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Durante muito tempo, costumava deitar-me tarde.

Obedecendo à estupidez da juventude, que


se pensa diametralmente oposta a miséria da velhice, ia dormir quando todos já acordavam; o
sol, timidamente, lançava seus primeiros raios aos poucos, fazendo cócegas ao tocar a pele. O
sol abençoava sério e por três vezes o levantar dos corpos. E eu dormia.
Ao despertar, uma vontade totalitária de sentir-me grande me atormentava; ainda não sabia
que o vácuo é o fundamento, a condição primípara da existência. Lia Caeiro com olhos de um
cristão apaixonado pelos versos da criação ou sentava-me no sofá acariciando minha cadela
por horas, um transe infantil de alguém que não sabe nada.
Mais velho, escrevia longuíssimos versos nulos. Nunca tive paciência para acompanhar com
delicadeza a temporalidade do processo de escrever um romance ---- as palavras
abandonavam-me com rapidez, impiedosas. Eu prefiro a rispidez do silêncio ao tormento
barulhento das paixões. O sexo, sob o manto de um Eros viril, assaltava-me inquieto, desejo,
insistente; o corpo reclamava alguma coisa: o prazer. Beijos tornaram-se, no opaco da velhice,
substancialmente subordinados à sintaxe da minha imundice; uma volúpia materializada no
cansaço, no simples apego ao mundano.
Nunca tive o dom de saber quem sou. Escrevo, mas não sou escritor; às vezes, amo
intensamente, mas não sou um amante; sou, mas não sou.
Uma vez, tentei começar a fumar, mas só deixava o cigarro pender entre os lábios. Nunca tive
a disciplina correta para buscar a dissolução.

Durante muito tempo, costumava deitar-me tarde. Obedecendo à estupidez da juventude, que
se pensa diametralmente oposta a miséria da velhice, ia dormir quando todos já acordavam; o
sol, timidamente, lançava seus primeiros raios aos poucos, fazendo cócegas ao tocar a pele. O
sol abençoava sério e por três vezes o levantar dos corpos. E eu dormia.
Ao despertar, uma vontade totalitária de sentir-me grande me atormentava; ainda não sabia
que o vácuo é o fundamento, a condição primípara da existência. Lia Caeiro com olhos de um
cristão apaixonado pelos versos da criação ou sentava-me no sofá acariciando minha cadela
por horas, um transe infantil de alguém que não sabe nada.
Mais velho, escrevia longuíssimos versos nulos. Nunca tive paciência para acompanhar com
delicadeza a temporalidade do processo de escrever um romance — as palavras
abandonavam-me com rapidez, impiedosas. Eu prefiro a rispidez do silêncio ao tormento
barulhento das paixões. O sexo, sob o manto de um Eros viril, assaltava-me inquieto, desejo,
insistente; o corpo reclamava alguma coisa: o prazer. Beijos tornaram-se, no opaco da velhice,
substancialmente subordinados à sintaxe da minha imundice; uma volúpia materializada no
cansaço, no simples apego ao mundano.
Nunca tive o dom de saber quem sou. Escrevo, mas não sou escritor; às vezes, amo
intensamente, mas não sou um amante; sou, mas não sou.
Uma vez, tentei começar a fumar, mas só deixava o cigarro pender entre os lábios. Nunca tive
a disciplina correta para buscar a dissolução.
Tentei escrever contos. O encontro com a obra de Joyce foi decisivo, mas só sabia esconder-
me em simulacros; a escritura quebra-se em miniaturas que se superpõem, justapõem e
causam uma necessidade de narrativas que as acomodem em uma forma precisa: eu nunca
pude conseguir a exatidão, sou tão fluído que desmancho-me constantemente.
Observo criancinhas chorarem pelo pedido não atendido; no fone de ouvido, uma sonata de
Beethoven parece reconhecer tamanho vazio, a violência cínica da vida.
Do ventre, da semente, do ovo, do sêmen, do verme, do líquido, do ácido, da virgem, da puta,
do mendigo, do santo, do revolucionário... O túmulo antevê o sentido de tudo.

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