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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
CURSO DE DIREITO

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E HUMOR: INCIDÊNCIA, LIMITES E


POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CAIO MENDES DA SILVA

NOVA FRIBURGO
2018
CAIO MENDES DA SILVA

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E HUMOR: INCIDÊNCIA, LIMITES E


POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Artigo apresentado ao Curso de Direito da


Universidade Estácio de Sá, como
requisito parcial para aprovação na
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso
e obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Marcos Vicente


Pereira da Silva.

NOVA FRIBURGO
2018
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO E HUMOR: INCIDÊNCIA, LIMITES E POSIÇÃO DO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Caio Mendes da Silva 1

RESUMO

A presente pesquisa destacou a importância do estudo da garantia à liberdade de


expressão no humor, seu conceito, desdobramentos, bem como, origens históricas e
influências no âmbito da atividade de comédia. Foi possível constatar os entrelaces
entre a norma e o humor, tal como, a evolução histórica e função deste fenômeno na
sociedade, e assim também, os limites jurídicos envolvidos nesta relação, se
demonstrando sucintamente a visão da classe de humoristas sobre o tema. Além
disso, abordou o entendimento da lei brasileira e do Supremo Tribunal Federal acerca
das liberdades incidentes no humor e como tem aplicado a referida instância por
analogia a liberdade de expressão concedida à imprensa no discurso emanado pela
atividade de expressão humorística. Trata-se de pesquisa teórica que visa delinear o
posicionamento no ordenamento constitucional vigente quanto aos limites na
comédia. Para tanto serão utilizados livros, sites e publicações independentes, e, não
obstante, de altíssima valía o cruzamento de dados das decisões judiciais prolatadas
pelo STF desde a entrada da constituição em vigor, através do seu banco
jurisprudencial de casos. Verificou-se a escassez de interpretação do aludido órgão
de cúpula quanto a questão tão diária na contemporaneidade.

Palavras-chave: Liberdade de expressão no humor. Entendimento. Supremo


Tribunal Federal. Limites.

SUMÁRIO
1.Introdução. 2.Liberdade de expressão e humor: Breve análise e acepções.
2.1.Distinções entre liberdade de expressão, de imprensa, e livre manifestação do
pensamento. 2.2.Conceito histórico da liberdade de expressão. 2.3.Conceito histórico
do humor. 3.Limitadores à liberdade de expressão no humor e visão da classe
humorística. 4.O STF e a leitura da expressão no humor sob a constituição brasileira.
4.1.Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 130: O ponto de partida para
compreensão da liberdade de expressão na comédia. 4.2.Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.451: Sinais de uma hermenêutica potencial. 4.3.STF: Um
entendimento minguado sobre o tema. 5.Conclusão. Referências.

1Graduando em Direito pela Universidade Estácio de Sá, campus Nova Friburgo. E-mail:
csmendes@live.com
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1 INTRODUÇÃO

Um fenômeno de caráter exponencial nas dinâmicas de comunicação da


sociedade moderna, é o do livre exercício da comédia. No seio da
contemporaneidade, estão os usos das mais variadas ferramentas de diálogo, e,
igualmente, publicização de conteúdo, como nunca se vira antes na história das
civilizações.
São os recursos digitais, redefinindo globalmente as relações, é a era
transmídia.
Neste cenário, quase apocalíptico quanto ao bombardeio de informações,
essas, advindas das mais diversas fontes, exsurge de maneira intensa a ocorrência
do que há muito se chamou de livre mercado de ideias.
De forma caótica, e, especialmente veloz, o século XXI pode ser convictamente
tido como o centenário da informação. É a contraposição de opiniões, visões de
mundo, crenças, os calorosos debates em redes sociais, é a vida compartilhada num
espaço que se intitula o virtual.
Assim, a garantia constitucional da liberdade de expressão que exerce função
vital neste organismo, funciona como verdadeiro permeabilizante de um solo de
camadas tão distintas que é a comunicação no milênio do culto a exteriorização dos
pensamentos.
Como consequência destes eventos, realizar comunicação de massa não está
mais restrito aos grandes agentes detentores dos meios de publicidade, emissoras de
televisão, rádios e jornais de alta circulação, basta apenas um click em “publicar", ou,
em "postar", no Youtube, por exemplo, ou, ainda assim, compartilhar um meme
no Facebook, e pronto, o cidadão comum torna-se humorista; não pelos meios de
expressão tradicionais, mas sim, pelos modernos, alcançando então visibilidade de
sua criação artística, de caráter individual, na qualidade de sujeito de direitos, do
direito à expressão, e, também, do direito ao risível.
Neste panorama que se encontram a expressão e o humor no tempo presente,
é que se desvelou a necessidade em se buscar o entendimento do órgão máximo
interpretativo da Constituição no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), acerca da
problemática, especificamente, da liberdade presente no discurso humorístico, e seus
contornos sob a luz do ordenamento jurídico.
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No que tange à metodologia, foi por intermédio de análise doutrinária,


socorrendo-se ora por reportagens e documentários, e, levantamento bibliográfico e
jurisprudencial acurado desde a entrada do texto Constitucional em vigor até o
momento da produção deste artigo, fazendo-se uso também de estudos e revistas
jurídicas publicadas sobre o assunto, para que se tornasse possível demonstrar a
sintática da visão legal acerca dos limites e relações entre a norma e o humor.
Em linhas breves, porém precisas, percorrendo a evolução histórica da
liberdade de expressão, seu conceito, e reflexos que causa na comédia, os limites
jurídicos envolvidos ante esta garantia e outros direitos, a visão sucinta de importantes
profissionais do humor quanto ao "politicamente incorreto", é que foi viável se
perceberem constatações essenciais para o devido tratamento e tutela dado pelos
tribunais ao direito fundamental envolvido.
Nessa esteira, restou atenção especial à Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamento n° 130/DF (ADPF 130), e, à Ação Direta de Inconstitucionalidade n°
4.451/DF (ADI 4.451), ambas concluindo importantes resultados da direção
pretendida nesta pesquisa.

2 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E HUMOR: BREVE ANÁLISE E ACEPÇÕES

Preliminarmente, faz-se imprescindível indicar que este estudo tem como


objetivo principal auferir se há entendimento da maior instância no poder judiciário do
Brasil, o STF, com relação à matéria vinculada ao exercício da liberdade de expressão
na comédia, desde a entrada em vigor da atual Constituição da República Federativa
do Brasil, em 1988, até o presente momento, abril de 2018.
Também é pretendido neste trabalho esmiuçar tal posicionamento, isto é, seja
tão logo constatada sua existência.
Diante disso, deve ser estudada a garantia fundamental da liberdade de
expressão e sua conceituação, pois é de relevância primeira sua compreensão para
se verificar a jurisprudência em voga, tal como, a incidência da norma jurídica no
fenômeno do humorismo.
Ademais, por se tratar de multiforme e abrangente a matéria das liberdades
aparentes na atividade humorística, é mister perpassar pelas definições de liberdade
de imprensa e de livre manifestação do pensamento, com o fim de alcance dos
resultados obtidos neste estudo.
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Também indispensável a apresentação, ainda que ligeira, da história do


instituto fundamental em exame, já que depreende sua significação de uma evolução
sócio histórica, com isto, possibilitando o tratamento aos limites jurídicos nele
envolvidos, tal como, uma sucinta visão da classe profissional de humoristas sobre o
assunto.
Isso posto, tais pontos são discorridos num momento inicial para sondagem
prévia de caráter histórico e pormenorizado, até se adentrar de fato na devida análise
constitucional, e, consequentemente, judicial no que diz respeito ao entendimento da
questão sob a luz do direito brasileiro.

2.1 DISTINÇÕES ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE IMPRENSA, E LIVRE


MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO

Viabilizando assimilar a existência da garantia fundamental da expressão no


humor e suas demarcações, é importante que se faça uma abordagem do conceito
deste instituto constitucional garantísta, que segundo Rigamonte e Silveira:

{...} compreende a expressão em sentido estrito e a liberdade de informação,


bem como que ambas devem ser consideradas sob as óticas individual
(direito de expressar opiniões e ideias, bem como fatos, notícias e
informações) e social (direito de conhecer opiniões e ideias alheias, bem
como fatos, notícias e informações), cabe definir o que seria o consectário da
liberdade de imprensa. (RIGAMONTE; SILVEIRA, 2018, p. 23).

Assim sendo, descrevem os autores a natureza binária do direito à expressão,


pelos vieses da emissão e recepção daquilo que é exprimido, distinguindo-se, porém,
de outras garantias, quais sejam, a liberdade de comunicação e a liberdade estrita de
manifestação do pensamento.
Com vistas a esta última, vale destacar que é a gênese da criação humorística.
A manifestação de pensamento não só como um direito, mas sim, como função
inerente ao comportamento humano, dando origem ao direito à expressão artística.
Neste sentido, reforça com brilhantismo o consagrado jurista José Afonso da
Silva em suas lições que “as manifestações intelectuais, artísticas e científicas são
formas de difusão e manifestação do pensamento, tomado esse termo em sentido
abrangente dos sentimentos e conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos”.
(SILVA, 2001, p.256).
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Logo, pode se dizer, em amplo argumento, que o núcleo do direito fundamental


em evidência comporta uma ação dupla por parte do sujeito ativo que o exerce, seja
quando se emitem opiniões, crenças e pensamentos de quaisquer formas, ou, quando
se conhecem e obtém informações por quaisquer meios, não se confundindo com o
simples manifestar de pensamentos.
Neste diapasão, vale ressaltar uma terceira garantia necessária para
aprofundamento do objeto desta pesquisa, a liberdade de imprensa, cuja acepção
reside na possibilidade de propagação da liberdade de expressão em lato sensu por
intermédio dos meios de comunicação, sejam os jornais, revistas, livros, panfletos,
programas de radiodifusão, entretenimento, internet e etc.
A supradita atividade de imprensa encontra sua proteção jurídica no capítulo V
do título VIII da Constituição, intitulado “Da Comunicação Social”, em especial no
disposto pelo art. 220 deste dispositivo. (BRASIL, 1988).
Largamente defendida contra a possibilidade de censura, esta liberdade “não
depende de licença de autoridade alguma (art. 220, parágrafo 6°) ” para ser exercida,
como bem posto por José Afonso da Silva, exclamando o constitucionalista a
relevante colocação dada a profissão jornalística no corpo da lei constitucional.
(SILVA, 2001, p.251).
Retomando, liberdade de expressar, informar-se e comunicar, encontram-se
interligadas no fenômeno do conteúdo humorístico, todavia, talvez a mais importante
de todas quanto às bases estruturais no direito ao riso, seja a de manifestação do
pensamento.
Cuida-se do direito de pensar, e projetar ideias, opiniões, no campo do íntimo,
para si. Tem a ver com conceber, raciocinar, na esfera interna da consciência humana,
e, evidentemente, manifestar essa concepção.
Há quem defenda ser a manifestação de pensamento a peça primária da cadeia
no direito à liberdade de expressão, estando ela estabelecida no art. 5°, inc. IV da
Constituição da República Federativa do Brasil, para daí então decorrerem os direitos
à expressão e informação, predispostos nos incisos VI e IX do já citado dispositivo.
(BRASIL, 1988).
Insta salientar, que, o art. 220 caput da Constituição da República Federativa
do Brasil, institui no ordenamento vigente a liberdade em questão como pressuposto
para o exercício da igualmente importantíssima liberdade de comunicação.
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Por fim, compreendidas estas distinções e derivações da norma garantista da


liberdade de expressão, deve ser realizada uma breve análise histórica para
entendimento da construção e evolução deste bem jurídico, repercutindo frontalmente
na sua significação para o direito na atualidade.

2.2 CONCEITO HISTÓRICO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A liberdade de expressão originou-se de um esforço gradual no tempo, sempre


intimamente ligada à democracia, tem os seus vestígios de surgimento desde a
Atenas na Grécia Antiga, até de fato se consolidar na contemporaneidade como
instrumento indispensável para a prática do poder popular num Estado de direito.
Levou-se através de um processo histórico nas civilizações fases extensas até
se delimitarem seus contornos. Desde a sua leitura como tolerância religiosa,
estritamente, passando pela ótica de instrumento do combate à censura, até, por fim,
ser inferida como direito fundamental da humanidade.
Foram três as fases vivenciadas na história de sua definição, sinteticamente
narradas na pesquisa de João Paulo Capelotti, como se expõe a seguir:

Na primeira fase, em que a liberdade de expressão não era ainda categoria


autônoma, mas associada à tolerância religiosa, pode-se destacar
a Areopagitica (1644), de John Milton, em que a liberdade de expressão tinha
um caráter instrumental para a descoberta da verdade. É preciso
contemporizar, porém, que Milton admitia apenas uma forma de verdade, a
trazida pelo credo cristão protestante (e não, portanto, o católico ou não
cristão e que imprensa livre, em sua visão, era apenas aquela não sujeita a
restrições prévias, ainda que passível de terríveis sanções posteriores, como
a amputação de nariz e orelhas. (CAPELOTTI, 2016, p. 88).

Mudança rica na história a transição vivida pelo modelo teocrático de Estado,


instituído na idade média, para o humanista, no aspecto cultural, conforme a
progressão dos séculos posteriores à reforma na igreja. Daí então os pequenos sinais
trazidos pelo autor no direito à expressão embasado pela tolerância religiosa.
Conseguinte, por meados do séc. XVIII, vão surgindo autores outros
sustentando a ideia de que a livre circulação de ideias favorecia a descoberta da
verdade e a refutação do erro, contribuindo, outrossim, para o progresso das ciências
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e das artes, o que logo se confirmou como a segunda fase desta liberdade.
(CAPELOTTI, 2016, p.88-89).
E enfim, como conquista dos direitos da humanidade, vem a terceira fase da
liberdade de expressão, tendo por principal voz John Stuart Mill, arguindo a
“preservação do maior volume de expressão e informação possível, e como premissas
o ceticismo com relação ao governo, a aceitação do risco inerente à expressão, e o
respeito pela autonomia individual”. O que veio a se chamar de livre mercado de ideias
que “continua sendo a metáfora mais utilizada pelos defensores da liberdade de
expressão”. (CAPELOTTI, 2016, p. 91-92)
Portanto, foi longa a caminhada atravessada por esta garantia universal até que
fosse sedimentada na atual conjectura como direito fundamental esteado na
autossatisfação individual do homem, e, de igual modo, como mecanismo moderno
de descoberta da verdade ao cidadão na participação da gerência da coisa pública.
Fixar a liberdade de expressar desta forma, após tamanhas transformações
históricas como imperiosa garantia, e, requisito para a participação do cidadão na
democracia popular, exibe sua verdadeira e efetiva característica de ferramenta no
controle do povo às atividades do Estado.
Dadas tais pinceladas acerca da liberdade de expressão na história, já se pode
passar ao estudo deste tão distinto fato social e jurídico, o humor.

2.3. CONCEITO HISTÓRICO DO HUMOR

A priori, se frise que o objetivo deste tópico não consiste de jeito algum em
definir rigidamente a acepção de comédia ou humor.
Tal esforço mais próprio no campo da estética, ramo da filosofia, seria
demasiadamente complexo e não contribuiria para as finalidades estipuladas nesta
investida científica.
Ainda assim, ponto nodal resenhar em poucas palavras o viés social do riso e
da piada, na cultura ocidental, e, consequentemente, brasileira, revistando sua
percepção no contexto da atividade de humorista, cuja possibilidade de existência na
sociedade se dá justamente em função da garantia à expressão e manifestação de
pensamento.
O humor até que propriamente culminasse em possibilidade de profissão junto
aos meios de comunicação (revistas humorísticas, programas de rádio, televisão, e
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por fim a internet), peregrinou a história possuindo ao longo dela as mais diversas
funções ao homem, cabendo mencionar algumas: o riso como alívio entre as tragédias
(no teatro da Grécia antiga); o riso como crítica aberta a personagens públicos, ou,
como fraqueza e perda do autocontrole, na visão de Platão. (CAPELOTTI, p.33).
Com a cristianização da cultura ocidental, humor, comédia, riso, passam então
a terem conotação diabólica. O risível, a partir daí passa ser vinculado a imperfeição.
Surge, inclusive, a diferenciação entre o bom e o mau riso, este último, fruto da
chacota, chocarrice, que para Hobbes, também se tornaria o riso da
superioridade. (ALVARCE, 2009, apud RIGAMONTE; SILVEIRA, 2018, p. 59).
Além disso, até mesmo Sigmund Schlomo Freud se debruça sobre esse objeto,
levantando importantes interpretações no cenário contemporâneo sobre a piada,
concebendo-a como verdadeira forma de alívio à dor ou qualquer mal psíquico ou
moral vivenciado na experiência humana. (RIGAMONTE; SILVEIRA, 2018, p. 53).
Nesta direção, o humorismo sob o prisma da Constituição Federativa da
República do Brasil, tem conotação de fenômeno de expressão multifacetado, fruto
da manifestação de pensamento, com qualidade de atividade intelectual, em especial,
a de criação artística, e, por assim redefinida, a expressão cômica goza identicamente
não apenas de todas as tutelas jurídicas concedidas às liberdades expostas no art.
220 da CRFB, como também se restringe a limites estabelecidos por este mesmo
diploma, é o que se desdobrará no tópico em seguida.

3 LIMITADORES À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO HUMOR E VISÃO DA


CLASSE HUMORÍSTICA

O conflito que comporta esta pesquisa é a discussão característica da colisão


entre a liberdade de expressão no humor e os direitos da personalidade, pois, pelo
que se depreende da jurisprudência nos tribunais, este tem sido o fator recorrente
delimitador do livre exercício da comédia.
Os direitos à honra, intimidade, vida privada, e imagem, que também são
garantias fundamentais, ora se veem afrontados pelo discurso humorístico,
principalmente quando este se converte em hate speech (em tradução livre: discurso
de ódio), que nada mais é que o “aglomerado de manifestações de desprezo ou
intolerância contra determinados grupos étnicos, religiosos, de gênero, de
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opção ou orientação sexual, de deficientes físicos e, ou, mentais, dentre outros


fatores”.(RIGAMONTE; SILVEIRA, 2018, p. 32).
Quando presentes a violência verbal, e até por vezes física, a desigualdade na
paridade de opiniões, a propagação da inferioridade, e, evidente inviável
fundamentação da mensagem sob o pilar da dignidade da pessoa humana, está por
fim caracterizado o discurso de ódio, e não, a piada. (RIGAMONTE; SILVEIRA, 2018,
p. 33).
Traçar tais diferenças entre o livre exercício do cômico e o discurso de ódio,
tem sido tarefa escabrosa na atividade jurisdicional quando por vezes provocado
quanto às lesões perpetradas aos diretos da personalidade.
Estudos jurídicos nesse campo já apontam em demasia a subjetividade dos
juízes nas sentenças que condenaram réus humoristas e a imensa lacuna em aplicar
o direito ao fato quando se trata de estabelecer os "limites da piada".
Via de exemplo, o de repercussão nacional caso do humorista Rafinha Bastos,
quando na qualidade de apresentador do programa jornalístico-humorístico "CQC -
Custe o Que Custar", exibido em horário nobre pela emissora de TV Rede
Bandeirantes, durante um quadro no referido show, ao ser indagado por um colega
de bancada, o jornalista Marcelo Taz, sobre a beleza da cantora Wanessa Camargo,
mãe de recém-nascido àquela época, satirizou os dois, mãe e filho, ao realizar
seguinte comentário: ‘- Comeria ela e o bebê!.’ Logo após, veio a responder processo
judicial, e, sendo condenado em segunda instância ao pagamento a danos morais
pela sua atitude. (RAFINHA, 2011).
Sendo assim, o controle da liberdade de expressão no humor, quando exercido,
tem se manifestado, além da tutela em sede de lei penal nos crimes contra a honra,
através da seara da responsabilidade civil, por meio de tutelas preventivas e
reparatórias, ressalte-se, em especial por meio destas, utilizando-se de estratégias
atinentes ao direito civil contemporâneo, já que o princípio da intervenção mínima
aduz que o direito penal é razão última de solução de lesões a bens jurídicos
abstratos, como é o caso da honra.
Inconsistente seria a abordagem de tais limites delineados pela legislação e
atividade interpretativa dela pelos tribunais, se não houvesse também o discorrer da
visão compartilhada pela classe de profissionais humoristas.
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Como amostra, seguem posicionamentos de algumas das mais céleres figuras


do humor no Brasil: "Há sempre uma dose de crueldade no humor" diz a cartunista
Laerte sobre a atividade humorística. (O RISO, 2012).
Destaca ainda a relevante figura pública quanto ao discurso de comédia o
seguinte:

O humor pra ser realizado, ele precisa falar a linguagem de todos ali que
estão partilhando, seja um comediante, ou, um contador de piada... ele
precisa partilhar com a sua plateia de um repertório de conceitos, e, enfim,
são pré conceitos, conceitos prévios. Sem essa partilha não se realiza humor.
(O RISO, 2012).

Na mesma oportunidade, seu colega de profissão, André Dahmer, aduz: “Como


não ser ofensivo fazendo humor? Existem maneiras de fazer humor sem humilhar os
outros. O humor sempre namorou com a truculência e com a violência”. (O RISO,
2012).
À vista disso, o que se percebe é que a matéria das limitações no humor divide
a própria classe profissional de comediantes. Para tantos se crê inconcebível a
redação da piada destituída de estereótipos e preconceitos no bojo do seu script, em
contrapartida, há quem diga que o verdadeiro humor não reduz as minorias e os
vitimiza, que mais claramente, não reduz ninguém, seguindo a linha onde é possível
rir sem fazer ferir.
Acrescentando, personalidade presente entre as mídias, seja na era do velho
humor, ou, do novo, o escritor, comunicador e humorista Jô Soares, em entrevista,
descreve a sua visão sobre o tema com a peculiaridade da comédia da cultura adotada
nos dias de hoje pelo brasileiro, veja-se:

O Brasil ainda tem graça? Tem. O humor, para mim, é uma visão de mundo.
Perguntei tempos atrás ao cardeal de São Paulo, dom Odilo Scherer: “Padre,
pode doar sangue? ”. “Claro”, ele respondeu. “E esperma? ”. Ele caiu na
gargalhada. Tem pessoas que devem ter ficado chocadíssimas de eu fazer
uma pergunta dessa para um cardeal. Mas temos de fazer. Gente, é humor.
Não há limite. O Brasil não perdeu a graça. (JÔ SOARES, 2018).

Trilhadas essas generalidades no tocante aos bens jurídicos por vezes


ofendidos quando excedidos os limites no humor, e também, à opinião dos humoristas
acerca dos tais, assim como, estes questionamentos em solo brasileiro, passe-se a
missão atrelada a este artigo quanto as conclusões nele perseguidas.
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4 O STF E A LEITURA DA EXPRESSÃO NO HUMOR SOB A CONSTITUIÇÃO


BRASILEIRA

Inseridos estes singelos tópicos acerca da relação entre humor e norma,


exclusivamente, a da liberdade de expressão, chega-se ao ponto nevrálgico desta
pesquisa, a posição do Supremo Tribunal Federal quanto aos limites na comédia.
O mecanismo de avaliação destes resultados foi a utilização da barra de
pesquisa no site do STF, onde, no aludido campo se permitem serem digitadas as
palavras-chave necessárias para a realização de uma busca jurisprudencial.
Foram escritas as palavras "humorismo" e "comédia", concluindo-se, portanto,
apenas um resultado que guarda relação com o tema, qual seja, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.451.

4.1 AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 130: O PONTO


DE PARTIDA PARA COMPREENSÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA
COMÉDIA

Entretanto, antes de perquirir o caminho do entendimento exposto na ADI, é


essencial expor, ainda que em linhas gerais, o que discorreu o órgão máximo de
cúpula do poder judiciário brasileiro sobre a liberdade de imprensa no nosso
ordenamento, por meio da ADPF n° 130/DF, de relatoria do Ministro Carlos Ayres
Britto, decisão esta que sagrou muito do que a supracitada corte entende por direito à
liberdade de expressão em analogia com a liberdade prevista na imprensa.
Julgada em 30 de abril de 2009 pelo tribunal pleno, e, ajuizada pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT) o julgado em atenção se propôs a discutir a não
recepção integral pelo ordenamento constitucional vigente da Lei 5.250 de 9 de
fevereiro de 1967, antiga “Lei de Imprensa” emanada no período da ditadura.
Em acesso ao inteiro teor do acórdão do referido julgado, se realça no
entendimento dos ministros em interpretar conforme a Constituição a garantia da
liberdade de imprensa, tendo por papel conferido dentro desta, o de “controlar e
revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade”. (BRASIL,
2009).
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Ainda, indicando as reais intenções da Constituição acerca da função


garantidora do jornalismo em uma democracia, o supra órgão de cúpula se opôs
contra a possibilidade de censura, apontado, aliás, a importância da supradita
liberdade no ambiente da internet, foi o que se constatou:

Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura


prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para
o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a
Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores),
não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente
veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique
plenitude de comunicação. (BRASIL, 2009)

Rememorou também o disposto na aludida decisão, as tutelas concernentes


até então exclusivamente à esta liberdade, quais sejam a proteção do sigilo da fonte
(quando necessário ao exercício profissional); a conformação legislativa a qual se
insere a exposição de notícias suscetível, outrossim, a responsabilidade penal em
virtude da calúnia, injúria e difamação, tal como, os direitos de resposta e de
indenização proporcionais ao agravo cometido. (BRASIL, 2009).
Ato contínuo, extraiu-se do acórdão que o STF não recepcionou a Lei de
Imprensa na atual ordem constitucional, dando total procedência da ADPF,
declarando inconstitucionais todo o conjunto de dispositivos da Lei federal n° 5.250,
de 9 de fevereiro de 1967, inclusive estabelecendo algumas diretrizes na exegese da
liberdade de expressão quanto a nossa constituição.
A liberdade de expressão não é garantia de caráter absoluto, sendo, tal como
todas as demais previstas na Carta Magna, objeto de ponderação de interesses.
A liberdade de expressão é um direito pleno que sofre limitações apenas
previstas na Constituição Federativa da República do Brasil, sendo entendidas outras
que vier a sofrer como censura.
O Estado não interfere na liberdade de expressão, ressalvadas as disposições
do art. 220, parágrafo 3° da Constituição Federativa da República do Brasil; os
agentes públicos têm o dever de maior tolerância às ofensas em sua honra e imagem,
já que estão à frente das responsabilidades assumidas no Estado. (BRASIL, 1988)
Como se confirmará a seguir, a hermenêutica extraída do caso já exposto será
perfeitamente aplicável a liberdade de expressão no humor, já que, no "caso-
resultado" da pesquisa, será decidido pelo Supremo Tribunal Federal a aplicação da
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liberdade de expressão na atividade de imprensa, ou seja, liberdade de imprensa, de


maneira análoga à atividade de manifestação humorística de cunho crítico.

4.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.451: SINAIS DE UMA


HERMENÊUTICA POTENCIAL

Trata-se de ADI com pedido de medida liminar, proposta pela Associação


Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT), tendo por discussão a impugnação a Lei
9.504 de 30 de setembro de 1997, mais em especifico o seu art. 45, incs. II e III.
Para exame do caso paradigmático sobre os limites do humor na visão do STF,
já que não houvera tal pleito chego à corte excelsa desde a entrada do texto
constitucional em vigor, é mister apreender da leitura dos dispositivos da lei em ataque
para compreensão do diminuto expresso posicionamento sobre os limites na comédia,
leia-se:

A partir de 1° de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e


televisão, em sua programação normal e noticiário: {...} II - usar trucagem,
montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma,
degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou
veicular programa com esse efeito. III - veicular propaganda política ou
difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação, a
seus órgãos ou representantes (BRASIL, 1997).

Portanto, em suma, a lei em voga tinha por vontade legal coibir o discurso da
comédia durante o período eleitoral na seara dos meios de comunicação tradicionais,
em especial, o humor que se utilizasse de nomes, imagens, direitos da personalidade
de candidatos políticos, ou partidos e coligações políticas.
Sustentavam no caso em questão os apoiadores desta vedação, que, por
constituírem serviços públicos o rádio e a televisão, diferentemente da mídia escrita
(pois dependem de outorga do Estado para sua concessão), possuiriam também o
dever da imparcialidade e da equidistância com relação aos candidatos políticos, o
que reconhecidamente pelo entendimento do STF foi concordado, porém,
acrescentando este último, que isso não se confunde com a ausência de opinião ou
de crítica jornalística, o que independeria ser o período eleitoral ou não àquele em que
expresso o conteúdo humorístico. (BRASIL, 2010).
Não obstante, cabe elucidar os argumentos emanados em referendo na medida
cautelar da ADI em tratamento nesta seção, cuja relatoria competia ao Ministro Carlos
15

Ayres Britto, contudo, que, em consulta recentemente realizada ao domínio online do


STF, passou a ser de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, se encontrando os
autos conclusos a este último para designação de julgamento.
O referendo em medida cautelar julgado pelo pleno suspendeu os efeitos dos
já citados incisos do art. 45 da Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997, que, por ora,
permanecem suspensos.
Julgada em 02 de outubro de 2010, a disposição mais importante na leitura do
direito ao risível frente a Constituição, foi dada pelo julgado inaugurando a discussão
da matéria das liberdades existentes na piada e sua função social, entretanto de
maneira tímida, por relances.
Vale levantar a principal direção indicada pelo julgado, a da entrega ao discurso
de comédia das mesmas proteções prestadas ao de imprensa, assim se verifica:

{...} como é parte do estilo de fazer imprensa que se convencionou chamar


de humorismo (tema central destes autos). A previsível utilidade social do
labor jornalístico a compensar, de muito, eventuais excessos desse ou
daquele escrito, dessa ou daquela charge ou caricatura, desse ou daquele
programa. 5. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em
circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as
atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “informação jornalística” (§ 1º
do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é
assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício concreto
dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender
críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente,
sarcástico, irônico o irreverente, especialmente contra as autoridades e
aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que
cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição
em seu art. 5º, inciso V. (BRASIL, 2010).

Considerando isto, todas as interpretações dadas pela ADPF 130 servem,


portanto, de manto ao exercício do humor. Vedando à lei interferir no tempo e
conteúdo das manifestações de pensamento, informação, e, criação dos humoristas-
jornalistas, por assim dizer.
Interessante também é poder resgatar a observação dada pelo STF quanto a
atemporalidade para o exercício da garantia de liberdade de expressão no humor,
entendendo ser ela plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias, autorizando, assim,
emissoras de rádio e televisão a veicular charges, sátiras e programas humorísticos
que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral seja durante
ou não o período eleitoral. (BRASIL, 2010).
16

Esclarecendo, desta sorte, que, “Processo eleitoral não é estado de sítio (art.
139 da CF), única fase ou momento da vida coletiva que, pela sua excepcional
gravidade, a Constituição toma como fato gerador de restrições à inviolabilidade da
correspondência {...} e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da
lei”. (BRASIL, 2010).
Em que pese a citada decisão monocrática, o Ministro Relator Carlos Ayres
Britto, deferiu parcialmente a liminar e, alguns dias depois, aconteceu a sessão para
o referendo da medida cautelar, sessão em que os membros do Pleno puderam
proferir seus votos.
Um voto de curiosa relevância para compreensão do referido julgado, é o do
Ministro Dias Toffoli, que Paulo Arthur Germano Rigamonte e Daniel Barile da Silveira
comentam com precisão em sua obra doutrinária:

(...) votou para que o inc. II não fosse declarado inconstitucional, mas sim
para que lhe fosse afastada a interpretação de que ele afetaria o humorismo,
uma vez que "não há vedação legal prima facie à liberdade comunicativa dos
artistas, humoristas e atores de stand up comedy no espeço público alheio
ao modelo de outorgas de serviços de radiofusão. Nessa linha, o Ministro
salientou que a liberdade comunicativa, na qual se incluem os artistas,
humoristas, atores de stand up comedy e toda a sorte de agentes culturais,
sejam eles profissionais ou amadores, nas ruas, nos teatros, nos jornais, em
revistas, em shows e na internet, sempre foi livre, independentemente de
qualquer outrora do Estado. (RIGAMONTE; SILVEIRA, 2018, p. 91).

Por ora, até a realização desta pesquisa, se mantém a medida liminar


suspendendo os incisos II e III do art. 45, bem como, os parágrafos 4º e 5º do mesmo
artigo da Lei federal nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, contra os votos dos
Senhores Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
.
4.3. STF: UM ENTENDIMENTO MINGUADO SOBRE O TEMA

Ainda que escassa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o tema,


do único caso que versou diretamente a questão do humor, se aufere uma série de
conclusões sobre a tutela que o ordenamento vigente dá a liberdade de expressão
quando se trata da criação artística no humor, da piada, do humorismo.
17

Para tanto percebeu-se que as atividades ligadas a comédia (stand up


comedy, sátiras, programas humorísticos, caricaturas, sátiras) partilham da mesma
proteção jurídica ligada à liberdade de imprensa disposta na ADPF 130/DF.
Logo, isso quer dizer que, tal como na atividade de imprensa, vedada está a
censura, as ingerências do Estado na qualidade do discurso humorístico, e, a
compreensão deste como discurso neutro e flexível, que deve ser garantido para
disseminar críticas e opiniões no livre mercado de ideias e possibilitar o exercício da
democracia.
Desta feita, goza o livre exercício da comédia de todas as predisposições
aplicadas à atividade de imprensa, tal como a vedação do anonimato; o direito de
resposta; direito à indenização por dano material ou moral à intimidade; à vida privada,
à honra e à imagem das pessoas; a responsabilização penal por calúnia, injúria e
difamação e o direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando
necessário ao exercício profissional.
Ainda que claramente tímida a interpretação dada pelo STF sobre a questão
dos limites no humor, vale indagar se tal posicionamento, de fato, tutelará todas as
demandas que versarem sobre a atividade humorística independente da forma que
ela se manifestar atendendo a sua missão de guarda da Constituição, as garantias
fundamentais nela previstas, e, a segurança jurídica numa sociedade em constante
transformação cultura.

5 CONCLUSÃO

Investigando-se a jurisprudência, a evolução normativa da garantia à


expressão, seus conceitos, e, correlações com o fenômeno do humor, foi-se capaz
concluir que o entendimento do Supremo Tribunal Federal, e, consequentemente, da
lei Constitucional vigente, é escasso, exíguo, e, pouco convincente na missão de
suprir a lacuna na aplicação da lei ao caso pelos demais tribunais na missão de guarda
do dispositivo fundamental em tela.
Verificou-se, num primeiro instante, que as liberdades legais incidentes na
atividade de comédia são muitas, e distintas, quais sejam o direito de manifestar o
pensamento, informar e ser informado, criar e se expressar artisticamente, e, ainda,
sob o viés da comunicação, a liberdade de imprensa.
18

Ainda assim, percebeu-se que, no âmbito das tais liberdades de expressão, os


embates com o direito à honra, à imagem, à intimidade e à vida privada, ou seja, os
da personalidade, são cada vez mais frequentes na era da informação, tal colisão de
garantias vem sendo dirimida pela ponderação de interesses.
Constatou-se que o direito de liberdade de expressão na sociedade cumpre
função democrática, de crítica, e, consequentemente, participação popular do cidadão
na gerência do Estado, verdadeiro mecanismo fiscalizador, não se confundindo ele
com o discurso de ódio, que se propõe unicamente à repressão infundada das
minorias sociais.
Ainda assim, a evolução histórica deste instituto, através das mais transcorridas
mutações, revelou o apreço deste aos direitos do homem, e, de sua carência
intrínseca em manifestar-se; quando através do humor, pela necessidade do alívio em
meio as vicissitudes e mazelas da vida, ao reforço do perfeito e do imperfeito, à
possibilidade de uma defesa pública contra os mais poderosos, e evidentemente, até
como meio de subsistência própria, de profissão, a de humorista.
Mediante cruzamento de dados judiciais, no levantamento perante o Supremo
Tribunal Federal em seu banco online de jurisprudência, viabilizou-se a análise de
posicionamento da mencionada corte acerca dos limites na comédia, contudo,
enfaticamente este estudo chegou à máxima que o entendimento descoberto em tal
feita é tímido, em virtude de ter sido encontrado tão somente um julgado que
abordasse efetivamente o assunto, isto é, na ADI 4.451/DF, discutindo-se dispositivos
da Lei 9.504/1997, acerca do humor e seu exercício no período eleitoral.
O que se percebeu nesta decisão, e, que vale relembrar ter sido o cume da
escalada em que se propôs esta investida "jurídico-científica", foi que o humor no
nosso ordenamento enquanto crítica tem a mesma tutela prestada à liberdade de
imprensa, conseguinte, decorrente da liberdade de expressão, frisando-se, que, nas
peculiaridades, goza das mesmas interpretações então dispostas pela também
levantada em pesquisa, ADPF 130/DF, em que o órgão jurisdicional em questão,
disciplinou a veiculação pública de informações sob a luz da atual Carta Magna.
Portanto, o humor enquanto fato social relevante na era da comunicação digital,
passível de lesões a direitos, tal como, objeto de proteção destes mesmos, não fora
esgotadamente tratado pela imperiosa corte.
19

No âmbito individual, do escracho, do íntimo e da liberdade artística, fruiria do


mesmo concedido à liberdade de imprensa, ainda que, não carregasse em seu
discurso função crítica?
Os decisus prolatados no primeiro e segundo graus de jurisdição, onde juízes
se deparam com lides envolvendo réus humoristas, ou, apenas em "atividade
humorística", têm seguido à risca esta interpretação insossa dada ao "humor-crítica"
como analogia à atividade jornalística? Não haveria vultuosas fissuras no sistema
jurídico pátrio permitindo, portanto, o subjetivismo dos magistrados ao utilizarem-se
de critérios exclusivamente morais, políticos, ideológicos, estéticos, ou, até mesmo
religiosos no condenar ou não a "graça" da piada?
São questionamentos que decorrem da ausência de um esforço Constitucional
em adequar a cultura do homem moderno às previsões do constituinte.
Sugere-se que este artigo inspire demais autores e operadores do direito à
militarem pela ampliação das liberdades nele discorridas, cada vez mais
indispensáveis à manutenção do tão ambicionado Estado de direito.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil.


Portal da Legislação do Governo Federal. Brasília, DF: 1967. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm Acesso em: 06
abr. 2018.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Portal da Legislação do Governo Federal. Brasília, DF: 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 22 mai.
2018.

______. Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997. Dispõe sobre normas para as


eleições. Portal da Legislação do Governo Federal. Brasília, DF: 1997. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504compilado.htm Acesso em: 01
abr. 2018.

______. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Acórdão da Ação Direta de


Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em Medida Cautelar. Rel. Ministro
Carlos Ayres Britto. Brasília, DF, Julg. 02 set. 2010. DJ 01 jul. 2011. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3938343 Acesso em: 05 abr.
2018.
20

______.______.______. Acórdão da Arguição de Descumprimento de Preceitos


Fundamentais 130/DF. Rel. Ministro Carlos Ayres Britto. Brasília, DF, Julg. 30 abr.
2009. DJ 05 nov. 2009. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411 Acesso
em: 06 abr. 2018.

CAPELOTTI, João Paulo. Ridendo Castigar Mores: Tutelas Reparatórias e


Inibitórias de Manifestações Humorísticas no Direito Civil Brasileiro. Tese de
Doutoramento publicada no portal da Universidade Federal do Paraná, defendida em
2016. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/44433 Acesso em: 05
abr. 2018.

JÔ SOARES: “O Brasil não perdeu a graça”. Publicado no Blog Veja Gente em


24/11/2017. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/veja-gente/jo-soares-o-
brasil-nao-perdeu-a-graca/ Acesso em: 23 mai. 2018.

O RISO dos Outros. Direção de Pedro Arantes. Produção de Ricardo Monastier;


Ângelo Ravazi; Francisco Guarnieri; Viviane Rodrigues. Brasil: Massa Real Filmes;
TV Câmara, 2012. Documentário (52min.). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54 Acesso em: 6 abr. 2018.

RAFINHA Bastos faz piada com bebê de Wanessa Camargo em Setembro:


Humorista fez gracejo sobre a cantora na bancada do programa e é processado.
Publicado no portal R7 em 12/12/2011. Disponível em:
http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/rafinha-bastos-faz-piada-de-bebe-
de-wanessa-camargo-em-setembro-20111212.html?question=0 Acesso em: 06 abr.
2018.

RIGAMONTE, Paulo Arthur Germano; SILVEIRA, Daniel Barile da. Liberdade de


expressão e humor: o exercício livre da comédia e a escalada judicial de processos
na visão do STF. Curitiba, PR: Juruá, 2018.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Brasil:
Malheiros, 2001.

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