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Elcio Oliveira da Silva

Um dos desafios sistematicamente postos aos professores e às escolas é o de superar a excessiva fragmentação do
conhecimento nos processos do ensino-aprendizagem e da formação escolar. Isso supõe superar a visão dominante de currículo,
marcadamente pautada na especialização e no distanciamento dos campos disciplinares entre si. O presente artigo trata de
uma possibilidade de articulação entre duas disciplinas - a matemática e a química - na abordagem de um tema integrante do
currículo do ensino médio: a volumetria de neutralização, ou a titulação ácido-básica.

volumetria, interdisciplinaridade, função matemática

Recebido em 19/10/99, aceito em 25/9/00

A
s discussões correntes acerca tendo-se como mediador da integra- mento didático pode ser distorcido, o
da integração do conheci- ção as noções matemáticas de propor- que ocorre, por exemplo, quando o 13
mento nos currículos escola- cionalidade e função. São analisadas professor elabora objetivos de ensino
res, à parte sua relevante contribuição as implicações metodológicas do enfo- a partir de conteúdos pré-determina-
para o avanço da teoria pedagógica, que proposto, bem como sua relação dos, selecionados de modo alheio às
pouco têm contribuído para a formula- com uma visão hegemônica de currí- suas intenções pedagógicas. Constitui
ção de propostas concretas, ao nível culo pautada pela ênfase na especia- fato pouco comum que objetivos peda-
da ação didática propriamente dita, lização e no isolamento das disciplinas. gógicos, estabelecidos em bases sóli-
principalmente no que se refere à reela- das, sirvam de referencial primeiro à
boração dos conteúdos abordados Integração do conhecimento como seleção de conteúdos, o que corres-
nas salas de aula. Entretanto, em meio objetivo pedagógico ponderia à lógica adequada a qualquer
ao dinamismo da interação conteúdo/ A relação professor/aluno/conhe- planejamento.
forma, inerente à relação professor/ cimento é uma relação complexa, pois Em meio a um contexto no qual o
aluno/conhecimento, novas configu- professor e aluno são sujeitos contex- conhecimento encontra-se fragmen-
rações didáticas do tualizados, que irão atuar tado nas diversas disciplinas, e no qual
saber emergem O objetivo de possibilitar sobre a informação vei- a inversão lógica do planejamento
sem que, na maio- ao aluno uma visão que culada na relação, reela- (anteriormente citada) só vem reforçar
ria das vezes, se- integre campos diferentes borando-a. O que deno- tal fragmentação, o objetivo de pos-
jam sistematizadas do conhecimento, no minamos “conhecimento sibilitar ao aluno uma visão que integre
como formas alter- próprio interior de cada escolar” emerge do dina- campos diferentes do conhecimento,
nativas de didatizar1 disciplina, constitui uma mismo gerado a partir da no próprio interior de cada disciplina,
o conhecimento, de alternativa, senão pouco interação desses três constitui uma alternativa, senão pouco
maneira não-frag- valorizada, pelo menos elementos, embora uma valorizada, pelo menos pouco pratica-
mentária, ou menos pouco praticada nas visão reducionista dessa da nas escolas.
fragmentária do escolas tríplice relação tenda a Isto parece contradizer a tendência
que comumente se considerar conhecimen- de uma época na qual cada vez mais
verifica. to escolar como algo equivalente à se valoriza todo esforço desenvolvido
Neste trabalho, um conteúdo pro- “matéria de ensino”, aquele conteúdo na direção de perspectivas mais abran-
gramático de química, integrante do que o professor, geralmente, “trans- gentes e integradoras da experiência
currículo formal do ensino médio (rea- mite” (?...) ao aluno (Silva, 1997). e do conhecimento, as quais possam
ção de neutralização) é tomado como Esta perspectiva reducionista en- dar conta de uma realidade cada vez
exemplo para ilustrar essa possibili- contra-se tão arraigada, principalmente mais complexa e dinâmica.
dade metodológica (um enfoque me- na “epistemologia” e no comporta- O reconhecimento dessa necessi-
nos fragmentário, mais interdisciplinar), mento docente que o próprio planeja- dade contemporânea permite afirmar

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que a integração do conhecimento, ou dores de muitos dos fenômenos com c) ácido e base juntos, em solução
a aquisição de uma visão deste conhe- os quais lidamos no cotidiano, incluin- aquosa (neutralização/combinação
cimento que seja, pelo menos, não tão do-se os fenômenos químicos. Entre- dos respectivos íons com formação de
fragmentária quanto a atual, representa tanto, em parte devido ao isolamento água):
um objetivo válido de ensino, que deve em que se encontram as disciplinas
H3O+(aq) + OH–(aq) → 2H2O
ser perseguido por professores e alu- escolares, a integração de tais concei-
nos. tos às disciplinas diferentes da mate- Se temos uma solução aquosa de
Na relação didática, o conhecimento mática deixa de se concretizar, sob a ácido (solução ácida) e queremos neu-
se configura, como já foi dito, a partir do forma de construções didáticas poten- tralizá-la com uma solução aquosa de
dualismo conteúdo/forma. Normal- cialmente integradoras. base (solução básica ou alcalina),
mente, entende-se por “conteúdo” o que estarão em jogo as seguintes variáveis:
se pretende que o aluno aprenda, e por A volumetria vista como uma função a) os volumes de ambas as solu-
“forma”, o tratamento didático dado a matemática ções, pois quanto mais solução ácida
tal conteúdo, de maneira a torná-lo Descreverei aqui como as noções (volume de solução, VA) houver para ser
“assimilável” pelo aluno. matemáticas citadas podem ser asso- neutralizada, mais solução básica (VB)
Ainda que a forma, para muitos pe- ciadas a certos temas abordados na será necessária para a neutralização;
dagogos e professores, seja vista disciplina de química e, ao mesmo b) as concentrações das soluções
como um mero “adereço” que se tempo, procurarei mostrar de que for- utilizadas, pois quanto maior for a con-
acrescenta ao conteúdo, como apenas ma a integração desses conteúdos centração da solução ácida (CA) em
técnica, sua importância não deve ser pode permitir uma relação à concentra-
menosprezada, pois, como já foi refe- configuração didática A configuração assumida ção da solução bási-
rido, quem dá forma ao conteúdo são mais interdisciplinar. pela experiência didática ca (CB), maior volume
os sujeitos da relação (o professor e o Os temas em questão irá determinar, por desta última (VB) será
aluno), sujeitos que “falam” a partir de são a reação de neu- exemplo, se aquela gasto na neutraliza-
seus contextos, agem sobre o conteú- tralização entre um áci- experiência veicula uma ção. O inverso tam-
14 do, reelaborando-o como uma expe- do e uma base e a apli- mensagem correspondente bém é verdadeiro:
riência didática, uma experiência de cação deste conheci- a uma perspectiva quanto maior for CB
aprendizagem. E cada experiência vei- mento à análise quan- fragmentária ou em relação a C A
, me-
cula uma mensagem. Tal mensagem titativa de soluções integradora do nor VB
será gasto.
é que constitui, verdadeiramente, o (particularmente a vo- conhecimento Resumindo, VB va-
conteúdo do ensino. lumetria), conteúdos ria de forma direta-
É a configuração assumida pela tradicionais da disciplina de química, mente proporcional a
experiência didática que irá determinar, no ensino médio. VA e também a CA, porém de forma
por exemplo, se aquela experiência De forma bem sucinta, podemos inversamente proporcional a CB. Esta
veicula uma mensagem correspon- considerar ácidos e bases como subs- relação de proporcionalidade entre as
dente a uma perspectiva fragmentária tâncias que têm um comportamento quatro variáveis envolvidas pode ser
ou integradora do conhecimento. Se o característico quando dissolvidos em resumida na seguinte equação:
professor considera válido o objetivo 2
água (solução aquosa) . O ácido, nesta
de integrar conhecimento, conforme condição, reage com a água, produ-
havia me referido anteriormente, ele zindo íons hidrônio (H3O+), enquanto
pode planejar sua ação didática de a base se dissocia, liberando íons hi- Por outro lado, podemos verificar
maneira a selecionar conteúdos e ex- – +
dróxido (OH ). Esses íons (H3O e OH ) – que ao estabelecermos, de forma par-
periências que permitam ao aluno vis- combinam-se quimicamente para ticularizada, as relações entre volumes
lumbrar as relações interdisciplinares, formar água, o que significa que a e entre concentrações, a mesma equa-
ou seja, relações entre campos di- presença de um ácido e uma base jun- ção de proporcionalidade pode ser
versos do conhecimento. Essas expe- tos, em solução aquosa, resulta em expressa sob duas formas diferentes,
riências constituiriam “configurações uma neutralização recíproca, a qual em um e noutro caso:
epistêmico-didáticas” integradoras – produz água (H2O) (Brady e Humiston, 1) Para a volumetria por neutrali-
tomando de empréstimo a terminologia 1986). Esquematicamente, teríamos: zação de um ácido por uma base (aci-
empregada por Forquin (1993) – ou, a) ácido em solução aquosa (exem- dimetria):
pelo menos, potencialmente integra- plo: ácido clorídrico, HCl):
doras do conhecimento. (1)
Algumas noções ou conceitos, vei- HO
HCl(g) → Cl–(aq) + H3O+(aq)
2

culados nas disciplinas curriculares, ou


prestam-se especialmente a esse obje- b) base em solução aquosa (exem-
tivo. As noções de proporcionalidade plo: hidróxido de sódio, NaOH): (2)
e função matemática constituem bons H2O
exemplos, pois servem como modela- NaOH(s) → Na+(aq) + OH–(aq) 2) Para a volumetria por neutrali-

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zação de uma base por um ácido (alca- sica empregada na neutralização, o vo- dente a um mol de H3O+ para cada mol
limetria): lume de solução básica utilizado será de OH–.
o dobro do volume de solução ácida A equação que traduz a neutrali-
(3) tomado como amostra3. zação entre H3O+ e OH– é a mesma
Em condições experimentais (como descrita para a função matemática,
ou em aulas “práticas” de química, por evidenciada anteriormente. Porém,
exemplo), este princípio é utilizado para neste caso, ela é expressa de forma a
(4) se descobrir a concentração de uma evidenciar a relação entre quantidades
solução ácida ou alcalina qualquer (a de matéria, e não a função matemática
Pode-se notar que a relação entre qual denominarei “solução-problema”), (o que seria natural esperarmos, se
os volumes de solução (VB e VA) é me- promovendo sua neutralização com levarmos em conta os objetivos tradi-
diada pela razão CA/CB (Equação 1). uma solução (ácida ou alcalina, confor- cionalmente propostos para o ensino
Por outro lado, a relação entre as con- me o caso) cuja concentração é conhe- de química). A equação, então, é apre-
centrações (CA e CB) cida. Esta última solu- sentada sob a forma VB . CB = VA . CA,
é mediada pela razão Embora haja um ção é denominada so- sendo o produto entre volume e con-
VB/VA (Equação 2). O fundamento matemático lução-padrão. Ela é centração, “V . C”, correspondente às
mesmo vale para a implícito na técnica da preparada no labora- quantidades de matéria de H3O+, ou de
alcalimetria (Equa- titulação, o professor de tório, a partir da base OH–, em jogo na neutralização.
ções 3 e 4). química normalmente não ou do ácido puros Resumidamente, o que temos aqui
Em termos da prá- explicita este princípio (concentrados), em é o seguinte:
tica de laboratório, para seus alunos. É até uma concentração
podemos afirmar que mesmo provável que adequada ao que se
ambas as razões (CA/ muitos professores sequer pretenda. O processo
CB e VB/VA) são cons- se dêem conta da relação da determinação da
tantes, pois sempre que existe entre titulação e concentração desco-
se toma um volume função matemática nhecida desenvolvido
Atente o leitor para o fato de que a 15
pré-determinado “x” desta forma é comu-
de solução ácida para ser neutralizada, mente denominado titulação. técnica da titulação unifica, em uma
o qual irá implicar no gasto de um volu- Por exemplo, se, ao titularmos mesma configuração, noções quími-
me “y” de solução básica, e não outro. 10 mL (0,010 L) de uma solução ácida cas e matemáticas. Assim como afir-
De maneira correspondente, isto (cuja concentração desconhecemos), mamos que a neutralização entre par-
ocorre porque as concentrações de gastarmos 20 mL (0,020 L) de uma tículas oriundas de ácidos e bases se
ambas as soluções também já estão solução-padrão de base com concen- dá a partir da combinação entre iguais
fixadas, no momento em que se pro- tração (CB) igual a 0,10 mol/L, teremos quantidades de matéria de ambas - o
cede à neutralização. Dito de outra a seguinte situação4: que ilustra o princípio da conservação
forma, não importa quais sejam os vo- das entidades químicas, átomos e
lumes das soluções ácida e básica que íons, nas transformações químicas e
estejam reagindo entre si: o quociente nos permite quantificar concentrações
entre ambos os valores será sempre o de partículas nas soluções, a partir das
mesmo, expresso matematicamente quantidades de reagentes utilizados
por um valor constante. Chegamos, assim, à concentração (base química da titulação) - é igual-
Sendo assim, o fundamento mate- da solução ácida. mente correto afirmar que, na titulação,
mático do processo é uma função a concentração (de íons H3O+ ou OH–)
Implicações didáticas da solução-problema é uma variável
matemática de primeiro grau, expressa
pela fórmula geral y = a . x, onde a re- É interessante observar que, embo- dependente (y) da concentração da so-
presenta a razão constante entre os vo- ra haja um fundamento matemático lução-padrão (x), sendo a relação en-
lumes ou entre as concentrações das implícito na técnica da titulação, o pro- tre ambas mediada pela razão cons-
soluções empregadas (VB/VA ou CA/CB), fessor de química normalmente não tante entre os volumes das soluções
o que pode ser resumido no seguinte explicita este princípio para seus alu- empregadas - VB/VA - (base matemática
esquema: nos. É até mesmo provável que muitos da titulação).
professores dessa disciplina sequer se Entretanto, dada a fragmentação
y=a.x → dêem conta da relação que existe en- atual em que se encontra o conheci-
tre titulação e função matemática. mento, no qual noções correlatas se
Se, por exemplo, trabalharmos com Quando abordada em química, a equa- encontram isoladas em diferentes
CA/CB = 2, teremos VB = 2 VA. Ou seja, ção da titulação é expressa de maneira especialidades, o que se percebe
se o que se quer é neutralizar uma a evidenciar a capacidade de neutrali- acontecer é que, enquanto o profes-
solução ácida cuja concentração é o zação recíproca entre ácido e base, a sor de química, ao tratar titulação, uti-
dobro da concentração da solução bá- qual se dá em uma relação correspon- liza apenas noções restritas a este

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campo do conhecimento, o professor ra, o professor pode revelar à turma o mento de resistência, em um contexto
de matemática, normalmente, desco- valor de CB, e explicar-lhes como se no qual a tendência é que se acentue
nhece o fato de que a titulação pode procede para o preparo da solução- o isolamento entre as áreas do conhe-
representar um interessante exemplo padrão (com CB pré-estabelecido). Ele, cimento.
de matemática aplicada à química. na verdade, lhes estaria explicando a
Do ponto de vista da aprendiza- resolução da função linear CA = 3 CB Notas
gem, a questão que se coloca é a se- (y = 3 x). 1. O termo “didatizar” é empregado
guinte: se a titulação tem um funda- Talvez os alunos achem interessan- aqui em um sentido especial, inspirado
mento matemático, para compreendê- te terem auxiliado, não somente a re- pelas recentes reformulações epistê-
la integralmente não seria relevante solver a equação, mas também parti- mico-conceituais pelas quais vem
analisar este fundamento, independen- cipar de sua construção, calculando a passando o campo da Didática (as
temente do fato de que isto seja feito constante a = 3. Outro aspecto que quais se encontram bem represen-
pelo professor de química ou pelo pro- talvez lhes chame a atenção seja a re- tadas em Freitas (1987 e 1995), Lenoir
fessor de matemática? Em um caso ou solução matemática de um problema (1996) e Oliveira (1992). “Didatizar”
no outro, creio que o aluno poderia ser químico (ou seria este um problema envolveria um modo particular de estru-
beneficiado, incorporando uma pers- matemático?...). De qualquer forma, a turação do conhecimento no campo
pectiva mais abrangente e integrada de configuração didática proposta traz em pedagógico, neste caso o currículo
um fenômeno abordado, freqüente- si o pressuposto de que o caráter de escolar em ação. A configuração desse
mente, de forma um tanto parcial e “novidade” nela envolvido – opor- conhecimento se dá pela interação
fragmentária. tunizado por uma certa “mistura” de entre os elementos condicionantes da
química com matemática – é algo especificidade disciplinar e o conheci-
Sugestões para didatização merecedor do status de um objetivo mento pedagógico que fundamenta
Em termos de planejamento didáti- pedagógico válido. A idéia é a de que qualquer ação didática, em uma pers-
co, supõe-se que o ideal seja a incor- configurações didáticas integradoras, pectiva que difere radicalmente da
poração do princípio matemático de no mínimo, potencializam a integração concepção tradicional que identifica
16 forma que o aluno tenha a oportuni- do conhecimento pelo aluno. didática com “técnica de ensino”.
dade de fazê-lo através de uma gene- Pôde-se constatar, através de pes- 2. Para efeito de simplificação e
ralização por ele mesmo construída. quisa realizada com professores da considerando a situação particular de
Sendo assim, uma alternativa (para área de ciências do ensino médio (Sil- soluções aquosas ácidas e alcalinas -
aulas de química ou de matemática5) va, 1996 e 1999) e através da própria objeto deste artigo – estarei empregan-
seria o preparo da solução-problema experiência como professor, que tanto do a conceituação de Arrhenius (con-
utilizando-se volumes diferentes da alunos quanto docentes tendem a forme Brady e Humiston, 1986) para
mesma solução para diferentes grupos demarcar - de forma bastante precisa, ácidos e bases, exclusivamente. Com
de alunos. Como as concentrações da rígida e muitas vezes implícita, subli- o mesmo objetivo, a noção de neutra-
solução-problema e da solução- minar – as fronteiras entre disciplinas, lização parcial não estará sendo em-
padrão já estariam definidas e, como a despeito do fato de as pregada, por ser
vimos, sua relação (CA/CB) é constante, relações interdisciplina- A configuração didática considerada irrele-
os alunos chegariam, aproximada- res muitas vezes se mos- proposta traz em si o vante nesta aná-
mente, ao mesmo resultado para o trarem evidentes no diá- pressuposto de que o lise.
volume de solução-padrão gasto na logo pedagógico. Os caráter de “novidade” nela 3. Levando-se
titulação, caso utilizassem o mesmo sujeitos da relação didá- envolvido – oportunizado em conta que as
volume de soluçãoproblema. Ou seja, tica afirmam, dessa ma- por uma certa “mistura” de “unidades” que se
a razão entre os volumes de solução- neira, a fragmentação química com matemática – neutralizam são as
problema e solução-padrão seria oriunda do contexto cien- é algo merecedor do status partículas (íons)
constante6. Por exemplo, se CA = 3 CB, tífico como uma realidade de um objetivo OH– e H3O+, CA de-
todos os grupos chegariam a VB = 3 curricular. pedagógico válido. A idéia ve ser compreen-
VA (como já foi visto, graças à cons- Este processo de re- é a de que configurações dido, mais adequa-
tância das concentrações, teríamos de- produção da fragmenta- didáticas integradoras, no damente, como
duzido, até aqui, a constância da razão ção epistemológica mínimo, potencializam a “concentração de
entre os volumes). contemporânea, nos cur- integração do íons H 3 O + ” e C B
Uma vez que VB = 3 VA, pode-se rículos escolares, traz conhecimento pelo aluno como “concentra-
supor que seja relativamente fácil para prejuízo à aprendizagem, ção de íons OH–”.
o aluno compreender que isto significa tendo como conseqüência uma apre- CA somente será idêntica à concen-
que CA = 3 CB (uma função linear!) e ensão igualmente fragmentária da tração do ácido em solução quando
que, sendo assim, se soubéssemos o realidade, tanto pelo professor quanto este for um ácido monoidrogenado
valor de CB (nosso x), chegaríamos à pelo aluno. Daí a importância de um (como o HCl, por exemplo). O mesmo
concentração desconhecida da solu- questionamento consciente das fron- vale para CB, que será idêntica à con-
ção-problema (CA, nosso y). A esta altu- teiras interdisciplinares, como instru- centração da base em solução apenas

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quando se tratar de uma monobase não deter o domínio adequado sobre 6. É importante ressalvar que os
(como o NaOH, por exemplo). Nas as noções de proporcionalidade e resultados experimentais obtidos pelos
demais situações, se o que se deseja função. Quanto a isto, é difícil prescre- alunos irão representar uma aproxima-
é chegar à concentração do ácido ou ver uma orientação mais adequada a ção – normalmente grosseira – da
da base, será necessária a retificação cada situação. Talvez o professor de equação matemática da titulação. Co-
do cálculo, de acordo com o número química possa “esperar” para tratar o mo, a esta altura, a maioria deles não
de H3O+ ou OH– ionizáveis por molé- tema volumetria a uma certa altura do detém a habilidade necessária para
cula de cada substância. desenvolvimento curricular em que o uma execução “precisa” da técnica –
4. Vale aqui o que já foi referido na aluno tenha tido a oportunidade de ressalvado o grau de precisão relativa,
nota 3. aprender funções, na disciplina de ma- intrínseco à própria técnica –, quanto
5. São várias as opções: a) o pro- temática. Ou, preferindo uma inversão mais repetições eles puderem realizar,
fessor de matemática poderia abordar dessa “lógica” pedagógica tradicional, mais os resultados tenderão a se
o tema, contando com a assessoria do resolva problematizar com seus alunos aproximar do ideal. O professor pode
professor de química para o preparo o que define uma função matemática, enfatizar este aspecto, estimulando os
das soluções; b) de forma semelhante utilizando para este fim a técnica da grupos de alunos a realizarem três ou
– ainda que seja a ocorrência menos química volumétrica. O mesmo valeria mais repetições, a fim de obter um vo-
provável, dada a base matemática que para o professor de matemática, que lume gasto médio para mesmos valo-
normalmente integra a formação em poderia “provocar” o professor de quí- res de solução-padrão.Ressalvada a
química –, o professor de química po- mica a uma “antecipação” do conteúdo relevância educativa de se preservar o
deria buscar auxílio junto ao professor volumetria, como forma de aplicação rigor matemático, a ênfase aqui é colo-
de matemática para esclarecer-se matemática dos conceitos de propor- cada no processo de construção da
quanto à fundamentação matemática cionalidade e função. Em qualquer equação matemática que serve de fun-
da titulação; c) uma aula “mista”, con- caso, a integração das abordagens damento à técnica executada pelos
tando com a participação de ambos implicaria em uma revisão, potencial- alunos.
os professores, seria outra alternativa mente proveitosa, das “ordens” tradi- 17
particularmente recomendável. Outro cionalmente impostas aos currículos Elcio Oliveira da Silva (elcio@netcon.com.br),
aspecto que deve ser levado em conta de ciências e, quem sabe, poderia abrir licenciado em ciências (habilitação em biologia pela
UFRRJ), mestre em educação pela UFSC, é profes-
refere-se ao que se convencionou caminho para o exercício de uma maior sor (disciplinas de biologia e química) na Escola
chamar “pré-requisitos” de aprendiza- “mobilidade” no intercâmbio entre as Agrotécnica Federal de Concórdia, em Concórdia –
gem: o aluno pode desconhecer, ou disciplinas. SC.

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Abstract: Exploring the Mathematical Basis of Volumetry: A Didactic Proposal – The overcoming of the fragmentation of knowledge in the learning-teaching and educational processes is one of the
challenges systematicaly put to teachers and schools. This assumes the overcoming of the dominant view of curriculum, markedly centered on specialization and on the parting of subject fields. This paper
deals with a possibilityof articulation between two subjects – chemistry and mathematics – in the context of a theme that is part of high-school teaching: volumetry of neutralization, or acid-base titration.

Keywords: volumetry, interdisciplinarity, mathematical function

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