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3. TREFILAÇÃO

A trefilação é definida como aquela operação em que a matéria-prima é puxada


contra uma matriz – denominada fieira ou trefila, em forma de funil por meio de uma força de
tração aplicada do lado de saída da matriz. Assim, o escoamento do material se dá através das
forças compressivas provenientes da reação da matriz sobre o material, sendo portanto
considerado um processo de compressão indireta.
Historicamente, esta técnica começou a ser utilizada na fabricação de fios de metais
preciosos empregados na ourivesaria, na produção de jóias, adornos, etc. Atualmente, este
processo é largamente utilizado para fabricação de condutores elétricos de cobre ou alumínio,
cabos e arames de aço, molas, pregos, parafusos, etc. Apesar disso, o conhecimento técnico
do processo e a modelagem física/matemática é relativamente recente.
A trefilação normalmente é realizada a frio seguida de tratamentos térmicos, e
que apresenta as seguintes vantagens sobre os demais processos de conformação:
i) O material pode ser tracionado e reduzido em seção transversal mais do que com
qualquer outro processo, resultando numa superfície cilíndrica limpa e polida;
ii) A precisão dimensional é maior do que qualquer outro processo, exceto na
laminação a frio – a qual não é aplicável à fabricação de arames, barras ou tubos;
iii) O processo influi nas propriedades mecânicas do material, permitindo (em
combinação com um tratamento térmico adequado) a obtenção de uma gama de
propriedades mecânicas a partir de uma mesma composição química de material.

Logo, uma simples barra trefilada pode ter suas características mecânicas e
dimensionais melhoradas pelo processo de trefilação, tornando-a mais adequada para
estruturas sujeitas a esforços de fadiga, altas tensões, etc. Além disso, é possível obter produtos
contínuos de grande comprimento com excelente controle dimensional.
Na Tab. 3.1 é apresentada uma classificação de alguns produtos comumente
obtidos por trefilação.

Tab. 3.1 – Classificação dos produtos comuns fabricados por trefilação.


Tipo de material Diâmetros
Barras 25mm < Ø
Grossos: 5mm < Ø ≤ 25mm
Comuns Médios: 1,6mm < Ø ≤ 5mm
Arames
Finos: 0,7mm < Ø ≤ 1,6mm
Especiais Ø < 0,02mm
Tubos Diversos diâmetros
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3.1 MAQUINÁRIO UTILIZADO NA TREFILAÇÃO

O material a ser trefilado é chamado de fio-máquina (ou tubo, se apresentar centro


vazado). Este deve ser apontado (usinado ou conformado diminuindo sua seção) para facilitar a
passagem pela fieira e ser preso por garras (ou olhal) de tração, que vão puxar o material para
que ao final do processo este adquira o diâmetro desejado.
A fieira ou trefila, representada na Fig. 3.1a), é o dispositivo básico da trefilação,
por onde o material passa visando a redução de seu diâmetro. A geometria da fieira é dividida
em quatro zonas distintas, que são: 1) zona (cone) de entrada; 2) zona (cone) de redução ou
trabalho; 3) zona de acabamento ou cilindro de calibração; 4) zona (cone) de saída.
A zona (cone) de entrada possui ângulo maior que o ângulo de trefilação
propriamente dito, visando facilitar a lubrificação e, conseqüentemente, a entrada do material da
fieira (ou trefila). Em muitos casos esta zona possui raio de concordância visando facilitar ainda
mais a entrada do material.
Na zona (cone) de redução ou trabalho é que se dá o escoamento do material e,
consequentemente, sua deformação. É nessa região onde se encontra o ângulo de trefilação “α”.
O cilindro de calibração ou zona de acabamento serve para ajustar o diâmetro
final do fio conforme especificação, já o cone de saída, permite a saída livre do produto.
Na confecção das fieiras utilizam-se aços indeformáveis para o trabalho a frio (ao
Ni – Cr – Mo) ou aços indeformáveis para o trabalho a quente ( ao Ni – Cr – Mo – V – Co –
W, os últimos três elementos conferem resistência a quente), carbetos e pós de óxidos metálicos
sinterizados, diamante (natural monocristal ou sintético policristal, p/ fios finos ou ligas de
elevada dureza). Outros materiais geralmente utilizados na fabricação das fieiras são: metal duro,
aços de alto C revestidos de Cr (cromagem dura), ferro fundido branco, cerâmicos, etc. Além
disso, são realizados tratamentos termo-mecânicos conforme às exigências do processo e do
material a ser trefilado.

a) b)

Fig. 3.1 – Maquinário para trefilação. a) Fieira (ou trefila). b) Trefiladora de bancada.
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Os equipamentos utilizados no processo de trefilação podem ser classificados em


dois grupos básicos:
– Trefiladoras de bancada: representada na Fig. 3.1b), utilizadas para produção de
componentes não bobináveis, como barras e tubos, possuindo um carro de estiramento destinado
a tracionar o material, e cujo deslocamento se dá através de cabos de aço ou correntes;
– Trefiladoras de tambor: representadas nas Fig. 3.2 a 3.4, e utilizadas para produção de
componentes bobináveis, ou seja, arames. As trefiladoras de tambor ainda podem ser
classificadas em três grandes grupos, a saber: simples (1 só tambor), para arames grossos;
duplas, para arames médios; e múltiplas (ou contínuas), para arames médios e finos.

Fig. 3.2 – Máquina simples de trefilação com tambor vertical.

Fig. 3.3 – Máquina dupla para trefilação.

Fig. 3.4 – Máquina de trefilar múltipla ou contínua (ou em tandem).


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3.2 ETAPAS DO PROCESSO DE TREFILAÇÃO

A trefilação propriamente dita é precedida por várias etapas que visam preparar
o material, eliminando as impurezas superficiais através de meios físicos e químicos. As
principais etapas são esquematizadas na Fig. 3.5 e detalhadas a seguir.

Fio-máquina Lubrificação
Neutralização
ou tubo (ou ensaboamento)

Decapagem Fosfatização Trefilação

Fig. 3.5 – Etapas para preparação da matéria-prima antes da trefilação.

O fio-máquina ou tubo, ao iniciar o processo, deve passar por um processo de


decapagem através da ação de elementos mecânicos (ex.: escovamento) e químicos – com a
aplicação de ácidos (ex.: HCl, H2SO4, etc.), visando a eliminação de óxidos e camadas de
impurezas existente na superfície do material. Na sequência, é realizada a neutralização em
água corrente visando retirar qualquer resquício ácido que tenha ficado do processo anterior.
Posteriormente, a superfície do material é sujeita à fosfatização (em geral, com fosfato de zinco)
visando preparar a superfície (c/ rugosidade adequada) ao processo de lubrificação (ou
ensaboamento), etapa esta que antecede o processo de trefilação pela fieira.

3.3 TREFILAÇÃO DE TUBOS

A trefilação de tubos, ver Fig. 3.6, visa obter: melhor acabamento superficial, melhor
tolerância dimensional, redução de espessura da parede e/ou obtenção de formas irregulares de
tubos. Sendo necessário, em geral, a utilização um punção (suporte) na cavidade interna do tubo,
denominado mandril ou bucha (plug).
É importante destacar que a trefilação não é utilizada para fabricar os tubos, mas
sim, transformá-los, melhorando seu acabamento, sua precisão dimensional e geométrica e,
principalmente, aumentando a resistência mecânica destes produtos. Portanto, um tubo sem
costura calibrado por trefilação pode ser empregado em equipamentos hidráulicos e/ou
tubulações submetidas à alta pressão, brocas de perfuração, eixos cardãs, tubos para canhões, etc.
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Fig. 3.6 – Processo de trefilação de tubos.

3.4 LUBRIFICAÇÃO (OU ENSABOAMENTO)

A lubrificação no processo de trefilação possui grande importância, pois atrito


elevado acarreta maiores esforços, compromete a durabilidade das fieiras e possibilita menor
redução possível por passe, exigindo mais passes para uma mesma redução, entre outros
problemas. Enquanto que menor atrito o processo é realizado mais facilmente, exigindo
menores esforços e passes para a mesma redução, além de favorecer a vida útil das fieiras.
Os lubrificantes empregados no processo de trefilação, são:
a) Sebo, óleos, graxas, óleos clorados ou hidrogenados;
b) Óleos solúveis (muito usado na trefilação de barras e tubos);
c) Sabões à base de sódio e lítio (em pó muito usados na trefilação de arames);
d) Grafite em pó ou bissulfeto de molibdênio (MoS2 );
f) Outros metais como Pb, Cu, Al, Sn, etc.;
g) Sais fundidos (solúveis em água quente para remoção posterior), etc.

Eventualmente, antes da trefilação, o material pode ser recoberto com partículas de


Cu, Sn, Pb, Al, etc. no que se denomina processo de trefilação a seco (s/ lubrificação líquida).
Vale ressaltar que, caso a lubrificação não seja realizada corretamente e/ou a força de
tração não seja a ideal, ou ainda, que o material não se comporte da maneira prevista devido a
sua anisotropia – intrínseca ao processo, surgirão alguns defeitos comuns ao processo de
trefilação, devido aos limites previstos para este processo.

3.5 DEFEITOS E LIMITES DA TREFILAÇÃO

Os principais defeitos encontrados no processo de trefilação são listados a seguir, e


representados nas Fig. 3.7 e 3.8
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a) Diâmetro irregular ou escalonado: causado por partículas duras que ficam retidas na fieira
e, posteriormente, se desprendem. Porém, enquanto estão aderidas na fieira causam diferentes
diâmetros e irregularidades superficiais (escamas) no material deformado;
b) Fratura taça-cone: apresenta a formação de cones devido a redução pequena de material e ao
ângulo de fieira muito grande, com acentuada deformação da parte central (estricção);
c) Fratura com risco lateral ao redor da marca de inclusão: causada por partícula dura
inclusa no fio inicial, proveniente de processos anteriores;
d) Fratura com trinca aberta em duas partes: causada por trincas oriundas de processos
anteriores à trefilação, que se propagam ao longo do material, dividindo-o em duas partes;
e) Falha central em “v” (Chevron ou chapéu chinês): causadas pela variação na deformação
do material ao longo de sua seção, já que na superfície há grande deformação se comparado ao
núcleo do material. Este defeito é de difícil verificação, ocorrendo, em geral, fratura visível
somente quando o material é colocado em uso, situação que logicamente deve ser evitada.

Fig. 3.7 – Principais defeitos encontrados na trefilação.

Fig. 3.8 – Defeito tipo falha central (Chevron). a) Esquema físico. b) Defeito em peça real.
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Vale ressaltar que na trefilação há mais deformação nas camadas superficiais do


material do que naquelas ao centro da seção, devido ao escoamento do material junto à zona
(cone) de redução ou trabalho. Portanto, há melhor distribuição de deformação plástica em toda a
seção se forem realizadas menores deformações e em maior número de passes.
Neste sentido, um dos fatores determinantes para o sucesso da trefilação são as
tensões de serviço, que quando forem maiores que a tensão média de escoamento, junto a zona
de trabalho, resultará em deformação localizada fora da fieira acarretando fratura e
comprometimento do processo. Assim, e visando evitar futuros defeitos deve-se considerar o
grau de esforço do processo “Ge”, dado pela equação 3.1, que consiste na relação entre a
tensão na saída da fieira “  1 ” e a tensão média de escoamento “  e ”, considerando a entrada

e a saída do material.
1 (3.1)
Ge 
e

Onde, a prática industrial mostra que se Ge > 1 tem-se fratura na saída da fieira,
comprometendo a trefilação. Se 0,75 < Ge ≤ 1 ocorrerão defeitos internos como as falhas
centrais (Chevron). No entanto, se Ge ≤ 0,75 as condições de trefilação são boas, e espera-se
ausência de falhas.
Por sua vez, a máxima redução por passe na trefilação a frio está limitada à máxima
deformação possível por encruamento “  Amáx ”, além da qual o material se rompe de maneira

frágil, necessitando portanto tratamentos intermediários de recozimento para recobrar a maciez e


garantir continuidade das reduções. E, considerando o grau de esforço ideal (Ge=0,75)
juntamente com a Equação de Sachs para a obtenção da força de trefilação, é possível obter a
máxima deformação possível por passe, conforme equação 3.2. Nesta equação é utilizado o
fator de atrito coulombiano “µ”.

 
 
1  0,75  1
 Amáx  ln 1    cot g  (3.2)
.(cot g )   1  tg
1  
   .(cot g )  

Observa-se que as duas condições devem ser satisfeitas, ou seja, o material trefilado
não pode romper por excesso de deformação e nem por excesso de tensões de serviço.
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3.6 OTIMIZAÇÃO DO PROCESSO E ESTIMATIVA DE FORÇA

Na Fig. 3.9, pode-se observar a influência das diversas parcelas que compõe a
energia (ou trabalho) total de trefilação “Wt”, sendo: “Wa” o trabalho de atrito que diminui
com o ângulo da ferramenta, “Wr” o trabalho redundante que não é gasto na redução de área,
mas é uma espécie de energia de distorção secundária que aumenta com o ângulo de fieira, e
“Wpl” o trabalho de deformação que é uniforme durante o processo.

Fig. 3.9 – Gráfico do trabalho conforme o ângulo de trefilação.

O ângulo ótimo de trefilação “αot” é aquele que produz os menores esforços e gasta
a menor energia para realizar a trefilação, sendo obtido através da equação 3.3.

 A  A1 
 ot  0,87.. 0  , em radianos (3.3)
 A1 

Também é possível encontrar tabelas – como a Tab. 3.2, com os ângulos


recomendáveis de deformação conforme o material a deformar e a redução por passe (ou
etapa).

Tab. 3.2 – Ângulos recomendáveis de trefilação conforme o material e a redução por passe.
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3.7 ESTIMATIVA DE FORÇA

Na estimativa de força para a trefilação deve ser considerado, além dos parâmetros já
citados (grau de esforço e deformação máxima), as condições de atrito e o material a ser
conformado – arame ou tubo. Nesse sentido, tem-se que:
Para condições ideais sem atrito, a força estimada à trefilação é obtida através da
equação 3.4.
F  A1.( e ). A (3.4)

Sendo que, a deformação em área “ A ” para arames consiste em

 A( arame)  ln( A0 / A1 ) , e considerando a deformação de tubos, que apresenta raios iniciais tanto

externo e interno (Re e Ri, respectivamente) maiores que aqueles depois da trefilação (re e ri),
2 2 2 2
logo tem-se  A( tubo)  ln( Re  Ri / re  ri ) .

Para condições reais com atrito, a força estimada à trefilação é obtida através da
equação 3.5 para arames, e da equação 3.6 para tubos.

 .(cot g )
 1    A1  
F( arame)  A1 .( e ).1  .1     (3.5)
 .(cot g )    A0  
B
 1    A1  
F(tubo)  A1 .( e ).1  .1     (3.6)
 B    A0  

Sendo que para tubos o parâmetro B, é obtido conforme o tipo de mandril ou bucha
utilizados, e através das equações 3.7 apresentadas.

(3.7)

Onde:
µ1 = coeficiente de atrito coulombiano entre a fieira e o tubo;
µ2 = coeficiente de atrito coulombiano entre o tubo e o mandril ou bucha;
α = ângulo da fieira (ou trefila);
β = ângulo do mandril ou bucha (p/ mandril passante cilíndrico β=0);

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