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Psicanalista. Doutora e Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP.
Docente nos cursos de graduação e pós-graduação em Pedagogia do Instituto Superior de
Educação de São Paulo – Singularidades.
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serviam para dar significado e um eixo norteador à existência do sujeito, em cujo lugar
vem se instituir algo que alguns autores denominam como sendo o surgimento de uma
“realidade autônoma”, e que é responsável por grande parte do sentimento de solidão
que assola os sujeitos contemporâneos.
Essa “realidade autônoma”, fruto da prevalência da técnica e dos efeitos do
discurso científico, sofre ainda a influência de outro dispositivo, que se vê operar por
meio das transações do mercado capitalista e que passam a interferir sobre os modos de
subjetivação na contemporaneidade, alterando as formas de mediação entre o sujeito e o
objeto.
Em nossa pesquisa de mestrado 2, discutimos de que maneira a ciência se torna a
principal representante do discurso social, assumindo a função de nomeação do sujeito
no mundo moderno, seja a partir de uma universalização de conceitos, seja pela
produção de instrumentos, os quais geram uma espécie de saturamento da falta no
sujeito e um movimento de desimplicação na constituição do sintoma individual, na
medida em que as coisas se pulverizam na justificativa geral do grupo.
Recorremos aos estudos de Unterberger (1992) para afirmar que o que se
promove a partir do discurso da ciência é a coletivização de uma mesma maneira de
gozar:
ali onde a lei não opera para pôr limites, propõem-se normas que funcionam como
suplências da lei do sujeito articulado ao desejo. Uma intenção de recomendar com uma
norma ‘para todos’, o que não é senão uma particularidade de estrutura e peculiar da
posição subjetiva (p. 64).
fundamentalmente por uma circularidade que afetaria seus quatro termos e que, entre
outras coisas, teria como efeito uma reabsorção contínua de todos os objetos produzidos
pelo saber, um discurso, portanto, em que seria possível a relação sexual (p. 80).
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SANADA, Elizabeth dos Reis. Superdotação e psicanálise: uma questão do desejo. São
Paulo. Dissertação de Mestrado – Universidade de São Paulo, 2001.
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Assim, por meio desse processo, o espaço educacional passa a ser lido segundo a
lógica da psicopatologização, o que significa dizer que, atrela-se o processo de ensino-
aprendizagem ao desenvolvimento “natural” da criança, bastando ao professor saber
empregar boas técnicas e escolher o “método certo” para fazer desabrochar aquilo que
supostamente já se encontra in gérmen no aluno, e cujo teor ele importou das diversas
teorias existentes para nomear o sujeito na atualidade.
Deste modo, passa-se a importar para o espaço da sala de aula os rótulos e
modos de classificação oriundos desse saber “psicopatologizante”, a fim de explicar
aquilo que não saiu como o esperado na relação de ensino-aprendizagem.
(...) Por efeito justamente do imperialismo dos saberes psicológicos modernos, a famosa
discussão pedagógica (...) acaba adquirindo a forma de um debate sobre como deve se
proceder para ‘esticar’, sempre com maior naturalidade, supostas possibilidades de vir a
ser contidas em estado germinal na interioridade orgânica do indivíduo” (LAJONQUIÈRE,
2010, p. 32).
No império do valor de uso, (...) a era que sacraliza socialmente as mercadorias é aquela
na qual nos separamos sem dor de nossos objetos. Já não gostamos das coisas por elas
mesmas ou pelo estatuto social que conferem, mas pelos serviços que prestam, pelo
prazer que tiramos delas, por uma funcionalidade perfeitamente permutável. Nesse
sentido, a moda desrealiza as coisas, dessubstancializa-as através do culto homogêneo da
utilidade e da novidade (LIPOVETSKY, 1989, p. 175).
Nas palavras de MRECH (2005) “o educar não diz mais respeito a apenas
transmitir informações, passar um conteúdo. O educar e o ensinar atuais também
implicam o professor e o aluno como sujeitos, na construção de algo novo” (p. 22).
Mas, muitas vezes, os próprios professores parecem ter perdido a dimensão do
que seja ensinar, questão que poderá ser delineada na sequência do texto de Mrech
(2005), na medida em que a autora discute os efeitos causados pelas mudanças
contemporâneas sobre a Educação.
Ao adentrarmos o meio educacional vemos de que maneira a escola sofre os
efeitos do advento da contemporaneidade, marcadamente pela quebra de barreiras que
se estabelece pelos veículos da mídia, que atravessam os muros das escolas. Exemplo
disto se dá com relação ao modo como a sexualidade passa a se inserir neste contexto.
Na prática, os professores falam desses efeitos ao lembrar a forma como a
sexualidade era abordada na educação de seus avós e pais, e mesmo em sua própria
infância, marcada por um caráter moralista e conservador que impedia que o tema fosse
discutido abertamente. Mesmo quando tomado no cerne educativo, isto se dava de modo
restrito vinculado a uma visão biológica.
Atualmente, pela própria disposição na mídia, “não há como fechar os olhos para
a sexualidade”, enfatiza uma professora. “As crianças têm acesso a cenas, que são
transmitidas em novelas e filmes da sessão da tarde, que na época da minha mãe, eram
proibidas para menores de 18 anos. Algumas das perguntas que elas fazem sobre sexo
hoje, se eu fizesse na minha infância, eu apanhava na boca”.
Trata-se de um processo que explica em grande parte os impasses vividos pelos
professores de nossa pesquisa, sobretudo quando fazem referência a um sentimento de
que “nos dias de hoje, algo parece andar de modo autônomo, trazendo mudanças que se
desenvolvem num ritmo muito difícil de acompanhar”.
Mrech (2001) lerá esse sentimento dos professores com base no se constitui como
a “queda” de uma sociedade pai-orientada, na qual não há mais um Outro que tenha a
resposta certa, que diga o que fazer e como fazer, impondo a necessidade de o professor
buscar este referencial em si mesmo.
A princípio isto poderia ser visto como algo bom, mas não é, porque, sobretudo, a
Educação, ainda se encontra num referencial antigo, conclusão: forma-se um impasse.
No lugar de se abrir para algo de novo, o professor se paralisa preso à nostalgia de um
modelo ultrapassado.
É preciso perceber que realidade mudou. Ao se discutir as influências da mídia
sobre o processo de subjetivação, e os efeitos da prevalência da imagem sobre a
linguagem textual, é preciso entender que simular por imagens como na tv, ou nas
relações virtuais da internet, significa apagar a diferença entre real e imaginário, ser e
aparência.
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A este respeito, o filósofo e psicanalista lacaniano Zizek (1998) adverte que este
processo não é realmente novo, pois, ao lidar com a realidade virtual, acabamos nos
dando conta de que jamais estivemos na “realidade real”. A realidade vivida pelo sujeito
sempre foi virtual, embora ele não tivesse consciência disso.
Então, qual seria a especificidade da internet e da realidade virtual?
O que a internet e a mídia, de um modo geral, introduzem de novo no mundo
contemporâneo é a dimensão da “a desmaterialização do corpo humano”, o que Mrech
(2001) esclarece, dizendo que:
Faz-se necessário buscar um eixo próprio. Esta é a aposta da escolha, que implica
na responsabilização e, ao mesmo tempo, se dá sem garantias. É importante lembrar
ainda que as escolhas não são apenas individuais, elas se pautam pelo social e se
refletem nele.
Em suma, o que se conclui é que, se a escola é o lugar da reflexão, cabe usar dos
instrumentos da mídia para refletir sobre a própria mídia.
Referências Bibliográficas:
ALVAREZ, J.M. Toxicomanía y pathos del discurso. In: SINATRA, E.S., SILLITII, D. &
TARRAB, M. (comp.). Sujeto, Goce y Modernidad III – De la monotonía a la
diversidad - Primera jornada sobre toxicomanía y alcoholismo del Instituto del Campo
Freudiano. París, Atuel-Tya, julio de 1994.
TARRAB, M.(1992) ... Mírenlos Cómo Gozan!! Sujeto, goce e Modernidad – Los
fundamentos de la clínica. Buenos Aires, Atuel-Tya, 1994.