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AULA 1

GESTÃO EM SAÚDE APLICADA


À HUMANIZAÇÃO

Profª Mariana Richter Reis


TEMA 1 – OS DESAFIOS DE CUIDAR COM HUMANIZAÇÃO

A área de saúde passa por uma profunda crise de humanismo, e as


transformações da economia mundial, da política e do desenvolvimento
tecnológico têm parcela de responsabilidade nisso e na mudança de
comportamento dos profissionais.
Esses profissionais, que por muito tempo tinham uma proximidade no
cuidado e nas atividades assistenciais, hoje priorizam o equipamento e a alta
tecnologia em prol do toque humano, da solidariedade, da compaixão e da
tolerância, requisitos que, para as profissões da área de saúde, sempre foram a
base de todo cuidado.
Não podemos deixar de reconhecer a importância dos avanços
tecnológicos para a melhoria dos cuidados, a segurança e a qualidade em todas
as etapas destes, porém a tecnologia não pode estar à frente da humanização,
ou seja, da essência do ser e do respeito à sua individualidade.
Quando abordamos a dor e o sofrimento no contexto hospitalar,
constatamos que a crise de humanismo ainda pode ser mais profunda que aquela
acima mencionada, pois os ambientes hospitalares conseguem ser cada vez mais
“tecnicamente perfeitos”, porém sem ternura e calor humano.
O cuidar humanizado preconiza, por parte do cuidador, a compreensão do
significado da vida, a capacidade de perceber e compreender a si mesmo e ao
outro, ampliando, assim, o foco de suas ações e considerando as experiências e
vivências do paciente no curso de sua existência. Pode-se destacar, portanto, a
importância do aspecto ético nas relações de cuidar.
A relação entre os profissionais de saúde e os pacientes exige uma
presença solidária por parte dos profissionais, de maneira que o cuidado prestado
seja de qualidade, com habilidade humana e científica, para ser genuíno e efetivo.
Deve haver sensibilidade para a criação de um vínculo, no qual haja respeito,
confiança e escuta ativa.
A humanização hospitalar pode ser motivada por decisões terapêuticas,
financeiras, religiosas, humanitárias e éticas, acreditando que o paciente se sente
melhor e recupera-se mais rápido em um ambiente seguro, onde ele se sinta
atendido e valorizado como pessoa.
Devido à relevância do tema humanização, o Ministério da Saúde
desenvolveu, em 2003, o Programa Nacional de Humanização da Assistência

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Hospitalar, que foi transformado em uma política pública de saúde, denominada
Política Nacional de Humanização (PNH).
Com o objetivo de produzir mudanças nos modos de gerir e cuidar, a PNH
estimula a comunicação entre gestores, trabalhadores, pacientes e familiares,
para a construção de um processo coletivo de enfrentamento de relações de
poder, trabalho e afeto que, muitas vezes, podem produzir atitudes e práticas
desumanizadoras, as quais impedem a autonomia e a corresponsabilidade dos
profissionais de saúde e dos pacientes no cuidado de si.

TEMA 2 – O PROGRAMA HUMANIZASUS E A PNH

A partir da elaboração da PNH, implantou-se no Brasil o Programa


HumanizaSUS, com o objetivo de colocar em prática e sistematizar as ações de
humanização com a participação ativa de gestores, colaboradores e pacientes
atendidos pelos serviços.
As proposições do programa estão descritas no Quadro 1:

Quadro 1 – O Programa HumanizaSUS

 Defesa de um Sistema Único de Saúde (SUS) que reconhece a diversidade do povo brasileiro
e oferece a todos a mesma atenção à saúde, sem distinção de idade, etnia, origem, gênero e
orientação sexual.
 Estabelecimento de vínculos solidários e de participação coletiva no processo de gestão.
 Mapeamento e interação com as demandas sociais, coletivas e subjetivas de saúde.
 Valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários,
trabalhadores e gestores.
 Fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos e dos coletivos.
 Aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde e de sujeitos.
 Mudança nos modelos de atenção e gestão em sua indissociabilidade, tendo como foco as
necessidades dos cidadãos, a produção de saúde e o próprio processo de trabalho em
saúde, valorizando os trabalhadores e as relações sociais no trabalho.
 Proposta de um trabalho coletivo para que o SUS seja mais acolhedor, mais ágil e mais
resolutivo.
 Qualificação do ambiente, melhorando as condições de trabalho e de atendimento.
 Articulação dos processos de formação com os serviços e práticas de saúde.
 Luta por um SUS mais humano, porque construído com a participação de todos e
comprometido com a qualidade dos seus serviços e a saúde integral para todos e qualquer
um.

Vindo de encontro às proposições do programa, também foram descritas e


recomendadas as diretrizes da PNH, as quais servem de base para as instituições

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de saúde implementarem ações e, a partir delas, obterem resultados satisfatórios
no cuidado em saúde. No Quadro 2, temos uma síntese dessas diretrizes:

Quadro 2 – Diretrizes da PNH

 Acolhimento
 Gestão participativa e cogestão
 Ambiência
 Clínica ampliada e compartilhada
 Valorização do trabalhador
 Defesa dos direitos dos usuários
Fonte: Adaptado de Brasil, S.d.

A PNH preconiza minimamente que as instituições de saúde implementem


as diretrizes a partir da participação e da escuta ativa de todos os envolvidos no
cuidado, desde os profissionais e gestores até os pacientes e familiares, pois
entende-se que somente dessa maneira ela se torna legítima e aplicável ao
estabelecimento e ao ambiente em que se insere.
O HumanizaSUS também preconiza alguns princípios para o programa, a
saber:

 Transversalidade: por meio da participação e do respeito mútuo entre os


profissionais de saúde, suas diferentes práticas e especialidades,
conversando com a experiência vivida por aquele sujeito que é cuidado e
valorizando sua individualidade.
 Indissociabilidade entre atenção e gestão: as decisões da gestão interferem
diretamente na prestação dos cuidados de saúde, e, por isso, as equipes
assistenciais e os pacientes devem buscar conhecer como funciona a
gestão dos serviços, bem como participar ativamente do processo de
tomada de decisões, em prol da saúde coletiva e integrada.
 Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos:
as mudanças na gestão são concretas quando construídas com a
ampliação da autonomia e da vontade dos envolvidos, ou seja,
compartilhando responsabilidades. A partir da valorização e do incentivo da
atuação de pacientes, familiares e equipes é que a atuação em saúde
ocorre de maneira efetiva e satisfatória.

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TEMA 3 – COMPREENDENDO AS DIRETRIZES DO HUMANIZASUS

As diretrizes do Programa HumanizaSUS têm como premissa uniformizar


e orientar as instituições quanto à PNH e às maneiras práticas de sua
implementação. Vejamos qual é a compreensão de seus conceitos pelo Ministério
da Saúde (Brasil, 2003):

3.1 Acolhimento

Acolher é reconhecer o que o outro traz como legítima e singular


necessidade de saúde. O acolhimento deve comparecer e sustentar a
relação entre equipes/serviços e usuários/populações. Como valor das
práticas de saúde, o acolhimento é construído de forma coletiva, a
partir da análise dos processos de trabalho e tem como objetivo a
construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as
equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuário com sua rede
socioafetiva. (Brasil, 2003)

A maneira mais efetiva de se fazer acolhimento é praticando uma escuta


ativa e atenciosa por parte das equipes de trabalho às necessidades do paciente
e de seus familiares, garantindo o acesso oportuno das tecnologias de acordo
com suas necessidades, de maneira a assegurar as prioridades de gravidade,
vulnerabilidade e risco para a vida.

3.2 Gestão participativa e cogestão

Preconizada a partir da inclusão de profissionais, pacientes, familiares e


comunidade nos processos de decisão coletiva e nas tarefas da gestão.
Recomenda-se a realização de rodas de conversa com a participação dos
sujeitos, promovendo e favorecendo movimentos em prol de mudanças de gestão
e atenção assistencial.

A PNH destaca dois grupos de dispositivos de cogestão: aqueles que


dizem respeito à organização de um espaço coletivo de gestão que
permita o acordo entre necessidades e interesses de usuários,
trabalhadores e gestores; e aqueles que se referem aos mecanismos
que garantem a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano
das unidades de saúde. (Brasil, 2003)

3.3 Ambiência

É reconhecida a partir da criação de espaços acolhedores, limpos e


saudáveis, respeitando a privacidade e promovendo mudanças no processo de
trabalho. Elaborada com o compartilhamento entre os envolvidos na assistência

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para a melhoria das questões de estrutura, arquitetura, reformas e apontamentos
relativos a esses requisitos.

3.4 Clínica ampliada e compartilhada

Tem o objetivo de promover a abordagem clínica de maneira multi e


interdisciplinar do adoecimento e do sofrimento humano, compreendendo que a
complexidade e a singularidade do sujeito só podem ser atendidas de maneira
completa e não fragmentada. Para isso, os gestores utilizam recursos que
permitam a qualificação do cuidado de forma integrada, de modo que as decisões
de diagnóstico e tratamento sejam compartilhadas e compromissadas com a
autonomia dos pacientes.

3.5 Valorização do trabalhador

Incluir os colaboradores, dando visibilidade às suas experiências de


trabalho para a tomada de decisões, acreditando em sua capacidade de analisar,
definir e qualificar os processos de trabalho e promovendo espaços para o diálogo
em ambientes coletivos e internos da gestão.

3.6 Defesa dos direitos dos usuários

Para garantir os direitos dos usuários, as instituições de saúde devem


incentivar o acesso às informações, assegurando que esses direitos sejam
cumpridos por toda a equipe de cuidado, desde a recepção até a alta dos
pacientes. Sendo assim, os pacientes têm direito a uma equipe que cuide deles,
sendo informados sobre o tratamento de sua doença e podendo decidir como
implementar medidas de controle da doença e sua exposição em redes sociais.
A partir da aplicação das diretrizes de trabalho da PNH, sob a forma de
grupos ou times de trabalho, as organizações de saúde poderão compreender
melhor seu papel na sociedade, sua responsabilidade e possibilidade de
intervenções em prol da melhoria da condição de saúde de todos os atendidos.

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TEMA 4 – VALORES E PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA PARA BALIZAR A
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR

Destacamos aqui quatro valores ou princípios que balizam e servem como


alicerce para a implementação das diretrizes da PNH nas organizações
hospitalares, de modo que estes sirvam de base ética para o cuidado
interdisciplinar estabelecido para todos os membros da equipe. São eles:

1. Autonomia: para a bioética, este princípio propõe o respeito pela


capacidade humana de se autodeterminar; sendo assim, é necessário que
haja possibilidade de ação, independência e racionalidade, pois é somente
a partir desses pontos que o paciente poderá decidir sobre seu tratamento
de maneira efetiva e segura, colocando em foco suas decisões e vontades
sobre o que está sendo proposto para si mesmo. “A autonomia como direito
fundamental é usada para justificar os direitos à privacidade das
informações obtidas durante a relação com profissionais da saúde, à
confidencialidade, recusa de tratamento, consentimento informado – e um
mínimo decente de cuidados de saúde.” (Autonomia, [S.d.]). Assim, é um
valor que dignifica a pessoa, e sua promoção para o doente precisa ser
uma das características fundamentais da humanização em saúde.
2. Beneficência: não temos dúvida de que, na humanização hospitalar, a
maior finalidade para o doente é o de fazer o bem, promovendo seu bem-
estar físico, psíquico, social e espiritual, sendo estas as prioridades da
beneficência, denotando-se, então, como a prática de boas ações. Para a
beneficência, caberão ações práticas e calculadas para minimizar o
sofrimento humano, suas dores e angústias, de maneira interdisciplinar e
colocando o paciente no centro do cuidado, agindo de forma holística.
3. Não maleficência: tem suas origens no juramento de Hipócrates, o pai da
medicina – “aplicarei meus conhecimentos para o bem dos doentes e nunca
para lhes prejudicar ou causar o mal”. Cabe ao profissional de saúde não
causar dano ou mal de forma intencional, não prejudicar os doentes em prol
da justificativa do cuidado que está sendo prestado. Este princípio está
relacionado com o respeito à vida psíquica e física das pessoas, não
devendo o profissional de saúde se opor a ele, sob pena de agir com
negligência, e, assim, com as implicações éticas profissionais que lhe
cabem.

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4. Justiça: desempenha um papel fundamental na humanização hospitalar,
para garantir que a dignidade dos doentes seja mantida e respeitada e que
todos sejam tratados igualmente.

É possível observar, então, que os princípios da bioética trazem para a


humanização em saúde pilares que asseguram o direito dos pacientes e
promovem os deveres dos profissionais, em defesa do respeito e da dignidade do
doente em seu momento crítico de dor e sofrimento.

TEMA 5 – HUMANIZAR O CUIDADO NO AMBIENTE HOSPITALAR

Como já fundamentamos as bases da humanização e dos princípios


bioéticos na visão da literatura e de teorias sobre o tema, cabe agora discutir
estratégias práticas e possíveis de se implementar no que se refere à
humanização no ambiente hospitalar. Esse ambiente por natureza já parece frio e
mórbido, especialmente sem o olhar cuidadoso dos entes queridos, com a
privação de visitas e dos aspectos que fazem o paciente um ser importante e
central de sua história.
É necessário que os profissionais de saúde possam ir além das aparências
e do aprendizado tecnológico por si só, devendo valorizar os fenômenos que
cercam a vida humana, compreendendo que o sentido da vida não se inclui
somente nas atribuições técnicas do profissional, mas também em sua
capacidade de perceber e compreender o ser humano, sua identidade, seu
momento no mundo e especialmente sua história de vida.
Não podemos deixar de reconhecer a importância e os benefícios da
tecnologia na área de saúde, facilitando a atuação dos profissionais em
diagnósticos, cirurgias, tratamentos e na segurança técnica e assistência
prestada, o que beneficia o paciente no seu dia a dia. O problema é que, com
esse progresso, dilemas éticos vêm surgindo, prolongando a vida e o poder sobre
o conhecimento, afastando os profissionais do cuidado mais humano e do olhar
cuidadoso.
É necessário que as instituições promovam a oportunidade de os
profissionais dialogarem de maneira ativa e ética sobre as dificuldades e dilemas
vividos ao longo de suas atividades assistenciais, e isso deve ocorrer de forma
interdisciplinar, envolvendo todos os prestadores desse tipo de cuidado.
Estabelecer o ensino da interdisciplinaridade também pode ser um caminho
importante para a valorização dos vários saberes e do respeito mútuo entre os
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profissionais, eliminando, assim, a dicotomia entre o ensino e a assistência. A
presença solidária no cuidado é um fator importante que reflete o cuidado de
maneira compreensível e sensível por quem o presta, despertando para o
paciente confiança, dignidade e gratidão.
Ouvir as proposições da comunidade na implementação de políticas
também é um fator importante para a melhoria da humanização em saúde, e isso
significa que cabe ao gestor encontrar soluções que propiciem o envolvimento de
todos os atores do cuidado, sejam eles profissionais, pacientes ou familiares.
A humanização hospitalar deve ser sentida e percebida por pacientes e
familiares, bem como pela equipe multidisciplinar. Portanto, humanizar pressupõe
responsabilidade profissional e respeito à autonomia das escolhas do paciente de
maneira positiva e efetiva.

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REFERÊNCIAS

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Paulo: Ed. Loyola, 2011.

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<http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/humanizasus/diretrizes>.
Acesso em: 25 out. 2018.

_____. Política Nacional de Humanização – HumanizaSUS. 2003. Disponível


em: <http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/cartao-nacional-de-
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CHIBA, T. Cuidados paliativos. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do


Estado de São Paulo, 2008.

KÜLLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

MENEZES, R. A. Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos.


Rio de Janeiro: Garamound, 2004.

PESSINI, L. Humanização da dor e sofrimento humanos no contexto hospitalar.


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REIS, F. Humanização na Saúde. S.l.: Ed. DOC, 2015.

SILVA, R. C. F. Cuidados paliativos oncológicos: reflexões sobre uma proposta


inovadora na atenção à saúde. 104 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) –
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2004.

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