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substituídas por outras leis do próprio direito, um programa político, apenas por outro
programa político384.
Nesse sentido, sustentando a importância do modelo darwiniano para a
compreensão dos mecanismos evolutivos, Luhmann só se afasta do dogma da “seleção
natural” quando ela aponta para o predomínio dos fatores ambientais na emergência do
processo evolutivo. Para o sociólogo alemão a evolução do sistema resulta de
transformações internas na respectiva unidade de transformações: as “perturbações”
advindas do ambiente só se tornam determinantes quando assimiladas internamente
como inovações385. E aqui é válido ressaltar mais uma vez que inclusive seres humanos,
com seu sistema biológico e psíquico fazem parte do ambiente dos sistemas sociais.
Organismo e consciência podem apenas condicionar a comunicação, mas não
determiná-la.
CONCLUSÃO
Embora a posteridade pareça não ter sido tão receptiva a Leibniz – desde as
acusações de Voltaire, por exemplo, cuja simples evocação do termo metafísica passou
a causar uma espécie de mal-estar, rejeição, hostilidade frente aos grandes movimentos
científicos –, na medida em que as ciências procuraram compreender e explicitar o
universo de uma forma universal, interrelacional e conjugada, instauraram um
rompimento com a metafísica sim, mas apenas em relação a um dos modelos de
metafísica, a saber, da substância, continuando a fazer outra espécie de metafísica e em
seu sentido mais característico, qual seja, o de ser pensamento sobre relações e
limites386.
Desde Platão e Aristóteles, conhecemos a tradução do termo Metafísica: ora
como uma “segunda navegação” – onde ao cessar os ventos explicativos-científicos da
física, se buscam as razões sobre o ser em um novo modo de pensar que vai muito além
dos limites da ciência –, ora como uma reflexão central que ultrapassa, isto se não for
384
Cf. Idem, ibidem, p. 387-388
385
Luhmann é enfático ao ressaltar que as perturbações só se tornam determinantes quando o sistema,
a partir de suas estruturas constituintes, se irrita e reage (irritação é, antes de tudo, auto-irritação). Cf.
Idem, ibidem. p. 2-4.
386
Como nos lembra Merleau-Ponty, há “uma metafísica em ato”nos procedimentos da ciência e da
física na medida em que, no processo mesmo de pensar e de conhecer, os cientistas e físicos
confrontam-se com sua incapacidade de explicar e expressar o real numa linguagem unívoca.
137
387
O termo metafísica se refere aos textos do filósofo estagirita voltados ao conhecimento puramente
intelectual que vai além (metá) do conhecimento sensível (ta physiká). Mas é importante ressaltar que
não foi o filósofo que determinou sua nomenclatura e sim seus posteriores
388
ARISTÓTELES, Metafísica, I, 1, 980 a
138
Deste caminho da metafísica, que tentava ter acesso aos a prioris fixos e
absolutos – como a ideia em si ou Deus –, decorreram inúmeros corolários como o
desprezo da história, do presente, da pessoa, da experiência, e da liberdade, assim como
conduziram a totalitarismos no campo da política e às normas inflexíveis no campo da
ética390.
Outro caminho da metafísica que conduziu à mesma celebração foi a de
pretensões subjetivistas; esta se deu na modernidade e de certa forma também com
algumas interpretações do pensamento leibniziano. Neste caminho, a pretensão
metafísica era a de colocar o cogito como antecessor e criador de um “sistema global,
suscetível de fazer aparecer em sua unidade inteligível o todo da realidade, oferecendo a
garantia de uma presença e a satisfação de estar bem consigo 391”. Nesse sentido, o
homem descobre sua presença a si mesmo e interroga-se sobre o alcance de suas ações
dentro do sistema-mundo, mas ao fazê-las, se coloca no lugar do absoluto, incorrendo
nas mesmas limitações anteriores da metafísica objetivista.
As principais críticas, portanto, dirigidas à metafísica – clássica e moderna –
originou-se do fato de ao pensar sistemas absolutos não ter dado “espaço e tempo” para
o mundo; quer dizer, expulsando de seu interior a contingência, a liberdade, a finitude,
assim como o sujeito e o objeto concreto de suas reflexões, teve por sumo objetivo
tomar posse do fundamento último das coisas, isto é, da substância incorruptível pelo
espaço-tempo. E nisso as críticas estão corretas, pois ao desconsiderar o empírico em
prol do suprassensível negou, em ultima instância, nosso modo de ser, finito e humano.
O que se mostrou necessário para a metafísica posterior a Leibniz foi
reconfigurar-se como um esforço de compreensão para e pela totalidade, completamente
conectado – mas não limitado – à objetividade científica: por um lado, se a “morte da
metafísica” se deu pela busca do esgotamento do real em um sistema único, por outro
389
GUIBAL, F. op. cit. p. 71
390
Cf. ROHDEN, L. Morreu a metafísica? Reflexões críticas e o louvor da metafísica. In: CIRNE-LIMA, C. R.;
HELFER, I. ; ROHDEN, L. (orgs.). Dialética, caos e complexidade. Rio Grande do Sul: UNISINOS, 2004, p.
221
391
GUIBAL, F. op. cit. p. 182
139
lado, o que sobreviveu dela foi o esforço de elevar essa busca ao infinito, isto é, conferir
ordem e sentido ao conjunto de interrogações que rodeiam o ser humano e seus
discursos sobre o mundo, sobre os homens e sobre suas criações392.
Amparado pela leitura de Francis Guibal, podemos dizer então que existem
metafísicas mortas e uma metafísica viva:
392
Cf. FAROUKI, N., A metafísica. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, p. 11
393
GUIBAL, F. op. cit. p. 197
394
Cf. BORHEIM, G. Metafísica e finitude. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001, p. 9-10
140
se envolvido pela unidade que nos arranca e nos remete à multiplicidade”395. E para essa
metafísica como “pensamento de completude” Leibniz também contribuiu.
Pensar limites e relações do todo em que se encontra é um interesse latente em
todo ser humano. Sobre tal interesse se pode dizer que seja irrecusável por dois motivos:
em primeiro lugar, porque os modos particulares de conhecimento acabam por conduzir
sempre a resultados incompletos, e mesmo em contradição uns com os outros; em
segundo lugar, uma vida que se oriente pela razão não admite uma expressão ou
comunicação sob tal incompletude e sob tais contradições; o que se quer dizer aqui é
que faz parte da natureza humana empreender racionalmente uma busca pelo sentido
total de si e do mundo. Entretanto, neste empreendimento, a racionalidade exigida não
está a serviço dos rigorosos procedimentos científicos de justificação, mas está na
operação mesma de ponderar, decidir e selecionar o melhor a ser realizado entre as
diversas problemáticas que se encontram e entrecruzam no mundo, e que exigem, cada
uma delas, métodos reducionistas distintos.
Ora, não se quer dizer aqui que à metafísica caberia um papel acrítico e
abrangente – o que seria recair naquele tipo especial que encobre totalitarismos e
desprezos para com o finito e humano – mas que a ela cabe o papel de conduzir de
modo consciente o pensamento de completude que cada ser humano faz
espontaneamente. Mas como se daria essa condução consciente?
Tendo em mente que cada conhecimento particular se trata de um discurso
racional sobre uma dimensão ôntica, então temos que cada posicionamento ou cada
resposta “se prende a uma determinada perspectiva teórica a partir do qual podem
adquirir formato filosófico” 396. E no sentido dar o seu veredito a partir de um primeiro e
único ângulo, ignoram a possibilidade de uma relação ou de uma síntese como forma de
alcançar clareza e autocompreensão.
Ora, facear estes conflitos e incompletudes nos remete a buscar algo mais
abrangente, uma dimensão harmônica na qual as várias autodescrições se reuniriam sob
uma só e que por ser muito além do físico “não se encontra sob a obrigação de
demonstrar que as suas ponderações poderia sustentar-se definitivamente numa teoria
científica”397. E neste preciso sentido, o sistema de Leibniz não foi senão “a busca por
uma síntese teórica na qual os diferentes conceitos de mundo – do material, do orgânico,
395
ROHDEN, L. op. cit. p. 243
396
DIETER, H. O que é metafísica? O que é modernidade? Doze teses contra Jurgen Habermas. In:
Cadernos de Filosofia Alemã.(USP) nº 14, jul-dez. 2009, p. 90.
397
Idem, ibidem, p. 91
141
* * *
398
Idem, ibidem, p. 93
142
REFERÊNCIAS
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