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Relatório de Pós Doutorado

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

Departamento De Relações Públicas, Propaganda E Turismo

LINHA DE PESQUISA : Arte Publicitária e Produção Simbólica

A ERA DAS CAUSAS


O Propósito como Capital na Estética Publicitária

AUTOR: Dra Valéria Brandini de Oliveira

SUPERVISOR : Prof. Dr. Victor Aquino Gomes Corrêa

São Paulo

2015
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................2
A Publicidade como Espelho da Cultura Contemporânea.........................................................8
CAPITULO 1 –.
Imaginário Coletivo, Estética Publicitária e Midiatização ................................................15
CAPITULO 2 –
Interações Midiatizadas e Relações Sociais na Estética Publicitária ...............................23
CAPITULO 3 –
A Publicidade Como Palco Do Ethos Digital e de Novas Eticidades do
Consumo..................................................................................................................................30
3.1 Breve Contextualização do Consumidor na Era da Midiatização Digital..........................33
3.1.1Protagonismo do Consumidor e Marcação Identitária nas Redes Sociais.......................37
3.2 A Transparência das Redes e a Construção do Consumidor-Marca..................................43
CAPITULO 4 –
Conversações - Da Interação `a Relação entre Marcas e Consumidores.........................47
CAPITULO 5 –
Publicidade e Consumo Ideológicos na Era do Consumidor-Marca.................................57
CAPITULO 6 –
Propósito: A Marca mais Desejada no Mercado Contemporâneo....................................68
CAPITULO 7 –
A Era Das Causas...................................................................................................................82
7.1 O Consumidor como Instituição Social – Uma Nova Aspiração Narcísica.......................87
PESQUISA EMPÍRICA........................................................................................................89
CAPITULO 8
Análise de Peças Publicitárias que Utilizam o Propósito/Causas como Capital na
Divulgação de Produtos.........................................................................................................89
I. Da Metodologia Utilizada para a Análise.............................................................................90
I.i Midiatização.........................................................................................................................91
I.ii Big Data..............................................................................................................................94
I.iii II. Protocolo de Pesquisa e Delimitação das Variáveis Utilizadas....................................95
I. iv Apresentação do Objeto de Pesquisa Empírico................................................................97
II. Pesquisa de Midiatização Sincrônica..................................................................................99
III. Análise dos Resultados da Pesquisa de Midiatização Sincrônica....................................126
CONSIDERAÇOES FINAIS.................................................................................................133
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................137
ENTREVISTAS. ...................................................................................................................143
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................143
WEBGRAFIA........................................................................................................................144

1
Introdução

Esta pesquisa foi iniciada no ano de 2013, no Departamento de Relações


Públicas e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes, na Linha de Pesquisa Arte
Publicitária e Produção Simbólica da Universidade de São Paulo, sob a supervisão do
Prof. Dr. Victor Aquino Gomes Corrêa, abordando as relações entre cultura de
consumo, ethos marcário e midiatização digital na construção da estética da
publicidade contemporânea.

Este projeto destinou-se à realização de pesquisa no campo da comunicação


sobre fatores e dinâmicas socioculturais – influenciados pela midiatização – que na
atualidade incidem sobre a construção estética da comunicação publicitária.
Buscamos identificar tendências da comunicação publicitária orientadas por
mudanças no ethos do consumidor fortemente influenciadas pelo advento da internet,
advento este que, rearticulando a relações entre consumidor e marcas promoveu novos
padrões de interação entre estes, criando novas dinâmicas nesta relação.

O estudo buscou, inicialmente, desenvolver uma discussão teórica sobre a


midiatização digital como processo interacional de referência que molda e condiciona,
tanto a construção das mensagens publicitárias, quanto a visão de mundo, ethos e
comportamento do consumidor, num momento em que este consumidor se encontra
cada vez mais inserido na vivência da internet como espaço de interação entre
pessoas, organizações, instituições e marcas.

Paralelamente à reflexão teórica sobre o tema, revisitamos estudos clássicos da


antropologia do consumo e antropologia da publicidade a fim de correlacionar o
entendimento sobre o ethos do consumidor contemporâneo com a influência da
midiatização digital sobre ele, com vistas a mapear, sob a abordagem das ciências da
comunicação subsidiada por um olhar antropológico, as determinantes fundamentais
do processo de transmissão dos conteúdos do mundo social midiatizado para a
publicidade e a ressignificação da publicidade pelo consumidor por meio da internet
no processo de circulação de conteúdos simbólicos.

2
Pesquisa Empírica:

Midiatização + Big Data

No âmbito da pesquisa empírica, utilizamos a metodologia de pesquisa de


midiatização proposta por Andreas Hepp (2014), que fornece uma estrutura lógica e
bem delineada dos elementos a serem estudados em pesquisa empírica de
midiatização e permite que se desenvolva um protocolo para o enquadramento destes
elementos tanto para a coleta de dados quanto para a análise de resultados.

Escolhemos a campanha ‘Casais’ da marca O Boticário, que causou uma


grande polêmica no Brasil no ano de 2015, em função da utilização de um tema, de
uma narrativa e estética publicitárias tendo como conceito uma causa que defende a
diversidade nas relações afetivas, consequentemente, endossando a causa de defesa
aos casais homo-afetivos e contra a homofobia.

Utilizamos a metodologia empírica de midiatização no território digital, da


análise dos conteúdos relativos à campanha expostos num conjunto de mídia que se
inicia na TV aberta/mídia de massa na divulgação da campanha e passa a ser
acessado, compartilhado e consumido nas mídias digitais, desde os sites de jornais e
revistas online, até a fan page da marca o Boticário nas redes sociais, culminando com
uma verdadeira batalha ideológica sobre o tema entre interlocutores-consumidores nas
redes sociais digitais que acarretou uma adesão massiva à marca e grande aumento de
vendas de seus produtos.

Na fase de coleta de dados, utilizamos a metodologia de pesquisa digital


utilizada por grande empresas baseada no uso de analytics (ferramentas
computacionais que possuem ‘robôs’ que buscam dados com base em semântica,
cruzamento de termos e taxonomia) conhecida como Big Data (grandes dados), que a
partir da ferramenta de analytics consegue fazer busca na internet, em especial nas
redes sociais digitais, pesquisando e armazenando milhões de links.

A utilização de Big Data junto à metodologia de midiatização nos permitiu


imergir e ]vasculhar o amplo campo das redes sociais digitais e mídias digitais como
jornais, revistas, blogs e sites em busca da repercussão em torno da campanha Casais
nas mídias online, com vistas a utilizar estes dados na análise do objeto de estudo,
com base no protocolo de pesquisa de midiatização desenvolvido por Andreas Hepp.

Entrevistas

3
A fim de obter a perspectiva do Outro, neste caso, o profissional que planeja e
desenvolve as campanhas publicitárias (numa relação de alteridade com esta
pesquisadora), para apreender a visão de mundo destes profissionais em relação ao
mercado e criação publicitários e a influência das novas mídias digitais no processo
de construção das campanhas – desde o desenvolvimentos de pesquisas de mercado
que buscam compreender o consumidor atual em nichos e genericamente, até a
criação de novos processos de interação via redes sociais digitais para a veiculação de
campanhas – buscamos o contato com executivos de grandes agencias de publicidade,
profissionais de comunicação corporativa e relações públicas, além de profissionais
de novos modelos de empresa de pesquisa de mercado, que utilizam antropologia,
sociologia e semiótica para o entendimento do consumidor em profundidade.

As entrevistas foram desenvolvidas ao longo do processo de pesquisa de pós


doutorado. A seleção dos profissionais entrevistados foi pautada na busca pelo
entendimento de diferentes estruturas do universo da comunicação publicitária, desde
a busca pelo entendimento do consumidor que gera os insights e conhecimento
estratégico para servirem de arcabouço para o planejamento publicitário, até as
estratégias utilizadas pelas grandes e pequenas agencias de publicidade para
desenvolver a comunicação publicitária na era da internet (que influenciou
enormemente os rumos atuais da propaganda), passando pelos canais veiculadores de
campanhas (TV, Internet) até executivos de comunicação corporativa e executivos de
marketing de grandes empresas, buscando apreender a estrutura de captação de
informações do mundo social, a codificação dos bens nas campanhas publicitárias, o
planejamento e execução das campanhas em diferentes pontos de contato com o
consumidor e as relações entre consumidor e marca conseqüentes da comunicação
publicitária destas marcas.

Profissionais Entrevistados:

Cláudia Vassallo: Profissional de comunicação com mais de 25 anos de experiência


no mercado, ex-superintendente da área de negócios e tecnologia da Editora Abril e
atualmente CEO do Grupo CDI, empresa com trabalhos voltados a relações públicas,
comunicação corporativa e marketing. Claudia tem grande experiência na construção

4
de imagem das marcas, do corporativo/institucional, à relação direta com o público
consumidor e sua contribuição como entrevistada foi nos apresentar a forma como a
internet mudou a relação entre empresa/marca e consumidor, fazendo com que as
marcas trabalhem nas campanhas publicitárias de produtos, também sua dimensão
institucional de forma cada vez mais presente, pois o consumidor adquiriu outra
posição enquanto ator social e na relação com as marcas, a partir das redes sociais
digitais e novos processos de interação com estas.

Claudio Oporto – Executivo com grande experiência no mercado de Cosméticos, foi


diretor de marketing e novos negócios da Natura e diretor executivo de Eudora, marca
do Grupo O Boticário. Claudio nos forneceu um panorama do mercado atual,
influenciado pelas novas mídias sociais digitais e de como as decisões sobre
campanhas publicitárias são tomadas levando em conta esta mudança. O executivo
também contribuiu com informações sobre novas estruturas de comunicação de
imagem de marca, desenvolvidas para engajar o consumidor a partir de valores
humanistas, evidenciando mudanças no mercado de bens de consumo e no mercado
publicitário.

Courtnay Guimarães – Diretor de tecnologia da empresa HP (Hewlett Packard), com


experiência de 20 anos no mercado de tecnologia, Courtnay contribuiu para com
nossa pesquisa a partir do compartilhamento de informações sobre as inovações
tecnológicas digitais e processos de pesquisa em redes sociais digitais utilizados por
empresas de marketing e de publicidade para entender o comportamento do
consumidor no universo digital e também sobre a forma como agencias de
publicidade utilizam atualmente, monitoramento de redes sociais digitais, Big Data e
netnografia para entender o consumidor na internet, sua relação com marcas e
processos de interação digital com elas que podem torná-las mais reconhecidas pelo
público, ou denegrir sua imagem junto a milhares de consumidores.

Fátima Bana – Executiva de comunicação e marketing da TAM linhas aéreas,


profissional experiente na área de marketing digital e construção de imagem de
marca, nos forneceu informações sobre a adoção cada vez maior de estratégias de
comunicação publicitária online em função da redução de custos e da interação
imediata e mais próxima com o consumidor. Fátima compartilhou informações sobre
a forma como as marcas buscam conhecer melhor o consumidor via internet e projetar
a imagem de marca da empresa pela comunicação digital/

5
Fernanda Barretto – Executiva de Marketing da empresa McDonald’s, com grande
experiência na construção de imagem de marca, desenvolvimento de estratégias de
branding e comunicação com o público consumidor. Fernanda forneceu informações
sobre o dito ‘novo consumidor consciente’, sobre quais as mudanças no perfil do
consumidor, em sua relação com marcas e produtos e sobre o que busca este
consumidor hoje, numa era em que o contato com as marcas via internet aproxima
ambos e evidencia a insatisfação deste consumidor em relação a empresas e produtos.

Jaime Troiano – Proprietário da Troiano Consultoria de Branding. Com mais de 30


anos de experiência em pesquisas socioculturais (utilizando etnografia e sociologia),
Troiano compartilhou conosco informações sobre como as marcas necessitam cada
vez mais de conhecimento aprofundado sobre o consumidor, obtido por meio de
metodologias de pesquisa inspiradas em antropologia, pois apos a queda da divisão
demográfica de perfis de consumidor, (numa era em que o consumidor é multividuo),
a antropologia é capaz de mapear a cosmologia cultural de grupos e evidenciar
clusters de consumo, em especial, numa era em que o consumidor busca mais da
marca do que a materialidade do produto e a diferenciação de status, mas valores
humanistas e princípios éticos.

Jacques Paciullo – Diretor comercial da Rede Globo. Profissional com grande


experiência em mídia de massa (TV) e na utilização de plataformas de mídias digitais
para TV, Paciullo nos forneceu esclarecedoras perspectivas sobre a mídia de massa na
era da mídia digital, sobre a forma como ambas interagem num conjunto de mídia e
como a TV aberta/mídia de massa ainda possui uma abrangência junto a públicos fora
do Perímetro metropolitano que ainda tem a TV como mídia interacional de
referência.

Paulo Queiroz – Vice Presidente da Agencia de Publicidade DM9, do grupo África,


maior grupo de comunicação publicitária do Brasil. Paulo forneceu informações de
suma importância para esta pesquisa, pois revelou dinâmicas, processos e novas
características do planejamento e da construção de campanhas publicitárias – até as
decisões pautadas tanto nos conhecimentos sobre o consumidor obtidos via internet e
pesquisas socioculturais – que chegam ao desenvolvimento da estética publicitária.
Paulo chamou nossa atenção para o novo posicionamento do consumidor em relação
às marcas, as novas formas de interação entre consumidor e marca e em especial, o
uso de novas estratégias por grandes agências, que criam hot shots (pequenas

6
empresas) de monitoramento de redes sociais digitais, de big data e de pesquisas
comportamentais dentro da empresa para entender, lidar e criar campanhas
publicitárias que engajem o consumidor atual, cada vez mais autocentrado e exigente.

Zuza Tupinambá – Ex-Presidente da agencia de publicidade Ogilvy no Brasil e diretor


de criação da agencia Euro, atualmente proprietário da agencia Kwarup. Zuza teve
uma brilhante carreira como criativo de grandes agencias e ao criar sua própria
agência, graduou-se em ciências sociais e criou, junto com esta autora, a BR Insights,
empresa de ciência do consumo aplicada ao mercado. O publicitário nos forneceu
informações sobre a vivência pragmática, por profissionais deste mercado, da
mudança da propaganda do broadcast na era da cultura de massa, ao contato direto,
ponto a ponto com o consumidor via internet.

JUSTIFICATIVA

Esta pesquisa se justifica pelo intuito de contribuir para com a área de estudos
de estética da publicidade1, já que, em face da importância adquirida por tais áreas
enquanto discursos que endereçam um diálogo entre valores do consumidor brasileiro
e o mercado de bens, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos que investiguem
as estruturas da construção desta estética a partir da apreensão (por parte do mercado)
das significações culturais utilizadas como base para seduzir o consumidor, as quais
refletem mudanças no ethos social e por conseguinte, novos contornos da publicidade
influenciados pela midiatização digital.

A intenção de desenvolver esta pesquisa na forma de um pós-doutorado no


Departamento de Publicidade, Propaganda e Turismo da USP justifica-se pois, após
pesquisar centros de referência em publicidade e produção simbólica em
universidades de todo o Brasil, pudemos constatar que a área de Arte Publicitária e
Produção Simbólica da ECA apresenta um programa de pesquisas e ensino que trata
de forma séria, aprofundada e com legitimidade científica, as estruturas da estética
publicitária em seus desdobramentos culturais nas sociedades complexas.

1
e paralelamente, midiatização e cultura e consumo da produção publicitária, dado os enfoques, discussões Teóricas e
metodologias de pesquisa aqui empregadas

7
Os resultados deste trabalho poderão ser utilizados como fontes de pesquisa
para a área de comunicação social e ciência sociais, além de incentivo para novas
pesquisas no campo dos estudos sobre estética da publicidade no País e seus
desdobramentos socioculturais.

ATIVIDADES DE DOCÊNCIA REALIZADAS DURANTE O PÓS DOUTORADO

Lecionamos como professor assistente a disciplina Estética da Publicidade no


curso de graduação de Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes
no período diurno e no período noturno, disciplina cujo docente responsável é o
supervisor desta pesquisa Prof. Dr Victor Aquino Gomes Corrêa.

ORIENTAÇÕES DE POS GRADUAÇAO

Estamos atualmente orientando dois estudantes de pós graduação do MBA em


Gestão e Estética da Moda na Escola de Comunicações e Artes.

ARTIGOS PARA REVISTAS CIENTIFICAS

Durante o Período de pós doutorado nos dedicamos à pesquisa e apenas apos


sua conclusão iremos agora enviar 4 artigos para publicação relativos aos resultados
teóricos e empíricos em revistas científica nível Qualis A e B. A razão desta escolha
(de publicação após o termino da pesquisa e não durante) foi a possibilidade de
dedicação ao conteúdo teórico e empírico pesquisado para que a partir de seus
resultados os artigos pudessem ser desenvolvidos com maior densidade e rigor
científico.

A Publicidade como Espelho da Cultura Contemporânea

8
Assim como um antropólogo clássico, que nas primeiras décadas do Século
XX adotava como processo inicial da sua etnografia aprender a língua nativa do grupo
cultural investigado, nos dias de hoje, em plena sociedade globalizada, uma das
formas mais eficazes de “apreender a língua nativa” sob o ponto de vista da
cosmologia cultural de um povo, de um pais do ‘Outro’, consiste em simplesmente
assistir às campanhas publicitárias na televisão. Os mais determinantes elementos
constituidores do ethos das culturas e subculturas contemporâneas estão presentes nos
comerciais de TV, subsidiando os discursos publicitários com aquilo que forma o
‘gancho’, o ‘link’, a ‘amálgama’ com o interlocutor: os valores essenciais e tendências
sociais destas culturas trabalhados no discurso midiático para produzir o vinculo
emocional com o consumidor e engendrar a criação do desejo de consumo.

Desde o humor pantomímico, no caso das propagandas de pizza em Roma, até


o humor ácido e irônico das propagandas de cerveja em Londres, a publicidade
carrega em si, cada vez mais, o ethos social codificado em mensagens que tocam o
interlocutor pelo compartilhamento de valores sociais. Esses valores são a base que
constrói a cognição humana, dado que ela é socialmente condicionada e codificada
em processos de comunicação para muito alem da linguagem falada – a cognição
reflete estruturas da ordem social internalizados pela cultura e processos de
classificação da realidade observada, conforme a antropóloga Mary Douglas em
“Como as Instituições Pensam” (1986).

A publicidade aparenta ser eficaz - levando ao consumo - quando reproduz no


corpo de seu texto simbólico os códigos de valores do interlocutor de acordo com os
elementos essenciais vivenciados no cotidiano social de sua cultura. Ou, em outras
palavras, os códigos de seu ethos. Podemos perceber isto quando observamos
campanhas publicitárias desenvolvidas em outros países, principalmente aquelas que
remetem a humor, desejo, afetos ou aos elementos do convívio social dos cidadãos
daquele país. Observamos estes elementos, estes códigos, em tudo que provoca
estranhamento, justamente porque dizem respeito a valores mais familiares para quem
partilha uma mesma cultura, idéia presente em Laraia, em Cultura, um conceito
antropológico, quando diz: “O repetitivo pastelão americano não encontra entre nós
a mesma receptividade da comédia erótica italiana, porque em nossa cultura a piada
deve ser temperada com uma boa dose de sexo e não melada pelo arremesso de tortas
e bolos na face do adversário.” (LARAIA, 1986, 58)

9
Ao incorporar de forma codificada os signos do ethos de uma cultura, a
publicidade reproduz em sua forma e conteúdo, a ética partilhada pelos consumidores,
o conjunto de comportamentos, valores e ideologias pertencentes a uma dada cultura
que, tal como um habitus2, promove a repetição orquestrada de comportamentos
“internalizados” e modos de vida por parte das gerações posteriores que fazem parte
de um determinado grupo. Tomando-se o conceito de ética sob o ponto de vista da
forma de ser e viver de um dado grupo ou sociedade, podemos pensar a sociedade
contemporânea, influenciada e rearticulada em seus modos de vida pelo advento das
novas tecnologias de comunicação, novas mídias e novas (ou em desenvolvimento
constante) estruturas de mercado, como uma sociedade onde se desenvolve uma nova
ética sob o signo da mídia e o corolário do consumo.

A midiatização, processo no qual, segundo Hjarvard (2012) a mídia se


transforma em uma instituição semi-independente na sociedade contemporânea, (à
qual outras instituições tem que se adaptar) ao mesmo tempo em que esta mídia se
mostra integrada à rotina de outras instituições como família, política, trabalho e
religião, que se moldam segundo os desígnios dela (HJARVARD, 2012:53) – agora
orquestrada pela tecnologia digital – internet – opera como um dos instrumentos de
internalização dos valores culturais mencionados por meio da propaganda, produzindo
um ciclo onde por um lado esta propaganda condiciona a visão de mundo do
interlocutor por inundá-lo com mensagens codificadas com valores do ethos social e
por outro é também influenciada por estes valores, devendo operar por meio do uso
deles, pois atuam como constituintes do vínculo emocional que cativa o consumidor.

A propaganda serve como uma forma de consumo, não apenas dos valores
sociais essenciais de uma dada cultura, como também de manifestações socioculturais
que se sucedem na forma de tendências, ela serve como um ‘agenda setting’, ou
agendamento, representando uma ‘pauta’ de conteúdos simbólicos compartilhados
que permite que o consumidor fuja do isolamento numa espécie de conluio na adoção
dos comportamentos, informações e desejos compartilhados. Nesta forma de consumo
de valores sociais, a propaganda funciona como uma condicionante da experiência
vivida, nos orientando sobre como olhar, compreender e consumir o real vivido em

2
Conforme o conceito de Pierre Bourdieu: sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturados das práticas e das
representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o produto de obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações
necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser produto da ação organizadora de um regente

10
termos materiais e simbólicos, como observa Silverstone em sua fala sobre a mídia,
que aqui pode ser transcendida também `a comunicação publicitária com vias ao
consumo: “A mídia, ao constituir parte da ‘textura geral da experiência’ — expressão
que toca a natureza estabelecida da vida no mundo, filtra e molda realidades
cotidianas por meio de suas representações singulares e múltiplas, fornecendo
critérios, referências para a condução da vida diária, para a produção e manutenção
do senso comum.” (Silverstone, 2002: 20)

A maior ou menor aderência ao discurso publicitário por parte do consumidor


dar-se-`a a partir da capacidade deste discurso em reproduzir as polêmicas, paixões,
ridicularizações dos valores culturais vivenciados em conluio social e trabalhados
como ‘pontos de fricção’, isto é, tocando em pontos sensíveis que refletem conflitos
sociais, tabus e choques de valores, velados, ou não, gerando provocações em várias
instâncias de forma a gerar afetos positivos e negativos. Sob este ponto de vista, tudo
o que evoca elementos do familiar, endógeno, que toca em pautas atuais,
compartilhadas socialmente, tem maior chance de cair no gosto do consumidor, pois
permeia o imaginário popular e sensibiliza a dimensão do emocional social.

Segundo a antropóloga Mary Douglas, na obra “O Mundo dos Bens”, o ser


racional não consegue se comportar racionalmente em meio ao social, a menos que
haja alguma consistência e confiabilidade no mundo que o cerca. Essa confiabilidade
é constituída por meio dos valores compartilhados que conferem o senso de realidade
e pertencimento do individuo ao grupo e, para pensar a realidade o indivíduo necessita
de um universo inteligível e essa inteligibilidade precisa ter algumas marcas visíveis.
(DOUGLAS & ISHEERWOOD, 2004) Tais marcas, por sua vez, são os elementos
materiais e simbólicos codificados com valores sociais adquiridos por meio do
consumo — que tomam como elemento de construção dos referenciais cognitivos dos
objetos consumidos, o universo de imagens e significados determinado pela
publicidade.

Para Douglas, conceitos abstratos são sempre difíceis de lembrar, a menos que
assumam alguma aparência física. Os bens de consumo, codificados com valores
sociais por meio da estética publicitária, se tornam marcadores mais ou menos
transitórios de categorias racionais. Eles “marcam” o indivíduo que os consome, lhe
atribuindo um lugar, uma condição dentro do mosaico social, pois o discurso da
marca e do produto em si fazem afirmações físicas e visíveis sobre a hierarquia de

11
valores de quem escolheu. Para a autora, os bens são utilizados para constituir um
universo inteligível, eles fazem parte de um sistema vivo de informações. Estas
informações derivam, por sua vez da construção estética que se apropria de elementos
do ethos social e codifica os bens, comunicando seus significados e criando vínculos
entre o consumidor e produtos a partir da comunicação publicitária.

Podemos dizer que a “agenda fixada” pela publicidade fornece o universo de


significações socialmente estruturadas necessárias ao objeto material tornado produto
de consumo simbólico. A publicidade “constrói” o universo inteligível definido por
DOUGLAS & ISHEERWOOD (2004) como necessário para estruturação da ordem e
identidade social de um grupo, pois ela age por hibridizações com estruturas já
presentes e instituições sociais existentes rearticulando significados por meio das
mediações, em especial, atualmente, as tecnológicas. Mas o poder da mídia só se
consolida pelo consumo da “materialidade” ritualmente, no caso, no consumo dos
bens simbólicos atribuídos de significação pela publicidade.

Consumir a mensagem publicitária torna-se uma prática ritual que representa a


organização social e o universo simbólico destas sociedades, pois, conforme Jean
Baudrillard “o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas
com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta
global no que se funda todo o nosso sistema cultural... O consumo, pelo fato de
possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de
signos”.(BAUDRILLARD, 1997: 206).

Este modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo
do simbólico é o deslocamento das relações interpessoais para a representação das
mesmas por meio dos objetos. O indivíduo, dentro desta perspectiva, não consumiria
a materialidade do produto, (razão pela qual o aspecto funcional dos produtos de
grandes marcas é menos importante que seu valor de representação), mas os
significados que, através deste produto geram um conluio social em torno de valores
compartilhados pela sociedade, e são justamente os elementos simbólicos destes
produtos construídos pelo branding3 das marcas e comunicado pela estética
publicitária que constroem o conluio dos consumidores em torno de uma marca ou
produto elegido.

3
construção de imagem de marca

12
O consumo dos significados do ethos social na comunicação publicitária tem
sua importância como objeto de reflexão teórica pois a forma de assimilação e
interpretação destas mensagens revela elementos fundamentais do habitus de
diferentes categorias e grupos sociais. Vemos em Bourdieu que é o capital estatutário
da origem que permite o maior acesso à aprendizagem cultural (BOURDIEU, 1979:
70). O capital cultural é incorporado por gerações anteriores, e é assim, transmitido ao
“novato”, ou à criança, como parte da vivência familiar e do código de valores destas,
permitindo a este indivíduo, “começar das origens”. Assim, o gosto pelo refinamento,
pela produção cultural elitizada e, neste caso, por estilos de comunicação publicitária
mais elegantes, com mensagens mais sutis nasce, da maneira mais inconsciente e mais
insensível, porque é parte do habitus das classes sociais poderosas.

Podemos pensar, com base no conceito de habitus de Bourdieu, que o


consumo das estruturas de significação da comunicação publicitária, representando
gostos de classe e estilos de vida, torna-se (por expor o habitus das classes
privilegiadas) um elemento pontual de diferenciação de estratos sociais ao evidenciar
as categorias de capitais acumulados (econômico, educacional, cultural) que classes
poderosas possuem e que, transcendendo a detenção do poder econômico,
compreendem sistemas de desvios diferenciais, de comportamentos particulares, de
gostos específicos formulados a partir de conhecimento adquirido, os quais servem à
polarização de posições no espaço social dado à distância em relação à necessidade e
a proximidade do desperdício ostentatório.

Na sociedade pós moderna, as definições de escolhas de consumo


determinadas por classes sociais, perdem poder em função da adoção de estilos de
vida como determinante fundamental da cosmologia cultural de grupos sociais
presentes nas interações comunicacionais, em especial, as que ocorrem no universo
digital, que redefine relações entre pessoas e entre estas e as marcas.

Embora a determinante econômica ainda funcione como ‘cerca’ (DOUGLAS


& ISHEERWOOD , 2004) que inviabiliza o acesso a bens, o consumo hoje se mostra
orquestrado pelo código de valores determinado, em muito pelo estilo de vida adotado
pelo indivíduo, que faz com que suas escolhas se baseiem na alocação de recursos
para o consumo de bens eleitos como aderentes ao estilo de vida deste consumidor.
Um jovem pode ganhar um salário mínimo mensalmente e investir boa parte dele para
comprar um tênis de marca que custa seu salário inteiro em dez prestações, pois este

13
tênis é um marcador social de grande representatividade dentro do grupo juvenil do
qual este adolescente participa, ou deseja participar, mesmo que esta escolha de
consumo e seus significados não estejam de acordo com o habitus de classe de sua
origem familiar.

Por esta razão, o consumo da estética publicitária converte-se em uma


categoria importante para se pensar, não apenas a cosmologia do consumidor, como
também as correlações, diferenças e conflitos da sociedade contemporânea. Tema que
discutiremos a seguir nesta pesquisa.

CAPITULO 1

Imaginário Coletivo, Estética Publicitária e Midiatização Digital

14
A fim de construir o arcabouço teórico que estrutura esta pesquisa, elencamos,
inicialmente, os conceitos e respectivos autores que erigem a base dos estudos sobre
midiatização sob os quais nos alicerçamos. Ao abordar o conteúdo simbólico que
constitui a estética da publicidade a partir do imaginário do consumidor (que também
acaba sendo, por sua vez, construído por ela), o qual delineia muito do que a
sociedade contemporânea concebe por realidade, tomamos a midiatização e em
especial, a midiatização digital4, como fenômeno estruturante desta construção
estética e discursiva, pois forma de midiatização esta condiciona percepções,
comportamentos e a relação do enunciatário da mensagem publicitária com o
consumo de bens a partir do consumo desta mensagem em processos de interação
cada vez mais moldados pelas mídias digitais. Portanto, cabe aqui a apresentação dos
conceitos trabalhados nesta pesquisa a fim de apresentar o encadeamento lógico do
tema, de sua análise e seus desdobramentos teóricos.
A estetização da vida cotidiana, termo utilizado na obra “Cultura de Consumo
e Pós-Modernismo por Mike Featherstone e que compreende o fluxo veloz de signos
e imagens manipulados comercialmente pela mídia e a publicidade
(FEATHERSTONE, 1995: 100) representa, em diferentes linguagens – da escrita
manual `a tela digital – referenciais essenciais da cosmologia cultural da sociedade de
consumo que influenciam nossa cognição sobre as formas de ser e de viver na
contemporaneidade. Este fluxo cada vez mais veloz, efêmero e fluido, na própria
concepção de modernidade liquida de BAUMAN (2000) se alimenta cada vez mais de
elementos imagéticos projetados a partir de dispositivos tecnológicos de mídia – em
especial, da mídia digital/internet [aqui entendida como comunicação virtualizada de
mídia em ambientes computadorizados (HEPP, 2014: 57)] - em múltiplos pontos de
contato com o consumidor/interlocutor da comunicação publicitária, os quais
influenciam a configuração de um imaginário social sobre a realidade, a vida, as
pessoas e os objetos.
A criação deste imaginário, influenciado por imagens-sonho mencionadas por
Featherstone com base nos estudos de HAUG (1987) as quais falam de desejos e
estetizam e fantasiam a realidade, é engendrado, em grande parte, pela estética da
publicidade, que articula estas imagens num discurso mercadológico por meio dos
dispositivos tecnológicos de mídia, construindo de um lado uma percepção sobre a
4
processo interacional de referência constituído no campo comunicativo e interacional da internet que utilizando os dispositivos
tecnológicos de computadores como mídia, molda e condiciona, tanto a construção das mensagens publicitárias, quanto a visão
de mundo, ethos e comportamento do consumidor.

15
realidade vivida por indivíduos e grupos (em articulação, por sua vez, com suas
vivências cotidianas e códigos de valores) e de outro, a fabricação social de
comportamentos, ações e escolhas a partir de processos de interação social.
As imagens-sonho que circulam pelos meios de comunicação e perpassam
todas as instâncias da vida cotidiana contemporânea, constituem, segundo
FEATHERSTONE (1995), uma constante reativação de desejos que não apenas nos
impulsiona em direção a um materialismo dominante, como querem ADORNO &
HORKHEIMER (1942) e MARX (1980), citados pelo autor (1995), mas orienta a
construção de significados articulados na ordem de um sistema simbólico que passa a
compor estruturalmente a cultura contemporânea por meio de signos codificados em
bens de consumo, perspectiva também analisada em BAUDRILLARD (1983, 1995,
1997), BOURDIEU (1979, 1983), DOUGLAS & ISHEERWOOD (2004),
MACCRAKEN (2003) e ROCHA (1995) – signos estes que circulam socialmente e
são assimilados em estética e conteúdo pelas pessoas enquanto consumidores por
meio da publicidade.
Pensemos que não foi apenas com o surgimento das novas tecnologias de
comunicação do século XX que as imagens manipuladas pela ordem do capital
associadas ao desenvolvimento tecnológico e projetadas na vivência urbana assumem
o poder de construir o imaginário estético sobre a realidade e com isso o
condicionamento de padrões e comportamentos. Já no século XIX, essa estetização da
vida cotidiana, orientada em grande parte pela expansão da cultura de consumo nas
grandes cidades das sociedades capitalistas do século XIX, como aponta
FEATHERSTONE (1995: 103), teve a publicidade como agente influenciador - ao
lado da efervescência cultural das manifestações artísticas da moderna urbe - do
imaginário constituinte da cosmologia cultural da metrópole. O capitalismo industrial
que pressionava a cultura pública urbana à privatização, ao mesmo tempo que,
segundo SENNET (1982) ‘mistificava’ a vida material em público numa fase em que
a noção de progresso engendrada pelo par industrialização/tecnologia erigia a base
das transformações sociais ocorridas na época, tinha na embrionária publicidade um
elemento de configuração estética do imaginário social, onde o poder descentralizado
da inovação e a sedução do novo estilizavam a vida urbana e as relações humanas,
como nos cartazes de Moulin Rouge desenhados por Toulouse Lautrec, que não
apenas ajudaram a constituir parte do imaginário da vida parisiense da moderna urbe
do fim do século XIX, como também constituem, na atualidade muito da imagem que

16
configura repertório histórico sobre a Belle Epoque. (CARRASCOZA &
SANTARELLI, 2007)
Contudo, é na atual era da cultura digital que a mídia e a publicidade atingem
o ápice de seu poder em configurar o imaginário social da moderna cultura de
consumo a partir do fenômeno da midiatização, conceito pesquisado por autores como
BRAGA (2006), SODRÉ (2006), TRINDADE (2014) e HEPP (2014), este último,
autor que utiliza uma abordagem socioconstrutivista para tratar o tema com base em
teorias de MANHEIN (1933, 1956) sobre sociologia do conhecimento e Friedrich
KROTZ (2001) sobre teoria da ação e estudos culturais. Nos estudos com abordagem
socioconstrutivista, com foco especial nas novas tecnologias digitais de comunicação,
Hepp aborda a midiatização investigando “a mudança da comunicação midiática e a
transformação sociocultural como parte das práticas de comunicação cotidianas e
como a alteração dessas práticas está relacionada `a construção da realidade
comunicativa em mudança. Em consideração aqui está não apenas a mídia de massa
clássica, mas especialmente a assim chamada nova mídia da internet e da
comunicação móvel.” (HEEP, 2014: 49).

Este autor utiliza o conceito de configuração desenvolvido por Norbert Elias


para analisar a influência da midiatização em grupos sociais cuja vivência
comunicacional em mudança gera também mudanças na realidade do mundo social
como um todo e estas mudanças, por sua vez, influenciam de volta o processo de
midiatização. O conceito de configuração, conforme Elias, compreende redes de
indivíduos que constituem uma entidade social maior por meio de interação recíproca,
numa perspectiva socioantropológica, elas constituem entidades sociais descritas em
complexas redes de indivíduos. A configuração de Elias funciona como uma
ferramenta conceitual para entender os processos de entrelaçamento que constituem
fenômenos socioculturais. (ELIAS, 1978: 130). Hepp faz uso deste conceito como
instrumento conceitual para analisar diferentes grupos que constituem o que o autor
denomina mundo midiatizado, ou mundos midiatizados, o que podemos pensar como
grupos cujas cosmologias culturais são influenciados pelo processo de midiatização.
Os mundos midiatizados de Hepp, estas configurações que consistem em grupos
sociais moldados em muito pela midiatização, podem ser analisados
independentemente de sua escala, de um grupo de estilo juvenil da periferia de São

17
Paulo, até o universo dos consumidores da estética de mensagens publicitárias que
abrangem a mídia online e offline na sociedade atual.

No Brasil, o fenômeno da midiatização tem sido abordado por diversos autores


em face de sua representatividade junto aos estudos de comunicação social
contemporânea. A midiatização é definida por SODRÉ (2006) como um processo
estruturador de realidades socioculturais a partir de dispositivos da mídia, um
fenômeno que configura uma ordem de mediações sociais, com interações
qualificadas, ou segundo o autor, tecnomediações caracterizadas por uma espécie de
prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível que o autor denomina
“médium - um dispositivo cultural historicamente emergente no momento em que o
processo de comunicação é técnica e mercadologicamente redefinido pela
informação.” (SODRE, 2006: 21).
Sodré, assim como Hepp, atenta para o fato de que a forma midiática molda,
ou condiciona percepções e comportamentos a partir do momento em que se inter-
relaciona, ou conforme Sodré, se hibridiza com outras formas vigentes no mundo
social contemporâneo, onde o meio, ou código, prevalece, conforme o autor, sobre os
conteúdos semânticos, em função da reflexividade institucional (a reprodução de um
sistema social por meio do uso sistemático da informação) que orienta o mundo social
no qual o indivíduo habita, influenciando, através de uma estetização generalizada da
vida social, o âmbito emocional, sensorial, identidades, comportamentos e mesmo
juízos de valores éticos, conformando (ou segundo HEPP 2014, moldando) o sentido
de nossa presença no espaço humano de realização, forma organizativa das situações
cotidianas, que constitui o ethos – palavra que “designa tanto a morada quanto as
condições, as normas, os atos práticos que o homem repetidamente executa e por isso
com eles se acostuma, ao se abrigar num espaço determinado. É a consciência
atuante e objetivada de um grupos social – onde se manifesta a compreensão
histórica do sentido da existência – e portanto, a instância de regulação das
identidades individuais e coletivas.” (SODRE, 2006: 24)
Para Sodré, a midiatização constitui uma eticidade, ou seja, uma ética social
imediata, na qual o ethos se manifesta empiricamente nas formas de ser e viver de um
grupo, ou conforme ELIAS (1978) e HEPP (2014), de uma dada configuração. A
midiatização delineia um porvir moral, um código de valores operado na forma de
uma eticidade fundamentada, segundo Sodré, pela tecnologia e pelo mercado, uma

18
eticidade moldada pela mídia que opera a partir de negociações discursivas, ou
interfaces com o ethos tradicional (aquele que antecede a eticidade da midiatização),
uma eticidade difusa, sem linearidade discursiva, mas que é alimentada
constantemente por prescrições morais advindas do mercado que condicionam formas
de ser e viver pelo imperativo dos desejos suscitados pelas imagens-sonho da
publicidade.
Numa perspectiva que se pauta em aspectos sociológicos (sociologia do
conhecimento) em articulação com estudos de comunicação, BRAGA (2006) sustenta
que a midiatização consiste em reformulações sócio-tecnológicas de passagem dos
processos mediáticos `a condição de processualidade interacional de referência,
condição esta que, segundo o autor, ‘dá o tom’, a outros processos subsumidos (como
a política, o jornalismo, a educação) que passam a funcionar segundo suas lógicas, de
forma que, o processo interacional de referência funciona como um organizador
principal da sociedade na cultura midiatizada. Segundo o autor, a midiatização trata
processos sociais específicos que passam a se desenvolver, de forma inteira, ou
parcial, segundo lógicas da mídia. (BRAGA, 2006:10) O processo interacional de
referência que na atualidade parece se constituir a partir do desenvolvimento
tecnológico, é a mídia digital, ou internet, que para além de um meio emissor de
mensagens, funciona como um grande articulador social de processos de interação
cada vez mais abrangentes e velozes e que na dinâmica de tempo/espaço em que atua,
redimensiona a construção social da realidade, tema analisado em BERGER e
LUCKMAN (1985), autores cuja obra é utilizada por Braga para abordar o tema da
midiatização como formadora da percepção da realidade e ao mesmo tempo, dos
comportamentos e atitudes humanas que a reconfiguram. Braga reitera que a
midiatização não trata apenas da hegemonia de modos de interação, mas de uma
perspectiva de organização da sociedade que, a partir do processo interacional de
referência tem seus contornos redefinidos, o que influencia a construção social da
realidade.
Em BERGER e LUCKMAN (1985: 38) vemos que a realidade da vida
cotidiana, já estruturada e ordenada independentemente da apreensão que temos dela,
se apresenta como objetivada – constituída por uma série de objetos que assim foram
designados antes de nossa participação no mundo – e nos é assimilada pela linguagem
utilizada, que nos fornece, de forma ordenada e contínua, as objetivações que

19
necessitamos para perceber a realidade, pois determina a ordem pela qual as
objetivações ganham sentido e a vida e as coisas adquirem significado.

A linguagem como articuladora da constituição de significado confere `a


comunicação o papel de estruturadora da relação que temos com o que se apresenta –
objetos, processos, fenômenos, a objetivação, como querem Berger e Luckman - e que
entendemos por realidade. Essa articulação se dá a partir dos processos de interação
por meio dos quais significados são compartilhados e passam a tecer a malha do que
pode ser entendido como a realidade cognoscível. A teia de relações humanas que
vivenciamos por processos de interação – que também pode ser pensada como uma
configuração, conforme o pensamento de ELIAS (1978) e contextualizado em termos
de midiatização por HEPP (2014) – se constitui a partir do compartilhamento
consensual de um vocabulário que atribui ordenação e sentido, o que segundo Berger
e Luckman “torna a linguagem uma marcadora das coordenadas de minha vida na
sociedade e enche esta vida de objetos dotados de significação. “(1985: 39)
Partindo da perspectiva da interação como processo articulador da construção
dos significados da vida social, com base na linguagem e seus códigos, podemos
pensar a midiatização e por conseguinte, a publicidade operada como medium (Sodré
2006) como um elemento construtor do tecido das culturas contemporâneas, das suas
diferentes configurações, dos mundos midiatizados constituídos a partir da força de
moldagem da mídia junto `a vida social, tema tratado por TRINDADE (2014) que
declara:

“a midiatização das sociedades e das culturas (HJARVARD, 2013;


HEPP, 2011 e 2013; BRAGA, 2006 a e b) parte de uma lógica intrínseca
ou interna dos dispositivos comunicacionais/ interacionais para a
compreensão de lógicas em processos ainda não totalmente definidos,
[(Sociedades em vias de midiatização como tratam Braga (2006 a e b), e
Fausto Neto e Sgorla (2013)], mas que são modelizantes do tecido social
e cultural. TRINDADE (2014: 4).

Em outro texto, tratando dos aspectos rituais da relação consumo/publicidade,


PEREZ E TRINDADE (2014), contextualizam o tema junto `a abordagem de HEPP
(2014) sobre a midiatização, que perpassa, além do olhar socioconstrutivista, a
perspectiva institucionalista, entendendo os media como sendo organismos
possuidores de independência institucional e definidores de regras que suscitam a
adaptação de diferentes campos ou sistemas sociais a estas regras institucionalizadas

20
pelos meios. Ambas as perspectivas sobre midiatização – a socioconstrutivista e a
institucionalista – se articulam na estruturação do fenômeno, contudo, o foco desta
pesquisa se atém `a abordagem socioconstrutivista, pois trata a relação entre o
processo operado pelos dispositivos de mídia e a construção da realidade social que
são observados como constituintes e ao mesmo tempo, constituídos pela estética da
publicidade e seu campo de produção simbólica que alimenta e molda o imaginário
social, operando junto a crenças e evidenciando valores do ethos. Na perspectiva
socioconstrutivista de HEPP (2014), a inter-relação, de longo prazo entre a mudança
de mídia de um lado e a mudança da cultura e sociedade de outro, configura o objeto
de estudo da midiatização e, nesse contexto, a definição de cada tipo de mídia
utilizados nos processos de interação social é fundamental para o entendimento do
processo, o que nos leva ao conceito do autor de forças de moldagem da mídia,
enfocando que diferentes mídias moldam a comunicação e os processos sociais de
interação de formas diversas.
Com base no conceito de HEPP (2014), PEREZ E TRINDADE (2014)
defendem a idéia de que publicidade (e em especial, sua determinante estética)
enquanto mídia de grande força de moldagem, opera como um motor da comunicação
que cresce e transborda das mídias convencionais, pois é edificadora de relações
cotidianas que desenvolvem um contato muito maior entre o mundo dos bens de
consumo, (constituinte das imagens-sonho que estruturam nossa referência estética da
vida cotidiana e as pessoas), contato esse, maior, segundo os autores, do que a
divulgação massiva de outras mídias, pois se estriba como um revelador sociocultural
capaz de assimilar e evidenciar os mais essenciais valores cotidianos vividos por
pessoas e grupos. (PEREZ E TRINDADE, 2014: 162)
No que tange à mensagem publicitária, podemos pensar a eticidade de que nos
fala Sodré, para além de uma agenda que condiciona percepções e pautas do
cotidiano, como uma cosmologia cultural híbrida, dinâmica, a incorporar
constantemente o imperativo sazonal da produção mercadológica por meio da estética
da publicidade. Esta estética que pela própria possibilidade inerente ao humano de
assimilação das formas – visuais, sonoras e sobretudo, simbólicas - ao produzir o
contato com as imagens-sonho de que nos falam HAUG (1987) e FEATHERSTONE
(1995), constitui-se como ponto de contato essencial no processo de interação entre o
indivíduo (enquanto consumidor) com o sistema de produção capitalista que opera na
criação destas imagens, tendo a internet, cada vez mais, como enunciatário destes

21
conteúdos simbólicos por constituir o que Braga (2006) caracteriza como processo
interacional de referência.
Se a estetização da vida cotidiana obedece à criação das imagens sonho
oriundas da publicidade, às quais interrelacionando-se com eventos, manifestações
artísticas, fenômenos sociais e grupos urbanos, constituem o imaginário social
contemporâneo, a midiatização digital e sua dinâmica veloz que cria maior
abrangência de pontos de contato entre pessoas, numa dimensão temporal imediata,
ao moldar percepções e comportamentos de indivíduos e grupos, acaba por
condicionar o mundo social do qual se apropria a publicidade [conforme
MACCRAKEN (2003), para transferir significados culturais à codificação de bens] e
por conseguinte, o universo digital, redefinindo formas de ser e estar no mundo real a
partir das configurações sociais, estéticas e comportamentais que atuam como uma
cosmologia cultural na rede digital, vem também redefinindo a forma como a
publicidade desenvolve seu conteúdo discursivo e em especial, seus processos de
interação junto aos consumidores-enunciatários da mensagem publicitárias, tornando-
se necessário aos estudos sobre comunicação, analisar a forma como o consumidor,
cuja percepção e comportamento é moldado pela midiatização, também desenvolve
novas formas de se relacionar tanto com o universo da produção de bens, quanto com
o consumo destes bens e em especial o consumo da mensagem publicitária, elementos
que abordaremos a seguir.

CAPITULO 2

Interações Midiatizadas e Relações Sociais na Estética Publicitária

A publicidade como metáfora da cosmologia cultural contemporânea de


grupos, sociedades e comunidades, vem sendo objeto de estudo, tanto das ciências da
comunicação e do marketing, quanto da antropologia cultural, dentro do campo
epistemológico próprio de cada uma destas áreas/ciências. Enquanto os estudos sobre
a midiatização como fenômeno de grande expressividade fornecem um campo de
exploração de pesquisas sobre os processos de interação viabilizados, em especial,

22
pelas novas tecnologias digitais, a antropologia observa a publicidade como universo
de construção de relações (entre pessoas e marcas e na triangulação entre pessoas,
marcas e pessoas) onde as relações de poder e identidades são tanto representadas e
articuladas, quanto construídas a partir do consumo da publicidade e seus efeitos
sociais. Neste capítulo, abordamos o tema da influência da midiatização sobre o ethos
social, o consumidor e a estética da publicidade contemporânea, com base num
dialogo possível entre a antropologia do consumo e as ciências da comunicação.

Em MACCRAKEN (2003) vemos uma perspectiva da antropologia do


consumo que se baseia nos estudos sobre a estrutura móvel de pólos de emissão e
recepção de significados culturais dos bens, constantemente em trânsito, absorvidos
do mundo social, codificados em bens e fluindo por meio da comunicação publicitária
em direção `as suas diversas localizações no mundo social do consumo, com base no
esforço coletivo de agentes como designers, publicitários e também consumidores,
que fornecem a matéria prima simbólica do mundo socialmente constituído.
Conforme o autor, neste sistema móvel, os significados oriundos do mundo social são
absorvidos pela indústria e transportados para os bens, que se expressam tanto
categorias culturais – quando atribuídos de significados que distinguem categorias
culturais como idade, gênero, classe e ocupação, quanto instâncias de princípios
culturais, valores e idéias que avaliam, orientam e constroem a significação percebida
de fenômenos e que permitem classificá-los e inter-relacioná-los.

Sob a perspectiva da antropologia do consumo, os bens são codificados,


portanto, com categorias e princípios que comunicam, por exemplo, o gênero e a
classe social de seu possuidor, assim como valores dos quais compartilham, criando
estruturas de identidade e ao mesmo tempo de diferenciação entre pessoas e grupos. A
publicidade, segundo MacCkaken, que nos informa sobre os significados culturais que
de forma contínua os bens de consumo incorporam a partir do mundo social, consiste
em “ um canal através do qual o significado está constantemente fluindo, em seu
movimento do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo. Através do
anúncio, bens antigos e novos estão constantemente destituindo-se de velhos
significados e assimilando outros... Nesta medida, a propaganda funciona para nós
como um léxico dos significados culturais correntes.” (MACCRACKEN, 2003: 109)

A teoria da estrutura móvel de emissão/recepção de significados culturais dos


bens é questionada por TRINDADE (2014) que em seu estudo sobre os diferentes

23
ethé publicitários que constituem a comunicação publicitária contemporânea,
conceitua, no lugar da estrutura emissão/recepção de significados, a idéia de
circulação de significados culturais e ao invés de recepção neste mesmo processo, o
autor nos fala de consumo das mensagens publicitárias, tal qual entendemos o
consumo de bens simbólicos. Trindade argumenta que pensar a recepção da
comunicação publicitária e por conseguinte, dos significados culturais do mundo
social codificados em mensagens como fim do processo, (como argumenta
MACCRACKEN 2003), é ignorar o fato de que o interlocutor das mensagens
enquanto consumidor rearticula os sentidos destas mensagens ao assimilá-las a partir
de seu repertório cultural (que não é uníssono e linear, como se supunha em tempos
de entendimento do consumidor a partir de um recorte demográfico que categorizava-
o enquanto determinantes de gênero, faixa etária, procedência, mas cada vez mais
heterogêneo, não-linear e não categorizável a partir destas determinantes) redefinindo
o sentido que busca criar similaridade com o mundo social deste interlocutor
projetado na composição da mensagem publicitária. Segundo Trindade:

Os ethé publicitários, assim, constituem-se na constante atualização dos


valores presentes nos bens de consumo, identificados como valores
simbólicos e culturais. Não se identificam mais com os pólos de emissão e
recepção posicionados em oposição, mas sim com uma idéia de
circulação, confluente de valores no consumo midiático na complexa rede
comunicacional, em que tais estatutos da comunicação passam a atuar.
(TRINDADE, 2014: 10)

MACCRACKEN (2003) entende que a assimilação da mensagem, a


reverberação do significado do mundo-simulacro da mensagem publicitária junto ao
mundo real do consumidor é a etapa final do processo, mas o autor não leva em conta,
em sua teoria, que esta assimilação não é linear, pois a complexificação da
cosmologia cultural da moderna sociedade ocidental compreende que, dentro de um
grupo com determinantes demográficas similares – mulher, 30 anos, classe AB,
oriunda da Zona Oeste da cidade de São Paulo – existem diferentes “mundos sociais”
constituídos a partir da intersecção de diferentes papéis sociais desempenhos por
indivíduos que transitam entre diferentes grupos. Pensemos que o universo de
possibilidades e aspirações de uma mulher de 30 anos no Brasil em 1942, ano em que
Adorno e Horkheimer cunharam o termo ‘indústria cultural’ ao escreverem “A

24
dialética do esclarecimento” era circunscrito aos papéis de mãe e esposa, trabalho
operário ou em funções domesticas em casas de famílias mais abastadas, com ainda
uma pequena margem de mulheres inseridas no universo da produção em funções
qualificadas e/ou que requerem conhecimentos específicos e educação superior, como
advogadas, professoras, medicas, arquitetas.

Segundo dados do IBGE, no ano de 1940 no Brasil apenas 19% das mulheres
trabalhavam, sendo que, dentre estas mulheres, 40% estavam empregadas em serviços
domésticos, 20% trabalhavam no comércio, 18% em serviços de educação, 8% em
serviços de saúde e 14% em funções como costura. Segundo o Código Civil Brasileiro
de 1917, “As mulheres casadas são incapazes, relativamente, a certos atos ou à
maneira de o exercer", colocando estas mulheres no mesmo nível de capacidade da
criança e do incapaz. Estas mulheres viviam em seu imaginário o universo simbólico
do rádio, da emergência do cinema norte-americano e de algumas publicações
editoriais, além, é claro, de se ocuparem das vivências e relações cotidianas
concernentes `a sua comunidade, seja o bairro, o contexto familiar, a Igreja e poucos
grupos de afinidades eletivas.

Guardadas as dimensões muito particulares da individualidade (cada ser


possui um universo imaginário de possibilidades dentro de si e uma personalidade
singular), a dimensão das aspirações, desejos e objetivos possuía contornos menos
heterogêneos que a mulher atual, orientados pelo alcance cultural limitado pela
condição social da mulher na época e pelas restrições da cultura machista/patriarcal
que imperava no Brasil junto `as mulheres. No universo imaginário da maior parte
destas mulheres ecoavam Carmem Miranda, os concursos de miss e as cantoras do
rádio, temas lidos na revista “O Cruzeiro” e na revista Seleções, que anunciava
produtos como pomada Minancora, Creme Dental Colgate e Coca Cola. Havia um
leque menor de produtos e marcas industrializados e uma possibilidade maior, por
parte do mercado, de atrair a atenção, o interesse e o desejo das mulheres enquanto
consumidoras a partir de mensagens publicitárias que ecoavam nos conteúdos do
imaginário, na visão de mundo e nos valores compartilhados pelo público feminino.

Em plena segunda década do século XXI, a televisão ainda possui grande


abrangência em relação ao público feminino em termos de quantidade, tal qual o rádio
nos anos 1940, em plena emergência da cultura de massas definida por ADORNO &
HORKHEIMER (1942). Contudo, mesmo as novelas, produto égide da comunicação

25
midiática de grande abrangência, é formulada, não conforme a hegemonia das grandes
corporações, mas conforme pesquisas cada vez mais complexas que buscam entender
o que pensa, vive, sente e como reage a mulher brasileira, que conforme o IBGE
representa atualmente, 46% da população economicamente ativa no Brasil, contra
56% dos homens e entre estas 61,5% tinham 11 anos ou mais de estudo, ocupando
63% dos cargos de administração pública no Pais, vive hoje a multividualidade em
todos os aspectos, com maior acesso `a educação e maior inserção no mercado de
trabalho, transite pelos mais diversos segmentos sociais, de mãe e esposa por opção a
CEO de multinacionais, maratonista, participante de motoclubes como a Harley
Davidson Ladies of the Road e mesmo, presidente(a) da república no Brasil.

A heterogeneidade da cosmologia cultural do interlocutor da mensagem


publicitária acarreta uma heterogeneidade também das possibilidades de assimilação e
decodificação desta mensagem. Para além das características psicológicas da
constituição do indivíduo, em termos antropológicos, temos o que CANEVACCI
(1999) conceitua como entidade em seu conceito de culturas eXtremas, um indivíduo,
ou multivíduo (pois que incorpora diferentes papéis sociais) a assimilar continuamente
novos elementos culturais desterritorializados, oriundos de diferentes cosmologias,
reais e virtuais, num trânsito contínuo e constante onde o ethos não é marcadamente
definido em termos de fronteiras que marcam diferenças, mas que, na incorporação de
diferenças, se constitui como um corpus fluido, em constante (re)construção.

“Delimito il campo delle culture extreme a quelle que si muovono


disordinatamente tra gli spazi comunicativi metropolitani e scelgono di
innovare confflitualmente i codici. Di smuovere i significante statici. Da
produrre significati alterati. Da liberare segni fluidi daí simboli solidi. É
questo flusso che, per differenziarlo da um genérico uso de estremo
(sport-sesso-politica-arte) chiamo eXtremo.” (Canevacci, 1999:50)

Esse interlocutor da mensagem publicitária, se pensado enquanto consumidor


da mensagem, este multivíduo, conforme Canevacci, na forma de uma entidade a
incorporar continuamente os novos códigos culturais produzidos pelo mundo social,
tem na mensagem publicitária um produto, mercadoria, bem de consumo que ao ser
assimilado e decodificado pelo ethos fluido da cultura eXtrema produz, não apenas
novos significados, mas também polissemia, pois tem a mensagem decodificada por

26
diferentes visões de mundo, oriundas dos diferentes papéis sociais que hoje são
desempenhados pelas pessoas e que moldam estas visões de mundo.

Neste contexto, o interlocutor da mensagem enquanto consumidor, não


finaliza o processo de recepção dos significados culturais codificados nos bens e
emitidos pela publicidade descrito por MACCKAKEN (2003), mas promove uma
nova etapa do processo, a construção de novos significados que são emitidos pelo
interlocutor/consumidor que passam a constituir o que TRINDADE (2014) conceitua
como circulação da comunicação midiática. Conforme Trindade, a midiatização
gerada pela publicidade cria novos contornos, tanto na recepção da comunicação
publicitária, entendida como consumo da mensagem, quanto no processo de interação
entre marcas e consumidores que tem a publicidade como mediadora desta relação.
Segundo o autor:

A circulação assim compreendida surge como uma nova instância no


processo discursivo da comunicação, e faz com que percam sentido e
força as intenções de origem dos discursos, uma vez que estes
apresentam-se em constante contato e trocas. O que vale é a
ressignificação contínua dos bens simbólicos neste lugar contato.
Configura-se, assim, um lugar de realização de “jogos complexos”, de
apropriação e contínua dos sentidos das mensagens midiáticas, por meio
do consumo destas enquanto bens de consumo simbólicos. (TRINDADE,
2014: 11)

Trindade se apóia no pensamento de Fausto Neto (2013) sobre o novo papel


desempenhado pela mídia, no caso desta pesquisa, da publicidade, no processo de
circulação da mensagem, que defende a idéia de que o meio de comunicação pode ser
pensado, no lugar de emissor da mensagem, como uma zona de contato entre marcas e
consumidores, tendo a circulação como um terceiro elemento nesta relação, pois a
mídia passa a ter um papel relacional e não apenas de transmissão de significados no
processo de comunicação, abrindo espaço para que as mensagens tornem-se discursos
oriundos de novas vozes.
Ao abordarmos o consumo numa perspectiva antropológica, como uma
relação entre pessoas mediada por objetos (DOUGLAS & ISHEERWOOD, 2004)
podemos pensar no consumo da mensagem publicitária como uma relação mediada
por mensagens, onde o desenvolvimento tecnológico digital e em especial as redes
sociais, influem muito na constituição de um novo lugar ocupado pelo consumidor

27
nesta relação e no processo de interação com marcas. Trindade (2014) conceitua o
âmbito da circulação como uma nova instância da enunciação publicitária que cria
continuamente o que o autor define como ethos do consumidor, considerando a
recepção da mensagem como um espaço de apropriação desta que não é estático, mas
também móvel e que produz novas significações. O autor trata o conceito de ethos
com base na corrente de análise do discurso, onde este:

“constitui-se como uma maneira de dizer, em um contexto de produção de


sentido, em que, por meio de um compartilhamento de valores e
características entre o enunciador e o ouvinte, constrói- se uma
corporificação de um enunciado digno de crédito, dentro de uma
perspectiva estereotipada do caráter conferido ao enunciador.”
(TRINDADE 2014: 5)

Conforme o autor, o ethos publicitário do consumidor constitui-se como a


codificação dos valores do mundo social nos bens, atualizados constantemente pelo
enunciado publicitário, onde o consumidor toma contato com seus valores e produz
novos significados que são lançados `a circulação mediática, constituindo um novo
lugar discursivo que cria novos contornos no campo na comunicação publicitária.
Se tomarmos este ethos publicitário do consumidor como influenciado pelo
papel deste consumidor como mercadoria e produtor desta mercadoria a ser ofertada
na rede social digital, a publicidade necessita apreender a dinâmica de construção
deste consumidor/marca na rede, dos elementos simbólicos que constituem seu código
de valores projetados no discurso sobre a realidade, vivências e fatos que o rodeiam e
(em especial o discurso sobre as marcas e sobre a publicização das marcas que
consome e que o posicionam no status quo, atribuindo-lhe valores de diferenciação)
que ele constrói para ‘publicizar-se’ como mercadoria.
Se vista como uma metáfora da cultura midiatizada contemporânea a ser ‘lida’
como um texto que não apenas discursa sobre o que se constitui como o ethos das
culturas hipermodernas, mas que influencia na criação do conteúdo a ser descrito no
texto discursivo, a publicidade nos evidencia que o movimento de circulação dos
significados sociais que transitam do universo de vivência da cultura para os bens e
dos bens para a constituição desta cultura, numa dinâmica constante in progress,
influencia cada vez mais, não apenas a percepção que se tem da sociedade
contemporânea a partir das imagens-sonho publicitárias, mas a própria identidade

28
social que a partir da estética constitui a ética que orienta os comportamentos e
vivências da sociedade como um todo.
Se esta dinâmica não é necessariamente nova, pois desde MCLUHAN (1972)
vemos que a processualidade interacional de referência (BRAGA 2006) constituída
pela TV já influenciava a imagem que a sociedade tinha de si mesma e orientava
comportamentos, na era da internet como processualidade interacional de referência, o
papel do consumidor-interlocutor da mensagem publicitária em interação contínua
com a mídia nunca esteve mais ativo do que o que vemos agora. E essa voz de um
sujeito com uma nova relação de poder na interação entre mídia e consumidor, um
sujeito cuja identidade também se projeta como mercadoria, tem cada vez mais
influência na constituição das imagens-sonho publicitárias, neste bricolage de
significados que permeiam tal interação, em dinâmica cada vez mais acelerada, onde
tanto a publicidade como meio se transforma, quanto também transforma-se o
consumidor-interlocutor da mensagem que também torna-se marca publicizada em
redes sociais, numa relação fluida onde se intercambiam significados, enunciados e
enunciatários a construir tanto o simulacro social publicitário, quanto influenciar os
contornos do ethos que o consome.

CAPITULO 3

A Publicidade Como Palco Do Ethos Digital e de Novas Eticidades do Consumo

Observados os conceitos e autores que abordam, em suas referentes


perspectivas, o tema da midiatização como construtora do tecido social, partindo da
perspectiva sociocultural do processo de midiatização (pela abordagem
socioconstrutivista de HEPP (2014), de interação social de TRINDADE, de rituais de
consumo de TRINDADE & PEREZ (2012) e também a de BRAGA (2006) e a de
criação de eticidades de SODRÉ (2006), podemos pensar a atual a estética da
publicidade como um universo de imagens e sentidos resultantes da relação
mediatizadora entre publicidade e ethos contemporâneo e não apenas como um
resultado da operação do sistema de produção com vistas ao escoamento de

29
mercadorias, podemos analisá-la enquanto um palco onde são expostos tanto os
conteúdos simbólicos resultantes da operação deste sistema, quanto os conteúdos
simbólicos oriundos do processo de consumo das imagens sonho pelo
consumidor/interlocutor destas imagens, num processo onde a publicidade atua como
uma forma formadora, estrutura que segundo MAFFESOLI (1996) transforma
estética em ética, pois o consumo das imagens-sonho publicitárias configura o
experimentar em comum que suscita, conforme o Mafesolli, um valor, constitui um
vetor de criação, cria por meio da potência coletiva do ethos em interação, uma obra
de arte que se apresenta como a vida social em suas diversas modalidades.
O consumo das imagens-sonho não constitui um fim em si só, mas na era da
internet como processo interacional de referência, temos expostos no espaço virtual,
nesta nova morada do ethos contemporâneo e das novas eticidades resultantes da
midiatização, conteúdos simbólicos e comportamentais que resultam do consumo da
estética publicitária, desde a apropriação que indivíduos e grupos fazem dos signos
estéticos expostos em campanhas publicitárias, até as tendências que surgem
organicamente a partir da assimilação que os consumidores, em especial os mais
jovens, fazem destes signos. Como exemplo temos os conteúdos estéticos
comunicados por meio de blogs de maquiagem que jovens blogueiras produzem a
partir das campanhas publicitárias de grandes marcas do ramo cosmético, o que ilustra
que o consumo da estética publicitária cria, organicamente, novos conteúdos
simbólicos a serem lançados no mundo social a partir da interação possível pelas
tecnomediações digitais.
A estética da publicidade opera, a partir do processo de mediatização,
refletindo de um lado e influenciando de outro, as mudanças sociais como um
elemento articulador dos significados que circulam na malha social de interação. Ela
se apropria, em seu processo de produção, a partir do planejamento publicitário, do
zeitgeist (espírito do tempo) contemporâneo por meio do entendimento de tendências
socioculturais e comportamentos de grupos e sociedades (a partir de pesquisas
mercadológicas realizadas pelas marcas para a etapa de planejamento publicitário),
expropria signos de significados e codifica bens, além de codificar também, toda sorte
de elementos que possam ser publicizados – eventos, instituições, pessoas – com as
imagens-sonho que conferem referência e marcação social a estes elementos com base
na articulação com o desejo individual, ideologias e relações de poder entre grupos.
Mas não se encerra aí o ciclo de consumo da estética publicitária.

30
A apropriação que os consumidores/interlocutores fazem de seus conteúdos
simbólicos gera novos conteúdos a serem expostos no grande palco das mídias sociais
digitais que por sua vez serão reapropriados pelo universo da publicidade, recriando
continuamente novos padrões e signos estéticos numa dinâmica que – conforme o
pensamento do antropólogo Massimo Canevacci sobre a cultura contemporânea
sterminada (1999) – não se termina, mas num movimento fluido in progress, que
recria não apenas novas imagens-sonhos publicitárias, mas também a cosmologia
cultural e comportamentos que são ressignificados na sociedade midiatizada, este
movimento de circulação opera do mundo social produtor de conteúdos simbólicos,
para o mundo dos bens e de volta, por sua vez, para o mundo social que ressignifica
estes conteúdos.
Vander Casaqui aponta, no artigo ʺPor uma teoria da publicização:
transformações no processo publicitárioʺ (2011) que a especificidade do discurso
publicitário não se encontra no formato da linguagem, mas na visão de mundo que
orienta modalidades do discurso, a partir da forma como se busca a interlocução com
o enunciatário – o consumidor. CASAQUI (2011: 134)
Conforme o autor:

ʺComo retórica do consumo, o discurso publicitário vai


amalgamar as representações sociais imersas no espírito de seu tempo,
nos sistemas socioculturais e econômicos dos quais é derivado. Seus
processos de mediação envolvem a tradução da racionalidade produtiva e
corporativa para o campo sensível das afetações dos sujeitos”
(CASAQUI, 2011: 35)

Tal abordagem já fora trabalhada, sob os ponto de vista da antropologia, por


Everardo Rocha no livro “Magia e Publicidade” (1985), obra na qual o antropólogo
declara que a conjunção entre os pólos opostos da produção de bens e do consumo é
operada pelas crenças e idéias que Rocha denomina mágico-totêmicas (numa analogia
à lógica da magia que codifica elementos da natureza com significados convertendo-
os em totens), onde a publicidade mediatiza e convertibiliza mensagens destes dois
universos diametricamente opostos, pois o sistema publicitário é um código que
traduz as mensagens entre o universo da produção e o universo do consumo.
Conforme o autor: ʺAtravés desse código, um produto impessoal, serializado,
indiferente, é travestido com um nome, numa personalidade, num estilo de vida. Cria-

31
se uma identidade, enfim, que o caracteriza como pertencente ao universo humano,
por mais distante que este esteja de sua origem.ʺ (ROCHA, 1985: 131)
Se o fenômeno da midiatização, tendo a mídia digital como processo
interacional de referência, vem rearticulando as formas de ser, estar e comunicar-se na
sociedade contemporânea a partir de novos processos de comunicação que
manifestam visões de mundo dos indivíduos e grupos enquanto consumidores, o
discurso e estética publicitários e em especial os signos estéticos que compreendem
este discurso, também rearticulam-se a fim de interagir com o consumidor e constituir
as imagens-sonho de forma que estas possam tocar, sensibilizar e engajar este
consumidor no processo de consumo.
A fim de analisar os novos contornos discursivos e processos de interação
entre a publicidade e o interlocutor/consumidor com foco na estética da publicidade,
faz-se necessário analisar o contexto atual do consumo contemporâneo – e em
especial, o consumidor - orientado pela midiatização digital onde ocorrem as trocas
simbólicas entre marcas e interlocutores da mensagem publicitária que tem a
publicidade como mediadora, conforme veremos a seguir.

3.1 Breve Contextualização do Consumidor na Era da Midiatização Digital

O antropólogo Grant MacCraken (2003) se apóia no estudos de Douglas &


Isheerwood (2004) ao abordar os bens de consumo, que para além de seu caráter
utilitário e valor comercial, tem a capacidade de carregar e comunicar significados
culturais, enfatizando que a publicidade e o sistema da moda constituem os elementos
essenciais que configuram o corpus simbólico do consumo ao assimilar os conteúdos
de significado do mundo social e trazê-los ao mundo dos bens a fim de codificá-los
com signos culturais.
Mary Douglas, em seus estudos de antropologia desenvolvidos com o
economista Baron Isheerwood sobre o consumo, amplamente seguidos por grande
parte dos antropólogos do consumo e estudiosos da cultura material, defende a idéia
de que as coisas que alguém possui ou deseja possuir não são necessárias por elas
mesmas, mas carregam uma dimensão política nas sociedades em função das relações
sociais que sustentam enfatizando que estas coisas tem uma função imperativa, junto

32
ao seu possuidor, de marcador social de seu status, evidenciando o caráter
instrumental que o consumo assume como balizador de relações sociais (DOUGLAS
& ISHEERWOOD, 2004). A autora aborda o consumo como elemento chave da
manifestação da cultura - abstrata, imaterial - em objetos que não apenas tornam o
código de valores de um grupo tangível, como servem como instrumentos políticos
nas relações de poder entre pessoas, hierarquizando posições sociais, categorizando,
unindo e excluindo indivíduos.
A função dos objetos como elementos de comunicação de realidades abstratas
– as relações – está presente em todas as culturas, desde as primitivas, a exemplo do
ritual do Kula, estudado por Malinowski (1978), onde a troca de objetos entre os
nativos constitui um ritual de representação das relações de poder entre indivíduos do
grupo que reforça alianças e processos relacionais internos, pois os objetos carregam
significações muito além da categorização econômica do possuidor que presenteia o
outro, eles adquirem o significado de estruturar relações entre pessoas, ordená-las e
conferir-lhes sentido político, social e econômico.
Uma das funções dos objetos, o status, na forma de categorização social
revestida de determinantes políticas e ideologias, é analisado também por Douglas na
releitura de sua obra vinte anos depois (2007), apontando que a riqueza é basicamente
um sistema de sustentação de relações de poder, onde a pobreza funciona como uma
dimensão culturalmente definida de oposição da riqueza, que não é definida por um
inventário de objetos, mas por um padrão sistemático de exclusões, sendo, o consumo
e a função social dos objetos promover pontes ou cercas DOUGLAS &
ISHEERWOOD (2004) de acordo com a aquisição, fruição e mesmo descarte de
produtos.

O tema do consumo vem sendo abordado pelas ciências sociais desde a virada
do século XIX para o século XX. Thorstein Veblen escreve em 1899 “A teoria da
classe ociosa” (1965), onde transcende a percepção utilitarista/economicista sobre o
consumo, abordando-o sob uma perspectiva sociológica que observa sua questão
simbólica a partir de um sistema coletivo de representação onde circulam
significações coletivas. VBLEIN (1965) aborda a importância do consumo como um
sistema de significações e não apenas um reflexo da produção capitalista, o que
enfatiza sua importância como dimensão a ser estudada sob a perspectiva sociológica,
pois expõe representações coletivas e não apenas escolhas individuais.

33
Filósofos e sociólogos – como MARX (1980) GODELIER, (1978) e WEBER
(2007), desenvolveram estudos apoiados em economia, passando pela perspectiva dos
autores da Escola de Frankfurt como HORKHEIMER E ADORNO (1942), que
entendem o consumo como parte do sistema capitalista e da revolução industrial,
reificadores das consciências humanas, que constituem o que estes últimos
denominaram Indústria Cultural ou ‘a integração a partir do alto de seus consumidores
(ADORNO & HORKHEIMER 1985) onde a lógica da mercadoria e racionalidade
instrumental presentes na dimensão da produção transcendem `a dimensão do
consumo e a as ditas formas elevadas de cultura são substituídas pela cultura de massa
orientada pelo processo de produção e mercado – a cultura ersatz – voltada ao mínimo
denominador comum.

O estudo das significações culturais do consumo tem ênfase nas obras de


BAUDRILLARD (1983), (1995) e (1997), para quem os objetos de consumo operam
como elementos estruturadores da diferenciação, de um imperativo fundamental de
manutenção de uma ordem de privilegio e domínio sustentada por signos neles
codificados e não pela materialidade dos mesmos.

A dimensão política das relações de poder representadas pelo consumo de


bens é explorada pelo autor, que defende a idéia de que os objetos de consumo tem
seu capital de valor orientado muito menos pela materialidade e funcionalidade e
muito mais pela lógica da diferenciação, ganhando sentido a partir de sua diferença
junto a outros objetos segundo um código de significações hierarquizadas.

Para BAUDRILLARD (1997), assim como para SAHLINS (1979), as


estruturas econômicas engendram um sistema racionalizante que acaba por constituir
uma ordem social pautada num sistema cultural complexo que gera processos de
socialização e relações entre indivíduos que são mediadas por produtos e adquirem o
poder de moldar uma civilização.

Sahlins nos diz que os sistemas simbólicos engendrados pela racionalidade


econômica, assim como entre as sociedades primitivas, plenos de categorias de
significação, de signos de categorização social que orientam relações e hierarquias
sociais, constituem, tal qual entre os primitivos, ordens culturais (1979).

O consumo neste contexto converte-se no sistema de trocas simbólicas que


orienta dinâmicas sociais, que ordena a sociabilidade entre indivíduos e grupos muito

34
menos pela funcionalidade dos bens e muito mais pela representação política de
estratos sociais e relações verticalizadas de poder.

A perspectiva do consumo como objetivo final do processo de produção


capitalista, que permite através da publicidade e da mídia “educar” consumidores para
serem manipulados para a expansão de novos mercados, oriunda da Escola de
Frankfurt, em especial, de Theodor Adorno, é abordada por FEATHERSTONE
(1995) como a lógica imperativa do valor de troca de mercadorias, orientada pelo
cálculo instrumental racional que exaure as determinantes qualitativas dos bens,
oriundas da alta cultura (a unicidade, as diferenças essenciais e tradições culturais)
função da produção em massa, do mínimo denominador comum, orientado `a
quantidade.

A importância do consumo como fenômeno social é estudado por BARBOSA,


(2007: 23) para quem ‘consumo não é apenas uma categoria analítica, mas uma
categoria nativa que classifica e organiza o mundo `a nossa volta’ e ao classificar
dimensões da vida social se apresenta como um importante mecanismo de reprodução
social do mundo contemporâneo, pois diferentes grupos sociais utilizam o consumo
como estratégia para definir situações em termos de direitos, estilo de vida e
identidades. Para a autora o consumo contemporâneo é acrescido de uma instância
moral que busca legitimidade junto ao grupo daquele que consome, faz-se necessário
que o bem consumido torne-se investido de valor perante os olhos do grupo e, antes
de mais nada, dos olhos do indivíduo enquanto consumidor.

Podemos pensar que esta instância moral que legitima o investimento de


recursos para a aquisição do produto a partir da atribuição de capital simbólico que
justifique este investimento constitui um ponto chave para a publicidade e o
marketing, cujo trabalho de acrescer capital cultural aos bens para que este seja
revertido em capital financeiro, busca codificar estes bens com valores que sejam
legítimos, porquanto aceitos e desejados.

35
3.1.1 Protagonismo do Consumidor e Marcação Identitária nas Redes Sociais

O consumo contemporâneo pode ser visto, na era da do desenvolvimento das


novas tecnologias digitais, para além de um objeto clássico de investigação das
ciências sociais, (MALINOWSKI 1978), (MAUSS, 2003), (SIMMEL, 1978),
(VEBLEIN, 1965), (DOUGLAS & ISHEERWOOD 2004), (Miller, 1987),
(MACCRACKEN 2003), (BARBOSA, 2004), (CAMPBEL, 2001) (entre outros
pesquisadores dos temas do consumo simbólico e da cultura material), como um
objeto de estudo das ciências da comunicação, não em função dimensão estruturante
(do consumo) e ao mesmo tempo, resultante, do mosaico social das relações e tensões
entre pessoas e grupos e das formas como estes vivenciam as suas realidades e as
percepções sobre estas realidades moldadas pela cultura (objeto de interesse
investigativo, por exemplo, da antropologia do consumo), mas por sua estrutura de
trocas simbólicas operada por processos de interação social, onde a comunicação atua
como constituinte da experiência que objetiva estas percepções e comportamentos e
promove sua internalização.

36
Vemos em BRAGA (2012: 25) que as interações sociais são o lugar onde a
comunicação ocorre e que dispositivos interacionais são algumas matrizes elaboradas
na prática social que permitem episódios interacionais e também derivam sua
dinâmica destes. O consumo como processo relacional, modo ativo de relação entre
indivíduos, grupos e instituições onde é fundado nosso sistema cultural
BAUDRILLARD (1997: 206) constitui-se como processo relacional a partir do
processo (comunicacional) de interação entre pessoas e grupos, por meio do qual os
conteúdos simbólicos constituintes do código de valores que estrutura visão de
mundo, ethos e ética de grupos e setores, são compartilhados, assimilados,
internalizados e ressignificados continuamente por trocas simbólicas – em interações
comunicacionais - que edificam a cosmologia cultural de grupos e da sociedade como
um todo.

Se o consumo opera como um marcador social nas relações de poder entre


indivíduos e grupos e estas marcas distintivas circulam, para além dos processos de
interação física entre pessoas, nas interações do mundo digital – na internet – o
consumidor hipermoderno se reposiciona na hierarquia das relações sociais,
presenciais e digitais, não apenas entre pessoas, mas na interação com marcas e com o
mercado produtor de bens como um todo.

Conforme YANAZE (2014) os consumidores enquanto atores sociais se


empoderam com o advento da internet pela produção de autoridade por meio do
diálogo. Para o autor, a interação promovida pelas plataformas tecnológicas assume o
poder de delinear a sociedade atual, o que configura como vimos ao longo desta
pesquisa, a midiatização digital, pois a rapidez na circulação de informações
associada à liberdade de expressão e necessidade de “opinar” sobre assuntos de todo
tipo em pontos de contato com a marca e outros consumidores online, criam novos
contornos, não apenas no âmbito do consumo, como na relação entre marcas e
consumidores e nos processos de interação social mediados pelo consumo como
marcador de identidades.

Temos aqui novos contornos do consumo contemporâneo a partir da


midiatização digital como processo interacional de referência – as relações de poder
marcadas pelo consumo não operam de forma linear na rede digital, mas novas e
emergentes identidades se formam com marcações sociais construídas pela relação

37
dos consumidores-interlocutores das mensagens publicitárias das marcas e elas
mesmas.

Se nas interações fora da rede digital os indivíduos se relacionam por meio de


signos codificados em bens de consumo, como quer BAUDRILLARD (1995), na rede
digital, as relações entre estes indivíduos consumidores e as marcas, na forma como
estes publicam comentários, opiniões e criticas sobre estas constituem marcações
sociais para além da compra do produto.

Os consumidores se tornam, em tempos de mídias digitais, o que TAPSCOTT


(2010) denomina prossumers, ou consumidores co-criadores de produtos e serviços,
onde a colaboração, comunidade e diálogo enfraquecem a hierarquia do mercado, pois
os consumidores colaboram com o planejamento, a produção e mesmo a criação de
comunicação sobre o produto, por meio do diálogo direto e abrangente proporcionado
pela internet entre consumidores-interlocutores da mensagem publicitária entre si e
entre estes consumidores-interlocutores e marcas.

O poder das comunidades online, a abrangência de seu discurso no processo


de interação entre consumidores, fez com que a indústria buscasse se relacionar com
maior proximidade de seu target, de forma a enfraquecer a hierarquia que toma as
marcas como o ‘topo da cadeia de consumo’ e estabelecer novas relações de poder a
partir dos processos de interação entre marcas e consumidores online. Conforme
Tapscott:

Due to deep changes in technology, demographics, business, the economy,


and the world, we are entering a new age where people participate in the
economy like never before. This new participation has reached a tipping
point where new forms of mass collaboration are changing how goods
and services are invented, produced, marketed, and distributed on a
global basis. (TAPSCOTT, 2010: 10)

As mudanças acarretadas pela mídia digital como processo interacional de


referencia (BRAGA, 2012), levaram as marcas a tornar (se não de forma real, mas no
discurso e processos de interação) o consumidor o protagonista das relações de
consumo, concedendo-lhe o poder que este suscita nas interações ocorridas no meio
digital (redes sociais, blogs, fan pages, fóruns, sites de marcas) de redefinir como
devem ser produtos, serviços e em, especial, as comunicações publicitárias que

38
instituem os pontos de contato do consumidor com a imagem de marca, seus valores,
sua ética, seu posicionamento em relação a questões sociais e de relações de poder.

A publicidade digital constitui cada vez mais, em função da redução de custos,


uma alternativa para a indústria de bens e essa inserção no universo da internet a torna
mais próxima do consumidor em função da agilidade das formas de contato e da troca
de informações. Por outro lado, as marcas estão cada vez mais suscetíveis às opiniões
compartilhadas por consumidores no meio digital, conforme YANAZE (2014) o
diálogo institucional das marcas com consumidores tendo como ponto de contato a
internet, aumenta gradativamente, podendo gerar impactos positivos, ou negativos
para estas marcas, pois se de um lado a comunicação de imagem de marca se torna
cada vez mais presente e próxima do consumidor em interações online, a participação
de consumidores em sites de reclamações e as manifestações negativas em fan pages
das empresas crescem continuamente.

Mas o protagonismo do consumidor nas relações com marcas tem outros


impactos sobre o consumo e sobre o consumidor em si, pois sua interação com estas
marcas no universo da internet também proporciona uma triangulação – a dos
consumidores entre si por meio da interação e manifestação de opiniões sobre marcas
– a dos consumidores com as marcas e os códigos sociais de marcação identitária e
estatutária resultantes desta interação com as marcas que são comunicados aos demais
consumidores-interlocutores via redes sociais e demais pontos de interação na
internet.

Se na vivência da realidade ‘offline’ (no mundo real, fora da internet),


indivíduos enquanto consumidores adotam bens como marcadores sociais que os
posicionam no mosaico social em termos de relações de poder e se os bens são
atualmente menos imperativos que as marcas, no mundo da internet a marcação social
não se dá necessariamente pela exposição dos bens e marcas adotados (em fotos
compartilhadas em redes sociais expondo o produto possuído, por exemplo), mas na
relação que o consumidor desenvolve em processos de interação com as marcas nos
pontos de contato do meio digital, nas fan pages de marcas, em blogs, fóruns, sites,
comentários sobre marcas em todas as suas páginas em redes sociais que, embora não
exponham se o consumidor realmente é comprador e usuário do produto em sua
materialidade, demonstra o padrão que este expõe de relação com a marca, que passa
a representar seu nível de ‘propriedade’ sobre os conteúdos simbólicos desta, o que

39
engendra a constituição de sua identidade marcaria por meio dos conteúdos
simbólicos, os valores e princípios defendidos por esta marca e a imagem percebida
que os outros consumidores tem dela no meio digital.

Desde a postagem de opiniões sobre marcas que expressam o nível de


conhecimento e interação do consumidor com elas - um post em rede social sobre a
experiência com um champagne caro, um perfume de luxo, ou um carro importado,
podem marcar socialmente um internauta como um connoisseur de um produto
premium de preço proibitivo, de forma a categorizar seu status social, mesmo que este
indivíduo não seja o possuidor do ‘carrão’, ou usuário de fato do perfume de luxo –
até o julgamento sobre o caráter ético da propaganda de uma marca divulgada on e
offline, constituem marcações sociais, não necessariamente do consumo do produto,
mas em muitos casos, do consumo da comunicação do produto, em grande parte dos
casos, do consumo da estética publicitária convertida em ética social.

As imagens-sonho geradas pela publicidade fluem pelo universo digital tal


qual o fazem em outdoors, revistas, TV e são consumidas por interlocutores ávidos de
novos signos estéticos e de marcação social, para que estes possam interagir com a
imagem comunicada de marca representada na estética das campanhas publicitárias
online e ‘marcar’, de suas identidades com signos codificados no dialogo sobre
produtos, organizações e as marcas em si.

O meio digital converteu-se em um grande palco de representações individuais


e coletivas, onde o fluxo acelerado e a abrangência de circulação de informações
amplia a efemeridade da realidade vivenciada, tanto em rede, quanto no mundo real.
A necessidade da criação de marcações identitárias no meio digital tem o consumo da
comunicação de marcas e dos conteúdos simbólicos destas a nova égide das
representações sociais por meio do consumo. E nesse contexto, os significados sociais
do presente imediato, o zeitgeist e os valores sociais que mais representam esse
zeitgeist – imperativos na cultura digital, onde a necessidade de marcação identitária
inclui a opinião e a adoção de posicionamentos, causas e a ‘atitude’ na forma do
dialogo como determinantes para a constituição do self – são codificados em produtos
e marcas pelo discurso institucional presente nas campanhas publicitárias e
consumidos pelo consumidor-interlocutor do discurso publicitário como uma
atualização pessoal na efemeridade da vivência social contemporânea.

40
Collin Campbel aborda o hedonismo no consumo na obra “A ética romântica e
o espírito do consumismo moderno” (2001) nos mostrando que, se os produtos em sua
materialidade conferem ao consumidor satisfação, o prazer no consumo deriva da
sensação de encontrar certos estímulos que no consumo provém da ilusão, da fantasia,
das imagens-sonho que são orquestradas pela comunicação publicitária.

Sendo a reação aos estímulos o que desperta o prazer e não os estímulos em si,
podemos pensar que, para além da experiência com o consumo do produto, é na
experiência da interação com a comunicação publicitária que delineia a
imagem/estímulo deste produto que o consumidor tem desperto o prazer do consumo,
cuja pulsão emocional não se encerra na compra, mas em todo um caminho anterior
da fantasia com os significados deste produto e posteriormente, com a exposição do
consumo na circulação da experiência na internet, como por exemplo, nos selfies, as
fotos postadas nas redes sociais que representam a experiência de fruição com o
produto e marca. Conforme Campbel: : ʺ... só é necessário a uma pessoa empregar
seus sentidos a fim de experimentar prazer e, mais ainda, enquanto a utilidade de um
objeto depende do que ele é, a significação agradável de um objeto é uma função do
que se supõe que ele seja. Assim, enquanto só a realidade pode proporcionar
satisfação, tanto ilusões, como enganos podem dar prazer.ʺ (CAMPBEL, 2001: 91)

O prazer hedonista do consumo encontra um grande campo de possibilidades


no universo da internet em função do fluxo cada vez mais acelerado e abrangente do
compartilhamento das imagens-sonho engendradas pela estética da publicidade
consumida online e offline e debatida num campo de marcações ideológicas de
relações de poder no universo digital.

Toda a sorte de circulação de informações sobre imagem de marca ocorre a


fim de criar estímulos e por conseguinte, reações a eles que possam desembocar na
compra de produtos. Desde fan pages de marcas em redes sociais que atualizam
cotidianamente seus feeds, passando pelas propagandas de marcas que antecedem
vídeos no canal online Youtube, que buscam ‘obrigar’ o internauta a assisti-las para
que possam acessar os vídeos que desejam, até os cookies5 que ʺperseguemʺ os
consumidores-enunciatários na navegação por sites, os pontos de contato de consumo

5
artefatos depositados nos computadores pessoais dos internautas que indicam que estes já acessaram determinada página e que
permitem a um site ocupar espaços publicitários de páginas visitadas por estes com anúncios de produtos que se acredita, possam
interessar-lhes

41
da mensagem publicitária são possibilidades hedonistas de reação aos estímulos da
estética publicitária imbuídos da possibilidade de diálogo, debate, interação com as
marcas produtoras de significados e os outros consumidores na triangulação do
consumo da mensagem. Esta dinâmica amplia o prazer do consumo com base na
ampliação das relações de poder entre consumidores pelo discurso que estes
constroem sobre marcas e suas campanhas, intensificando as possibilidades de
posicionamento e consequentemente, diferenciação (BAUDRILLARD 1997) operada
pelo consumo na internet.

3.2 A Transparência das Redes e a Construção do Consumidor-Marca

O universo das imagens-sonho publicitárias está tão presente na vivência


cotidiana do indivíduo que transita pela internet (e cada vez mais esta se torna uma
prótese do internauta, a ser acessada o tempo todo), que a pulverização e saturação
das informações divulgadas em termos de comunicação de imagem de marca se torna
uma constante. A agilidade no acesso e a imediatez dos processos de interação entre
consumidores e marcas por meio da publicidade digital torna cada vez mais difícil
estabelecer um diferencial às marcas.

O branding, ou construção de imagem de marca, imperativo atual no


marketing e que orienta também o desenvolvimento de campanhas publicitárias, tem
cada vez mais dificuldade de criar traços distintivos junto às marcas, tornou-se tarefa
cada vez mais árdua e complexa desenvolver marcações identitárias que possam
diferenciar marcas e engajar o consumidor, a fim de criar o estímulo necessário para a
reação, o prazer e a orientação à compra de produtos.

42
Paralelamente à pulverização, efemeridade e saturação dos significados
compartilhados de imagem de marca, estão as notícias, informações de toda a sorte
compartilhadas em rede, desnudando a política, as instituições sociais e desnudando,
em especial, o sistema de produção que conforme ROCHA (1985) é encoberto em sua
realidade pela magia fabricada pela publicidade.

Desde matérias primas e princípios ativos utilizados em produtos e suas


formas de extração (que podem ser desmatar florestas inteiras, matar animais para
conseguir fixadores de perfume), à tortura de animais em pesquisas de uso de
cosméticos, o uso de mão de obra escrava, de agrotóxicos em alimentos ingeridos por
bebês e mesmo o custo de produtos, como uma bolsa de marca de luxo cujo é de cerca
de R$150,00, mas é vendida por R$20.000,00, em função do valor percebido de
marca, que como magia a atribui poderes que levam o consumidor a pagar mais de
cem vezes seu valor de produção industrial, são expostos hoje na rede digital para
escrutínio publico, criando retração a certas marcas e exaltação de outras que seguem
padrões éticos de produção, precificação, comunicação e venda de produtos

A transparência engendrada pela internet, onde a circulação de informações


de forma ágil, abrangente e em tempo real, traz a público dados relativos a toda sorte
que instituições, organizações, empresas, marcas, comunidades, grupos e indivíduos
que nunca antes foram tão acessíveis, atua de forma, muitas vezes negativa para as
marcas, na percepção da imagem pública de marcas e produtos. Informações que
desnudam desde o caráter predatório da indústria chegando à seara política, onde
escândalos de todo o tipo chegam ao internauta constantemente e em assustadora
quantidade, criam, de um lado o espanto, a frustração e o descontentamento e de outro
a revolta, que causa reações de busca por ética humanismo.

Um público cada vez mais descrente dos conteúdos que circulam referentes a
marcas, produtos, organizações e mesmo instituições como a política, a Igreja e
comunidades que se reúnem organicamente com objetivos sociais como as
Organizações Não Governamentais (ONGs), busca não apenas a sedução da marcação
social por status econômico (não que isso signifique que as marcas distintivas
enfraquecem em relações de poder entre indivíduos e grupos, elas apenas mudam seu
foco) mas cada vez mais a sedução pelo status da adoção de valores humanos, de
instâncias do politicamente correto, de uma exposição de valores que transcendem a
materialidade da aquisição de produtos como diferenciação e se estribem na busca por

43
valores mais elevados, que possam categorizar o consumidor a partir de sua
relevância no dialogo proporcionado pelas redes sociais digitais, o que demanda,
necessariamente, que elementos abstratos como crenças pessoais e posicionamentos
em relações de poder sejam manifestos para a construção identitária deste
consumidor.

Zygmund Bauman declara na obra ʺVida para o consumoʺ (2008) que em


tempos de redes sociais, pessoas oriundas de diferentes meios e com determinantes
culturais completamente distintas, são aliciadas, estimuladas, ou forçadas a promover
um mercadoria atraente e desejável, se utilizando de todos os recursos disponíveis
estratégica e tecnologicamente, para aumentar o valor de mercado deste produto, que
consiste, em última instância, nelas mesmas, constituindo-se, ao mesmo tempo, em
promotores das mercadorias e nas mercadorias em si, o que exige, numa estratégia
publicitária de construção de sua imagem, que remodelem a si mesmos como
produtos a fim de obter demanda e fregueses. BAUMAN ( 2008: 13).

Pensemos que, tal qual um produto anunciado em publicidade, construído a


partir de uma estratégia de marketing, o consumidor/produto oferecido na rede deve
compreender características que transcendam o caráter funcional dos objetos. Tal qual
um bem de consumo, que sob a perspectiva de Mary Douglas, são neutros, seus usos
são culturais, pois fazem afirmações físicas e visíveis sobre a hierarquia de valores de
quem escolheu, sendo utilizados para constituir um universo inteligível,
compreendendo um sistema vivo de informações, o consumidor enquanto produto
busca constituir-se com atributos que chamem a atenção, despertem o interesse e
conquistem os outros interlocutores que consumiram sua imagem pública publicizada
nas redes sociais digitais. (DOUGLAS & ISHEERWOOD, 2004: 28).

Se os bens constituem um sistema vivo de informações, se servem para


comunicar a hierarquia de valores de quem os escolher, o consumidor-produto
oferecido nas redes sociais necessita constituir-se em termos de significações, para
além da materialidade estética do corpo, das imagens que fazem afirmações sobre
status e padrões de escolhas projetadas nos selfies, para além da sedução dos corpos,
da beleza física e da demonstração de poder financeiro pelos produtos premium
consumidos, este produto, enquanto marca, necessita revestir-se de atributos
diferenciais, que possam se distinguir de todos os concorrentes – no caso, os
communitas da rede – esse produto necessita imbuir-se de significados que despertem

44
admiração, que despertem prazer, segundo CAMPBEL (2001), pela reação à sedução,
a qual se estriba no caráter diferencial extra-corpóreo, abstrato, da força das opiniões,
do poder engajador do dialogo, do poder exercido pelos bens, ele necessita, conforme
Douglas de ser ʺinvestido de valores socialmente utilizados para expressar categorias
e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar estilos de vida, enfrentar mudanças ou
criar permanências.ʺ (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004)

Se a materialidade física das imagens não é suficiente para constituir o valor


do consumidor/produto nas redes sociais, assim como no mundo das mercadorias, a
dimensão técnica e material isoladas não compreendem o constitutivo de valor
percebido para consumo. Este consumidor necessita, portanto, revestir-se de
princípios que possam ser percebidos como valor no processo de publicização de sua
imagem na rede, ele necessita construir uma identidade a partir da criação de uma
subjetividade projetada e percebida.

Se a exposição de posse de bens e de relacionamento com marcas a partir de


opiniões sobre a materialidade do produto esgotam-se como construção do diferencial
da identidade do consumidor/produto, a visão de mundo que ao expor a sua
subjetividade, o posiciona no ranking da concorrência com outros na rede, torna a
determinante ideológica um atributo de distinção, seja ela no discurso escrito em
posts que opinam sobre fatos e fenômenos ocorridos no mundo social, seja pela
relação ideológica que estes desenvolvem com produtos, marcas e organizações.

Conforme Zygmund Bauman o destino de uma mercadoria é ser consumida


por pessoas que desejarão consumi-la apenas se esse consumo consistir na satisfação
de seus desejos e que por fim, o preço que o potencial consumidor pagará para este
consumo dependerá da credibilidade da promessa e satisfação de seus desejos.
BAUMAN (2001: 18). Pensemos a partir deste conceito, que o ‘preço’ pago por
aqueles que consumirem o consumidor/produto, chamemo-lo de consumidor/marca,
na rede, é a atenção, endosso, engajamento, satisfação do ego deste a partir do prazer
despertado em seu self por ser aceito na comunidade, valorizado em sua identidade e
por fim, diferenciado em sua subjetividade ególatra.

Contextualizando a teoria sobre o consumidor como produto e produtor de


BAUMAN (2001) no território virtual sob efeito da midiatização digital, podemos
pensar que a grande mercadoria ofertada na rede em tempos de internet é o

45
consumidor tornado produtor da mercadoria e mercadoria em si, isso cria novos
contornos na relação entre consumidor e mundo dos bens e em relação à forma como
a publicidade se constitui absorvendo o zeitgeist do mundo social, operando na
construção dos discursos que projetem os significados deste mundo social em códigos
estéticos e transferindo-os para o mundo das mercadorias.

A publicidade como mediadora entre o universo da produção e o universo do


consumo, esta amálgama, segundo CASAQUI (2001) que articula dois mundos
distintos, vivencia, a partir da midiatização digital como processo interacional de
referência e as mudanças por ela acarretadas, não apenas no processo de consumo,
mas na constituição do papel do consumidor neste processo, mudanças na natureza do
discurso e dos processos de interação com consumidores que redimensionam a forma
como as imagens-sonho da estética publicitária são constituídas e comunicadas.
Elementos que abordaremos a seguir.

CAPITULO 4

Conversações - Da Interação `a Relação entre Marcas e Consumidores

Vimos que o consumo enquanto relação mediada pela publicidade tem hoje o
consumidor não mais como um interlocutor passivo da mensagem publicitária, cujo
papel seria o de assimilar os significados nela contidos e tomar decisões sobre compra
e uso de produtos, mas como um sujeito ativo da relação, não apenas porque sua
opinião possui maior abrangência e influência sobre outros consumidores e sobre a
produção de bens em si, mas porque também se posiciona como um produto/marca
ofertado para o consumo na internet, o que o aloca num novo espaço/posição
discursivo que ressignifica a mensagem publicitária de acordo com seu repertório
cultural e projeções narcísicas no processo de interação com outros consumidores,
lançando `a circulação mediática, a ressignificação da mensagem publicitária, do
consumo, do produto e do consumidor, ele mesmo, enquanto produto.
Pensemos que em tempos de extrema representatividade das redes sociais na
vida social cotidiana das pessoas, qualquer indivíduo, independentemente de seu
status social e posicionamento nas relações de poder entre classes sociais pode
assimilar uma mensagem publicitária e, em seu processo de interação com ela e por

46
conseguinte, com a marca sobre a qual discursa o anúncio, emitir uma nova
mensagem a respeito deste anúncio, ou do produto/marca em si, de forma a atingir
milhões de pessoas, num processo onde a relação entre um consumidor isolado e a
marca passa a ser observada por milhões de outros consumidores que podem ser
influenciados pela mensagem emitida por este único consumidor, tanto de forma
positiva, quanto de forma negativa, criando ressignificações nunca antes esperadas
pelo mercado em tempos anteriores à internet.
O consumo enquanto processo que se estrutura a partir de interações sociais,
um processo de trocas simbólicas orientado na contemporaneidade pela midiatização,
se observado como uma metáfora da cultura pós moderna, ou da hipermodernidade
(LIPOVETSKY, 2011) expõe desde a luta de classes até a construção social das
identidades de indivíduos e grupos (a exemplo da construção da identidade marcária
do “branding pessoal” na internet), cujas relações sociais mediadas por objetos são
expostas e vivenciadas por meio de interações, evidenciando mudanças, contornos
culturais e mesmo lógicas políticas que instrumentalizam objetos para atuarem como
balizadores em relações de poder.
A complexificação do consumo é orientada, sobretudo, pela própria
complexificação das modernas sociedades ocidentais, que a partir da pós modernidade
sofreram reestruturações socioculturais que ao alterar papéis sociais de indivíduos e
grupos e de indivíduos em grupos, gerou o que Ianni (1992) define como
desterritorialização de elementos culturais: “tudo o que parecia estável, transforma-
se, recria-se ou dissolve- se. Nada permanece. E o que permanece já não é mais a
mesma coisa. (...) O que predomina é o dado imediato do que se vê, ouve, sente, faz,
produz, consome, desfruta, carece, sofre, padece”.(IANNI, 1992: 29).
Nesta contínua impermanência que predomina na contemporaneidade, ocorre
a dissolução de categorias sociais definidas, as noções de homem, mulher, jovem,
família, trabalho, entre outras, já não podem ser delimitadas com exatidão, operando
num sistema aberto de incorporação constante de novos contornos adicionados a
partir das trocas simbólicas entre pessoas operadas pela midiatização, constituindo um
bricolage de personas incorporadas por consumidores-interlocutores, o que o
antropólogo Massimo Cannevacci (1999) categoriza como multividualidade, ou seja,
o indivíduo vivenciando muitos e diferentes papéis sociais complexificando e ao
mesmo tempo, investindo cada vez mais de poder, a individualidade.

47
As mudanças sociais cuja dinâmica acelerou-se a partir das novas tecnologias
de comunicação digital, vivenciadas no processo da midiatização, podem ser lidas na
cosmologia cultural do consumo – este converte-se em instituição social ao incorporar
conceito e práxis – pois, segundo BARBOSA (2007: 23) o consumo não pode ser
visto apenas como uma categoria analítica, um instrumento de classificações
socioculturais abstratas utilizado pelas ciências humanas, mas como uma categoria
nativa que classifica e organiza o mundo `a nossa volta em todas as culturas e
sociedades, desde as primitivas até as pós modernas, funcionando, conforme a
antropóloga, como um dos mais importantes mecanismos de reprodução social do
mundo contemporâneo.
A partir da perspectiva da midiatização como construtora de estruturas
estruturantes de valores e comportamentos sociais engendrados por processos de
comunicação cada vez mais articulados pelas tecnologias digitais (internet), o
consumo como categoria nativa, definido por BARBOSA (2007), passa a não ser
apenas enraizado no compartilhamento de valores inerentes aos grupos que se
identificam e se diferenciam por meio de trocas simbólicas, mas cada vez mais
orientados por um sistema de circulação mediática de elementos culturais
desterritorizalizados articulados, em muito, pela propaganda e que são ressignificados
a partir de processos de interação contínuos em espaços ubíquos, termo definido pelo
antropólogo Massimo Cannevacci como um liberação descentrada de espaços e
tempos, ou seja – tempo-espaços. Segundo o autor “A interconectividade digital está
constituindo a ubiqüidade como um conceito emergente o qual produz um processo
de flutuação horizontal acelerado em relação a espaço e tempo; um fluxo
fragmentado de espaços-tempo está conectado, cruzado e reunido em meio a
inovadoras e perturbadoras referências sobre identidade, gênero, trabalho, raízes,
território. (CANNEVACI: 2012: 253) livre tradução.

Muitas das inovadoras e perturbadoras referências sobre identidade, gênero e


território, são hoje menos nativas da cosmologia cultural de indivíduos, grupos e
setores da sociedade, formadas unicamente a partir da socialização primária e cada
vez mais influenciadas pela mídia em articulação com esta cosmologia cultural nativa
- constituída por valores de grupos, classe, família. Estas referências sofrem influência
do processo de midiatização operado aqui pela publicidade, que coloca em circulação
e assimilação por parte dos consumidores-interlocutores, os elementos culturais

48
desterritorializados dos quais nos fala IANNI (1992), expropriados de seu sentido
nativo, tal qual um signo expropriado de seu significado original e rearticulado para
significar algo que seja adequado aos objetivos do mercado em sua relação com o
consumidor (BRANDINI, 2003).

Conforme PEREZ & TRINDADE (2012), com a característica de


proximidade, surge uma necessidade de leitura, de escrutínio da malha social, de suas
características identitárias para construir a atribuição de significados a produtos e
marcas, de sentidos que reverberem no imaginário e código de valores das pessoas
que se relacionarão com estes significados a partir do consumo para que vínculos
sejam criados entre consumidores e produtos. Se em momentos anteriores `a internet,
o processo de interação entre marcas e consumidores constituíra-se, de certa forma, a
partir de uma emissão de mensagem de mão única, da publicidade como meio/emissor
para o consumidor/interlocutor, onde a natureza das trocas simbólicas não se faz
presente, o que vemos na atualidade, é o que TRINDADE (2014) caracteriza como
processo de emancipação deste interlocutor/consumidor, que sai da posição
supostamente passiva (que nunca foi de fato, pois que rearticula os significados para
si de acordo com seu repertório cultural, com vistas ao consumo do bem publicizado)
de uma recepção que se encerra na assimilação da mensagem e passa para uma
posição ativa de emissor de conteúdos simbólicos, construtor de novos significados, a
partir do processo de circulação mediática da comunicação. A troca simbólica ocorre,
neste contexto, num processo que transcende da interação para a construção de uma
nova estrutura de relação entre marcas e consumidores mediada pela publicidade no
processo de midiatização.
CASAQUI (2011) levanta a hipótese de que não são as mudanças em formatos
que constituem as verdadeiras transformações da comunicação publicitária, mas as
formas de diálogo, caráter das interlocuções e contrato comunicacional de novas
manifestações publicitárias. Segundo o autor:

“As esferas da produção e do consumo, como posições discursivas,


sofrem deslocamentos que dizem respeito ao imaginário tecnológico; a
um sentido de futuro que passa pela releitura das práticas de consumo
associadas a ideais comunitários; e à amplificação da retórica que
coloca o consumidor como “razão da existência” das corporações e da
oferta de seus produtos; entre outros elementos que refletem e refratam o
que caracteriza a contemporaneidade.” (CASAQUI, 2011: 6)

49
O autor aborda em seu artigo a passagem da fantasmagoria da mercadoria -
orquestrada, no século XIX, pelos arranjos de lojas, vitrines e trânsito, como lugar
sensório do consumo simbólico, da criação de sujeitos-consumidores que passam a se
adequar a um tipo de consumo visual, das ditas imagens-sonho de HAUG (1987) e de
todo um imaginário social codificados em bens, que omitem a partir de estratégias que
envolvem a espacialidade, o design e a mitificação das mercadorias, a esfera da
produção – para o universo da publicidade, verdadeira herdeira das matrizes culturais
que hoje condensa em seu corpus estético o universo de significados da cosmologia
cultural das sociedades complexas.

A mudança do papel social do consumidor-interlocutor da mensagem


publicitária rearticulou, de forma contundente, a comunicação e por conseguinte, a
estética da publicidade como elemento-chave da assimilação de conceitos e
construção de vínculos entre marcas e consumidores.

LEVY & LUEDICKE (2012) declaram que com a queda da Cortina de Ferro
em 1989 e conseqüente abertura do mercado global para vários países da Europa
oriental, a abertura de novas oportunidades de mercado pelas tecnologias de
comunicação online, os consumidores ocidentais se tornaram mais críticos,
principalmente pela influencia das novas mídias sociais digitais, que geraram
“indivíduos super empoderados” com a capacidade de elevar, em poucos dias, marcas
desconhecidas a super estrelas globais e derrubá-las com a mesma rapidez LEVY &
LUEDICKE (2012: 61). Os autores descrevem o poder das mídias digitais globais em
tornar consumidores desconhecidos entusiastas por moda em blogueiros admirados
que passam a adquirir o status de celebridades, como no site “The Sartorialist”.

Acreditamos que a grande mudança de papel social no processo de interação


entre a publicidade e o indivíduo interlocutor da mensagem operada, na era da
internet, no processo de midiatização, acarretou uma mudança de relação entre o
consumidor e a marca, uma mudança na natureza do diálogo, mudança esta, que
conforme vimos, rompe com o processo de comunicação móvel (mas numa de via de
mão única) entre as marcas e consumidores, como aponta MACKCRAKEN (2003) e
se orienta pela dinâmica de circulação da mensagem que nos aponta TRINDADE
(2014), com vias a convergir para o que LEVY & LUEDICKE (2012), apoiados no
texto chamam de conversação entre marcas e consumidores:

50
“Thus, in some corners of the Western markets, marketers send out
messages that consumers discuss with their local friends, but others send
out messages that consumers evaluate, disseminate, reinterpret, or
overthrow instantly and globally. The related marketing ideology gained
a new narrative stand that considered some markets as conversations. As
Levine and his colleagues (Levine et al. 1999) portray in ‘‘The Cluetrain
Manifesto,’’ a powerful global conversation has begun. Through the
Internet, people discover and invent new ways to share knowledge with
electronic speed. As a direct result, markets get smarter—and are getting
smarter faster than many companies.” (LEVY & LUEDICKE, 2014: 61)

No artigo destes dois autores sobre a mudança de ideologias na indústria – da


ideologia do marketing, `a ideologia do branding, eles apontam que o marketing foca
cada vez mais em branding, pois a imagem de marca precisa ser trabalhada em
multicanais de comunicação para atingir o consumidor em todo ponto de contato
possível, onde um logo se torna uma rede complexa de discursos sociais animada por
grupos de interesse falando sobre elas em mídias sociais e expressando suas idéias
sobre o significado pretendido pela marca, a partir das campanhas publicitárias e
ações de marketing, o que gerou a idéia de que ‘tudo e todo mundo’ tem uma imagem
de marca.
Podemos pensar que a ideologia do branding – que podemos aqui chamar de
ideologia de marca, não apenas se configura no universo da grande indústria
produtora de bens, como também entre os interlocutores-consumidores da imagem de
marca, que em tempos de internet e redes sociais como possibilidade de projeção
marcária, tem a aspiração de tornarem-se marcas a dialogar com as marcas de
produtos de consumo.

Se pensarmos o consumo como um marcador social, a partir dos estudos de


DOUGLAS & ISHEERWOOD (2004), posteriormente trabalhados por
MACCKAKEN (2003), o termo ‘marca’ tem em sua etimologia a mesma lógica de
marcação social proposta pelos estudos de antropologia do consumo que se destinam
a analisar a cultura material. A marcação social é desenvolvida a partir da adoção, uso
e fruição de bens cujas características consensualmente percebidas pelos membros de
um grupo, ‘marcam’, maculam e para mencionar um termo atual que bastante tem a
ver com esta pesquisa, criam ’tags’ em produtos que os codificam com significados
que, por sua vez, passam a atribuir significados, categorizar, ‘marcar’ aqueles que
consomem este bem. A ideologia do branding, ou ideologia marcária que impera no

51
marketing, como vimos em LEVY & LUEDICKE (2012), se torna cada vez mais uma
ideologia entre pessoas e grupos que habitam a territorialidade da internet, em redes
sociais, blogs e canais de vídeos como o Youtube. Faculdades hoje ensinam alunos de
comunicação digital a ‘criar sua marca’ na internet, o que não significa apenas
empreender junto a produtos ou serviços, mas tornar-se enquanto indivíduo, uma
marca por si só, tal qual o são as marcas de produtos que vão de refrigerantes a carros,
passando por livros e mesmo pela publicidade como bem de consumo e fruição.

A conversação entre consumidor e marca, exposta em Clue Train Manifesto


(LEVINE et ali, 1999) vem se tornando cada vez mais, ao menos no nível aspiracional
do consumidor, uma conversação entre empresas que se comunicam como marcas e
consumidores que também se imaginam marcas, sentindo o empoderamento de seu
papel nessa conversação pela possibilidade de atingir milhares de pessoas com um
comentário de denúncia em redes sociais (de falha de produto, de atendimento, de
discriminação, de preconceito em comunicação publicitária), assumindo o papel, não
mais de consumidor, mas de voz empoderada no diálogo cada vez mais se rearticula
em termos de relações de poder, entre marcas e interlocutores-consumidores.

A possibilidade de atingir, num dialogo abrangente, milhares de pessoas que


por sua vez também podem vir a se manifestar, não apenas em relação `a marca, mas
endossando a critica e a figura do consumidor - agora também enunciatário de
mensagem, não apenas no diálogo com a marca, mas numa interação entre
consumidor/marca/milhares de outros consumidores – cria uma certa vertigem de
empoderamento neste enunciatário, pois de um lado este sente-se poderoso para
delatar, denunciar, ‘arranhar’ esse escudo protetor que as marcas erigiram ao longo de
anos de construção de sua imagem pelo discurso com poder de abrangência nas redes
sociais, de outro, pode carecer de entendimento do poder que tem em atingir marcas,
pessoas, figuras de poder e celebridades, caso o conteúdo de sua mensagem seja
revelador, ou tenha impacto na percepção de qualidade, idoneidade, ou caráter destes.

Segundo Alessandro Barbosa, CEO da E.Life, empresa que monitora


reclamações em redes sociais como Twitter e Facebook, as empresas cujos
consumidores postam reclamações em redes e não diretamente no SAC (Serviço de
Atendimento ao Consumidor), como ocorria antes da internet, podem ter suas
solicitações atendidas, ou ao menos um retorno direto da empresa, em até cinco
minutos apos publicação nestes sites. Conforme o CEO: “O internauta quer respostas

52
rápidas. Antes, a reclamação ficava em ambiente privado, mas hoje ela é pública. Se
não houver agilidade, a imagem da empresa é prejudicada”.6

Como exemplo temos o caso da consumidora que encontrou fungos na


embalagem de suco Laranja Caseira7 fabricado pela multinacional Coca Cola e
fotografou a embalagem aberta com o corpo estranho em seu interior e postou na rede
social Facebook. A imagem foi compartilhada 37.693 vezes pela rede social, criando
um “viral” que fez com que a empresa entrasse em contato com o consumidor e
buscasse solucionar o problema, ou ressarci-lo.

Fungos na embalagem de suco http://extra.globo.com/noticias/economia/consumidoras-encontram-fungos-em-embalagem-de-


sucos-7874510.html - 23/09/15

6 http://economia.ig.com.br/dia-do-consumidor/2013-03-15/empresas-correm-para-atender-clientes-insatisfeitos-nas-redes-
sociais.html. Pesquisado em 14/09/2015
7
http://extra.globo.com/noticias/economia/consumidoras-encontram-fungos-em-embalagem-de-sucos-7874510.html.
Pesquisado em 14/09/2015

53
Conforme a executiva de relações públicas e jornalista Claudia Vassalo,
entrevistada para esta pesquisa:

ʺa informação não esta mais concentrada, esta cada vez mais pulverizada
a partir das redes sociais - qualquer pessoa pode emitir uma opinião
sobre a reputação de uma empresa. Todos os stakeholders (das empresas)
estão mais informados e mais influentes, os riscos ambientais e
trabalhistas estão crescendo muito e um dos motivos é o empowerment
que as pessoas tem com as midias sociais. Atualmente, cada pessoa é seu
próprio editor, o que leva a um certo autoritarismo por parte das pessoas,
que se não concordam com o que o outro está dizendo, não querem ouvir.
Estamos passando por uma transformação da humanidade. A maior
manifestação do individualismo é o selfie. A rede social é a sua opinião e
seu interesse, seus amigos, não existe descoberta.”8

Na era da conversação entre marcas e consumidores mediada pela publicidade,


o consumidor empodera-se cada vez mais em sua posição nesta relação, a partir das
possibilidades geradas pelas novas tecnologias da internet, em especial, pelas redes
sociais digitais. Este poder de ´ser ouvido´ para além das marcas, por outros
consumidores, cria cada vez mais uma espécie de policiamento ideológico das
campanhas publicitárias e de toda a sorte de ações e comunicações de marca em toda
a cadeia de ponto de contato entre marca e consumidor que exige muito mais das
marcas do que outrora, quando bastava a sedução operada pelas imagens-sonho em
torno de aspirações de status, de prazer hedonista, da magia de que nos fala o
antropólogo ROCHA (1985) conceituada como uma atribuição de significados
míticos, totêmicos, que são compartilhados e assimilados pelo grupo que tem na
estética da publicidade uma ‘materialização’ do universo das idéias, das mitologias
que na forma de imagens-sonho criam uma referencia simbólica do ethos, da visão de
mundo de grupos e culturas, de um conjunto de referencias ideológicas que só podem
adquirir sentido `a cognição por meio da linguagem, da comunicação e dos processos
de interação que permitem que estes conteúdos simbólicos circulem socialmente.

Rocha desenvolveu em seu estudo antropológico sobre a publicidade nos anos


1980, uma análise sobre o poder da publicidade em configurar e ser configurada
continuamente por universos simbólicos que delineiam a cosmologia cultural e a
identidade de indivíduos e grupos a partir de uma determinante estética codificada

8
Claudia Vassallo, executiva de relações públicas e jornalista, entrevistada para esta pesquisa em 23/02/2015

54
com signos que transitam pelo tecido social. O estudo versa sobre a publicidade e sua
relação com a abordagem de Lévi-Strauss (1980) sobre o totemismo nas sociedades
complexas. Rocha defende a idéia de que, no pensamento burguês (e não no
pensamento selvagem), o totemismo poderia ser visto como uma transcendência entre
‘natureza’ e ‘cultura’ traduzidos em ‘produção’ e ‘consumo’, viabilizadas pelo
sistema publicitário, que enquanto operador totêmico promove uma aliança de
complementaridade entre produtos e pessoas. (ROCHA, 1995: 107). A publicidade
como operador totêmico, elemento que integra e articula a relação entre a produção de
bens e o consumo, tem seu poder de penetração junto aos interlocutores da mensagem
publicitária a partir da criação de imagens que dialogam com referências
socioculturais inerentes ao indivíduo enquanto consumidor.

A publicidade descrita por Rocha como um operador totêmico, elemento que


encobre o universo da produção capitalista a partir da criação de imagens, aqui
pensadas como imagens-sonho, investe da magia, de significados que reverberam
junto ao imaginário social em função de seu poder de codificar produtos com signos
de status, como representação ideológica de classes a seduzir o consumidor por seu
poder como marcador social.

Na era da conversação entre consumidores e marcas midiatizada pelas


tecnologias digitais, a publicidade como operador totêmico necessita investir de
outros ´truques´ de magia a estética publicitária para que esta possa seduzir o
consumidor. Tais artifícios estéticos e simbólicos não se atém mais conceder
diferenciação estatutária ao indivíduo, na forma de classificá-lo por um paradigma de
estilo de vida atribuído a classe social, mas de estilo de vida atribuído a valores
humanistas, elevadores do espírito humano como elementos que concedam uma
superioridade praticamente esotérica aos consumidores da comunicação publicitária,
fenômenos que veremos a seguir.

55
CAPITULO 5

Publicidade e Consumo Ideológico na Era do Consumidor-Marca

A ética como valor percebido pelo consumidor junto às marcas tem ganho
terreno, não apenas em função da necessidade de construção de uma reputação idônea
por parte de uma empresa, da construção de sua imagem institucional, mas porque a
voz do consumidor nos processos de interação com marcas via internet pode ser
ouvida por muitos na triangulação (com outros consumidores e a marca) e este exige
cada vez mais das marcas – não mais apenas a magia do status e diferenciação social
abordados por ROCHA (1985), BAUDRILLARD (1997) E DOUGLAS &
ISHEERWOOD (2004) e (2007) – mas direitos, transparência e, sobretudo, a
representação de valores humanos tanto nas mercadorias, quanto na construção da
mensagem e da estética publicitária.

LEVY & LUEDICKE (2012) argumentam que conforme as marcas cresceram


e se desenvolveram no cenário do marketing mundial, os consumidores também
embarcaram no ´vagão da marca´, pois ao adotarem marcas cada vez mais
personalizadas, com características cada vez mais complexas, (tal qual o são as
pessoas), também tornaram-se marca para satisfazer suas necessidades próprias e criar
sua própria identidade nas relações com estas marcas, pois as percebem como
´personalidades de marca´ (que foram, objetivamente, construídas para serem assim
percebidas) e demandam delas adequação aos seus desejos e valores mais
personalizados, criando um novo padrão de relacionamento orientado à satisfação de

56
seu poder narcisista em modificá-las, recriá-las e co-criá-las, consumindo-as
individualmente, privadamente, ou participando de comunidades de marca. (LEVY &
LUEDICKE 2012: 62)

A visão destes autores corrobora o pressuposto de BAUMAN (2001),


abordado neste estudo, que define o consumidor como o grande produto construído a
partir do consumo, com a diferença de que, se Bauman cita os escritos de Kracauer
nos anos 1920, sobre a forma como as pessoas buscavam adornar-se por meio de
produtos e serviços, desde roupas e maquiagens, até as visitas constantes aos salões de
beleza, constituindo-se como ‘objetos’ permeados de signos a serem desejados tal
qual o são os bens de consumo. Os consumidores-marca de que nos falam LEVY &
LUEDICKE (2012) possuem uma certa ʺestrutura de marketingʺ mais complexa, pois
se constituem utilizando desde a adoção de marcas e produtos cada vez mais
personalizados, buscando criar um bricolage único que possa representar
características estéticas distintivas da concorrência (outros consumidores) pela
unicidade, até a composição conceitual do ‘produto’ investido de uma proposta de
valores que também constituam uma missão, uma ideologia, tal qual um plano de
negócios que por fim se tornará também um plano de comunicação na rede digital,
mesmo que estes consumidores não tenham consciência de que desenvolvem essa
complexa produção.

A idéia de self branding, ou construção de marca pessoal permeia desde


palestras de auto-ajuda, coaching de executivos, disciplinas universitárias e toda a
cosmologia cultural de blogueiros e gestores de mídias digitais. A ideologia do
branding, de LEVY & LUEDICKE (2012) é influenciada tanto pelo crescimento da
gestão de marcas no universo do marketing, quanto pela disseminação do termo –
branding – o que levou consumidores a acreditarem que todas as coisas que circulam
pela vivência do consumo e da mídia têm uma imagem de marca, inclusive as
pessoas.

Assim como nas marcas de bens de consumo, a necessidade de criação de um


DNA, ou seja, um conteúdo conceitual com uma proposta de valor que identifique e
diferencie a marca está presente, pois os consumidores-marca desejam criar
subjetividades tão fortemente delineadas e distintas a ponto de possuir um DNA de
marca. E o fazem por meio do diálogo proporcionado pela mídia digital, ordenado e
condicionado pela midiatização, que torna os padrões de interação, ou a possibilidade

57
de divulgação de mensagens, uma necessidade que transcende o conteúdo da
mensagem em si, o que, por sua vez, molda comportamentos em direção a uma quase
obrigação velada de construção de uma imagem de marca no meio digital,
especialmente entre os internautas mais jovens, que são atingidos com maior ênfase
pela força de moldagem da midiatização digital.

Paralelamente ao narcisismo do consumidor orientado pela midiatização


publicitária, (cada vez mais articulada pelas estratégias de marketing voltadas à
internet), a transparência proporcionada pelas novas tecnologias cria uma hiper-
realidade (LIPOVETSKY, 2011) que coloca toda a sorte de conflitos, crimes,
escândalos, guerras, tragédias, abuso dos oprimidos, desmatamentos, tortura,
irresponsabilidade, entre tantas outras agruras da vida em sociedade, na tela no
computador, tablet, ou smartphone em tempo real. Conforme Perez, o volume e
qualidade de informações disponíveis por meio das novas tecnologias de
comunicação, associado a um numero crescente de ofertas de produtos, originou
maior conscientização e criticidade em ações e manifestações de consumidores.
Segundo a autora: ʺO mundo do consumo e das marcas nunca enfrentou tantas
manifestações de indignação e repulsa. A ética está em pauta e congrega pessoas no
mundo todo, assim como a estética manifesta-se no design, na cenografia da
embalagem e nas campanhas publicitárias.ʺ (PEREZ, 2008: 129)

O consumo da informação na era da midiatização digital, cria uma intensa


proximidade entre o consumidor-marca e eventos díspares em diferentes regiões do
mundo. A pauta no universo mídiatico, como nos fala PEREZ (2008) se atém à ética
como uma reação aos fatos e eventos que, embora já ocorressem na cotidianidade de
povos e culturas, são hoje em dia consumidos em maior abrangência e velocidade,
assim como o são as imagens-sonho de sedução e prazer hedonista disseminadas pela
publicidade. No Brasil, a corrupção sempre ocorreu junto ao Estado e nas relações
deste com empresas do segmento privado. Contudo, a mídia digital nos coloca frente
à frente com crimes e delitos agora divulgados para além dos principais jornais em
horário nobre. Diversas vozes ecoam na mídia digital, desde aqueles que denunciam
práticas de corrupção, até aqueles interlocutores cuja opinião divulgada em redes
sociais como Twitter e Facebook, influenciam tanto pessoas quanto o delineamento de
cenários e perspectivas sobre os ocorridos.

58
O amor aos animais e a revolta contra os maus tratos, com uma crescente
população que os considera parte da família contemporânea, nunca esteve tão presente
quanto nos dias atuais, quando desde a denúncia de empresas de cosméticos que
utilizam animais categorizados como de estimação, (causando uma comoção nacional,
com milhares de pessoas boicotando marcas e laboratórios do conforto de suas redes
sociais), até a denúncia de maus tratos isolados realizados por tutores de animais
(também categorizados como ‘donos’), levam pessoas a apedrejarem e ameaçarem de
morte estas pessoas, tanto pela internet, quanto fisicamente na vida real. Uma
comoção mundial ocorreu em julho de 2015, em função da morte do leão Cecil, no
Parque Nacional de Hwange, no Zimbábue, África, causada por um dentista norte-
americano que o abateu como caça. Cecil, de 13 anos, teve sua vida monitorada por
cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que estudavam a conservação
de leões no Zimbábue e era uma celebridade local.9

O ocorrido se disseminou rapidamente pelas redes sociais do mundo todo, 70


mil pessoas assinaram um abaixo-assinado pedindo que o caçador fosse extraditado
para o Zimbábue para que fosse julgado de acordo com as leis do país. Nas redes
sociais, o clima de comoção transcendeu fronteiras geográficas e culturais. Usuários
da rede social Twitter manifestaram apoio às autoridades do Zimbábue e ameaçaram
de morte o caçador, sua casa foi depredada por pessoas enfurecidas com o ocorrido e
internautas do mundo todo utilizam a hashtag #WalterPalmer para desferir insultos e
‘caçá-lo’ nas redes sociais e no mundo real. Celebridades como a empresária e esposa
do roqueiro Ozzy Osbourne, Sharon Osbourne, a modelo Cara Delevine, o
Comediante Rick Gervais, as atrizes Alyssa Milano e Juliette Lewis usaram a hashtag
mencionada para arregimentar um coro de milhares de vozes condenando Walter
Palmer.

As manifestações de internautas, desde celebridades até o cidadão comum nas


mídias digitais fez com que pessoas que nunca se preocuparam com a caça ilegal, com
a vida selvagem, ou com as atrocidades ocorridas contra animais em geral, se
tornassem praticamente ativistas numa causa mundial a exigir justiça, até mesmo a
feita com as próprias mãos.10

9
http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/a-terrivel-historia-do-leao-cecil-morto pesquisado em 14/07/2015
10
http://edition.cnn.com/2015/07/29/world/cecil-lion-walter-palmer-social-reaction/ pesquisado em 14/07/2015

59
O poder da midiatização digital em moldar consciências, instituir princípios,
ou pseudo-princípios momentâneos e arregimentar reações instantâneas em massa,
passa a remodelar a relação que indivíduos e grupos desenvolvem com a mídia, com a
produção de bens, com a política, com a sociedade como um todo e também com as
marcas, acarretando mudanças sociais e comportamentais que se evidenciam, por sua
vez, em mudanças no mercado de bens de consumo.

A comoção pública com questões referentes a animais se tornou tão


representativa junto aos consumidores a partir das redes sociais, que marcas se
apropriam da busca por tratamento ético para os animais, da comoção gerada nas
redes sociais por vídeos de cãezinhos atropelados e salvos por grupos de defensores
de animais e utilizam esse conteúdo simbólico para constituir o discurso publicitário.
A estética das campanhas dos produtos para pets passa a se compor com base em
conceitos orientados por valores éticos que possam atrair a atenção do consumidor-
enunciatário, tocá-lo por meio de uma proposta de valor altruísta e elevada que vá ao
encontro do sentimento de elevação moral resultante da reação contra o abuso de
animais e do impulso de agir em prol de um bem maior – mesmo que este ‘ativismo’
se realize no conforto do quarto do consumidor, por meio de uma tela de computador.

Este ‘ativismo em prol de um bem maior’ realizado em muito por intermédio


das mídias digitais gera um prazer, que com base no conceito de hedonismo no
consumo de CAMPBEL (2001), pode ser tomado como o prazer proveniente da
reação aos estímulos da campanha, que não tem a fruição no consumo da
materialidade da compra do produto, mas na fantasia e ilusão que estas despertam,
uma ilusão, no contexto aqui analisado, de engajamento por um mundo melhor, um
prazer que nasce do estímulo de poder contribuir para a construção deste mundo
melhor a partir da compra de uma marca de ração para cachorros que apóia entidades
de adoção de animais (mesmo que a produção da ração possa poluir rios e usar
abusivamente água, um recurso em escassez), ou mesmo, pela compra de uma caixa
de lenços, como os da marca Kleenex, que criou uma campanha que não menciona a
materialidade do lenço, mas a causa da acessibilidade, da aceitação das diferenças e
das incapacidades físicas.

A campanha da Kleenex, realizada por meio de um vídeo divulgado na


internet, é parte da campanha ʺTime for a Changeʺ, lançada pela VSA
Partners Chicago, cuja missão consiste em fazer com que as pessoas busquem

60
oportunidades de mostrar que se importam com as outras. O vídeo divulgado pelo
canal Youtube no endereço https://www.youtube.com/watch?v=juc2C5v6Z_8
pulverizou rapidamente nas redes sociais com o tema de abertura: “A man finds
companionship in a dog that faces the same struggles as he does. By giving him a
chance, the two overcome life’s obstacles together.ʺ Kleenex.com/messagesofcare

As imagens abaixo ilustram a abertura da história real contada nesta campanha


sobre um cãozinho que fora atropelado e deixado à beira da estrada para morrer,
abandonado por sua incapacidade física, que teve a vida salva por um jovem
cadeirante que fez dele seu melhor amigo, companheiro de todas as horas.

1 http://nextimpulsesports.com/2015/06/30/wheelchair-bound-dog-kleenex-commercial/ pesquisada em 14/072015


2 http://www.thestable.com.au/tag/time-for-a-change-kleenex/ pesquisada em 14/072015

61
O prazer gerado pela reação aos estímulos da campanha, que orienta uma
eticidade de conluio em torno de valores humanistas elevados, ocorre, diferentemente
do mundo presencial, onde consumimos as propagandas pela TV, pelas revistas, ou
em lojas de produtos, pela interação do consumidor com a campanha e a marca via
redes sociais, num mero compartilhamento do vídeo desta campanha por um amigo, o
qual temos acesso percorrendo os feeds de postagens de nossa rede na rede Facebook.

A gerente sênior de marketing de uma grande multinacional de alimentos,


Fernanda B. (sobrenome omitido por acordo de confidencialidade entre entrevistada e
pesquisador), entrevistada para esta pesquisa, declara:

O consumidor hoje tem mais conhecimento, que traz mais


exigência. Em alimentação todo biscoito agora mostra o tanto de gordura
trans. Tem hoje uma preocupação maior em termos de qualidade,
conhecimento. Até geladeira tem hoje a coisa do consumo de energia e o
cara (consumidor) olha isso. A instrução mudou, fez o consumidor ficar
mais evoluído. Hoje o consumidor tem mais informação. Tem um tanto do
mercado informando o vilão da vez, tem informação por parte do
anunciante dizendo que tem uma lâmpada nova que consome menos. As
pessoas começaram a prestar mais atenção `as informações do consumo.
Tem sempre o vilão do ano, a comida, os produtos em geral. O
consumidor está mais consciente. Antes se comprava uma geladeira e
nem se olhava o consumo. Agora todo mundo olha.ʺ11

A mencionada ʹconsciênciaʹ que a executiva de marketing aborda, pode ser


pensada como uma reação à pulverização de informações que circulam na internet, as
quais, conforme dissemos, ‘desnuda’ muito do que são os processos de produção dos
bens – produtos e serviços na indústria e as formas de sua comercialização no
mercado, que só se tornaram acessíveis na dimensão atual e próximas do contato
cotidiano do consumidor, na era da midiatização digital.

Por um lado as informações “chegam” ao consumidor por meio de toda a sorte


de sites de notícias, blogs, postagens de internautas do mundo todo, por outro, este
consumidor busca informações sobre produtos, serviços e marcas na internet para
saber qual marca oferece o tipo de produto que busca, qual loja possui o menor preço,
quais são as características físicas e de composição deste, quais os tipos de pesquisa
realizados para sua criação (se envolvem animais, ou não), qual a forma e lugar de

11
Entrevista concedida por Fernanda Barreto, gerente sênior de marketing, em 21/03/2015.

62
extração de matéria prima (desmata-se florestas, ou usa madeira certificada, ou
reciclada), quais os percentuais de sódio, glúten, gordura trans e calorias, se a empresa
utiliza mão de obra escrava, se respeita a diversidade étnica, etária e de gênero, se
possui, ou auxilia instituições e associações ligadas ao amparo de minorias, à
educação infantil, a comunidades carentes, se desenvolve ações de conscientização
sobre o trânsito, o câncer infantil, o mal de Alzheimer, a discriminação de
homossexuais, se as condições de trabalho nas fábricas respeitam a saúde e
proporcionam qualidade de vida aos colaboradores, enfim, querem saber se a empresa
que produz seu refrigerante, calcinha, ou automóvel faz mal à comunidade e à
natureza, se a ampara, se é negligente, ou se contribui para um presente e futuro
éticos, para um ‘mundo melhor’.

Conforme Paulo Queiroz, vice-presidente de um dos maiores grupos de


propaganda do Brasil, entrevistado para esta pesquisa:

ʺAs pessoas estão gostando cada vez mais de empresas


responsáveis, legais, que dêem coisas exclusivas, que sejam legais. As
plataformas digitais colocaram todo mundo junto e o Bigdata esta
separando os clusters. A internet mudou muito o mundo. A característica
atual é a ansiedade absurda. A tecnologia é uma cebola. Se você tira
camadas, não se sabe no que isso vai dar.ʺ12

A conscientização ecológica está na pauta da sociedade midiatizada. Mas não


é apenas em função da consciência que as pessoas estão cada vez mais exigentes em
termos de ética, sustentabilidade humanização junto ao sistema de produção. Esse
consumidor, assumindo o papel de marca, precisa se revestir de características cada
vez mais distintivas para não sucumbir à concorrência, em especial, no grande palco
da sociedade hipermoderna – a internet. Ele precisa atualizar-se constantemente sobre
as agendas e os valores sociais representados em campanhas publicitárias e produtos e
acompanhar a dinâmica temporal das redes sociais digitais, onde um evento como a
morte do leão Cecil torna-se obsoleto e esquecido de uma semana para a outra.

Ao revisitar vinte anos depois sua obra “O mundo dos bens” (2004), a
antropóloga Mary Douglas argumenta que ʺas coisas cuja posse significa riqueza não
são necessárias por elas mesmas, mas pelas relações sociais que elas sustentam... a

12
Entrevista concedida por Paulo C. Q., vice presidente de agência de publicidade em 22/01/2015

63
pobreza é culturalmente definida, não por um inventário de objetos, mas por um
padrão de exclusões, geralmente bastante sistemáticas.ʺ DOUGLAS (2007).

Os consumidores-marca tornam-se obsoletos – o que nas redes sociais digitais


pode ser entendido como um empobrecimento que leva à exclusão – se não interagem,
se relacionam e consomem conteúdos nas redes sociais digitais que tornem, tal qual a
lógica de MacCracken o produto (consumidor-marca) atribuído de significados do
mundo social codificados pelo par publicidade e moda e a moda, no caso das mídias
digitais, é o consumo e exposição da interação com temas atuais que revistam a
imagem publica do consumidor-marca de conteúdos simbólicos socialmente
relevantes, relativamente transgressores (para expressar originalidade),
essencialmente ideológicos e sempre atualizados.

Pensemos que se a ideologia que impera, segundo LEVY & LUEDICKE


(2012) no sistema de produção da sociedade midiatizada contemporânea, é a ideologia
das marcas. Os produtos carregam em si o caráter de marca e as marcas carregam em
si, como os autores deste artigo defendem, um sistema cultural complexo, no qual o
padrão de exclusões sistemático de que nos falam DOUGLAS & ISHEERWOOD
(2004) passa a se constituir não somente na diferenciação de produtos pela lógica do
status financeiro como marcador social num sistema cultural onde bens atuam como
balizadores de relações entre pessoas, mas as marcas (mesmo os produtos enquanto
marcas, como um computador Machintosh da empresa Apple se converte num MAC,
que se torna uma marca, muito além da individualidade do produto Apple) e em
especial, os consumidores-marca, se posicionam no mosaico social em relação ao
padrão de exclusões sistemáticas que definem o que é pobreza, pelos conteúdos
simbólicos que se estribam na ética, altruísmo – valores humanos como novos valores
na economia das trocas simbólicas atuais.

Acreditamos que uma economia política em que relações de poder determinam


o que é riqueza em oposição ao que é pobreza por um ʺinventário de objetosʺ,
determina atualmente o que é pobreza a partir de um inventário de marcas que
carregam significados de um suposto humanismo altruísta que constitui os atributos
de imagem de marca socialmente valorizados nos dias atuais.

Se o status atribuído pelo valor econômico e de exclusão social de produtos


posicionava, em momentos anteriores à internet, o consumidor pela compra e uso de

64
objetos cujo valor financeiro era proibitivo a muitos, tornando a exclusão financeira
no consumo um elemento essencial na exclusão social que define o sistema do
consumo enquanto sistema cultural DOUGLAS & ISHEERWOOD (2004) LEVY &
LUEDICKE (2012), na era da midiatização digital, o consumo da informação (e neste
caso, o consumo da mensagem publicitária) como elemento balizador de relações
sociais, se converte num sistema de diferenciação e exclusões tal qual o é o uso dos
bens, pela interação dos consumidores (no processo de triangulação – com outros
consumidores, com as marcas e com os outros consumidores por meio da relação com
marcas) com os conteúdos simbólicos contidos na mensagem, onde, por meio do
diálogo viabilizado pela internet, consumidores se posicionam no mosaico social de
relações de poder pela interação com o discurso publicitário, a partir do discurso que
proferem sobre os bens, neste caso, no discurso que proferem sobre as marcas.

Os significados relativos a valores sociais – ética, ecologia, altruísmo, inclusão


social, transparência – assumem um novo papel de atribuição de valor à
marca/produto na economia das trocas simbólicas do consumo contemporâneo e por
conseguinte, codificam o indivíduo que o consome, não apenas na compra e uso da
mercadoria, mas em seu posicionamento dialógico com os conteúdos simbólicos das
marcas.

A importância da “carga” ideológica da imagem de marca e a necessidade da


construção de um discurso que exponha essa consistência tornou-se imperativo aos
bens em função da pulverização de informações que leva conteúdos simbólicos à
inconsistência quase imediata pela dinâmica de hiper-efemeridade no mundo digital.
O consumidor-marca necessita construir sua imagem de marca pelo diálogo – sua
forma de representação online – no universo digital, seja por meio de redes sociais,
blogs, fóruns, comunidades, ou sites de marcas, ele necessita construir sua identidade
marcária pelo discurso, sobre o produto, assim como fora em épocas anteriores à
internet, pelo discurso constituído pelo uso do produto.

Atualmente, não basta ter acesso à compra e uso de um determinado


produto/marca, é necessário relacionar-se e posicionar-se com os valores e princípios
ideológicos defendidos por este no grande palco da midia digital.

Escolher uma camiseta de uma marca tida como cool, ou hype, (no topo da
moda, com grande atribuição de valor de distinção) por jovens detentores de maior

65
poder econômico, que tornam seu consumo proibitivo a muitos, não é mais um signo
de status almejado como marcador social. Mas escolher uma camiseta confeccionada
com algodão orgânico plantado e colhido por uma comunidade carente apoiada pela
marca do produto, tingida com pigmentos orgânicos cuja lavagem não polui rios e
cujo venda é parcialmente revertida para ajudar uma entidade sem fins lucrativos que
auxilia portadores de doenças crônicas sem recursos financeiros, tornou-se o tipo de
produto de maior valor na economia política dos bens junto aos consumidores atuais,
em especial, os mais jovens que influenciam o consumo de todas as outras categorias
etárias.

O consumidor-marca precisa de significados de distinção, portanto, as marcas


precisam codificar-se com signos de diferenciação que transcendam o dito ‘mundo
banal do consumo’ para codificar este consumidor, não apenas na compra do
produto, mas nos processos de interação com a marca em toda a cadeia de ponto de
contato com sua imagem, o que gera a mencionada triangulação entre o consumidor, a
marca elegida e o diálogo com ela comunicado online para outros consumidores.
Segundo a antropóloga Fátima Portilho, sobre a interface necessária entre as reflexões
da Sociologia Econômica e da Sociologia do Consumo:

ʺ(devemos) refletir sobre a atuação dos novos movimentos sociais


econômicos, ou seja, aqueles em que os atores constroem uma nova
cultura de ação política visando à reapropriação do mercado a partir de
valores próprios. Como exemplo dos novos movimentos sociais
econômicos podemos citar, de um lado, movimentos como economia
solidária, comércio justo, indicação geográfica e slow food, que tem sido
considerados como novos atores estratégicos do mercado (WIKINSON,
2008). Além destes, vale destacar também os movimentos de
consumidores organizados.ʺ (PORTILHO, 2009: 199)

Não podemos nos desviar da determinante sócio-política do consumo, onde


indivíduos e grupos se utilizam das escolhas de compra e uso de marcas a fim de,
conforme disse Portilho, reapropriar-se do mercado a partir de valores próprios.
CANCLINI (2006) já abordara a dimensão política do consumo como uma seara onde
relações de poder, cidadania e identidades são tanto criados, quando redefinidos e
representados.

66
Se o universo das imagens-sonho que circulam pela internet, com produtos
culturais oriundos de diversas partes do mundo muda referenciais identitários e de
pertencimento a partir da universalização das coisas, os valores humanos e éticos não
são mais apenas valores desejados pelos consumidores que buscam se reapropriar do
mercado como forma de exercer cidadania, mas tornaram-se também um simulacro
destes valores, pois converteram-se também em produto.

CAPITULO 6

Propósito: A Marca mais Desejada no Mercado Contemporâneo.

Não podemos dizer que a comoção pública mundial em virtude da morte do


leão Cecil por caçadores, ou no Brasil pela invasão de militantes defensores de
animais a um centro de testes de produtos cosméticos que realizada testes com
cachorros não despertou, de fato, lágrimas autênticas em internautas que viram
manifestantes carregarem, aos prantos, cãezinhos da raça Beagle, torturados por
testes, com olhos arrancados, pele em carne viva e alergias de todo o tipo para fora do
centro de testes a fim de salvar-lhes da tortura e da morte. Também é completamente
razoável que pessoas deixem de comprar uma marca de roupa multinacional que
utiliza o trabalho escravo de adolescentes colombianas que são trazidas como
imigrantes ilegais para trabalharem até quatorze horas por dia, sem direito a descanso
e a refeições dignas, num porão mal ventilado no bairro do Brás em São Paulo.

A empatia, sentimento atávico no ser humano, é despertado constantemente


nos dias atuais em face da maior transparência de informações sobre fatos mundiais e
sobre a atuação de empresas em tempos de midiatização digital. A revolta surge como
um sentimento mais forte do que o prazer em consumir e portanto, é levada em conta
pelos executivos do mercado, que buscam atribuir a ética como valor de marca na
produção de bens. A indignação com as ações anti-éticas de empresas pode, não
apenas levar consumidores a deixar de comprar produtos de uma marca, como
também, a triangulação do diálogo com marcas e outros consumidores proporcionada
pela internet pode corromper um dos maiores ativos da empresa – a imagem de
marca.

67
Phillip Kotler, considerado grande pensador do marketing contemporâneo,
escreve na obra “Marketing 3.0” (2010) que se a primeira onda do marketing há
sessenta anos foi centrada no produto (Marketing 1.0) e a segunda foi centrada no
consumidor, constituindo-se na era da informação, onde o núcleo é a tecnologia da
informação, que torna os consumidores bem informados, o que faz com que o valor
do produto seja definido por eles, onde o lema é “o cliente é rei”, embora seja tratado,
conforme Kotler, como alvo passivo de campanhas publicitárias (Marketing 2.0). A
terceira e atual, respondendo-se à dinâmica do meio, funda-se nas questões humanas
(Marketing 3.0), onde a lucratividade tem como contrapeso as questões sociais e a
responsabilidade corporativa para com elas. Para além da força da operação em
termos de produção e gestão de processos, uma marca necessita, nos dias atuais,
posicionar-se como uma instituição que se pauta em códigos morais, lucrando pela
criação de valores superiores para todos os seus stakeholders. KOTLER (2010)

A era do marketing focado em valores humanos (3.0) decorre da era do


marketing focado no cliente (2.0), onde a era da informação, contexto da midiatização
digital, desnudou muito do que são os conflitos, tragédias, corrupção e abuso no
mundo todo a partir de informações disponíveis na internet e compartilhadas em redes
sociais digitais. Conforme Kotler: “Adeptos de blogs ou Twitter que estejam
revoltados e tenham um público numeroso, tem o potencial de dissuadir muitos
consumidores de querer fazer negócios com um empresa ou organização específica.”
(KOTLER: 2010: 8)

Conforme o autor, os indivíduos enquanto consumidores já não são mais


indivíduos isolados, estão hoje conectados, não são mais passivos, mas ativos, parte
de uma sociedade criativa, que tem o desenvolvimento tecnológico como fator de
propulsão. Kotler questiona, nesta obra, a pirâmide de necessidades de Maslow, na
qual as necessidades fundamentais, as de sobrevivência, devem ser primeiro supridas,
para que outras, como as de auto-estima (ego) e de realização (significado) sejam
supridas, para o autor, a auto-realização deve ser a base da pirâmide, tendo como
princípio, a busca por significado.

O Marketing 3.0 de Kotler que busca, segundo o autor, uma determinante


espiritual pautada em valores humanos, traz o foco para a conquista da confiança do
consumidor, algo que estriba, em termos de construção de imagem de marca, na
construção de uma personalidade de marca (KOTLER, 2010: 39) capaz de atingir, não

68
apenas o coração, mas o espírito dos consumidores, entendendo-os como seres plenos,
que desejam transformar a sociedade e o mundo como um todo num lugar melhor
para se viver.

Entendemos que esta determinante ‘espiritual’ como imperativo do marketing


atual atenta para a constituição da cidadania no consumo, algo já apontado por
Canclini na obra “Consumidores e Cidadãos” (2006) onde o autor argumenta que
vivemos um modelo de sociedade no qual muitas funções do Estado desaparecem, ou
são assumidas por corporações privadas e a participação de indivíduos e grupos nesta
sociedade é mais organizada por meio do consumo do que mediante o exercício da
cidadania. (CANCLINI, 2006: 13)

Conforme o autor, as reivindicações, questionamentos e a representação dos


interesses dos cidadãos vem sendo mais respondidas pelo consumo privado de bens
do que pelas organizações políticas, onde o consumo deixa de ser uma dimensão de
gastos e impulsos irracionais, para converter-se em espaço para se pensar e demandar
aspectos sociopolíticos, econômicos e psicológicos da sociedade contemporânea.

A diminuição da credibilidade do Estado e dos sistemas políticos como


instituições que devem se ocupar de atentar para e solucionar questões sociais, tornou
as novas gerações extremamente descrentes da participação política como meio para
atender às demandas sociais, da esfera ecológica e da sustentabilidade como um todo.
As Organizações não Governamentais (ONGs) surgiram como formas orgânicas de
integração e participação popular de luta por políticas públicas fora das instituições
políticas convencionais (como os partidos políticos) que buscaram tratar das questões
sociais com base na defesa de valores humanistas e ações que solucionassem questões
não atendidas pelo Estado e organizações políticas.

A passagem da crença e confiança no Estado e sistemas políticos para


instituições privadas, veio buscar na iniciativa privada e na mídia, amparo econômico
e de divulgação das questões sociais, em épocas anteriores à midiatização digital.

A busca por parte de indivíduos e grupos por integração e ação direta para
expor, legitimar e solucionar questões sociais é anterior ao Marketing 3.0 de Kotler
(2010) é possivelmente uma das razões que tornou a busca por valores humanos um
elemento central para a percepção, classificação e julgamento do consumidor sobre as
marcas contemporâneas.

69
Se a cidadania a partir do consumo se evidencia cada vez mais pelo
empoderamento do consumidor adquirido pelo diálogo com as marcas e os
movimentos por um consumo responsável, que operam de forma a constituir uma
nova cultura de ação política por meio das práticas de consumo (PORTILHO, 2006),
onde o ativismo via internet amplia as possibilidades de transcender fronteiras em
função da luta por causas sociais, as marcas, por sua vez, não apenas buscam se
proteger da possibilidade de escândalos ocorrerem envolvendo seus nomes na
internet, gerando o comprometimento de sua imagem pública, como também
interagem, como é típico do sistema de produção capitalista, com esse advento e as
possibilidades de se produzir valor e capital por meio dele.

Em entrevista para esta pesquisa, Jaime Troiano, dono da empresa Troiano,


que utiliza inspiração antropológica para pesquisa e consultoria na construção e
reposicionamento de marcas – branding, declara: ʺO que diferencia uma marca e faz
com que ela seja percebida, aceita e engaje o consumidor, é o propósito. As
tendências mudam, mas o propósito permanece.ʺ13 Troiano utiliza técnicas de
etnografia a fim de imergir nos hábitos do consumidor e entender, (conforme o
consultor em entrevista para esta pesquisa), não apenas o ʺo que”, mas o ʺporquêʺ das
escolhas de consumidores e defende a idéia de que o propósito de uma marca é o que
institui e diferencia seu DNA.

Cada vez mais marcas buscam antropólogos empresariais, ou antropólogos do


consumo, ou mesmo empresas que utilizam técnicas antropológicas como a etnografia
a fim de atingir um nível mais aprofundado de entendimento dos valores do
consumidor, valores estes que constituem o “por que” dos comportamentos e que
fornecem conhecimento para ser usado como insights e estratégias para marcas. A
razão desta busca, por parte das empresas, é a dificuldade em se conseguir
desenvolver diferenciação real na percepção do consumidor, o que leva marcas a
lançarem mão de diferentes ciências para entender códigos de valores de grupos e
clusters, decodificar sistemas simbólicos destes e buscar novos conhecimentos sobre o
humano, a cultura e a sociedade, a fim de interagir e criar a ‘magia’ da publicidade de
que nos fala ROCHA (1985).

13
Jaime Troiano. CEO da Troiano Consultoria em branding, em entrevista para esta pesquisa em 11/10/2014

70
O antropólogo Everardo Rocha escreve com Carla Barros no artigo “Entre
mundos distintos: notas sobre comunicação e consumo em um grupo social” (2008)
que “o consumo é governado por representações coletivas, emoções codificadas,
sentimentos obrigatórios, sistemas de pensamento e pela ordem cultural que o
inventa, permite e sustenta.” (ROCHA, 2008: 189). Se a transparência e fluidez com
que as informações compartilhadas pela internet ʺdesnudamʺ realidades da vida
contemporânea, fatos, princípios, dimensões da esfera política (das relações de poder
entre indivíduos e grupos e em relação ao Estado), das instituições sociais (como a
Igreja cristã, católica e protestante e os casos de pedofilia, abusos e lavagem de
dinheiro a partir do dízimo), as relações corruptas entre empresas e governo e em
especial os meandros do sistema de produção, que abrange o sistema de trabalho e a
confecção de produtos, estas que conforme ROCHA (1985) são encobertas pela
publicidade como operador totêmico que utilizando do poder do mito, de constituir de
significados de sonho produtos e marcas, cria a suspensão da duvida, permite ver o
impossível e acreditar nele, podemos pensar que na era da midiatização digital,
acreditamos que as representações coletivas têm no consumo cada vez mais o que
PORTILHO (2006) define como nova ação política a partir das práticas de consumo,
que se estruturam organicamente, de forma descentralizada e sem uma objetividade
instituída como grupo, mas por meio das escolhas permeadas de carga ideológica que
orientam novos modelos de relação com o sistema de produção operadas nas
interações dialógicas com a comunicação publicitária de marcas.

Conforme ROCHA (1985), o mito criado na publicidade suprime o tempo


cronológico, num mundo de magias que se reproduz com grande intensidade nos
anúncios, que em comum, possuem uma grande dramaticidade em sua expressão, tal
qual o são as mitologias, cuja história se estrutura a partir de uma narrativa que toca
pontos essenciais da existência, dos valores e da vida cotidiana. O autor argumenta
que a lógica do anúncio publicitário corresponde à lógica do mito – a de solucionar
magicamente uma situação proposta – o que ocorre a partir a intervenção de poderes
mágicos disponíveis, ainda que esta magia seja a do grande esforço do herói, ou a da
elevação das potencialidades humanas ao nível da concretização da solução da
situação proposta. Segundo o antropólogo: ʺEm muitos deles (anúncios publicitários)
uma situação de impasse, difícil ou problemática é colocada de início. O produto (ou

71
marca) e seus poderes são, assim, solicitados a intervir. O resultado final é a
resolução, pelo uso do produto, do problema inicial.ʺ (ROCHA: 1985: 141)

Se as práticas de consumo representam, conforme ROCHA (1985) e


VEBLEIN (1965), representações coletivas e por mais que a era do consumo atual
atenda à ideologia da individualidade narcísica do consumidor como égide de
estratégias de marketing, são as emoções coletivas que mais despertam o gatilho das
reações de prazer hedonista e de revolta humanista que orientam ao consumo
contemporâneo.

Conforme BAUDRILLARD (1997) desejar algo é subentender que todos o


desejam. A lógica da diferenciação opera por meio de movimentos de adesão e
exclusão para que o consumo funcione como balizador de relações de poder entre
pessoas e grupos. O desejo por algo, quando representa ruptura ou oposição com o
que todos desejam, constitui um marcador de diferenciação pois dialoga com todo o
inventário de produtos e marcas existente e com a economia política dos significados
destes objetos, com a forma como atuam como marcadores sociais de seus
consumidores, codificando a distinção do consumidor junto ao grupo – ainda que este
seja uma coletividade mundial que habita a internet, em fronteiras territoriais e
demográficas cada vez mais fluidez – fazendo com que a busca desenfreada do
consumidor moderno por diferenciar-se do ʺefeito manadaʺ da moda e das tendências
cada vez mais acessíveis, constitua-se como a busca por um código de representação
que por oposição à massificação de padrões posicione este consumidor no topo do
ranking social.

Em uma pesquisa realizada com 515 estudantes universitários e 669 adultos


abaixo de 32 anos sobre o uso de redes sociais, DAVENPORT et, ali (2014)
averiguaram que o narcisismo aparece como a motivação primária do desejo por
seguidores, o que orienta a produção de posts na rede social Tweeter. Os autores
declaram que entre adolescentes e jovens adultos, as redes sociais permitem que o
internauta obtenha o máximo de atenção com o mínimo de interação real, o que
promove uma plataforma perfeita para o narcisismo inerente a esta geração.

O narcisismo presente na internet, operado por meio das estruturas


condicionantes da midiatização digital, constituindo novas eticidades com visão de
mundo, postura e comportamentos cada vez mais próximos de uma construção de

72
imagem marcária, criam exigências também cada vez mais complexas e
ʺpersonalizadasʺ em relação às marcas e organizações. Em seu já citado artigo sobre
consumidores exigentes e ética nas empresas, (cuja reflexão sobre o tema ilustra
elementos cada vez mais evidentes nas relações midiatizadas de consumo na era
digital) Clotilde Perez argumenta:

ʺA sociedade mais organizada e mais consciente de seus diretos


funciona como mecanismo de pressão apresentando questões sobre a
atuação das empresas e a comunicação das marcas nunca antes
manifestadas com tal intensidade. A ética nos negócios e
consequentemente na construção e sustentação das marcas é condição
irrefutável de êxito. De diferencial competitivo nos anos 90, a ética nos
negócios é um imperativo de sobrevivência na contemporaneidade. Os
consumidores começam a dar sinais de sua consciência a respeito do
poder do consumo manifestando suas preferências por produtos e marcas
de empresas comprometidas com o bem-estar geral de seus funcionários,
clientes e fornecedores. Passam a entender o ato de consumo como um
“voto”. Aquilo que os indivíduos compram manifesta seus valores, suas
escolhas.”(PEREZ, 2008: 140)

A ética como imperativo de sobrevivência nos negócios, mencionada por


Perez, representa, muito além da idoneidade da organização, uma proposta de
felicidade – levando-se em conta o que felicidade significa, nos dias atuais, para o
consumidor-marca. A idéia de bem-estar, cuja etimologia significa, ʺsituação
agradável do corpo ou do espírito; conforto, tranquilidade. Haveres suficientes para
a comodidade da vida.ʺ14 aparece como égide da demanda dos consumidores junto às
marcas, desde o bem-estar no sistema de produção relativo às condições de trabalho
dos colaboradores da empresa, até os princípios defendidos como DNA das marcas
nas campanhas publicitárias, de forma tão preponderante, que se converteu em slogan
da empresa de cosméticos Natura: Bem Estar Bem.

O bem-estar como satisfação das exigências do corpo e da mente, se coaduna,


na sociedade contemporânea, com a busca por prazer como princípio da felicidade,
uma tendência oriunda do narcisismo crescente que vivemos na pós modernidade
como reflexo do enfraquecimento dos sistemas de conluio social de instituições como

14
Moderno Dicionário de Português Michaelis. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=bem-estar

73
a religião, a representação política e a comunidade local. O hiperconsumidor,
conforme Lipovetski, não busca mais o bem estar material, ele busca conforto
psíquico e desabrochamento subjetivo, conforme o autor, assistimos à expansão do
mercado da alma numa era em que proliferam as ‘farmácias da felicidade’, quando a
questão da felicidade pessoal vem à tona pelo esgotamento de referenciais tradicionais
e históricos, o que constitui um novo mercado – a compra da felicidade instantânea,
também denominada bem-estar. (LIPOVETSKI, 2007: 15)

O detrimento do social em função da exacerbação do individualismo gerou um


consumidor-marca voraz que demanda do mercado que descubra desejos que ele
mesmo não sabe que possui, que o surpreenda constantemente com a satisfação de
desejos que na maior parte das vezes são gerados pelas imagens-sonho da publicidade
e satisfeitos com a produção incessante de novos produtos aspiracionais na dinâmica
incessante de criação de desejos pela publicidade e satisfação na vivência deste desejo
com vias ao consumo.

Segundo Jean Baudrillard, ʺo narcisismo na sociedade de consumo não é


fruição da singularidade, mas refração dos traços coletivos.ʺ (BAUDRILLARD,
1995: 95). O autor declara que as diferenças entre indivíduos no plano no nascimento
e da religião, não se permutavam, mas por meio do consumo como sistema de trocas
simbólicas entre pessoas, as diferenças são permutáveis e obedecem aos códigos de
moda (tendências) vigentes. Numa era de saturação de informações sobre marcas e
produtos, as antigas distinções produzidas intencionalmente por meio do consumo,
que marcam uns e outros no mosaico social, o consumo de roupas da última moda,
acessível aos que possuem o capital financeiro e acesso a informações, na época em
que imperava a mídia impressa das revistas importadas de moda, perde seu poder de
distinção a partir do momento em que sites de moda, de tendências de design e
vestuário (como The Sartorialist e WGSN que vendem assinatura de conteúdos de
tendências específicas para empresas, mas disponibilizam tendências genéricas em
blogs de acesso livre) divulgam as maiores tendências a todo e qualquer internauta,
em qualquer lugar do mundo, em diferentes línguas para que todos tenham acesso.

Paralelamente, as marcas de fast fashion, que atuam no sentido oposto das


grandes maisons que vendem exclusividade, produzem a última tendência de moda
(anteriormente só disponível na dimensão temporal imediata, às grandes maisons) na
mesma temporalidade que as grandes griffes de moda. Essas duas dimensões do

74
consumo da dimensão temporal, a qual é essencial no processo de construção da
diferenciação pelo consumo, tornam-se cada vez mais incipientes em tempos de
midiatização digital, permitindo que consumidores de diferentes culturas, com
diferentes condições socioeconômicas, possam constituir o estilo em voga, antes
restrito às classes dominantes, pelo acesso democrático à informação sobre tendências
em tempo real e compra de produtos de fast fashion (que contém os códigos da última
moda, lançados com rapidez e após consumidos, tornados obsoletos com a mesma
rapidez) com preços acessíveis que possuem o código e moda vigente no presente
imediato.

Percebemos portanto, a partir das constatações elencadas, que a construção


social da diferença pelo consumo, elemento essencial do sistema de produção
capitalista, tornou-se cada vez mais difícil ao consumidor, o qual precisa constituir
novas categorias de marcas distintivas para compor sua marcação social e representar
sua identidade junto aos grupos entre os quais transita.

Num estudo sobre não-conformidade e status, BELEZZA et. ali. (2014)


defendem a idéia de que comportamentos de não-conformidade no consumo,
enquanto um sinal observável que compreende um custo social, podem levar a
inferências de status e competência junto a observadores, pois criam a imagem junto a
estes observadores, de que o consumidor não-conformista possui o poder, o status
elevado e a competência promovendo evidências visíveis de que estes indivíduos
podem arcar com os custos de sua decisão e comportamento.

Chamado de ‘red sneakers effect’, o comportamento de não-conformidade no


consumo, estudado pelos autores, se baseia na teoria de consumo conspícuo de
Veblein (1965) que demonstra que indivíduos se posicionam em relações de poder
junto ao grupo a partir da demonstração de evidências de sua habilidade em consumir
bens de luxo, o que eleva seu status social.

A não-conformidade de comportamentos de consumo estudadas pelos autores


demonstra que a percepção alheia de ruptura em relação à regra estabelecida
tacitamente pelo grupo/sociedade de consumo, cria a imagem de status elevado em
função da inferência do poder de autonomia possuída pelo consumidor não-
conformista. Esta percepção de autonomia junto ao sistema de consumo, é orientada,
segundo BELLEZZA (2014) pela necessidade, por parte dos observadores, de

75
expressar unicidade, característica, acreditamos, cada vez mais valorizada em tempos
de pulverização de informações e busca por autenticidade nas redes sociais.

Na era da midiatização digital, temos a dinâmica social de


pertencimento/diferenciação em grupos intensificada pelo uso das redes sociais
digitais. Se de um lado os indivíduos sentem a extrema necessidade de participar de
comunidades, grupos, as redes sociais como um todo, em função do medo da exclusão
e da anomia, uma vez participantes do grupo, eles sentem a pungente necessidade de
criar marcas distintivas que os diferenciem para a construção de uma identidade, pelo
profundo medo de que sem a construção de uma identidade que lhe confira status no
grupo, possam ser levados ao ostracismo, a uma espécie de exclusão social.

Não basta, portanto, fazer parte do grupo, ou tomando o conceito de


configuração de ELIAS (1978) revisitado por HEPP (2014), não basta fazer parte da
configuração de consumidores que integram as redes sociais digitais, para que se
tenha a sensação de pertencimento ao grupo, torna-se necessário a afirmação de uma
identidade dentro deste grupo, a qual precisa ser reafirmada constantemente pelos
signos manifestos por escolhas ideológicas sobre toda a sorte de toda a sorte de
agendas que circulam na configuração, desde política, instituições e em especial, o
consumo, seja este consumo o de produtos, ou seja de experiências vivenciadas em
viagens, esportes, entretenimento, arte, livros, musica, blogs, periódicos digitais, ou
mesmo redes sociais e, em especial, o consumo manifesto na relação que se expõe no
processo de interação com marcas define e reafirma identidades.

A não-conformidade como status estudada por BELLEZZA (2014) é cada vez


mais uma forma de marcação social e elemento de construção identitária por meio da
construção da imagem do indivíduo na configuração social das redes sociais digitais.
E a não-conformidade como status junto às marcas é constantemente representada por
meio das exigências de consumidores, a adoção de algumas e rejeição de outras
(marcas) na interação dos indivíduos nas redes sociais digitais. Se outrora entrar com
um moleton numa loja de artigos de luxo (BELLEZZA 2014) poderia ser visto como
uma atitude não-conformista geradora de status, o que ainda ocorre no mundo
real/offline, uma atitude não-conformista no universo da internet se manifesta pelas
escolhas destoantes daquelas da configuração social digital.

76
Escolher um produto sem apelo de glamour, beleza estética, ou luxo, mas que
possua uma ideologia ligada à ecologia e sustentabilidade, consiste, para muitos,
numa não-conformidade com o status quo, pois se está negando o que se acredita, um
valor defendido pela grande maioria, constituído pelo luxo, pela ostentação e pela
beleza, elementos que tornaram-se ícones por marcas épicas no cenário de produtos
premium, para se escolher aquelas que ninguém conhece, mas que fazem o bem, que
são contra o consumismo moderno, contra a vaidade exacerbada que cada vez mais
afeta a saúde de homens e mulheres que recorrem a toda a sorte de procedimentos
para atingir a beleza estética, contra a exposição conspícua de produtos que
expressem status financeiro e que por fim, numa tendência sociocultural de
movimento de negação da superficialidade do sistema da produção, que rompe com
sua lógica representando a não-conformidade do consumo sustentável.

Não estamos defendendo a idéia, nesta pesquisa, de que as empresas que


buscam construir marcas e produtos que não agridam, mas ao contrario, protejam a
ecologia, a natureza, os direitos dos trabalhadores e a humanização do sistema de
produção o fazem sempre com objetivos não autênticos que se estribem em valores
sociais e humanistas, mas acreditamos que a dinâmica de mercado na sociedade
capitalista, como em outros momentos sócio-históricos, se apropria do e expropria o
conteúdo simbólico de produtores culturais e utiliza os signos expropriados para
construir valor de marca junto aos consumidores, como fez outrora com os grupos de
estilo dos anos 1970-1980-1990, hippies, punks, rockers, grunge, criando um
simulacro da rebeldia, da não-conformidade dos grupos, em signos desprovidos dos
significados originais, desterritorializados de sua origem cultural e tornados conteúdo
simbólico de marcas em décadas anteriores. BRANDINI (1998, 2003) CORREA
(1995)
Como mencionado anteriormente, a transparência proporcionada pela internet
no compartilhamento de informações criou indignação, revolta e a exigência de
posturas éticas e humanistas por parte do sistema de produção como um todo. PEREZ
(2008) nos atenta para o fato de que a reflexão sobre o caráter predatório de
organizações, sistemas políticos, mídia e em especial, marcas, não é novo, segundo a
autora, gestores de marcas não estavam alheios a tais ocorrências, mas no passado não
havia espaço e consciência para a exigência de posturas éticas que se comprometam
com o bem estar e a ecologia, mas nos dias atuais, o consumidor não só exige estas

77
posturas, como boicota marcas e busca arregimentar a configuração social digital de
consumidores, para além de fronteiras geográficas e culturais para que se engajem
nesta cruzada. Conforme Perez:

ʺNotamos que a busca pela ética nas relações de consumo é uma


manifestação que se impõe com permanência e, por isso, caracteriza-se
como uma tendência na contemporaneidade. As marcas por meio de seus
gestores devem estar absolutamente alinhadas com esta manifestação do
desejo humano de busca e valorização de posturas transparentes e
responsáveis para que possam gozar de credibilidade no ambiente
comercial e simbólico dos negócios.ʺ PEREZ (2008: 134-135)

Neste contexto, com base nas pesquisas de BELLEZZA et. al. (2014) e
PEREZ (2008), POTILHO (2008), LEVY & LUEDICKE (2012), BAUDRILLARD
(1995, 1997), VEBLEIN (1965), BRANDINI (1998, 2003), CORREA (1995) E
CANCLINI (2001) percebemos que o contexto do consumo ideológico se configura,
por uma conscientização orientada pela transparência de informações que circulam no
processo interacional de referência – a internet (BRAGA 2012) na era da midiatização
digital, que formata novas ideologias, comportamentos e demandas junto às
organizações e marcas em função da constituição de uma configuração (ELIAS 1975)
digital de consumidores (HEPP 2014) que é sensibilizada pelas informações sobre
devastação da natureza, falta de ética e prejuízos à saúde e às condições de trabalho de
funcionários no sistema de produção capitalista, o que cria manifestações espontâneas
de exposição de atos antiéticos de organizações e marcas, boicote a marcas e
exigência de posturas éticas, ecológicas e humanistas.

Como decorrência da emergência de uma tendência sociocultural de consumo


ideológico pautado em ética e humanismo, os consumidores, imersos na vivência
cotidiana do universo digital, criam novas relações de poder pautadas, por sua vez,
numa dinâmica de marcação social e posicionamento que opera por meio de processos
de interação entre consumidores-marcas/outros consumidores, num processo que aqui
denominamos triangulação do consumo na era digital, o qual define o status dos
consumidores, que em seu papel social na rede digital, também constituem-se como
marcas, por relações estabelecidas com as marcas por meio do diálogo.

Se cada vez mais a materialidade do produto se torna menos importante no


consumo conspícuo e o capital de valor das marcas passa a se constituir com base em

78
princípios humanistas e de conotação ética, a construção de imagem de marca
necessita se constituir com um DNA com propriedade suficiente sobre estes valores
para poder engajar o consumidor cada vez mais exigente e que dialoga com as marcas
ʺde igual para igualʺ. Outrora, o capital de valor de uma marca podia ser construído
pelo diferencial com outras marcas em termos prestígio, raridade, seletividade,
calcados no sistema de exclusão que define muito da dinâmica de consumo na
sociedade capitalista industrial a partir da determinante econômica. Mas, atualmente,
a marca para se distinguir, tal qual uma mulher que busca atrair os olhos e desejos de
um grupo, em meio a muitas outras mulheres ali presentes, que em outros tempos o
fazia por meio da beleza estética, da seletividade de interações e da unicidade de sua
composição indumentária, nos dias atuais, necessita, junto ao público, não apenas
ʺparecerʺ para se diferenciar, mas ʺfazer a diferençaʺ em termos pragmáticos para
poder aumentar seu capital de valor aos olhos de outrem.

Pensemos que se outrora Elizabeth Taylor, Grace Kelly, ou mais recentemente


Nicole Kidman possuíam a inferência de capital de valor de extrema distinção pela
compleição física, na atualidade, a mulher símbolo de Hollywood, desejada por
homens e admirada e invejada por mulheres no mundo todo, é Angelina Jolie.

A filha do ganhador do Oscar John Voight não é apenas uma estrela de


diferenciada beleza física, mas representando tendência contemporânea do valor
pautado em propósito (palavra cuja etimologia compreende intenção, projeto,
objetivo, finalidade), é mãe adotiva de crianças de diferentes etnias e de países
carentes como a África, cruzou mais de trinta países defendendo causas humanitárias
como apoio aos refugiados de diversos países, indo à Washington lutar pelos direitos
destes junto ao Office of the United Nations High Commissioner for Refugees
(UNHCR), foi nomeada em 2001 Embaixadora da boa Vontade da UNICEF, doou um
milhão de dólares ao Médicos Sem Fronteiras, foi homenageada em 2005 com o
Global Humanitarian Award pela ONU, pelo seu trabalho junto a refugiados do
UNHCR, em 2003 Jolie iniciou um lobby de interesses humanitários junto ao
Congresso Norte-Americano, tendo mais de vinte reuniões com congressistas para
defender causas humanitárias naquele ano.

A atriz também encabeça o Education Partnership for Children of Conflict que


busca arrecadar recursos financeiros para um fundo de educação para crianças
afetadas por conflitos militares, cujos eventos anuais arrecadaram, só em 1997, cento

79
e quarenta e oito milhões de dólares para educar 350.000 crianças em áreas de
conflito. Estima-se que Jolie e o marido, o ator Brad Pitt, doaram cerca de 8 milhões
de dólares para caridade apenas no ano de 2006.15

Angelina Jolie é o símbolo do que possui maior capital de valor na mídia e,


consequentemente, torna-se tendência dominante em outras searas e em especial no
grande mercado. A ʺmarcaʺ Angelina Jolie nos mostra que o capital de valor de uma
celebridade transcende nos dias atuais a beleza estética e o glamour e se estriba no
‘propósito’ entendendo que o termo propósito junto ao mercado refere-se tanto a ter
um objeto que paute ações, quanto, em especial, ter valores humanistas subsidiando
estas ações.

Jolie visitando refugiados colombianos no Equador, como enviada do alto comissariado da ONU
http://celebridades.uol.com.br/noticias/afp/2012/05/29/angelina-jolie-participa-do-lancamento-de-campanha-contra-abuso-
sexual.htm visitada em 15 de julho de 2015

Tal dinâmica, por sua vez, transcende o universo das estrelas de Hollywood e
se torna capital de valor junto a toda a sorte produção cultural, bens simbólicos,
organizações e marcas.

A era do propósito como capital de valor junto às marcas rearticula muito do


que são as imagens-sonho que habitam o imaginário dos consumidores, orquestrado,
em muito pela estética publicitária presente hoje, não apenas em mídia impressa,
televisiva e outdoors, mas em toda possibilidade de ponto de contato entre o

15
Angelina Jolie: Charity Work, Events and Causes. https://www.looktothestars.org/celebrity/angelina-jolie

80
consumidor e a marca no ambiente online. O consumidor-marca, por sua vez,
revestindo-se dos marcadores sociais ʺincorporadosʺ totemicamente pelo consumo
dos valores representados pelas marcas, demanda, cada vez mais, que o propósito
esteja presente para que ele torne, a si mesmo, uma marca como propósito.

CAPITULO 7

A Era Das Causas

Vivemos numa era marcada pelo progresso tecnológico e desenvolvimento


exponencial da mídia. A midiatização molda nossa cosmologia cultural com o
mesmo poder que a crença moldou a de antigas civilizações primitivas. O mundo das
imagens invade nossas vidas e nos oferece infinitas e distintas possibilidades de ser,
de fazer e de possuir, com o que Daniel J. Boorstin, professor de história da
Universidade de Chicago escreveu, em 1962, como ‘o sonho da totalidade’ – uma
concepção de um mundo de possibilidades fantásticas, que nos anos 1960 já
engendrava nossa sede de dominar e desfrutar insaciavelmente a vida, por meio da TV
e da mídia impressa e radiofônica, criando e alimento nossas expectativas
extravagantes – em especial aquelas representadas da estética da publicidade.

Boorstin escrevera sobre a forma como o universo das imagens gerou uma
ilusão programada de realidade construída a partir do que denominou ‘pseudo-
eventos’, qualquer fato, ou ocorrência que por mais irrisório que pudesse ser, tornava-
se um evento através da fabricação e projeção de sua imagem e da articulação de seu
sentido, seu nível de importância e abrangência, por meio da mídia (BOORSTIN,
1962).

Os pseudo-eventos, conforme Boorstin, apelam para nossas expectativas


extravagantes de estarmos a par do que ocorre no mundo e, de algum modo,
participarmos de algo maior que nossa monótona experiência cotidiana individual. Na
sociedade das imagens, os pseudo-eventos constroem, segundo o autor, nossa

81
concepção de realidade – ele torna-se um evento a partir da propaganda de si mesmo,
constituindo uma profecia de auto-realização. As celebridades, por exemplo, são
denominadas pseudo-heróis, pois diferentemente do herói mitológico cuja imagem
tornasse grandiosa por algum feito, estas tornam-se grandes nomes por assim serem
tratadas pela mídia.

Mais de cinqüenta anos depois do lançamento do livro de Boorstin, as


blogueiras de moda atingem o ápice da profecia de auto-realização do autor – são
como um corpo sem sujeito preenchido com representações (imagens) transmitidas ao
público por meio da internet e convertem-se em celebridades por atingirem um grande
numero de visualizações, likes e compartilhamentos e por este fato aumentam seu
valor de mercado, constituindo-se como ‘marcas’ que ‘personalizam’ produtos, desde
a assinatura de coleções de moda, até produtos cosméticos.

Jean Baudrillard orienta-se a partir da obra de Boorstin no livro “A Sociedade


de Consumo” (1995), argumentando que o publicitário de sucesso é mestre de uma
nova arte, a de tornar verdadeiras as coisas que diz que são, sendo a publicidade a
palavra profética na medida em que não leva a compreender, ou a ensinar, mas a
esperar. O autor utiliza o termo de BOORSTIN (1962: 187) ‘profecia de auto-
realização’ para contextualizar a realidade contemporânea, que não passa, segundo
Baudrillard, de um modelo que a si mesmo exprime, com modelos tautológicos de
simulação onde tudo é metáfora de uma só e mesma coisa – a marca.
(BAUDRILLARD, 1995: 135)

A obra de Boorstin, escrita em 1962, não poderia ser mais atual para exprimir
a lógica que impera, em tempos de midiatização digital, na Era das Causas na estética
publicitária. O quinto capítulo de “The Image” (1962), intitulado “From Ideal to
Image: The Search for Self-Fulfilling Profecies”, descreve, de forma brilhante, o
quanto o sonho da totalidade engendrado por nossas expectativas extravagantes e
moldado pela midiatização nos impele para ‘fabricar’ nossa experiência:

“Tempted, like no generation before us, to believe we can fabricate our


experience – our news, our celebrities, our adventures, and our art forms
– we finally believe we can make the very yardstick by which all these are
to be measured. That we can make our very ideals. This is the clímax o
four extravagant expectations. It is expressed in a universal shift in our

82
American way os speaking: from talking about ideals, to talk about
images.” BOORSTIN (1962: 186)

Boorstin defende a idéia de que o mundo dominado pela mídia e tecnologia


esvaziou a palavra ‘valor’ pautado em ‘ética’, para uma definição de valor mais
antropológica, pautada em ‘costumes’ e especificidades de comportamentos e
perspectivas de um dado grupo. (p. 187)

Podemos pensar que a midiatização esvaziou uma determinante moral16 que


definia orientações ideológicas em sociedades anteriores `a sociedade de consumo,
como menciona Boorstin, ao citar o discurso de Carl Schurz em 1859, que associava
ideais a estrelas que nos guiam, no aniversário das batalhas de Lexignton and
Concord, na Guerra pela Independência norte-americana em 1775: “We Will not
succeed in touching them with our hands. But like the seafaring man on the desert of
Waters, you choose them as your guides, and followign them will reach your destiny”
(BOORSTIN, 1962: 187) e estruturou o conceito de valor como um código cultural de
identidades e diferenças de grupos que codifica produtos com signos distintivos de
status (ROCHA 1995), (MACKCRACKEN 2003), DOUGLAS (2004).

Ao longo de décadas de evolução do par mídia/tecnologia a moldar nossas


consciências pela desterritorialização de significados e construção de pseudo-
realidades que criam o universo das imagens-sonho, em especial, pela estética da
publicidade, que por sua vez constituem nossa referência de realidade, este
esvaziamento da determinante moral-ideológica de valores (como noções de bem e de
mal como princípios que devem conduzir a sociedade) e adensamento de uma
determinante antropológica de valor pautada no ethos, engendrou a construção da
experiência como consumo17, mas enfraqueceu a determinante crença nas imagens
que constituem os pseudo-ideais pela pulverização de signos no consumo.

A multiplicidade de imagens-sonho da publicidade, ao nos invadir com um


universo exponencial de signos codificados em mercadorias, tornou cada vez mais

16
conjunto de normas que definem o bem e o mal como princípios que orientam comportamentos de uma dada cultura. “Ética,
moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum.” Ana Paula Pedro. KRITERIO.
REVISTA DE FILOSOFIA. vol. 55 no.130 Belo Horizonte Dec. 2014
17
onde criamos, notícias, pseudo-heróis (celebridades), pseudo-eventos e, conforme Boorstin, até mesmo fabricamos Deus `a
nossa imagem e semelhança (P. 186)

83
difícil `as marcas engajar indivíduos e grupos nos pseudo-ideais que constituem sua
imagem.

Assim como uma canção de um astro da musica saturava-se pela exposição


demasiada nas rádios, assim como uma tendência de moda satura-se pela grande
quantidade de pessoas usando o modelo de roupa em voga, a intensidade da
exposição, nos dias atuais, leva `a saturação mesmo que a temporalidade não seja
extensa e assim também o mundo dos pseudo-ideais das imagens de consumo satura-
se quando infinitas mensagens na forma de imagens (da estetização da vida cotidiana
de que nos fala FEATHERSTONE 1995) são recebidas por um consumidor que não
diferencia mais as características distintivas da comunicação de marcas.

Tal fato ocorre, acreditamos, porque este consumidor, agora investindo-se de


atributos de marca e posicionando-se como marca, exige que estas ‘o superem’, que
entendam os desejos que ele mesmo não tem completa consciência, que se
encarreguem de criar significados (na forma de propósitos), que preencham sua vida e
lhe atribuam características identitárias e distintivas, que tenham com ele uma relação
maternal e imbuída, conforme BAUDRILLARD (1995) da ‘lógica do Papai Noel’ –
conforme o autor, a lógica da publicidade é de fábula e adesão, o consumidor não
acredita de fato nela, mas a mantém, tal qual as crianças que não acreditam no Papai
Noel, mas gostam do ritual movido pela fabula, pois ela remete `a solicitude dos pais,
que se tornam cúmplices dela para cuidar e agradar `a criança.

As marcas, por meio da publicidade, operam na mesma lógica desta fábula,


pois o indivíduo, assim como a criança, não acredita necessariamente nas
características do produto comunicado em publicidade, mas é sensível, conforme
Baudrillard, ao cuidado que se tem de solicitá-lo, agradá-lo, persuadi-lo, informá-lo
sobre os próprios desejos não muito claros para ele, racionalizar estes desejos e dar-
lhes forma, fazendo-o sentir-se integrado a algo que se preocupa com ele, onde ele é
sujeito e objetivo de realização final.

Estas marcas devem satisfazer, para além das necessidades narcisistas de


diferenciação BAUDRILLARD 1983, 1995, 1997), de atribuição de status (ROCHA,
1995) e de geração de experiências que criem estímulos e prazer (CAMPBEL, 2010),
que se ocupem das lacunas deixadas pelo Estado como instituição que deve olhar para
e solucionar questões sociais e ecológicas (CANCLINI, 2006), que se dediquem a

84
considerar e elevar o espírito humano (KOTLER, 2010) e que entendam que este
consumidor é em tempos de midiatização digital, também uma marca que busca se
posicionar junto a seus stakeholders – comunidades digitais, redes sociais, leitores de
blogs, amigos presenciais e virtuais e toda a configuração de internautas que
constituem communitas, colaboradores, mas também marcas concorrentes a se
posicionar pelo consumo de propósitos e causas.

O consumidor-marca deseja mais das marcas na era da midiatização digital do


que outrora, não deseja delas apenas seu prazer, felicidade e diferenciação estatutária
num sistema de classificação social que o posiciona como pertencente a um grupo
como quer ROCHA (1985) e assim sejam o centro dos objetivos da criação e
publicização dos produtos, ele deseja que os signos representados pelas marcas
também cumpram o papel de fornecer os ideais que o posicionem moralmente, de
acordo com um ethos social onde as características de status por diferenciação
econômica já não são suficientes para construir uma marcação identitária que
posicione o indivíduo nos diferentes grupos por onde transita, em especial, no
universo digital.

A imagem como pseudo-ideal necessita, nos dias atuais, de um imperativo


moral que marque socialmente seu consumidor em termos de cidadania, que mostre
que seu valor está para além do imperativo de status e estilo de vida, que o defina – tal
qual as marcas abordadas por Kotler no Marketing 3.0, que se posicionam como
instituições – como uma instituição social cujos valores transcendem a materialidade
e os significados supérfluos e banais do consumo ordinário (compra, exposição e
descarte), a imagem de marca precisa categorizar o consumidor com elementos que o
imbuam de um código moral, que funcionem com o operador totêmico (ROCHA
2010) o qual caracteriza este consumidor com os valores que omitem o ato banal da
compra e descarte de produtos e o elevem moralmente, tal qual o faz uma campanha
institucional que atribui princípios, missão e valores a uma marca – o consumidor
deseja tornar-se, para além de marca, uma instituição social por meio do consumo de
bens simbólicos.

85
7.1 O Consumidor como Instituição Social – Uma Nova Aspiração Narcísica

Conforme BERGER E LUCKMANN (1985), o processo de


institucionalização de algo, é o processo de tipificação de ação e de atores, de
atribuição a sentido, organização estruturante e constituição de hábitos a partir do
estabelecimento de padrões que definem a conduta humana a uma direção em
oposição a outras que seriam teoricamente possíveis. Mas as instituições só existem
onde existe um mundo social historicamente produzido com base em valores,
princípios, que são representados por uma instituição.

A instituição cria mecanismos de controle, pois ela determina, com base nos
valores consensualmente aceitos por um grupo, qual o código de conduta a ser
seguido, ela organiza a sociedade pois dá direção e estabilidade à vivência humana.
Ela opera como uma entidade abstrata, orientando percepções, visões de mundo e
comportamentos empíricos conforme os valores e eticidades que ela representa. Seu
poder está na constituição de uma referência dos valores e princípios do mundo social
que orienta a conduta dentro de um grupo.

O consumidor contemporâneo, para alem de marca, deseja tornar-se uma


instituição social. Para alem do consumo de marcas que lhe atribuam valores do
mundo social, que lhe ‘tipifiquem’, ele deseja tornar-se uma entidade que incorpora os
valores estruturantes da vida social, ou de um grupo social e transmite aos seus
interlocutores na internet, os valores sociais, enquanto causas, que assimila das
marcas (que por sua vez, assimilam do mundo social).

Assim como Angelina Jolie não representa apenas uma atriz Hollywoodiana,
mas uma instituição social que representa valores humanos consensualmente aceitos e

86
defendidos na sociedade contemporânea – a sustentabilidade, o olhar para o Outro e
ajudar minorias necessitadas, a transparência em ações e acima de tudo, uma pro
atividade na conduta em relação ao amparo do Outro, ela constitui junto aos
interlocutores da mídia, uma instituição social que condensa valores e orienta
condutas, que determina eticidades com base em princípios da coletividade
contemporânea.

O propósito como capital atribuído às marcas pela publicidade e pelo branding


é incorporado pelo consumidor que reveste-se do que KOTLER (2010) denomina
espiritualidade (das marcas) e que busca representar-se junto aos seus interlocutores,
os communitas de seu grupo, ou à sociedade como um todo, como uma instituição que
representa o humanismo e as causas sociais em pauta.

Ao consumir os princípios e categorizações do mundo social, conforme


MACCKACKEN (2003) por meio da publicidade, o consumidor busca
institucionalizar-se assim como o fazem as marcas contemporâneas, diferentemente
da busca por status que marca posições no mundo social, como visto em ROCHA
(1985), ele quer revestir-se de valores abstratos, elevados, ‘maiores’, que o
representem com as causas que este incorpora e, por sua vez, representa a partir do
mundo digital para a realidade presencial e a vida social.

87
PESQUISA EMPIRICA

CAPITULO 8

Análise de Peças Publicitárias que Utilizam o Propósito/Causas como Capital na


Divulgação de Produtos

I. Da Metodologia Utilizada para a Análise

O critério de escolha da peça analisada está baseado em algumas tendências de


maior exposição na mídia e maior penetração/assimilação junto ao público
consumidor. Ela se embasa numa causa que circula a partir dos dispositivos
comunicacionais da mídia publicitária e que opera junto ao consumidor com as forças
de moldagem da midiatização (HEPP: 2012), criando uma espécie de agendamento,
ou agenda setting (TRINDADE e AUGUSTO JR) que, como vimos na discussão
teórica deste estudo, de um lado se apropria dos conteúdos da cosmologia cultural do
mundo social (TRINDADE: 2104, MACKCRACKEN: 2003) e de outro constrói
discursos que influenciam a visão de mundo, a percepção de realidade e o
comportamento (nas redes sociais digitais) dos consumidores-interlocutores da
mensagem, que dela se utilizam, a partir do consumo dos conteúdos simbólicos (da
causa) para construir sua imagem pública “institucionalizada” via internet, o que
influencia e redefine socialmente identidades, processos de interação, lógica política
de relações (entre consumidores e entre os consumidores e as marcas) orientando
novas nuances, mudanças na sociedade contemporânea, em sua cosmologia cultural e
na eticidade de indivíduos e grupos.

88
A partir das entrevistas em profundidade com os profissionais de mercado
relatados, pudemos ter um delineamento dos temas, tipos de discurso, tendências e
formas de articulação destes temas na construção das narrativas e estética das
campanhas publicitárias atuais. Os entrevistados, vindos de diferentes atuações no
mercado que se relacionam com, desde a pesquisa para apropriação dos elementos
simbólicos e estéticos do mundo social, o desenvolvimento do branding das
empresas, a contratação de agências publicitárias e a demanda como clientes, o
planejamento e execução das campanhas publicitárias e a relação entre marcas e
consumidores sob o ponto de vista da comunicação organizacional, nos forneceram
informações para o entendimento de tendências atuais da construção publicitária, o
que nos permitiu, a partir destes conhecimentos, eleger os temas que mais possuem
aderência com nosso objeto de pesquisa – a utilização do ‘propósito’ como arcabouço
conceitual para o anuncio publicitário que cria o simulacro de uma causa.

A análise aqui desenvolvida de peça publicitária cuja estética/discurso se


estriba em causas com valores humanistas, como apoio à diversidade sexual e contra o
preconceito e homofobia, tem como objetivo evidenciar pragmaticamente o que foi
exposto na forma de discussão teórica no decurso desta pesquisa. O propósito desta
análise consiste em, após a exposição e discussão em termos teóricos da realidade
observada em pesquisa , ilustrar como na prática os argumentos aqui apresentados são
verificáveis empiricamente no corpo estético e nos conceitos que subsidiam
campanhas publicitárias atuais. Não buscamos, obviamente defender a idéia de que
todos os anúncios publicitários se estribam em causas e a idéia de ‘propósito’ como
capital humanista, mas trazer ao debate acadêmico no campo das ciências da
comunicação novas tendências que apontam na estética publicitária e no marketing
que orienta a construção desta estética e que representam mudanças sociais ancoradas
no fenômeno da midiatização digital que molda percepções e comportamentos que
por sua vez redimensionam caminhos do mercado publicitário.

Na pesquisa empírica realizada, a campanha analisada foi também selecionada


com base na representatividade do tema ao constituir uma fricção social – polêmico,
que representa conflitos e mudanças sociais relevantes, (tanto na abertura para se
tratar do assunto, como a homossexualidade que embora faça parte há muito tempo da
vivência e relações sociais, representava tabu há algumas décadas nas representações
midiáticas) e que traz à tona choques culturais e novas consciências sociais – e que

89
possuem grande relevância na exposição empírica do fenômeno aqui abordado, o que
pôde ser constatado pela abrangência que a campanha obteve junto à mídia e ao
público consumidor das mensagens publicitárias, o que foi verificado pela polêmica
gerada com figuras religiosas e as manifestações contrárias a elas, em comentários nas
redes sociais digitais e no número de compartilhamentos e comentários que estas
obtiveram, além da cobertura jornalística em veículos de mídia especializada sobre a
mencionada polêmica em revistas como Meio & Mensagem, Revista Veja, Exame e
Istoé.

A análise desta peças no permite apreender empiricamente a realidade


observada e tratada nos termos teóricos desta pesquisa, o consumo midiatizado de
elementos simbólicos que constroem a identidade do consumidor enquanto marca e
enquanto pseudo-instituição via mídias digitais, o que engendra novos contornos da
realidade percebida pelos consumidores e da sociedade em si.

I. Midiatização

A midiatização opera, conforme vimos na discussão teórica desta pesquisa,


como uma força de moldagem da mídia sobre a realidade social, sobre a visão de
mundo que molda a percepção que indivíduos e grupos tem sobre esta realidade, sobre
os fenômenos e vivências sociais, sobre as categorias sociais como gênero, etnia,
idade, status social, entre outras.

Não iremos reproduzir aqui as explanações e debate teórico sobre o tema


midiatização já desenvolvido anteriormente neta pesquisa, mas apontar as
características que representam o processo de midiatização que podem ser observadas
nas peças analisadas a seguir.
A midiatização é, Segundo Hepp é o conceito que capta a inter-relação entre
as mudanças da mídia e da comunicação, e da cultura e da sociedade. O autor atenta
para o fato de que diferentes mídias operam como diferentes forças de moldagem,
com diferentes resultados sob o interlocutor e as influências geradas sobre ele. A
midiatização se concentra, conforme Hepp, em configurações comunicativas, através
das quais constituem-se os mundos midiatizados vivenciados como realidades
objetivas pelos interlocutores.

90
Por uma perspectiva socioconstrutivista da midiatização, que se pauta na
construção comunicativa em transformação da cultura e da sociedade por meio da
transformação de nossa percepção e interpretação do social a partir de uma lógica de
mídia (um enquadramento processual por meio do qual as ações sociais ocorrem – a
ação social da comunicação) operada pelos meios de comunicação. (HEPP, 2014: 47)
Os efeitos da midiatização se estendem para além dos pontos de contato da
comunicação – neste caso, da comunicação publicitária de oferta de produtos e de
imagem de marca – e passam a moldar percepções e interpretações que influenciam
modos de vida, comportamentos e relações entre pessoas e entre pessoas e marcas.
No caso desta pesquisa – uma pesquisa de midiatização sincrônica, isto e,
pautada numa dimensão temporal pontual, com grande representatividade e que
desencadeou mudanças no comportamento de consumo e relaçnao com uma parca,
por parte dos consumidores-interlocutores – averiguamos que elementos centrais do
universo e dinâmica do consumo, como atividades de construção da imagem e de
comunicação da imagem de marca são cada vez mais influenciados e em alguns casos,
dependentes (Hjarvad, 2012: 30) das mídias e atualmente, das mídias digitais como
pontos de contato referenciais do processo de interação com os consumidores. Estes
consumidores, por sua vez, são cada vez mais influenciados e em muitos casos,
dependentes, das mídias sociais e da sua construção de imagem pessoal como marca
(e pseudo-instituição) por meio destas mídias, para a criação de sua identidade e neste
contexto, as marcas constituem os arcabouços de significados que fornecem
elementos simbólicos que constituem os referenciais identitários destes interlocutores,
marcando-os socialmente a partir de processos de interação na triangulação
consumidores-marcas e consumidores-marcas-outros consumidores.
Com base nos pressupostos teóricos de Hepp, adotamos o conceito de força de
moldagem para captar a especificidade da influência das mídias sociais digitais, em
especial, as redes sociais da internet no processo de comunicação e na influência
indireta de transformação social – neste caso, a circulação de discursos publicitários
midiatizados que “moldam” percepções sobre a realidade, as interações entre
consumidores e entre estes e as marcas e a construção de identidades dos
consumidores enquanto interlocutores, enquanto marcas e enquanto pseudo-
instituições, como visto nos capítulos anteriores deste estudo.
As forças de moldagem da mídia atuam tanto nos termos de
institucionalização, onde temos a habitualização de ações que se tornam

91
comportamentos e a tipificação de atores sociais. Neste caso, temos como atores
sociais, as marcas cuja imagem construída necessita revestir-se de valores do mundo
social para atrair, seduzir, engajar e conquistar o consumidor por meio do anuncio
publicitário, temos a mídia, no caso, a mídia publicitária atuando como instituição que
normatiza padrões e transmite regras por meio do comunicação publicitária das
marcas, regras que atuam como condicionadores morais por meio das causas como
narrativa e estética do discurso que codificam e transmite material e simbolicamente
estes valores do mundo social num corpus estético que atua como ponto entre marca e
consumidor, e temos o consumidor-interlocutor, que ao interagir com as campanhas
publicitárias por meio das mídias sociais digitais, relaciona-se com as marcas,
incorporando, por meio do dialogo com elas, valores que se estribam em causas e que
por sua vez, uma vez consumidos, revestem o consumidor-interlocutor de elementos
simbólicos relativos à normatização de valores morais – as causas – para amalgamá-
los ao seu self (CAMPBEL, 2001) na construção de uma imagem identitária
compartilhada com outros indivíduos e grupos por meio das mídias sociais digitais.
Enquanto mundo midiatizado (HEPP, 2013), a internet, ou mundo digital, cria
um universo de práticas sociais específicas e de cosmologia cultural. Conforme HEPP
o nível no qual a midiatização se torna concreta e pode ser analisada empiricamente.
(2014: 53)
Os mundos midiatizados, no caso do objeto desta pesquisa, as interações entre
marcas e consumidores que configuram contornos de sua relação tanto no mundo
digital, quanto no presencial e que influenciam a construção da identidade de
consumidores tanto no mundo online, quanto no offline, são articuladas por redes de
comunicação – as mídias sociais digitais – que atravessam territórios e categorias
sociais. Já que os mundos midiatizados, assim como os mundos sociais, se inter-
relacionam, elaboramos um recorte para investigar o objeto de estudo, no âmbito da
midiatização, com base num enquadramento temático de um mundo midiatizado – o
processo no qual os consumidores no mundo digital em sua relação com as marcas
(que tomam as causas como conteúdo simbólico midiatizado pela publicidade
influenciando transformações sociais indiretas junto à configuração de consumidores).
Como argumenta HEPP (2014) uma configuração comunicativa (como o
universo dos consumidores de uma marca) que integra um mundo midiatizado, não é
baseada na influência de uma única mídia, os consumidores, por exemplo, são
influenciados pela midiatização publicitária oriunda de diversos meios como a TV, os

92
outdoors, as propagandas em revistas, as ações promocionais em eventos presenciais,
não ficando restritos à influência da mídia digital. Contudo, como vimos ao longo
deste estudo, as mídias digitais como processo interacional de referência (BRAGA:
2012) possuem atualmente o poder de gerar transformações por meio da midiatização,
tal qual o fez a TV em décadas passadas, razão pela qual ela torna-se elemento
essencial em nosso estudo e objeto de nosso enquadramento temático na pesquisa
empírica. Foram elencados exemplos de campanhas veiculadas na mídia (TV,
internet) e a reação dos consumidores a estas nas redes sociais digitais que possam
traduzir empiricamente o processo problematizado em questão.

I.ii Big Data

Para aferir os conteúdos disponíveis na internet sobre o enquadramento


temático desenvolvido, laçamos mão da utilização de uma ferramenta de pesquisa de
Big Data para apreender, selecionar e analisar dados presentes nas mídias sociais
digitais relativas ao tema.
A empresa de monitoramento de Big Data Airstrip nos forneceu acesso ao seu
sistema para que pudéssemos desenvolver a pesquisa de dados na rede digital. A
ferramenta, categorizada como analytics, pesquisa base de dados com busca
semântica e clusterização (análise por grupos definidos a partir da criação de um
algoritmos que pesquisa dados e categorias específicas) de até 5.000.000 de dados por
pesquisa (razão do nome – Big Data – grandes dados) e pela configuração semântica
criada a cada pesquisa, ela apreende interações entre interlocutores na internet, em
processos de interlocução com marcas (fan pages, menções, uso de hashtags, uso de
@nome) e entre interlocutores, evidenciando empiricamente, a triangulação entre
interlocutores e marcas e entre interlocutores-marcas-outros interlocutores que
analisamos no corpo teórico desta pesquisa.
O uso de Big Data, como uma ferramenta tecnológica que auxilia a coleta de
dados para a pesquisa sincrônica de midiatização, foi adotada para esta pesquisa com
o intuito de acessar informações mais abrangentes e, na medida do Possível,
detalhadas (pois a ferramenta de Big Data permite que se apreenda a quantidade de
interações nas redes sociais digitais como Twitter e Instagram de
perfis/compartilhamentos públicos e no caso da rede Facebook, permite que se
encontre os dados em fan pages de marcas.

93
Os dados coletados sobre o enquadramento temático da campanha analisada
nos permitiu analisar elementos como quantidades de menções e interações,
processos de interação entre consumidores e marca e entre consumidores-marcas-
outros consumidores, conteúdos discursivos destas interações, permitindo um
delineamento do contexto analisado empiricamente com vistas a permitir sua análise
conforme a metodologia de pesquisa de midiatização proposta por Andreas Hepp.

Conforme a metodologia desenvolvida para o estudo de processos de


midiatização de HEPP (2014: 57), elencamos aqui as quatro instâncias que constituem
uma configuração comunicativa:

I.iii Protocolo de Pesquisa e Delimitação das Variáveis Utilizadas

PRIMEIRO: A constelação de atores entendida como sua base estrutural – no caso de


nosso objeto de estudo, consiste em:

a. as marcas e sua imagem publicizada na mídia (em especial, a digital),


b. as campanhas publicitárias que mediam a imagem das marcas
c. o consumidor-interlocutor da comunicação publicitária em interação com as
marcas nas mídias digitais.

SEGUNDO: O enquadramento temático que serve como tópico de ação-guia:

a utilização de causas humanistas no teor de campanhas publicitárias para


acessar, engajar e conquistar consumidores e a utilização, por parte destes
consumidores, do conteúdo simbólico desta imagem para a construção de sua
identidade como marca/instituição, influenciando transformações sociais
indiretas junto à configuração de consumidores. Neste caso, o tema é a
campanha Casais da marca de cosméticos O Boticário, que tendo o apoio à
diversidade sexual como propósito, arregimentou interlocutores que nem
mesmo são consumidores da marca com esta campanha, os quais criaram uma
verdadeira disputa ideológica via mídias digitais.

94
TERCEIRO: As formas de comunicação. Padrões concretos de práticas comunicativas
que caracterizam as configurações comunicativas e podem incluir diferentes tipos de
comunicação (mídia) entrelaçadas, como neste caso, a comunicação digital:

Analisamos aqui campanhas veiculadas na forma de vídeos divulgados via TV e


em especial via mídias digitais que ao serem assimiladas e interpretadas pelos
consumidores-interlocutores, têm seu conteúdo simbólico – as causas sociais
que representam a institucionalização de valores morais – apropriado como
atributo que confere o sentido de marca e de institucionalização da
imagem/identidade do consumidor via mídias sociais digitais.

QUARTO: Um conjunto de mídia definido pode ser identificado em cada


configuração comunicativa, o que descreve a totalidade dos meios de comunicação
que definem as mediações da configuração comunicativa analisada:

O processo aqui conceituado como triangulação da comunicação, que


compreende as interações entre consumidores e marcas via internet e que são
utilizadas como marcadores sociais junto a outros consumidores interlocutores,
se constitui, inicialmente, por meio da publicização das marcas via anúncios
veiculados em TV, vídeos de campanhas veiculados em canais de redes sociais
como Youtube, Fan Pages de marcas em midias como Facebook, Instagram,
Snapchat e Twitter, num segundo momento, as interações dos consumidores
com as marcas por meia destas mídias e a exposição destas interações a outros
consumidores das redes sociais, o que cria, por sua vez, uma terceira forma de
interação, agora entre consumidores-interlocutores nas mídias digitais.

95
I. iv Apresentação do Objeto de Pesquisa Empírico

Campanha - Casais – O Boticário – Descrição

No ano de 2015 a marca de cosméticos brasileira O Boticário desenvolveu


uma campanha publicitária veiculada em TV para o Dia dos Namorados denominada
“Casais”18, veiculada durante o mês de junho e que mostrou diferentes tipos de casais
heterossexuais e homossexuais trocando presentes da linha Egeo.

O filme tem como trilha sonora a canção “Toda forma de amor” de Lulu
Santos, numa versão instrumental ao piano. Ele mostra, inicialmente, cenas
intercaladas de homens e mulheres, em ʺpreparaçãoʺ para o Dia dos Namorados. Na
primeira cena, um jovem entra numa loja e compra um perfume da marca Egeo, na
seguinte, mostra uma jovem da mesma faixa etária cozinhando algo para receber
alguém. Então Mostra uma mulher de cerca de cinqüenta anos se arrumando em frente
a um espelho e corta para uma homem da mesma idade também se arrumando no
espelho e pegando o presente que comprou para seu par. Na sequência, mostra uma
terceira mulher, cortando para a mulher de 50 anos e depois o primeiro jovem que
aparece no filme pegando um taxi. Então uma jovem tocando a campainha da casa de
alguém e um jovem atendendo o interfone. Corta para este jovem abrindo a porta e
quem ele recebe é o homem de 50 anos, seu namorado com perfume de presente. Os
dois homens se abraçam com afeto. O jovem da cena inicial e a mulher de 50 anos
que olhava no espelho é recebida por ele se abraçam. A jovem que estava cozinhando
abre a porta e surge a jovem que pegava o primeiro taxi, sua namorada e elas se
abraçam. Por fim, diferentes casais, heterossexuais e homossexuais se abraçam e
abrem seus presentes.

A propaganda mostra o que seria um ritual de preparação que pessoas fazem,


usualmente, para o Dia dos Namorados. A compra do presente, o arrumar-se e fazer-
se atraente para o parceiro (a) numa noite especial, preparação de um jantar íntimo, o

18
https://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI&feature=youtu.be

96
deslocamento até a casa do parceiro (a), intercalando os sujeitos da propaganda,
inicialmente, numa sequência homem/mulher, o que leva o interlocutor da propaganda
a ter a percepção de um comercial comum, onde casais “ditos comuns”, concebidos
como heterossexuais, o padrão normalmente reconhecido como o comum na cultura
brasileira, ritualizam a celebração do Dia dos Namorados, desde o momento da
preparação, até o encontro.

1. http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/10/propaganda-da-boticario-com-casais-gays-vence-premio-
publicitario.html pesquisado em 15/07/2015

97
http://www.b9.com.br/58022/advertising/comercial-do-boticario-para-o-dia-dos-namorados-traz-casais-homossexuais-e-trata-
assunto-com-naturalidade/ pesquisado em 15/07/2015

II. Pesquisa de Midiatização Sincrônica

PRIMEIRO: A constelação de atores

a. as marcas e sua imagem publicizada na mídia (em especial, a digital),

A marca de cosméticos O Boticário, cujo target é constituído


predominantemente por consumidores da classe C, possui um posicionamento
relativamente mais conservador no que tange à sua concorrente direta, a marca
Natura. Conforme a pesquisa de BOYD (2007) sobre a imagem institucional de O
Boticário, as características de imagem organizacional de marca percebidas como
pelo público consumidor são:

Nacionalidade, Inovação, Responsabilidade Ambiental, Responsabilidade Social,


Confiança, Ética, Tecnologia, Idade.

Contudo, conforme o autor, a imagem percebida da marca está fortemente


ligada ao seu produto e o Boticário é sempre lembrado como referência para
presentear pessoas, o que faz com que muitas pessoas sejam usuárias do produto sem
serem clientes diretamente. Boyd declara que, segundo os resultados de sua pesquisa,

98
a empresa tem a característica de uma marca de destaque no mercado e de referencia
das qualidades percebidas, em especial, nas relativas a produtos, entretanto, o autor
atenta para o fato de que uma empresa precisa sempre melhorar sua imagem junto ao
público consumidor e entre os desvios que mais apareceram em sua pesquisa
quantitativa, remetem a dimensão de inovação na marca, considerada fraca.

Na análise de Boyd, a imagem da marca não é necessariamente o que a


empresa produz materialmente e sim como ela é percebida, assim sendo não adianta a
marca ser sólida e construir uma imagem institucional consistente, se a população
assim não perceber. (BOYD, 2007: 66)

Como a percepção da marca está extremamente ligada à produção material


comercializada e não ao conceito, branding, sua missão e valores, O Boticário tocou,
na campanha aqui analisada, na dimensão abstrata, não material, pautada em valores
que se tornam, como objetivo da campanha, associados à sua imagem percebida de
marca, atingindo justamente seu ponto falho – a inovação em termos de imagem
percebida de marca

Em grande parte das campanhas publicitárias da marca, que tem como slogan
“A vida é bonita, mas pode ser linda”, a temática central é a beleza feminina e a
sedução, posicionando a marca no território do tema beleza, em relação à
concorrência – como a Natura, cujo slogan é “Bem estar bem”, que posiciona a
marca no território do bem-estar e da sustentabilidade. Na peça de comunicação
analisada, O Boticário parece buscar inovar no branding, na construção de sua
imagem de marca junto ao público consumidor, pois traz como conceito um tema
socialmente polêmico e delicado, bastante em voga, que causou, definitivamente uma
fricção social – para o bem e para o mal.

Com uma reação massiva contra a campanha e boicotando a marca nas redes
sociais digitais, em função da campanha Casais, O Boticário se posicionou
firmemente em seu propósito de apoio à causa da diversidade sexual, por meio de
nota divulgada por sua assessoria de imprensa:

"O Boticário acredita na beleza das relações, presente em toda sua


comunicação. A proposta da campanha 'Casais', que estreou na TV
aberta no dia 25 de maio, é abordar com respeito e sensibilidade a
ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor. Independente

99
de idade, raça, gênero ou orientação sexual – representadas pelo prazer
em presentear a pessoa amada no Dia dos Namorados. O Boticário
reitera que valoriza a tolerância e respeita a diversidade de escolhas e
pontos de vista.19

A marca tomou como conceito para posicionamento de marca, um tema que


causa grande fricção social e essa fricção, na forma de polêmica nas redes sociais
digitais (como veremos no item c. consumidores), fez com que O Boticário
necessitasse assumir uma postura determinada frente às criticas, o que fez com que a
imagem percebida de marca a partir deste episódio, se tornasse atrelada à defesa de
uma causa, o que trouxe inovação a partir de um posicionamento para além do
conceito de beleza e pautado na materialidade dos produtos comercializados.

b. A Campanha Publicitária Veiculada na Mídia

A campanha foi inicialmente veicula via TV aberta em horário nobre ao


mesmo tempo em que foi postada no canal de vídeos da marca na rede social Youtube
e também num post da fan page de O Boticário nas redes sociais digitais Facebook,
Instagram e Twitter, tendo a postagem da rede Facebook como maior ponto de
interação entre internautas, na relação consumidor/marca/outros-consumidores.

Sua estética e narrativa endossam a causa homossexual justamente por mostrar


o quanto uma diferente orientação sexual, tida como desviante da norma pela
sociedade brasileira – pois embora a homossexualidade seja uma realidade entre
sujeitos e casais, o preconceito ainda é muito grande, repercutindo em discriminação
em diversas instâncias da vida social cotidiana e até mesmo atos de violência contra
pessoas e casais de orientação homossexual, ou bissexual – é “normal”, obedece à
mesma densidade afetiva, relacional e ritualística dos casais heterossexuais, trazendo
à tona a dimensão da diferença, mas não da desigualdade, mostrando que a diferença
não deve ser tratada com desigualdade, mas respeitada como parte da sociedade, da
cidadania e aceita na comunidade.

19
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/01/o-boticario-e-criticado-nas-redes-sociais-apos-comercial-com-casais-
gays.htm

100
O ponto de inflexão da propaganda “Casais”, dá-se quando um ritual
tipicamente comum para esta celebração, contendo os elementos ordinários que
constituem o que se entende por ʺcasaisʺ e ʺDia dos ʺNamoradosʺ, rompe com o
senso comum, com o status quo concebe por referência consensualmente concebida
de identidade sexual e identidade de gênero entre casais e mostra a normalidade deste
ritual entre casais de diferentes orientações sexuais, que cumprem a mesma
ritualidade, têm o mesmo cuidado e a mesma preparação detalhada e permeada de
sentimentos amorosos de celebrar o amor e a relação com o parceiro(a) que os casais
heterossexuais, tidos pelo senso comum como a referência do que se concebe por
casal e por relação afetiva.

A Causa LGBT, ou ainda LGBTTT, é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais,


Travestis, Transexuais e Transgêneros, é assumida pela empresa O Boticário como
forma de atribuir valor à sua marca, um valor que transcende a dimensão dos atributos
do produto, ou de características “psicológicas” da marca, para adentrar os valores
morais calcados no propósito, estribando-se num atributo que não a posiciona na seara
do status, ou do estilo de vida, mas naquilo que Kotler (2010) chama de
“espiritualidade”, ou dimensão humanista como representação da personalidade da
marca.

Endossar a Causa LGBT não significa posicionar-se como uma marca voltada
a este público, nem que tenha a homossexualidade como valor (o que foi tomado
como mensagem pelos consumidores mais reacionários que se revoltaram com a
campanha), mas significa, como mensagem, que a marca teve coragem de
comprometer-se com algo que ainda representa um tabu social, pois a coragem é a
marca daqueles que se envolvem com causas e rompem barreiras, colocando-se à
mercê de reações negativas e no caso, possível perda de clientes, para defender o que
se entende por moralmente correto.

A campanha publicitária “Casais” criou polêmica e certamente fez com que a


marca perdesse alguns clientes, mas ao posicionar-se em função de um propósito, um
objetivo de defesa de uma causa social, conquistou novos clientes que não escolheram
a marca pelos produtos, ou pelo discurso chave da marca, o slogan “Beleza é o que a
Gente Faz”, mas porque, mesmo que não se sintam estimulados pelo consumo dos
produtos, consomem “o endosso a uma causa humanista”, consomem a atitude
corajosa, consomem o pertencimento à configuração social daqueles que, mesmo sem

101
precisar agir, pronunciar-se, ou manifestar-se pela causa LGBTT, sentem que estão
agindo politicamente em defesa dela pelo consumo da imagem da marca que a
defende.

Uma notícia da mídia jornalística que reverberou em vários veículos sobre o


tema, foi sobre as 379 empresas que assinaram um documento entregue à Suprema
Corte dos Estados Unidos em março pedindo o fim da proibição do casamento gay,
entre estas, Google, Nike, Coca-Cola, Pepsico, Apple, Starbucks, Ben & Jelly,
American Airlines, Kimberly and Clark, entre dezenas de outras. A mídia jornalística
trouxe à pauta a tendência sociocultural que já havia sido apropriada pelo grande
mercado e estava presente entre as marcas norte-americanas e que chegou
posteriormente ao Brasil, não apenas na Campanha de O Boticário, mas em
campanhas da Mondelez, Coca-Cola, entre outras.

Algo que chamou a atenção dos consumidores e da mídia como um todo,


acreditamos, é que as marcas que já haviam se engajado na causa LGBT e assumiram
posições frente ao assunto, eram multinacionais cujo posicionamento vem de uma
matriz estrangeira.

O Boticário é uma empresa brasileira, criada por brasileiros e que condensa


muitos dos estereótipos do brasileiro sobre questões relativas à beleza, corporalidade,
relações e sexualidade, razão pela qual podemos intuir que a fricção social em torno
desta campanha tenha se tornado tão representativa junto ao consumidor-interlocutor
e em especial em sua dimensão consumidor-marca – que apropriou-se dos conteúdos
simbólicos da campanha e de sua reverberação.

No canal de vídeos Youtube, o vídeo da campanha contou com 3.563.228


visualizações de consumidores interlocutores e interlocutores que não consomem a
marca, alem de interlocutores contrários à campanha, o que gerarou uma “disputa”
entre aprovação (likes) e dasaprovação (dislikes), contando com 386.600 apreciações
positivas, contra 193.212 negativas.

Veiculada em TV em horário nobre, a campanha acessada por meio desta


mídia, reverberou na forma de manifestações nas mídias sociais digitais. A “guerra
entre likes e dislikes” arregimentou consumidores-interlocutores de ambas as posições
em relação à campanha – a favor e contrária – e as redes sociais digitais se tornaram

102
palco de uma guerra ideológica sobre a questão da diversidade (em especial, na pauta
dos consumidores, o tema da homossexualidade) da identidade e relações afetivas.

c. O consumidor-interlocutor da comunicação publicitária em interação com as


marcas nas mídias digitais (consumidor-marca).

A campanha Casais da marca O Boticário causou um verdadeiro furor nas


redes sociais digitais. A configuração comunicativa de consumidores criou várias
formas de se manifestar sobre a campanha – tanto positiva, quanto negativamente.

Se em eras anteriores à midiatização digital, uma campanha veiculada em


horário nobre repercutiria em análises feitas por jornalistas em jornais e revistas tanto
impressos, quanto televisionados e conversas entre indivíduos e grupos que
acarretaria um boca a boca descentralizado e de conversas pontuais entre
consumidores da marca e interlocutores da campanha, na era atual, as mídias sociais
digitais tornam-se uma arena aberta de disputa em relações de poder entre internautas
cujo objetivo, para alem de ganhar uma discussão (ter razão), constitui-se em
representação pública de sua imagem de marca nas redes sociais digitais tendo as
interfaces computadorizadas destas redes – como a timeline do Facebook – como seu
canal pessoal de branding.
Esta campanha tornou-se alvo de protestos de grupos que defendem o modelo
heterossexual de união afetiva e família, como o Pastor Silas Malafaia, que em seu
canal no Youtube20 afirma que homossexualidade é “comportamento, não condição” e
que os cidadãos tem o direto de se posicionar contra empresas que se posicionem a
favor de relacionamento homossexuais.
Aqui, parte de seu discurso no vídeo:

“Existe uma gama de empresas fazendo propaganda da relação gay. Eu


sou contra, é um direito meu. Sou contra e estou aqui para dizer para
evangélicos, para católicos, para espíritas, para ateus: gente que acredita
na família milenar, (...) homem, mulher e sua prole. (...) Tenho o direito
de preservar macho e fêmea, porque essa é a história da civilização
humana.”

20
https://www.youtube.com/watch?v=Rn8ET9Nos9g acessado em 15 de julho de 2015

103
A reação de Malafaia arregimentou adeptos de princípios mais conservadores
sobre a questão da identidade sexual – contrários à homossexualidade – e do modelo
heterossexual de união afetiva, que mesmo não fazendo parte da religião Evangélica,
desaprovam a união homo-afetiva. Estes consumidores com posturas sociais mais
conservadoras, mesmo não consumidores, alheios à marca O Boticário, utilizaram
este episódio para se manifestar contra homossexuais e união homo-afetiva, em
especial nas redes sociais digitais.

O site Reclame Aqui21 teve mais de 167 reclamações contra a campanha, por
parte dos mais diferentes públicos, de homens jovens que condenam a
homossexualidade e acreditam que a campanha incentiva pessoas a se “tornarem”
homossexuais, até mães que acreditam que a campanha agride a moral e os bons
costumes e ofende à família, sendo especialmente prejudicial às crianças.

captura de tela reclamação postada no site Reclame Aqui22

Houve ameaça de boicote à marca por parte de muitos e até mesmo denúncia
ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que teve mais de
20 reclamações de consumidores que julgaram o conteúdo impróprio e a peça
"desrespeitosa à sociedade e à família"23.

21
http://www.reclameaqui.com.br/13261987/o-boticario/abuso-da-midia/ acessado em 15 de julho de 2015
22
http://noticias.terra.com.br/brasil/propaganda-do-boticario-com-casal-gay-gera-homofobia-nas-redes-
sociais,d1b5663ecadb3a28c57976f03da19bf4apncRCRD.html acessado em 15 de julho de 2015

23
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/02/conselho-de-publicidade-vai-analisar-campanha-do-boticario-com-
casais-gays.htm

104
A grande mídia jornalística pautou-se na polêmica e nas manifestações
contrarias à campanha, o que pudemos observar (no item b. Campanha) pelos títulos
das matérias dos principais jornais brasileiros acima. Entre os consumidores,
manifestando-se por meio das mídias sociais digitais, o engajamento em prol da
defesa da causa assumida pela marca foi representado como um verdadeiro ativismo
digital defendendo tanto a campanha e a marca O Boticário, quanto os direitos dos
homossexuais e as relações homo-afetivas.

A hashtag #VivaTodaFormaDeAmor foi criada para unificar as mensagens a


favor da campanha e em defesa da causa da diversidade sexual nas uniões afetivas e
“viralizou” na internet por meio das redes sociais como Facebook e Twitter, que
receberam milhares de postagens de apoio por parte de consumidores e entre eles,
celebridades e profissionais de peso no mercado.

Hashtag #VivaTodaFormaDeAmor na rede social Twitter captura de tela de 15/07/2015

Em pesquisa realizada sobre as reações à campanha na rede social Facebook,


pudemos observar que, diferentemente da adesão a causas (alheias a campanhas e
marcas) que são endossadas por entusiastas e defensores da diversidade sexual, LGBT
e direito ao casamento homossexual, que em geral participam de comunidades e
grupos defensores ou militantes do tema, a defesa e posicionamento da maioria dos
consumidores-interlocutores que passaram a apoiar a marca O Boticário na causa em

105
questão, não participavam de nenhum grupo de defesa dos direitos LGBT e nem se
manifestavam por meio de postagens e comentários sobre o tema, mas se
manifestaram fervorosamente com discursos de tom ativista, posicionando-se como
tal e enfrentando ostensivamente os interlocutores contrários à campanha, tal qual um
militante da causa LGBT.

106
Captura de tela de postagens extraídas da rede social digital Facebook em 15/07/2015

Tanto consumidores-interlocutores que a partir do agendamento criado pela


campanha em questão, não apenas endossaram a causa LGBT, mas
institucionalizaram suas opiniões buscando evidenciar seus valores e códigos morais
via manifestação em redes sociais digitais, quanto aqueles com tendências
conservadoras que posicionaram-se com veemência, muitas vezes, na forma de
verdadeiros ‘bastiões’ da moral e dos bons costumes da preservação da família
brasileira (conforme a visão conservadora dos mesmos), foram influenciados pelo
agendamento causado pela reverberação da campanha em todo o conjunto de mídia
por meio do qual a campanha circulou, TV, mídia digital, mídia escrita.

A configuração de consumidores – os atores em que questão neste tópico,


utilizaram as redes sociais digitais, em especial Facebook, Twitter e Instagram para
manifestar opiniões – em sua maioria favoráveis à campanha. Milhares de
interlocutores se manifestaram na fan page da marca na rede social Facebook.

A campanha lançada em 24 de maio de 2015 foi postada na fan page de O


Boticário e contou com um nível altíssimo de interações de interlocutores da
campanha. A partir de pesquisa realizada com a ferramenta de analytics que afere Big
Data da Airstrip no dia 14 de outubro de 2015, as interações no post de lançamento da
campanha contou com:

1.9 milhões de visualizações,

69.476 likes,

17.576 compartilhamentos,

6.504 comentários

107
O último comentário data de 12/10, como um reply de comentário da
postagem, o que virou um campo de discussão, um fórum permanente sobre o tema. O
post em questão teve interações de interlocutores que já eram consumidores da marca
e não consumidores que foram engajados pela causa defendida. No dia 2 de junho,
uma semana após o lançamento da campanha, mídias como a revista Meio &
Mensagem, Veja e Exame (como vimos anteriormente) publicaram matérias falando a
polêmica gerada nas redes sociais em função da campanha Casais, o que fez com que
do dia 2 de junho para o dia 3 de junho de 2015, a fan page de O Boticário tivesse um
aumento de 15.369 seguidores. (pesquisa realizada com a ferramenta de Big Data
Airstrip). Um post feito na rede social Facebook pelo deputado e ativista dos diretos
homossexuais Jean Willis, contou com 20 mil likes, 845 comentários e 17 mil
compartilhamentos.

Captura de Tela de Postagem do perfil de Jean Willis na rede social Facebook extraída em 15 de julho 2015

SEGUNDO: O enquadramento temático

108
O enquadramento temático refere-se aqui ao efeito da midiatização digital da
publicidade como transformação social que reverbera em novas eticidades do
consumidor-interlocutor desta campanha ao constituir-se nas redes como consumidor-
marca com atributos de um consumidor-instituição a representar códigos morais em
sua imagem publica compartilhada nas redes sociais digitais.

O tema da campanha – que se apresenta como defesa de uma causa e aqui


constitui-se como tema de toda a polêmica evidenciada em interação da
configuraçnao comunicativa analisada – se pauta na causa LGBT, no respeito à
diversidade na vivência das relações afetivas, trazendo a mensagem de que “toda
forma de amor vale à pena” (letra da canção de Lulu Santos, utilizada como canção
instrumental de fundo), buscando transmitir a mensagem de que uma relação afetiva
possui a mesma legitimidade tanto na orientação homossexual, quanto na
heterossexual no que tange à ritualidade relacional e ao afeto independentemente da
orientação seguida.

Diferença não é Desigualdade

A campanha traz a questão do apoio à diversidade sexual como propósito, na


forma de uma causa a ser utilizada como atributo de marca. O tema reverbera uma
questão sociocultural que representa dimensões políticas, de relações de poder entre
uns e Outros na sociedade contemporânea, onde a diferença é vista como
desigualdade.

O Boticário integra a questão da diferença na seara da igualdade, ou seja, a


diferença não significa apequenamento, inferioridade, mas participar da sociedade de
forma igualitária no contexto de diversidade, num esforço de conscientização social
sobre a causa que vem de e desenvolve a partir da atitude de empoderamento de
grupos de ativistas, de políticas públicas de inserção (políticas contra a discriminação
homossexual/homofobia), de uma maior abertura ao Outro, abertura à alteridade como
condição de existência a ser respeitada e vivenciada, em especial, pelos mais jovens,
pelos membros da assim chamada geração Y, ou millennials, que entendem a
diversidade como riqueza e são mais empáticos em relação ao Outro do que as
gerações anteriores.

A questão da alteridade/diversidade na sociedade contemporânea tem sido


tema constante na estética publicitária, como um artifício usado para atribuir valores

109
humanistas à imagem de marca, na busca por posicioná-la num território socialmente
e moralmente legítimo, algo que se inicia no fim dos anos 1980 com as campanhas
desenvolvidas pelo fotografo Oliviero Toscani para a marca Benetton, mostrando
casais multirraciais, crianças de diferentes etnias brincando juntas, além de temas
densos e trágicos, como a AIDS e as viagens de refugiados em navios superlotados.

Lipovetski menciona a abordagem de Toscani e o tema do consumo


emocional, mencionando como a publicidade deixou de comunicar os atributos
pragmáticos dos produtos para comunicar valores, enfatizando o espetacular, a
emoção e significantes que ultrapassam a realidade objetiva dos produtos,
ultrapassando a questão da marcação de status socioeconômico, para tocar a
sensibilidade do consumidor que constrói suas escolhas de consumo com base na
constituição de uma identidade pessoal: “Não são mais tanto a imagem social e sua
visibilidade que importam, é o imaginário da marca; quanto menos há valor de status
no consumo, mais cresce o poder de orientação do valor imaterial das marcas.”
(LIPOVETSKI, 2007: 47)

Campanha da marca Benetton ilustrando a diversidade étnica http://www.colorfun.com.br/2011/11/17/campanha-unhate/

A diversidade e o endosso à sua causa, torna-se um atributo moral e emocional


que legitima socialmente a marca e com isso, legitima socialmente e moralmente o
consumidor que se engaja pela campanha, conferindo-lhe o propósito de apoio à

110
alteridade como atributo de sua marca pessoal. Ao compartilhar o vídeo da campanha
nas redes sociais digitais, ele pode nem chegar a consumir o perfume da marca, mas
compartilha o propósito da campanha tomando-o como seu e posicionando-se com
marca, junto aos outros interlocutores presentes no cyberespaco, pelo processo de
triangulação da interação entre consumidor-marca-outros consumidores.

Se o ativismo constitui hoje o que o Jet Set e o status de celebridade televisiva


constituíam na época da comunicação de massa, (vide o status de Angelina Jolie,
abordado no capítulo anterior) ‘consumir’ a causa já pronta e plena de propósito
tornada mercadoria pelas marcas constitui uma forma de construção de auto-imagem
de marca por parte dos consumidores que nem mesmo precisam comprar o produto,
mas apenas interagir com a imagem de marca dos produtos construída pelas
campanhas publicitárias focadas nas causas sociais.

TERCEIRO: As formas de comunicação

As formas de comunicação (em padrões concretos) utilizadas no contexto


analisado como práticas comunicativas que caracterizam as configurações
comunicativas foram:

Comunicação de mídia de massa:

Anúncio publicitário na forma de vídeo, de 1 minuto veiculada em:

• mídia televisiva em horário nobre a partir de 24 de maio de 2015


• canal de vídeos online Youtube, a partir de 24 de maio de 2015

Comunicação recíproca virtualizada de mídia em ambientes computadorizados (redes


sociais) entre:

• redes sociais digitais, blogs, sites, fan pages, fóruns onde interagiram:
a. a marca e seus consumidores –

b. a marca, seus consumidores, outros consumidores (triangulação)

c. consumidores entre si

Comunicação via veículos de mídia jornalística impressa e em ambientes


computadorizados

111
• sites e blogs de jornais e revistas especializadas e/ou de grande circulação
• blogs de formadores de opinião

A mídia de massa teve um papel fundamental junto à configuração


comunicativa analisada, pois a veiculação inicial do anuncio estudado deu-se pelo
veículo de maior abrangência em termos de comunicação de massa: a TV.

O anúncio publicitário em vídeo da campanha Casais, desenvolvido para o Dia


dos Namorados, foi veiculado inicialmente em canais de TV como a Globo em
horário nobre, no período noturno em que grande parte dos brasileiros assiste ao
Jornal Nacional e posteriormente novelas. Só na capital paulista, a audiência do Jornal
Nacional é de 23 pontos, correspondente a 4.521.800 telespectadores.

Embora as mídias digitais tenham ganho terreno na última década em relação


à mídia de massa, a TV ainda tem grande representatividade pela
abrangência/cobertura de público. Em entrevista para esta pesquisa, o diretor
comercial da TV Globo Jacques Paciullo, há 26 anos na empresa, declara:

Se você entrar nas redes sociais como Youtube, você pode ver que 80% do
que se discute nas redes sociais vem da televisão, de coisas que estão
acontecendo no dia a dia e o protagonista disso é a TV aberta. A rede
social é induzida pelos fatos que estão acontecendo no dia a dia, como no
jornal de papel.”24

A fala do executivo da rede de TV nos evidencia a inter-relação entre mídia de


massa e mídias digitais, onde, embora as mídias digitais tenham crescido enquanto
processo interacional de referência (BRAGA: 2012), em termos de comunicação
recíproca entre interlocutores via internet, os conteúdos produzidos nos veículos de
comunicação de massa ainda pautam muito do que é compartilhado, postado e
debatido nas redes sociais digitais, o que ainda representa o agendamento da mídia de
massa – em especial, a TV aberta – junto aos interlocutores das mídias sociais.

Grande parte dos interlocutores que interagiram com o anúncio da campanha e


com a marca O Boticário (em sua fan page) nas redes sociais digitais em função dele,
tiveram contato inicial com o mesmo via TV e então, a partir desta interação inicial
com a marca via mídia de massa, manifestaram-se em relação a ela.
24
Entrevista realizada para esta pesquisa com Jacques Paciullo em 20 de fevereiro de 2015

112
Percebemos a partir desta constatação, a evidência empírica do argumento de
HEPP (2014) em seu artigo sobre a pesquisa de midiatização (cuja metodologia é
adotada neste estudo) de uma perspectiva transmidial, onde diferentes mídias estão
totalmente envolvidas nas construções comunicativas em mudança da cultura e da
sociedade (p. 61).

A TV aberta opera com o que Paciullo, entrevistado para esta pesquisa chama
de “tiro de canhão” em termos de uma estrutura de comunicação extremamente
abrangente e pulverizada, que atinge tanto os grandes centros metropolitanos mais
próximos da adoção das inovações tecnológicas (ROGERS, 1983) e circulação de
conteúdos de nicho, quanto regiões distantes, interioranas, em localidades onde o
código de valores e eticidades tem uma dinâmica de assimilação mais lenta das
inovações, consequentemente, mais conservadora em muitos princípios.

O anúncio publicitário da campanha veiculado em TV aberta teve grande


penetração entre diferentes tipos de interlocutores, com maior abrangência de
diferentes públicos, desde indivíduos e grupos cosmopolitas das capitais brasileiras,
até cidades muito pequenas das mais diferentes regiões brasileiras, cujos
interlocutores, muitas vezes, não utilizam smatphones e acessam internet de lan
houses.

Estes interlocutores em particular, talvez não fossem impactados pela


divulgação da campanha apenas via internet, ou em revistas, talvez não se
mobilizassem em função de notícias sobre a polêmica ocorrida ao ler em matérias de
jornais e revistas especializadas, mas tiveram a primeira interação com o conteúdo
desta campanha via TV aberta, o que ampliou o espectro de diferentes públicos
atingidos pelo anúncio.

Conforme Jacques Pacciullo:

“A TV aberta tem 65% de share de mercado e vai continuar crescendo.


Você vai assistir TV não importa em que plataforma. Tem gente que está
assistindo o programa de TV no computador. Tem gente que está no
metrô e esta vendo a TV. A Globo, por exemplo, produz conteúdos
específicos para todas as plataformas que existem. O G1 é o principal
portal de noticias hoje. Você tem que ter este olhar capilar, regional,
global. Antes acontecia algo fora, (a informação) demorava para chegar
às pessoas. Hoje acontece em Paris, você conviveu (interagiu pelas

113
mídias sociais) com isso. O que muda? Hoje se consome (a informação)
em plataformas. Então as empresas de comunicação tem que estar
presentes onde as pessoas estão. Este é o grande avanço.”25

A configuração comunicativa analisada, (configuração de interlocutores das


mídias digitais atingidos pela campanha), sejam os indivíduos usuários dos mais
recentes lançamentos de smartphones, ou aqueles que acessam a internet via lan
house, foi impactada inicialmente, de forma direta pela campanha via TV aberta, ou
então, foi impactada indiretamente, via mídias sociais, pela reverberação da interação
dos interlocutores que assistiram à campanha via TV e/ou tomaram contato com ela
via matérias jornalísticas em sites e blogs de revistas e jornais.

Após a interação inicial de interlocutores com a campanha via TV aberta, estes


interlocutores manifestaram-se sobre a campanha, tanto favorável, quanto
desfavoravelmente, nas redes sociais digitais, o que criou, como vimos anteriormente,
uma verdadeira disputa entre likes e dislikes realizada por entusiastas da campanha e
pelo público que a julgou uma afronta à família brasileira, à identidade heterossexual
e às relações heterossexuais, o que culminou com a criação, por parte do pastor Silas
Malafaia26, de posicionamento conservador e abertamente contra homossexuais, a
criar um vídeo postado em sua página no canal de vídeos Youtube, alegando que
empresas como O Boticário faz promoção ao homossexualismo, buscando
arregimentar seguidores para posicionarem-se contra a campanha em suas redes
sociais digitais e a boicotarem a marca e a compra de produtos.

25
idem
26
https://www.youtube.com/watch?v=Hzyt52Y59hM acessado em 15 de julho de 2015

114
https://www.youtube.com/watch?v=Hzyt52Y59hM acessado em 15 de julho de 2015

“Quero convocar aqueles que acreditam em macho e fêmea como modelo


de família, pois o ser humano vive de modelos e essa campanha está
ensinando crianças e jovens o homossexualismo, a não comprarem
produtos desta marca. Vamos dizer não. Deus abençoe a todos”27

O vídeo postado por Malafaia teve 51.288 visualizações, contando com 1.871
likes e 3.382 dislikes, mas desativou a parte de comentários e teve 1.200
compartilhamentos, 7.200 likes e 750 comentários de endosso à sua fala a partir da
postagem deste video em sua fan page na rede social Facebook.

Logo após as declarações de Malafaia no canal Youtube, dezenas de


participantes do canal postaram vídeos se posicionando contra as delcarações de
Malafaia e à favor da marca O Boticário, defendendo a campanha, a marca, a causa
homossexual e incentivando pessoas a comprar produtos desta empresa, como a
blogueira cristã Jussara Oliveira28, que postou um vídeo em seu canal do Youtube
constestando Malafaia e defendendo a marca O Boticário.

27
idem
28
https://www.youtube.com/watch?v=eCTATR7bwXs acessado em 15 de julho de 2015

115
O vídeo de Jussara teve 89.543 visualizações, contando com 5.723 likes e
1.114 dislikes e 1.404 compartilhamentos.

https://www.youtube.com/watch?v=eCTATR7bwXs acessado em 15 de julho de 2015

A campanha desencadeou uma manifestação explícita de homofobia, por parte


dos mais diferentes setores da sociedade. Numa busca simples no site de busca
Google com o assunto “reação do público à campanha Casais O Boticário” em 15 de
julho de 2015, na primeira página com os resultados de busca apareceram 9 matérias
jornalísticas falando sobre o assunto, das quais 7 tinham como título referências às
reações homofóbicas provocadas pela campanha, incluindo reclamações no Conar, 1
abordava a guerra de opiniões (positivas e negativas sobe a campanha) e 1
mencionava uma mensagem de amor e igualdade propagada pela campanha :
G1 - Propaganda de O Boticário com gays gera polêmica e ...
g1.globo.com/.../comercial-de-o-boticario-com-casais-gays-gera-polemica-...
2 de jun de 2015 - A proposta da campanha “Casais”, que estreou na TV aberta no dia 24 ..... e
sinceramente, acho essa reação negativa do publico um absurdo.

Propaganda do Boticário com casal gay gera homofobia ...


noticias.terra.com.br › Brasil › Capa

116
1 de jun de 2015 - Propaganda de "O Boticário" gera reação homofóbica na web ... Jean Wyllys
parabeniza campanha de O Boticário com casal gay · Campanha para o Dia .... Um casal hétero se
beijando em público também é constrangedor.

Propaganda de Dia dos Namorados de "O Boticário" gera ...


www.diariodepernambuco.com.br/.../propaganda-de-dia-dos-namorados...
2 de jun de 2015 - Campanha apresenta casais homoafetivos se presenteando. ... de "O Boticário"
gera reação homofóbica na internet Campanha ... que assim comocasais heteros precisam respeitar
locais públicos, os homo também devem.

Propaganda do Boticário testa o risco de tomar uma ...


brasil.elpais.com › Brasil
3 de jun de 2015 - O vídeo de 30 segundos da propaganda do O Boticário com casais... De olho em
um público com alto poder aquisitivo — casais gays têm, ... críticas nas redes, e ainda lançou
uma campanha em sua página do Facebook para avaliar de perto a reação das pessoas sobre a sua
estratégia de comunicação.

Campanha publicitária provoca reações homofóbicas


www.pt.org.br › Mídia
3 de jun de 2015 - Campanha publicitária provoca reações homofóbicas. Comercial de "O Boticário"
com casais homossexuais será julgado pelo Conselho ... “É um públicoque diz no seu dia a dia pregar o
amor ao próximo, mas sua prática é ...

Boticário rebate críticas homofóbicas a nova campanha


www.brasilpost.com.br/2015/.../boticario-responde-critic_n_7489140.ht...
1 de jun de 2015 - Depois que o Boticário lançou uma campanha para o Dia dos Namorados ... A
proposta da campanha 'Casais', que estreou em TV aberta no dia 24 de maio, .... PENSEM, E SE
FOSSE UM FILHO SEU COMO SERIA A SUA REAÇÃO? .... E, mesmo que a intenção de O
Boticário seja cativar um público com ...

A campanha do Boticário e os gays. Cuidado! Nem tudo - Veja


veja.abril.com.br/.../a-campanha-do-boticario-e-os-gays-cuidado-nem-tu...
4 de jun de 2015 - Refiro-me, como já deve ter ficado claro, à campanha do Boticário. Houve
a reação daqueles que se sentiram incomodados. ... Formam um mercado consumidor apreciável, e não
faz sentido, também comercial, ignorar esse público. ... O problema não é o gay, ou um
discreto casal gay vivendo a plenitude ...

Campanha de O Boticário explora igualdade no amor e ...


zh.clicrbs.com.br/.../campanha-de-o-boticario-explora-igualdade-no-am...
3 de jun de 2015 - E, enquanto O Boticário se limita a dizer, sobre a reação negativa à peça, que ... O
Boticário respondeu que "a proposta da campanha Casais, que ... geralmente um público de classes
sociais mais privilegiadas e que não ...

O Boticário cria guerra de opiniões - Estadão


economia.estadao.com.br/.../comercial-de-o-boticario-cria-guerra-de-opini...
2 de jun de 2015 - Comercial com casais gays causou debate nas redes sociais, ...Casais, criado pela
AlmapBBDO, aumentou o interesse do público pela campanha. ...O Boticário estavam conscientes
das eventuais reações negativas que o ...

A divulgação das manifestações de homofobia pelas mídias jornalísticas, em


especial por meio digital, gerou uma reação de revolta por parte de interlocutores que,
mesmo não sendo defensores da causa homossexual anteriormente à polêmica, foram
influenciados pelas notícias jornalísticas que em sua maioria criaram um
‘agendamento’ em torno das reações homofóbicas à campanha, o que colocou a marca

117
O Boticário como uma empresa de postura heróica ao criar uma campanha audaciosa
em defesa de uma causa e ao rebater as criticas mantendo sua postura com veemência,
o que trouxe a imagem da marca para uma seara institucional, representando valores e
princípios por meio de uma campanha de um produto para uma data festiva.

https://instagram.com/p/3e1It-xFje/ acessado em 15 de julho de 2015

Milhares de consumidores interlocutores de redes sociais digitais que nem


mesmo eram consumidores da marca O Boticário, passaram a se manifestar com
postagens e comentários de forte carga ideológica, agindo como defensores dos
direitos dos homossexuais e, consequentente, a favor da marca, criticando Silas
Malafaia e os fieis que seguiram seu apelo de boicote, em especial, após celebridades
e formadores de opinião investiram num “contra-ataque ideológico” em relação a
Malafaia e seu boicote à marca o Boticário, como acima, o ator Gregório Duvivier.

Instaurada a “batalha” entre o pastor evangélico homofóbico e os defensores


da marca O Boticário em função da causa assumida na arena virtual da internet, o
efeito sobre as vendas foi impactante.

118
https://www.facebook.com/familiasempreconceitos/photos/a.1509729675917767.1073741828.1509723312585070/16327918169
44885/?type=3&fref=nf acessa em 15 de julho de 2015

Jornais e revistas de grande circulação, em especial nas mídias digitais,


divulgaram em peso a notícia de que a polêmica gerada por Malafaia tivera o efeito
oposto ao intento de boicote do pastor, pois milhares de pessoas que não consumiam a
marca, compraram produtos numa forma de ativismo digital e postaram imagens
(selfies) com os produtos comprados e em discursos inflamados contra a homofobia,
tal qual o fez Gregório Duvivier.

captura de tela pagina da revista Veja no Facebook em 3 de junho de 2015

119
Uma questão que aqui se coloca – teriam as pessoas comprado com tamanho
entusiasmo e ativismo, os produtos da marca O Boticário, se o resultado objetivo da
compra não fosse, entre outras coisas, postar a foto, ou fazer menção da compra nas
redes sociais digitais, para que o ‘ativismo’ em torno da causa defendida pela marca,
(no processo de interação do consumidor-interlocutor com ela nas redes sociais) não
culminasse com a representação narcisista de si (defensor da causa) junto aos outros
interlocutores, na relação de triangulação entre consumidor-marca-outros
consumidores?

Fato é que conforme HEPP (2014) enfatiza, a especificidade da mídia importa


no processo de midiatização e é esta especificidade que muitas vezes pode ser o
elemento chave do efeito, ou mudança social gerado pela midiatização. As formas de
comunicação utilizadas pela configuração comunicativa analisada, determinadas pelas
interações via dispositivos tecnológicos computadorizados de internet permitiram que
tanto a abrangência, quanto a velocidade dos processos de interação gerassem
mobilizações em torno da polêmica causada pela campanha que não seriam possíveis
em tempos e com as mídias de comunicação de massa.

Estas formas de comunicação criaram dinâmicas que só seriam possíveis a


esta configuração comunicativa por este tipo específico de mídia – a digital. Mas
também entra aqui o ponto trabalhado por HEPP (2014) em seu artigo sobre pesquisa
de midiatização, de que uma mídia, mesmo sendo a referencial numa configuração
comunicativa, não atua sozinha nos processos de comunicação.

Vimos que a forma de comunicação inicial desta dinâmica foi a TV e sua


abrangência de massa na veiculação inicial do anuncio, paralelamente à
disponibilização deste no canal de vídeos da marca no Youtube e a divulgação desta
campanha também na fan page da marca nas redes sociais digitais Facebook,
Instagram e Twitter, o que permitiu a circulação do conteúdo comunicado por
processos de interação distintos e complementares, que por sua vez repercutiram na
ressignificação deste conteúdo que por meio das representações dele feitas pelo
consumidores-interlocutores, tornou-o um totem com características institucionais
utilizado para mediar relações de poder e comunhão/choque de valores entre
indivíduos e grupos na arena aberta da internet.

QUARTO: Um conjunto de mídia

120
Como vimos em HEPP (2014), as forças de moldagem da mídia sobre a
sociedade na perspectiva de influência, ou transformação desta, possui duas
dimensões essenciais, a institucionalização e a reificação. A institucionalização,
conceituada pelo autor a partir do conceito socioconstrutivista de Berger e Luckman,
possui formas específicas de ação conforme tipos de ator e tipificação das ações
habitualizadas por estes diferentes tipos de ator na configuração comunicativa. No
caso da configuração comunicativa analisada nesta pesquisa, os diferentes tipos de
ator expostos na parte PRIMEIRA desta análise, desempenharam diferentes (e
convergentes) tipos de ações, que por muitas vezes foram intercambiadas entre os
atores, como no caso da midia digital de vídeos Youtube, que tanto foi meio de
lançamento do vídeo da campanha, como meio de manifestação dos opositores a ela e
por conseguinte, dos consumidores-interlocutores que se manifestaram contra o
opositor.

Na dimensão da reificação, o conjunto de aparatos técnicos que


instrumentalizaram essa configuração comunicativa, sua dinâmica e os processos de
interação entre seus atores, materializam a ação humana como objetos de atuação, se a
mídia televisiva de massa divulgou em primeira mão o vídeo, as mídias digitais de
interação recíproca promoveram o campo de discussão e os veículos de transmissão
dos discursos entre interlocutores – desde o pastor Malafaia e sua contestadora, a
blogueira cristã Jessica, até as celebridades como Gregório Duvivier e todos os
consumidores interlocutores que utilizaram os implementos tecnológicos de
computadores e internet para atuarem no processo analisado.

Podemos apreender empiricamente, a teoria de Hepp, de que não apenas um


meio molda a construção comunicativa da realidade, mas uma variedade de meio faz
isso ao mesmo tempo (HEPP, 2014:43) e podemos inferir, de forma complementar,
caso contrario, o processo observado e sua influência na transformação na realidade,
não ocorreria da forma observada.

Pudemos constatar, na observação e análise do mundo midiatizado analisado,


a configuração comunicativa envolvida no caso da campanha O Boticário, que os três
aspectos constituintes dos mundos midiatizados conceituados por Hepp estiveram
presentes no objeto de estudo:

121
1. A rede de comunicação – os atores envolvidos e as mídias que possibilitaram
sua interação
2. As várias escalas do processo de comunicação – tanto no nível macro, da
mídia de massa televisiva, quanto nos sites de jornais e nas redes sociais de
interação recíproca, no nível micro entre consumidores-interlocutores que
debateram em posts o caso.

3. O entrelaçamento dos mundos midiatizados - o mundo social da marca e do


grande mercado, o mundo social da TV/mídia de massa, o mundo social das
mídias jornalísticas, o mundo social das celebridades, o mundo social dos
diferentes grupos de consumidores-interlocutores, que ao se entrelaçarem
construíram a configuração comunicativa analisada.

O conjunto de mídia que compõe a configuração comunicativa analisada pode


ser caracterizados pelos seguintes meios:

I. Mídia de massa:

i. TV – divulgadora inicial do vídeo de anuncio da campanha por inserções


comerciais
ii. Jornais impressos, jornais televisionados, revistas impressas – que divulgaram
notícias sobre a polêmica em torno da campanha

II. Mídia digital de interação recíproca:

i. Fan page da marca o Boticário nas redes sociais digitais, site da marca, canal
de vídeos da marca no Youtube
ii. Canal de vídeo no Youtube – de Silas Malafaia que lançou o boicote contra a
marca

iii. Sites de revistas e de jornais na internet – que divulgaram as noticias sobre a


polêmica

122
iv. Perfis e Fan Pages de celebridades influenciadoras em redes sociais digitais
como Facebook, Instagram e Youtube – que lançaram manifestações de apoio
à marca, contra Malafaia e incentivando o consumo de O Boticário como
forma de ativismo contra a homofobia, como Gregório Duvivier

v. Blogs e canais de vídeo (Vlogs) de blogueiros – que se manifestaram contra


Malafaia e apoiando O Boticário e a causa homossexual, como a blogueira
cristã Jessica.

vi. Perfis de usuários de consumidores-interlocutores em redes sociais digitais –


que se manifestaram tanto contra, quanto a favor da campanha, da marca O
Boticário e da causa homossexual, criando posicionamento e comentários com
tom ideológico, declarando regras de eticidade contra o preconceito, numa
postura institucional, tal qual o fez a marca O Boticário ao lançar sua
campanha.

IV – O consumo como mídia discursiva/representativa em processos de interação

i. O consumo da comunicação publicitária e por conseguinte, da imagem da


marca e posteriormente, compra do produto. O interlocutor da mensagem
incorporou a causa comunicada e institucionalizada na imagem da marca, pela
interação com o anuncio publicitário e consumo dos códigos de valores nele
imbuídos. O consumo da imagem da marca, neste caso, foi um meio de
interação com os valores institucionalizados pela marca via campanha.
ii. O consumo dos produtos O Boticário como forma discursiva de representação
do engajamento à causa.

Apos o consumo da comunicação publicitária e da imagem institucional dos


valores incorporados à marca (causa homossexual/contra o preconceito) por
meio desta campanha, os consumidores-interlocutores da mensagem
publicitária puderam ‘materializar’ a relação com estes valores e sua
incorporação, por meio do consumo dos bens de O Boticário codificados com
a imagem resultante da campanha e de toda a polêmica em questão,
institucionalizando-se e personalizando-se por meio do que estes produtos
codificados passam a comunicar e que reberberam junto aos outros

123
consumidores interlocutores, pelo agendamento gerado pela midiatização dos
atores (meios) aqui evidenciados.

V. O consumidor-interlocutor como marca e como instituição

i. O consumidor interlocutor realiza o processo de triangulação da interação


consumidor-marca-outros consumidores ao posicionar-se nas redes sociais
digitais como uma marca atribuída de categorias e princípios
(MACKCRACKEN, 2003), ao assimilar a causa por meio do consumo dos
valores representados na comunicação publicitária da campanha em questão e,
por conseguinte, atribuídos à marca e percebidos neste contexto,
consensualmente pela configuração comunicativa analisada, por meio do
agendamento criado pelos mídia desta configuração, ele busca representar-se
nas mídias sociais digitais por meio de uma imagem institucionalizada pela
tipificação do discurso – ideológico – que utiliza como representação
(utilizando a causa consumida por intermédio da marca) junto a outros
consumidores-interlocutores nas redes sociais digitais.

III. Análise dos Resultados da Pesquisa de Midiatização Sincrônica

124
O consumidor-interlocutor, em tempos de mídia de massa, poderia consumir o
anuncio publicitário e ser seduzido pelo estímulo hedonista (CAMPBEL, 2001) de
consumo, ou de manifestação de status social (ROCHA, 1985), comprar o produto
anunciado e usá-lo para projetar-se socialmente, evidenciando o código de valores
consumido a partir dos valores representados na marca e que o personalizariam junto
à coletividade (DOUGLAS 2004, ROCHA 1985, MACCRACKEN 2003, VEBLEN
1965).

Na era das mídias digitais, o consumidor-interlocutor, cujo objetivo na


interação com marcas via internet, (para além do conhecimento e motivação à compra
e usufruto do produto para fruição pessoal e demonstração presencial de uso material)
é constituir-se como marca (LEVY & LUEDICKE, 2012) representa valores
moralmente elevados (KOTLER, 2010) que o categorizam como uma marca a
diferenciar-se da concorrência, interagindo com as marcas que se investem de
atributos de causa por meio do território digital. Ele utiliza os processos de interação
com estas marcas para incorporar atributos de significado – em especial, os
moralmente elevados, como causas – e a partir da interação com elas, desenvolve a
interação com outros consumidores, posicionando-se como marca nas redes sociais
digitais no processo aqui chamado de triangulação do consumo no território digital.

O mundo midiatizado analisado a partir da configuração comunicativa


delineada neste estudo, nos permitiu mapear o processo de midiatização que engendra
mudanças na relação entre consumidores e marca e que orienta uma nova estrutura de
representação pública deste consumidor nas interações com as marcas via
publicidade, onde ele se caracteriza como uma marca que se posiciona como
instituição social.

Pudemos observar que este consumidor, mesmo que interagindo inicialmente


com a campanha publicitária e os valores defendidos pela marca por meio da mídia de
massa, desenvolve a relação com os conteúdos discursivos e estéticos desta, no
território cibernético das mídias digitais. É neste território, por sua vez, que a
assimilação, interpretação e ressignificação dos conteúdos emitidos pela marca via
anúncio publicitário vai ocorrer por parte deste consumidor, orientado pela influência
das opiniões, criticas, elogios, boicotes e engajamento de outros interlocutores (em
especial, os maiores influenciadores deste meio) sobre a campanha e seus
significados.

125
Se no lançamento da campanha, a fan page da marca O Boticário contou com
milhares de interpretações positivas (likes) e comentários parabenizando e elogiando a
coragem e adesão à causa representada, foi a partir da manifestação do pastor Silas
Malafaia nas redes sociais digitais, por meio de seu vídeo no canal Youtube,
boicotando a empresa e pedindo a adesão de seus fieis e de pessoas homofóbicas ao
boicote da compra de produtos da marca, que os interlocutores da campanha, diretos,
ou indiretos (que assistiram à campanha, ou tomaram conhecimento dela via
comentários de redes sociais digitais) foram engajados à marca em função da causa
defendida e posicionaram-se, tal como ela (O Boticário) como uma marca com
representação institucional, a pautar-se em valores humanos e códigos morais de
conduta ética que tornam-se (ao menos intenta-se que ocorra) seus atributos essenciais
de comunicação de imagem pública.

O vídeo do pastor Malafaia teve a adesão de milhares de pessoas que


engajaram-se pela ‘causa homofóbica’, os quais pronunciaram-se contra a marca e a
campanha, julgando-a um atentado à moral brasileira, à família e ao bem-estar de seus
filhos (que poderiam ser influenciados pela campanha), compartilhando este vídeo
mais de mil vezes e endossando seu boicote, buscando, por sua vez, mais ‘fiéis’ e
pessoas contrárias à união homo-afetiva para multiplicar o pedido de boicote da marca
via postagens e comentários em postagens alheias nas redes sociais digitais.

A reação de Malafaia à campanha, por si só, já arregimentou milhares de


pessoas que se posicionaram contra sua postura, tida por muitos como discriminatória,
sexista, homofóbica e reacionária por muitos interlocutores que passaram a se
manifestar a favor da campanha e por conseguinte, da marca O Boticário, como
resultado da reação contra a homofobia de Malafaia.

As revistas de maior penetração entre leitores e internautas, impressas e em


especial, as edições online, produziram muitas matérias sobre a polêmica instaurada
nas redes sociais digitais, o que fez com que pessoas que não haviam visto o anúncio
na TV e nem fossem consumidores da marca, ou adeptos de Malafaia, se
posicionassem nas redes sociais digitais, em sua maioria, contra Malafaia e
consequentemente, a favor de O Boticário.

Pessoas de grande influência na mídia brasileira também posicionaram-se,


espontaneamente a favor da marca O Boticário, não por apreço à marca em si, mas

126
pela causa e reações geradas, criando posts de apoio à marca e à causa e mesmo
expondo produtos da marca como forma de endosso à causa e contra o boicote de
Malafaia. Com isso, estas personalidades da mídia, enquanto influenciadores nas
redes sociais digitais, engajaram mais pessoas ainda a posicionarem-se contra
Malafaia, a favor de O Boticário, o que elevou as vendas da marca na época do Dia
dos Namorados, quando foi lançada a campanha.

Com a elevação das vendas, diversas mídias jornalísticas e mesmo televisivas


anunciaram este dado, o que fez com que consumidores novamente compartilhassem
notícias com este assunto, mostrando uma “vitória” da causa contra a homofobia e o
boicote de Silas Malafaia e aumentando ainda mais o engajamento de interlocutores –
dos quais muito passaram a ser consumidores da marca – criando uma agenda positiva
tanto para O Boticário e para a causa homossexual.

Esta agenda positiva, enquanto assunto a reverberar via mídias digitais e


atribuição de significado moralmente elevado e humanista à marca O Boticário,
constituiu um verdadeiro arcabouço simbólico codificado na marca, nos produtos dela
e na menção da mesma nas redes sociais digitais.

Este arcabouço simbólico constituído passou a ser assimilado por


consumidores-interlocutores que o utilizaram, por sua vez, como um atributo de
marca nas redes sociais digitais, posicionando-se como uma marca com atributos de
instituição a representar sua imagem pública no território virtual por meio de
menções, associações, consumo do conteúdo simbólico da publicidade, da marca O
Boticário e de seus produtos, com consumidores comunicando a compra e por vezes,
expondo os produtos da marca comprados em páginas pessoais das redes sociais
digitais.

O processo de midiatização digital mapeado e analisado nesta pesquisa, nos


permite representar empiricamente a discussão teórica aqui desenvolvida. Podemos
averiguar que as imagens-sonho difundidas pela estética e narrativa da publicidade,
as quais constituem a realidade percebida, conforme HAUG (1987) e
FEATHERSTONE (1995), assumem novos contornos, formas discursivas e
construção estética, a partir da influência das mídias digitais, não apenas no campo da
propaganda e do marketing, mas acima de tudo, no campo da sociedade e da

127
cosmologia cultural que orientas formas de ver, ser e viver no universo cibernético da
internet.

Tal conceito pode ser representado na forma como as marcas lançam uma
campanha a partir de um anuncio em mídia de massa televisiva na internet, mas cria
uma estrutura de comunicação do anuncio na internet, via fan pages em redes sociais
digitais, para que a interação com este anuncio se dê no âmbito digital e que os
consumidores-interlocutores, por sua vez, ao comentarem sobre a campanha, ou a
postarem em sua página pessoas, acabem por promovê-la, mesmo que os comentários
sejam polêmicos – mas fazem a informação sobre ela circular.

O ethos do consumidor no âmbito digital é rearticulado a partir do


empoderamento deste consumidor na relação com as marcas com base no poder
adquirido em função do diálogo (o consumidor hoje emite discursos sobre a marca
cuja abrangência e velocidade da recepção junto a outros consumidores é
respectivamente imensa e imediata) e novas eticidades do consumo das marcas, dos
produtos e mesmo da publicidade são construídas.

O diálogo com as marcas que conforme LEVY & LUEDICKE (2012) tornam
o consumidor, por sua vez uma marca a exigir dela elementos que acabam por
posicioná-lo, faz com que a dinâmica de passagem dos conteúdos simbólicos,
categorias e princípios, não terminem na ressignificação que o consumidor faz do
produto/marca para si MACCRACKEN (2003), mas na ressignificação que ele faz e
comunica a outros interlocutores (triangulação da comunicação digital), num processo
de circulação da comunicação publicitária (TRINDADE 2014) onde o consumidor
torna-se co-criador da imagem de marca e dos significados do anuncio publicitário
(LEVY & LUEDICKE 2012)

O consumidor-marca, em seu poder de diálogo com as marcas e com outros


consumidores, torna-se cada vez mais exigente e as marcas precisam criar atributos de
engajamento que o surpreendam e satisfaçam suas expectativas extravagantes de
hiperconsumo, mas sobretudo, estes atributos precisam ser capazes de codificar estes
consumidores como marcas a estabelecerem seus diferenciais e suas características
pautadas em valores humanistas, ética e princípios morais, pois o velho status social
baseado em estratificação de classes já não constitui uma aspiração em tempos
exposição pública de redes sociais digitais.

128
A campanha ‘Casais’ de O Boticário, promoveu uma ruptura com o padrão de
campanhas que grande parte das marcas de cosméticos desenvolve – a maioria ligada
à beleza, cuidado com a pele, sedução - e permitiu que a marca surpreendesse o
consumidor e mesmo interlocutores que ainda não eram seus consumidores, com um
discurso e estética disruptivos em relação, não apenas ao tipo de conteúdos
comunicados por empresas do ramo cosmético, como em relação ao tipo de
posicionamento que assume junto aos consumidores (ligado à representação da beleza
física), o que gerou engajamento e estimulou o consumo à imagem de marca e da
compra de seus produtos.

A ruptura para com o padrão de “casal de namorados heterossexual


convencional” também diz respeito ao red sneakers effect BELLEZZA (2014)
mencionado nesta pesquisa, onde a não-conformidade a padrões pré-estabelecidos
(propagandas de casais heterossexuais) abre espaço para a manifestação de uma
identidade irreverente e corajosa, que rompe com o status quo e por isso representa
poder e influência. Muitos dos interlocutores que se engajaram na causa de O
Boticário e passaram a advogar pela marca, não a tinham o “radar” de suas marcas
preferidas, engajando-se em função de sua causa e do que este engajamento em torno
de uma causa polêmica e mesmo tabu para muitos, repercute na construção de da
imagem de marca deste interlocutor via redes sociais digitais.

As dinâmicas observadas neste processo de pesquisa, nos levaram a


identificar, de um lado uma constante necessidade de interação com as pautas
presentes na agenda do par marcas/mídia, como se a obsolescência decorrente do não-
conluio com o agendamento da midiatização digital fosse uma forma de ‘pobreza’
(DOUGLAS, 2007), em função da exclusão social que suscita nas redes sociais
digitais e, consequentemente, na vida real em processos de interação fora da ‘rede’.

Os novos códigos de um valor estatutário na era da midiatização digital não


tem a ver apenas com o consumo da informação e dos conteúdos simbólicos das
marcas, mas às formas de interação com eles nas redes sociais digitais, que possuem
uma dimensão temporal – orientada pelo imediatismo do acesso à informação e das
interações sociais sobre ele na rede – seguida pelo teor dos conteúdos compartilhados,
que cada vez mais personalizam o consumidor enquanto marca-instituição e mesmo o
‘descarte’ do consumo da informação (anúncio de marca, informação sobre marcas),
pois falar sobre um assunto que já tornou-se obsoleto nas redes sociais digitais é sinal

129
de “chegar tarde a ele”, tal qual uma força centrífuga (ou trickle-down) que leva os
bens de consumo a chegarem mais tardiamente às classes sociais menos favorecidas, a
exemplo de carros usados e tendências do vestuário.

As formas de comunicação presentes no caso observado, nos permitem


constatar que na era da midiatização digital diferentes mídias são conectadas e
interagem na composição da configuração comunicativa que, mesmo tendo seu maior
foco de interação nas mídias sociais, utiliza de outras mídias, mesmo as clássicas
mídias de massa e outros meios de representação e interação comunicativa, como
produtos anunciados por influenciados nas mídias sociais, para interagir e relacionar-
se como um todo.

A partir do processo analisado, concordamos com Jacques Paciullo, executivo


de TV entrevistado para esta pesquisa, com a fato de que a mídia televisiva de massa
ainda possui alcance, influência e representatividade expressiva entre as diferentes
mídias na era da midiatização digital. Um anúncio veiculado em horário nobre,
abrangendo diferentes e longínquas localidades no País, engendra a grande reação dos
interlocutores nas mídias digitais, que tiveram contato inicial com o conteúdo do
anuncia da marca e sua causa, via TV.

Talvez se o anúncio fosse vinculado apenas como um vídeo viral na internet, a


partir do canal da marca no Youtube, o efeito da campanha não alcançaria
consumidores-interlocutores que se encontram “na periferia” das mídias digitais,
pessoas cuja cosmologia cultural está distante daquela dos nerds, net-ativistas e
pessoas engajadas em tendências de tecnologia e informação que se encontram nas
regiões metropolitanas deste país.

A abrangência da TV, mídia de massa, que atinge a todas as configurações


socioeconômicas, cria uma reação que extrapola as discussões de redes sociais digitais
que “bombam”, isto é, tem grande penetração, interação e repercussão num dia, mas
são esquecidas dentro de dois, ou três dias, quando uma nova notícia, ou lançamento
se apresenta nas mídias sociais. A dimensão temporal de consumo da informação e da
publicidade – do território virtual da internet para a vida presencial das pessoas –
possui diferentes contornos, com penetração, interação e reação aos conteúdos menos
imediata e relativamente mais duradoura que entre consumidores interlocutores
oriundos da cosmologia metropolitana.

130
Pudemos observar pela análise de Big Data, que as interações sobre a
polêmica da campanha Casais teve início no fim de maio e estendeu-se até início de
julho, com picos de interações no lançamento da campanha em 24 de maio, no
lançamento do vídeo de Malafaia em 25 de maio, quando jornais noticiaram a
polêmica criada em 2 de junho e quando a notícia do aumento de vendas de O
boticário foi anunciada, em 15 de julho.

Podemos inferir que o conjunto de mídia presente na configuração


comunicativa analisada permitiu que tanto a abrangência, quanto a extensão da
dimensão temporal das interações sobre o tema fossem extremamente representativas,
pois a união entre as diferentes categorias de mídia – a de massa, a digital (tanto de
interações com a marca, quanto recíproca entre usuários) e a de bens que comunicam
valores – confluíram para a constituição do fenômeno observado no caso desta
campanha.

A partir da pesquisa de midiatização sincrônica da campanha em questão,


pudemos verificar como as forças de moldagem da mídia, a partir da inter-relação
entre diferentes tipos de mídia – cada um com sua influência e especificidade – atuam
sobre as percepções, consciências e comportamentos (neste caso, de consumo) dos
interlocutores, engendrando mudanças nestas variáveis a partir de mudanças,
rearticulações nos processos de comunicação em si, onde diferentes mídias formam
um conjunto de mídia complexo por meio do qual indivíduos e grupos interagem e
estabelecem novas formas de relação com marcas, produtos e na triangulação do
consumo via mídias digitais, como foi observado neste estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossas considerações finais nos atemos a reafirmar o conjunto de análises


e possíveis inferências representadas ao longo desta pesquisa.

131
As imagens-sonho que constituem a estética da publicidade contemporânea
enquanto forma, numa referência ao “formismo”29 de que nos fala Maffesoli
(1996:127) nos mostram que esta forma (ou aparência) é formadora e que a estética
enquanto aparência é ao mesmo tempo parte integrante de um exemplo dado e meio
de compreender este conjunto, o todo social. A aparência nos mostra o que é aleatório
e ao mesmo tempo dá coerência à totalidade.

A estética da publicidade na Era das Causas, comunicada aos consumidores-


interlocutores por um conjunto de mídia que opera por meio da midiatização digital,
nos mostra que o ‘propósito’ enquanto valor que estrutura o capital simbólico das
campanhas publicitárias e por conseguinte, o capital simbólico das marcas, consiste
numa busca, muitas vezes desesperada por parte do mercado, de atribuir às marcas
signos que denotem significações do mundo social que possuam uma carga simbólica
cada vez mais densa em termos de valores sociais.

As marcas buscam atingir, por meio deste arcabouço simbólico de valores, o


âmbito emocional do consumidor por meio da consciência, tocando num ponto cada
vez mais sensível da cosmologia cultural contemporânea (“bombardeada” o tempo
todo por informações que denunciam práticas abusivas contra a natureza, a sociedade,
diferentes grupos e minorias e a ética), a necessidade de fazer algo que contribua para
o mundo, que intervenha, para alem de palavras, com atitudes em prol de um mundo
melhor – mesmo que esta idéia de mundo melhor seja um simulacro projetado nas
consciências dos consumidores pelo agendamento da midiatização digital.

Esta estética com tom de denúncia, de humanismo, de espiritualidade e


filantropia busca substituir aquela cujos elementos simbólicos usualmente utilizados
representavam significados de status (ROCHA, 1985), elementos estes, que em tempo
de extrema competitividade das marcas, não são mais capazes de tocar, seduzir e
conquistar o consumidor que hoje dialoga de igual para igual com elas, graças às
mídias digitais – um consumidor cada vez mais ‘empoderado’ pela notoriedade e
abrangência que sua voz conquistou no jogo do poder do mercado capitalista
contemporâneo.

29
Conforme Maffesoli, a forma é uma questão epistemológica de suma importância, pois é uma matriz que preside ao
nascimento, ao desenvolvimento e à morte dos diversos elementos que caracterizam uma sociedade. O formismo, neologismo
criado pelo autor, consiste numa reflexão sobre a forma analisada, sobre a profundidade da aparência, que representa a conexão
entre conteúdo e continente, entre forma exterior e força interior.

132
A Era das Causas na publicidade, era de um pseudo-ativismo que busca
desesperadamente dialogar com o códigos de valores dos consumidores atuais, é
formada por elementos do mundo social, da cosmologia cultural destes apreendida e
manipulada em signos atribuídos a produtos. Sua narrativa e estética são permeadas
de signos de empoderamento e ativismo “de cadeira”, (ações feitas apenas no
universo da internet) que em parte refletem um ganho de consciência por parte dos
consumidores sobre a forma como nos relacionamos com o mundo (a natureza, o
social, as organizações), mas também constitui uma tendência comportamental
fomentada pela midiatização digital, que moldando percepções, visões de mundo,
gera a eticidade do ativismo que passa das redes sociais para o mundo presencial,
dos comentários em posts, para os diálogos presenciais entre pessoas e escolhas de
consumo.

Essa eticidade do ativismo é composta, de um lado pelo agendamento da


midiatização digital que gera a necessidade de conluio, de participação na estrutura de
pensamento e dinâmica de comportamento de grupos de referência e de outro, pela
construção da imagem do consumidor-marca via redes sociais digitais, da atribuição
de significações densas, para além do status atribuído pelo consumo das marcas, a
codificação deste consumidor com significados institucionais, de uma imagem pública
com missão e valores que constroem o arcabouço de valores de sua imagem, tal qual a
imagem institucional de uma marca.

Não queremos aqui discutir a veracidade, ou legitimidade da eticidade do


ativismo, se os valores que hoje permeiam mentes, corações e comportamentos das
pessoas são verdadeiros, ou meramente mais uma tendência influenciada pelo conluio
mídia e mercado, mesmo porque, enquanto um simulacro, perde-se a origem em
função da multiplicação, perde-se o real originário por signos do hiper-real
multiplicado nas redes sociais digitais. E enquanto hiper-realidade, a eticidade do
ativismo que aflora em diferentes territórios, do cyber-feminismo a arregimentar
adolescentes que nunca ouviram falar de Simone de Bouvoir e que escrutinam os
posts de seus communitas e de marcas nas redes, buscando sinais de um suposto
machismo escondido em cada termo, ou frase proferida, até aqueles que adicionaram
ao sobrenome, nas redes sociais, o Guarani-Kaiowá, engajando a manifestação virtual
contra os ataques de donos de terra ao povo indígena de mesmo nome, sem nem

133
mesmo saber do que se trata o conflito, quais as razões dele e mesmo quem são e onde
vivem os Guarani-Kaiowá.

O importante na eticidade do ativismo é a adoção de signos do hiper-real


universo das causas, das ações – da diversão ao consumo, passando pela escolha da
carreira – orientadas pelo propósito e tão importante, ou mais importante do que o
engajamento às causas sociais, sustentáveis e humanistas, é expor os signos desse
engajamento via escolhas de consumo, das roupas de marcas que empregam
costureiras de uma favela gerando uma atividade de subsistência financeira, ao
boicote a marcas renomadas que, conforme informado na mídia e compartilhado
milhares de vezes em redes sociais, utilizam trabalho escravo de imigrantes ilegais.

Da compra do refrigerante que apóia a causa homossexual, à adoção do


absorvente íntimo que apóia a causa do empoderamento feminino por meio de
campanhas que mostram como as meninas não se reconhecem nos estereótipos
atribuídos a elas na sociedade como um todo, a publicidade enquanto ponto de
articulação entre marcas e consumidores, cumpre cada vez mais a função, enquanto
operador totêmico, de criar o arcabouço simbólico dos elementos que codificam o
consumidor-marca e lhe conferem, tal qual às marcas, uma imagem institucional.

Na hiper-realidade do consumo, o consumidor torna-se também um simulacro,


pleno de signos assimilados cada vez mais pela interação com marcas que lhe
codificam, posicionando-o no mosaico social da internet com atributos de imagem
institucional que transcendem para a vivência do real presencial.

A Era das Causas reflete na estética publicitária que orienta uma eticidade do
ativismo, a vivência da cosmologia cultural contemporânea, a midiatização digital e
sua influência nos processos de socialização, dinâmicas de interação e relações de
poder. Enquanto forma que representa parte e também o todo, a estética da
publicidade na Era das Causas representa um importante fenômeno para se analisar e
entender a realidade contemporânea, seus atores sociais e as dinâmicas culturais
vivenciadas em sociedade.

A midiatização digital, operando a partir das forças de moldagem da mídia,


redefine os territórios de uns e outros atores no cenário da comunicação e
consequentemente do consumo da estética publicitária. As imagens-sonho geradas a
partir desta estética, que delineiam o que se conhece por realidade, não circulam mais

134
(tão somente) a partir da “fabricação” do consumo pela publicidade, mas são
constantemente reapropriadas, ressignificadas e lançadas à circulação midiática pelo
consumidor-marca, que ao interagir com estes significados, atua na reestruturação
deles e a partir de canais por onde dialoga com as marcas, numa relação cada vez
mais horizontal, torna essa ressignificação parte das imagens-sonho da mídia
publicitária.

A estética publicitária e as narrativas que constituem as imagens-sonho, em


processos de co-criação com o consumidor-marca, necessita trazer conteúdos que
satisfaçam a expectativa narcisista de projeção individual nas mídias digitais – o novo
palco onde ocorrem todo o tipo de interação entre consumidores e mercado – portanto
busca nas causas que detém um propósito humanista e ético, comunicado pela
imagem das marcas via publicidade, os atributos de personalidade e singuralidade que
ele busca, ao compor-se como um bricolage de elementos consumidos de diversas
instâncias do mundo do consumo, do entretenimento à literatura, que possui um link
específico em sua página de Facebook, até as campanhas contra a homofobia, como a
analisada neste estudo, que contribuem com significados para a composição de sua
imagem institucional, tal qual uma marca que não se estriba na materialidade do
produto, mas no propósito de defende via imagem pública divulgada pela publicidade.

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ENTREVISTAS

Claudia Vassalo – Relações Publicas e Jornalista


Claudio Oporto – Executivo do Setor de Cosméticos
Fátima Bana - TAM

141
Jaime Troiano - CEO da Troiano Consultoria
João Cavalcanti – Box 1824
Paulo Queiroz. – Vice Presidente de Agência de Publicidade
Zuza Tupinambá – Ogilvy, Kwaup

LISTA DE FIGURAS

Fungos na embalagem de suco....................................................................................54


Campanha Kleenex 1...................................................................................................61
Campanha Kleenex 2...................................................................................................61
Angelina Jolie visitando refugiados colombianos no Equador, como enviada do alto
comissariado da ONU..................................................................................................80
Campanha Casais O Boticário 1..................................................................................98
Reclamação de consumidor no Reclame aqui............................................................105
Hashtag #VivaTodaFormaDeAmor na rede social Twitter captura de tela de
15/07/2015..................................................................................................................106
Captura de tela de postagens da rede social digital Facebook em
15/07/2015...........................................................................................................107/107
Captura de Tela de Postagem do perfil de Jean Willis na rede social Facebook
extraída em 15/072015...............................................................................................109
Campanha da marca Benetton ilustrando a diversidade étnica .................................111
Vídeo de boicote à marca O Boticário de Silas Malafaia..........................................115
Vídeo da blogueira Jêssica Oliveira contra Silas Malafaia........................................117
O ator Gregório Duvivier a favor de O Boticário nas redes sociais..........................119
Campanha no Facebook de denúncia do vídeo de Silas Malafaia.............................120
Captura de tela da Revista Veja sobre Silas Malafaia...............................................120

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