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Tradução de Antônio d'Ávila. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1954 [1897], p.75-84, cap.
12.
Creio que:
Toda educação procede pela participação do indivíduo na consciência social da raça. Este
processo começa inconscientemente quase desde o nascimento; está continuamente formando as
capacidades do indivíduo, saturando sua consciência, formando seus hábitos, educando suas ideias e
despertando seus sentimentos e emoções. Mediante esta educação inconsciente chega o indivíduo
gradualmente a participar dos recursos intelectuais e morais que a humanidade logrou acumular. Ele
se converte assim em herdeiro do capital formado pela civilização. A educação mais formal e
técnica do mundo não pode afastar-se com segurança deste processo geral. Unicamente pode
organizá-lo ou diferenciá-lo em alguma direção particular.
A única educação verdadeira se realiza estimulando a capacidade da criança pelas exigências
das situações sociais em que se encontra. Mediante estas exigências é estimulada para como
membro de uma comunidade, a emergir de sua estreiteza original de ação e de sentimento e a
considerar ela mesma sob o ponto de vista do bem estar do grupo a que pertence. Mediante as
reações dos demais a suas próprias atividades chega a conhecer o que estas significam em termos
sociais. O valor que elas tem se reflete nele. Por exemplo, mediante as reações aos balbucios
instintivos da criança esta chega a conhecer o que esses balbucios significam; estes se transformam
em linguagem articulada e assim a criança é introduzida na riqueza acumulada de ideias e emoções
que se acham concentradas na linguagem.
Este processo educativo tem dois aspectos: um psicológico e outro social, e nenhum deles
pode subordinar-se ao outro ou descuidar-se, sem produzir más consequências. Destes dois
aspectos, o psicológico é o básico. Os instintos e capacidades da criança proporcionam o material
[76] e constituem o ponto de partida de toda a educação; exceto quando os esforços do educador se
relacionam com alguma atividade que a criança realiza por iniciativa própria, independente do
educador, a educação se reduz a uma pressão exercida de fora. Esta pode, certamente, dar alguns
resultados externos, porém não se pode chamar verdadeiramente educativa, sem um conhecimento
da estrutura psicológica e das atividades do indivíduo; o processo educativo será portanto ocasional
e arbitrário. Se acerta coincidir com a atividade da criança pode chegar a resultado; se não,
produzir-se-á uma fricção, desintegração ou detenção da natureza da criança.
O conhecimento das condições sociais, do estado atual da civilização, é necessário para
poder interpretar adequadamente as capacidades da criança. A criança tem tendências e instintos
próprios; mas não sabe o que significam até que possamos traduzi-los em seus equivalentes sociais.
Temos que fazê-los retroagir a um passado social e considerá-los como herança de anteriores
atividades raciais. Teremos também que projetá-los no futuro para compreender seu resultado e sua
finalidade. No exemplo anteriormente usado, a capacidade para ver nos balbucios da criança a
promessa e a potência de futura inter-relação e conversação é o que permite tratar devidamente esse
instinto.
Os aspectos psicológico e social estão relacionados organicamente, e a educação não pode
ser considerada como um compromisso entre ambos ou como uma superposição de um sobre o
1 Os números entre [] são correspondentes a paginação da edição da Companhia Editora Nacional.
outro. Dizem-nos que a definição psicológica da educação é estéril e formal; que nos dá somente a
ideia de desenvolvimento de todas as capacidades mentais sem proporcionar-nos ideia do uso a que
se hão de destinar essas capacidades. Por outro lado, aduz-se que a definição social da educação,
considerando-a como adaptação à civilização, faz dela um processo forçado e externo que tem
como resultado a subordinação ou liberdade do indivíduo a um estado social e político
preconcebido.
Cada uma destas objeções é verdadeira quando se apresenta cada aspecto separado do outro.
Para saber o que realmente é uma capacidade devemos conhecer qual é sua finalidade, uso ou
função, e isto não podemos sabê-lo senão no caso de conceber o indivíduo como ser ativo nas
relações sociais. Porém, por outro lado, a única adequação possível que podemos dar à criança, nas
condições existentes, é a que aparece ao pô-la em plena posse de todas as capacidades. Com o
advento da democracia e das condições industriais modernas é impossível predizer de modo
definitivo o que será a civilização dentro de vinte anos. Portanto, é impossível preparar a criança
para uma série precisa de condições. Prepará-la para a vida ulterior significa proporcionar-lhe o [77]
domínio de si mesma; significa educá-la de sorte que tenha o pleno e rápido uso de todas as suas
capacidades; que seus olhos, ouvidos e mãos possam ser instrumentos prontos ao mandato; que seu
juízo possa ser capaz de apreender as condições nas quais há de trabalhar, e que suas forças de
execução sejam preparadas para agir econômica e eficientemente. É impossível alcançar esta
espécie de adequação não tendo constantemente em conta as capacidades, gostos e interesses
próprios do indivíduo, quer dizer, se não se traduz a educação continuamente em termos
psicológicos.
Em suma, creio que o indivíduo que há de ser educado é um indivíduo social e que a
sociedade é uma união orgânica de indivíduos. Se eliminarmos da criança o fator social, ficamos só
com uma abstração; se eliminarmos da sociedade o fator individual ficamos apenas com uma massa
inerte e morta. A educação, portanto, deve começar com um conhecimento psicológico das
capacidades, interesses e hábitos da criança. Há de ser controlada em cada ponto com referência às
mesmas considerações. Esses poderes, interesses e hábitos devem ser constantemente interpretados;
devemos saber o que significam. Hão de ser traduzidos em seus equivalentes sociais, ao que são
capazes no sentido do serviço social.
Creio que:
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