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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

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Telefone: 3330-9515/33308399 – e-mail: caosaude@mpmg.mp.br

PARECER JURÍDICO 19/2018

OBJETO: Consulta. 01ª Promotoria de Justiça da comarca de Nova Resende.


Terceirização dos serviços públicos de Saúde. Política Nacional de Atenção Hospitalar
(PNHOSP). Bens Públicos. Doação de bens imóveis pela Administração Pública. Doação
do Hospital Santa Rita à Associação Solidária Pró-Saúde e Assistência Social – ASPAS.
Interesse público não comprovado.

1. RELATÓRIO

Cuida-se de consulta formulada pela 01ª Promotoria de Justiça de Defesa da


Saúde da comarca de Nova Resende, encaminhada através do Ofício nº 021/PJNR, a este
Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde
(CAOSAUDE), em que solicita análise acerca da conveniência da doação do Hospital
Municipal Santa Rita, localizado no município de Nova Resende, à Associação Solidária
Pró-Saúde e Assistência Social – ASPAS.
Conforme documentação encaminhada por essa promotoria de Justiça,
referida associação é responsável pela gestão administrativa, financeira e médico-hospitalar
do Hospital Municipal Santa Rita, recebendo para tanto, mensalmente, o repasse de
R$300.000, 00 (trezentos mil reais).
Ainda, à míngua das informações, para a transferência da gestão da unidade
pública de saúde (Hospital Municipal Santa Rita) à ASPAS, não consta que o município
tenha realizado levantamento detalhado acerca da situação da gestão de gastos com a saúde
pública local e da qualidade dos serviços prestados, averiguando a necessidade de se optar

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pela terceirização dos serviços de saúde prestados no âmbito do Hospital Municipal Santa
Rita.
O Hospital Municipal Santa Rita é cadastrado no CNES sob o nº 2172836,
como Hospital Geral, sob gestão dupla, com 26 leitos existentes, todos do Sistema Único
de Saúde – SUS.
Em suma, a Secretaria Municipal de Saúde local apresentou as seguintes
alegações para justificar o interesse público na eventual doação do Hospital Municipal
Santa Rita à referida associação: - o repasse mensal realizado pelo município de
R$300.000,00 (trezentos mil reais) à associação é insuficiente para arcar com todas as
despesas do estabelecimento; - sendo o Hospital Municipal Santa Rita uma entidade
pública, não lhe é permitido arrecadar recursos financeiros que não sejam provenientes de
entes governamentais, não podendo realizar procedimentos particulares e/ou
complementares que venham a equilibrar a saúde financeira da instituição, pois os
atendimentos realizados são 100% (cem por cento) via SUS; - a privatização do Hospital
Municipal Santa Rita proporcionará à ASPAS a oportunidade de arrecadar fundos para a
manutenção dos serviços ofertados pelo estabelecimento.
Em sendo assim, esse Órgão de Execução solicita a este centro de apoio
análise acerca da conveniência da doação do Hospital Municipal Santa Rita à ASPAS.
Foi instaurado Procedimento de Apoio a Atividade Fim – PAAF sob o nº
0024.18.003945-5, com cadastro no Sistema de Registro Único – SRU, para melhor
subsidiar a demanda.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Da gestão compartilhada (terceirização) dos serviços públicos de saúde

Primeiramente, mister salientar que essa matéria, versando sobre gestão


compartilhada de serviços públicos de saúde, foi enfrentada por este Centro de Apoio
Operacional (CAOSAUDE), conforme Pareceres Técnicos Jurídicos nº 14/2009, 07/2011,
04/2013 e 012/2017, disponíveis no seu portal eletrônico.

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Enfim, o Parecer Técnico Jurídico nº 012/2017 deste CAOSAÚDE, que
trata da gestão compartilhada de serviços públicos de saúde, aborda, dentre outros, a
decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, ao apreciar essa matéria, por decisão
plenária unânime, nos autos do Acórdão nº TC 018.739/2012-1, de 27 de novembro de
2013, não apenas reconheceu a possibilidade da gestão compartilhada nos serviços públicos
de saúde, como, também, determinou ao Ministério da Saúde (MS), no prazo de 90
(noventa) dias, elaborasse normativo que regulamentasse a participação das organizações
sociais no SUS (OSS), compreendendo, em especial, a transferência do gerenciamento de
unidades públicas de saúde para as organizações sociais.
Também, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na sessão do
dia 16/04/2015, do julgamento da ADIN 1923, decidiu pela validade da prestação de
serviços públicos não exclusivos por Organizações Sociais em parceria com o Poder
Público. Ressaltou, contudo, que a celebração de convênio com tais entidades deve ser
conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios
constitucionais que regem a Administração Pública (caput, do artigo 37). Assim, foi dada
interpretação conforme a Constituição às normas que dispensam licitação em celebração de
contratos de gestão firmados entre o Poder Público e as Organizações Sociais, para
prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico,
proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde.
Por fim, como orientação institucional, este CAOSAUDE tem-se
posicionado pela observância daqueles requisitos objetivos, exigidos pelo TCU e STF,
assim como os seguintes: a) demonstração, se possível, da situação de comprometimento
do limite prudencial do município junto ao Tribunal de Contas; b) execução de estudo
fundamentado, pelo Poder Executivo Municipal, que demonstre ser a transferência do
gerenciamento do equipamento hospitalar público, pela Organização Social de Saúde
(OSS), melhor opção, assim como avaliação precisa dos custos do serviço e dos ganhos de
eficiência esperados e planilha detalhada com a estimativa de custos a serem incorridos na
execução dos contratos de gestão, estudo ao qual deverá ser dada ampla publicidade, com
remessa à Câmara Municipal e ao Conselho Municipal de Saúde, além de sua
disponibilização, para consulta dos interessados; c) autorizativo por lei municipal, com
prévia aprovação do Controle Social; d) processo, no mínimo, próximo ao da licitação,

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como o chamamento público. Havendo mais de uma organização social interessada, o
processo passa a ser seletivo; e) qualificação preferencial para as entidades filantrópicas ou
sem fins lucrativos; f) comprovada experiência na área da saúde; g) acompanhamento,
pelos órgãos de controle, inclusive Ministério Público, do edital e contrato de gestão; h) ato
administrativo de cessão dos servidores públicos, se for o caso, com ônus exclusivamente
para a origem, salvo bonificações decorrentes da produtividade que possam ser instituídos,
observados, nesse caso, o teto fixado na Constituição e na Lei Orgânica Municipal. O
servidor cedido perceberá as vantagens do cargo a que fizer jus no órgão de origem, bem
como se submete ao poder disciplinar do órgão de origem; i) processo seletivo para os
contratados pela entidade, a fim de evitar-se o nepotismo; j) isonomia salarial entre os
servidores públicos e os contratados por processo seletivo público; k) especificação do
programa de trabalho proposto pela organização social, estipulação das metas a serem
atendidas e respectivos prazos de execução, bem como previsão expressa dos critérios
objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de
qualidade e produtividade; l) aquisição de produtos e serviços pelo processo de consulta
aos registros de preços da Secretaria Estadual de Saúde (SES-MG) ou do Ministério da
Saúde (MS); m) apresentação, pela entidade OSS, de relatório de execução do contrato de
gestão, aos órgãos de controle e Conselho de Saúde, contendo análise comparativa
específica das metas propostas e dos resultados alcançados, por meio da indicação
detalhada dos indicadores de qualidade e produtividade fixados no plano de trabalho.
Mister ressaltar que, no caso concreto, não foi enviada a este Centro de
Apoio cópia do Convênio celebrado entre o município de Três Pontas e a Associação dos
Solidários Pró-Saúde e Assistência Social – ASPAS, o qual transmitiu a gestão do Hospital
Municipal Santa Rita para esta associação e, tampouco, solicitado análise da legalidade dessa
terceirização dos serviços públicos de saúde.

2.2. Dos bens públicos

Definidos no art. 99 do Código Civil, Bens Públicos são todos aqueles


que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, ou seja, União, Estados,
Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas.

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De acordo com a lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO
FILHO, o Código Civil de 2002 divide os bens públicos, segundo à sua destinação, em
três categorias: Bens de uso comum do povo ou de Domínio Público, Bens de uso
especial ou do Patrimônio Administrativo Indisponível e Bens dominicais ou do
Patrimônio Disponível (Manual de Direito Administrativo. 17.Ed. São Paulo. Lumen
Juris. 2007):
“- Os bens de uso comum do povo ou de Domínio Público são
os bens que se destinam à utilização geral pela coletividade (como por exemplo,
ruas e estradas).
- Os bens de uso especial ou do Patrimônio Administrativo
Indisponível são aqueles bens que destinam-se à execução dos serviços
administrativos e serviços públicos em geral (como por exemplo, um prédio onde
esteja instalado um hospital público ou uma escola pública).
- Os bens dominicais ou do Patrimônio Disponível são aqueles
que, apesar de constituírem o patrimônio público, não possuem uma destinação
pública determinada ou um fim administrativo específico (por exemplo, prédios
públicos desativados).”

A Afetação de um bem público ocorre quando o bem está sendo utilizado


para um fim público determinado, seja diretamente pelo Estado, seja pelo uso de
particulares em geral. A afetação poderá se dar de modo explícito (mediante lei) ou de
modo implícito (não determinado por lei). Os bens de uso comum e os bens de uso
especial são bens afetados.
A desafetação é a mudança da forma de destinação do bem, ou seja, se deixa
de utilizar o bem para que se possa dar a ele outra finalidade. Esta é feita mediante
autorização legislativa, através de lei específica. A desafetação possibilita à Administração
pública a alienação do bem, através de licitação, nas modalidades de Concorrência ou
Leilão.

Os bens públicos se caracterizam pela sua Inalienabilidade (os bens públicos


não podem ser alienados. Porém esta característica é relativa, pois nada impede a alienação

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de bens desafetados); Pela Imprescritibilidade (os bens públicos não são passíveis de
prescrição – usucapião); Pela Impenhorabilidade (os bens públicos não estão sujeitos a
serem utilizados para satisfação do credor na hipótese de não – cumprimento da obrigação
por parte do Poder Público); Pela não – oneração (os bens públicos não podem ser
gravados com direito real de garantia em favor de terceiros). Estas características visam
garantir o princípio da continuidade de prestação dos serviços públicos, pois estes atendem
necessidades coletivas fundamentais.

2.3. Da autonomia dos Municípios

Partindo da autonomia organizatória, administrativa, política e


financeira dos Municípios, nos termos dos arts. 1º, 18 e 30, I, da Constituição da
República, entende-se que os Municípios podem alienar seus bens, desde que
cumpram todos os requisitos legais.
Vejamos os artigos da Constituição Federal de 1988:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa


do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
(...)

Art. 30. Compete aos Municípios:


I - legislar sobre assuntos de interesse local;”.

2.4. Da Doação de Bens Imóveis pela Administração Pública

Os bens públicos são, em regra, inalienáveis. Apenas após a sua prévia


desafetação podem ser alienados, na forma da lei. Uma das possibilidades de alienação
de um bem público é a doação.
A doação de um bem público é possível, entretanto, não da mesma
forma que se processa a liberalidade sobre um bem de um particular, visto que este

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goza de autonomia e disponibilidade de seus bens, o que não ocorre com a
Administração Pública.
Quando se trata de doação de bem público, deve-se interpretar a
liberalidade de uma forma funcionalizada, ou seja, como um meio de atingir uma
finalidade pública, conforme lição da doutrina:

“(…) a doação de bens públicos deve ser compreendida em termos: afinal, quem
doará é uma pessoa da Administração Pública, e o bem a ser doado é uma coisa
pública. A ‘liberalidade’, aqui, portanto, é funcionalizada tendo em vista o
interesse público posto em jogo. Não se trata de mero ato de vontade pelo qual
alguém dispõe gratuitamente de seu patrimônio em benefício de terceiro, mas, sim,
do atingir de um interesse público primário por meio da transferência de específico
bem público (o beneficiado, portanto, deve ser a coletividade).”(MOREIRA, Egon
Bockmann; GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Licitação pública: a Lei
Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC. São
Paulo: Malheiros, 2012. p. 367-368).

Entretanto, sempre se deve ter em mente que a doação de um bem


imóvel pela Administração, apesar de possível, é uma medida excepcional, conforme
ensina RAUL DE MELLO FRANCO JÚNIOR (Alienação de bem público. São
Paulo: Ed. RT, 2011, p. 139-140):

“Como qualquer ato de disposição patrimonial, a doação de bem público somente


se mostra aceitável na medida em que seja possível identificar, no caso
concreto, sem rebuços, o interesse público que emana do ato.
Deve ser esse o objetivo maior a ser alcançado. Todo ato que dele se desgarrar
sujeitar-se-á á invalidação por desvio de finalidade.”(grifo nosso)

A doação de bem público imóvel é com frequência adotada pelos


Municípios, porém com modificações que são impostas ao poder público por força de
princípios constitucionais como os da motivação, da finalidade e do interesse público,
os quais exigem a evidenciação do interesse público naquelas doações. Desse modo, a
legislação local é quem dita as regras e as condições de sua efetivação.

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Dentre tais condições, é praticamente uniforme a previsão legislativa
de que a doação de imóveis pela Administração Pública a particulares deve ser
precedida de lei autorizativa específica, licitação e contrato, sendo esse último a própria
escritura por instrumento público, da qual devem figurar, obrigatoriamente, os
encargos do donatário. É regra pacificamente adotada pela jurisprudência de que não
pode haver doação de imóveis públicos sem a previsão de encargos de interesse
público a serem cumpridos pelo donatário em um prazo predeterminado em lei, sob
pena de reversão ao poder público.
O egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais já se
pronunciou a respeito do assunto, no julgamento da Consulta de nº 700.280, relatada
pelo i. conselheiro Moura e Castro:
“[...] os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser alienados, por meio de
doação a particulares, desde que satisfeitas determinadas condições, tais como
desafetação, se for o caso, autorização legislativa e, sobretudo, o reconhecimento de
interesse público, pois, na Administração, não se faz o que se quer, mas apenas o
autorizado em lei.”.
A autonomia constitucional dos Municípios, combinada com os arts.
99, 100 e 101 do Código Civil de 2002, são o fundamento deste entendimento, sendo
certo que a regra de inalienabilidade de bens públicos imóveis por doação a
particulares, constante do art. 17, I, b, da Lei de Licitações e Contratos
Administrativos, mostra-se inconstitucional com relação aos Estados e aos Municípios,
inclusive com medida cautelar nesse sentido já proferida pelo excelso Supremo
Tribunal Federal, ADI n. 927, sendo aplicável, assim, somente à União.
Na mesma linha, continua o egrégio Tribunal de Contas de Minas
Gerais, no voto do Conselheiro Simão Pedro, na Consulta nº 498.790:

“[...] os requisitos a serem observados pelo Poder Executivo Municipal, visando à


efetivação de doação de bem imóvel, são os seguintes:

1. existência de interesse público justificado (art. 17, “caput”, do aludido diploma


legal);
2. autorização legislativa; e

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3. avaliação prévia (art. 17, inciso I).
Desta forma, preenchidos os requisitos acima, não haveria restrições
para doações de imóveis pelos Municípios no exercício de sua autonomia, de modo a
efetivar a implementação de políticas públicas de interesse local.
Entretanto, conforme já foi dito, mesmo não havendo expressa
vedação para a doação de imóveis a particulares por entes públicos municipais
mediante os requisitos mencionados, a doação não se revela a mais apropriada ao
interesse público, devendo ser usada, excepcionalmente, quando inviáveis outras
modalidades de alienação de direito real que melhor preservam o patrimônio público e
a finalidade social da própria utilização do imóvel.
José dos Santos Carvalho Filho anota que:

“A Administração pode fazer doação de bens públicos, mas tal


possibilidade deve ser tida como excepcional e atender a interesse público
cumpridamente demonstrado. Qualquer violação a tais pressupostos espelha conduta
ilegal e dilapidatória do patrimônio público.

Embora não haja proibição constitucional para a doação de bens


públicos, a Administração deve substituí-la pela concessão de direito real de uso,
instituto pelo qual não há perda patrimonial no domínio estatal. Pode ocorrer que a
legislação de determinada pessoa de direito público proíba a doação de bens públicos
em qualquer hipótese. Se tal ocorrer, deve o administrador observar a vedação
instituída para os bens daquela pessoa específica.”. (CARVALHO FILHO, José
dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. rev. amp. atual. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 1.129.)

Ainda assim, a disposição do patrimônio público pelos critérios


genéricos de, por exemplo, carência econômica, mesmo que autorizada por lei local,
sem mais requisitos, e dissociada de uma política pública consistente, que esteja
vinculada às atribuições constitucionais do Município, viola o dever de conservação do
patrimônio público, art. 23, I, da Constituição da República, os princípios da
supremacia e da indisponibilidade do interesse público, além do da moralidade,
merecendo ser reputada inconstitucional.

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Ainda nesse sentido, segue o entendimento do egrégio Tribunal de
Justiça de Minas Gerais na Apelação Cível nº 1.0084.10.002330-2/001, de relatoria do
i. Des. Caetano Levi Lopes:

“EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.


DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO
INEXISTENTE. CONTRATO DE CONCESSÃO DE DIREITO
REAL DE USO DE IMÓVEL PÚBLICO. ULTERIOR DOAÇÃO
SEM AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. DANO AO ERÁRIO
PRE-SENTE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
CARACTERIZADA APENAS EM RELAÇÃO AO AGENTE
PÚBLICO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. O duplo grau de jurisdição obrigatório é exigido quando, em processo cognitivo,
a sentença é proferida contra entidade pública (art. 475, I, do CPC).
2. A rejeição de pretensão inicial deduzida pelo município não concretiza a
hipótese da norma jurídica processual legal mencionada.
3. A alienação de bens imóveis públicos exige a presença do
interesse público, avaliação prévia e autorização legislativa.
4. A concessão de direito real de uso de imóvel público com previsão de doação do
bem após dez anos de uso, sem amparo em legislação específica, caracteriza ato de
improbidade administrativa do agente público e enseja a aplicação das sanções
previstas na Lei nº 8.429, de 1992.”.

De fato, deve a Administração, preferencialmente à doação, usar outros


instrumentos que possibilitem o uso do bem público, sem a transferência da
titularidade. Utilizando-se da permissão de uso e da concessão de uso, com a cláusula
de manter o bem destinado à finalidade de interesse público que justificou a outorga
do uso do bem, a Administração não se desfaz de seu patrimônio

3. CONCLUSÃO

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Diante de tais considerações, concluímos que a doação de um bem
público não se reveste da liberalidade que o contrato tem quando se celebra perante
particulares. Na doação de bem público, a liberalidade é funcionalizada em razão do
interesse público decorrente da alienação.
Somente se torna justificável a doação de um bem público quando não
existir outra forma de satisfazer o interesse público. A doação deve ser subsidiária,
devendo a Administração dar preferência a outras formas de cessão de uso que não
impliquem transferência da titularidade do bem.
No caso concreto, analisadas as alegações feitas pelo Poder Municipal
para justificar o interesse público na eventual doação do Hospital Municipal Santa Rita
à ASPAS, não restou devidamente comprovado o interesse público. Tampouco,
realizaram estudo pormenorizado sobre a suficiência da capacidade instalada do
hospital e o impacto no atendimento aos pacientes do SUS quando passarem a atender
plano privado e particular. Portanto, de suma importância a apresentação desse estudo
pormenorizado demonstrando o interesse público na doação do Hospital Santa Rita à
ASPAS.
Nesse sentido, é pacífico que a doação de um imóvel, por parte da
Administração Pública, para um particular ou pessoa jurídica de direito privado
somente se justifica caso o donatário, em razão do recebimento da doação, atenda um
interesse público que justifique o ato de transferência da propriedade, ficando
autorizada a revogação e a reversão da propriedade, na hipótese de descumprimento
do encargo assumido pelo donatário.
No propósito de haver atendido sua demanda, sem mais para o momento,
ao ensejo renovo-lhe protestos de elevada estima e consideração.

Nélio Costa Dutra Júnior


Promotor de Justiça
Coordenador CAOSAUDE

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