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m dos maiores desafios que o regente de coro infantil brasileiro encontra para a realizado de seu trabalho musical reside justamente na pesquisa e escolha do repertorio. Isto se deve a inimeros fatores que, ao longo do tempo, vém se tornando um pesa- delo em suas vidas. O que cantar? Reportemo-nos a décadas passadas, em que can- to orfesnico era disciplina obrigatéria nos programas oficiais das escolas regulares e todas as criangas pas- savam pela fantastica experiéncia do canto em gru- po. Jé residia ali uma grande preocupagao com o re- pertério a ser interpretado. Sabiamente, Heitor Villa- Lobos compilou e arranjou centenas de misicas fol- cléricas brasileiras em seu Guia Pratico, revelando ao pais toda a magia poética das cangées que 0 povo inventou. Ao tomar de empréstimo esse rico material musical, Villa-Lobos foi o artifice de um sem ntimero de cores infantis de norte a sul do pais Os tempos mudaram e as leis nao privilegia- ram 0 canto nas escolas... Restou apenas a vaga lem- branga de uma ou outra cancao folclérica, que tam- bém envelheceu com sua roupagem pouco atraen- te para os dias de hoje. E, novamente, o caos se fez presente na incessante busca de um material musi- cal que atendesse aos anseios da crianca do quase século 21. Acostumada a realidade moderna e virtual, a cri- anga exige uma linguagem condizente com o seu tem- po. A tecnologia esta presente em todos os momen- tos de sua vida; ao acionar um boto, descortina-se canto, ye um mundo inteiro & sua frente; sons e imagens se multiplicam revelando em segundos uma gama infini- ta de assuntos que a coloca mais préxima da comu- nhao césmica, E ela convive com esse fenémeno de uma maneira to natural e coerente, que para nés adultos (ainda um tanto assustados) torna-se cada vez mais dificil acompanhar pedagogicamente esta fre- nética evolugao. © que cantar? Diante desta irreversivel realidade, o regente tem que correr contra 0 tempo e buscar atrair seus canto- res com cangées que retratem o cotidiano, lancando mao de recursos préprios da contemporaneidade. E imprescindivel que a poeira do repertério seja aspira- da e que se renove a linguagem do canto infantil atra- vés de assuntos musicais ¢ poéticos que estejam em total sintonia com o dia-a-dia das criangas. Entretan- to, 0 risco de se langar desesperadamente em busca da novidade pode levar o regente a incorrer em equi- vocos que ressoem ecos da banalidade grotesca. Cum- prea ele detectar 0 objeto de arte no repertério novo ou recriar antigos temas de forma que o lidico se con- funda com o estético. Renovar o repertério nao é cap- turar partituras mil como quem coleciona receitas de bolo... ha de se ter um critério onde 0 aprendizado esteja diretamente ligado ao processo criativo e & des- coberta das potencialidades de cada crianca Amaury Vieira Regente co coral de Escola Federal de Engenharia de tajubs edo Coral Infanti do Coldgio XX de Margo de ajubs uma coletanes de 12 cangées para cor infant Anilise © canto coral é dindmico e 0 repertério deve acompanhar 0 momento do grupo e nao 0 gosto pes- soal do regente. Saber a necessidade do grupo em cada etapa do seu desenvolvimento facilitard a escolha das pe- ¢as. Por sua vez, as particularidades técnicas de cada uma delas apontario 0 momento adequado para a sua utilizaco. Principios basicos para a anilise de repertério Pecas que estejam dentro de uma tessitura vocal a- dequada (vide o capitulo 3) * Texto com bom contetido, apropriado a faixa etaria do grupo Masicas tecnicamente aces- siveis, mas que proponham desafios Conjunto de pegas que via- bilizem 0 desenvolvimento vocal do grupo Fim de fe ePERTORO ei fons Aspectos técnicos que © repertério deve desenvolver ° Boa colocacao vocal e dicao adequada Percepgao auditiva e afinagao Precisao ritmica e dicgdo Boa sonoridade e timbre Criatividade e sensibilidade Formagao cultural Repertério ja existente para Coro Infantil Folclore nacional e de outros paises Masica popular brasileira Repertério composto e editado para coral infantil (autores brasileiros @ estrangeiros) O que cantar A crianca pode, a principio, cantar tudo. Mas a atividade coral deve buscar oferecer aquilo que difi- cilmente serd vivenciado por ela em outro lugar. A definicéo do grupo e da proposta do trabalho sio fundamentais para uma boa escolha do repertorio. A capacidade da crianca nao pode ser subesti- mada. Ela possui um senso estético e critico agucado e seu aprimoramento funcao da atividade artistica, Contetido de pe um repertério Estilos e géneros variados Diferentes graus de dificuldade Pecas atraentes que despertem 0 interesse pela atividade Pecas em tonalidades maiores e menores modais atonais, sem altura definida Pecas com e sem acompanhamento instrumental Pegas que introduzam o trabalho a vozes e cénones a) aC Importante: Ao se analisar as dificuldades de uma peca, nao se pode perder de vista os limites entre a acomo- dago, 0 desafio e a frustragao. O objetivo do tra- balho deve estar sempre presente Cada pega deve trabalhar um ou mais aspectos da técnica vocal e da linguagem musical, de ma- neira que sejam encontrados no repertério todos os elementos para um desenvolvimento musical global E aconselhavel que o regente nao escolha varias pegas que apresentem a mesma dificuldade. A res- ponsabilidade da escolha do repertério é do re- gente. Porém, sugestdes do grupo devem ser con- sideradas e, se possivel, aceitas. O repertério es- colhido também deve estar ao alcance técnico do regente. Como o repertério pode auxiliar no desenvolvimento vocal Dificuldade Beneficios Notas longas Respiragao e afinagdo © Cromatismo Afinacdo e percepcao © Brincadeiras Expresso corporal ¢ musicais musicalizagao Trava-linguas Dicedo e ritmo Importante: none | Es Nao tenha pressa em iniciar 0 can- sermons to a varias vozes. Uma sonorida- de uniforme precisa de tempo para ser construfda, principalmen- te se 0 grupo nao teve uma ativi dade vocal anterior. O unfssono perfeito é, por vezes, mais dificil de ser executado que uma miisica a mais de uma voz Portanto, ndo deve haver precon- ceitos em relagéo a um trabalho simples, e sim muito cuidado com trabalhos mal realizados. O preparo Depois de escolhido, o repertério precisa ser ple- namente estudado e conhecido pelo regente. Um intervalo dificil de cantar ou uma passagem de texto com articulago mais complicada detecta- dos durante o estudo provavelmente serao as mes- mas dificuldades a serem enfrentadas pelo grupo nos ensaios. Estudando a Peca Analisar morfologicamente a peca escolhida (for- ha ma/partes/motivos) reer. Fazer a leitura ritmica Repetir a leitura incluindo o texto Incluir a melodia Conhecer 0 compositor e 0 género da misica Cantar varias vezes a pega inteira observando o fraseado e a interpretacdo Procurar decorar a peca Estudar de que modo a regéncia poderé auxili ar na concretizagao do projeto sonoro Analisar 0 contetido e o sentido do texto ee Observar os acentos fonéticos em relacdo 8 acentuacao musical Procurar conhecer o autor do texto e sua obra Estudando o texto * Verificar se 0 vocabulario é acessivel as criangas © Analisar 0 contetido e 0 sen- tido do texto * Observar os acentos fonéticos em relagdo 4 acentuacao musical * Procurar conhecer 0 autor do texto e sua obra Lembretes: Uma musica pode acomodar-se_melhor meio tom acima da tonalidade original. Uma andlise da peca quanto & tessitura auxiliaré na definigdo da tonalidade a ser usada. Muitas vezes a execugao de um deter- minado trecho melédico pode ser facili- tado por uma harmonia bem conduzida. A Capela ou acompanhado Nao hé instrumento mais adequado para acom- panhar uma voz do que outra voz. O canto a capela possibilita que seja ouvida toda a riqueza timbristica da voz humana, alm de agucar a percep¢ao auditiva de quem canta e de quem ouve. Mas é preciso considerar que vivemos em um contexto sonoro bem diferente dos primérdios do canto coral e esse tipo de atuacdo necesita de cer- tas garantias. CO regente deve ter como ideal que todo grupo é capaz de cantar a capela. Mas quando isso vai aconte- cer dependerd de cada trabalho e de cada contexto. We, REFERTORO ee ! Necessidade oo do canto a capela Muita seguranga de quem esta cantando * Atuacao vocal bem cuidada Repertério adequado Acistica favoravel (reverberagao bem dosada e ambiente ndo muito amplo) Se as criancas que compéem 0 grupo nio tive- ram contato com outra atividade musical, 6 mais difi- cil alcangar esse parametro vocal a curto prazo, e o trabalho, que esté em sua fase inicial, poder tornar- se desestimulante. Some-se a isso a realidade da in- formacéo musical da maioria das criancas de grandes centros urbanos, oriunda geralmente de radios e TV. Usando instrumentos Considerando tudo isso, a utilizago de um ou mais instrumentos acompanhantes nesse inicio da ati- vidade deve ser entendida como uma ferramenta a mais para o trabalho. © equilfbrio na sua utilizacdo é fundamental para que esse recurso nao se transforme apenas em uma escora. Ao contrario do que se pensa, o piano nao 6 0 instrumento ideal para acompanhar a voz. Seu som é Percutido, diferente da voz, que é soprada. Se seu toque for batido, 0 coro sera induzido a um som de carater percutido (socado). Como instrumento acom- Panhante o piano precisa ser tocado “piano”, isto é, nao pode se sobrepor as vozes infantis, Deve-se tirar proveito da pos dade harménica e timbristica do instrumento, preferindo 0 acompa- nhamento com acordes ao invés da melodia dobrada. © mesmo pode- se dizer do violao. Também o vio- lio nao possui um som continuo como a voz, mas ndo ameaga o coro em relagao ao volume.

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