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São Paulo
2015
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................2
A Publicidade como Espelho da Cultura Contemporânea.........................................................8
CAPITULO 1 –.
Imaginário Coletivo, Estética Publicitária e Midiatização ................................................15
CAPITULO 2 –
Interações Midiatizadas e Relações Sociais na Estética Publicitária ...............................23
CAPITULO 3 –
A Publicidade Como Palco Do Ethos Digital e de Novas Eticidades do
Consumo..................................................................................................................................30
3.1 Breve Contextualização do Consumidor na Era da Midiatização Digital..........................33
3.1.1Protagonismo do Consumidor e Marcação Identitária nas Redes Sociais.......................37
3.2 A Transparência das Redes e a Construção do Consumidor-Marca..................................43
CAPITULO 4 –
Conversações - Da Interação `a Relação entre Marcas e Consumidores.........................47
CAPITULO 5 –
Publicidade e Consumo Ideológicos na Era do Consumidor-Marca.................................57
CAPITULO 6 –
Propósito: A Marca mais Desejada no Mercado Contemporâneo....................................68
CAPITULO 7 –
A Era Das Causas...................................................................................................................82
7.1 O Consumidor como Instituição Social – Uma Nova Aspiração Narcísica.......................87
PESQUISA EMPÍRICA........................................................................................................89
CAPITULO 8
Análise de Peças Publicitárias que Utilizam o Propósito/Causas como Capital na
Divulgação de Produtos.........................................................................................................89
I. Da Metodologia Utilizada para a Análise.............................................................................90
I.i Midiatização.........................................................................................................................91
I.ii Big Data..............................................................................................................................94
I.iii II. Protocolo de Pesquisa e Delimitação das Variáveis Utilizadas....................................95
I. iv Apresentação do Objeto de Pesquisa Empírico................................................................97
II. Pesquisa de Midiatização Sincrônica..................................................................................99
III. Análise dos Resultados da Pesquisa de Midiatização Sincrônica....................................126
CONSIDERAÇOES FINAIS.................................................................................................133
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................137
ENTREVISTAS. ...................................................................................................................143
LISTA DE FIGURAS............................................................................................................143
WEBGRAFIA........................................................................................................................144
1
Introdução
2
Pesquisa Empírica:
Entrevistas
3
A fim de obter a perspectiva do Outro, neste caso, o profissional que planeja e
desenvolve as campanhas publicitárias (numa relação de alteridade com esta
pesquisadora), para apreender a visão de mundo destes profissionais em relação ao
mercado e criação publicitários e a influência das novas mídias digitais no processo
de construção das campanhas – desde o desenvolvimentos de pesquisas de mercado
que buscam compreender o consumidor atual em nichos e genericamente, até a
criação de novos processos de interação via redes sociais digitais para a veiculação de
campanhas – buscamos o contato com executivos de grandes agencias de publicidade,
profissionais de comunicação corporativa e relações públicas, além de profissionais
de novos modelos de empresa de pesquisa de mercado, que utilizam antropologia,
sociologia e semiótica para o entendimento do consumidor em profundidade.
Profissionais Entrevistados:
4
de imagem das marcas, do corporativo/institucional, à relação direta com o público
consumidor e sua contribuição como entrevistada foi nos apresentar a forma como a
internet mudou a relação entre empresa/marca e consumidor, fazendo com que as
marcas trabalhem nas campanhas publicitárias de produtos, também sua dimensão
institucional de forma cada vez mais presente, pois o consumidor adquiriu outra
posição enquanto ator social e na relação com as marcas, a partir das redes sociais
digitais e novos processos de interação com estas.
5
Fernanda Barretto – Executiva de Marketing da empresa McDonald’s, com grande
experiência na construção de imagem de marca, desenvolvimento de estratégias de
branding e comunicação com o público consumidor. Fernanda forneceu informações
sobre o dito ‘novo consumidor consciente’, sobre quais as mudanças no perfil do
consumidor, em sua relação com marcas e produtos e sobre o que busca este
consumidor hoje, numa era em que o contato com as marcas via internet aproxima
ambos e evidencia a insatisfação deste consumidor em relação a empresas e produtos.
6
empresas) de monitoramento de redes sociais digitais, de big data e de pesquisas
comportamentais dentro da empresa para entender, lidar e criar campanhas
publicitárias que engajem o consumidor atual, cada vez mais autocentrado e exigente.
JUSTIFICATIVA
Esta pesquisa se justifica pelo intuito de contribuir para com a área de estudos
de estética da publicidade1, já que, em face da importância adquirida por tais áreas
enquanto discursos que endereçam um diálogo entre valores do consumidor brasileiro
e o mercado de bens, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos que investiguem
as estruturas da construção desta estética a partir da apreensão (por parte do mercado)
das significações culturais utilizadas como base para seduzir o consumidor, as quais
refletem mudanças no ethos social e por conseguinte, novos contornos da publicidade
influenciados pela midiatização digital.
1
e paralelamente, midiatização e cultura e consumo da produção publicitária, dado os enfoques, discussões Teóricas e
metodologias de pesquisa aqui empregadas
7
Os resultados deste trabalho poderão ser utilizados como fontes de pesquisa
para a área de comunicação social e ciência sociais, além de incentivo para novas
pesquisas no campo dos estudos sobre estética da publicidade no País e seus
desdobramentos socioculturais.
8
Assim como um antropólogo clássico, que nas primeiras décadas do Século
XX adotava como processo inicial da sua etnografia aprender a língua nativa do grupo
cultural investigado, nos dias de hoje, em plena sociedade globalizada, uma das
formas mais eficazes de “apreender a língua nativa” sob o ponto de vista da
cosmologia cultural de um povo, de um pais do ‘Outro’, consiste em simplesmente
assistir às campanhas publicitárias na televisão. Os mais determinantes elementos
constituidores do ethos das culturas e subculturas contemporâneas estão presentes nos
comerciais de TV, subsidiando os discursos publicitários com aquilo que forma o
‘gancho’, o ‘link’, a ‘amálgama’ com o interlocutor: os valores essenciais e tendências
sociais destas culturas trabalhados no discurso midiático para produzir o vinculo
emocional com o consumidor e engendrar a criação do desejo de consumo.
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Ao incorporar de forma codificada os signos do ethos de uma cultura, a
publicidade reproduz em sua forma e conteúdo, a ética partilhada pelos consumidores,
o conjunto de comportamentos, valores e ideologias pertencentes a uma dada cultura
que, tal como um habitus2, promove a repetição orquestrada de comportamentos
“internalizados” e modos de vida por parte das gerações posteriores que fazem parte
de um determinado grupo. Tomando-se o conceito de ética sob o ponto de vista da
forma de ser e viver de um dado grupo ou sociedade, podemos pensar a sociedade
contemporânea, influenciada e rearticulada em seus modos de vida pelo advento das
novas tecnologias de comunicação, novas mídias e novas (ou em desenvolvimento
constante) estruturas de mercado, como uma sociedade onde se desenvolve uma nova
ética sob o signo da mídia e o corolário do consumo.
A propaganda serve como uma forma de consumo, não apenas dos valores
sociais essenciais de uma dada cultura, como também de manifestações socioculturais
que se sucedem na forma de tendências, ela serve como um ‘agenda setting’, ou
agendamento, representando uma ‘pauta’ de conteúdos simbólicos compartilhados
que permite que o consumidor fuja do isolamento numa espécie de conluio na adoção
dos comportamentos, informações e desejos compartilhados. Nesta forma de consumo
de valores sociais, a propaganda funciona como uma condicionante da experiência
vivida, nos orientando sobre como olhar, compreender e consumir o real vivido em
2
Conforme o conceito de Pierre Bourdieu: sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturados das práticas e das
representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o produto de obediência a regras,
objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações
necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser produto da ação organizadora de um regente
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termos materiais e simbólicos, como observa Silverstone em sua fala sobre a mídia,
que aqui pode ser transcendida também `a comunicação publicitária com vias ao
consumo: “A mídia, ao constituir parte da ‘textura geral da experiência’ — expressão
que toca a natureza estabelecida da vida no mundo, filtra e molda realidades
cotidianas por meio de suas representações singulares e múltiplas, fornecendo
critérios, referências para a condução da vida diária, para a produção e manutenção
do senso comum.” (Silverstone, 2002: 20)
Para Douglas, conceitos abstratos são sempre difíceis de lembrar, a menos que
assumam alguma aparência física. Os bens de consumo, codificados com valores
sociais por meio da estética publicitária, se tornam marcadores mais ou menos
transitórios de categorias racionais. Eles “marcam” o indivíduo que os consome, lhe
atribuindo um lugar, uma condição dentro do mosaico social, pois o discurso da
marca e do produto em si fazem afirmações físicas e visíveis sobre a hierarquia de
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valores de quem escolheu. Para a autora, os bens são utilizados para constituir um
universo inteligível, eles fazem parte de um sistema vivo de informações. Estas
informações derivam, por sua vez da construção estética que se apropria de elementos
do ethos social e codifica os bens, comunicando seus significados e criando vínculos
entre o consumidor e produtos a partir da comunicação publicitária.
Este modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo
do simbólico é o deslocamento das relações interpessoais para a representação das
mesmas por meio dos objetos. O indivíduo, dentro desta perspectiva, não consumiria
a materialidade do produto, (razão pela qual o aspecto funcional dos produtos de
grandes marcas é menos importante que seu valor de representação), mas os
significados que, através deste produto geram um conluio social em torno de valores
compartilhados pela sociedade, e são justamente os elementos simbólicos destes
produtos construídos pelo branding3 das marcas e comunicado pela estética
publicitária que constroem o conluio dos consumidores em torno de uma marca ou
produto elegido.
3
construção de imagem de marca
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O consumo dos significados do ethos social na comunicação publicitária tem
sua importância como objeto de reflexão teórica pois a forma de assimilação e
interpretação destas mensagens revela elementos fundamentais do habitus de
diferentes categorias e grupos sociais. Vemos em Bourdieu que é o capital estatutário
da origem que permite o maior acesso à aprendizagem cultural (BOURDIEU, 1979:
70). O capital cultural é incorporado por gerações anteriores, e é assim, transmitido ao
“novato”, ou à criança, como parte da vivência familiar e do código de valores destas,
permitindo a este indivíduo, “começar das origens”. Assim, o gosto pelo refinamento,
pela produção cultural elitizada e, neste caso, por estilos de comunicação publicitária
mais elegantes, com mensagens mais sutis nasce, da maneira mais inconsciente e mais
insensível, porque é parte do habitus das classes sociais poderosas.
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tênis é um marcador social de grande representatividade dentro do grupo juvenil do
qual este adolescente participa, ou deseja participar, mesmo que esta escolha de
consumo e seus significados não estejam de acordo com o habitus de classe de sua
origem familiar.
CAPITULO 1
14
A fim de construir o arcabouço teórico que estrutura esta pesquisa, elencamos,
inicialmente, os conceitos e respectivos autores que erigem a base dos estudos sobre
midiatização sob os quais nos alicerçamos. Ao abordar o conteúdo simbólico que
constitui a estética da publicidade a partir do imaginário do consumidor (que também
acaba sendo, por sua vez, construído por ela), o qual delineia muito do que a
sociedade contemporânea concebe por realidade, tomamos a midiatização e em
especial, a midiatização digital4, como fenômeno estruturante desta construção
estética e discursiva, pois forma de midiatização esta condiciona percepções,
comportamentos e a relação do enunciatário da mensagem publicitária com o
consumo de bens a partir do consumo desta mensagem em processos de interação
cada vez mais moldados pelas mídias digitais. Portanto, cabe aqui a apresentação dos
conceitos trabalhados nesta pesquisa a fim de apresentar o encadeamento lógico do
tema, de sua análise e seus desdobramentos teóricos.
A estetização da vida cotidiana, termo utilizado na obra “Cultura de Consumo
e Pós-Modernismo por Mike Featherstone e que compreende o fluxo veloz de signos
e imagens manipulados comercialmente pela mídia e a publicidade
(FEATHERSTONE, 1995: 100) representa, em diferentes linguagens – da escrita
manual `a tela digital – referenciais essenciais da cosmologia cultural da sociedade de
consumo que influenciam nossa cognição sobre as formas de ser e de viver na
contemporaneidade. Este fluxo cada vez mais veloz, efêmero e fluido, na própria
concepção de modernidade liquida de BAUMAN (2000) se alimenta cada vez mais de
elementos imagéticos projetados a partir de dispositivos tecnológicos de mídia – em
especial, da mídia digital/internet [aqui entendida como comunicação virtualizada de
mídia em ambientes computadorizados (HEPP, 2014: 57)] - em múltiplos pontos de
contato com o consumidor/interlocutor da comunicação publicitária, os quais
influenciam a configuração de um imaginário social sobre a realidade, a vida, as
pessoas e os objetos.
A criação deste imaginário, influenciado por imagens-sonho mencionadas por
Featherstone com base nos estudos de HAUG (1987) as quais falam de desejos e
estetizam e fantasiam a realidade, é engendrado, em grande parte, pela estética da
publicidade, que articula estas imagens num discurso mercadológico por meio dos
dispositivos tecnológicos de mídia, construindo de um lado uma percepção sobre a
4
processo interacional de referência constituído no campo comunicativo e interacional da internet que utilizando os dispositivos
tecnológicos de computadores como mídia, molda e condiciona, tanto a construção das mensagens publicitárias, quanto a visão
de mundo, ethos e comportamento do consumidor.
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realidade vivida por indivíduos e grupos (em articulação, por sua vez, com suas
vivências cotidianas e códigos de valores) e de outro, a fabricação social de
comportamentos, ações e escolhas a partir de processos de interação social.
As imagens-sonho que circulam pelos meios de comunicação e perpassam
todas as instâncias da vida cotidiana contemporânea, constituem, segundo
FEATHERSTONE (1995), uma constante reativação de desejos que não apenas nos
impulsiona em direção a um materialismo dominante, como querem ADORNO &
HORKHEIMER (1942) e MARX (1980), citados pelo autor (1995), mas orienta a
construção de significados articulados na ordem de um sistema simbólico que passa a
compor estruturalmente a cultura contemporânea por meio de signos codificados em
bens de consumo, perspectiva também analisada em BAUDRILLARD (1983, 1995,
1997), BOURDIEU (1979, 1983), DOUGLAS & ISHEERWOOD (2004),
MACCRAKEN (2003) e ROCHA (1995) – signos estes que circulam socialmente e
são assimilados em estética e conteúdo pelas pessoas enquanto consumidores por
meio da publicidade.
Pensemos que não foi apenas com o surgimento das novas tecnologias de
comunicação do século XX que as imagens manipuladas pela ordem do capital
associadas ao desenvolvimento tecnológico e projetadas na vivência urbana assumem
o poder de construir o imaginário estético sobre a realidade e com isso o
condicionamento de padrões e comportamentos. Já no século XIX, essa estetização da
vida cotidiana, orientada em grande parte pela expansão da cultura de consumo nas
grandes cidades das sociedades capitalistas do século XIX, como aponta
FEATHERSTONE (1995: 103), teve a publicidade como agente influenciador - ao
lado da efervescência cultural das manifestações artísticas da moderna urbe - do
imaginário constituinte da cosmologia cultural da metrópole. O capitalismo industrial
que pressionava a cultura pública urbana à privatização, ao mesmo tempo que,
segundo SENNET (1982) ‘mistificava’ a vida material em público numa fase em que
a noção de progresso engendrada pelo par industrialização/tecnologia erigia a base
das transformações sociais ocorridas na época, tinha na embrionária publicidade um
elemento de configuração estética do imaginário social, onde o poder descentralizado
da inovação e a sedução do novo estilizavam a vida urbana e as relações humanas,
como nos cartazes de Moulin Rouge desenhados por Toulouse Lautrec, que não
apenas ajudaram a constituir parte do imaginário da vida parisiense da moderna urbe
do fim do século XIX, como também constituem, na atualidade muito da imagem que
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configura repertório histórico sobre a Belle Epoque. (CARRASCOZA &
SANTARELLI, 2007)
Contudo, é na atual era da cultura digital que a mídia e a publicidade atingem
o ápice de seu poder em configurar o imaginário social da moderna cultura de
consumo a partir do fenômeno da midiatização, conceito pesquisado por autores como
BRAGA (2006), SODRÉ (2006), TRINDADE (2014) e HEPP (2014), este último,
autor que utiliza uma abordagem socioconstrutivista para tratar o tema com base em
teorias de MANHEIN (1933, 1956) sobre sociologia do conhecimento e Friedrich
KROTZ (2001) sobre teoria da ação e estudos culturais. Nos estudos com abordagem
socioconstrutivista, com foco especial nas novas tecnologias digitais de comunicação,
Hepp aborda a midiatização investigando “a mudança da comunicação midiática e a
transformação sociocultural como parte das práticas de comunicação cotidianas e
como a alteração dessas práticas está relacionada `a construção da realidade
comunicativa em mudança. Em consideração aqui está não apenas a mídia de massa
clássica, mas especialmente a assim chamada nova mídia da internet e da
comunicação móvel.” (HEEP, 2014: 49).
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Paulo, até o universo dos consumidores da estética de mensagens publicitárias que
abrangem a mídia online e offline na sociedade atual.
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eticidade moldada pela mídia que opera a partir de negociações discursivas, ou
interfaces com o ethos tradicional (aquele que antecede a eticidade da midiatização),
uma eticidade difusa, sem linearidade discursiva, mas que é alimentada
constantemente por prescrições morais advindas do mercado que condicionam formas
de ser e viver pelo imperativo dos desejos suscitados pelas imagens-sonho da
publicidade.
Numa perspectiva que se pauta em aspectos sociológicos (sociologia do
conhecimento) em articulação com estudos de comunicação, BRAGA (2006) sustenta
que a midiatização consiste em reformulações sócio-tecnológicas de passagem dos
processos mediáticos `a condição de processualidade interacional de referência,
condição esta que, segundo o autor, ‘dá o tom’, a outros processos subsumidos (como
a política, o jornalismo, a educação) que passam a funcionar segundo suas lógicas, de
forma que, o processo interacional de referência funciona como um organizador
principal da sociedade na cultura midiatizada. Segundo o autor, a midiatização trata
processos sociais específicos que passam a se desenvolver, de forma inteira, ou
parcial, segundo lógicas da mídia. (BRAGA, 2006:10) O processo interacional de
referência que na atualidade parece se constituir a partir do desenvolvimento
tecnológico, é a mídia digital, ou internet, que para além de um meio emissor de
mensagens, funciona como um grande articulador social de processos de interação
cada vez mais abrangentes e velozes e que na dinâmica de tempo/espaço em que atua,
redimensiona a construção social da realidade, tema analisado em BERGER e
LUCKMAN (1985), autores cuja obra é utilizada por Braga para abordar o tema da
midiatização como formadora da percepção da realidade e ao mesmo tempo, dos
comportamentos e atitudes humanas que a reconfiguram. Braga reitera que a
midiatização não trata apenas da hegemonia de modos de interação, mas de uma
perspectiva de organização da sociedade que, a partir do processo interacional de
referência tem seus contornos redefinidos, o que influencia a construção social da
realidade.
Em BERGER e LUCKMAN (1985: 38) vemos que a realidade da vida
cotidiana, já estruturada e ordenada independentemente da apreensão que temos dela,
se apresenta como objetivada – constituída por uma série de objetos que assim foram
designados antes de nossa participação no mundo – e nos é assimilada pela linguagem
utilizada, que nos fornece, de forma ordenada e contínua, as objetivações que
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necessitamos para perceber a realidade, pois determina a ordem pela qual as
objetivações ganham sentido e a vida e as coisas adquirem significado.
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pelos meios. Ambas as perspectivas sobre midiatização – a socioconstrutivista e a
institucionalista – se articulam na estruturação do fenômeno, contudo, o foco desta
pesquisa se atém `a abordagem socioconstrutivista, pois trata a relação entre o
processo operado pelos dispositivos de mídia e a construção da realidade social que
são observados como constituintes e ao mesmo tempo, constituídos pela estética da
publicidade e seu campo de produção simbólica que alimenta e molda o imaginário
social, operando junto a crenças e evidenciando valores do ethos. Na perspectiva
socioconstrutivista de HEPP (2014), a inter-relação, de longo prazo entre a mudança
de mídia de um lado e a mudança da cultura e sociedade de outro, configura o objeto
de estudo da midiatização e, nesse contexto, a definição de cada tipo de mídia
utilizados nos processos de interação social é fundamental para o entendimento do
processo, o que nos leva ao conceito do autor de forças de moldagem da mídia,
enfocando que diferentes mídias moldam a comunicação e os processos sociais de
interação de formas diversas.
Com base no conceito de HEPP (2014), PEREZ E TRINDADE (2014)
defendem a idéia de que publicidade (e em especial, sua determinante estética)
enquanto mídia de grande força de moldagem, opera como um motor da comunicação
que cresce e transborda das mídias convencionais, pois é edificadora de relações
cotidianas que desenvolvem um contato muito maior entre o mundo dos bens de
consumo, (constituinte das imagens-sonho que estruturam nossa referência estética da
vida cotidiana e as pessoas), contato esse, maior, segundo os autores, do que a
divulgação massiva de outras mídias, pois se estriba como um revelador sociocultural
capaz de assimilar e evidenciar os mais essenciais valores cotidianos vividos por
pessoas e grupos. (PEREZ E TRINDADE, 2014: 162)
No que tange à mensagem publicitária, podemos pensar a eticidade de que nos
fala Sodré, para além de uma agenda que condiciona percepções e pautas do
cotidiano, como uma cosmologia cultural híbrida, dinâmica, a incorporar
constantemente o imperativo sazonal da produção mercadológica por meio da estética
da publicidade. Esta estética que pela própria possibilidade inerente ao humano de
assimilação das formas – visuais, sonoras e sobretudo, simbólicas - ao produzir o
contato com as imagens-sonho de que nos falam HAUG (1987) e FEATHERSTONE
(1995), constitui-se como ponto de contato essencial no processo de interação entre o
indivíduo (enquanto consumidor) com o sistema de produção capitalista que opera na
criação destas imagens, tendo a internet, cada vez mais, como enunciatário destes
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conteúdos simbólicos por constituir o que Braga (2006) caracteriza como processo
interacional de referência.
Se a estetização da vida cotidiana obedece à criação das imagens sonho
oriundas da publicidade, às quais interrelacionando-se com eventos, manifestações
artísticas, fenômenos sociais e grupos urbanos, constituem o imaginário social
contemporâneo, a midiatização digital e sua dinâmica veloz que cria maior
abrangência de pontos de contato entre pessoas, numa dimensão temporal imediata,
ao moldar percepções e comportamentos de indivíduos e grupos, acaba por
condicionar o mundo social do qual se apropria a publicidade [conforme
MACCRAKEN (2003), para transferir significados culturais à codificação de bens] e
por conseguinte, o universo digital, redefinindo formas de ser e estar no mundo real a
partir das configurações sociais, estéticas e comportamentais que atuam como uma
cosmologia cultural na rede digital, vem também redefinindo a forma como a
publicidade desenvolve seu conteúdo discursivo e em especial, seus processos de
interação junto aos consumidores-enunciatários da mensagem publicitárias, tornando-
se necessário aos estudos sobre comunicação, analisar a forma como o consumidor,
cuja percepção e comportamento é moldado pela midiatização, também desenvolve
novas formas de se relacionar tanto com o universo da produção de bens, quanto com
o consumo destes bens e em especial o consumo da mensagem publicitária, elementos
que abordaremos a seguir.
CAPITULO 2
22
pelas novas tecnologias digitais, a antropologia observa a publicidade como universo
de construção de relações (entre pessoas e marcas e na triangulação entre pessoas,
marcas e pessoas) onde as relações de poder e identidades são tanto representadas e
articuladas, quanto construídas a partir do consumo da publicidade e seus efeitos
sociais. Neste capítulo, abordamos o tema da influência da midiatização sobre o ethos
social, o consumidor e a estética da publicidade contemporânea, com base num
dialogo possível entre a antropologia do consumo e as ciências da comunicação.
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ethé publicitários que constituem a comunicação publicitária contemporânea,
conceitua, no lugar da estrutura emissão/recepção de significados, a idéia de
circulação de significados culturais e ao invés de recepção neste mesmo processo, o
autor nos fala de consumo das mensagens publicitárias, tal qual entendemos o
consumo de bens simbólicos. Trindade argumenta que pensar a recepção da
comunicação publicitária e por conseguinte, dos significados culturais do mundo
social codificados em mensagens como fim do processo, (como argumenta
MACCRACKEN 2003), é ignorar o fato de que o interlocutor das mensagens
enquanto consumidor rearticula os sentidos destas mensagens ao assimilá-las a partir
de seu repertório cultural (que não é uníssono e linear, como se supunha em tempos
de entendimento do consumidor a partir de um recorte demográfico que categorizava-
o enquanto determinantes de gênero, faixa etária, procedência, mas cada vez mais
heterogêneo, não-linear e não categorizável a partir destas determinantes) redefinindo
o sentido que busca criar similaridade com o mundo social deste interlocutor
projetado na composição da mensagem publicitária. Segundo Trindade:
24
dialética do esclarecimento” era circunscrito aos papéis de mãe e esposa, trabalho
operário ou em funções domesticas em casas de famílias mais abastadas, com ainda
uma pequena margem de mulheres inseridas no universo da produção em funções
qualificadas e/ou que requerem conhecimentos específicos e educação superior, como
advogadas, professoras, medicas, arquitetas.
Segundo dados do IBGE, no ano de 1940 no Brasil apenas 19% das mulheres
trabalhavam, sendo que, dentre estas mulheres, 40% estavam empregadas em serviços
domésticos, 20% trabalhavam no comércio, 18% em serviços de educação, 8% em
serviços de saúde e 14% em funções como costura. Segundo o Código Civil Brasileiro
de 1917, “As mulheres casadas são incapazes, relativamente, a certos atos ou à
maneira de o exercer", colocando estas mulheres no mesmo nível de capacidade da
criança e do incapaz. Estas mulheres viviam em seu imaginário o universo simbólico
do rádio, da emergência do cinema norte-americano e de algumas publicações
editoriais, além, é claro, de se ocuparem das vivências e relações cotidianas
concernentes `a sua comunidade, seja o bairro, o contexto familiar, a Igreja e poucos
grupos de afinidades eletivas.
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midiática de grande abrangência, é formulada, não conforme a hegemonia das grandes
corporações, mas conforme pesquisas cada vez mais complexas que buscam entender
o que pensa, vive, sente e como reage a mulher brasileira, que conforme o IBGE
representa atualmente, 46% da população economicamente ativa no Brasil, contra
56% dos homens e entre estas 61,5% tinham 11 anos ou mais de estudo, ocupando
63% dos cargos de administração pública no Pais, vive hoje a multividualidade em
todos os aspectos, com maior acesso `a educação e maior inserção no mercado de
trabalho, transite pelos mais diversos segmentos sociais, de mãe e esposa por opção a
CEO de multinacionais, maratonista, participante de motoclubes como a Harley
Davidson Ladies of the Road e mesmo, presidente(a) da república no Brasil.
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diferentes visões de mundo, oriundas dos diferentes papéis sociais que hoje são
desempenhados pelas pessoas e que moldam estas visões de mundo.
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nesta relação e no processo de interação com marcas. Trindade (2014) conceitua o
âmbito da circulação como uma nova instância da enunciação publicitária que cria
continuamente o que o autor define como ethos do consumidor, considerando a
recepção da mensagem como um espaço de apropriação desta que não é estático, mas
também móvel e que produz novas significações. O autor trata o conceito de ethos
com base na corrente de análise do discurso, onde este:
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social que a partir da estética constitui a ética que orienta os comportamentos e
vivências da sociedade como um todo.
Se esta dinâmica não é necessariamente nova, pois desde MCLUHAN (1972)
vemos que a processualidade interacional de referência (BRAGA 2006) constituída
pela TV já influenciava a imagem que a sociedade tinha de si mesma e orientava
comportamentos, na era da internet como processualidade interacional de referência, o
papel do consumidor-interlocutor da mensagem publicitária em interação contínua
com a mídia nunca esteve mais ativo do que o que vemos agora. E essa voz de um
sujeito com uma nova relação de poder na interação entre mídia e consumidor, um
sujeito cuja identidade também se projeta como mercadoria, tem cada vez mais
influência na constituição das imagens-sonho publicitárias, neste bricolage de
significados que permeiam tal interação, em dinâmica cada vez mais acelerada, onde
tanto a publicidade como meio se transforma, quanto também transforma-se o
consumidor-interlocutor da mensagem que também torna-se marca publicizada em
redes sociais, numa relação fluida onde se intercambiam significados, enunciados e
enunciatários a construir tanto o simulacro social publicitário, quanto influenciar os
contornos do ethos que o consome.
CAPITULO 3
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mercadorias, podemos analisá-la enquanto um palco onde são expostos tanto os
conteúdos simbólicos resultantes da operação deste sistema, quanto os conteúdos
simbólicos oriundos do processo de consumo das imagens sonho pelo
consumidor/interlocutor destas imagens, num processo onde a publicidade atua como
uma forma formadora, estrutura que segundo MAFFESOLI (1996) transforma
estética em ética, pois o consumo das imagens-sonho publicitárias configura o
experimentar em comum que suscita, conforme o Mafesolli, um valor, constitui um
vetor de criação, cria por meio da potência coletiva do ethos em interação, uma obra
de arte que se apresenta como a vida social em suas diversas modalidades.
O consumo das imagens-sonho não constitui um fim em si só, mas na era da
internet como processo interacional de referência, temos expostos no espaço virtual,
nesta nova morada do ethos contemporâneo e das novas eticidades resultantes da
midiatização, conteúdos simbólicos e comportamentais que resultam do consumo da
estética publicitária, desde a apropriação que indivíduos e grupos fazem dos signos
estéticos expostos em campanhas publicitárias, até as tendências que surgem
organicamente a partir da assimilação que os consumidores, em especial os mais
jovens, fazem destes signos. Como exemplo temos os conteúdos estéticos
comunicados por meio de blogs de maquiagem que jovens blogueiras produzem a
partir das campanhas publicitárias de grandes marcas do ramo cosmético, o que ilustra
que o consumo da estética publicitária cria, organicamente, novos conteúdos
simbólicos a serem lançados no mundo social a partir da interação possível pelas
tecnomediações digitais.
A estética da publicidade opera, a partir do processo de mediatização,
refletindo de um lado e influenciando de outro, as mudanças sociais como um
elemento articulador dos significados que circulam na malha social de interação. Ela
se apropria, em seu processo de produção, a partir do planejamento publicitário, do
zeitgeist (espírito do tempo) contemporâneo por meio do entendimento de tendências
socioculturais e comportamentos de grupos e sociedades (a partir de pesquisas
mercadológicas realizadas pelas marcas para a etapa de planejamento publicitário),
expropria signos de significados e codifica bens, além de codificar também, toda sorte
de elementos que possam ser publicizados – eventos, instituições, pessoas – com as
imagens-sonho que conferem referência e marcação social a estes elementos com base
na articulação com o desejo individual, ideologias e relações de poder entre grupos.
Mas não se encerra aí o ciclo de consumo da estética publicitária.
30
A apropriação que os consumidores/interlocutores fazem de seus conteúdos
simbólicos gera novos conteúdos a serem expostos no grande palco das mídias sociais
digitais que por sua vez serão reapropriados pelo universo da publicidade, recriando
continuamente novos padrões e signos estéticos numa dinâmica que – conforme o
pensamento do antropólogo Massimo Canevacci sobre a cultura contemporânea
sterminada (1999) – não se termina, mas num movimento fluido in progress, que
recria não apenas novas imagens-sonhos publicitárias, mas também a cosmologia
cultural e comportamentos que são ressignificados na sociedade midiatizada, este
movimento de circulação opera do mundo social produtor de conteúdos simbólicos,
para o mundo dos bens e de volta, por sua vez, para o mundo social que ressignifica
estes conteúdos.
Vander Casaqui aponta, no artigo ʺPor uma teoria da publicização:
transformações no processo publicitárioʺ (2011) que a especificidade do discurso
publicitário não se encontra no formato da linguagem, mas na visão de mundo que
orienta modalidades do discurso, a partir da forma como se busca a interlocução com
o enunciatário – o consumidor. CASAQUI (2011: 134)
Conforme o autor:
31
se uma identidade, enfim, que o caracteriza como pertencente ao universo humano,
por mais distante que este esteja de sua origem.ʺ (ROCHA, 1985: 131)
Se o fenômeno da midiatização, tendo a mídia digital como processo
interacional de referência, vem rearticulando as formas de ser, estar e comunicar-se na
sociedade contemporânea a partir de novos processos de comunicação que
manifestam visões de mundo dos indivíduos e grupos enquanto consumidores, o
discurso e estética publicitários e em especial os signos estéticos que compreendem
este discurso, também rearticulam-se a fim de interagir com o consumidor e constituir
as imagens-sonho de forma que estas possam tocar, sensibilizar e engajar este
consumidor no processo de consumo.
A fim de analisar os novos contornos discursivos e processos de interação
entre a publicidade e o interlocutor/consumidor com foco na estética da publicidade,
faz-se necessário analisar o contexto atual do consumo contemporâneo – e em
especial, o consumidor - orientado pela midiatização digital onde ocorrem as trocas
simbólicas entre marcas e interlocutores da mensagem publicitária que tem a
publicidade como mediadora, conforme veremos a seguir.
32
ao seu possuidor, de marcador social de seu status, evidenciando o caráter
instrumental que o consumo assume como balizador de relações sociais (DOUGLAS
& ISHEERWOOD, 2004). A autora aborda o consumo como elemento chave da
manifestação da cultura - abstrata, imaterial - em objetos que não apenas tornam o
código de valores de um grupo tangível, como servem como instrumentos políticos
nas relações de poder entre pessoas, hierarquizando posições sociais, categorizando,
unindo e excluindo indivíduos.
A função dos objetos como elementos de comunicação de realidades abstratas
– as relações – está presente em todas as culturas, desde as primitivas, a exemplo do
ritual do Kula, estudado por Malinowski (1978), onde a troca de objetos entre os
nativos constitui um ritual de representação das relações de poder entre indivíduos do
grupo que reforça alianças e processos relacionais internos, pois os objetos carregam
significações muito além da categorização econômica do possuidor que presenteia o
outro, eles adquirem o significado de estruturar relações entre pessoas, ordená-las e
conferir-lhes sentido político, social e econômico.
Uma das funções dos objetos, o status, na forma de categorização social
revestida de determinantes políticas e ideologias, é analisado também por Douglas na
releitura de sua obra vinte anos depois (2007), apontando que a riqueza é basicamente
um sistema de sustentação de relações de poder, onde a pobreza funciona como uma
dimensão culturalmente definida de oposição da riqueza, que não é definida por um
inventário de objetos, mas por um padrão sistemático de exclusões, sendo, o consumo
e a função social dos objetos promover pontes ou cercas DOUGLAS &
ISHEERWOOD (2004) de acordo com a aquisição, fruição e mesmo descarte de
produtos.
O tema do consumo vem sendo abordado pelas ciências sociais desde a virada
do século XIX para o século XX. Thorstein Veblen escreve em 1899 “A teoria da
classe ociosa” (1965), onde transcende a percepção utilitarista/economicista sobre o
consumo, abordando-o sob uma perspectiva sociológica que observa sua questão
simbólica a partir de um sistema coletivo de representação onde circulam
significações coletivas. VBLEIN (1965) aborda a importância do consumo como um
sistema de significações e não apenas um reflexo da produção capitalista, o que
enfatiza sua importância como dimensão a ser estudada sob a perspectiva sociológica,
pois expõe representações coletivas e não apenas escolhas individuais.
33
Filósofos e sociólogos – como MARX (1980) GODELIER, (1978) e WEBER
(2007), desenvolveram estudos apoiados em economia, passando pela perspectiva dos
autores da Escola de Frankfurt como HORKHEIMER E ADORNO (1942), que
entendem o consumo como parte do sistema capitalista e da revolução industrial,
reificadores das consciências humanas, que constituem o que estes últimos
denominaram Indústria Cultural ou ‘a integração a partir do alto de seus consumidores
(ADORNO & HORKHEIMER 1985) onde a lógica da mercadoria e racionalidade
instrumental presentes na dimensão da produção transcendem `a dimensão do
consumo e a as ditas formas elevadas de cultura são substituídas pela cultura de massa
orientada pelo processo de produção e mercado – a cultura ersatz – voltada ao mínimo
denominador comum.
34
menos pela funcionalidade dos bens e muito mais pela representação política de
estratos sociais e relações verticalizadas de poder.
35
3.1.1 Protagonismo do Consumidor e Marcação Identitária nas Redes Sociais
36
Vemos em BRAGA (2012: 25) que as interações sociais são o lugar onde a
comunicação ocorre e que dispositivos interacionais são algumas matrizes elaboradas
na prática social que permitem episódios interacionais e também derivam sua
dinâmica destes. O consumo como processo relacional, modo ativo de relação entre
indivíduos, grupos e instituições onde é fundado nosso sistema cultural
BAUDRILLARD (1997: 206) constitui-se como processo relacional a partir do
processo (comunicacional) de interação entre pessoas e grupos, por meio do qual os
conteúdos simbólicos constituintes do código de valores que estrutura visão de
mundo, ethos e ética de grupos e setores, são compartilhados, assimilados,
internalizados e ressignificados continuamente por trocas simbólicas – em interações
comunicacionais - que edificam a cosmologia cultural de grupos e da sociedade como
um todo.
37
dos consumidores-interlocutores das mensagens publicitárias das marcas e elas
mesmas.
38
instituem os pontos de contato do consumidor com a imagem de marca, seus valores,
sua ética, seu posicionamento em relação a questões sociais e de relações de poder.
39
engendra a constituição de sua identidade marcaria por meio dos conteúdos
simbólicos, os valores e princípios defendidos por esta marca e a imagem percebida
que os outros consumidores tem dela no meio digital.
40
Collin Campbel aborda o hedonismo no consumo na obra “A ética romântica e
o espírito do consumismo moderno” (2001) nos mostrando que, se os produtos em sua
materialidade conferem ao consumidor satisfação, o prazer no consumo deriva da
sensação de encontrar certos estímulos que no consumo provém da ilusão, da fantasia,
das imagens-sonho que são orquestradas pela comunicação publicitária.
Sendo a reação aos estímulos o que desperta o prazer e não os estímulos em si,
podemos pensar que, para além da experiência com o consumo do produto, é na
experiência da interação com a comunicação publicitária que delineia a
imagem/estímulo deste produto que o consumidor tem desperto o prazer do consumo,
cuja pulsão emocional não se encerra na compra, mas em todo um caminho anterior
da fantasia com os significados deste produto e posteriormente, com a exposição do
consumo na circulação da experiência na internet, como por exemplo, nos selfies, as
fotos postadas nas redes sociais que representam a experiência de fruição com o
produto e marca. Conforme Campbel: : ʺ... só é necessário a uma pessoa empregar
seus sentidos a fim de experimentar prazer e, mais ainda, enquanto a utilidade de um
objeto depende do que ele é, a significação agradável de um objeto é uma função do
que se supõe que ele seja. Assim, enquanto só a realidade pode proporcionar
satisfação, tanto ilusões, como enganos podem dar prazer.ʺ (CAMPBEL, 2001: 91)
5
artefatos depositados nos computadores pessoais dos internautas que indicam que estes já acessaram determinada página e que
permitem a um site ocupar espaços publicitários de páginas visitadas por estes com anúncios de produtos que se acredita, possam
interessar-lhes
41
da mensagem publicitária são possibilidades hedonistas de reação aos estímulos da
estética publicitária imbuídos da possibilidade de diálogo, debate, interação com as
marcas produtoras de significados e os outros consumidores na triangulação do
consumo da mensagem. Esta dinâmica amplia o prazer do consumo com base na
ampliação das relações de poder entre consumidores pelo discurso que estes
constroem sobre marcas e suas campanhas, intensificando as possibilidades de
posicionamento e consequentemente, diferenciação (BAUDRILLARD 1997) operada
pelo consumo na internet.
42
Paralelamente à pulverização, efemeridade e saturação dos significados
compartilhados de imagem de marca, estão as notícias, informações de toda a sorte
compartilhadas em rede, desnudando a política, as instituições sociais e desnudando,
em especial, o sistema de produção que conforme ROCHA (1985) é encoberto em sua
realidade pela magia fabricada pela publicidade.
Um público cada vez mais descrente dos conteúdos que circulam referentes a
marcas, produtos, organizações e mesmo instituições como a política, a Igreja e
comunidades que se reúnem organicamente com objetivos sociais como as
Organizações Não Governamentais (ONGs), busca não apenas a sedução da marcação
social por status econômico (não que isso signifique que as marcas distintivas
enfraquecem em relações de poder entre indivíduos e grupos, elas apenas mudam seu
foco) mas cada vez mais a sedução pelo status da adoção de valores humanos, de
instâncias do politicamente correto, de uma exposição de valores que transcendem a
materialidade da aquisição de produtos como diferenciação e se estribem na busca por
43
valores mais elevados, que possam categorizar o consumidor a partir de sua
relevância no dialogo proporcionado pelas redes sociais digitais, o que demanda,
necessariamente, que elementos abstratos como crenças pessoais e posicionamentos
em relações de poder sejam manifestos para a construção identitária deste
consumidor.
44
admiração, que despertem prazer, segundo CAMPBEL (2001), pela reação à sedução,
a qual se estriba no caráter diferencial extra-corpóreo, abstrato, da força das opiniões,
do poder engajador do dialogo, do poder exercido pelos bens, ele necessita, conforme
Douglas de ser ʺinvestido de valores socialmente utilizados para expressar categorias
e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar estilos de vida, enfrentar mudanças ou
criar permanências.ʺ (DOUGLAS & ISHERWOOD, 2004)
45
consumidor tornado produtor da mercadoria e mercadoria em si, isso cria novos
contornos na relação entre consumidor e mundo dos bens e em relação à forma como
a publicidade se constitui absorvendo o zeitgeist do mundo social, operando na
construção dos discursos que projetem os significados deste mundo social em códigos
estéticos e transferindo-os para o mundo das mercadorias.
CAPITULO 4
Vimos que o consumo enquanto relação mediada pela publicidade tem hoje o
consumidor não mais como um interlocutor passivo da mensagem publicitária, cujo
papel seria o de assimilar os significados nela contidos e tomar decisões sobre compra
e uso de produtos, mas como um sujeito ativo da relação, não apenas porque sua
opinião possui maior abrangência e influência sobre outros consumidores e sobre a
produção de bens em si, mas porque também se posiciona como um produto/marca
ofertado para o consumo na internet, o que o aloca num novo espaço/posição
discursivo que ressignifica a mensagem publicitária de acordo com seu repertório
cultural e projeções narcísicas no processo de interação com outros consumidores,
lançando `a circulação mediática, a ressignificação da mensagem publicitária, do
consumo, do produto e do consumidor, ele mesmo, enquanto produto.
Pensemos que em tempos de extrema representatividade das redes sociais na
vida social cotidiana das pessoas, qualquer indivíduo, independentemente de seu
status social e posicionamento nas relações de poder entre classes sociais pode
assimilar uma mensagem publicitária e, em seu processo de interação com ela e por
46
conseguinte, com a marca sobre a qual discursa o anúncio, emitir uma nova
mensagem a respeito deste anúncio, ou do produto/marca em si, de forma a atingir
milhões de pessoas, num processo onde a relação entre um consumidor isolado e a
marca passa a ser observada por milhões de outros consumidores que podem ser
influenciados pela mensagem emitida por este único consumidor, tanto de forma
positiva, quanto de forma negativa, criando ressignificações nunca antes esperadas
pelo mercado em tempos anteriores à internet.
O consumo enquanto processo que se estrutura a partir de interações sociais,
um processo de trocas simbólicas orientado na contemporaneidade pela midiatização,
se observado como uma metáfora da cultura pós moderna, ou da hipermodernidade
(LIPOVETSKY, 2011) expõe desde a luta de classes até a construção social das
identidades de indivíduos e grupos (a exemplo da construção da identidade marcária
do “branding pessoal” na internet), cujas relações sociais mediadas por objetos são
expostas e vivenciadas por meio de interações, evidenciando mudanças, contornos
culturais e mesmo lógicas políticas que instrumentalizam objetos para atuarem como
balizadores em relações de poder.
A complexificação do consumo é orientada, sobretudo, pela própria
complexificação das modernas sociedades ocidentais, que a partir da pós modernidade
sofreram reestruturações socioculturais que ao alterar papéis sociais de indivíduos e
grupos e de indivíduos em grupos, gerou o que Ianni (1992) define como
desterritorialização de elementos culturais: “tudo o que parecia estável, transforma-
se, recria-se ou dissolve- se. Nada permanece. E o que permanece já não é mais a
mesma coisa. (...) O que predomina é o dado imediato do que se vê, ouve, sente, faz,
produz, consome, desfruta, carece, sofre, padece”.(IANNI, 1992: 29).
Nesta contínua impermanência que predomina na contemporaneidade, ocorre
a dissolução de categorias sociais definidas, as noções de homem, mulher, jovem,
família, trabalho, entre outras, já não podem ser delimitadas com exatidão, operando
num sistema aberto de incorporação constante de novos contornos adicionados a
partir das trocas simbólicas entre pessoas operadas pela midiatização, constituindo um
bricolage de personas incorporadas por consumidores-interlocutores, o que o
antropólogo Massimo Cannevacci (1999) categoriza como multividualidade, ou seja,
o indivíduo vivenciando muitos e diferentes papéis sociais complexificando e ao
mesmo tempo, investindo cada vez mais de poder, a individualidade.
47
As mudanças sociais cuja dinâmica acelerou-se a partir das novas tecnologias
de comunicação digital, vivenciadas no processo da midiatização, podem ser lidas na
cosmologia cultural do consumo – este converte-se em instituição social ao incorporar
conceito e práxis – pois, segundo BARBOSA (2007: 23) o consumo não pode ser
visto apenas como uma categoria analítica, um instrumento de classificações
socioculturais abstratas utilizado pelas ciências humanas, mas como uma categoria
nativa que classifica e organiza o mundo `a nossa volta em todas as culturas e
sociedades, desde as primitivas até as pós modernas, funcionando, conforme a
antropóloga, como um dos mais importantes mecanismos de reprodução social do
mundo contemporâneo.
A partir da perspectiva da midiatização como construtora de estruturas
estruturantes de valores e comportamentos sociais engendrados por processos de
comunicação cada vez mais articulados pelas tecnologias digitais (internet), o
consumo como categoria nativa, definido por BARBOSA (2007), passa a não ser
apenas enraizado no compartilhamento de valores inerentes aos grupos que se
identificam e se diferenciam por meio de trocas simbólicas, mas cada vez mais
orientados por um sistema de circulação mediática de elementos culturais
desterritorizalizados articulados, em muito, pela propaganda e que são ressignificados
a partir de processos de interação contínuos em espaços ubíquos, termo definido pelo
antropólogo Massimo Cannevacci como um liberação descentrada de espaços e
tempos, ou seja – tempo-espaços. Segundo o autor “A interconectividade digital está
constituindo a ubiqüidade como um conceito emergente o qual produz um processo
de flutuação horizontal acelerado em relação a espaço e tempo; um fluxo
fragmentado de espaços-tempo está conectado, cruzado e reunido em meio a
inovadoras e perturbadoras referências sobre identidade, gênero, trabalho, raízes,
território. (CANNEVACI: 2012: 253) livre tradução.
48
desterritorializados dos quais nos fala IANNI (1992), expropriados de seu sentido
nativo, tal qual um signo expropriado de seu significado original e rearticulado para
significar algo que seja adequado aos objetivos do mercado em sua relação com o
consumidor (BRANDINI, 2003).
49
O autor aborda em seu artigo a passagem da fantasmagoria da mercadoria -
orquestrada, no século XIX, pelos arranjos de lojas, vitrines e trânsito, como lugar
sensório do consumo simbólico, da criação de sujeitos-consumidores que passam a se
adequar a um tipo de consumo visual, das ditas imagens-sonho de HAUG (1987) e de
todo um imaginário social codificados em bens, que omitem a partir de estratégias que
envolvem a espacialidade, o design e a mitificação das mercadorias, a esfera da
produção – para o universo da publicidade, verdadeira herdeira das matrizes culturais
que hoje condensa em seu corpus estético o universo de significados da cosmologia
cultural das sociedades complexas.
LEVY & LUEDICKE (2012) declaram que com a queda da Cortina de Ferro
em 1989 e conseqüente abertura do mercado global para vários países da Europa
oriental, a abertura de novas oportunidades de mercado pelas tecnologias de
comunicação online, os consumidores ocidentais se tornaram mais críticos,
principalmente pela influencia das novas mídias sociais digitais, que geraram
“indivíduos super empoderados” com a capacidade de elevar, em poucos dias, marcas
desconhecidas a super estrelas globais e derrubá-las com a mesma rapidez LEVY &
LUEDICKE (2012: 61). Os autores descrevem o poder das mídias digitais globais em
tornar consumidores desconhecidos entusiastas por moda em blogueiros admirados
que passam a adquirir o status de celebridades, como no site “The Sartorialist”.
50
“Thus, in some corners of the Western markets, marketers send out
messages that consumers discuss with their local friends, but others send
out messages that consumers evaluate, disseminate, reinterpret, or
overthrow instantly and globally. The related marketing ideology gained
a new narrative stand that considered some markets as conversations. As
Levine and his colleagues (Levine et al. 1999) portray in ‘‘The Cluetrain
Manifesto,’’ a powerful global conversation has begun. Through the
Internet, people discover and invent new ways to share knowledge with
electronic speed. As a direct result, markets get smarter—and are getting
smarter faster than many companies.” (LEVY & LUEDICKE, 2014: 61)
51
marketing, como vimos em LEVY & LUEDICKE (2012), se torna cada vez mais uma
ideologia entre pessoas e grupos que habitam a territorialidade da internet, em redes
sociais, blogs e canais de vídeos como o Youtube. Faculdades hoje ensinam alunos de
comunicação digital a ‘criar sua marca’ na internet, o que não significa apenas
empreender junto a produtos ou serviços, mas tornar-se enquanto indivíduo, uma
marca por si só, tal qual o são as marcas de produtos que vão de refrigerantes a carros,
passando por livros e mesmo pela publicidade como bem de consumo e fruição.
52
rápidas. Antes, a reclamação ficava em ambiente privado, mas hoje ela é pública. Se
não houver agilidade, a imagem da empresa é prejudicada”.6
6 http://economia.ig.com.br/dia-do-consumidor/2013-03-15/empresas-correm-para-atender-clientes-insatisfeitos-nas-redes-
sociais.html. Pesquisado em 14/09/2015
7
http://extra.globo.com/noticias/economia/consumidoras-encontram-fungos-em-embalagem-de-sucos-7874510.html.
Pesquisado em 14/09/2015
53
Conforme a executiva de relações públicas e jornalista Claudia Vassalo,
entrevistada para esta pesquisa:
ʺa informação não esta mais concentrada, esta cada vez mais pulverizada
a partir das redes sociais - qualquer pessoa pode emitir uma opinião
sobre a reputação de uma empresa. Todos os stakeholders (das empresas)
estão mais informados e mais influentes, os riscos ambientais e
trabalhistas estão crescendo muito e um dos motivos é o empowerment
que as pessoas tem com as midias sociais. Atualmente, cada pessoa é seu
próprio editor, o que leva a um certo autoritarismo por parte das pessoas,
que se não concordam com o que o outro está dizendo, não querem ouvir.
Estamos passando por uma transformação da humanidade. A maior
manifestação do individualismo é o selfie. A rede social é a sua opinião e
seu interesse, seus amigos, não existe descoberta.”8
8
Claudia Vassallo, executiva de relações públicas e jornalista, entrevistada para esta pesquisa em 23/02/2015
54
com signos que transitam pelo tecido social. O estudo versa sobre a publicidade e sua
relação com a abordagem de Lévi-Strauss (1980) sobre o totemismo nas sociedades
complexas. Rocha defende a idéia de que, no pensamento burguês (e não no
pensamento selvagem), o totemismo poderia ser visto como uma transcendência entre
‘natureza’ e ‘cultura’ traduzidos em ‘produção’ e ‘consumo’, viabilizadas pelo
sistema publicitário, que enquanto operador totêmico promove uma aliança de
complementaridade entre produtos e pessoas. (ROCHA, 1995: 107). A publicidade
como operador totêmico, elemento que integra e articula a relação entre a produção de
bens e o consumo, tem seu poder de penetração junto aos interlocutores da mensagem
publicitária a partir da criação de imagens que dialogam com referências
socioculturais inerentes ao indivíduo enquanto consumidor.
55
CAPITULO 5
A ética como valor percebido pelo consumidor junto às marcas tem ganho
terreno, não apenas em função da necessidade de construção de uma reputação idônea
por parte de uma empresa, da construção de sua imagem institucional, mas porque a
voz do consumidor nos processos de interação com marcas via internet pode ser
ouvida por muitos na triangulação (com outros consumidores e a marca) e este exige
cada vez mais das marcas – não mais apenas a magia do status e diferenciação social
abordados por ROCHA (1985), BAUDRILLARD (1997) E DOUGLAS &
ISHEERWOOD (2004) e (2007) – mas direitos, transparência e, sobretudo, a
representação de valores humanos tanto nas mercadorias, quanto na construção da
mensagem e da estética publicitária.
56
seu poder narcisista em modificá-las, recriá-las e co-criá-las, consumindo-as
individualmente, privadamente, ou participando de comunidades de marca. (LEVY &
LUEDICKE 2012: 62)
57
de divulgação de mensagens, uma necessidade que transcende o conteúdo da
mensagem em si, o que, por sua vez, molda comportamentos em direção a uma quase
obrigação velada de construção de uma imagem de marca no meio digital,
especialmente entre os internautas mais jovens, que são atingidos com maior ênfase
pela força de moldagem da midiatização digital.
58
O amor aos animais e a revolta contra os maus tratos, com uma crescente
população que os considera parte da família contemporânea, nunca esteve tão presente
quanto nos dias atuais, quando desde a denúncia de empresas de cosméticos que
utilizam animais categorizados como de estimação, (causando uma comoção nacional,
com milhares de pessoas boicotando marcas e laboratórios do conforto de suas redes
sociais), até a denúncia de maus tratos isolados realizados por tutores de animais
(também categorizados como ‘donos’), levam pessoas a apedrejarem e ameaçarem de
morte estas pessoas, tanto pela internet, quanto fisicamente na vida real. Uma
comoção mundial ocorreu em julho de 2015, em função da morte do leão Cecil, no
Parque Nacional de Hwange, no Zimbábue, África, causada por um dentista norte-
americano que o abateu como caça. Cecil, de 13 anos, teve sua vida monitorada por
cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que estudavam a conservação
de leões no Zimbábue e era uma celebridade local.9
9
http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/a-terrivel-historia-do-leao-cecil-morto pesquisado em 14/07/2015
10
http://edition.cnn.com/2015/07/29/world/cecil-lion-walter-palmer-social-reaction/ pesquisado em 14/07/2015
59
O poder da midiatização digital em moldar consciências, instituir princípios,
ou pseudo-princípios momentâneos e arregimentar reações instantâneas em massa,
passa a remodelar a relação que indivíduos e grupos desenvolvem com a mídia, com a
produção de bens, com a política, com a sociedade como um todo e também com as
marcas, acarretando mudanças sociais e comportamentais que se evidenciam, por sua
vez, em mudanças no mercado de bens de consumo.
60
oportunidades de mostrar que se importam com as outras. O vídeo divulgado pelo
canal Youtube no endereço https://www.youtube.com/watch?v=juc2C5v6Z_8
pulverizou rapidamente nas redes sociais com o tema de abertura: “A man finds
companionship in a dog that faces the same struggles as he does. By giving him a
chance, the two overcome life’s obstacles together.ʺ Kleenex.com/messagesofcare
61
O prazer gerado pela reação aos estímulos da campanha, que orienta uma
eticidade de conluio em torno de valores humanistas elevados, ocorre, diferentemente
do mundo presencial, onde consumimos as propagandas pela TV, pelas revistas, ou
em lojas de produtos, pela interação do consumidor com a campanha e a marca via
redes sociais, num mero compartilhamento do vídeo desta campanha por um amigo, o
qual temos acesso percorrendo os feeds de postagens de nossa rede na rede Facebook.
11
Entrevista concedida por Fernanda Barreto, gerente sênior de marketing, em 21/03/2015.
62
extração de matéria prima (desmata-se florestas, ou usa madeira certificada, ou
reciclada), quais os percentuais de sódio, glúten, gordura trans e calorias, se a empresa
utiliza mão de obra escrava, se respeita a diversidade étnica, etária e de gênero, se
possui, ou auxilia instituições e associações ligadas ao amparo de minorias, à
educação infantil, a comunidades carentes, se desenvolve ações de conscientização
sobre o trânsito, o câncer infantil, o mal de Alzheimer, a discriminação de
homossexuais, se as condições de trabalho nas fábricas respeitam a saúde e
proporcionam qualidade de vida aos colaboradores, enfim, querem saber se a empresa
que produz seu refrigerante, calcinha, ou automóvel faz mal à comunidade e à
natureza, se a ampara, se é negligente, ou se contribui para um presente e futuro
éticos, para um ‘mundo melhor’.
Ao revisitar vinte anos depois sua obra “O mundo dos bens” (2004), a
antropóloga Mary Douglas argumenta que ʺas coisas cuja posse significa riqueza não
são necessárias por elas mesmas, mas pelas relações sociais que elas sustentam... a
12
Entrevista concedida por Paulo C. Q., vice presidente de agência de publicidade em 22/01/2015
63
pobreza é culturalmente definida, não por um inventário de objetos, mas por um
padrão de exclusões, geralmente bastante sistemáticas.ʺ DOUGLAS (2007).
64
objetos cujo valor financeiro era proibitivo a muitos, tornando a exclusão financeira
no consumo um elemento essencial na exclusão social que define o sistema do
consumo enquanto sistema cultural DOUGLAS & ISHEERWOOD (2004) LEVY &
LUEDICKE (2012), na era da midiatização digital, o consumo da informação (e neste
caso, o consumo da mensagem publicitária) como elemento balizador de relações
sociais, se converte num sistema de diferenciação e exclusões tal qual o é o uso dos
bens, pela interação dos consumidores (no processo de triangulação – com outros
consumidores, com as marcas e com os outros consumidores por meio da relação com
marcas) com os conteúdos simbólicos contidos na mensagem, onde, por meio do
diálogo viabilizado pela internet, consumidores se posicionam no mosaico social de
relações de poder pela interação com o discurso publicitário, a partir do discurso que
proferem sobre os bens, neste caso, no discurso que proferem sobre as marcas.
Escolher uma camiseta de uma marca tida como cool, ou hype, (no topo da
moda, com grande atribuição de valor de distinção) por jovens detentores de maior
65
poder econômico, que tornam seu consumo proibitivo a muitos, não é mais um signo
de status almejado como marcador social. Mas escolher uma camiseta confeccionada
com algodão orgânico plantado e colhido por uma comunidade carente apoiada pela
marca do produto, tingida com pigmentos orgânicos cuja lavagem não polui rios e
cujo venda é parcialmente revertida para ajudar uma entidade sem fins lucrativos que
auxilia portadores de doenças crônicas sem recursos financeiros, tornou-se o tipo de
produto de maior valor na economia política dos bens junto aos consumidores atuais,
em especial, os mais jovens que influenciam o consumo de todas as outras categorias
etárias.
66
Se o universo das imagens-sonho que circulam pela internet, com produtos
culturais oriundos de diversas partes do mundo muda referenciais identitários e de
pertencimento a partir da universalização das coisas, os valores humanos e éticos não
são mais apenas valores desejados pelos consumidores que buscam se reapropriar do
mercado como forma de exercer cidadania, mas tornaram-se também um simulacro
destes valores, pois converteram-se também em produto.
CAPITULO 6
67
Phillip Kotler, considerado grande pensador do marketing contemporâneo,
escreve na obra “Marketing 3.0” (2010) que se a primeira onda do marketing há
sessenta anos foi centrada no produto (Marketing 1.0) e a segunda foi centrada no
consumidor, constituindo-se na era da informação, onde o núcleo é a tecnologia da
informação, que torna os consumidores bem informados, o que faz com que o valor
do produto seja definido por eles, onde o lema é “o cliente é rei”, embora seja tratado,
conforme Kotler, como alvo passivo de campanhas publicitárias (Marketing 2.0). A
terceira e atual, respondendo-se à dinâmica do meio, funda-se nas questões humanas
(Marketing 3.0), onde a lucratividade tem como contrapeso as questões sociais e a
responsabilidade corporativa para com elas. Para além da força da operação em
termos de produção e gestão de processos, uma marca necessita, nos dias atuais,
posicionar-se como uma instituição que se pauta em códigos morais, lucrando pela
criação de valores superiores para todos os seus stakeholders. KOTLER (2010)
68
apenas o coração, mas o espírito dos consumidores, entendendo-os como seres plenos,
que desejam transformar a sociedade e o mundo como um todo num lugar melhor
para se viver.
A busca por parte de indivíduos e grupos por integração e ação direta para
expor, legitimar e solucionar questões sociais é anterior ao Marketing 3.0 de Kotler
(2010) é possivelmente uma das razões que tornou a busca por valores humanos um
elemento central para a percepção, classificação e julgamento do consumidor sobre as
marcas contemporâneas.
69
Se a cidadania a partir do consumo se evidencia cada vez mais pelo
empoderamento do consumidor adquirido pelo diálogo com as marcas e os
movimentos por um consumo responsável, que operam de forma a constituir uma
nova cultura de ação política por meio das práticas de consumo (PORTILHO, 2006),
onde o ativismo via internet amplia as possibilidades de transcender fronteiras em
função da luta por causas sociais, as marcas, por sua vez, não apenas buscam se
proteger da possibilidade de escândalos ocorrerem envolvendo seus nomes na
internet, gerando o comprometimento de sua imagem pública, como também
interagem, como é típico do sistema de produção capitalista, com esse advento e as
possibilidades de se produzir valor e capital por meio dele.
13
Jaime Troiano. CEO da Troiano Consultoria em branding, em entrevista para esta pesquisa em 11/10/2014
70
O antropólogo Everardo Rocha escreve com Carla Barros no artigo “Entre
mundos distintos: notas sobre comunicação e consumo em um grupo social” (2008)
que “o consumo é governado por representações coletivas, emoções codificadas,
sentimentos obrigatórios, sistemas de pensamento e pela ordem cultural que o
inventa, permite e sustenta.” (ROCHA, 2008: 189). Se a transparência e fluidez com
que as informações compartilhadas pela internet ʺdesnudamʺ realidades da vida
contemporânea, fatos, princípios, dimensões da esfera política (das relações de poder
entre indivíduos e grupos e em relação ao Estado), das instituições sociais (como a
Igreja cristã, católica e protestante e os casos de pedofilia, abusos e lavagem de
dinheiro a partir do dízimo), as relações corruptas entre empresas e governo e em
especial os meandros do sistema de produção, que abrange o sistema de trabalho e a
confecção de produtos, estas que conforme ROCHA (1985) são encobertas pela
publicidade como operador totêmico que utilizando do poder do mito, de constituir de
significados de sonho produtos e marcas, cria a suspensão da duvida, permite ver o
impossível e acreditar nele, podemos pensar que na era da midiatização digital,
acreditamos que as representações coletivas têm no consumo cada vez mais o que
PORTILHO (2006) define como nova ação política a partir das práticas de consumo,
que se estruturam organicamente, de forma descentralizada e sem uma objetividade
instituída como grupo, mas por meio das escolhas permeadas de carga ideológica que
orientam novos modelos de relação com o sistema de produção operadas nas
interações dialógicas com a comunicação publicitária de marcas.
71
marca) e seus poderes são, assim, solicitados a intervir. O resultado final é a
resolução, pelo uso do produto, do problema inicial.ʺ (ROCHA: 1985: 141)
72
imagem marcária, criam exigências também cada vez mais complexas e
ʺpersonalizadasʺ em relação às marcas e organizações. Em seu já citado artigo sobre
consumidores exigentes e ética nas empresas, (cuja reflexão sobre o tema ilustra
elementos cada vez mais evidentes nas relações midiatizadas de consumo na era
digital) Clotilde Perez argumenta:
14
Moderno Dicionário de Português Michaelis. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=bem-estar
73
a religião, a representação política e a comunidade local. O hiperconsumidor,
conforme Lipovetski, não busca mais o bem estar material, ele busca conforto
psíquico e desabrochamento subjetivo, conforme o autor, assistimos à expansão do
mercado da alma numa era em que proliferam as ‘farmácias da felicidade’, quando a
questão da felicidade pessoal vem à tona pelo esgotamento de referenciais tradicionais
e históricos, o que constitui um novo mercado – a compra da felicidade instantânea,
também denominada bem-estar. (LIPOVETSKI, 2007: 15)
74
consumo da dimensão temporal, a qual é essencial no processo de construção da
diferenciação pelo consumo, tornam-se cada vez mais incipientes em tempos de
midiatização digital, permitindo que consumidores de diferentes culturas, com
diferentes condições socioeconômicas, possam constituir o estilo em voga, antes
restrito às classes dominantes, pelo acesso democrático à informação sobre tendências
em tempo real e compra de produtos de fast fashion (que contém os códigos da última
moda, lançados com rapidez e após consumidos, tornados obsoletos com a mesma
rapidez) com preços acessíveis que possuem o código e moda vigente no presente
imediato.
75
expressar unicidade, característica, acreditamos, cada vez mais valorizada em tempos
de pulverização de informações e busca por autenticidade nas redes sociais.
76
Escolher um produto sem apelo de glamour, beleza estética, ou luxo, mas que
possua uma ideologia ligada à ecologia e sustentabilidade, consiste, para muitos,
numa não-conformidade com o status quo, pois se está negando o que se acredita, um
valor defendido pela grande maioria, constituído pelo luxo, pela ostentação e pela
beleza, elementos que tornaram-se ícones por marcas épicas no cenário de produtos
premium, para se escolher aquelas que ninguém conhece, mas que fazem o bem, que
são contra o consumismo moderno, contra a vaidade exacerbada que cada vez mais
afeta a saúde de homens e mulheres que recorrem a toda a sorte de procedimentos
para atingir a beleza estética, contra a exposição conspícua de produtos que
expressem status financeiro e que por fim, numa tendência sociocultural de
movimento de negação da superficialidade do sistema da produção, que rompe com
sua lógica representando a não-conformidade do consumo sustentável.
77
posturas, como boicota marcas e busca arregimentar a configuração social digital de
consumidores, para além de fronteiras geográficas e culturais para que se engajem
nesta cruzada. Conforme Perez:
Neste contexto, com base nas pesquisas de BELLEZZA et. al. (2014) e
PEREZ (2008), POTILHO (2008), LEVY & LUEDICKE (2012), BAUDRILLARD
(1995, 1997), VEBLEIN (1965), BRANDINI (1998, 2003), CORREA (1995) E
CANCLINI (2001) percebemos que o contexto do consumo ideológico se configura,
por uma conscientização orientada pela transparência de informações que circulam no
processo interacional de referência – a internet (BRAGA 2012) na era da midiatização
digital, que formata novas ideologias, comportamentos e demandas junto às
organizações e marcas em função da constituição de uma configuração (ELIAS 1975)
digital de consumidores (HEPP 2014) que é sensibilizada pelas informações sobre
devastação da natureza, falta de ética e prejuízos à saúde e às condições de trabalho de
funcionários no sistema de produção capitalista, o que cria manifestações espontâneas
de exposição de atos antiéticos de organizações e marcas, boicote a marcas e
exigência de posturas éticas, ecológicas e humanistas.
78
princípios humanistas e de conotação ética, a construção de imagem de marca
necessita se constituir com um DNA com propriedade suficiente sobre estes valores
para poder engajar o consumidor cada vez mais exigente e que dialoga com as marcas
ʺde igual para igualʺ. Outrora, o capital de valor de uma marca podia ser construído
pelo diferencial com outras marcas em termos prestígio, raridade, seletividade,
calcados no sistema de exclusão que define muito da dinâmica de consumo na
sociedade capitalista industrial a partir da determinante econômica. Mas, atualmente,
a marca para se distinguir, tal qual uma mulher que busca atrair os olhos e desejos de
um grupo, em meio a muitas outras mulheres ali presentes, que em outros tempos o
fazia por meio da beleza estética, da seletividade de interações e da unicidade de sua
composição indumentária, nos dias atuais, necessita, junto ao público, não apenas
ʺparecerʺ para se diferenciar, mas ʺfazer a diferençaʺ em termos pragmáticos para
poder aumentar seu capital de valor aos olhos de outrem.
79
e quarenta e oito milhões de dólares para educar 350.000 crianças em áreas de
conflito. Estima-se que Jolie e o marido, o ator Brad Pitt, doaram cerca de 8 milhões
de dólares para caridade apenas no ano de 2006.15
Jolie visitando refugiados colombianos no Equador, como enviada do alto comissariado da ONU
http://celebridades.uol.com.br/noticias/afp/2012/05/29/angelina-jolie-participa-do-lancamento-de-campanha-contra-abuso-
sexual.htm visitada em 15 de julho de 2015
Tal dinâmica, por sua vez, transcende o universo das estrelas de Hollywood e
se torna capital de valor junto a toda a sorte produção cultural, bens simbólicos,
organizações e marcas.
15
Angelina Jolie: Charity Work, Events and Causes. https://www.looktothestars.org/celebrity/angelina-jolie
80
consumidor e a marca no ambiente online. O consumidor-marca, por sua vez,
revestindo-se dos marcadores sociais ʺincorporadosʺ totemicamente pelo consumo
dos valores representados pelas marcas, demanda, cada vez mais, que o propósito
esteja presente para que ele torne, a si mesmo, uma marca como propósito.
CAPITULO 7
Boorstin escrevera sobre a forma como o universo das imagens gerou uma
ilusão programada de realidade construída a partir do que denominou ‘pseudo-
eventos’, qualquer fato, ou ocorrência que por mais irrisório que pudesse ser, tornava-
se um evento através da fabricação e projeção de sua imagem e da articulação de seu
sentido, seu nível de importância e abrangência, por meio da mídia (BOORSTIN,
1962).
81
concepção de realidade – ele torna-se um evento a partir da propaganda de si mesmo,
constituindo uma profecia de auto-realização. As celebridades, por exemplo, são
denominadas pseudo-heróis, pois diferentemente do herói mitológico cuja imagem
tornasse grandiosa por algum feito, estas tornam-se grandes nomes por assim serem
tratadas pela mídia.
A obra de Boorstin, escrita em 1962, não poderia ser mais atual para exprimir
a lógica que impera, em tempos de midiatização digital, na Era das Causas na estética
publicitária. O quinto capítulo de “The Image” (1962), intitulado “From Ideal to
Image: The Search for Self-Fulfilling Profecies”, descreve, de forma brilhante, o
quanto o sonho da totalidade engendrado por nossas expectativas extravagantes e
moldado pela midiatização nos impele para ‘fabricar’ nossa experiência:
82
American way os speaking: from talking about ideals, to talk about
images.” BOORSTIN (1962: 186)
16
conjunto de normas que definem o bem e o mal como princípios que orientam comportamentos de uma dada cultura. “Ética,
moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum.” Ana Paula Pedro. KRITERIO.
REVISTA DE FILOSOFIA. vol. 55 no.130 Belo Horizonte Dec. 2014
17
onde criamos, notícias, pseudo-heróis (celebridades), pseudo-eventos e, conforme Boorstin, até mesmo fabricamos Deus `a
nossa imagem e semelhança (P. 186)
83
difícil `as marcas engajar indivíduos e grupos nos pseudo-ideais que constituem sua
imagem.
84
considerar e elevar o espírito humano (KOTLER, 2010) e que entendam que este
consumidor é em tempos de midiatização digital, também uma marca que busca se
posicionar junto a seus stakeholders – comunidades digitais, redes sociais, leitores de
blogs, amigos presenciais e virtuais e toda a configuração de internautas que
constituem communitas, colaboradores, mas também marcas concorrentes a se
posicionar pelo consumo de propósitos e causas.
85
7.1 O Consumidor como Instituição Social – Uma Nova Aspiração Narcísica
A instituição cria mecanismos de controle, pois ela determina, com base nos
valores consensualmente aceitos por um grupo, qual o código de conduta a ser
seguido, ela organiza a sociedade pois dá direção e estabilidade à vivência humana.
Ela opera como uma entidade abstrata, orientando percepções, visões de mundo e
comportamentos empíricos conforme os valores e eticidades que ela representa. Seu
poder está na constituição de uma referência dos valores e princípios do mundo social
que orienta a conduta dentro de um grupo.
Assim como Angelina Jolie não representa apenas uma atriz Hollywoodiana,
mas uma instituição social que representa valores humanos consensualmente aceitos e
86
defendidos na sociedade contemporânea – a sustentabilidade, o olhar para o Outro e
ajudar minorias necessitadas, a transparência em ações e acima de tudo, uma pro
atividade na conduta em relação ao amparo do Outro, ela constitui junto aos
interlocutores da mídia, uma instituição social que condensa valores e orienta
condutas, que determina eticidades com base em princípios da coletividade
contemporânea.
87
PESQUISA EMPIRICA
CAPITULO 8
88
A partir das entrevistas em profundidade com os profissionais de mercado
relatados, pudemos ter um delineamento dos temas, tipos de discurso, tendências e
formas de articulação destes temas na construção das narrativas e estética das
campanhas publicitárias atuais. Os entrevistados, vindos de diferentes atuações no
mercado que se relacionam com, desde a pesquisa para apropriação dos elementos
simbólicos e estéticos do mundo social, o desenvolvimento do branding das
empresas, a contratação de agências publicitárias e a demanda como clientes, o
planejamento e execução das campanhas publicitárias e a relação entre marcas e
consumidores sob o ponto de vista da comunicação organizacional, nos forneceram
informações para o entendimento de tendências atuais da construção publicitária, o
que nos permitiu, a partir destes conhecimentos, eleger os temas que mais possuem
aderência com nosso objeto de pesquisa – a utilização do ‘propósito’ como arcabouço
conceitual para o anuncio publicitário que cria o simulacro de uma causa.
89
possuem grande relevância na exposição empírica do fenômeno aqui abordado, o que
pôde ser constatado pela abrangência que a campanha obteve junto à mídia e ao
público consumidor das mensagens publicitárias, o que foi verificado pela polêmica
gerada com figuras religiosas e as manifestações contrárias a elas, em comentários nas
redes sociais digitais e no número de compartilhamentos e comentários que estas
obtiveram, além da cobertura jornalística em veículos de mídia especializada sobre a
mencionada polêmica em revistas como Meio & Mensagem, Revista Veja, Exame e
Istoé.
I. Midiatização
90
Por uma perspectiva socioconstrutivista da midiatização, que se pauta na
construção comunicativa em transformação da cultura e da sociedade por meio da
transformação de nossa percepção e interpretação do social a partir de uma lógica de
mídia (um enquadramento processual por meio do qual as ações sociais ocorrem – a
ação social da comunicação) operada pelos meios de comunicação. (HEPP, 2014: 47)
Os efeitos da midiatização se estendem para além dos pontos de contato da
comunicação – neste caso, da comunicação publicitária de oferta de produtos e de
imagem de marca – e passam a moldar percepções e interpretações que influenciam
modos de vida, comportamentos e relações entre pessoas e entre pessoas e marcas.
No caso desta pesquisa – uma pesquisa de midiatização sincrônica, isto e,
pautada numa dimensão temporal pontual, com grande representatividade e que
desencadeou mudanças no comportamento de consumo e relaçnao com uma parca,
por parte dos consumidores-interlocutores – averiguamos que elementos centrais do
universo e dinâmica do consumo, como atividades de construção da imagem e de
comunicação da imagem de marca são cada vez mais influenciados e em alguns casos,
dependentes (Hjarvad, 2012: 30) das mídias e atualmente, das mídias digitais como
pontos de contato referenciais do processo de interação com os consumidores. Estes
consumidores, por sua vez, são cada vez mais influenciados e em muitos casos,
dependentes, das mídias sociais e da sua construção de imagem pessoal como marca
(e pseudo-instituição) por meio destas mídias, para a criação de sua identidade e neste
contexto, as marcas constituem os arcabouços de significados que fornecem
elementos simbólicos que constituem os referenciais identitários destes interlocutores,
marcando-os socialmente a partir de processos de interação na triangulação
consumidores-marcas e consumidores-marcas-outros consumidores.
Com base nos pressupostos teóricos de Hepp, adotamos o conceito de força de
moldagem para captar a especificidade da influência das mídias sociais digitais, em
especial, as redes sociais da internet no processo de comunicação e na influência
indireta de transformação social – neste caso, a circulação de discursos publicitários
midiatizados que “moldam” percepções sobre a realidade, as interações entre
consumidores e entre estes e as marcas e a construção de identidades dos
consumidores enquanto interlocutores, enquanto marcas e enquanto pseudo-
instituições, como visto nos capítulos anteriores deste estudo.
As forças de moldagem da mídia atuam tanto nos termos de
institucionalização, onde temos a habitualização de ações que se tornam
91
comportamentos e a tipificação de atores sociais. Neste caso, temos como atores
sociais, as marcas cuja imagem construída necessita revestir-se de valores do mundo
social para atrair, seduzir, engajar e conquistar o consumidor por meio do anuncio
publicitário, temos a mídia, no caso, a mídia publicitária atuando como instituição que
normatiza padrões e transmite regras por meio do comunicação publicitária das
marcas, regras que atuam como condicionadores morais por meio das causas como
narrativa e estética do discurso que codificam e transmite material e simbolicamente
estes valores do mundo social num corpus estético que atua como ponto entre marca e
consumidor, e temos o consumidor-interlocutor, que ao interagir com as campanhas
publicitárias por meio das mídias sociais digitais, relaciona-se com as marcas,
incorporando, por meio do dialogo com elas, valores que se estribam em causas e que
por sua vez, uma vez consumidos, revestem o consumidor-interlocutor de elementos
simbólicos relativos à normatização de valores morais – as causas – para amalgamá-
los ao seu self (CAMPBEL, 2001) na construção de uma imagem identitária
compartilhada com outros indivíduos e grupos por meio das mídias sociais digitais.
Enquanto mundo midiatizado (HEPP, 2013), a internet, ou mundo digital, cria
um universo de práticas sociais específicas e de cosmologia cultural. Conforme HEPP
o nível no qual a midiatização se torna concreta e pode ser analisada empiricamente.
(2014: 53)
Os mundos midiatizados, no caso do objeto desta pesquisa, as interações entre
marcas e consumidores que configuram contornos de sua relação tanto no mundo
digital, quanto no presencial e que influenciam a construção da identidade de
consumidores tanto no mundo online, quanto no offline, são articuladas por redes de
comunicação – as mídias sociais digitais – que atravessam territórios e categorias
sociais. Já que os mundos midiatizados, assim como os mundos sociais, se inter-
relacionam, elaboramos um recorte para investigar o objeto de estudo, no âmbito da
midiatização, com base num enquadramento temático de um mundo midiatizado – o
processo no qual os consumidores no mundo digital em sua relação com as marcas
(que tomam as causas como conteúdo simbólico midiatizado pela publicidade
influenciando transformações sociais indiretas junto à configuração de consumidores).
Como argumenta HEPP (2014) uma configuração comunicativa (como o
universo dos consumidores de uma marca) que integra um mundo midiatizado, não é
baseada na influência de uma única mídia, os consumidores, por exemplo, são
influenciados pela midiatização publicitária oriunda de diversos meios como a TV, os
92
outdoors, as propagandas em revistas, as ações promocionais em eventos presenciais,
não ficando restritos à influência da mídia digital. Contudo, como vimos ao longo
deste estudo, as mídias digitais como processo interacional de referência (BRAGA:
2012) possuem atualmente o poder de gerar transformações por meio da midiatização,
tal qual o fez a TV em décadas passadas, razão pela qual ela torna-se elemento
essencial em nosso estudo e objeto de nosso enquadramento temático na pesquisa
empírica. Foram elencados exemplos de campanhas veiculadas na mídia (TV,
internet) e a reação dos consumidores a estas nas redes sociais digitais que possam
traduzir empiricamente o processo problematizado em questão.
93
Os dados coletados sobre o enquadramento temático da campanha analisada
nos permitiu analisar elementos como quantidades de menções e interações,
processos de interação entre consumidores e marca e entre consumidores-marcas-
outros consumidores, conteúdos discursivos destas interações, permitindo um
delineamento do contexto analisado empiricamente com vistas a permitir sua análise
conforme a metodologia de pesquisa de midiatização proposta por Andreas Hepp.
94
TERCEIRO: As formas de comunicação. Padrões concretos de práticas comunicativas
que caracterizam as configurações comunicativas e podem incluir diferentes tipos de
comunicação (mídia) entrelaçadas, como neste caso, a comunicação digital:
95
I. iv Apresentação do Objeto de Pesquisa Empírico
O filme tem como trilha sonora a canção “Toda forma de amor” de Lulu
Santos, numa versão instrumental ao piano. Ele mostra, inicialmente, cenas
intercaladas de homens e mulheres, em ʺpreparaçãoʺ para o Dia dos Namorados. Na
primeira cena, um jovem entra numa loja e compra um perfume da marca Egeo, na
seguinte, mostra uma jovem da mesma faixa etária cozinhando algo para receber
alguém. Então Mostra uma mulher de cerca de cinqüenta anos se arrumando em frente
a um espelho e corta para uma homem da mesma idade também se arrumando no
espelho e pegando o presente que comprou para seu par. Na sequência, mostra uma
terceira mulher, cortando para a mulher de 50 anos e depois o primeiro jovem que
aparece no filme pegando um taxi. Então uma jovem tocando a campainha da casa de
alguém e um jovem atendendo o interfone. Corta para este jovem abrindo a porta e
quem ele recebe é o homem de 50 anos, seu namorado com perfume de presente. Os
dois homens se abraçam com afeto. O jovem da cena inicial e a mulher de 50 anos
que olhava no espelho é recebida por ele se abraçam. A jovem que estava cozinhando
abre a porta e surge a jovem que pegava o primeiro taxi, sua namorada e elas se
abraçam. Por fim, diferentes casais, heterossexuais e homossexuais se abraçam e
abrem seus presentes.
18
https://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI&feature=youtu.be
96
deslocamento até a casa do parceiro (a), intercalando os sujeitos da propaganda,
inicialmente, numa sequência homem/mulher, o que leva o interlocutor da propaganda
a ter a percepção de um comercial comum, onde casais “ditos comuns”, concebidos
como heterossexuais, o padrão normalmente reconhecido como o comum na cultura
brasileira, ritualizam a celebração do Dia dos Namorados, desde o momento da
preparação, até o encontro.
1. http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/10/propaganda-da-boticario-com-casais-gays-vence-premio-
publicitario.html pesquisado em 15/07/2015
97
http://www.b9.com.br/58022/advertising/comercial-do-boticario-para-o-dia-dos-namorados-traz-casais-homossexuais-e-trata-
assunto-com-naturalidade/ pesquisado em 15/07/2015
98
a empresa tem a característica de uma marca de destaque no mercado e de referencia
das qualidades percebidas, em especial, nas relativas a produtos, entretanto, o autor
atenta para o fato de que uma empresa precisa sempre melhorar sua imagem junto ao
público consumidor e entre os desvios que mais apareceram em sua pesquisa
quantitativa, remetem a dimensão de inovação na marca, considerada fraca.
Em grande parte das campanhas publicitárias da marca, que tem como slogan
“A vida é bonita, mas pode ser linda”, a temática central é a beleza feminina e a
sedução, posicionando a marca no território do tema beleza, em relação à
concorrência – como a Natura, cujo slogan é “Bem estar bem”, que posiciona a
marca no território do bem-estar e da sustentabilidade. Na peça de comunicação
analisada, O Boticário parece buscar inovar no branding, na construção de sua
imagem de marca junto ao público consumidor, pois traz como conceito um tema
socialmente polêmico e delicado, bastante em voga, que causou, definitivamente uma
fricção social – para o bem e para o mal.
Com uma reação massiva contra a campanha e boicotando a marca nas redes
sociais digitais, em função da campanha Casais, O Boticário se posicionou
firmemente em seu propósito de apoio à causa da diversidade sexual, por meio de
nota divulgada por sua assessoria de imprensa:
99
de idade, raça, gênero ou orientação sexual – representadas pelo prazer
em presentear a pessoa amada no Dia dos Namorados. O Boticário
reitera que valoriza a tolerância e respeita a diversidade de escolhas e
pontos de vista.19
19
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/01/o-boticario-e-criticado-nas-redes-sociais-apos-comercial-com-casais-
gays.htm
100
O ponto de inflexão da propaganda “Casais”, dá-se quando um ritual
tipicamente comum para esta celebração, contendo os elementos ordinários que
constituem o que se entende por ʺcasaisʺ e ʺDia dos ʺNamoradosʺ, rompe com o
senso comum, com o status quo concebe por referência consensualmente concebida
de identidade sexual e identidade de gênero entre casais e mostra a normalidade deste
ritual entre casais de diferentes orientações sexuais, que cumprem a mesma
ritualidade, têm o mesmo cuidado e a mesma preparação detalhada e permeada de
sentimentos amorosos de celebrar o amor e a relação com o parceiro(a) que os casais
heterossexuais, tidos pelo senso comum como a referência do que se concebe por
casal e por relação afetiva.
Endossar a Causa LGBT não significa posicionar-se como uma marca voltada
a este público, nem que tenha a homossexualidade como valor (o que foi tomado
como mensagem pelos consumidores mais reacionários que se revoltaram com a
campanha), mas significa, como mensagem, que a marca teve coragem de
comprometer-se com algo que ainda representa um tabu social, pois a coragem é a
marca daqueles que se envolvem com causas e rompem barreiras, colocando-se à
mercê de reações negativas e no caso, possível perda de clientes, para defender o que
se entende por moralmente correto.
101
precisar agir, pronunciar-se, ou manifestar-se pela causa LGBTT, sentem que estão
agindo politicamente em defesa dela pelo consumo da imagem da marca que a
defende.
102
palco de uma guerra ideológica sobre a questão da diversidade (em especial, na pauta
dos consumidores, o tema da homossexualidade) da identidade e relações afetivas.
20
https://www.youtube.com/watch?v=Rn8ET9Nos9g acessado em 15 de julho de 2015
103
A reação de Malafaia arregimentou adeptos de princípios mais conservadores
sobre a questão da identidade sexual – contrários à homossexualidade – e do modelo
heterossexual de união afetiva, que mesmo não fazendo parte da religião Evangélica,
desaprovam a união homo-afetiva. Estes consumidores com posturas sociais mais
conservadoras, mesmo não consumidores, alheios à marca O Boticário, utilizaram
este episódio para se manifestar contra homossexuais e união homo-afetiva, em
especial nas redes sociais digitais.
O site Reclame Aqui21 teve mais de 167 reclamações contra a campanha, por
parte dos mais diferentes públicos, de homens jovens que condenam a
homossexualidade e acreditam que a campanha incentiva pessoas a se “tornarem”
homossexuais, até mães que acreditam que a campanha agride a moral e os bons
costumes e ofende à família, sendo especialmente prejudicial às crianças.
Houve ameaça de boicote à marca por parte de muitos e até mesmo denúncia
ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que teve mais de
20 reclamações de consumidores que julgaram o conteúdo impróprio e a peça
"desrespeitosa à sociedade e à família"23.
21
http://www.reclameaqui.com.br/13261987/o-boticario/abuso-da-midia/ acessado em 15 de julho de 2015
22
http://noticias.terra.com.br/brasil/propaganda-do-boticario-com-casal-gay-gera-homofobia-nas-redes-
sociais,d1b5663ecadb3a28c57976f03da19bf4apncRCRD.html acessado em 15 de julho de 2015
23
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/02/conselho-de-publicidade-vai-analisar-campanha-do-boticario-com-
casais-gays.htm
104
A grande mídia jornalística pautou-se na polêmica e nas manifestações
contrarias à campanha, o que pudemos observar (no item b. Campanha) pelos títulos
das matérias dos principais jornais brasileiros acima. Entre os consumidores,
manifestando-se por meio das mídias sociais digitais, o engajamento em prol da
defesa da causa assumida pela marca foi representado como um verdadeiro ativismo
digital defendendo tanto a campanha e a marca O Boticário, quanto os direitos dos
homossexuais e as relações homo-afetivas.
105
questão, não participavam de nenhum grupo de defesa dos direitos LGBT e nem se
manifestavam por meio de postagens e comentários sobre o tema, mas se
manifestaram fervorosamente com discursos de tom ativista, posicionando-se como
tal e enfrentando ostensivamente os interlocutores contrários à campanha, tal qual um
militante da causa LGBT.
106
Captura de tela de postagens extraídas da rede social digital Facebook em 15/07/2015
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6.504 comentários
107
O último comentário data de 12/10, como um reply de comentário da
postagem, o que virou um campo de discussão, um fórum permanente sobre o tema. O
post em questão teve interações de interlocutores que já eram consumidores da marca
e não consumidores que foram engajados pela causa defendida. No dia 2 de junho,
uma semana após o lançamento da campanha, mídias como a revista Meio &
Mensagem, Veja e Exame (como vimos anteriormente) publicaram matérias falando a
polêmica gerada nas redes sociais em função da campanha Casais, o que fez com que
do dia 2 de junho para o dia 3 de junho de 2015, a fan page de O Boticário tivesse um
aumento de 15.369 seguidores. (pesquisa realizada com a ferramenta de Big Data
Airstrip). Um post feito na rede social Facebook pelo deputado e ativista dos diretos
homossexuais Jean Willis, contou com 20 mil likes, 845 comentários e 17 mil
compartilhamentos.
Captura de Tela de Postagem do perfil de Jean Willis na rede social Facebook extraída em 15 de julho 2015
108
O enquadramento temático refere-se aqui ao efeito da midiatização digital da
publicidade como transformação social que reverbera em novas eticidades do
consumidor-interlocutor desta campanha ao constituir-se nas redes como consumidor-
marca com atributos de um consumidor-instituição a representar códigos morais em
sua imagem publica compartilhada nas redes sociais digitais.
109
humanistas à imagem de marca, na busca por posicioná-la num território socialmente
e moralmente legítimo, algo que se inicia no fim dos anos 1980 com as campanhas
desenvolvidas pelo fotografo Oliviero Toscani para a marca Benetton, mostrando
casais multirraciais, crianças de diferentes etnias brincando juntas, além de temas
densos e trágicos, como a AIDS e as viagens de refugiados em navios superlotados.
110
alteridade como atributo de sua marca pessoal. Ao compartilhar o vídeo da campanha
nas redes sociais digitais, ele pode nem chegar a consumir o perfume da marca, mas
compartilha o propósito da campanha tomando-o como seu e posicionando-se com
marca, junto aos outros interlocutores presentes no cyberespaco, pelo processo de
triangulação da interação entre consumidor-marca-outros consumidores.
• redes sociais digitais, blogs, sites, fan pages, fóruns onde interagiram:
a. a marca e seus consumidores –
c. consumidores entre si
111
• sites e blogs de jornais e revistas especializadas e/ou de grande circulação
• blogs de formadores de opinião
Se você entrar nas redes sociais como Youtube, você pode ver que 80% do
que se discute nas redes sociais vem da televisão, de coisas que estão
acontecendo no dia a dia e o protagonista disso é a TV aberta. A rede
social é induzida pelos fatos que estão acontecendo no dia a dia, como no
jornal de papel.”24
112
Percebemos a partir desta constatação, a evidência empírica do argumento de
HEPP (2014) em seu artigo sobre a pesquisa de midiatização (cuja metodologia é
adotada neste estudo) de uma perspectiva transmidial, onde diferentes mídias estão
totalmente envolvidas nas construções comunicativas em mudança da cultura e da
sociedade (p. 61).
A TV aberta opera com o que Paciullo, entrevistado para esta pesquisa chama
de “tiro de canhão” em termos de uma estrutura de comunicação extremamente
abrangente e pulverizada, que atinge tanto os grandes centros metropolitanos mais
próximos da adoção das inovações tecnológicas (ROGERS, 1983) e circulação de
conteúdos de nicho, quanto regiões distantes, interioranas, em localidades onde o
código de valores e eticidades tem uma dinâmica de assimilação mais lenta das
inovações, consequentemente, mais conservadora em muitos princípios.
113
mídias sociais) com isso. O que muda? Hoje se consome (a informação)
em plataformas. Então as empresas de comunicação tem que estar
presentes onde as pessoas estão. Este é o grande avanço.”25
25
idem
26
https://www.youtube.com/watch?v=Hzyt52Y59hM acessado em 15 de julho de 2015
114
https://www.youtube.com/watch?v=Hzyt52Y59hM acessado em 15 de julho de 2015
O vídeo postado por Malafaia teve 51.288 visualizações, contando com 1.871
likes e 3.382 dislikes, mas desativou a parte de comentários e teve 1.200
compartilhamentos, 7.200 likes e 750 comentários de endosso à sua fala a partir da
postagem deste video em sua fan page na rede social Facebook.
27
idem
28
https://www.youtube.com/watch?v=eCTATR7bwXs acessado em 15 de julho de 2015
115
O vídeo de Jussara teve 89.543 visualizações, contando com 5.723 likes e
1.114 dislikes e 1.404 compartilhamentos.
116
1 de jun de 2015 - Propaganda de "O Boticário" gera reação homofóbica na web ... Jean Wyllys
parabeniza campanha de O Boticário com casal gay · Campanha para o Dia .... Um casal hétero se
beijando em público também é constrangedor.
117
O Boticário como uma empresa de postura heróica ao criar uma campanha audaciosa
em defesa de uma causa e ao rebater as criticas mantendo sua postura com veemência,
o que trouxe a imagem da marca para uma seara institucional, representando valores e
princípios por meio de uma campanha de um produto para uma data festiva.
118
https://www.facebook.com/familiasempreconceitos/photos/a.1509729675917767.1073741828.1509723312585070/16327918169
44885/?type=3&fref=nf acessa em 15 de julho de 2015
119
Uma questão que aqui se coloca – teriam as pessoas comprado com tamanho
entusiasmo e ativismo, os produtos da marca O Boticário, se o resultado objetivo da
compra não fosse, entre outras coisas, postar a foto, ou fazer menção da compra nas
redes sociais digitais, para que o ‘ativismo’ em torno da causa defendida pela marca,
(no processo de interação do consumidor-interlocutor com ela nas redes sociais) não
culminasse com a representação narcisista de si (defensor da causa) junto aos outros
interlocutores, na relação de triangulação entre consumidor-marca-outros
consumidores?
120
Como vimos em HEPP (2014), as forças de moldagem da mídia sobre a
sociedade na perspectiva de influência, ou transformação desta, possui duas
dimensões essenciais, a institucionalização e a reificação. A institucionalização,
conceituada pelo autor a partir do conceito socioconstrutivista de Berger e Luckman,
possui formas específicas de ação conforme tipos de ator e tipificação das ações
habitualizadas por estes diferentes tipos de ator na configuração comunicativa. No
caso da configuração comunicativa analisada nesta pesquisa, os diferentes tipos de
ator expostos na parte PRIMEIRA desta análise, desempenharam diferentes (e
convergentes) tipos de ações, que por muitas vezes foram intercambiadas entre os
atores, como no caso da midia digital de vídeos Youtube, que tanto foi meio de
lançamento do vídeo da campanha, como meio de manifestação dos opositores a ela e
por conseguinte, dos consumidores-interlocutores que se manifestaram contra o
opositor.
121
1. A rede de comunicação – os atores envolvidos e as mídias que possibilitaram
sua interação
2. As várias escalas do processo de comunicação – tanto no nível macro, da
mídia de massa televisiva, quanto nos sites de jornais e nas redes sociais de
interação recíproca, no nível micro entre consumidores-interlocutores que
debateram em posts o caso.
I. Mídia de massa:
i. Fan page da marca o Boticário nas redes sociais digitais, site da marca, canal
de vídeos da marca no Youtube
ii. Canal de vídeo no Youtube – de Silas Malafaia que lançou o boicote contra a
marca
122
iv. Perfis e Fan Pages de celebridades influenciadoras em redes sociais digitais
como Facebook, Instagram e Youtube – que lançaram manifestações de apoio
à marca, contra Malafaia e incentivando o consumo de O Boticário como
forma de ativismo contra a homofobia, como Gregório Duvivier
123
consumidores interlocutores, pelo agendamento gerado pela midiatização dos
atores (meios) aqui evidenciados.
124
O consumidor-interlocutor, em tempos de mídia de massa, poderia consumir o
anuncio publicitário e ser seduzido pelo estímulo hedonista (CAMPBEL, 2001) de
consumo, ou de manifestação de status social (ROCHA, 1985), comprar o produto
anunciado e usá-lo para projetar-se socialmente, evidenciando o código de valores
consumido a partir dos valores representados na marca e que o personalizariam junto
à coletividade (DOUGLAS 2004, ROCHA 1985, MACCRACKEN 2003, VEBLEN
1965).
125
Se no lançamento da campanha, a fan page da marca O Boticário contou com
milhares de interpretações positivas (likes) e comentários parabenizando e elogiando a
coragem e adesão à causa representada, foi a partir da manifestação do pastor Silas
Malafaia nas redes sociais digitais, por meio de seu vídeo no canal Youtube,
boicotando a empresa e pedindo a adesão de seus fieis e de pessoas homofóbicas ao
boicote da compra de produtos da marca, que os interlocutores da campanha, diretos,
ou indiretos (que assistiram à campanha, ou tomaram conhecimento dela via
comentários de redes sociais digitais) foram engajados à marca em função da causa
defendida e posicionaram-se, tal como ela (O Boticário) como uma marca com
representação institucional, a pautar-se em valores humanos e códigos morais de
conduta ética que tornam-se (ao menos intenta-se que ocorra) seus atributos essenciais
de comunicação de imagem pública.
126
pela causa e reações geradas, criando posts de apoio à marca e à causa e mesmo
expondo produtos da marca como forma de endosso à causa e contra o boicote de
Malafaia. Com isso, estas personalidades da mídia, enquanto influenciadores nas
redes sociais digitais, engajaram mais pessoas ainda a posicionarem-se contra
Malafaia, a favor de O Boticário, o que elevou as vendas da marca na época do Dia
dos Namorados, quando foi lançada a campanha.
127
cosmologia cultural que orientas formas de ver, ser e viver no universo cibernético da
internet.
Tal conceito pode ser representado na forma como as marcas lançam uma
campanha a partir de um anuncio em mídia de massa televisiva na internet, mas cria
uma estrutura de comunicação do anuncio na internet, via fan pages em redes sociais
digitais, para que a interação com este anuncio se dê no âmbito digital e que os
consumidores-interlocutores, por sua vez, ao comentarem sobre a campanha, ou a
postarem em sua página pessoas, acabem por promovê-la, mesmo que os comentários
sejam polêmicos – mas fazem a informação sobre ela circular.
O diálogo com as marcas que conforme LEVY & LUEDICKE (2012) tornam
o consumidor, por sua vez uma marca a exigir dela elementos que acabam por
posicioná-lo, faz com que a dinâmica de passagem dos conteúdos simbólicos,
categorias e princípios, não terminem na ressignificação que o consumidor faz do
produto/marca para si MACCRACKEN (2003), mas na ressignificação que ele faz e
comunica a outros interlocutores (triangulação da comunicação digital), num processo
de circulação da comunicação publicitária (TRINDADE 2014) onde o consumidor
torna-se co-criador da imagem de marca e dos significados do anuncio publicitário
(LEVY & LUEDICKE 2012)
128
A campanha ‘Casais’ de O Boticário, promoveu uma ruptura com o padrão de
campanhas que grande parte das marcas de cosméticos desenvolve – a maioria ligada
à beleza, cuidado com a pele, sedução - e permitiu que a marca surpreendesse o
consumidor e mesmo interlocutores que ainda não eram seus consumidores, com um
discurso e estética disruptivos em relação, não apenas ao tipo de conteúdos
comunicados por empresas do ramo cosmético, como em relação ao tipo de
posicionamento que assume junto aos consumidores (ligado à representação da beleza
física), o que gerou engajamento e estimulou o consumo à imagem de marca e da
compra de seus produtos.
129
de “chegar tarde a ele”, tal qual uma força centrífuga (ou trickle-down) que leva os
bens de consumo a chegarem mais tardiamente às classes sociais menos favorecidas, a
exemplo de carros usados e tendências do vestuário.
130
Pudemos observar pela análise de Big Data, que as interações sobre a
polêmica da campanha Casais teve início no fim de maio e estendeu-se até início de
julho, com picos de interações no lançamento da campanha em 24 de maio, no
lançamento do vídeo de Malafaia em 25 de maio, quando jornais noticiaram a
polêmica criada em 2 de junho e quando a notícia do aumento de vendas de O
boticário foi anunciada, em 15 de julho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
131
As imagens-sonho que constituem a estética da publicidade contemporânea
enquanto forma, numa referência ao “formismo”29 de que nos fala Maffesoli
(1996:127) nos mostram que esta forma (ou aparência) é formadora e que a estética
enquanto aparência é ao mesmo tempo parte integrante de um exemplo dado e meio
de compreender este conjunto, o todo social. A aparência nos mostra o que é aleatório
e ao mesmo tempo dá coerência à totalidade.
29
Conforme Maffesoli, a forma é uma questão epistemológica de suma importância, pois é uma matriz que preside ao
nascimento, ao desenvolvimento e à morte dos diversos elementos que caracterizam uma sociedade. O formismo, neologismo
criado pelo autor, consiste numa reflexão sobre a forma analisada, sobre a profundidade da aparência, que representa a conexão
entre conteúdo e continente, entre forma exterior e força interior.
132
A Era das Causas na publicidade, era de um pseudo-ativismo que busca
desesperadamente dialogar com o códigos de valores dos consumidores atuais, é
formada por elementos do mundo social, da cosmologia cultural destes apreendida e
manipulada em signos atribuídos a produtos. Sua narrativa e estética são permeadas
de signos de empoderamento e ativismo “de cadeira”, (ações feitas apenas no
universo da internet) que em parte refletem um ganho de consciência por parte dos
consumidores sobre a forma como nos relacionamos com o mundo (a natureza, o
social, as organizações), mas também constitui uma tendência comportamental
fomentada pela midiatização digital, que moldando percepções, visões de mundo,
gera a eticidade do ativismo que passa das redes sociais para o mundo presencial,
dos comentários em posts, para os diálogos presenciais entre pessoas e escolhas de
consumo.
133
mesmo saber do que se trata o conflito, quais as razões dele e mesmo quem são e onde
vivem os Guarani-Kaiowá.
A Era das Causas reflete na estética publicitária que orienta uma eticidade do
ativismo, a vivência da cosmologia cultural contemporânea, a midiatização digital e
sua influência nos processos de socialização, dinâmicas de interação e relações de
poder. Enquanto forma que representa parte e também o todo, a estética da
publicidade na Era das Causas representa um importante fenômeno para se analisar e
entender a realidade contemporânea, seus atores sociais e as dinâmicas culturais
vivenciadas em sociedade.
134
(tão somente) a partir da “fabricação” do consumo pela publicidade, mas são
constantemente reapropriadas, ressignificadas e lançadas à circulação midiática pelo
consumidor-marca, que ao interagir com estes significados, atua na reestruturação
deles e a partir de canais por onde dialoga com as marcas, numa relação cada vez
mais horizontal, torna essa ressignificação parte das imagens-sonho da mídia
publicitária.
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ENTREVISTAS
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Jaime Troiano - CEO da Troiano Consultoria
João Cavalcanti – Box 1824
Paulo Queiroz. – Vice Presidente de Agência de Publicidade
Zuza Tupinambá – Ogilvy, Kwaup
LISTA DE FIGURAS
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namorados-traz-casais-homossexuais-e-trata-assunto-com-naturalidade/ pesquisado
em 15/07/2015 .........................................................................................................97
http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/01/o-boticario-e-criticado-nas-
redes-sociais-apos-comercial-com-casais-gays.htm pesquisado em 15/07/2015....100
http://www.reclameaqui.com.br/13261987/o-boticario/abuso-da-midia/ acessado em
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15/07/2015............................................................................................................111
https://www.facebook.com/familiasempreconceitos/photos/a.1509729675917767.107
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144