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III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)

DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE

IMPLICAÇÕES DO PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO NA


CONTEMPORANEIDADE E DO USO DAS TECNOLOGIAS SOBRE O
COTIDIANO EDUCACIONAL

Elizabeth dos Reis Sanada 1

O presente trabalho se situa no eixo de interseção entre os campos da Psicanálise


e Educação e tem como objetivo discutir os efeitos do discurso contemporâneo sobre o
processo de subjetivação na atualidade, lançando um olhar específico para as relações
que se estabelecem no espaço educacional a partir da introdução das novas tecnologias.
O advento da contemporaneidade introduz uma nova dinâmica na maneira como
se estabelecem as relações e como se organiza o campo social, interferindo,
consequentemente, sobre os modos de subjetivação, cujo principal indício se encontra
naquilo que estudiosos denominam como um declínio da função paterna.
Isto significa que na sociedade contemporânea perde-se o que se constituía
anteriormente como um eixo norteador das ações dos sujeitos, algo relacionado às
noções de centralidade, tradição e universalidade. Com isto, não é mais possível
encontrar limites claramente definidos entre valores como certo e errado, por exemplo;
certezas absolutas; padrões da moda, de costumes; entre outros.
Ocorre uma queda da tradição e de certa linearidade de tempo, de tendências
comportamentais, de pensamentos.
Neste contexto, novas formas de relacionamento se estabelecem, interferindo
sobre dos laços amorosos, que passam a ser balizados mais pelo gozo que pelo desejo;
sobre as configurações familiares, nas quais os papéis adquiriram muito mais
flexibilidade, admitindo não só a inversão entre o que se demarcava anos atrás como
relativo ao homem ou à mulher, mas também abarcando a possibilidade casamentos
entre homossexuais e da adoção de filhos por esses casais; sobre as relações de trabalho
e sociais; trazendo implicações para o campo educacional.
O tempo e o espaço também são elementos que adquirem outro ritmo e
dimensão, o que pode ser observado a partir da rapidez com que se dão as mudanças
nessa sociedade, imprimindo um caráter instantaneísta sobre as relações e produzindo
sujeitos sedentos por respostas rápidas, projetos menos complexos e que possam dar
resultados mais imediatos e com menos trabalho, abalando as leis que anteriormente

1
Psicanalista. Doutora e Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP.
Docente nos cursos de graduação e pós-graduação em Pedagogia do Instituto Superior de
Educação de São Paulo – Singularidades.
2

serviam para dar significado e um eixo norteador à existência do sujeito, em cujo lugar
vem se instituir algo que alguns autores denominam como sendo o surgimento de uma
“realidade autônoma”, e que é responsável por grande parte do sentimento de solidão
que assola os sujeitos contemporâneos.
Essa “realidade autônoma”, fruto da prevalência da técnica e dos efeitos do
discurso científico, sofre ainda a influência de outro dispositivo, que se vê operar por
meio das transações do mercado capitalista e que passam a interferir sobre os modos de
subjetivação na contemporaneidade, alterando as formas de mediação entre o sujeito e o
objeto.
Em nossa pesquisa de mestrado 2, discutimos de que maneira a ciência se torna a
principal representante do discurso social, assumindo a função de nomeação do sujeito
no mundo moderno, seja a partir de uma universalização de conceitos, seja pela
produção de instrumentos, os quais geram uma espécie de saturamento da falta no
sujeito e um movimento de desimplicação na constituição do sintoma individual, na
medida em que as coisas se pulverizam na justificativa geral do grupo.
Recorremos aos estudos de Unterberger (1992) para afirmar que o que se
promove a partir do discurso da ciência é a coletivização de uma mesma maneira de
gozar:

ali onde a lei não opera para pôr limites, propõem-se normas que funcionam como
suplências da lei do sujeito articulado ao desejo. Uma intenção de recomendar com uma
norma ‘para todos’, o que não é senão uma particularidade de estrutura e peculiar da
posição subjetiva (p. 64).

Unterberger (1992) descreve o discurso da ciência como sendo uma forma do


discurso do mestre, que se caracteriza por produzir um saber no real. Desta forma, o
corpo, nesta acepção, é tomado como organismo, distinguindo-se do corpo afetado pela
linguagem e, portanto, do corpo no sentido libidinal.
E, quanto ao discurso do capitalista, o que podemos dizer? Qual a sua relação com
o discurso da ciência?
O discurso do capitalista foi formulado por Lacan em 1972 e se caracteriza por
uma transformação do discurso do mestre.
Alvarez (1994) é um dos autores que descrevem bem essa inversão, ao explicar
que o discurso do capitalista se constitui:

fundamentalmente por uma circularidade que afetaria seus quatro termos e que, entre
outras coisas, teria como efeito uma reabsorção contínua de todos os objetos produzidos
pelo saber, um discurso, portanto, em que seria possível a relação sexual (p. 80).

2
SANADA, Elizabeth dos Reis. Superdotação e psicanálise: uma questão do desejo. São
Paulo. Dissertação de Mestrado – Universidade de São Paulo, 2001.
3

Mas é Tarrab (1992) quem demonstra mais claramente a relação que se


estabelece entre o discurso da ciência e do capitalista, ao afirmar que este é “um
discurso no qual um sujeito em sua falta de gozo estrutural, demanda ao saber científico
a produção de um objeto capaz de um gozo que, sem consequências, venha a suturar
sua castração, sua divisão, sua miséria” (p. 41).
Trata-se de um discurso que não se sustenta como tal e que, por isso, é
abandonado por Lacan posteriormente, mas que se mantém incutido na promessa
contemporânea de um objeto capaz de sanar a falta estrutural do sujeito, eliminando o
seu mal estar, e na crença na existência de um saber-todo.
Consequentemente, o sujeito não se encontrará alienado apenas ao Outro do
significante e do desejo, ao qual se supõe um saber, como inconsciente. Mas também a
um significante produzido pelo Outro social - seja este Outro representado pelas teorias
psicopedagógicas ou pelas próprias leis do mercado -, e que vem no lugar do ponto de
ruptura do sujeito em sua economia subjetiva, em sua relação ao Outro.
Dito de outro modo, àquilo que o sujeito traz como marca estrutural vem se
associar uma demanda social, totalizante. No lugar de algo que se punha como fenda,
sobrepõe-se uma ilusão, possibilidade de reparação.
Se do lado do sujeito havia a busca de um suturamento, vem se conciliar a essa
busca um objeto, rótulo ou diagnóstico que sirva de invólucro ao sujeito, tendo como
meta resguardá-lo do contato com sua ferida narcísica, ou apaziguando a sua angústia
diante da indefinição, diante das incertezas.
A partir deste fechamento, o sujeito se encontra totalmente presa de um discurso
alienante, que não lhe deixa saída, isto porque, conforme já dizia Lacan (1954-1955)
acerca do medium de noções difusas, culturalmente admitidas, cria-se uma ilusão de que
esses atributos "sejam oriundos de uma propensão natural, quando, no entanto, no atual
estado da civilização, são designados, de fato, por todos os lados" (p. 11).
Nesta perspectiva, começamos a delimitar os efeitos desse processo para o
espaço educacional, tanto pelo que se denominou como “psicopatologização do cotidiano
escolar”, quanto pela prevalência daquilo que Leandro de Lajonquière nomeou como
discurso psicopedagógico hegemônico, que traz como marca a sobreposição dos ideais
imaginários sobre os ideais simbólicos e que se traduz na “(psico) pedagogização das
experiências educativas – tanto familiares quanto escolares – que não é outra coisa que
o corolário desse processo de psicologização da reflexão pedagógica moderna” (2010, p.
25).
Neste sentido, Lajonquière (2010) conclui dizendo que “a pedagogia atual explica
tudo aquilo que considera um fracasso educativo em termos de resultado de uma falta de
adequação, ou relação natural, entre a intervenção do adulto e o estado
psicomaturacional das crianças e dos jovens” (p. 28).
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Assim, por meio desse processo, o espaço educacional passa a ser lido segundo a
lógica da psicopatologização, o que significa dizer que, atrela-se o processo de ensino-
aprendizagem ao desenvolvimento “natural” da criança, bastando ao professor saber
empregar boas técnicas e escolher o “método certo” para fazer desabrochar aquilo que
supostamente já se encontra in gérmen no aluno, e cujo teor ele importou das diversas
teorias existentes para nomear o sujeito na atualidade.
Deste modo, passa-se a importar para o espaço da sala de aula os rótulos e
modos de classificação oriundos desse saber “psicopatologizante”, a fim de explicar
aquilo que não saiu como o esperado na relação de ensino-aprendizagem.

(...) Por efeito justamente do imperialismo dos saberes psicológicos modernos, a famosa
discussão pedagógica (...) acaba adquirindo a forma de um debate sobre como deve se
proceder para ‘esticar’, sempre com maior naturalidade, supostas possibilidades de vir a
ser contidas em estado germinal na interioridade orgânica do indivíduo” (LAJONQUIÈRE,
2010, p. 32).

Assim, o professor se desimplica do ato educativo e encontra em diagnósticos


como o de hiperatividade ou déficit de atenção, uma forma de justificar suas dificuldades
diante de alunos que saem do padrão idealizado e de se eximir da responsabilidade de
ensiná-los.
Lajonquière (2010) toca ainda numa questão que em muito se associa ao que se
constitui como o mercado do saber na contemporaneidade ao fazer menção ao que
denomina de “império de certa pretensão pela dita qualidade total” no campo da
educação (p. 39).
Este é um ponto muito importante a ser discutido, embora façamos aqui apenas
uma breve exposição: isto é, o fato de o professor se encontrar enredado por uma lógica
mercadológica do saber, na qual “não há sujeito e sim recurso, não há aluno e sim
consumidor, não há promoção de saber e sim promoção de qualidade” (Nubile, 2005, p
201).
Mrech (2005) aborda essa questão ao falar da preponderância de um ideal
compartilhado por muitos profissionais da área da Educação e que consiste na busca por
um saber-todo, por uma formação plena, por uma prática sem falhas, pelo sucesso
absoluto, que atenda prontamente à demanda social da contemporaneidade.
Ainda que esta situação se coloque de modo mais veemente nas escolas particulares, ao
lançarmos um olhar mais atento, mesmo na escola pública, percebemos que este discurso já se
encontra amplamente disseminado na sociedade. O professor parece não ser mais “senhor” em sua
própria sala de aula, outros saberes se impõem no sentido de dizer o que deve ou não ser ensinado e
como, levando-o a atuar como mero reprodutor.
Mrech (2001) aborda essa dinâmica, inserindo a própria “ideologia da aprendizagem
contínua” dentro da lógica do mercado do saber:
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O mercado de saber vende a ideologia da aprendizagem contínua: é importantíssimo os


educadores se atualizarem, os países se direcionarem para a Educação continuada. Os
educadores concordam, achando que têm que aprender sempre mais.
Não se percebe que o processo não está assentado em determinações “naturais” do
sujeito ou da sociedade. Mas, nos encaminhamentos e ritmos impostos pelas mídias
eletrônicas e televisivas, pelo próprio mercado do saber.
É o tempo da máquina que impera, o ritmo da produção capitalista e não da sociedade e
do sujeito. Um tempo cada vez mais rápido. Um tempo cada vez mais externo ao sujeito
e à sociedade (MRECH, 2001, p. 58).

Ao analisar esse processo e as alternativas para não cair neste engodo,


Lajonquière (2010) afirma que o fundamental residiria em preservar legado cultural que
a Educação deveria transmitir ao sujeito, destacando dessa maneira sua ligação com o
passado e não com o futuro no sentido como se desenvolve hoje: “produz-se uma
inversão temporal. Ao invés de a educação estar tencionada pelo passado, passa a está-
lo em direção ao futuro” (p. 40).
Essa inversão fica bastante clara quando analisamos o modo pelo qual a escola
vem se apropriando do aparato tecnológico produzido na contemporaneidade.

O avanço tecnológico e suas consequências

O avanço tecnológico e a apropriação de seus instrumentos pela escola ganha


atenção especial, na medida em que nos deparamos com a ascensão da informação
como “a ponta de lança de um mundo em transformação contínua”; passagem de uma
“sociedade pautada sobre a produção, para outra direcionada pelo consumo” e passagem
“de uma cultura do texto impresso para outra em que a imagem ocupa lugar
estratégico”, conforme abordado por Mrech (2005), com base nos estudos de Gilles
Lipovetsky acerca do processo de “desmaterialização radical da cultura”.

No império do valor de uso, (...) a era que sacraliza socialmente as mercadorias é aquela
na qual nos separamos sem dor de nossos objetos. Já não gostamos das coisas por elas
mesmas ou pelo estatuto social que conferem, mas pelos serviços que prestam, pelo
prazer que tiramos delas, por uma funcionalidade perfeitamente permutável. Nesse
sentido, a moda desrealiza as coisas, dessubstancializa-as através do culto homogêneo da
utilidade e da novidade (LIPOVETSKY, 1989, p. 175).

Em palestra intitulada Educação e ensino hoje: pedagogias multiplicadas dentro e


fora da escola, Cordeiro (2008) afirma que a cultura da mídia interpela e interage com a
criança, que deixa de ser tomada como mero receptor passivo. Assim, tem-se a
predominância da interatividade, que confere maior ou menor legitimidade a esses
conteúdos.
Estas mudanças se refletem no contexto escolar, onde o professor é impelido a se
deparar com a dicotomia entre o que se coloca como currículo escolar, o qual abarca os
conteúdos padrões, oficialmente desenvolvidos nas escolas, e aquele nomeado por
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Cordeiro, como sendo concernente ao “currículo, ou cultura, da mídia”, abarcando um


conjunto de representações que trazem modelos e referências de identidade.
Neste sentido, deparamo-nos não apenas com uma dissonância entre a velocidade
da mídia e a lentidão em relação ao currículo da escola, mas também com uma espécie
de descontextualização, por parte dos professores, a qual se traduz ou pela rejeição do
currículo da mídia ou pelo esforço para se apropriar de um conjunto de técnicas para
despertar o interesse da criança.
Na concepção de Cordeiro (2008), esta dissonância precisa ser enfrentada. A
escola deve desafiar esse avanço nos limites do tempo, propondo novos tempos. A escola
deve convidar à reflexão, inclusive a respeito desse próprio ritmo, dessa própria
dinâmica, presente na sociedade atualmente.
Cordeiro (2008) defende a ideia de que currículo da mídia tem a mesma
importância do currículo escola, mas, por outro lado, aponta para uma incompetência da
escola, cujos modos de transmissão precisariam ser repensados.
Lembrando as palavras de Santos (1986), é importante mencionar que na “era da
Informática, que é o tratamento computadorizado do conhecimento e da informação,
lidamos mais com signos do que com coisas. Preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao
original, o simulacro (a reprodução técnica) ao real” (p.13), caracterizando um modo de
funcionamento que vem imprimir sua marca sobre o processo de ensino-aprendizagem e
para o qual o professor nem sempre se encontra preparado.
Entre esses dois modelos, o da mídia e o da escola, instaura-se uma dissonância,
que se inicia pela diferença entre os ritmos com que cada um se desenvolve. Além disso,
o saber nesta concepção é algo que circula e não mais apenas um privilégio do professor.
Professor e aluno se encontram atravessados pelos efeitos da cultura da mídia,
cabendo ao professor, por sua vez, administrar as vias de acesso do aluno a esses
conteúdos, o que implica ter de rever a concepção de saber e, consequentemente, de
papel do professor e do aluno.
É neste sentido que Mrech (2005) pergunta “Mas afinal o que é educar?”. A autora
apresenta o que consideramos como um resumo do panorama atual sobre os impasses
sofridos pela Educação na contemporaneidade.
MRECH (2005) inicia sua discussão perguntando se haveria algo de novo no
contexto educacional, situado até então num lugar “mais vinculado ao atraso e às formas
de expressão mais arcaicas...” (p. 13), constatando a existência de dificuldades relativas
à Educação já no interior do próprio processo de formação dos futuros professores, os
quais seriam muito teóricos, pouco articulados com a prática, levantando a necessidade
de se refletir a respeito do que significa ensinar nos dias de hoje.
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Nas palavras de MRECH (2005) “o educar não diz mais respeito a apenas
transmitir informações, passar um conteúdo. O educar e o ensinar atuais também
implicam o professor e o aluno como sujeitos, na construção de algo novo” (p. 22).
Mas, muitas vezes, os próprios professores parecem ter perdido a dimensão do
que seja ensinar, questão que poderá ser delineada na sequência do texto de Mrech
(2005), na medida em que a autora discute os efeitos causados pelas mudanças
contemporâneas sobre a Educação.
Ao adentrarmos o meio educacional vemos de que maneira a escola sofre os
efeitos do advento da contemporaneidade, marcadamente pela quebra de barreiras que
se estabelece pelos veículos da mídia, que atravessam os muros das escolas. Exemplo
disto se dá com relação ao modo como a sexualidade passa a se inserir neste contexto.
Na prática, os professores falam desses efeitos ao lembrar a forma como a
sexualidade era abordada na educação de seus avós e pais, e mesmo em sua própria
infância, marcada por um caráter moralista e conservador que impedia que o tema fosse
discutido abertamente. Mesmo quando tomado no cerne educativo, isto se dava de modo
restrito vinculado a uma visão biológica.
Atualmente, pela própria disposição na mídia, “não há como fechar os olhos para
a sexualidade”, enfatiza uma professora. “As crianças têm acesso a cenas, que são
transmitidas em novelas e filmes da sessão da tarde, que na época da minha mãe, eram
proibidas para menores de 18 anos. Algumas das perguntas que elas fazem sobre sexo
hoje, se eu fizesse na minha infância, eu apanhava na boca”.
Trata-se de um processo que explica em grande parte os impasses vividos pelos
professores de nossa pesquisa, sobretudo quando fazem referência a um sentimento de
que “nos dias de hoje, algo parece andar de modo autônomo, trazendo mudanças que se
desenvolvem num ritmo muito difícil de acompanhar”.
Mrech (2001) lerá esse sentimento dos professores com base no se constitui como
a “queda” de uma sociedade pai-orientada, na qual não há mais um Outro que tenha a
resposta certa, que diga o que fazer e como fazer, impondo a necessidade de o professor
buscar este referencial em si mesmo.
A princípio isto poderia ser visto como algo bom, mas não é, porque, sobretudo, a
Educação, ainda se encontra num referencial antigo, conclusão: forma-se um impasse.
No lugar de se abrir para algo de novo, o professor se paralisa preso à nostalgia de um
modelo ultrapassado.
É preciso perceber que realidade mudou. Ao se discutir as influências da mídia
sobre o processo de subjetivação, e os efeitos da prevalência da imagem sobre a
linguagem textual, é preciso entender que simular por imagens como na tv, ou nas
relações virtuais da internet, significa apagar a diferença entre real e imaginário, ser e
aparência.
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A este respeito, o filósofo e psicanalista lacaniano Zizek (1998) adverte que este
processo não é realmente novo, pois, ao lidar com a realidade virtual, acabamos nos
dando conta de que jamais estivemos na “realidade real”. A realidade vivida pelo sujeito
sempre foi virtual, embora ele não tivesse consciência disso.
Então, qual seria a especificidade da internet e da realidade virtual?
O que a internet e a mídia, de um modo geral, introduzem de novo no mundo
contemporâneo é a dimensão da “a desmaterialização do corpo humano”, o que Mrech
(2001) esclarece, dizendo que:

As relações que se estabelecem através da Internet e da realidade virtual levam


os sujeitos a acreditar que se encontrariam frente a outra ordem de realidade,
que dispensaria o corpo real. Uma ordem onde os sujeitos não envelhecem, os
objetos não estragam, a menos que se queira ou se descuide de alguma forma,
onde não há dia e nem noite, etc. (s/p).

O professor também precisa mudar. Atualizar-se, para, então, poder se autorizar


em sala de aula. O professor precisa desenvolver um fazer criativo, para além da simples
transmissão de conteúdos. Ele precisa se colocar como sujeito, assumindo uma parcela
de risco, mas também se implicando em sua prática, em seu discurso.
Ensinar não consiste mais em “aplicar cegamente uma teoria e nem a conformar-
se com um modelo. É, antes de mais nada, resolver problemas, tomar decisões, agir em
situações de incerteza e, muitas vezes, de emergência” (MRECH, 2001).
Ao importar o aparato tecnológico para o espaço da escola, essa necessidade se
torna ainda mais urgente. Entretanto, percebemos que o professor ainda se encontra
muito aquém nesse processo. Em recente pesquisa realizada por nós, envolvendo alunos
de instituições particulares de Pedagogia, em São Paulo, pudemos constatar que ainda
existem aqueles que não sabem sequer como criar um e-mail, sendo necessário orientá-
los.
O uso das redes sociais como Facebook, tem se difundido assustadoramente entre
os jovens, no entanto ainda é algo bastante desconhecido por parte dos profissionais da
Educação, gerando um descompasso que divide territórios e se constitui quase como
uma língua estrangeira a qual o educador não tem acesso, afastando-o da compreensão
do seu aluno.
De um modo geral, o que se percebe é que as mudanças de aparato tecnológico
não passam por problematização.
Deve-se ter em mente que há sempre o interesse do mercado na aquisição deste
aparato, mas é preciso, antes de absorvê-los pela escola, considerar o fator pedagógico
envolvido.
Ao analisar a incorporação dos objetos tecnológicos pela Educação, Jaime Cordeiro
traça uma linha histórica, na qual demonstra como já houve outros momentos de
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transição de modelos tecnológicos dentro do campo educacional, iniciando-se pela


passagem da lousa individual para o caderno, o que trouxe a necessidade de uma
mudança de paradigmas, neste caso, relacionada à substituição do modelo pautado na
memorização de conteúdos, por outro no qual o aluno poderia simplesmente registrar e
armazenar aquilo que o professor ensinou.
• Quando se usava a lousa como material de registro dos conteúdos ensinados na
escola, o aluno tinha que anotar um conteúdo e logo apagá-lo para dar espaço a
novos registros. Neste sentido, o objetivo era desenvolver a capacidade de
memorização do aluno, uma vez que ele não dispunha de local onde armazenar os
ensinamentos;
• Quando tem entrada o caderno, cria-se um processo de desimplicação, na medida
em que ao armazenar o conteúdo no caderno, o aluno não teria mais que se
esforçar em memorizar este arsenal, já que a qualquer momento poderia recorrer
ao registro no caderno.
Portanto, os materiais adotados não são neutros, eles trazem noções importantes.
Há um sentido na defesa do uso desses materiais de acordo a ideologia vigente
em cada momento.
Cordeiro (2008) defende a ideia de que todo currículo envolve uma seleção.
E que, se houver uma incorporação do currículo da mídia por parte da escola, esta
incorporação não deveria ser feita de modo direto, apenas pelo simples uso da tecnologia
como uma forma de seduzir os alunos para o ensino (uso de computadores, por
exemplo).
Seria favorável desenvolver a capacidade de reflexão dos alunos, inclusive para
que pudessem discernir entre diversos conteúdos, colocando-se de maneira crítica frente
aos processos da mídia.
Não se trata de uma substituição de um modelo pelo outro, mas de admitir a
relevância da pedagogia pautada na prevalência das imagens, que atendem ao novo
paradigma da contemporaneidade, aplicando as ferramentas do saber reflexivo, e
transformando assim o sentido ou substância do ensino.
Acerca dessas ferramentas, Cordeiro (2008) dá alguns exemplos, abarcando a
capacidade de identificar; ler; decifrar; conectar; associar; relacionar; criticar e
interpretar. Já no campo das ferramentas ligadas ao saber da mídia, descreve a
capacidade de ver; julgar; sentir; interpretar e comportar-se.
Nesta perspectiva o saber é algo que circula e não mais apenas um privilégio do
professor. Professor e aluno se encontram atravessados pelos efeitos da cultura da
mídia, cabendo ao professor, por sua vez, administrar as vias de acesso do aluno a esses
conteúdos e utilizar as ferramentas do saber reflexivo a fim de propiciar o uso e olhar
crítico do aluno acerca do próprio modelo e ferramentas do saber da mídia.
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Faz-se necessário buscar um eixo próprio. Esta é a aposta da escolha, que implica
na responsabilização e, ao mesmo tempo, se dá sem garantias. É importante lembrar
ainda que as escolhas não são apenas individuais, elas se pautam pelo social e se
refletem nele.
Em suma, o que se conclui é que, se a escola é o lugar da reflexão, cabe usar dos
instrumentos da mídia para refletir sobre a própria mídia.

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