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PROJETOS DE PESQUISA
EM SOCIOLOGIA
2006
Aos estudantes,
afoitos, ansiosos, questionadores, irreverentes,
que buscam na ciência um ideal para transformar a sociedade
e conduzir indivíduos, grupos e classes à emancipação.
SUMÁRIO
PRESSUPOSTOS DA PESQUISA
PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS
PRESSUPOSTOS LÓGICOS E TEÓRICOS
O PROBLEMA DE PESQUISA
CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROBLEMA DE PESQUISA
CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
TEORIA
CONSTRUÇÃO DA TEORIA
UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA CONSTRUIR TEORIA
TEORIZAR
HIPÓTESE
ORÇAMENTO
CRONOGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A REDAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
BIBLIOGRAFIA
Ao dirigir-me ao leitor sobre crise, devo esclarecer sobre que conjuntura escrevo. Do
contrário, poderá supor que me refiro a metamorfose da ciência moderna, que é objeto de
análise de Ilya Prigogine ( ), mais tarde retomada por Santos ( ) sob o rótulo de crise do
paradigma da modernidade. Opero com um horizonte de tempo muito menor restrito à
crise financeira iniciada em 2007 e refiro-me ao campo das ciências sociais,
particularmente sociologia, economia, ciência política, história, cujos instrumentos de
pesquisa e de construção do conhecimento cotidiano mostraram-se insuficientes para
antever a dimensão da convulsão inicialmente econômica e posteriormente social do
capitalismo de corte neoliberal. Estas ciências não emergem da crise da mesma maneira
que nela entraram. Muito embora até o momento não foi feito um ajuste de contas, uma
leitura rigorosa não deixará de apontar as insuficiências que demonstraram num período
crucial, em que deveriam ter apresentado sua contribuição.
A primeira evidência de que a crise de 2007 destroçou as ciências sociais provém do fato
de que ninguém conseguiu prever a eclosão da crise. Em economia Lauriel Nourini da
New York University, um economista turco trabalhando em Nova Iorque, ganhou os louros
e junto a ele os dólares de ter indigitado a eclosão da crise. Mas até que ela iniciasse era
chamado pejorativamente de Mister Doomsday. Paul Krugman (2008) faz um relato
sincero sobre os enfrentamentos que tivera com o presidente do Federal Reserve e com o
Secretary of Treasure do governo Bush Filho sobre o advento da crise. Segundo os dois
burocratas que obviamente não falavam por si só, mas com o respaldo acadêmico da
mainstream economics, os avanços da econometria eram de tal ordem que se tinha em
mãos um instrumento eficaz para prever antecipadamente qualquer crise e tomar medidas
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que fossem necessárias para contorná-la. Krugman fizera uma trajetória diferente
analisando crises que eclodiam sucessivamente nos diversos países da periferia, hoje
participantes do seleto grupo dos BRICS, entre eles Brasil, México, Rússia, Argentina, e
com isso podendo indicar cerca de um anos antes a crise da inadimplência do pagamento
de empréstimos contraídos com bancos e seguradoras. O embate entre os grupos, no relato
de Krugman, residia na capacidade ou não de os instrumentos de metodologia científica
permitirem antever o estouro da crise de inadimplência. A economia, assim como a política
e a sociologia, nos campos dominantes, sequer sonharam com a crise, de tal modo que a
crise estourou sobre a cabeça dos intelectuais. Há um reconto muito jocoso e crítico
segundo o qual a rainha da Inglaterra num encontro com economistas teria reclamado de
como eles, que estudam economia por profissão, não conseguiram informar a ela e ao
governo britânico da crise em formação de tal modo que pudessem tomar medidas
sanativas. E que o líder do encontro teria apresentado a esfarrapada desculpa de que os
recursos eram insuficientes para realizar os estudos necessários à previsão. O relato de
Krugman que coloca em cheque os métodos da econometria e da matematização no campo
científico parece mais verídico e conduz à constatação de que as ciências sociais se
mostraram incapazes de produzir o conhecimento necessário para a antecipação. Krugman
é mais incisivo: não é só a ciência global, é o método da ciência, a matematização, não se
mostrou eficaz, como esperado pela economia hegemônica.
Evidentemente a crítica erguida à economia, não se restringe a ela. Na sociologia os
resultados não foram animadores especialmente por parte do pensamento dominante no
campo. Há grupos críticos - e esta condição atenuante creio que se estenda para todos os
campos do conhecimento social - que sempre preconizaram a crítica. Alguns elementos de
comprovação. Pierre Bourdieu ao final de sua vida tomou uma atitude ferrenhamente
crítica contra o neoliberalismo, mas a razão fundamental residia no fato de que ele destruía
lentamente o estado de bem estar social. Os grupos de esquerda no campo da sociologia,
no campo da economia, da política, na antropologia, na filosofia, produziam um
conhecimento social no sentido de que a crise estava sempre no horizonte possível. As
ciências sociais feitas a partir do materialismo histórico preconizavam a crise decorrente do
excesso de capital fictício, serpente que estava embutida na dominância financeira. O
argumento era formulado simplesmente em razão de que o distanciamento entre a
acumulação financeira e a produção do valor na sociedade constituía uma torre de Pisa
incapaz de se perpetuar eternamente, um dia ela iria tombar. Mas os pesquisadores adeptos
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APRESENTAÇÃO
ciências sociais definem como senso comum. Conhecimentos populares são radicalmente
importantes para determinadas sociedades que deles dependem. São deste tipo os
conhecimentos produzidos por tribos indígenas e por comunidades rurais e urbanas. Por
último, cientistas contemporâneos como Ilya Prigogine também chamam de conhecimentos
os movimentos de adaptação e, portanto, de aprendizado que moléculas, espécies vegetais
e espécies animais realizam diuturnamente no transcurso de suas vidas e na construção de
suas histórias neste planeta.
Afirma-se nas salas de aula e divulga-se pelos meios impressos que a ciência se distingue
dos outros conhecimentos, ditos não científicos, pelo método. A ciência empregaria
métodos altamente racionalizados, enquanto os demais conhecimentos operariam em bases
empíricas, herdadas da tradição imemorial ou pela fórmula do ensaio e erro. Tal
interpretação é insatisfatória porque a produção do mais simples conhecimento humano é
resultado da aplicação expressa ou latente de um método de pesquisa. A dicotomia de que
ciência emprega método e outros conhecimentos não o utilizam é uma forma
preconceituosa de compreender a diversidade dos conhecimentos humanos. É mais
adequado operar com a distinção de que cada campo de conhecimento tem seus métodos
específicos e próprios. A ciência tem seus métodos próprios, assim como as artes tem os
seus, a religião o seu e o conhecimento popular trabalha com suas potencialidades.
Os vários tipos de conhecimentos distinguem-se não apenas por objeto e método, como
também pelas instituições que os conduzem, pelos agentes produtores e pelas regras
específicas a cada ramo de conhecimento. As instituições atuam como reprodutoras dos
conhecimentos gerados. Algumas instituições como aquelas financiadoras da pesquisa e
aquelas que atuam na formação dos agentes produtores de conhecimento detém um papel
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A ciência, que constitui nos dias de hoje o mais bem sucedido ramo dos conhecimentos
humanos, passa por intenso processo de mercantilização. O grande volume de recursos
financeiros aplicados em pesquisa pelos Estados, pelas empresas e por outras instituições
vem transformando a ciência numa mercadoria. A ciência é um produto tipicamente
imaterial resultado do trabalho intelectual de pesquisadores e seus auxiliares com alta
valorização mercantil. Sua potencialidade está em descerrar fronteiras que impedem a
produção de mais valores. A comodificação da ciência é um processo quase completo nos
dias de hoje, dado que a pesquisa é conduzida em equipes, em empresas, em laboratórios, e
tratada como mercadoria de acumulação de riqueza como qualquer outra mercadoria.
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importante mas não como um texto central, demarcador dos elementos fundamentais do
processo de produzir conhecimento, e talvez o maior conhecedor e intérprete do marxismo
filosófico contemporâneo, Istvan Mészáros (2009) , não o empregar em seu extenso
tratamento sobre A Determinação Social do Método por razões implícitas no próprio título
geral, omissão também encontrada em Roy Bhaskar (1983). Não é negar a existência real
do texto o caminho seguido no curso dos estudos históricos sobre a teoria do conhecimento
em Marx, nem aquele que será desenvolvido aqui.
O texto de Meszaros refere-se ao método determinado socialmente. Não existe método por
método, nem ciência pela ciência, a tese da neutralidade científica é viesada a princípio,
como escreve Florestan Fernandes, nem ciência sem possibilidade de atingir a verdade,
nem certeza da incerteza (como escreve Pedro Demo, 2007). O método deve permitir a
instituição de uma nova forma de sociedade, uma nova relação social, baseada em
determinações societárias não antagônicas e na solidariedade internacional. A reorientação
do método em Marx é no sentido de instituir uma nova fase da história. É admirável que
empregue pouco do texto do Método da Economia Política, pois ele é um texto excelente.
O texto propicia a Marx uma superação do conhecimento em relação aos clássicos, por
meio do emprego da crítica desapiedada.
Em razão de que o tema do método é mais difícil em Marx do que noutros autores
clássicos, empregarei a forma de tratamento por meio de proposições de modo a facilitar o
estudo e a bem vinda análise crítica, e desenvolverei mais longamente dada também a
iniciativa de incorporar como contribuição metodológica fundamental o texto sobre O
Método da Economia Política, escrito nos anos 1865-6.
feita. Tanto o senso comum, quanto a formulação acadêmica, podem captar o sentido
verdadeiro das relações sociais como podem sujeitar-se e repetir interpretações
ideologicamente viesadas que beneficiam o lado dos vencedores nas disputas sociais. As
formulações do positivismo do século XIX vão fortemente a favor da ruptura
epistemológica, mas não é isto que se lê no texto de Marx.
Em relação ao objeto de estudo da sociologia, Roy Bhaskar (1983: 375) escreve que o
método marxista aplica-se ao coletivo, ao geral, mas não da mesma forma que a teoria
durkheimiana como será visto mais à frente, que gera uma coerção sobre o indivíduo: "O
objeto do Capital não é a práxis humana mas as estruturas, relações, contradições e
tendências do modo capitalista de produção". E acrescentaríamos ainda antagonismos,
determinações, classes. Entretanto, essa concepção holística do objeto é flexível para
incorporar transições do individual para o coletivo, assim como do geral para o particular,
o que fica nítido quando trata de 'personificações' do capital, entre outros exemplos.
Roy Bhaskar (1983: 375) escreve que "em oposição à economia vulgar, Marx pretende dar
uma explicação científica, e, em oposição à economia política clássica, uma explicação
categoricamente adequada (não fetichizada, historicizada) das relações subjacentes reais,
das estruturas causais e dos mecanismos geradores da vida econômica capitalista. O
método de Marx inclui três aspectos: a) realismo científico genérico; b) naturalismo
qualificado ou crítico; c) materialismo dialético." O método que não parte das categorias
superficiais nas quais se manifestam os fenômenos e que constitui o método correto desce
à raiz dos problemas, é radical, vai em profundidade à busca das categorias mais simples e
mais gerais, a partir das quais é possível estabelecer operações teóricas, construir relações,
analisar contradições, dissecar o funcionamento de estruturas e perceber tendências.
Repetindo a metáfora da flecha do conhecimento, ela parte do abstrato, das categorias
simples, e que portanto tem maior poder explicativo, para explicar o concreto real, que é
resultado de múltiplas determinações. A flecha do conhecimento vai das categorias simples
e gerais com as quais é elaborado o conhecimento para a explicação do real concreto.
Segundo Marx, este seria o método correto: utilizar as categorias mais simples e de maior
poder explicativo para dar conta de explicar o real concreto. Que são categorias simples e
como saber que se chegou a elas? Simples, pelo exemplo do tratamento na abertura do
volume 1 do Capital, são categorias não novamente subdivisíveis. Porque razão a eleição
da categoria de 'mercadoria' para iniciar o estudo do capital? Por uma razão de método: é
indivisível; e por uma razão substantiva: no estudo sobre o capital ela se mostra a categoria
fundante do sistema. A eleição de mercadoria como categoria simples no Volume I do
Capital fornece um exemplo significativo deste procedimento metodológico: "A riqueza
das sociedades em que o modo capitalista de produção prevalece, apresenta-se como "uma
imensa acumulação de mercadorias, sendo sua unidade uma única mercadoria. Nossa
investigação, deve pois começar pela análise de uma mercadoria" (Marx, 1975:35).
Nossa terceira proposição refere-se à relação entre o mundo real e o mundo apropriado
pelo pensamento, entre o todo real e todo recriado pelo pensamento. Por meio da
faculdade única do pensamento os seres humanos se apropriam do real e o reproduzem
pelo pensamento. O real reconstruído no pensamento é o real pensado, apropriado pelo
pensamento, diferentemente do real concreto que possui seus mecanismos de auto
produção. O pensamento tem a faculdade de se apropriar do real pela via do pensamento e
produzir conhecimento. O real concreto e o real-pensado são distintos e suas relações
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Não é esta leitura da teoria do conhecimento que o texto sobre o Método da Economia
Política sugere com a sentença de que "o cérebro pensante se apropria do mundo do único
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modo que lhe é possível" (Marx, 1977: 230) . O cérebro se apropria do mundo real. A
relação descrita é de apropriação, não é apenas paralelismo entre dois modos de produção
que não se tocam. O cérebro exerce a operação positiva de recriar para si e da maneira que
lhe é própria o mundo real, apropria-se dele e torna-o compreensível como conhecimento.
O mundo real por sua vez não é apenas algo inerte. A verdade de uma proposição pode ser
acessada, ainda que de maneira muito incompleta e sujeita à crítica, pela confrontação da
proposição com a manifestação real do objeto segundo os cânones aceitos comumente pela
comunidade acadêmica. Esta afirmação não descarta a possibilidade de proposições serem
confirmadas intrinsecamente, segundo critérios de aceitabilidade inerentes às áreas de
conhecimento. Há construções nas quais é possível realizar a confrontação do real com o
teórico e há outras em o debate se dá completamente no campo teórico e sua sustentação
não depende da validade das manifestações empíricas, e sim da coerência das proposições
no interior de um sistema de pensamento.
O real também exerce outras funções em relação ao conhecimento teórico, que não só o
critério de verdade. Estabelece limites ao desenvolvimento do conhecimento a partir dos
estágios do desenvolvimento humano, conforme se pode deduzir da história da ciência
universal. Mészáros (2009: 289) acrescenta ainda que o método não se justifica só pelos
pressupostos metodológicos, metodologia pela metodologia, análise pela análise, mas pela
função social que exerce junto com a teoria, a determinação social do método.
Os caminhos descritos, então, são dois: um parte do real concreto e tenta por meio do
processo de abstração atingir a essência do fenômeno. Este percurso é ilustrado por
Althusser por meio da metáfora da cebola, segundo a qual retirando as rodelas, o
conhecimento atingir o núcleo essencial, sendo pois a essência atingível pelo processo de
abstração. O processo correto de produzir conhecimento é de outra natureza. Ele parte das
categorias mais simples existentes e desenvolve a partir delas suas tramas de tal maneira
que por meio delas permite entender o real concreto. Portanto, o caminho é feito do real
pensado para o real concreto, que é descrito como síntese de mil determinações.
Empregando a metáfora da flecha do conhecimento pode-se dizer que ela vai do real
pensado (simples, teórico) em direção ao real concreto (empírico). Esse o caminho real do
conhecimento que Marx aprendeu dos economistas políticos ingleses, mas que recebe uma
interpretação de autoria da história sobre o real pensado. O conhecimento das categorias
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teóricas (da economia, da sociologia, da história) depende da produção do real pelo sistema
capitalista. Não é questão a discutir neste ponto se o real inibe avançar o conhecimento em
ciências sociais. As categorias teóricas são formuladas à medida em que se manifestam na
prática concreta das relações de trabalho, das práticas econômicas das empresas, do
desenvolvimento econômico e tecnológico da sociedade.
A quarta proposição decorre dessa relação entre o real e o teórico que estabelece a
possibilidade do conhecimento objetivo. Roy Bhaskar (1983: 374) escreve que "dois temas
epistemológicos predominam em Marx: i) ênfase na objetividade; ii) ênfase no papel do
trabalho no processo cognitivo " (por meio da praxis). A função da ciência é descobrir a
verdade e a verdade exerce um papel devastador contra o fetichismo, contra os usos
manipuladores da ideologia. A verdade tem um papel emancipador. É possível alcançar a
verdade, colocando em ação mecanismos críticos da ciência. O papel da ciência é desvelar
aquilo que está escondido. Como autor do século XIX, Marx opera com a noção de leis. A
categoria de lei implica a possibilidade de aferição da verdade, quer intrínseca quer
extrinsecamente. Tome-se a lei geral da acumulação capitalista, tantas vezes rejeitada
empiricamente no curso da história pelos críticos adeptos ao capitalismo. Todavia, ela é
fundamental para compreender a crise dos anos 2007 até a atualidade. O sistema capitalista
não se sustenta quando o grau de exploração realizados pelo capital financeiro e pelos
capitais fictícios excede os capitais ditos produtivos. No capitalismo e em nenhum outro
sistema econômico, a especulação contínua não permite sua reprodução. O sistema entra
em crise, quase explode.
Nossa quinta proposição é de que a realidade social opera dialeticamente, pois a sociedade
capitalista está repleta de contradições e antagonismos. Hegel, o formulador da teoria
dialética da história, tinha por claro a importância de seu método ao bradar que sua
filosofia era das 'coisas vivas' e não das 'coisas mortas'. Hegel deixou a metáfora do senhor
e do escravo tão importante para o entendimento do caráter intrinsecamente conflitivo das
sociedades em que a acumulação de riquezas é a base de sustentação. Esta proposição em
nossa avaliação não necessita de maior desenvolvimento dado o estágio de conhecimento
já alcançado sobre ela na filosofia e nas ciências sociais e humanas.
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fatos e de suas regularidades, com a qual seria possível construir leis. A questão do método
então torna-se um ponto crucial, dado o papel atribuído à observação e à explicação, que
permitem alcançar a objetividade e o controle externo por outro pesquisador. Seguidor de
Comte quanto à tese da ciência positiva, Durkheim não se furta a tecer uma crítica
duríssima a seu precursor por assumir uma Idéia como objeto de sua maior investigação na
Teoria do Três Estados. Para Durkheim, nesse aspecto também um anti-hegeliano, Idéias
não são objeto de análise sociológica, exceto quando se transformam em representações.
Objeto de análise sociológica são fatos sociais, generalizados e exteriores ao indivíduo,
possíveis pois de um tratamento científico, positivo.
"A primeira tarefa do sociólogo deve ser definir as coisas de que trata" (Durkheim, 1977:
30). O autor se refere à construção do objeto de pesquisa. Os objetos de pesquisa
costumam chegar aos olhos do pesquisador já envoltos em leituras epistemológicas
anteriores construídas pelas instituições sociais que ordenam a vida social. Por esta razão,
Durkheim aponta para a necessidade de "construir inteiramente conceitos novos,
apropriados às necessidades da ciência e expressos como o auxílio de uma terminologia
especial" (Durkheim, 1977: 32). A definição do objeto da pesquisa envolve uma
delimitação empírica e ao mesmo tempo uma construção teórica. A ciência se constrói no
campo teórico na medida que problemas teóricos vão sendo suscitados. A crítica impiedosa
às formulações existentes na academia, na prática cotidiana, na literatura existe,
especialmente a especializada, é um passo imprescindível para a construção de projetos de
pesquisa que permitem superar formulações e interpretações sustentadas por intelectuais e
avançar o conhecimento.
como Bachelard e Bourdieu são mais radicais neste respeito e empregam expressões
duríssimas tais como que a sociologia se constrói contra o senso comum, o que pode ser
lido como um exagero pois o senso comum também constrói conhecimentos corretos e
como uma auto-indulgência com o conhecimento científico e suas formulações
ideologizadas e equivocadas. Como será visto mais à frente, existe também entre autores
pós-modernos um entendimento de que a relação a entre ciência e senso comum deva
passar por uma dupla ruptura: a da ciência e a do senso comum. Neste aspecto, pode-se
avançar para além de Durkheim e dizer que a ciência se constrói contra ela própria e contra
o senso comum, uma vez que ambos podem ser portadores de conhecimentos equivocados
a respeito dos fatos sociais.
"A ciência, para ser objetiva, não deve partir de conceitos que se formaram sem ela, mas da
sensação" (Durkheim, 1977: 37) Esta regra decorre do lugar dos conhecimentos populares
na formação de conceitos. Para superar esta dificuldade, Durkheim sugere o acesso às
"sensações", isto é ao mundo concreto, ao real concreto. Ele pondera que "a sensação é
facilmente subjetiva" (Durkheim, 1977: 38), o que contrariaria seu princípio fundamental
quanto à objetividade do conhecimento produzido. Por isso, sugere controlar os elementos
da subjetividade e ampliar os espaços de objetividade. "É de regra nas ciências naturais
afastar os dados sensíveis que podem estar muitos ligados ao observador, para reter
exclusivamente aqueles que apresentam um grau suficiente de objetividade" (Durkheim,
1977: 38).
Definido o problema da pesquisa, os fatos precisam ser observados de forma objetiva Para
serem observados objetivamente, escopo maior de uma ciência positiva, precisam ser
tratados como se coisas fossem, afastando-se pré-concepções e subjetividades e
agrupando-os segundo caracteres comuns. A observação inclui ainda a regra da distinção
dos fenômenos entre normais e patológicos, a exemplo do tratamento da criminalidade
como fenômeno social normal. Essa regra não se aplica necessariamente a todos os casos
estudados, dependendo muito do problema abordado. Há um segundo procedimento que
Durkheim recomenda como importante no processo de desenvolvimento do conhecimento
sociológico, e cuja herança provém dos estudos de biologia, e que é a classificação e
constituição dos tipos sociais, que se encontra exemplificado pelos tipos construídos no
estudo sobre O Suicídio.
Como a ação que é portadora de sentido é a ação do indivíduo, então surge a dificuldade a
respeito de coletivos como Estado e cooperativas, que dependem da interpretação das
ações individuais. Noutro lugar, Weber desenvolve mais esta discussão estabelecendo que
faz parte também da ação que é objeto da sociologia, as ações de 'instituição' e de
'associação' (Weber, 2001: 341-345). É possível pensar em ação institucional e ação
associacionista. O Estado, a Igreja, a família, são regidas por estatutos formais,
socialmente regulados "Na civilização moderna, quase todo o agir em associação é
regulamentado, pelo menos parcialmente, por regulamentos racionais" (Weber, 2001: 343).
Com isto, a ação se desprende da campo do indivíduo e se expande para o coletivo, o
agregado. Ação deixa de ser individual e passa a ser pensada em termos gerais. A despeito
dessa possibilidade de ascender do individual para o coletivo, permanece ainda como
problema nesta interpretação da ação como objeto da sociologia, a "ação" da classe social e
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O comportamento humano “revela conexões ... que podem ser interpretadas pela
compreensão” (Weber, 2001: 314). Tais regularidades podem estar vinculadas a inúmeros
motivos, razão pela qual sua interpretação se torna extremamente complexa. O problema
está em como entender o significado das ações sociais. Não é do mesmo modo da
regularidade da ação da natureza, no exemplo dado, a explosão do vulcão. Não basta captar
a ação, o comportamento, o fato, do indivíduo ou da associação institucionalizada, é
preciso compreender o sentido que ela tem, a razão do agir. Dentre as mil possibilidades é
possível encontrar um ou vários sentidos que expliquem a razão de ser daquele agir. Não se
trata de uma compreensão subjetivista, ainda que a marca da interpretação subjetiva não
seja excluída. É uma compreensão que busca alcançar a objetividade e atender os critérios
de cientificidade que a comunidade dos pesquisadores requer nos diversos momentos da
história. É necessário produzir evidências que atestem a validade da interpretação, cujo
"grau máximo, indubitavelmente, encontramos na ‘interpretação racional com relação a
fins” (Weber, 2001: 314), ainda que a evidência não se restrinja só a questão da
racionalidade mas abranja também o campo dos afetos. “Para as disciplinas empíricas, os
limites do ‘compreensível” são flutuantes” (Weber, 2001: 314). Algumas questões tais
como êxtase e experiência mística “não são acessíveis, do mesmo modo como outros
processos, à nossa compreensão e à nossa explicação compreensiva”, o que não significa
que estes fenômenos escapam completamente ao esforço de explicação.
7. Define 'motivo' como "uma conexão de sentido que, para o próprio agente ou para o
observador, constitui a "razão" de um comportamento quanto ao seu sentido" ((Weber,
1991: 8). Estabelece critérios para interpretação causal correta: no caso de uma ação
concreta, o desenrolar externo e o motivo são conhecidos de forma exata e compreensível;
no caso de uma ação típica, são adequados e podem ser confirmados em algum grau.
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8. Processos e regularidade não cabem no âmbito da teoria da ação. Nem por isso são
desprezíveis para a sociologia. Este é um limite significativo da teoria da ação.
Deste ponto em diante o autor move seu discurso dos fundamentos metodológicos para a
teoria da ação social.
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Nas ciências da atmosfera nasceu a noção de caos, que adentrou outras áreas de
conhecimento como a bioquímica e a física (Prigogine e Stengers, 1984) com a noção de
caos ordenado. A noção de caos inviabiliza completamente a relação de determinismo e
produz implicações sobre categorias tão importantes quanto verdade e conhecimento
verdadeiro. A noção absoluta de caos cria dificuldades para a inteligibilidade da ciência,
por isso os autores costumam atuar com a noção de caos determinado, para indicar espaços
dentro dos quais o determinismo e a causalidade operam, do contrário nos encontraríamos
completamente perdidos quanto à produção de qualquer conhecimento consistente.
Prigogine trabalha com a proposta de construir uma nova aliança entre os humanos e a
natureza, entre os humanos e o universo, uma relação que não coloque o homem como
dominador mas dentro de uma perspectiva de que está tão implicado quanto os demais
componentes do universo que o cercam e que o envolvem. Também para os físicos e
químicos, coloca-se pois a questão a incerteza, o problema da verdade.
Boaventura é um autor contemporâneo que tenta fazer uma leitura de larga envergadura
(compreendendo pelo menos trezentos anos da história da ciência mundial) sobre o curso
da ciência. Nestes trezentos anos, o modelo epistemológico de compreender o mundo, a
sociedade e a natureza, tende a alterar-se, em função de que a maneira de compreender tais
identidades alterou-se de um conhecimento do certo, do verdadeiro, do empírico, daquilo
que pode ser formulado em leis de validade universal, para o complexo, o incerto e que se
celebra entre os agentes da ciência e os agentes do senso comum. Santos chama a transição
do paradigma da ciência universal para o paradigma da ciência pós-moderna.
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Na mesma época e servindo de base a Santos, o físico químico Prigogine escreve sobre a
mesma mudança de paradigma que ele mais recatadamente chama de metamorfose e a qual
propiciaria uma nova aliança entre os seres humanos e a natureza. Prigogine e Stengvers
argumentam que o paradigma newtoniano de fazer ciência apresenta aquisições definitivas
mas que a idade de ouro de ciência clássica passou. O esquema newtoniano assenta-se
sobre a regularidade, a experimentação, o método matemático, as leis universais, o
determinismo, a reversibilidade. Estes postulados gerais da ciência envolviam também uma
concepção sobre a relação entre a sociedade e a natureza no sentido da expressão bíblica
'dominar a terra'. Esta relação apresenta muitos problemas: o primeiro deles sendo que a
dominação da natureza acompanhou passo a passo sua destruição, colocando em risco a
sobrevivência humana. De outra parte, esta ciência positiva com seus retumbantes sucessos
pode ser concebida em função de outras descobertas como aplicando-se para determinadas
regiões do universo enquanto que para outras aplicar-se-ia um outro tipo de concepção
científica. além da contribuição que lhe valeu o prêmio Nobel, no campo das flutuações
físico-químicas, Prigogine apóia-se muito na biologia, pela evolução, e nas ciências
sociais, para cujos desenvolvimentos certas categorias são importante, entre elas, a noção
de tempo, história, mudança, metamorfose. Aproxima-se da noção de caos que é produtor
de ordem, de probabilidades e mesmo de irreversibilidades, explorando limites de
conceitos clássicos. Nas ciências sociais, o pensamento complexo de Edgard Morin parece
se aproximar das noções de Prigogine de uma metamorfose da ciência.
Mencionado o argumento habermasiano, ele atrai para si a atenção por criar uma
perspectiva argumentativa, que é resolvida pelo melhor argumento em uma sociedade em
que o valor argumentativo é elevado à primeira posição de destaque. Apoiando-se no poder
do argumento para convencimento, Habermas apela também para o entendimento de
relações de incerteza no conhecimento.
Outro autor do campo da sociologia que costuma ser muito mencionado como propugnador
de importantes mudanças no processo de produção do conhecimento é Edgar Morin. Morin
trabalha com noções tais como do pensamento complexo para o qual se define toda uma
metodologia de pesquisa. Eduardo Vasconcelos (2002) desdobra-se em exemplificar e
explicar a forma de aplicar corretamente a noção de complexidade, certamente distinta
daquela que uma primeira leitura do termo possa conduzir.
Como se observa a partir destes elementos pontuados, a questão do método que parece
estar completamente sedada, embevecida, embebedada, manifesta toda a sua pujança,
ainda mais que as ciências sociais são pródigas quanto às preocupações com os aspectos da
legitimação metodológica.
PRESSUPOSTOS DA PESQUISA
Aos dias de hoje, a pesquisa aparece entre outras coisas, como um instrumento para
manipulação e justificativa do e para o poder político. O poder catalisador da pesquisa,
como a maneira adequada de fazer ciência, sofre modificações bruscas e rápidas. Através
delas, se manifesta com mais clareza, não obstante a posição de muitos pesquisadores em
contrário, a relação íntima da pesquisa com a ideologia do pesquisador, com a ideologia do
poder constituído, com os interesses amplos da sociedade.
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Há duas ordens de fatores que precisam ser discutidas intensamente: por um lado, os
aspectos sociológicos da pesquisa que acompanham as transformações dia a dia da
pesquisa nos lançam dentro das relações da pesquisa com a sociedade; por outro, os
pressupostos lógicos e teóricos, que nos inserem dentro do reino da pesquisa como ciência.
O aspecto lógico e teórico é aquele no qual os livros insistem mais e com razão, porquanto
a pesquisa se destina à produção de ciência. Os aspectos sociológicos quase não aparecem
nos livros técnicos, porque são elementos externos à pesquisa como meio de produzir
ciência. Como externos, são a lama na qual ninguém quer sujar as mãos. De fato, sempre
nos “sujamos” nisso, porque a pesquisa tem um cunho político.
PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS
O lugar da fala. A nacionalidade, a cultura, a cor da pele, o sexo, a origem social e outros
tantos atributos sociais do pesquisador tem a ver com pesquisa? De que maneira tais
características identitárias influenciam a pesquisa? Em suma, trata-se de pensar sobre a fala
do pesquisador, sua autoridade, sua legitimidade. Manuais antigos de pesquisa
recomendavam a neutralidade científica. Manuais recentes conhecedores da
impossibilidade de uma atitude completamente neutra sugerem uma postura de auto
controle constante, a chamada vigilância epistemológica. Por meio dela seria possível
controlar as pré-noções de que tanto falaram os filósofos mestres da ciência. Mas estas
forças identitárias são em grande medida incontroláveis por que fazem parte do modo de
ser da pessoa, fazem parte do corpo e da mente do pesquisador. Os sociólogos como os
demais cidadãos carregam a herança de um país, de uma cultura, de uma classe social, de
35
seu sexo, de sua cor da pele, de sua religião, máculas tão irremovíveis como se foram o
pecado original. Muitas correntes da história da sociologia pugnaram favoravelmente a
uma agudização da consciência como forma de explicitar pressupostos menos visíveis e
mais profundos que perturbam a consideração dos objetos de pesquisa. Boaventura Santos
chega mesmo a ridicularizar os esforços da chamada sociologia reflexiva na explicitação
dos pressupostos escondidos sob as boas intenções do pesquisador. Seria algo como uma
catarse freudiana, que psiquicamente cumpriria um papel restaurador, mas que não
permitiria objetivamente escapar ao cerco dos pressupostos. Historicamente a sociologia
reflexiva preencheu um papel importante de levantar o véu sob os pressupostos mais
recônditos. Nenhum sociólogo é anjo. É apenas um profissional que conhece mais a
respeito de uma área de saber e tem domínio sobre as maneiras de produzir conhecimentos.
A uma atitude de vigilância contínua deve ser acrescida a necessidade da exposição à
crítica social como forma de contornar essas forças identitárias.
Não é esta a tendência dominante no seio da sociedade brasileira. Com a criação pelo
Estado, por organizações privadas ou semi-públicas de fundos especiais, a pesquisa
começa a sofrer transformações estruturais. Passa a aumentar em escala, os projetos
envolvem cada vez maiores recursos fixos e de pessoal.
engendra um novo tipo social, uma nova categoria profissional, a do cientista, pesquisador
profissional e a do charlatão mas igualmente pesquisador por profissão.
O fato de grande parte da pesquisa ser feita em instituições de larga escala, no presente
momento, precisa ser entendido dentro de uma perspectiva de divisão do trabalho e de
especialização de funções. É provável que a tendência à especialização e a divisão de
trabalho se aprofunde, resultando em unidades com possível maior autonomia de ação, mas
com integração vertical ou horizontal também maior.
37
Analisando através desse ângulo abre-se caminho para um dos problemas mais difíceis: a
relação da pesquisa com o poder.
A faceta da pesquisa pode ser vista ainda de outro ângulo: a ascensão de pesquisadores a
administradores de pesquisa. Emerge, então, a circunstância específica da organização
burocrática em que a organização se descola dos seus componentes mais fundamentais.
Quem são os financiadores das pesquisas? Dois principais: o Estado e a empresa privada; e
outros menores, os sindicatos, as associações, as ONGs. Especificando mais:
universidades, fundações públicas e privadas, instituições de amparo e fomento à pesquisa,
ministérios, secretarias. Existem ainda grupos internacionais, grande parte deles ligados a
entidades privadas ou fundações ou mesmo a setores públicos.
Associado a este ponto, estão dois outros: a própria pesquisa passa a desempenhar
importante papel como elemento do poder. Por autoritário que seja, o Estado mantém
investimentos em pesquisa não como elemento de concessão a grupos contestadores, mas
porque retira dividendos políticos e institui mecanismos de controle social.
A análise do quadro social bastante tétrico do que venham a ser os “fatores externos” à
pesquisa e suas implicações permitem mostrar como outros “interesses” se imiscuem na
pesquisa, elemento que não aparece nos manuais de métodos e técnicas. Há muitos outros
pressupostos sociológicos da pesquisa. Basta tornar o olhar para outros componentes
diretos e indiretos do processo de produzir conhecimento.
Tais questões relativas à pessoa do pesquisador, sua origem social, à classe a que pertence,
à terra em que nasceu, à cultura em que foi socializado e ao mundo em que vive, a
sociologia do conhecimento suscita ao pesquisador e elas não são estranhas aos problemas
metodológicos. Contando com a paciência do leitor, gostaria de aprofundar as perguntas
para um terreno que não envolve regionalidade e sim cor, raça, gênero. Faz alguma
diferença se a pesquisa é feita por um branco ou por um negro? Se é feita por um
pesquisador homem ou por uma pesquisadora mulher? Por um indígena, um africano ou
descendente de europeus? São questões sociais que tem a ver com método e com projeto
de pesquisa, mas que não encontram eco nos manuais de formação dos jovens
pesquisadores. Nem por isso precisam permanecer como questões submersas, latentes e
não desveladas.
A pesquisa se apresenta como uma arma de dois gumes. Nem o pesquisador precisa deixar-
se cooptar, nem precisa seguir as regras do jogo. É através do próprio avanço da pesquisa
que se municiam as forças de oposição. Através da pesquisa podem ser desmascarados os
argumentos do poder.
41
Uma postura crítica em que tais “elementos externos” e relativos ao lugar da fala, ao
discurso proferido, à regionalidade do orador, sua socialização, sua cultura, os grupos
sociais a que pertence, sua posição hierárquica, sua postura ideológica, sejam devidamente
avaliados através da sociologia do conhecimento e da economia política, constitui um
passo importante para alterar a condição de status quo.
Elementos de ordem teórica e lógica aparecem com mais freqüência e são discutidos com
mais tempo nos livros de metodologia.
Por sua natureza, os pressupostos lógicos e teóricos, muitas vezes passam despercebidos ou
estão no limiar da consciência do cientista. Nem por isso deixam de influenciá-lo. A
proposição que posso adiantar é que pela elevação de tais pressupostos ao nível do
consciente e do pensado pode-se divisar maneiras, meios ou formas, de construtivamente,
pô-los a serviço dos interesses do pesquisador. Podemos divisar maneiras de criar
elementos para comparação e reflexão, que deverão contribuir para algumas saídas básicas
na pesquisa e na própria teoria.
Existe uma relação forte, causal entre a visão teórica de que um pesquisador está imbuído e
a forma operacional como a qual ele trabalha. Visão teórica é aqui formulada no seu
sentido mais amplo, compreendendo também elementos ideológicos e abstratos.
corresponde ao momento de elaboração dos teóricos, cientistas, filósofos e, por que não
dizer, da própria formação social.
Em terceiro lugar, o confronto entre integração e conflito na sociedade. Este ponto está
também associado a grandes linhas do pensamento sociológico. Alia-se também ao tipo de
lógica empregada: se a lógica formal, de causa e efeito; se a lógica do pensamento circular;
se a lógica dialética.
MÉTODO
Etimologicamente, a palavra método em português foi legada do termo latino metodus que
por sua vez o recebeu do grego metodos. Em grego, metodos resulta da composição de
duas palavras: metá e odos. A preposição metá significa em direção a, com vistas a e
também através de. Estas expressões denotam a idéia de movimento, de travessia, de
processo, de objetivo e de meta. O substantivo odós refere-se a caminho, via. O composto
metodos significa caminho na direção de, trilha com vistas a, sendeiro que leva através de
e em direção a algum objetivo, processo de atingir um objetivo, processo de construir algo.
44
Nas ciências sociais e ciências humanas, a questão do método é de tal envergadura que foi
responsável pela criação da figura do metodólogo. Becker elabora sobre divisão de
trabalho entre teóricos e metodólogos que teria se firmado na sociologia norte americana
como resultado de uma superespecialização do campo, que deixou seqüelas para a
sociologia. Um autor escreveu com uma certa ponta de desdém de que “as ciências
humanas orgulham-se de seus métodos e as ciências naturais falam de seus resultados”.
O primeiro problema que se coloca em ciências sociais é que o termo método não é
unívoco (Sanchez Gamboa, 1998). Ele comporta diversos significados, de acordo com os
pressupostos com os quais os autores formam seus próprios conceitos de métodos e
metodologia. Uma rápida incursão sobre manuais de ‘métodos’, de ‘métodos e técnicas’,
de ‘método científico em ciências sociais e naturais’, de ‘método de pesquisa’, de
‘metodologia da pesquisa científica’, de ‘métodos e técnicas de pesquisa’ ou outra
denominações que fervilham no mercado editorial de iniciação à pesquisa universitária, é
um exercício ao mesmo tempo hilariante e preocupante pela diversidade dos conteúdos
incluídos.
Sob o rótulo de método costumam ser armazenados quatro corpos distintos de problemas.
As técnicas não devem ser considerados apenas como artefatos. Se aparecem como tal
vestidos de uma determinada roupagem de elementos metodologicamente neutros por
causa de sua aplicabilidade em diversos contextos nacionais, regionais e sociais, por outro
lado toda a “técnica é uma teoria em atos”, no dizer de Pierre Bourdieu. Nesse sentido as
técnicas tem história, tem origem, tem biografia, tem pais e mães, foram pensadas para
preencher determinados papéis no campo da pesquisa e foram inventadas para atender a
determinados objetivos de produção de conhecimentos. A título de exemplo, pode-se
imaginar que no momento atual começam a ser geradas técnicas relativas ao emprego das
redes de comunicação eletrônica para objetivos de conhecimento de questões sociais. O
emprego da Internet, por exemplo, supõe claros alguns limites. No mínimo, quem são os
usuários de computadores e quem não tem acesso à rede, antes de realizar qualquer
pesquisa de tipo amostral. Sem observações desta ordem, o trabalho de pesquisa está
irremediavelmente comprometido, desde que, de partida, uma parcela da população está
excluída da probabilidade de fazer parte da amostra.
As correntes metodológicas não são, em geral, originárias do âmbito das ciências humanas.
Freqüentemente são respostas da sociologia e de outras ciências humanas a questões
suscitadas pelo campo da pesquisa científica em geral. A título de exemplo, o positivismo
clássico e o neopositivismo tiveram e tem influência sobre decisões metodológicas da
sociologia, embora não sejam formulações originalmente enunciadas pela sociologia
(Comte). Já outras decisões metodológicas são muito típicas de estudos das ciências
humanas. Seja por exemplo o lugar do indivíduo ou das classes sociais como sujeito básico
da análise sociológica.
O estudo das opções metodológicas feitas pelos clássicos, junto com desdobramentos
posteriores e horizontes contemporâneos, constituem momentos importantes de análise das
correntes metodológicas.
A despeito dos esforços em restringir a aplicabilidade do termo método a uma noção mais
precisa, dentro dessa variedade de quatro pontos enunciados, o certo é que prevalece uma
imensa Torre de Babel a este respeito.
Seria demais querer montar um projeto de pesquisa sobre o Movimento dos Sem Terra,
sem jamais haver pisado em um acampamento ou num assentamento. O mesmo vale para
quem deseja pesquisar sobre greves e jamais entrou no meio de uma manifestação de rua.
48
É claro que estes conhecimentos passarão por filtros, por críticas, por análises, enfim, por
aquele processo que especialmente os metodólogos franceses chamam de ruptura.
Somente até certo ponto um projeto de pesquisa é uma atividade consensual entre os
pesquisadores quanto aos elementos que o compõem. Há sempre algum grau de
divergência na definição do conjunto de atos epistemológicos que integram o projeto. São
notórias, monumentais e devastadoras as disputas sobre metodologia nas ciências sociais.
49
Muitas sedas são rasgadas, páginas e páginas são escritas, divergências metodológicas,
aliadas a pressupostos teóricos, dão base a escolas, grupos, guetos. Fazem parte do métier
das ciências sociais. Mas também não podemos ficar retidos em disputas muitas vezes
nominalistas. Com o intuito de avançar para além da verborragia e oferecer caminhos para
o pesquisador em formação, apresento abaixo parâmetros utilizados por três instituições de
pesquisa, do Brasil e do exterior, que permitem avaliar o grau de consensualidade e
divergência no que tange aos conteúdos do projeto de pesquisa.
título;
objeto de estudos (ou problema) e finalidade da investigação, seja ela empírica ou
teórica;
revisão da literatura;
referencial teórico sobre o tema específico para a pesquisa;
definições de conceitos e de categorias de análise, quando pertinente;
esboço preliminar de aspectos gerais da metodologia da pesquisa, seja ela empírica
ou teórica, justificando as opções;
cronograma para o período completo da pesquisa;
referências bibliográficas.
50
O sítio indica ainda que o projeto deve ter, no máximo, 20 laudas digitadas, incluindo
referências bibliográficas.
A descrição do projeto deve providenciar uma formulação clara do trabalho a ser realizado
e incluir: objetivos e seus significados; relação com as metas a longo prazo do projeto; e
relação com o estado atual do conhecimento no campo. A descrição deve indicar ainda o
plano geral de trabalho, incluindo as atividades a serem realizadas, e uma descrição clara
dos métodos e procedimentos experimentais e planos para preservação, documentação e
partilha de dados, amostras, coleções físicas, materiais e outros produtos relacionados à
pesquisa e à educação. Deve descrever os impactos gerais resultantes das atividades
propostas: como o projeto vai integrar pesquisa e educação pelo avanço da descoberta e do
entendimento ao mesmo tempo em que promove o ensino, o treinamento, e aprendizagem;
maneiras pelas quais a atividade proposta vai ampliar a participação de grupos sub-
representados (p.e., gênero, etnia, portadores de necessidades especiais, regionalidade,
etc.); como o projeto vai fortalecer a infra-estrutura de pesquisa e/ou educação, tais como
prédios, instrumentação, redes e parcerias; como os resultados do projeto serão
disseminados para fortalecer o entendimento científico e tecnológico; e benefícios
potenciais da atividade proposta para a sociedade em geral.
3. formar hipótese;
4. realizar experimento e coletar dados;
5. analisar dados;
6. interpretar dados e retirar conclusões que servem de ponto de partida para
novas hipóteses;
7. publicar resultados.
Não é destacado neste esquema o lugar da teoria, o que enfraquece bastante a formulação
como pretensão a ser uma proposta geral de método, nem do plano de desenvolvimento da
pesquisa, uma vez que não se está falando do projeto de pesquisa, mas do método
científico em si.
detalhes da obra que vai realizar. Não pode esperar por soluções que viriam a posteriori,
durante o trabalho de execução da obra. Algo semelhante ocorre com o pesquisador. O
projeto de pesquisa cria a possibilidade de construir mentalmente como é entendida alguma
questão que afeta a sociedade e desenvolver intelectualmente seus elementos componentes.
(3) a hipótese
(4) e o desenvolvimento da pesquisa.
O PROBLEMA DE PESQUISA
aplicadas, por razões que parecem óbvias. Dificilmente dois manuais de pesquisa
enfatizam os mesmos componentes de um projeto de pesquisa ou aquilatam idêntico peso
para os mesmos itens do projeto. Os metodólogos, os epistemólogos, os filósofos da
ciência, enfim os pesquisadores e cientistas que elaboram sobre o “verdadeiro” método de
produzir conhecimento freqüentemente divergem entre si em razões mais profundas e
também em construção de projetos. Basta comparar Karl Popper, Pierre Bourdieu, P.V.
Kopnin, Florestan Fernandes, Pedro Demo e outros. Mas não é somente nas ciências
sociais que este problema está presente. Também ocorre em ciências hard, tais como as
ditas ciências da natureza ou as ciências exatas, em medidas possivelmente menores do que
nas ciências sociais, mas sempre ocorre. É o caso de um espaço científico em que
coexistem distintas teorias sobre o mesmo objeto. As diferenças e as divergências entre
metodólogos das ciências constituem um vigoroso argumento no sentido de que a ciência é
uma produção totalmente humana e assim sujeita a erros. Não somos deuses. Somos
humanos!
- Problema
- Teoria
- Hipótese
- Plano de desenvolimento.
55
A questão tem o papel de focalizar a pesquisa e indica dúvida, não certeza. Indica um
campo desconhecido. Kopnin emprega a expressão de que problema é um “conhecimento
do não conhecimento”, pois se sabe que o conhecimento existente não é satisfatório, é
inadequado.
das pesquisas e dos pesquisadores que preferem apoiar-se nas ideologias vigentes para não
enfrentar o mar revolto constituído pelos problemas suscitados de pesquisa.
Qualquer fenômeno social que analisamos já vem de antemão codificado, quer pelo
pensamento do senso comum, quer pelo científico. Disto decorre a necessidade de
submeter tal codificação (explicação, interpretação ou justificação) da realidade social a
um criterioso processo de desconstrução epistemológica, através dos instrumentos de que
dispomos para realizar a crítica e a ruptura (meios que são descritos por autores como
Bourdieu, Chamboredon e Passeron em seu livro sobre O Ofício do Sociólogo, ponto 1.1).
À desconstrução segue-se necessariamente a empreitada de reconstruir.
mundo) é distinta da forma como a apreendemos pelo pensamento, é uma idéia que não
causa qualquer polêmica entre os metodólogos. A dificuldade está mais em baixo. Está em
como vincular a realidade com os produtos e as categorias do pensamento. E aí os
metodólogos se dividem e, muito pior, os manuais de métodos e técnicas de pesquisa
expõem como norma de pesquisa idéias superadas, viesadas, parcializadas ou erradas.
O empirismo, assim se define, não por valorizar o empírico, o que seria correto, mas por
assumi-lo em precedência ao teórico. O empirismo constrói sua teoria do conhecimento
mediante recurso ao princípio da operacionalização, que, em filosofia, responde pela
corrente do operacionalismo. O operacionalismo estabelece que a ligação entre realidade e
conhecimento dá-se por meio da operação de encontrar indicadores empíricos para os
conceitos abstratos. Tal operação repousa nos pressupostos de que realidade e pensamento
são processos que se constroem paralelamente e que seria possível esgotar os indicadores
empíricos de um conceito. O operacionalismo pode ser reconhecido no manual de Métodos
de Pesquisa nas Relações Sociais, organizado por Selltiz, Jahoda, Deutsch e Cook (SP:
Herder/USP, 1967: 49), que escrevem: “Os conceitos devem ser definidos em termos
abstratos (definição teórica), bem como em termos das operações (definição empírica)
através das quais serão representados no estudo específico”.
Mas existem outras formas de entender a relação entre o pensamento e a realidade. Entre
elas, a que entende que a realidade tem seu próprio processo de construção específico e o
pensamento também e que o vetor do conhecimento vai do teórico para o empírico e não
vice-versa. Por exemplo, Louis Althusser nas lições 10 e 11 do seu livro Para Ler O
Capital (RJ: Zahar, 1979: 42) escreve que “Marx defende a distinção entre o objeto real e o
objeto do conhecimento, produto do pensamento”. O avanço do conhecimento ocorre por
meio de um processo de análise, através do qual descemos à busca das categorias mais
simples e que, portanto, tem maior poder explicativo e depois a partir delas podemos
examinar a realidade complexa e explicar a diversidade das situações que a realidade
apresenta.
Como transitar do teórico para o empírico e vice-versa, no caso dos autores que seguem a
concepção de que há uma diferença radical entre o processo de construção do
conhecimento e o processo de construção da realidade dada? Para estes autores coloca-se a
atração irresistível pelo formalismo. A validação do conhecimento dá-se apenas por meio
da construção formal, sua consistência lógica interna, nada tendo a ver com a realidade
existente. A consistência lógica é, sem sombra de dúvidas, uma característica
imprescindível do conhecimento verdadeiro. Mas sempre este conhecimento pode ser
confrontado com a realidade existente, da qual derivam-se outros argumentos de tal peso e
de tal importância cujo papel a consistência lógica, em si, não pode substituir nem deles
prescindir.
Ele serve como argumento, mas qual o peso do argumento? Sempre permanece válido o
critério da consistência lógica interna. Então, consistência lógica e prática são dois tipos de
validação pelos quais pode passar uma proposição. O terceiro tipo é sua aplicabilidade
práticas, pelas suas conseqüências e implicações práticas. Diz-se que a ciência moderna
legitima-se pelo seu uso prático, concreto. Mas qual o critério da verdade, quando o
critério da ciência é a discutibilidade?
TEORIA
O estudante de sociologia tem um contato íntimo com os teóricos clássicos e, não lhe são
estranhas as teorias do valor-trabalho (Marx), da ação social (Weber), da solidariedade
(Durkheim), a teoria freudiana, a teoria do valor utilidade, a teoria marginalista
(economia), além das contemporâneas teoria da ação comunicativa (Habermas), teoria do
campo (Bourdieu).
A CONSTRUÇÃO DA TEORIA
Pierre Bourdieu escreve que a construção da teoria é um processo metódico mas que a
despeito disso é submetido passo a passo ao crivo da crítica, da reflexividade, da auto-
consciência. Uma das dificuldades principais contidas em tal asserção consiste em
explicitar o que está subentendido sob este termo “processo metódico”. Pois é corriqueiro
dizer-se que a teoria já se encontra pronta nas elaborações e nas publicações dos assim
chamados grandes teóricos. Tal processo de emprestar construções elaboradas por
determinados autores e que, pelo grau de convencimento que produzem, se impõem aos
jovens pesquisadores é um procedimento comum entre as práticas consideradas
acadêmicas pela estrutura vigente de pesquisa. Todavia, Bourdieu adverte que refazer a
história da teoria não é em si mesmo teorizar. Teorizar é um processo muito particular de
um autor ao se defrontar com um problema a ser explorado pela pesquisa. A construção da
teoria – ato de conhecimento fundamental que a maior parte dos manuais receituários tende
a esquecer ou a sequer mencionar como um ato imprescindível no processo de produção do
conhecimento – precisa ser pensado não como história do conceito, mas como elaboração
substantiva e crítica pelo autor para explicar um determinado problema.
ciência dar-se-ia pela contestação ao conhecimento burguês produzido. Ele como outros
autores posteriores mostram que a crítica volta-se igualmente ao conhecimento
estabelecido, ao conhecimento hegemônico, ao conhecimento paradigmático, pois o
avanço do conhecimento pretende dar-se também sobre estes limites. Durkheim em O
Suicídio torna claro mais do que outro autor como acontece o processo de ruptura e com
que técnicas a ruptura é construída. Marx utiliza outras técnicas de crítica quando nucleia a
noção de mercadoria, como a noção básica para desvendar o sistema de acumulação
capitalista.
Os jovens são afeitos à limpeza pela crítica, ao arraso. Construir é algo mais do que limpar,
romper, destruir. Construir implica estabelecer fundamentos, realizar cálculos, realizar atos
de engenharia. Construir é um processo neste sentido metódico. Como proceder? Sempre
tenho apontado aos estudantes que a maneira de apreender a teorizar pode ser retirada das
biografias dos teóricos. Como operaram os teóricos? De que forma empregaram a crítica?
Como se valeram de suas elaborações pessoais? Como aproveitaram dos conhecimentos
acumulados pela pesquisa? São questões que dirigem no caminho do estudo do método da
construção da teoria a partir da experiência de determinados autores. Por exemplo, não
seria difícil analisar a obra de Florestan Fernandes com este objetivo.
não incorre no abstracionismo vazio, freqüente nas ciências sociais e que tenta impor-se
como são teorizar, tal como o ensaismo, que não é pesquisa, e está tão ao gosto da
sociologia brasileira de todos os tempos.
uma pedagogia do ato de teorizar que se projete para além do teorizar por empréstimo de
autores renomados.
TEORIZAR
No campo da ciência em geral, teoria é o raciocínio teórico que é base de explicação para
um conjunto de fenômenos e que passou pela prova do contrafogo e deu mostras de
vitalidade, de resistência, de robustez. Portanto somente o raciocínio abstrato que mantém
uma determinada relação com os fenômenos da natureza reserva para si o conceito de
teoria no consenso da comunidade científica. Em razão desta capacidade preditiva e
explicativa a teoria mostra seu poder de resistência. Esta resistência de cunho empírico
fornece um argumento sustentabilidade de enorme relevância, uma vez que as teorias
podem ser desfeitas a partir da apresentação de incongruências explicativas, de não
concordância factual, não adequação à realidade.
Pode-se pensar igualmente que existem critérios de fundo exclusivamente formal e lógico
para determinar a capacidade de resistência de uma teoria. Tal critério é de amplo uso no
campo das ciências em particular daquelas que operam com a lógica matemática, com a
lógica filosófica ou com qualquer outro tipo de lógica. Parece não ser razoável estabelecer
como único critério de veracidade do conhecimento a demonstração empírica. Assim, se
uma determinada teoria apresenta consistência lógica, solidez lógica enquanto construção e
enquanto conjunto de relações, este é um critério também necessário.
69
Este exercício sobre as condições necessárias para o raciocínio abstrato vir a resultar em
uma boa teoria dependem em critérios de logicidade, de resistência empírica ou outros
critérios considerados válidos pela comunidade dos pesquisadores. É uma validade que
prima pela objetividade dos critérios, mas também por um consentimento dos atores do
campo da pesquisa. Tal consentimento pode indicar algum grau de concessão a elementos
não inteiramente lógicos ou empíricos, mas a uma subjetividade da coletividade. E neste
sentido, as teorias ficam expostas às críticas e às contestações de sua época e de momentos
posteriores. Seria importante empregar mecanismos para expor a natureza desse
consentimento subjetivo da comunidade científica e suas implicações nas lutas entre
explicações conflitantes. Não me parece que o campo da ciência esteja completamente
imune deste mecanismo subjetivo da comunidade dos pesquisadores.
70
HIPÓTESE
Etimologia. Hipótese provém da palavra grega hypothesis (eos) que por sua vez decorre do
verbo hypo+tithenai que significa por em baixo de, supor, colocar, fundamentar.
Algumas definições cotidianas. Está escrito no Webster´s New Collegiate Dictionary que a
hipótese é “a tentative assumption made in order to draw out and test its logical or
empirical consequences”. O Dizionario Garzanti, italiano, traz que hipótese é “suposição,
raciocínio conjectural avançado na falta de dados certo para explicar aquilo de que se tem
conhecimento limitado”. Nas páginas da Internete conta que “uma hipótese é teoria
provável mas não demonstrada, uma suposição admissível. Surge no pensamento
científico após a recolha de dados observados e na consequência da necessidade de
explicação dos fenómenos associados a esses dados. É normalmente seguida de
experimentação, que pode levar à verificação ou refutação da hipótese”. “A hipótese é
tentativa de resposta ao problema formulado, a qual poderá ser comprovada ou não pela
pesquisa” (Salomon, 2000:370).
71
Entre filósofos da ciência nem tudo é paz quando se trata de hipótese. Kopnin é um
ardoroso defensor do papel da hipótese, sustentando a possibilidade de uma hipótese
transformar-se em teoria. Manuais que aderem ao empirismo e ao positivismo como
método de pesquisa tratam amplamente sobre a questão da hipótese (W. J. Goode e P.K.
Hatt tem um capítulo inteiro sobre o assunto; Selltiz e seus colaboradores também tratam
do tema). Popper não opera com o conceito de hipótese e sim com o de conjetura.
Conjeturas jamais chegam a teorias. Seu papel consiste em servir para serem refutadas e
quando não o são, mantem-se provisoriamente como conjeturas. Bourdieu e seus
colaboradores tratam sobre hipótese dentro da discussão da construção do objeto e o fazem
em dois momentos: primeiro relacionando hipóteses e supostos; segundo examinando o
papel da analogia na construção de hipóteses. Desta forma, Bourdieu e seus associados
sustentam a importância da hipótese no processo de construção do conhecimento. Henri
Poincaré, físico e matemático, tem um livro inteiro sobre “A ciência e a Hipótese”,
publicado pela editora da UnB
A hipótese exerce um papel de guia para a pesquisa. Desde que se tem uma hipótese em
mira, a seqüência da pesquisa é conduzida na direção apontada pela hipótese. A análise
teórica a ser feita, o trabalho de campo, a observação são orientados pela hipótese.
A hipótese pode ser também decorrência de uma crítica exercida sobre os conhecimentos
existentes no campo e suas limitações para explicar os fenômenos estudados. Esta outra
maneira de construir hipótese funda-se mais na racionalidade e na lógica das construções
explicativas.
Seja qual for o âmbito do projeto – absolutamente apenas discussão teórica; totalmente
pesquisa empírica; ou uma combinação em diversas proporções de desenvolvimento
teórico e empírico – o desenvolvimento da pesquisa requer planejamento, resumido
sinteticamente em três situações:
74
No primeiro caso, em que consiste o plano de pesquisa? Antes de mais nada, alguns
exemplos: analisar o conceito de revolução em Karl Marx; analisar a divisão social do
trabalho em Émile Durkheim; analisar o conceito de racionalidade em Max Weber;
analisar o conceito de revolução burguesa em Florestan Fernandes; comparar a relação
sociedade indivíduo em Anthony Giddens e Pierre Bourdieu; etc. Tais tipos de projetos
conduzem imediatamente para o estudo e a análise crítica das obras dos autores referidos.
Entretanto, além do estudo do entendimento das proposições teóricas pelos autores
proponentes em si, deveriam também ser revistos outros autores, em geral coetâneos ou
posteriores, que comentaram, analisaram, criticaram, reformaram, reinterpretaram e
revisaram essas obras ou construíram propostas diferentes a respeito da mesma questão.
Por último, o pesquisador pode querer lançar uma proposta própria. O plano de
desenvolvimento da pesquisa, pois, estrutura-se em pelo menos três direções fundamentais:
leitura crítica dos textos dos autores originais; resenhas dos autores posteriores;
fundamentação, enunciação e construção de proposta própria.
de desenvolvimentos são cobertos totalmente pelos projetos do terceiro grupo, aqueles que
combinam teoria e empiria em variáveis proporções.
A terceira classificação de projetos incorpora tudo o que foi dito sobre os projetos de
cunho eminentemente teórico e acrescenta a dimensão empírica. Como pensar um plano de
desenvolvimento da pesquisa no terreno empírico? Já foi escrito antes que o critério sobre
o que pesquisar é dado pela hipótese. A(s) hipótese(s) são guia(s) para a pesquisa. Indicam
o que pesquisar, onde pesquisar e como pesquisar.
A pesquisa empírica necessita de matéria prima sobre a qual trabalhar. A matéria prima é
constituída por informações dos mais diversos gêneros necessárias para a pesquisa e que
devem ser levantadas pelo pesquisador. Esta é uma decisão que cabe ao pesquisador fazer:
quais as informações requeridas pela hipótese da pesquisa?
Tais questões éticas e metodológicas da maneira como os dados são levantados podem ser
ampliadas ad infinitum sendo seu tratamento interrompido abruptamente neste ponto.
ORÇAMENTO
pesquisa, pois é ele quem avaliará itens como taxas de administração e taxas de ganho, que
extendem-se para além dos custos de pesquisa propriamente ditos.
Como ponto de partida, o pesquisador lista todas as atividades a serem desenvolvidas pela
pesquisa – vale lembrar a metáfora do arquiteto que constrói o projeto em sua cabeça antes
que seja desenvolvido na prática pela engenharia - incluindo a revisão da bibliografia
nacional e internacional, a construção dos instrumentos de pesquisa e seus testes, a coleta
de informações no campo ou de informações secundárias, as viagens e deslocamentos
necessários para produzir informações, a crítica das informações obtidas, seu
processamento e sua análise. E estima o tempo necessário para cada uma delas. Estes itens
aplicam-se às pesquisas tanto de tipo quantitativo, quanto qualitativo. Diferem se a
pesquisa for entendida como puramente teórica, quando o cronograma precisa ser ajustada
a esta particularidade.
A ordem dos fatos, portanto, pode ser assim estabelecida: prevalece o princípio do primado
do conteúdo sobre a forma.
Mas projetos são feitos não apenas para melhorar a pesquisa. São também formas pelas
quais os comitês, as comissões, os grupos-com-poder-de-decisão empregam para tomar
suas decisões. Esta razão de ser conduz a valorizar a forma de organização e de redação do
projeto de pesquisa. Ainda que o princípio que rege a pesquisa seja sempre a da
80
prevalência do conteúdo sobre sua forma, mesmo assim a forma não pode ser deixada de
lado na construção de um projeto de pesquisa que se destina a algum tipo de seleção aberta
ao uma população de interessados.
Hoje em dia é muito freqüente que os projetos já tragam explicitamente quais os critérios
que serão observados para a sua seleção. As agências financiadoras já indicam nos seus
editais e chamadas os critérios de decisão. Algo como acontece nos concursos para
contratação de pessoal.
O emprego do termo ‘controle’ para definir restrições aplicáveis à ciência faz-me arrepiar
os cabelos. Lá vem a história de Galileu Galilei. Não se trata disso, entretanto.
Trata-se de, por um lado, defender a liberdade e autonomia de pensamento e pesquisa. Este
é um ponto de partida que não pode ser questionado sob pena de colocar abaixo toda a
construção científica através da história e para o futuro.
Mas existem limites éticos, morais e políticos para a ciência? Limites éticos não há
dúvidas, em se tratando de ética individual. Mas estou falando de ética social e não
individual. Limites morais e políticos dependem destes limites éticos sociais.
Na prática as sociedades, os países, as nações, impõem limites à ciência ou por leis ou por
formas administrativas, estabelecendo o orçamento e fixando-lhe prioridades.
Para as nações se pautarem de uma forma aceitável, os argumentos para um controle ético
social só podem decorrer dos mais elevados valores a serem defendidos pela sociedade.
Conforme a seguinte perspectiva. A ciência é um produto humano, assim como a indústria,
as artes, a agricultura, o saber popular etc. Tudo o que for humano deve submeter-se aos
princípios fundamentais que regem a vida em coletividade. Ora quais são estes princípios?
Gerais, muito gerais. Nenhum desenvolvimento científico é aceitável se for contra a
manutenção e a existência do gênero humano (argumento humanitarista), se for contra o
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