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com o agressor
Resumo: O conceito de compulsão à repetição, que corresponde a uma das dimensões constitutivas
do inconsciente na doutrina freudiana e é considerado como parte da estrutura do sujeito, abre uma
sexualmente que também foram violentadas na infância e, às vezes, pelo mesmo homem que agora
abusa de sua prole. O reconhecimento da repetição como um fenômeno que ultrapassa tanto a busca
pela satisfação libidinal quanto a tentativa de dominar experiências desagradáveis e faz com que
essa força pulsional produza a repetição da dor, comprova que algo escapa e vai além do princípio
do prazer. O estudo sistemático da compulsão à repetição acrescido de uma interface com a noção
raízes patriarcais, que não permite a muitas crianças um desenvolvimento saudável de sua
sexualidade.
A repetição
A lógica da repetição está presente em toda a obra freudiana e, apesar de seu primeiro
registro oficial datar de 1914, ano em que Freud publicou “Recordar, repetir e elaborar”, podemos
notar sua presença desde 1894, quer seja numa carta a Fliess (7-2-1894), na qual o termo compulsão
foi empregado pela primeira vez, quer seja no texto “As psiconeuroses de defesa”(1894), em que
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Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFMG. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Coordenadora do Projeto CAVAS.
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Psicólogo e especialista em Temas Filosóficos pela UFMG. Estagiário do Projeto CAVAS.
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Psicóloga pela UFMG e estagiária do Projeto CAVAS.
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implicando no esboço da idéia de uma repetição constitutiva do funcionamento psíquico, tal como é
encontrada, com freqüência, nos atos obsessivos e repetitivos que deram lugar ao termo
No ano seguinte, 1895, no “Projeto para uma psicologia científica”, Freud apresentou o
conceito de Bahnung (facilitação) que abria, sem dúvida, um caminho para a lógica da repetição,
obedecendo em suas articulações à lógica do princípio do prazer. A facilitação seria invocada como
prazer da facilidade, e seria retomada como prazer da repetição. Portanto, a facilitação freudiana,
segundo KAUFMANN (1996), nos revelou o óbvio, ou seja, que existe uma tendência a percorrer o
caminho que já se percorreu, pois os novos caminhos impõem uma resistência, e a facilitação nada
mais seria do que uma diminuição permanente dessa resistência. Também em 1895, nos “Estudos
sobre a histeria” Freud marcava sua opinião totalmente inovadora de que, pelo sintoma, o sujeito
dizia o que não podia dizer de outra maneira e que, assim, a repetição do sintoma representava a
Um outro passo na construção do conceito de repetição foi dado no artigo em que Freud
usou, pela primeira vez, a expressão ‘retorno do recalcado’, em 1896, no artigo “Novos comentários
sobre as psiconeuroses de defesa”, em que ele enfatiza como a falha da defesa é que abre o campo
da repetição, permitindo o retorno das lembranças recalcadas. Momento em que Freud chama
atenção para uma diferenciação importante: as lembranças revivificadas não são iguais às
impressões mnêmicas originais, pois ao entrarem na consciência, elas precisam ser modificadas.
No artigo “Atos obsessivos e práticas religiosas” (1907) Freud apresentará o duplo aspecto
a ser corroída através da reflexão aprofundada acerca da observação de duas situações nas quais o
sujeito não cessa de reviver episódios dolorosos: o fort-da e as neuroses de guerra. A partir da
análise desses dois fenômenos era impossível continuar sustentando que a compulsão à repetição
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obedecia unicamente à busca do prazer; era preciso admitir que restava uma espécie de resíduo que
escapava a essa determinação: um mais além do princípio do prazer. Essa compulsão que produz a
acabou levando Freud a postular a existência de uma tendência para um retorno à origem, ao estado
Diante dessa mudança de eixo, a repetição passou a ser definida como um processo
inconsciente impossível de dominar, que obriga o sujeito a reproduzir seqüências (atos, idéias,
pensamentos ou sonhos) que, em sua origem, foram geradoras de sofrimento e conservaram esse
caráter doloroso.
No entanto, a compulsão à repetição não ficará restrita apenas ao campo patológico, será
considerada como parte da estrutura do sujeito, levando Freud a afirmar em 1937, em “Análise
terminável e interminável”, que não temos como nos desembaraçar totalmente dessas manifestações
residuais. Aliás, os desígnios da compulsão à repetição acabaram por determinar que ela fosse
considerada uma das dimensões constitutivas da noção de inconsciente na doutrina freudiana. Mais
ainda, acabou funcionando como mola propulsora para as mais audaciosas reflexões de Freud,
trazendo à luz a idéia, conforme nos diz KAUFMANN (1996), de um assujeitamento radical que
faz com que o indivíduo, diante dessa Zwang que o obriga a repetir, reencontre sua impotência.
distinção que poderá ser útil para alinhavarmos um raciocínio acerca do tipo de repetição que
facilita a instalação da cena onde uma mãe que foi abusada na infância permite o abuso de sua prole
pelo mesmo homem que abusou dela, o que FUKS (1998) denomina de transgeracionalidade.
Assim, quando nos fala da relação entre repetição e transferência García-Roza afirma que:
“Na transferência dá-se uma repetição de protótipos infantis, essa repetição não é uma reprodução de
situações reais vividas pelo paciente, mas equivalentes simbólicos do desejo inconsciente. O que se
repete, faz-se num ato que só toma sentido em relação ao analista, o que implicaria, pelo menos, que
fizéssemos uma distinção entre ‘repetição do mesmo’ e ‘repetição diferencial’. Se a transferência é
repetição, ela é uma ‘repetição diferencial’, e somente sob este aspecto a repetição toma um sentido
positivo e pode constituir-se como um instrumento no sentido de cura.” (p. 22-23, 1986)
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A repetição que se instala quando uma mãe que sofreu abuso é conivente com a violência
sexual sofrida por seu filho parece ser 'repetição do mesmo', uma vez que não produz novidade e
aproxima-se da reprodução estereotipada. Essas mães são impelidas a reproduzir a situação original,
criando um ciclo silencioso que não consegue promover ligações psíquicas, mas constitui-se como
uma forma primitiva para dar um destino ao excesso pulsional provocado pela traumatização de que
realizados no projeto CAVAS sugeriram que a noção de identificação com o agressor está na base
A expressão “identificação com o agressor” não consta na obra de Freud, mas pode ser
reconhecida em alguns trechos como, por exemplo, na descrição da brincadeira do fort-da, na qual a
criança assume uma posição ativa ao submeter um carretel ao mesmo abandono que sente quando
sua mãe o deixa só. Dessa forma, identifica-se com a mãe que a abandonou, repetindo com mais
freqüência o movimento de jogar para longe o carretel do que o movimento de puxá-lo para si.
Assim, encontra uma maneira de controlar a situação e, ao mesmo tempo, vingar-se da mãe
utilizando um objeto substituto. LAPLANCHE (1979) nota, ainda, que praticamente todos os
autores relatam o mecanismo da identificação com o agressor no contexto de uma relação dual, e
incesto.
Em 1936, Anna Freud descreveu a identificação com o agressor como "uma das mais
poderosas armas do ego em seus tratos com os objetos que provocam angústia" (p.81) e também
como um dos "modos mais naturais e comuns de comportamento por parte do ego primitivo" (p.82),
que poderá atuar mesmo antes da agressão temida acontecer de fato. Afirma que frente a uma
agressão física ou crítica, especialmente vinda de uma autoridade superior, o indivíduo inverte os
papéis ao assumir a responsabilidade pela agressão e imitar o agressor. Uma outra consideração de
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Anna Freud, diz respeito ao fato de que a internalização da agressão é sempre acompanhada pela
Ao passo que Anna Freud descreve a identificação com o agressor como um mecanismo de
defesa que pode ser utilizado frente a agressões de qualquer natureza, FERENCZI (1932) recorre a
este conceito em um sentido estrito ao considerá-lo como uma conseqüência do abuso sexual,
enfatizando a importância e a força traumática do fato externo real. De certa maneira, retoma a
pacientes que confessavam em análise ter mantido relações sexuais com crianças, oferece um dado
contrário ao que Freud utilizou para justificar sua ênfase na realidade psíquica.
A análise de pacientes adultos que se revelaram vítimas de violência sexual na infância, fez
com que Ferenczi percebesse uma peculiaridade na constituição do campo transferencial desses
casos. Apesar de esses pacientes aceitarem suas interpretações sem maiores resistências e nunca o
questionarem, as sessões de análise pareciam sempre resultar em uma repetição do trauma: "os
horríveis; cada sessão de análise degenerava numa crise de angústia histérica". (p.99),
Ferenczi reconheceu, por trás desse excessivo amor de transferência, “o desejo nostálgico de
libertação desse amor opressivo” (p.104) e iniciou a descrição dos efeitos do mecanismo da
identificação com o agressor para o psiquismo das vítimas de abuso sexual: total submissão à
seduz uma criança e o ato sexual, apesar de ser desprazeroso, é interpretado pela criança conforme
suas próprias referências, a partir da linguagem da ternura e o adulto pratica o ato a partir da
linguagem da paixão. Como o adulto abusador em Ferenczi não é um perverso, o que se segue à
cena do abuso é um sentimento de culpa que reforça o silêncio e faz com que ele afirme à criança
que nada aconteceu. Essa atitude de negação da realidade torna o abuso sexual algo
incompreensível para a criança, provoca medo e faz com que ela se sinta sozinha e abandonada. Por
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não dispor de palavras adequadas para significar o ocorrido, a culpa do adulto aparece como único
vestígio do que ocorreu entre eles e é esta culpa que será introjetada pela criança através do
surpresa num momento em que não tem meios eficazes de se defender, "a personalidade ainda
fracamente desenvolvida reage ao brusco desprazer, não pela defesa, mas pela identificação
ansiosa e a introjeção daquele que ameaça e agride" (p.103). O agressor torna-se intrapsíquico,
deixa de ser um outro e, assim, pode ser submetido ao processo primário, modelado segundo o
princípio do prazer, processo que resulta em uma minimização da ameaça externa. Porém, a criança
violência que está sofrendo ou sofreu, como uma punição. Essa é a culpa que mantém o silêncio das
crianças a respeito do abuso e, para Ferenczi, também explica porque as vítimas tornam-se
Esse assujeitamento silencioso frente à agressão persiste nas vítimas de abuso imprimindo a
marca da compulsão à repetição em seus relacionamentos amorosos e em sua vida sexual na idade
adulta. Uma pesquisa realizada por Cohen & cols. (2002) com homens pedófilos e não pedófilos
demonstrou que a proporção de pedófilos abusados sexualmente na infância é maior, 66% contra
identificação com o agressor aliado à noção de repetição abre a possibilidade para que sejam mais
bem compreendidos os efeitos transgeracionais do abuso sexual: quando meninos abusados tornam-
se agressores sexuais e mulheres que sofreram abuso na infância se envolvem com homens
potencialmente abusadores ou tornam-se cúmplices diante do abuso de seus filhos, por vezes pelo
estereotipada do trauma, justamente porque possibilita que sejam estabelecidas, através da própria
repetição, conexões entre a situação originalmente vivenciada e a sua manifestação atual. Tendo
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edipianas com os acontecimentos reais, o analista disponibiliza sua escuta para além do trauma do
Bibliografia
CROMBERG, Renata Udler. Cena Incestuosa: abuso e violência sexual. 2ª ed. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004.
FERENCZI, Sándor (1932). Confusão de Língua entre os Adultos e a Criança. In: _____. Obras
Completas – Psicanálise IV. 1a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
FUKS, Lucía Barbero. Abuso sexual de crianças na família: reflexões psicanalíticas. Percurso, São
Paulo, n. 20, p. 120-126, 1998.
FREUD, Anna (1936). O ego e os mecanismos de defesa. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
PIZÁ, Graça & FERRARESI, Gabriela (coord.) (2004). A violência silenciosa do incesto. São
Paulo: Imprensa Oficial.