de
intensidade de treino o valor de 10% da freqüência cardíaca alcançado no limiar
anaeróbio. Esses limites estão diretamente relacionadas a 50% e 70% da reserva
de freqüência cardíaca. FC treino = (FC máxima - FC repouso) X (0,5 ou 0,7) + (FC
rep), podendo ser calculada para prescrição de exercício em crianças submetidas
apenas ao teste de esforço (teste ergométrico).

Nossa experiência revela que o treinamento realizado três dias por semana é
suficiente para auxiliar na perda do peso corporal em crianças obesas. Após cinco
meses de intervenção do treinamento físico associado ao controle alimentar, as
crianças obesas perderam em média 9 kg, refletindo uma perda de
aproximadamente 10% do peso corporal total do início do programa. 
Portanto, podemos concluir que o ideal para as crianças com sobrepeso é realizar o
programa de treinamento físico no mínimo três vezes por semana, variando sempre
o estilo das aulas e preservando o princípio da intensidade do esforço. 
Após cinco meses de intervenção com o treinamento físico através da variação
entre o LA e o PDR, as crianças aumentaram aproximadamente 20% da
capacidade cardiorrespiratória.

Em suma, sugerimos que a criança obesa tenha um programa regular de exercício


físico, visando a perda e o controle de peso, sendo que, para cada sessão de aula
seja, utilizado um período mínimo de uma hora por dia de treino, dividida da
seguinte forma: trinta minutos de parte específica aeróbia, com exercícios cíclicos
envolvendo grandes grupos musculares, tais como andar, correr, nadar, etc., e os
últimos trinta minutos dedicados a brincadeiras e pequenos jogos lúdicos, variando
a sua intensidade.

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