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A questão central é que a atual legislação não foi inspirada pela realidade urbana,
sendo, por decorrência, equivocada conceitual e estruturalmente para a gestão
ambiental do tão singular espaço urbano. Este fato tem provocado um enorme
número de pendências legais conflituosas entre órgãos ambientais e
empreendedores urbanos públicos e privados, inviabilizando a implantação de
projetos urbanísticos planejados e dotados de adequados controles ambientais,
como também tem induzido, especialmente em grandes conglomerados urbanos, a
ocupações irregulares, do que resulta um maior comprometimento dos já escassos
recursos naturais e da qualidade ambiental dessas áreas. É por todos sabido que
porções significativas das metrópoles e grandes cidades brasileiras encontram-se
em situação irregular promovida em muito por leis inadequadas, que não refletem a
real dinâmica urbana.
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manter de áreas verdes no espaço urbano? Recomendável ainda especificar-se um
pouco mais, ou seja, de áreas verdes florestadas. A resposta é simples e cristalina:
quanto mais áreas verdes florestadas, melhor serão cumpridas as atribuições
ambientais de regulação climática; redução da poluição atmosférica; retenção das
águas de chuva; recarga de aqüíferos; proteção de encostas contra a erosão e
escorregamentos; proteção de margens e nascentes; abrigo e alimentação da fauna
urbana; lazer; embelezamento da paisagem urbana e aproximação física e espiritual
dos cidadãos com a Natureza.
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Dispositivos urbanísticos e de engenharia adequados, como pisos drenantes,
reservatórios, poços e trincheiras de infiltração e acumulação de águas de chuva,
sistemas de drenagem e de dissipação de energia hidráulica, etc., podem
propiciar que uma área de topo de morro urbanizada cumpra, e até supere, as
propriedades de uma área de topo de morro florestada no que diz respeito à
redução do volume e da energia das águas de chuva que demandam as encostas
e à alimentação do lençol freático. É perfeitamente possível tecnicamente,
portanto, estabelecer-se como condição elementar da liberação de uma área de
topo de morro para ocupação urbana o compromisso pelo qual a ocupação
pretendida deverá conservar ou ampliar, através de expedientes urbanísticos e
de engenharia, tanto a capacidade de infiltração das águas pluviais próprias da
área original florestada, como sua capacidade de reduzir o volume e a energia
hidráulica das águas que se derramam sobre as encostas;
O Código Florestal (Artigo 2º, item e) e a Resolução Conama 303 (Artigo 3º, item
VII) definem como APP as encostas com declividade superior a 45º (100%). Os
conhecimentos geológicos e geotécnicos mais recentes e abalizados indicam
que, especialmente em regiões tropicais úmidas de relevo mais acidentado, há
ocorrência natural de deslizamentos de terra já a uma declividade de 30º
(~57,5%), o que revela a enorme suscetibilidade dessas encostas a movimentos
de terra e rocha. Por seu lado, a Lei Nº 6.766, de dezembro de 1979, conhecida
como Lei Lehmann, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano no
território nacional, em seu Artigo 3º, item III, proíbe a ocupação urbana de
encostas com declividade igual ou superior a 30% (~16,5º), abrindo exceção para
situações onde são atendidas exigências específicas das autoridades
competentes;
A leitura geológica e geotécnica dessa questão indica como pertinente o
aumento de restrições na ocupação das encostas urbanas. Essa medida teria
forte correspondência com a necessidade ambiental de aumentarem-se as áreas
verdes florestadas no contexto do espaço urbano, conjunção oportuna que
poderia ser promovida pela decisão de reduzir de 45º (100%) para 22º (~40,5%) o
limite mínimo de declividade a partir do qual as áreas de encosta deveriam ser
consideradas Áreas de Preservação Permanente, e
A ocupação de encostas até os limites legais estabelecidos seria condicionada à
adoção de partidos urbanísticos, bem como à utilização de tipologias
habitacionais nas quais deveriam ser evitados, por exemplo, os cortes e aterros
nos terrenos e a instalação de dispositivos de infiltração de efluentes ou de
águas pluviais, ou seja, deveriam ser adotadas concepções de projeto e
expedientes de engenharia que não concorram para a desestabilização
geotécnica das encostas;
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não se cogitaria, sob hipótese alguma, remover todas as instalações;
equipamentos; sistema viário e edificações que se encontram a menos de trinta
metros dos cursos d’água com menos de dez metros de largura, como preconiza
a legislação citada. Para essa situação específica o ideal é resolver-se caso a
caso, buscando como objetivo social, mas não como fim obrigatório, a
recuperação ambiental de faixas marginais a cursos d’água, utilizando-se para
tanto expedientes tecnicamente recomendáveis, como por exemplo a
renaturalização de rios. Uma avaliação custo/benefício é recomendável para
respaldar a decisão a se tomar em cada caso;
A terceira situação refere-se ao processo de expansão urbana e à implantação
de novos empreendimentos. Neste caso poder-se-ia adotar como largura
mínima da APP de faixas marginais de proteção a faixa marginal prevista na Lei
6.766/79, conforme o item III do Art. 4º, que estabelece que “ao longo das
águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias,
ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15
(quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica”.
Vale então dizer que, no caso das águas correntes e dormentes presentes em
áreas que estão sendo objeto de ocupação urbana, necessariamente a faixa de
quinze metros non aedificandi seria considerada como APP. No caso de cursos
d’água de maior porte a definição das faixas de proteção deve estar lastreada em
estudos que incorporem as feições geográficas encontradas; as características da
geologia; as condições hídricas – problemáticas em planícies aluviais com
ocorrência de áreas baixas e mal drenadas – e o tipo de ocupação promovida
pelos diferentes agentes sociais.
Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo formado pela Universidade de São Paulo; ex-
diretor de Planejamento e Gestão e da Divisão de Geologia do IPT; autor dos livros
“Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra
do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”, e consultor em Geologia de Engenharia,
Geotecnia e Meio Ambiente.
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