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acessado em 29 de outubro de 2006
CRISE GERAL NA EDUCAÇÃO
Robert Kurz

Mais uma vez correm abundantemente as lágrimas de crocodilo da classe


política, dos media e do management. Desta vez o objecto de consternação é o
estado de calamidade do ensino, como se ninguém fosse altamente
responsável por isso. Mas tal "pensamento duplo", como George Orwell o
descreveu na sua utopia negativa, é de qualquer modo necessário para poder
suportar e exprimir enfaticamente as autocontradições, lamentando o modo de
vida e de produção dominante, sem ter que declarar-se a si mesmo como
doido.

Educação e ciência não são excepção. Por um lado a concorrência obriga à


contínua inovação no uso dos conhecimentos científicos e das criações
culturais; por outro lado, estes domínios constituem apenas "custos mortos", do
ponto de vista da economia empresarial. Eles constituem um fundo de cujo
conteúdo uma pessoa gostaria de servir-se no interesse da valorização do
capital, mas pelo qual gostaria de pagar o mínimo possível. Na crise, quando
até os lucros se evaporam, os rendimentos e a cobrança de impostos
diminuem em paralelo e agrava-se esta contradição. Do jardim de infância ao
instituto de pesquisa teórica, todo o sistema de educação, cultura, formação e
ciência se arruina, exactamente como todos os outros domínios não
directamente lucrativos. E quando as consequências do colapso se fazem
sentir, retroagindo sobre a valorização, fica todo o mundo em ressaca e a exigir
"mais esforço da educação".

Há muito que se impôs também na educação e ciência uma determinada lógica


de administração da crise. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha foram
pioneiros nesta orientação, porque foram os primeiros a executar todas as
consequências da crise do capitalismo. Esta lógica integra dois elementos
fortemente unidos um ao outro. O primeiro estabelece o postulado de uma
"educação de elites". Educação e ciência devem ser alta e massivamente
financiados "em cima", no resto pelo contrário devem ficar à míngua. É típico
do novo espírito do tempo elogiar as escolas e universidades privadas pelos
seus "altos talentos". A reivindicação de propinas pesadas pertence a esta
linha, tal como a reivindicação de constituir universidades de elite ou a de voltar
atrás na disponibilização do material escolar. À sobrelotação de escolas e
universidades públicas corresponde um desempenho menos elevado. E
espera-se colocar sob o mesmo chapéu reduções orçamentais drásticas e um
ensino concorrencial.
O segundo elemento da administração de crise no âmbito da educação e
ciência está na redução funcionalista, de acordo com critérios de possível
valorização do capital. Estudos culturais, humanidades, ciências sociais, vistas
como especializações em floreados, emagrecem até à invisibilidade; o mesmo
acontece com a pesquisa teórica "sem objectivo" em ciências naturais. Pelo
contrário, são unilateralmente fomentadas as "disciplinas valorizáveis" ou como
tal consideradas: informática, engenharias, estudos de economia empresarial,
etc. O ideal é o "cientista empresarial", a escola organizada sob o "ponto de
visita da economia" ou o projecto científico administrado como uma empresa
lucrativa. Para os estudantes a divisa é: Estudes tu o que estudares, é sempre
economia empresarial.

Mas tal como em todos os outros domínios, também na educação nunca a


contradição capitalista será bem administrada através da administração de
crise restritiva e repressiva. A educação elitista unilateral assemelha-se a um
cérebro de alto rendimento a que foi cortada a irrigação sanguínea. O filtro
financeiro do acesso eleva aos lugares de comando os burros da classe alta
arrivista, enquanto a massa dos talentos da sociedade definha ou se dedica
(oxalá!) a objectivos subversivos. Donativos e sponsoring, bolsas de estudo e
fundações, não podem substituir o sistema de educação em toda a sua
extensão.

Ironicamente, acontece com a educação o mesmo que com a publicidade: só


uma parte atinge o alvo, mas não se sabe qual é. Com a sujeição directa a
critérios económico-empresariais, a lógica própria não económica da educação,
ciência e cultura acaba por sufocar. Professores, biólogos, físicos, historiadores
e sociólogos medíocres ou abaixo da média tornam-se hábito nas instituições
de educação e ciência: é o melhor caminho para a desqualificação e
abandalhamento continuado dos conteúdos. Quando em todo o lado já só
restam vendedores em acção, já nada se consegue vender.

O sistemático apoio aos idiotas funcionais de vistas curtas serve da melhor


maneira o objectivo de arruinar o capitalismo. Contava-se ironicamente acerca
da monarquia K.u.K. (1) que o inimigo teria proibido os seus soldados de
atirarem sobre os oficiais K.u.K. Talvez a crítica radical do capitalismo deva
saudar com idêntica ironia as ideias elitistas da classe político-económica
alemã-federal. Vendo bem, o governo vermelho-verde e até a respectiva
oposição representam já o surgimento desta "elite" à Dr. Eisenbart (2).

Notas da tradutora:

(1) Monarquia K.u.K. (de Kaiserin und Kaiser, imperatriz e imperador, a partir
da dupla Elisabeth/Sissi e Francisco José), refere-se ao império dos
Habsburgos, 1848/1918, aqui como paradigma da decadência. Tal como em
português, em alemão também há homofonia com cuco (Kuckuck).

(2) Médico alemão que viveu entre 1663 e 1727, cuja figura é explorada no
turismo e no folclore como protótipo da charlatanice. Eisenbart quer dizer
literalmente barba de ferro.
Original alemão Notstand für alle bei der Bildung em Neues Deutschland,
09.01.2004

Tradução de Ana Moura

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