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Míriam Martinho*
1Em particular pela ideia da liberdade nos relacionamentos amorosos e sexuais (chamados de relações
abertas) e pela politização do cotidiano (o pessoal é político) como alternativa à política tradicional de
partidos, sindicatos, movimentos estudantis, etc.
de vida. Entretanto, assinou documentos com vários outros nomes derivados da
denominação “lésbico(a) feminista”.
O Grupo Somos, foi fundado por gays em 1978 e contou com raras lésbicas em
sua constituição até o início de 1979. Entretanto, após a participação de seus
integrantes em um debate sobre minorias, ocorrido, em 8 de fevereiro de 1979,
na Faculdade de Ciências Sociais da USP, esse quadro começou a mudar.
Lésbicas começaram a participar das reuniões do Somos (fui uma das primeiras
a aparecer), organizadas em casas de seus membros, e seguiram num
crescendo, à medida que o Somos ampliava sua atuação em eventos públicos.
Pela primeira vez na história deste país, um grupo de mulheres se reúne para
falar e escrever acerca de sua homossexualidade. Aquelas mulheres sempre
esquecidas, negadas e renegadas, exatamente por não se submeterem aos
papéis que a sociedade machista impõe como seus papéis naturais, no mês
consagrado por essa mesma sociedade à função “sublime” das mulheres,
pedem a palavra e descem o verbo.”
É assim que nós queremos ser entendidas. E é assim que nós precisamos
começar a nos entender. No nosso entendimento, demos um passo inicial,
ao trabalharmos conjuntamente essa matéria para o primeiro aniversário do
Lampião. Agora, é ver o que acontece.
2
Lampião da Esquina, Rio de Janeiro, ano 2, n. 12, p. 7-11. Disponível em: <http://bit.ly/2PVDDvh>
Acesso em 12/05/2019
E aconteceu o primeiro coletivo brasileiro de ativistas lésbicas. Após o
lançamento da matéria no Lampião, o grupo formado para a elaboração da
matéria se dispersou em boa parte, mas algumas de suas integrantes3 decidiram
manter um subgrupo exclusivamente de mulheres, dentro do Somos,
denominando-o subgrupo lésbico-feminista. As razões elencadas para essa
decisão, além do propósito de dar continuidade a discussões especificamente
lésbicas, foram os problemas enfrentados nos subgrupos mistos do Somos, tais
como o uso da palavra “rachada” com a qual alguns gays se referiam às
mulheres em geral e às lésbicas em particular; o Somos não ter uma posição
sobre a dupla discriminação sofrida pelas lésbicas, como mulheres e
homossexuais, e as lésbicas ficarem diluídas nos grupos de identificação
(subgrupos de troca de experiências sobre a vivência homossexual).
3
O grupo LF, ao longo de usa trajetória, especialmente em 1980, chegou a ter cerca de 25 integrantes.
Destaco as que iniciaram o subgrupo LF e as que tiveram mais participação nas atividades políticas do
coletivo: Maria Conceição do Amaral (Ceice), Maria Teresa Aarão (Teca), Marisa Fernandes, Marisa Fiori,
Miriam Martinho, Rose Mancini, Vilma Monteiro.
Foto 1- Colagem feita pelo LF no II CMP – Marisa Fiori –
Acervo Um Outro Olhar
4
BITTENCOURT, Francisco. Homossexuais, a nova força. Lampião da Esquina, n. 24, p. 4, maio 1980.
5 MARTINHO, Míriam. Festival de Mulheres nas Artes. ChanacomChana, São Paulo, n. 1, p. 7, dez. 1982
os fundadores do Somos, autonomistas e libertários, e os gays integrantes da
Convergência Socialista e seus simpatizantes, tensão que surgira ainda no I
EBGHO. Foram organizadas duas reuniões para lavar a roupa suja da
organização que, no entanto, continuou suja e levou ao racha do grupo em 17
de maio de 1980.
No caso do LF, sua saída do Somos foi considerada uma “traição” por ambos os
lados gays em conflito, apesar desta ter sido apenas a oficialização de uma
situação na prática já existente (o grupo funcionava autonomamente há meses,
como seu histórico de atividades demonstra) e sua principal motivação a
priorização da questão lésbica e o anseio por uma maior aproximação com o
movimento feminista (uma roubada). Para deixar claras as razões da saída do
6
Segundo histórico do Grupo Outra Coisa, os fundadores do Somos que se retiraram foram Evaristo,
Glauco (Matoso), Emanoel (Chagas de Freitas), Antonio Carlos Tosta, Zezé (Melgar), Cacá, Vitório, Celso
(Alfredo Préssia Castro), Ricardo Rocha Aguieiras e Reinaldo. Estatutariamente, entregaram os cargos
Emanoel, Tosta e Celso. TOSTA, Antonio Carlos. Três Anos (1980-1983), São Paulo, 05/1983, p. 1.
7Em maio de 1983, o Outra Coisa de Ação Homossexualista, em informativo, registrava que “Segundo
documento interno da CS, à disposição em nosso arquivo, a intenção dessa organização era transformar o
Somos e outros grupos organizados do Brasil em canal para a entrada de homossexuais na Convergência
Socialista e no Partido dos Trabalhadores, transformando-os em “caixa de ressonância” de suas propostas
político-partidárias”. TOSTA, Antonio Carlos. Op. cit., p. 1
LF, eu e Teca redigimos a carta abaixo que enviamos para publicação no
Lampião da Esquina de junho de 1980.8
Ao Movimento Homossexual:
8GUIMARÃES, Eduardo. O Racha do Somos/SP. Lampião da Esquina, Rio de Janeiro, ano 3, n. 25, p. 8
Disponível em: <http://bit.ly/2PUcMQ2> Acesso em 12/05/2019
Destaques do LF após o racha do Somos
13/06/1980 - Manifestação contra a “operação limpeza” do delegado Wilson
Richetti
A “bruxa” não pode ser exorcisada pelas integrantes do LF. Uma última reunião,
datada de 11/10/1980, falava “em vir de coração aberto, ser teimosas e tentar
outra vez”. A proposta era de reavaliação do que havia sido feito até então e de
avaliação das propostas futuras como a produção do jornal ChanacomChana, a
discussão sobre textos e temas escolhidos, o controle da correspondência, a
participação em outras organizações (dupla militância) e uma melhor articulação
do LFarte. Não deu certo. Duas destacadas integrantes do LF deixaram a
organização: uma, Vilma Monteiro, em razão dos desentendimentos pessoais
que vinham minando o grupo, saiu para formar outro grupo lésbico (Terra Maria
Opção Lésbica); a outra, Maria Teresa Aarão (Teca), por não ver mais
perspectivas no LF, saiu para juntar-se ao grupo feminista SOS Mulher que
acabava de ser formado (ver abaixo trecho de entrevista de Teca ao jornal
feminista Mulherio10). O grupo ficou reduzido e abalado por essas saídas, mas
ainda persistiu até meados de 1981.11
10
NESTLEHNER, Wanda; RODRIGUES, Marlene. Vida, minha vida. Mulherio, São Paulo, ano 2, n. 9, p.5,
set./out. de 1982
11
Algumas autoras associam erroneamente o racha do LF com problemas encontrados pelas lésbicas
ingressantes no SOS Mulher, mas a ruptura do LF antecede a existência deste grupo feminista.
1981- O ocaso do LF
Questões polêmicas
O LF, o MHB e a CS
No que se refere aos problemas com a CS, o LF viveu toda a polêmica de forma
secundária, pois, quando o conflito entre os simpatizantes da CS e os fundadores
do Somos se aprofundou, após o I EBHO, já se encontrava distante da confusão.
Ainda que algumas L.F.anas tivessem participado do 1° de Maio (1980) e
nutrissem certa simpatia pelas ideias da CS, não houve nenhum reflexo dessa
simpatia dentro do grupo ou qualquer tentativa de alinhá-lo às teses da citada
organização. Ao contrário, o grupo se somou aos demais do período em seu
rechaço à CS e a qualquer tentativa de atrelamento do movimento a partidos
políticos ou a lideranças iluminadas. Como visto durante a prévia para o II EGHO,
em dezembro de 1980, no Rio, os grupos presentes nem sequer aceitaram
discutir a Coordenação Nacional proposta pela Fração Gay da Convergência
Socialista.
Para entender esse rechaço, vale relembrar a posição da CS, sobre o LF, o MHB
em geral e sobre o Lampião da Esquina, tiradas de suas Teses para a
Libertação Homossexual – II:
Sobre o LF:
Sobre o MHB:
‘ [...] Em São Paulo já existe uma simpatia pelo PT dentro do grupo Somos e
em Recife o grupo Gatho está organizando uma facção gay do PT que tem
reunido 60 homossexuais em torno da campanha contra o assassinato de
homossexuais. (p.8)
Sobre o Lampião da Esquina
O LF e o Movimento Feminista
De fato, esse encontro foi bastante útil para o feminismo paulista, no sentido de
introduzir a questão da sexualidade como pauta feminista válida e para levar
feministas a namorar mulheres. Para o LF e a questão lésbica em geral, contudo,
tratou-se de um avanço ilusório. Trouxe uma maior aceitação pessoal das
L.F.anas no MF, mas posteriormente uma despolitização e invisibilização da
questão lésbica no mesmo. O grupo SOS Mulher, oriundo da Comissão de Luta
contra a Violência contra a mulher, surgida desse encontro, terá como
perspectiva subjacente, ao longo de sua existência, “a necessidade política de
dissolver a identidade lésbica no interior de uma identidade feminista mais
geral”.13
12Vi esta declaração em várias teses, a partir de teses da psicóloga Tania Pinafi, embora não tenha
encontrado a referência original. Cito porque me parece condizente com o ocorrido no evento.
13
PONTES, Heloisa André. PONTES, Heloisa André. Do palco aos bastidores: o SOS-Mulher (SP) e as
práticas feministas contemporâneas, p.118, 1986.
Revolucionário 8 de outubro), coordenado pela militante Márcia Campos. De
fato, essa entidade rachou o Congresso, usando as lésbicas como bode-
expiatório, levando à realização de dois atos públicos no dia 8 de março de 81:
o da coordenação original do evento, na Praça da Sé, e o do HP no Estádio
Municipal do Pacaembu. A integrantes do HP rotularam o encontro do III CMP
de encontro de burguesas e sapatões, que nem eram homens nem mulheres e
deveriam estar em outro lugar. Algumas até defendiam o direito de as lésbicas
participarem, mas não aceitavam que as questões lésbicas fizessem parte das
discussões.
Considerações finais
Fui uma das integrantes do Somos que formou o subgrupo lésbico-feminista em
maio de 1979 e participei da maior parte de sua história. Por questões de saúde,
porém, fiquei afastada dele de meados de dezembro de 1980 até o dia 23 de
maio de 1981. Quando retornei, ainda encontrei parte do coletivo que o formava
um pouco articulado, participando de uma ou outra reunião sobretudo do
movimento feminista. Dividia sede, em Pinheiros, com o grupo SOS Mulher, mas
buscava uma sede própria, pois desejava independência. Rosely Roth, que
entrara no LF no final de fevereiro de 1981, batalhava para achá-la e,
empenhada como sempre, acabou por encontrar um espaço no centro de São
Paulo, na rua Aurora, a uma esquina da Praça da República.
Passei, então, a fazer pesquisa sobre o assunto e descobri que já há uns 5 anos
Fernandes vem se colocando como cofundadora do GALF e provavelmente
como elaboradora do ChanacomChana (apesar de não ter encontrado outra
referência direta – apenas indireta - sobre esse plágio). Ela progrediu, portanto,
dos anos 90 em diante, quando dizia genericamente ter militado desde o início
do movimento homossexual, sem precisar onde, até os tempos recentes onde
passou a assumir sem disfarces a falsa identidade de cofundadora do GALF e a
fazer apropriação indébita de meu trabalho.