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1.

Genealogia das Tecnologias Contemporâneas

1) Liberalismo informacional e o neoliberalismo são a mesma coisa? Explique.

Embora tenham pontos de convergência e suas emergências tenham sido


possíveis devido a eventos em comum, liberalismo informacional e neoliberalismo não
são exatamente a mesma coisa. É necessário observar, no entanto, que as ideias de livre
mercado e de livre circulação de informação aparentemente foram reciprocamente
inspiradoras aos dois movimentos, já que a chamada sociedade da informação se
desenvolve em paralelo a grandes renovações liberais. Segundo Loveluck, o liberalismo
informacional emerge em um contexto que chama de 2ª cibernética. Ao contrário da 1ª
cibernética, protagonizada pelo complexo científico-militar, que era pautada por um
controle estatal das sociedades pela tecnologia (tecnocracia), a 2ª cibernética,
protagonizada por pesquisadores universitários e amantes de tecnologia, surge com a
intenção de eliminar a autoridade política e estabelecer a auto-organização. A evolução
das redes, apresentada na página 52, ilustra bem essa mudança de ênfase: da rede
centralizada, pensada para o uso militar/estatal, há um avanço para as redes
descentralizadas e, posteriormente, distribuídas, que Loveluck considera ser o antídoto
ao poder soberano, em referência a Foucault. Através da descentralização do poder, da
auto-organização dos indivíduos e da livre-circulação de informação, a intenção do
liberalismo informacional foi a de superar qualquer controle estatal. Em paralelo a isso,
o neoliberalismo não descartou o papel do Estado, embora também seja pautado por um
maior fomento às individualidades e pela diminuição da participação do Estado nas
vidas dos sujeitos.

2) Como fica a questão do copyright na cultura do Vale do Silício?

Para Norbert Wiener, qualquer obstáculo à livre circulação de informação é


nocivo ao equilíbrio global. Para o autor, as leis de propriedade intelectual são um
absurdo (desta forma, se opondo a algumas prerrogativas do mercado capitalista), uma
vez que impedir o livre acesso à informação também impede o desenvolvimento
tecnológico e a inovação. O que se idealizava, até então, era a constituição de uma teia
única de informações livremente acessíveis, que resultaria em uma harmonia global. De
certa forma, tais ideais foram decisivos na formação de uma ética hacker.
Considerando-se que a informação vem progressivamente agregando valor financeiro,
pelo menos, desde os anos de 1960 e, logo, tornando-se uma propriedade de grande
valor, sua livre circulação pode ir de encontro aos ideais do liberalismo, o qual tem
como um de seus pilares justamente a propriedade privada. As ideias de Wiener vão
sendo gradualmente enfraquecidas à medida que a rede passa do controle militar para o
domínio civil, logo privado, entre as décadas de 1980 e 1990, e a internet passa a operar
como uma extensão do mercado. O capítulo 6 da obra de Loveluck aponta que a ética
hacker passa a ser subvertida a partir da aproximação entre hackers e empresários, o que
acarretou restrições à circulação de informações, tornando-as propriedade privada.
Loveluck aponta os papéis decisivos de nomes proeminentes da computação. Enquanto
Richard Stallman via de forma negativa o recrutamento de hackers por empresas
privadas, a criação de cláusulas de confidencialidade no desenvolvimento de softwares
e, enfim, os softwares em formato proprietário, os quais foram defendidos por Bill
Gates, em nome do fomento ao desenvolvimento de bons softwares, o que exigiria uma
organização profissional (p. 130). Gates venceu amplamente este embate, do ponto de
vista do capital.

3) Como a cultura californiana se relaciona com as contraculturas dos anos 60?

A virada contracultural dos anos 1960 foi acompanhada por uma revolta contra a
tecnocracia e pelo sentimento antiburocrático, o que possibilita que a informática deixe
gradualmente a área científico-militar e passe a ser mobilizada para a constituição de
uma forma social de essência liberal, com o objetivo de privilegiar a autonomia
individual (p.65). Loveluck afirma que a Costa Oeste dos Estados Unidos (São
Francisco, Berkeley, Stanford e Palo Alto, em especial) foi “palco de uma manifestação
que celebrava o potencial humano, um ideal de paz e amor, além da autorrealização pelo
intercâmbio” (p. 67), cujos envolvidos estavam “impregnados dos valores de
descentralização e abertura, assim como da livre-circulação de informação” (p. 67). Tais
acontecimentos foram impulsionados no contexto da Guerra do Vietnã e de ameaça
nuclear, que eram justamente expressões da centralização do poder e da tecnocracia.

4) Explique as utopias que o autor menciona.


Loveluck retoma o fato de haver uma tradição estabelecida, que anuncia a
salvação da humanidade através da tecnologia. Neste contexto, a ficção científica ajuda
de forma decisiva a alimentar a utopia do Ciborgue (cybernetic organism), que seria
uma simbiose humano-máquina, sonhada pela ciência e introduzida pelas forças
armadas no contexto da Guerra Fria. O ciborgue se junta à tradição da vontade de
superar a condição humana que, em seu extremo, é chamada de transumanismo. Mais
adiante, Loveluck afirma que a figura do ciborgue foi suplantada pela realidade virtual e
pelo ciberespaço, este último, popularizado no romance Neuromancer, que inspirou a
trilogia Matrix. Chegou-se a pensar que as comunidades virtuais no ciberespaço
possibilitariam uma renovação da civilização, através da participação, da abolição de
fronteiras, da solidariedade, do compartilhamento, da criatividade e da inovação, o que,
como sabemos, não se concretizou integralmente, pelo menos não da forma otimista que
se esperava. A respeito disso, Loveluck diz que a “história nos mostra que o entusiasmo
pelas mudanças sociais (e as oportunidades econômicas), tornadas possíveis pela
tecnologia, nada têm de novo, desde a eletricidade até o telégrafo, o telefone, a televisão
e, atualmente, a internet” (p. 96). Ou seja, ainda que a internet tenha de fato todo o
potencial que se esperava dela no sentido de “renovar a civilização”, não se pode
analisá-la à parte dos usos políticos e econômicos aos quais ela também vem servindo.

2. Nuvem: o fenômeno da nuvem e o mundo vaporoso das plataformas.

1) Explique por que a nuvem se tornou a principal metáfora do contemporâneo.

No estágio tecnológico em que nos encontramos, a noção de nuvem está sempre


relacionada, em primeiro lugar, ao modo como são armazenados os dados nas
plataformas digitais que utilizamos para os mais diversos fins: Facebook, Gmail,
Youtube, Twitter, lojas online, home banking, etc. Segundo Bridle, a partir da década de
1950. a nuvem começa a surgir como um símbolo nos diagramas que os engenheiros
elétricos desenhavam para descrever os sistemas que construíam. O símbolo era um
meio de abreviar a complexidade dos projetos e poderia se referir a um outro sistema
elétrico, a uma troca de dados ou a uma outra rede de computadores que tinha conexão
com o projeto em questão, mas não fazia, fisicamente, parte dele. Ou seja, o símbolo da
nuvem era uma forma de lembrar que os itens que ela representa estão em algum lugar
do “lado de lá”. Assim, o conceito de nuvem se torna central para a internet, pois
também nos conectamos, trabalhamos, salvamos arquivos e fazemos transações diversas
através de algo que não está fisicamente presente em nossos escritórios ou no hardware
de nossos dispositivos: a nuvem. Bridle ressalta que muitos lugares que já foram da
esfera pública foram absorvidos pela nuvem. Tudo isso implica em uma
contemporaneidade que nos insere em uma experiência de translucidez, como se
estivéssemos também em meio às nuvens. Há uma intensa proliferação de informação
que não sabemos concretamente de onde vem e para onde vai, causando a sensação de
se estar em um mundo sem forma, veloz e difícil de visualizar. Wisnik, em suas
análises, também mostra que a lógica da nuvem se faz presente em muitos outros
espaços além do cotidiano das plataformas digitais. Segundo Wisnik, “o que se observa
como constante em muitos dos mais variados campos da vida social é, para bem e para
mal, a contínua dissolução dos pares duais que definiram a experiência da modernidade
em nome de caracterizações mais fluidas” (p. ?). E é isso que leva o mundo
contemporâneo a vivenciar uma zona híbrida entre transparência e opacidade. Neste
sentido, alguns dos acontecimentos destacados pelo autor são o borramento das
fronteiras entre público e privado; o questionamento das determinações sexuais e de
gênero; as discussões filosóficas e científicas acerca do que é ser humano; o
rompimento do contrato social entre Estado e sociedade civil que, no Terceiro Mundo,
se exemplifica através do crescimento de milícias paraestatais; as constantes mudanças
nas relações de trabalho rumo a maior mobilidade e adaptabilidade do trabalhador (e,
com isso, menos garantias) e o ingresso em um capitalismo financeiro que é
especulativo, logo, não sólido, que ao mesmo tempo em que se mostra transparente, não
deixa ver seu interior.

2) Qual a relação entre nuvem, algoritmo e visibilidade?

         As grandes plataformas com as quais interagimos hoje naturalizam em nós a


sensação de que os dados que estamos acessando ou fornecendo estão armazenados em
algum tipo de local mágico, logo, isento das coisas do mundo físico. Podemos ver as
plataformas, mas a opacidade da nuvem não permite que vejamos o funcionamento de
seus códigos/algoritmos. Para Bridle, nossa falta de entendimento sobre a nuvem é
nociva e também proposital, uma vez que, ao não compreendermos criticamente o modo
como os algoritmos das plataformas operam, também deixamos de ver os motivos
concretos para ofuscar o que há dentro da nuvem, como questões de segurança nacional,
sigilos corporativos e até mesmo infrações cometidas pelas plataformas. Sobre os
lugares que migraram da esfera pública para a nuvem, Bridle afirma: “obscurecidos,
eles ficaram menos visíveis e menos receptivos a críticas, investigações, preservação e
regulamentação” (p. 16). Nesta perspectiva, a nuvem acaba sendo utilizada para ofuscar
a “verdadeira operação da tecnologia”. Segundo Bridle, a adesão ingênua ao
pensamento computacional, que nos leva a crer que tudo pode ser resolvido e salvo
através do desenvolvimento de algoritmos, é a cova que nos coloca no que o autor
chama de nova idade das trevas.

3. Atenção: economia e ecologia da atenção no mundo hiperconectado.

1) Relacione a ecologia da atenção com a educação. Escolha o enfoque que desejar.

         Faço esta relação aproveitando a citação à Katherine Hayles no texto de Yves
Citton:

Os professores concebem suas aulas para um regime de atenção


profunda, supondo que os participantes estejam comprometidos
a “se concentrar em um mesmo objeto durante longos períodos
(um romance de Dickens), a ignorar os estímulos exteriores
durante essa fase de concentração, a preferir ter apenas uma
fonte de informação, a ter uma tolerância elevada aos longos
períodos de focalização”. No entanto, os estudantes teriam
contraído hábitos característicos de uma hiperatenção: “mudar
rapidamente de focalização entre diferentes tarefas, preferir
múltiplas fontes de informação, buscar um nível elevado de
estímulo, ter uma tolerância frágil ao tédio” (HAYLES, 2007, p.
187).

          Considerando-se que a imensa maioria das instituições educacionais ainda


organizam suas arquiteturas e suas rotinas com profundas raízes em uma sociedade
disciplinar, torna-se cada vez mais complexa a relação com as novas gerações que
chegam à escola, visto que tal organização destoa cada vez mais das formas como os
sujeitos são constituídos nos outros espaços fora da escola, levando em consideração,
também, o papel da ecologia da atenção na constituição destes sujeitos.
O youtuber que promete ensinar “tudo” sobre determinado assunto em um vídeo
de 10 minutos se comunica de uma forma diferente daquela utilizada pelo professor que
cursou quatro ou cinco anos de um curso de licenciatura. Obviamente, o docente ainda é
o mais capacitado a propor uma sequência didática baseada em um método que vise à
solidificação ou ao aprofundamento de conhecimentos. No entanto, o youtuber se
comunica com a dinâmica própria da ecologia da atenção, que combina, entre várias
coisas, rapidez e estímulo audiovisual. Desta forma, a ecologia da atenção contribui
para a dificuldade de concentração por longo período e para o aborrecimento quando da
realização de tarefas mais “lineares”, comuns à escola tradicional.

         Para além disso, Crary (2016, p. 54) diz que

A produção acelerada de novidades desativa a memória coletiva


– a evaporação do conhecimento histórico nem precisa mais ser
imposta de cima para baixo. As condições cotidianas de
comunicação e acesso à informação garantem o apagamento
sistemático do passado como parte da construção fantasmagórica
do presente.

Neste sentido, talvez seja possível dizer que a rapidez de acesso a conteúdos
simplificados e as barreiras para o aprofundamento em determinados assuntos
contribuam para atual crise – em muitos casos, marginalização – por que passam
algumas áreas do conhecimento e para a banalização de graves acontecimentos do
presente que frequentemente têm parentesco com eventos já experimentados pela
sociedade no passado.

2) Como o modelo de negócios das plataformas influencia a atenção?

         O modelo de negócios das plataformas funciona essencialmente em torno de


nossa atenção. É através de “[...] nossas pesquisas – nossas curiosidades, questões,
cliques seletivos, os laços que estabelecemos ou que ativamos [...]” (CITTON, 2018, p.
23) que os algoritmos das plataformas aprendem sobre quem somos e sobre o que
podemos estar inclinados a ser (e a consumir). Nossas interações online formam um
imenso banco de dados que permite formular novas estratégias para seguir capturando
nossa atenção que nada mais é do que um bem imaterial extremamente valioso que é
vendido pelas plataformas a quem tiver interesse a dar continuidade – e faturar – com o
ciclo infinito que envolve a captura da atenção. Logo, o conteúdo aparentemente
gratuito que muitas plataformas oferecem é o que transforma o próprio usuário na
mercadoria a ser vendida para diversas corporações.

3) Comente o papel dos influencers nas pedagogias culturais que se desenrolam nas
redes sociais à luz da ecologia da atenção.

Quando um Youtuber/influencer lança uma resenha sobre o último filme da


Marvel, a dica mais efetiva de treino para entrar em forma, uma receita especial para
manter uma dieta low carb ou mesmo expressa sua visão política de mundo, algumas
coisas acontecem além da transmissão do conteúdo prometido no vídeo. Em primeiro
lugar, o caminho que leva o sujeito até determinado segmento de vídeo é pavimentado
por algoritmos que de alguma forma aprenderam que tipo de conteúdo captura sua
atenção. Conquistada a sua atenção, o sujeito se torna audiência cativa para uma espécie
de condução eletrônica de sua conduta, uma vez que os vídeos produzidos por
influencers também são pedagógicos no sentido em que ensinam estilos de vida e
modos de pensar e agir. Da mesma forma, o influencer frequentemente faz uso de seus
vídeos para a inserção de publicidade que muitas vezes é patrocinada por alguma
empresa, mas que também pode se dar de modo não intencional. Essa publicidade se
torna muito potente uma vez que é “ilustrada” e naturalmente contextualizada pelo
conteúdo proposto pelo vídeo que está sendo assistido, algo que um comercial televisivo
de alguns segundos talvez não consiga fazer com tamanha eficiência. 

4. Plataforma: do capitalismo cognitivo ao capitalismo de plataforma (Gig


economy). Os grandes conglomerados da Big Tech e o novo monopólio no
capitalismo (vetorialismo, neofeudalismo)

1) O que é capitalismo de plataforma?

O capitalismo de plataforma é a forma como vem sendo chamado o atual estágio


do capitalismo, em que as trocas já não se dão exclusivamente como no capitalismo
tradicional, mas de forma colaborativa, através de diversas plataformas, que substituem
inúmeras atividades econômicas, sociais e culturais que no passado não eram mediadas
pela tecnologia, ao menos não de forma tão intensa como no presente. É nesta onda que
se popularizaram os aplicativos de trânsito, de alimentação, de relacionamentos, de
transporte e de hospedagem, entre tantos outros. As plataformas podem lucrar de forma
direta ou indireta. Direta, nos casos em que o usuário paga diretamente à plataforma
pelos serviços oferecidos, como no caso da Uber, do Airbnb e até mesmo de serviços
premium em apps que não tenham a totalidade de seus recursos oferecidos de maneira
gratuita. De forma indireta, nos casos em que o usuário não paga qualquer valor
monetário diretamente à plataforma, como é o caso da Google, do Facebook, do Twitter
e do Instagram, por exemplo. O usuário paga pelo uso destas plataformas de uma
maneira passiva e, na maioria das vezes, inconsciente, pois a real mercadoria de tais
empreendimentos digitais são os dados que o próprio usuário produz através de suas
interações online. As empresas deste segmento, chamadas de empresas de Big Data,
extraem e mineram os dados fornecidos pelos usuários e, posteriormente, arrecadam
vendendo para outras corporações o conhecimento obtido através do comportamento
online dos usuários.

 2) Qual a diferença entre modelo fordista e capitalismo de plataforma?

         O modelo fordista, ainda no contexto do capitalismo industrial, se caracterizou


pela ênfase na propriedade privada, acumulação de capital, produção e consumo de bens
materiais em larga escala, através de operações mais tradicionais de compra e venda. O
capitalismo de plataforma, embora ainda faça girar a produção e o consumo de bens
materiais, é pautado, em um primeiro nível, pela produção e consumo de bens
imateriais, que são os dados (informação/conhecimento). No atual contexto, este
conhecimento é o que viabiliza a especulação no mercado financeiro, a formulação de
estratégias para a captura de consumidores em potencial para determinados bens
materiais e imateriais e até mesmo campanhas para adesão a ideologias políticas.

3) Qual é a principal mercadoria que circula no capitalismo de plataforma?

         Acredito que já tenha respondido na questão 1!


5. Trabalho: A transição do fordismo ao pós-fordismo e flexibilização do trabalho.
Novo espírito do capitalismo. Precarização do trabalho na era das plataformas.
“Uberização”.

1) Como as plataformas se apropriaram do discurso de gratuidade dos libertários?

          Percebe-se que as plataformas vêm reescrevendo os ideais libertários em muitos


sentidos. Aplicativos como Uber e Airbnb, por exemplo, oferecem serviços gratuitos
aos seus usuários, respectivamente, para a localização do meio de transporte mais
próximo e mais barato e para a experiência de hospedagem com localização e custos de
acordo com o perfil do usuário. No entanto, a gratuidade dos aplicativos mascara a
formação de monopólios, as ameaças à democracia quando das pressões pela reescrita
das leis para que amparem o funcionamento dos apps (e, no caso da Uber, uma
sabotagem a serviços públicos em benefício do setor privado), além da precarização das
vidas de inúmeras pessoas, especialmente as dos trabalhadores que atuam através dos
aplicativos. Os discursos de livre circulação de informação, compartilhamento e
solidariedade que substituiriam a centralização do poder pelo Estado, romperiam
fronteiras e possibilitariam melhor qualidade de vida a todos foram apropriados e
subvertidos pelo capitalismo de plataforma, que agora possibilita que algumas
corporações centralizem o poder e que capitalistas especulem livremente sobre o valor
dos serviços que oferecem (caso da Airbnb), por exemplo.

 2) O que é uberização?

 
         Uberização é o nome que vem sendo dado ao processo de reconfiguração das
relações de trabalho promovido em grande parte pelo capitalismo de plataforma e pelas
reformas (neo)liberais na economia e nos direitos trabalhistas ao redor do mundo. Em
uma condição de uberização, são apagadas as posições tradicionais de empregado e
empregador e, consequentemente, medidas que proporcionariam alguma segurança ao
trabalhador no exercício de sua função. O motorista de Uber não é empregado formal da
empresa, nem utiliza qualquer recurso fornecido por ela, além da marca e do aplicativo
para realização das corridas, no entanto, precisa atingir metas estabelecidas pela
empresa no que diz respeito à avaliação feita pelos usuários do serviço e ao atendimento
de pelo menos 90% das chamadas recebidas. Para desempenhar essa função, o motorista
não tem um salário fixo, férias, contribuição para a previdência ou qualquer tipo de
auxílio para alimentação ou saúde. Tais “benefícios” não existem em um cenário em
que não há empregador e ficam a cargo do trabalhador, se assim o desejar e tiver
condições de providenciar. Em geral, ocorre uma situação em que o trabalhador se torna
um escravo de si mesmo, no sentido em que precisa explorar sua própria capacidade e
manter um alto nível de produtividade para garantir o mínimo para sobreviver.
Plataformas de alimentação como iFood e Rappi vêm atuando de forma muito
semelhante e, com a rápida proliferação de aplicativos para praticamente qualquer tipo
de serviço, nenhuma profissão/função está fora da mira da uberização.

6. Vigilância: panoptismo e capitalismo de vigilância na era das plataformas.

1) De que forma o capitalismo transforma dados em vigilância?

Para Zuboff, o big data é o componente fundamental de uma nova lógica de


acumulação, intencional e de profundas consequências, que chama de capitalismo de
vigilância. Tecnologias de Informação tornaram cognoscíveis um número incontável de
pessoas que, por sua vez, realizam compras, fazem transações financeiras, fazem uso de
sensores incorporados a objetos, ao corpo e a lugares (IoT), se expõem a câmeras de
vigilância (desde smartphones até satélites) e compartilham informações pessoais e
interagem com outros através de redes sociais. Todas essas ações geram dados passíveis
de serem extraídos, minerados e analisados.

De posse de tanta informação, a Google, o maior big data de todos, tem grande
arrecadação na venda de anúncios, que são vendidos aos anunciantes através de um
leilão algorítmico que define quais anunciantes comprarão os links publicitários em
cada página de resultados de busca. Como bem coloca Zuboff, as “populações são as
fontes das quais a extração de dados procede e os alvos finais das ações que esses dados
produzem” (p. 34), ou seja, os mesmos sujeitos que fornecem dados são as vítimas de
estratégias para produzir e modificar comportamentos que gerem lucro aos clientes da
Google. Para por tudo isso em funcionamento a Google faz uso de técnicas de vigilância
bastante agressivas/invasivas, como varredura de e-mails, captação de informações de
sinais de wi-fi privados (caso do Street View), captura de comunicação de voz,
rastreamento dos dados de localização de smartphones, tecnologias de reconhecimento
facial, etc.

Uma boa hipótese para a inexistência de uma resistência unânime às práticas da


Google pode estar no fato de que a empresa fidelizou bilhões de usuários em serviços
que fazem parte do cotidiano e dos quais detém o monopólio da oferta de boa parte. Ao
mesmo tempo, não depende financeiramente de nenhum destes usuários, mas sim dos
anunciantes e de outros clientes que se interessem pelos dados que vende.

2) O que é dividual?

Em seu artigo, Pablo Esteban Rodriguez convida a refletir sobre como as redes
sociais possibilitaram que os modos de subjetivação alterem a relação entre individual e
coletivo e redefinam o íntimo e o privado. Para isso, retoma autores como Goffman
(cujo entendimento é de que a vida social consiste em um teatro onde se encena a
criação de um si mesmo), Sibilia (sobre como as subjetividades nas redes sociais
exteriorizam suas intimidades/privacidades, constituindo uma autovigilância que é
compartilhada socialmente) e Bruno (sobre a definição de perfil e a vigilância
distribuída e imanente). No artigo, compreende-se que o conceito deleuziano de
dividual é uma forma de nomear o sujeito das sociedades de controle. Enquanto nas
sociedades disciplinares havia os indivíduos e as massas, nas sociedades de controle, há
o dividual e o banco de dados. Essa analogia torna-se importante para compreender o
conceito, na esteira das discussões que vêm sendo realizadas na disciplina, sobre
algoritmos, big data e big techs. Segundo Rodriguez, a dividualidade é conformada por
afetos que não são individuais nem coletivos, mas digitais, estando “a serviço de um
novo tipo de vigilância a céu aberto”. Nas redes sociais, qualquer aspecto da vida social
fica registrado e a vontade de exibir tais aspectos faz com que eles ganhem visibilidade,
não só por seguidores, mas por algoritmos das big techs, como o Facebook. Desta
forma, a noção de perfil é fundamental, uma vez que ele é, talvez, duplamente
construído, pelos sujeitos (de acordo com o que afirmam os autores trazidos à discussão
por Rodriguez) e pelos mecanismos de vigilância, com finalidades comerciais ou de
segurança (cita a aliança redes sociais/NSA, a exemplo do que faz James Bridle no cap.
7 de A nova idade das trevas), através da busca de padrões de comportamento e
interesses dos usuários das redes. Em outros termos, as facetas de nossas identidades
que registramos em forma de dados nas plataformas constituem os perfis dividuais que
vão permitir que os algoritmos nos definam e nos categorizem e, consequentemente, nos
alimentem com mais dados que estejam relacionados aos nossos perfis. 

7. Algoritmo e Big Data: dados como mercadorias. Tensões entre políticas e


algoritmos. Inteligência artificial. A governamentalidade algorítmica.

1) Explique o que é "solucionismo tecnológico" e como ele se conecta com a


educação.

           Em poucas palavras, o solucionismo tecnológico consiste na crença de que


soluções tecnológicas são suficientes para a resolução de praticamente qualquer
problema da vida cotidiana. Evgeny Morozov aponta duas disrupções que foram
decisivas para o fortalecimento dessa noção: a crise de Wall Street (2008), que resultou
no avanço da ideologia neoliberal e na redução ainda maior do Estado de bem-estar
social, e a emergência das corporações do Vale do Silício, que trabalham pela
digitalização e pela conexão de tudo e de todos. Para Morozov, passa batido para a
opinião pública o fato de essas duas disrupções estarem mais relacionadas do que se
pode imaginar, pois foi nessa leva que se intensificou, no setor privado, a proliferação
de soluções tecnológicas para setores cujo financiamento já foi maior ou até
integralmente provido pelo Estado. Na educação, os MOOCs (Cursos abertos online e
massivos); na saúde, os apps de monitoramento; na cultura, o crowdfunding; na
segurança pública, a vigilância preditiva e, no transporte público, o Uber, entre diversos
exemplos.

Tais soluções operam na lógica do capitalismo de plataforma, já discutido


anteriormente, em um modelo de negócio em que a plataforma não arrecada diretamente
através do serviço que entrega ao usuário, mas através dos dados que usuário
voluntariamente produz para a plataforma. Ocorre, assim, um progressivo
enfraquecimento do setor público, uma vez que se passa a acreditar que as plataformas
são cada vez mais eficientes para se resolver problemas que sempre foram da esfera
governamental.
No que diz respeito à educação, as soluções já têm ido muito além dos MOOCs,
com o surgimento de grande número de apps e outros serviços online que propõem uma
verdadeira remoção da aprendizagem do espaço escolar, fortalecendo argumentos que
ajudam a justificar a precarização da educação pública, bem como a redução de sua
oferta, o que consequentemente também precariza a carreira docente, uma vez que são
necessários poucos criadores de conteúdo, muitas vezes sem formação docente, para
que as plataformas consigam atender milhões de usuários. Recentemente, muitos
sistemas de ensino vêm aderindo ao pacote de ferramentas Google for Education, o que
acarreta transferir para servidores da Google toda a comunicação interna das
instituições, além das interações entre docentes e estudantes. Tentando prever o futuro,
isso certamente deverá gerar um aglomerado de dados muito eficaz no desenvolvimento
de novas soluções que poderão beneficiar, quem sabe, uma big tech com interesse em
monopolizar a educação.

2) Explique os pontos fracos da algoritmização

Bridle entende que “conforme aplicamos soluções mais complexas a problemas


mais complexos, nos arriscamos a desconsiderar problemas sistêmicos ainda maiores”
(p. 118) e que, para além de usar vastas quantidades de dados para ver problemas com
vastas quantidades de dados, ainda importa mais a maneira como reagimos a esses
problemas. Ou seja, um tratamento qualitativo dos problemas ainda pode ser, muitas
vezes, mais importante do que um tratamento quantitativo, que se reduz aos dados
computacionais. Também relacionada a isso está matematização do conhecimento, o
que sugere que as corporações que tiverem maior capacidade de processamento de
dados também serão as detentoras de maior poder, podendo intensificar desequilíbrios
que já conhecemos, como acesso a bens e serviços e a má distribuição de renda.

Para Morozov, o que está em jogo não é uma disputa entre mercado e Estado, mas
entre política e não política. As implicações dessa disputa vêm favorecendo a criação de
monopólios de poder ilimitado e colocando em risco a democracia. Destacando o fim
meramente financeiro das soluções tecnológicas emergentes, o autor questiona o motivo
para não serem desenvolvidos aplicativos para acabar com a pobreza no mundo.  Neste
sentido, os ideais de solidariedade fomentados nos primórdios do Vale do Silício se
perdem, afinal, na lógica de personalização dos algoritmos, a partir dos dados que
coletam dos próprios usuários, torna-se cada vez mais difícil de se pensar no coletivo.
Então, um outro ponto problemático da algoritmização é a impossibilidade da
experiência de se conviver com o diferente e até um certo fomento a posicionamentos
extremistas/fundamentalistas, por conseguinte, a dificuldade na constituição de sujeitos
éticos. São estratégias da algoritmização que possibilitaram inclusive os fatos
envolvendo a Cambridge Analytica, quando do disparo de dados personalizados aos
usuários do Facebook, que, ao alimentar suas convicções, fortaleceram um certo
posicionamento político.

8. Extração: capitalismo e extrativismo. Capitaloceno. Data centres e os constraints


materiais do capitalismo de plataforma (e das nuvens).

1) Como se relaciona o novo capitalismo e o extrativismo?

         O extrativismo sempre esteve relacionado ao capitalismo em suas diferentes


nuances. A extração de recursos naturais, embora siga essencial – e cada vez mais voraz
– para obtenção de matéria-prima para os bens materiais a serem consumidos pelos
sujeitos do capitalismo de plataforma, perde sua centralidade para um outro tipo de
extrativismo, certamente mais lucrativo: o extrativismo de dados, cujo alvo são as
informações produzidas pelos usuários das plataformas.

Na análise de Pinto Neto (2018), essa extração de dados vem se tornando uma
extração das identidades dos usuários por parte das plataformas, pois, em um contexto
em que estamos conectados em modo 24/7 e em que a reputação online é cada vez mais
valorizada, os dados produzidos e a identidade do usuário se tornam algo indissociável.

 2) Qual a relação entre extrativismo e corpo?

Em um regime de conexão 24/7, em que a intimidade e a vida doméstica se


movem para uma zona que é cada vez menos privada, a necessidade de manutenção de
uma performance produtiva também passa a ser de tempo integral. Trata-se, por
exemplo, dos compromissos da vida profissional/acadêmica nunca terem intervalo,
independentemente dos horários de funcionamento das sedes físicas das instituições a
que estamos ligados. Ou da necessidade, consciente ou não, de se construir e manter
uma identidade online que seja aceita e reconhecida, de acordo com os diferentes
anseios e aspirações de cada um.

         Para Pinto Neto (2018, p. 108) “o corpo é o próprio receptáculo de uma
dinâmica que, embora se pretenda material (passada na nuvem na qual todos estão
conectados avaliando uns aos outros), traduz-se materialmente por meio da sucção
violenta dos recursos bioenergéticos”. Então, em uma condição em que produção,
consumo e a própria vida se confundem, o corpo é exigido mais e por mais tempo do
que nas épocas que antecederam o atual estado do capitalismo. O extrativismo de
dados/identidades vem acompanhado de um “extrativismo da energia corporal” dos
sujeitos. Deste modo, se torna difícil considerar de maneira isolada as estatísticas que
vem apontando o aumento nos casos de Síndrome de Burnout e de outros transtornos
mentais.

9. Futurismo e Aceleracionismo

1) O que é aceleracionismo e qual a relação com o capitalismo?

         À medida que a ideia de um futuro luminoso proporcionado pelos avanços


tecnológicos vai se enfraquecendo, o aceleracionismo passa a ganhar força. No
entendimento dos autores do manifesto aceleracionista, Alex Williams e Nick Srnicek,
neste início de século XXI, observam-se uma série de elementos que, em paralelo à
ascensão do capitalismo e dos avanços tecnológicos, ameaçam a existência da
população, como o colapso climático e a dificuldade de se superar normas e estruturas
da política que já não se aplicam ao tempo presente.

Em meio a um estado permanente de crise econômica e do esgotamento


provocado pela austeridade neoliberal, os dois pensadores apontam que o
aceleracionismo é uma via não apenas para superar o capitalismo, mas também para
tornar possível a construção de um futuro com tudo que a tecnologia pode vir a oferecer,
pois “[...] não apenas é o capitalismo um sistema injusto e pervertido, mas também um
sistema que impede o progresso. Nosso desenvolvimento tecnológico está sendo
suprimido pelo capitalismo, na mesma medida em que foi desencadeado por ele”
(WILLIAMS; SRNICECK, 2013).
Tendo como um de seus pilares a propriedade privada, logo também a
propriedade intelectual, o capitalismo acaba se tornando um freio para o pleno
desenvolvimento tecnológico. Na visão aceleracionista, o rompimento desta barreira
permitirá que a tecnologia seja produzida e propagada com intensidade muito maior.
Este novo modelo de sociedade acarreta uma dissolução das tradições e instituições da
modernidade e um redesenho do sistema econômico e da participação política dos
indivíduos.

2) Qual é a relação entre aceleracionismo e futuro?

         Williams e Srniceck entendem que o esgotamento descrito na questão anterior


constitui um cenário apocalíptico, que impossibilita os projetos de futuro que eram
sonhados no passado:

O futuro precisa ser construído. Ele foi demolido pelo


capitalismo neoliberal e reduzido a uma promessa barata de
grande iniquidade, conflito e caos. Esse colapso na ideia de
futuro é sintomático do status histórico retrógrado de nossa
época, mais do que, como os cínicos do espectro político nos
querem fazer crer, um sinal de maturidade cética. O que o
aceleracionismo estimula é um futuro que é mais moderno –
uma modernidade alternativa que o neoliberalismo é
inerentemente incapaz de gerar. O futuro deve ser aberto mais
uma vez, ampliando nossos horizontes para as possibilidades
universais do Lado de Fora (WILLIAMS; SRNICEK, 2013).

          O aceleracionismo se coloca como uma maneira de superar os entraves


estabelecidos pelo capitalismo e, através da aceleração do desenvolvimento tecnológico,
possibilitar que cenários de futuro voltem a ser imaginados e, enfim, colocados em
prática. 

10. Cosmotécnica
1) Qual a relação entre cosmotécnica e decolonialidade?

         Os dois conceitos se aproximam. A decolonialidade se concentra em descontruir


uma episteme, uma percepção de mundo fortemente eurocêntrica, que se deu
inicialmente através do domínio de territórios e povos, por colonizadores europeus, o
que anulou o conhecimento e a cultura previamente construídos por esses povos. A
globalização unilateral e os avanços da ciência e da tecnologia a partir do Século XVIII,
mencionados por Hui, também auxiliaram de maneira decisiva para uma continuidade
de uma colonização dos países não europeus, ou seja, a globalização tecnológica opera
como uma forma de neocolonização.

Yuk Hui lembra a compreensão de cosmopolítica em Kant, para quem todos os


Estados estão em perigo de agir de maneira prejudicial um com o outro. Assim, a
colonização e a globalização unilateral prejudicam a cosmopolítica. Da mesma forma
que a decolonialidade pretende fazer emergir outras matrizes de pensamento que não a
eurocêntrica, o conceito de cosmotécnica torna-se importante para pensar que as
técnicas são muitas e envolvem diferentes moralidades e culturas, ou diferentes cosmos.
Hui considera importante a reflexão sobre a cosmotecnia para que uma nova
cosmopolítica possa acontecer.

 2) Qual a relação entre técnica e valores?

Para responder a esta pergunta, é essencial recorrer à história do açougueiro Pao


Ding, contada por Hui em seu artigo. Parece ser uma espécie de parábola que nos diz
que mais importante do que dominar as técnicas é se apropriar do conhecimento
necessário para saber quando e como utilizá-las e mais importante ainda: usar a técnica
de maneira ética, sem interferir onde não é necessário (ou onde não se deve) interferir,
no que diz respeito aos valores construídos em cada cultura. Transpondo a história para
a discussão sobre cosmotécnica, trata-se de promover um uso mais crítico/consciente da
técnica, de modo a limitar ou impedir práticas de  neocolonização.

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