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CONSTRUÇÃO DE

PROJETOS DE PESQUISA

EM SOCIOLOGIA

Sadi Dal Rosso


Departamento de Sociologia
Universidade de Brasília
70910-900 Brasillia, DF Brasil
Telefone (61) 3307-2389; fax (61) 33473663
sadi@unb.br
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2006

Aos estudantes,
afoitos, ansiosos, questionadores, irreverentes,
que buscam na ciência um ideal para transformar a sociedade
e conduzir indivíduos, grupos e classes à emancipação.

O papel da metodologia consiste em construir caminhos


3

para gerar idéias e inventar possibilidades

SUMÁRIO

A CRISE E O MÉTODO CIENTÍFICO


APRESENTAÇÃO
DIVERSIDADE DOS CONHECIMENTOS HUMANOS E MÉTODOS DE PRODUZI-
LOS
OS CLÁSSICOS SOBRE MÉTODO E CONSTRUÇÃO DE PROJETOS
ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS SOBRE MÉTODO

PRESSUPOSTOS DA PESQUISA
PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS
PRESSUPOSTOS LÓGICOS E TEÓRICOS

MÉTODO E PROJETO DE PESQUISA


CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE PESQUISA
ABRANGÊNCIA DE UM PROJETO DE PESQUISA

O PROBLEMA DE PESQUISA
CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROBLEMA DE PESQUISA
CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

CONCEITOS E COMO ARTICULAR REALIDADE E PENSAMENTO

TEORIA
CONSTRUÇÃO DA TEORIA
UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA CONSTRUIR TEORIA
TEORIZAR

HIPÓTESE

PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA


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ORÇAMENTO
CRONOGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
A REDAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA

CONTROLE SOCIAL DA CIÊNCIA

BIBLIOGRAFIA

A CRISE E O MÉTODO CIENTÍFICO

Ao dirigir-me ao leitor sobre crise, devo esclarecer sobre que conjuntura escrevo. Do
contrário, poderá supor que me refiro a metamorfose da ciência moderna, que é objeto de
análise de Ilya Prigogine ( ), mais tarde retomada por Santos ( ) sob o rótulo de crise do
paradigma da modernidade. Opero com um horizonte de tempo muito menor restrito à
crise financeira iniciada em 2007 e refiro-me ao campo das ciências sociais,
particularmente sociologia, economia, ciência política, história, cujos instrumentos de
pesquisa e de construção do conhecimento cotidiano mostraram-se insuficientes para
antever a dimensão da convulsão inicialmente econômica e posteriormente social do
capitalismo de corte neoliberal. Estas ciências não emergem da crise da mesma maneira
que nela entraram. Muito embora até o momento não foi feito um ajuste de contas, uma
leitura rigorosa não deixará de apontar as insuficiências que demonstraram num período
crucial, em que deveriam ter apresentado sua contribuição.

A primeira evidência de que a crise de 2007 destroçou as ciências sociais provém do fato
de que ninguém conseguiu prever a eclosão da crise. Em economia Lauriel Nourini da
New York University, um economista turco trabalhando em Nova Iorque, ganhou os louros
e junto a ele os dólares de ter indigitado a eclosão da crise. Mas até que ela iniciasse era
chamado pejorativamente de Mister Doomsday. Paul Krugman (2008) faz um relato
sincero sobre os enfrentamentos que tivera com o presidente do Federal Reserve e com o
Secretary of Treasure do governo Bush Filho sobre o advento da crise. Segundo os dois
burocratas que obviamente não falavam por si só, mas com o respaldo acadêmico da
mainstream economics, os avanços da econometria eram de tal ordem que se tinha em
mãos um instrumento eficaz para prever antecipadamente qualquer crise e tomar medidas
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que fossem necessárias para contorná-la. Krugman fizera uma trajetória diferente
analisando crises que eclodiam sucessivamente nos diversos países da periferia, hoje
participantes do seleto grupo dos BRICS, entre eles Brasil, México, Rússia, Argentina, e
com isso podendo indicar cerca de um anos antes a crise da inadimplência do pagamento
de empréstimos contraídos com bancos e seguradoras. O embate entre os grupos, no relato
de Krugman, residia na capacidade ou não de os instrumentos de metodologia científica
permitirem antever o estouro da crise de inadimplência. A economia, assim como a política
e a sociologia, nos campos dominantes, sequer sonharam com a crise, de tal modo que a
crise estourou sobre a cabeça dos intelectuais. Há um reconto muito jocoso e crítico
segundo o qual a rainha da Inglaterra num encontro com economistas teria reclamado de
como eles, que estudam economia por profissão, não conseguiram informar a ela e ao
governo britânico da crise em formação de tal modo que pudessem tomar medidas
sanativas. E que o líder do encontro teria apresentado a esfarrapada desculpa de que os
recursos eram insuficientes para realizar os estudos necessários à previsão. O relato de
Krugman que coloca em cheque os métodos da econometria e da matematização no campo
científico parece mais verídico e conduz à constatação de que as ciências sociais se
mostraram incapazes de produzir o conhecimento necessário para a antecipação. Krugman
é mais incisivo: não é só a ciência global, é o método da ciência, a matematização, não se
mostrou eficaz, como esperado pela economia hegemônica.
Evidentemente a crítica erguida à economia, não se restringe a ela. Na sociologia os
resultados não foram animadores especialmente por parte do pensamento dominante no
campo. Há grupos críticos - e esta condição atenuante creio que se estenda para todos os
campos do conhecimento social - que sempre preconizaram a crítica. Alguns elementos de
comprovação. Pierre Bourdieu ao final de sua vida tomou uma atitude ferrenhamente
crítica contra o neoliberalismo, mas a razão fundamental residia no fato de que ele destruía
lentamente o estado de bem estar social. Os grupos de esquerda no campo da sociologia,
no campo da economia, da política, na antropologia, na filosofia, produziam um
conhecimento social no sentido de que a crise estava sempre no horizonte possível. As
ciências sociais feitas a partir do materialismo histórico preconizavam a crise decorrente do
excesso de capital fictício, serpente que estava embutida na dominância financeira. O
argumento era formulado simplesmente em razão de que o distanciamento entre a
acumulação financeira e a produção do valor na sociedade constituía uma torre de Pisa
incapaz de se perpetuar eternamente, um dia ela iria tombar. Mas os pesquisadores adeptos
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do materialismo histórico e generalizadamente a esquerda crítica eram grupos restritos no


mundo acadêmico internacional. Poder-se-ia afirmar que as ciências sociais críticas
construíram instrumentos que permitiriam antever a crise, na maior das vezes, como
resultado do suposto teórico de que o distanciamento entre captal fictício e produção de
valor é impossível de se perpetuar indefinidamente e menos como decorrência de
procedimentos empíricos. Este argumento conduz ao ponto de que nem toda a ciência
social, mas pelo menos sua parte majoritária.
De qualquer maneira, as ciências sociais foram radicalmente abaladas pela explosão da
crítica. Seus métodos se mostraram inadequados. Este fato tem implicações
epistemológicas quer sobre os pressupostos do conhecimento em ciências sociais quer
sobre seus métodos.
Gostaria de apontar rapidamente mais uma evidência. As ciências sociais estão abaladas
pelo clima da certeza que se mostrou errônea. De agora em diante a crise chegou às raízes:
nem os métodos quantitativos, nem os métodos qualitativos permitiram visualizar a crise.
Este fato não deve passar impune sobre a legitimidade social das ciências sociais. Com o
tempo as questões serão colocadas e os pesquisadores e os cientistas terão que enfrentar
suas conseqüências olho no olho. Que ciência é essa e para que se quer uma ciência que só
consegue explicar fatos que já passaram?

APRESENTAÇÃO

A pesquisa em geral divide-se em dois grandes momentos: a construção e a implementação


prática de projetos. A divisão em dois momentos ocorre por razões concretas na maioria
das vezes. Quase todas as pesquisas são feitas hoje em dia com apoio de recursos do
Estado, empresas, corporações, associações, sindicatos, fundações e outras organizações,
nacionais e estrangeiras. E as referidas organizações não financiam pesquisa, senão sob a
apresentação e aprovação de projetos. A pesquisa por projeto, característica da era da
mercantilização do conhecimento, implica em um corte, uma divisão de momentos em um
processo em si mesmo inseparável. Este texto, pois, restringe-se à primeira parte,
construção de projetos.
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DIVERSIDADE DOS CONHECIMENTOS HUMANOS


E MÉTODOS DE PRODUZI-LOS

A sociedade atual é a sociedade de conhecimento. Tal expressão contém fortes doses de


verdade e de erro. Se mesmo as camadas pobres e miseráveis são afetadas pelos meios de
comunicação e empregam meios de transportes modernos, não se pode esquecer que
também existe uma grande parcela da população que vive à margem do mundo
alfabetizado e da educação escolar.

O método de pesquisa tem como objeto central o processo de produção de conhecimento.


Que conhecimento? A expressão sociedade de conhecimento é vaga e presta-se a usos
diversos. No caso em análise, sociedade de conhecimentos aplica-se mais à noção de
desenvolvimento de inovações e descobertas no campo científico e tecnológico que
povoam o mundo contemporâneo, ainda que as águas deste mar não atendam igualmente
ao conjunto dos cidadãos. É importante ir para além destes limites. Porque a humanidade,
os seres humanos, aos quais interessa a aplicação de conhecimentos, não vivem
exclusivamente dos resultados obtidos pela ciência. Aliás, a aplicação da ciência pode
conduzir à destruição e à morte. É necessário, então, cunhar uma definição provisória que
amplie profundamente a noção de conhecimentos para abarcar todos os tipos de respostas
que os homens dão diante das necessidades, problemas e urgências que lhe são impostos
pela sociedade, pelo meio ambiente, por forças reais ou imaginadas. Tal noção ampliada
permite incorporar avanços científicos bem como outras esferas extra-científicas como
conhecimentos. Envolve o campo restrito de cultura onde alojam-se os conhecimentos
realizados pelos estudos de humanidades e em particular pelas artes. Que seria da
humanidade se não se produzissem conhecimentos novos em música, artes visuais, artes
plásticas, artes cênicas, arquitetura, engenharia apenas para nomear algumas esferas em
que além da razão prevalecem outras forças como emoção, ímpeto, perspicácia e intuição.
Outro campo social no qual os humanos produzem conhecimentos extremamente
sofisticados é representado pelo mundo religioso e por todo aquele leque de conhecimentos
que não depende apenas da razão, mas encontram lastro em argumentos de diferentes
ordens, tais quais os mitos, tais quais os ritos, as adivinhações, os sortilégios. Importa
incorporar como parte dos conhecimentos humanos uma imensa esfera conhecida por
conhecimentos populares ou sabedoria popular ou aqueles campos que os manuais de
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ciências sociais definem como senso comum. Conhecimentos populares são radicalmente
importantes para determinadas sociedades que deles dependem. São deste tipo os
conhecimentos produzidos por tribos indígenas e por comunidades rurais e urbanas. Por
último, cientistas contemporâneos como Ilya Prigogine também chamam de conhecimentos
os movimentos de adaptação e, portanto, de aprendizado que moléculas, espécies vegetais
e espécies animais realizam diuturnamente no transcurso de suas vidas e na construção de
suas histórias neste planeta.

Afirma-se nas salas de aula e divulga-se pelos meios impressos que a ciência se distingue
dos outros conhecimentos, ditos não científicos, pelo método. A ciência empregaria
métodos altamente racionalizados, enquanto os demais conhecimentos operariam em bases
empíricas, herdadas da tradição imemorial ou pela fórmula do ensaio e erro. Tal
interpretação é insatisfatória porque a produção do mais simples conhecimento humano é
resultado da aplicação expressa ou latente de um método de pesquisa. A dicotomia de que
ciência emprega método e outros conhecimentos não o utilizam é uma forma
preconceituosa de compreender a diversidade dos conhecimentos humanos. É mais
adequado operar com a distinção de que cada campo de conhecimento tem seus métodos
específicos e próprios. A ciência tem seus métodos próprios, assim como as artes tem os
seus, a religião o seu e o conhecimento popular trabalha com suas potencialidades.

O quadro abaixo apresenta uma visão sintética do raciocínio aqui desenvolvido.


ESFERA CONHECIMENTO MÉTODO PRODUTOR INSTITUIÇÃO TEORIA
Sociedade Popular Ensaio e erro Pessoa comum Narrativa
Arte Artístico Intuição, Artista Escolas, Teorias da
imaginação academias arte
Religião Religioso Revelação, Teólogo Seminários, Teologia
hermenêutica faculdades
Ciência Científico Científico Pesquisador Universidades Ciência e
centros pesquisa teoria

Os vários tipos de conhecimentos distinguem-se não apenas por objeto e método, como
também pelas instituições que os conduzem, pelos agentes produtores e pelas regras
específicas a cada ramo de conhecimento. As instituições atuam como reprodutoras dos
conhecimentos gerados. Algumas instituições como aquelas financiadoras da pesquisa e
aquelas que atuam na formação dos agentes produtores de conhecimento detém um papel
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importantíssimo na determinação daquilo que é considerado como teoria e método próprio


a cada ramo do conhecimento. As instituições também velam pela construção de um
aparato epistêmico que facilita a comunicação interna à comunidade dos agentes
produtores de conhecimentos, agem sobre os valores, as categorias, os conceitos. O papel
das instituições expande-se para além destes limites chegando até ao estabelecimento de
condições infra-estruturais para o desenvolvimento dos conhecimentos, a determinação dos
poderes, a distribuição de recursos materiais, simbólicos e de status e a construção de
hierarquias particulares a cada ramo. As comunidades internas a cada ramo de
conhecimento são fundamentais para a alocação dos recursos e a conformação dos poderes.

Fazer a história dos conhecimentos humanos implica em elaborar sobre a divisão de


trabalho e a constituição de campos específicos. A ciência que na modernidade ocupa um
lugar hegemônico entre todos os outros ramos, deve seu triunfo especialmente à sua
capacidade de produzir resultados aplicáveis seja para a solução de problemas individuais e
coletivos seja para municiar o Estado com instrumentos de controle sobre suas fronteiras e
reações contra outros estados. Em fases de mudanças maiores tal como aos dias de hoje
com o processo de globalização, o aparato da ciência também passa por profundas
modificações. Percebe-se facilmente como as regiões centrais do planeta Mundo procuram
assenhorear-se das atividades propriamente de fazer pesquisa, deixando para as periferias e
para as regiões com desenvolvimento intermediário apenas as aplicações locais dos
conhecimentos produzidos nas matrizes centrais. Esta forma de moderna colonização
encontra justa resistência entre pesquisadores que não compartilham com este tipo de
ideologia e divisão do trabalho.

A ciência, que constitui nos dias de hoje o mais bem sucedido ramo dos conhecimentos
humanos, passa por intenso processo de mercantilização. O grande volume de recursos
financeiros aplicados em pesquisa pelos Estados, pelas empresas e por outras instituições
vem transformando a ciência numa mercadoria. A ciência é um produto tipicamente
imaterial resultado do trabalho intelectual de pesquisadores e seus auxiliares com alta
valorização mercantil. Sua potencialidade está em descerrar fronteiras que impedem a
produção de mais valores. A comodificação da ciência é um processo quase completo nos
dias de hoje, dado que a pesquisa é conduzida em equipes, em empresas, em laboratórios, e
tratada como mercadoria de acumulação de riqueza como qualquer outra mercadoria.
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Sobrevivem os pesquisadores individuais, que operam como artesãos da pesquisa, em


campos como ciências sociais, humanas, filosofia, ciências básicas e outros, nos quais o
fazer pesquisa é entendido como contribuição à sociedade como um todo e não apenas
como objeto de lucro e de enriquecimento. Já a grande pesquisa organiza-se segundo as
regras próprias da capitalização do processo de produção dos conhecimentos humanos e
aprofunda a tendência de comodificação da ciência.

OS CLÁSSICOS SOBRE MÉTODO E CONSTRUÇÃO DE PROJETOS

KARL HEINRICH MARX (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de


março de 1883). Duas correntes metodológicas foram alvo de crítica em Marx, o
positivismo e a dialética idealista e seus seguidores. Contra o idealismo hegeliano, cujos
desdobramentos mais auto reveladores podem ser encontrados no livro A Filosofia da
História na qual o curso do espírito da liberdade pela história universal encontra seu locus
vivendi na história européia e aí chega a sua realização total, Marx levanta a tese da
dialética materialista com o princípio ativo. Contra o positivismo, afirma que a pesquisa
vai mais a fundo até atingir as categorias mais simples e mais gerais, a partir das quais a
teia de relações concretas podem ser re-interpretadas e refeitas. Permanecer na superfície
dos fenômenos conduz à rendição do pesquisador ao fetichismo, à ideologia, que turvam a
interpretação verdadeira dos fatos, bem como à circularidade dos argumentos. Tratava-se
de uma tarefa extremamente complexa para o autor, porque em ambos os casos haveria que
romper com parte substantivas das teses sem negar o lugar do processo dialético na
compreensão da história, nem os avanços dos economistas políticos britânicos, entre os
quais Adam Smith e David Ricardo, que desenvolveram parte significativa da teoria do
valor trabalho, especialmente naqueles elementos que colaboraram para o entendimento da
categoria crítica de mais valia.

Há uma relativa dificuldade de acompanhar os passos da teoria de Marx sobre método de


pesquisa. O principal texto em que se refere a questões epistemológicas e metodológicas,
O Método da Economia Política, é crítico e hermético o suficiente a ponto que dois
intelectuais brasileiros importantes (José Paulo Neto, 2007 e Nildo Viana, 2006) que
escreveram recentemente sobre método marxista, empregarem-no como um texto
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importante mas não como um texto central, demarcador dos elementos fundamentais do
processo de produzir conhecimento, e talvez o maior conhecedor e intérprete do marxismo
filosófico contemporâneo, Istvan Mészáros (2009) , não o empregar em seu extenso
tratamento sobre A Determinação Social do Método por razões implícitas no próprio título
geral, omissão também encontrada em Roy Bhaskar (1983). Não é negar a existência real
do texto o caminho seguido no curso dos estudos históricos sobre a teoria do conhecimento
em Marx, nem aquele que será desenvolvido aqui.

O texto de Meszaros refere-se ao método determinado socialmente. Não existe método por
método, nem ciência pela ciência, a tese da neutralidade científica é viesada a princípio,
como escreve Florestan Fernandes, nem ciência sem possibilidade de atingir a verdade,
nem certeza da incerteza (como escreve Pedro Demo, 2007). O método deve permitir a
instituição de uma nova forma de sociedade, uma nova relação social, baseada em
determinações societárias não antagônicas e na solidariedade internacional. A reorientação
do método em Marx é no sentido de instituir uma nova fase da história. É admirável que
empregue pouco do texto do Método da Economia Política, pois ele é um texto excelente.
O texto propicia a Marx uma superação do conhecimento em relação aos clássicos, por
meio do emprego da crítica desapiedada.

Em razão de que o tema do método é mais difícil em Marx do que noutros autores
clássicos, empregarei a forma de tratamento por meio de proposições de modo a facilitar o
estudo e a bem vinda análise crítica, e desenvolverei mais longamente dada também a
iniciativa de incorporar como contribuição metodológica fundamental o texto sobre O
Método da Economia Política, escrito nos anos 1865-6.

A primeira proposição é de que o conhecimento científico é "um modo que difere da


apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático" (Marx, 1977: 230).
Há diferença, cuja natureza não está explicitada, entre conhecimento produzido
cientificamente e conhecimento produzido por outros métodos. A diferença não implica a
afirmação de que o conhecimento científico ocorre contra o senso comum, a arte e a
religião, como tende a afirmar a epistemologia de filósofos franceses (cfr. Bachelard e
Bourdieu, Chamboredon e Passeron). A noção de diferença deixa em aberto a questão da
relação entre conhecimento e senso comum. Tudo depende do sentido da interpretação
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feita. Tanto o senso comum, quanto a formulação acadêmica, podem captar o sentido
verdadeiro das relações sociais como podem sujeitar-se e repetir interpretações
ideologicamente viesadas que beneficiam o lado dos vencedores nas disputas sociais. As
formulações do positivismo do século XIX vão fortemente a favor da ruptura
epistemológica, mas não é isto que se lê no texto de Marx.

Em relação ao objeto de estudo da sociologia, Roy Bhaskar (1983: 375) escreve que o
método marxista aplica-se ao coletivo, ao geral, mas não da mesma forma que a teoria
durkheimiana como será visto mais à frente, que gera uma coerção sobre o indivíduo: "O
objeto do Capital não é a práxis humana mas as estruturas, relações, contradições e
tendências do modo capitalista de produção". E acrescentaríamos ainda antagonismos,
determinações, classes. Entretanto, essa concepção holística do objeto é flexível para
incorporar transições do individual para o coletivo, assim como do geral para o particular,
o que fica nítido quando trata de 'personificações' do capital, entre outros exemplos.

A segunda proposição é derivada da direção da flecha do conhecimento, a saber, se


conhecimento parte do real para o teórico, ou inversamente do teórico para o real. A crítica
ao Método da Economia Política inicia com a distinção de dois modos distintos
empregados no campo. Distingue a economia vulgar da economia científica. Uma, a
vulgar, representa a forma positivista de produzir conhecimento que inicia pelas categorias
mais imediatamente ao alcance do observador, sendo exemplo mais comum que os autores
comecem pela população em geral, quando a população é composta de classes sociais e
assim por diante. Este método se mostra frágil porque navega na superfície dos fenômenos
e parte do real concreto, que em si é muito complexo e deve ser visto como resultado,
como ponto de chegada e não como ponto de partida. Constitui erro metodológico
estabelecer em categorias de superfície o ponto inicial da investigação e o processo de
conhecimento como dirigindo-se do real concreto em direção às categorias abstratas.
Embora encontrado freqüentemente nos textos de economia política, especialmente aqueles
que fizeram parte da revisão bibliográfica das Teorias da Mais Valia, não é este o método
correto da economia política. Não é do concreto para o abstrato que se move a fleche do
método científico da economia política.
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Roy Bhaskar (1983: 375) escreve que "em oposição à economia vulgar, Marx pretende dar
uma explicação científica, e, em oposição à economia política clássica, uma explicação
categoricamente adequada (não fetichizada, historicizada) das relações subjacentes reais,
das estruturas causais e dos mecanismos geradores da vida econômica capitalista. O
método de Marx inclui três aspectos: a) realismo científico genérico; b) naturalismo
qualificado ou crítico; c) materialismo dialético." O método que não parte das categorias
superficiais nas quais se manifestam os fenômenos e que constitui o método correto desce
à raiz dos problemas, é radical, vai em profundidade à busca das categorias mais simples e
mais gerais, a partir das quais é possível estabelecer operações teóricas, construir relações,
analisar contradições, dissecar o funcionamento de estruturas e perceber tendências.
Repetindo a metáfora da flecha do conhecimento, ela parte do abstrato, das categorias
simples, e que portanto tem maior poder explicativo, para explicar o concreto real, que é
resultado de múltiplas determinações. A flecha do conhecimento vai das categorias simples
e gerais com as quais é elaborado o conhecimento para a explicação do real concreto.
Segundo Marx, este seria o método correto: utilizar as categorias mais simples e de maior
poder explicativo para dar conta de explicar o real concreto. Que são categorias simples e
como saber que se chegou a elas? Simples, pelo exemplo do tratamento na abertura do
volume 1 do Capital, são categorias não novamente subdivisíveis. Porque razão a eleição
da categoria de 'mercadoria' para iniciar o estudo do capital? Por uma razão de método: é
indivisível; e por uma razão substantiva: no estudo sobre o capital ela se mostra a categoria
fundante do sistema. A eleição de mercadoria como categoria simples no Volume I do
Capital fornece um exemplo significativo deste procedimento metodológico: "A riqueza
das sociedades em que o modo capitalista de produção prevalece, apresenta-se como "uma
imensa acumulação de mercadorias, sendo sua unidade uma única mercadoria. Nossa
investigação, deve pois começar pela análise de uma mercadoria" (Marx, 1975:35).

Nossa terceira proposição refere-se à relação entre o mundo real e o mundo apropriado
pelo pensamento, entre o todo real e todo recriado pelo pensamento. Por meio da
faculdade única do pensamento os seres humanos se apropriam do real e o reproduzem
pelo pensamento. O real reconstruído no pensamento é o real pensado, apropriado pelo
pensamento, diferentemente do real concreto que possui seus mecanismos de auto
produção. O pensamento tem a faculdade de se apropriar do real pela via do pensamento e
produzir conhecimento. O real concreto e o real-pensado são distintos e suas relações
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constituem um problema magno na história da teoria do conhecimento. A crítica mais


elementar e coerente com a tese do materialismo ativo é de que pensamento não produz o
real concreto. Crítica severa é desferida contra o idealismo de Hegel "ele (o real concreto)
não é de forma alguma o produto do conceito que se engendra a si próprio, que pensa
exterior e superiormente à observação imediata e à representação" (Marx, 1977: 230). O
real concreto tem seus próprios meios de produção da mesma forma que o real de
pensamento também o tem. Outro julgamento crítico já descrito acima é disparada contra o
positivismo por sustentar que o processo do conhecimento procede do real para o teórico.

Existindo um real pensado e um real concreto, pode-se conceber um processo de produção


de ambos. O real pensado tem seus agentes e meios. O real concreto também. Mas não são
a mesma coisa. Nem operam da mesma maneira. O problema a esclarecer é se há um
vínculo entre ambos de tal maneira que não encontremos num paralelismo, divididos por
uma muralha virtual. Esclarecer este passo é crucial para fugir ao problema enfrentado por
Althusser.

Althusser vale-se das categorias de modo de produção do real concreto e modo de


produção do real pensado como prova de que Marx inventou uma teoria completamente
nova de ciência. A presunção reside na cesura estabelecida entre o modo de produção do
real e o modo de produção do conhecimento. O real tem seu processo de produção assim
como o conhecimento tem o seu. Todavia, a formulação filosófica de Althusser cria uma
separação completa entre conhecimento e realidade. Entre essas categorias do
conhecimento não existem nem devem existir pontes. A produção do conhecimento assim
como a produção da realidade tem seus próprios métodos que não são conectados entre si
pela operação de confrontação do teórico com o real, nem pela limitação da solução de
questões teóricas pelo subdesenvolvimento da vida material. A teoria do conhecimento do
materialismo, formulada por Althusser, não depende em nada da realidade, opera dentro
dos condições próprias da produção do conhecimento abstrato, assim como o a matemática
não depende da realidade para desenvolver-se, a exemplo da afirmação de que "Não é
necessária a realidade para saber-se que 2 + 2 = 4".

Não é esta leitura da teoria do conhecimento que o texto sobre o Método da Economia
Política sugere com a sentença de que "o cérebro pensante se apropria do mundo do único
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modo que lhe é possível" (Marx, 1977: 230) . O cérebro se apropria do mundo real. A
relação descrita é de apropriação, não é apenas paralelismo entre dois modos de produção
que não se tocam. O cérebro exerce a operação positiva de recriar para si e da maneira que
lhe é própria o mundo real, apropria-se dele e torna-o compreensível como conhecimento.
O mundo real por sua vez não é apenas algo inerte. A verdade de uma proposição pode ser
acessada, ainda que de maneira muito incompleta e sujeita à crítica, pela confrontação da
proposição com a manifestação real do objeto segundo os cânones aceitos comumente pela
comunidade acadêmica. Esta afirmação não descarta a possibilidade de proposições serem
confirmadas intrinsecamente, segundo critérios de aceitabilidade inerentes às áreas de
conhecimento. Há construções nas quais é possível realizar a confrontação do real com o
teórico e há outras em o debate se dá completamente no campo teórico e sua sustentação
não depende da validade das manifestações empíricas, e sim da coerência das proposições
no interior de um sistema de pensamento.

O real também exerce outras funções em relação ao conhecimento teórico, que não só o
critério de verdade. Estabelece limites ao desenvolvimento do conhecimento a partir dos
estágios do desenvolvimento humano, conforme se pode deduzir da história da ciência
universal. Mészáros (2009: 289) acrescenta ainda que o método não se justifica só pelos
pressupostos metodológicos, metodologia pela metodologia, análise pela análise, mas pela
função social que exerce junto com a teoria, a determinação social do método.

Os caminhos descritos, então, são dois: um parte do real concreto e tenta por meio do
processo de abstração atingir a essência do fenômeno. Este percurso é ilustrado por
Althusser por meio da metáfora da cebola, segundo a qual retirando as rodelas, o
conhecimento atingir o núcleo essencial, sendo pois a essência atingível pelo processo de
abstração. O processo correto de produzir conhecimento é de outra natureza. Ele parte das
categorias mais simples existentes e desenvolve a partir delas suas tramas de tal maneira
que por meio delas permite entender o real concreto. Portanto, o caminho é feito do real
pensado para o real concreto, que é descrito como síntese de mil determinações.
Empregando a metáfora da flecha do conhecimento pode-se dizer que ela vai do real
pensado (simples, teórico) em direção ao real concreto (empírico). Esse o caminho real do
conhecimento que Marx aprendeu dos economistas políticos ingleses, mas que recebe uma
interpretação de autoria da história sobre o real pensado. O conhecimento das categorias
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teóricas (da economia, da sociologia, da história) depende da produção do real pelo sistema
capitalista. Não é questão a discutir neste ponto se o real inibe avançar o conhecimento em
ciências sociais. As categorias teóricas são formuladas à medida em que se manifestam na
prática concreta das relações de trabalho, das práticas econômicas das empresas, do
desenvolvimento econômico e tecnológico da sociedade.

A quarta proposição decorre dessa relação entre o real e o teórico que estabelece a
possibilidade do conhecimento objetivo. Roy Bhaskar (1983: 374) escreve que "dois temas
epistemológicos predominam em Marx: i) ênfase na objetividade; ii) ênfase no papel do
trabalho no processo cognitivo " (por meio da praxis). A função da ciência é descobrir a
verdade e a verdade exerce um papel devastador contra o fetichismo, contra os usos
manipuladores da ideologia. A verdade tem um papel emancipador. É possível alcançar a
verdade, colocando em ação mecanismos críticos da ciência. O papel da ciência é desvelar
aquilo que está escondido. Como autor do século XIX, Marx opera com a noção de leis. A
categoria de lei implica a possibilidade de aferição da verdade, quer intrínseca quer
extrinsecamente. Tome-se a lei geral da acumulação capitalista, tantas vezes rejeitada
empiricamente no curso da história pelos críticos adeptos ao capitalismo. Todavia, ela é
fundamental para compreender a crise dos anos 2007 até a atualidade. O sistema capitalista
não se sustenta quando o grau de exploração realizados pelo capital financeiro e pelos
capitais fictícios excede os capitais ditos produtivos. No capitalismo e em nenhum outro
sistema econômico, a especulação contínua não permite sua reprodução. O sistema entra
em crise, quase explode.

Nossa quinta proposição é de que a realidade social opera dialeticamente, pois a sociedade
capitalista está repleta de contradições e antagonismos. Hegel, o formulador da teoria
dialética da história, tinha por claro a importância de seu método ao bradar que sua
filosofia era das 'coisas vivas' e não das 'coisas mortas'. Hegel deixou a metáfora do senhor
e do escravo tão importante para o entendimento do caráter intrinsecamente conflitivo das
sociedades em que a acumulação de riquezas é a base de sustentação. Esta proposição em
nossa avaliação não necessita de maior desenvolvimento dado o estágio de conhecimento
já alcançado sobre ela na filosofia e nas ciências sociais e humanas.
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Marx separa em Hegel o idealismo e sustenta a proposição do materialismo com um


princípio ativo, dado que o idealismo conduziu Hegel ao ponto de sustentar a encarnação
da liberdade na história da sociedade européia, a defesa do propriedade privada e de que o
conceito produz a realidade. Esta sexta proposição é desenvolvida no livro A Ideologia
Alemã e quem desejar se aprofundar neste tema deve recorrer a ele e aos bons dicionários e
enciclopédias, apesar de concedermos que a disputa entre materialismo e idealismo não
seja de fácil solução, particularmente quando as questões de comunicação e de cultura
ocupam a frente dos meios de comunicação.

Este conjunto de proposições mostram que Marx, um intelectual da sociedade européia do


século XIX, deixou um caminho, um método que até os dias de hoje encontra respaldo.
Hoje em dia há uma grande tendência metodológica e epistemológica no sentido da
"certeza da incerteza" (Pedro Demo intitula assim um de seus recentes livros), de teorias do
caos (Prigogine e Stengers e meteorologista americano). "Até mesmo os clássicos da
economia política tinham de ser submetidos a uma crítica radical ... por omissão...
racionalização ideológica .. e justificação das características estruturais antagônicas do
modo sociometabólico estabelecido", escreve Mészáros (2009: 228). O papel da crítica é
revelar a circularidade dos argumentos, o fetichismo que esconde a compreensão real, a
ideologia que mistifica, como já escrevi anteriormente, permitir que a verdade apareça
como resultado da produção do conhecimento. Uma vigorosa contribuição metodológica
de Marx para os paradigmas científicos contemporâneos parece consistir em estabelecer o
princípio da crítica desapiedada e contínua no coração da análise da sociedade atual, de sua
estrutura, de sua operação, de suas contradições. A crítica é o sétimo selo, a sétima
proposição, em ordem de exposição, embora em ordem de produção do conhecimento,
deva ser a primeira.

DAVID ÉMILE DURKHEIM (Épinal, Lorena,  15 de abril de 1858 — Paris, 15 de


novembro de 1917) é também pai fundador da sociologia, entre outros clássicos. O papel
em consolidar a sociologia como ciência autônoma conduziu-o escrever "As Regras do
Método", no qual desenvolve uma teoria do objeto da sociologia, os fatos sociais,
(Durkheim, 1977: 1) e o método de pesquisa decorrente da escolha deste objeto.
Durkheim deve muito a seu conterrâneo, Augusto Comte, que elaborou mais do que
ninguém a teoria da ciência positiva. O positivismo valorizava muito a observação dos
18

fatos e de suas regularidades, com a qual seria possível construir leis. A questão do método
então torna-se um ponto crucial, dado o papel atribuído à observação e à explicação, que
permitem alcançar a objetividade e o controle externo por outro pesquisador. Seguidor de
Comte quanto à tese da ciência positiva, Durkheim não se furta a tecer uma crítica
duríssima a seu precursor por assumir uma Idéia como objeto de sua maior investigação na
Teoria do Três Estados. Para Durkheim, nesse aspecto também um anti-hegeliano, Idéias
não são objeto de análise sociológica, exceto quando se transformam em representações.
Objeto de análise sociológica são fatos sociais, generalizados e exteriores ao indivíduo,
possíveis pois de um tratamento científico, positivo.

"A primeira tarefa do sociólogo deve ser definir as coisas de que trata" (Durkheim, 1977:
30). O autor se refere à construção do objeto de pesquisa. Os objetos de pesquisa
costumam chegar aos olhos do pesquisador já envoltos em leituras epistemológicas
anteriores construídas pelas instituições sociais que ordenam a vida social. Por esta razão,
Durkheim aponta para a necessidade de "construir inteiramente conceitos novos,
apropriados às necessidades da ciência e expressos como o auxílio de uma terminologia
especial" (Durkheim, 1977: 32). A definição do objeto da pesquisa envolve uma
delimitação empírica e ao mesmo tempo uma construção teórica. A ciência se constrói no
campo teórico na medida que problemas teóricos vão sendo suscitados. A crítica impiedosa
às formulações existentes na academia, na prática cotidiana, na literatura existe,
especialmente a especializada, é um passo imprescindível para a construção de projetos de
pesquisa que permitem superar formulações e interpretações sustentadas por intelectuais e
avançar o conhecimento.

"É preciso afastar sistematicamente todas as pré-noções" (Durkheim, 1977: 27) . O


objetivo desta regra é fazer com que o pesquisador não parta de noções e conhecimentos
correntes na sociedade, que o deixariam em uma situação viciada. A crítica às pré-noções
apresenta larga trajetória no campo das ciências humanas e sociais. Pode ser encontrada no
cerne da dúvida metódica de Descartes, mas foi mais largamente elaborada por Francis
Bacon, ainda no século XV. Durkheim escreve que esa "libertação é particularmente difícil
em sociologia" (Durkheim, 1977: 28) seja por razões afetivas, seja por razões de que antes
de existir sociologia, já existiam conhecimentos e interpretações sobre a sociedade. A
ruptura com o senso comum é uma constante nos autores franceses. Autores modernos
19

como Bachelard e Bourdieu são mais radicais neste respeito e empregam expressões
duríssimas tais como que a sociologia se constrói contra o senso comum, o que pode ser
lido como um exagero pois o senso comum também constrói conhecimentos corretos e
como uma auto-indulgência com o conhecimento científico e suas formulações
ideologizadas e equivocadas. Como será visto mais à frente, existe também entre autores
pós-modernos um entendimento de que a relação a entre ciência e senso comum deva
passar por uma dupla ruptura: a da ciência e a do senso comum. Neste aspecto, pode-se
avançar para além de Durkheim e dizer que a ciência se constrói contra ela própria e contra
o senso comum, uma vez que ambos podem ser portadores de conhecimentos equivocados
a respeito dos fatos sociais.

"A ciência, para ser objetiva, não deve partir de conceitos que se formaram sem ela, mas da
sensação" (Durkheim, 1977: 37) Esta regra decorre do lugar dos conhecimentos populares
na formação de conceitos. Para superar esta dificuldade, Durkheim sugere o acesso às
"sensações", isto é ao mundo concreto, ao real concreto. Ele pondera que "a sensação é
facilmente subjetiva" (Durkheim, 1977: 38), o que contrariaria seu princípio fundamental
quanto à objetividade do conhecimento produzido. Por isso, sugere controlar os elementos
da subjetividade e ampliar os espaços de objetividade. "É de regra nas ciências naturais
afastar os dados sensíveis que podem estar muitos ligados ao observador, para reter
exclusivamente aqueles que apresentam um grau suficiente de objetividade" (Durkheim,
1977: 38).

Ao concluir As Regras do Método Durkheim (1977: 123-128) aponta três características


gerais que sua contribuição dá para a institucionalização do campo sociológico. Elas
promovem: a) a independência da sociologia perante a filosofia e os partidos políticos; b)
a objetividade por tratar os fatos sociais como coisas; e c) a sociologia como ciência
autônoma por explicar fatos sociais por meio de características sociais. Em consonância
com estes grandes aportes, faz-se necessário apresentar uma síntese dos atos epistêmicos
básicos que o autor propõe em relação ao método sociológico. A teoria dos fatos sociais
será acessada apenas à medida em que permite compreender o método essencialmente
definido pelos seguintes atos: os fatos sociais são observados e explicados.
20

Definido o problema da pesquisa, os fatos precisam ser observados de forma objetiva Para
serem observados objetivamente, escopo maior de uma ciência positiva, precisam ser
tratados como se coisas fossem, afastando-se pré-concepções e subjetividades e
agrupando-os segundo caracteres comuns. A observação inclui ainda a regra da distinção
dos fenômenos entre normais e patológicos, a exemplo do tratamento da criminalidade
como fenômeno social normal. Essa regra não se aplica necessariamente a todos os casos
estudados, dependendo muito do problema abordado. Há um segundo procedimento que
Durkheim recomenda como importante no processo de desenvolvimento do conhecimento
sociológico, e cuja herança provém dos estudos de biologia, e que é a classificação e
constituição dos tipos sociais, que se encontra exemplificado pelos tipos construídos no
estudo sobre O Suicídio.

Além de observados os fatos sociais são explicados. Com vistas a institucionalização da


sociologia, impõe-se que os fatos sociais sejam explicados por meio de outros elementos
componentes da estrutura social. A preocupação com a objetividade da explicação impõe o
critério da explicação causal, não apenas a associação entre fatos. Mas como comprovar as
explicações? É necessário administrar provas. Nesta etapa crucial, prevalece o uso do
método comparativo que permite alcançar um objetivo algo parecido com a
experimentação, critério máximo nas ciências empíricas, mas impossível de ser aplicado
integralmente em sociologia, resultando, portanto, em uma experimentação indireta. Tal a
importância do método comparativo para Durkheim (1977: 121) que, ao comentar o
método comparativo, chega a escrever que 'a sociologia comparada ... é a própria
sociologia, na medida em que deixa de ser puramente descritiva e aspira a explicar os
fatos".

KARL EMIL MAXIMILIAN WEBER (Erfurt, Turingia, 21 Abril 1864 –  Munique, 14


Junho 1920). Weber tem um ponto de partida diferente de Marx e Durkheim quanto ao
objeto da pesquisa sociológica e o método que lhe convém. Marx critica o método da
economia política que parte das categorias empíricas mais superficiais, crítica, ao mesmo
tempo, o empiricismo e o idealismo conservador que o positivismo estava consagrando na
primeira metade do século XIX como normas científicas. Substantivamente, Marx pretende
realizar a crítica da economia política como um todo e como um sistema universal.
21

Durkheim parte da crítica ao senso comum, ancorado na tentativa de Comte de construir


um conhecimento científico positivo, assim como na dúvida metódica de Descartes e na já
secular investida de Bacon contra os ídolos e os prejulgamentos e pretender alcançar o
conhecimento objetivo, centrado nos procedimentos da observação e da explicação. Ocorre
que para Durkheim o objeto da sociologia não são as estruturas e os sistemas e sim os fatos
sociais e tal definição altera substancialmente os procedimentos aceitos como legítimos
para a pesquisa. Em Weber encontra-se também a crítica ao positivismo pela incapacidade
que ele apresenta de organizar um argumento de validade geral, uma vez que os valores
estão na raiz da escolha de um dado empírico. O método demonstrativo não aduz à
pretensão positiva argumentos irrefutáveis. Por outro lado, Weber também não cede a um
dedutivismo, a partir de formulações de leis gerais que seriam alcançadas nas ciências
naturais, mas impossíveis de serem formuladas nas ciências sociais. Sendo a sociologia,
para Weber, a ciência que busca compreender e explicar a ação social, esta categoria de
ação assume um lugar central e determina os procedimentos metodológicos que o
pesquisador deve empregar.

As ciências sociais possuem uma maneira diferente de conceber a construção do


conhecimento do que as ciências naturais. Em função da especificidade do objeto, a
natureza para as ciências naturais, aplicar-se-ia uma estratégia de visando descobrir leis
gerais e como operam. Diferentemente são as ciências sociais, inclusas nessa categoria
ciências humanas, nas quais o processo de conhecimento procede pela via da compreensão
do sentido das ações. Compare-se, a título puramente ilustrativo, a potencialidade de
conhecimento de uma explosão vulcânica com uma revolução social. Na mãe terra, a
explosão vulcânica obedece a fatores determinantes do calor, da pressão interna do magma
efervescente e da composição da crosta terrestres e suas fissuras. Nestas condições, seria
possível aplicar um modelo em que o objeto de conhecimento, por mais vivo que possa
parecer, inclusive com a capacidade de explodir, atem-se a regularidades que podem não
apenas ser descritas mas analisadas, interpretadas de modo a poder alcançar a capacidade
de antecipação, quando isto é possível, pois sabe-se que até hoje as veleidades da
atmosfera recusam-se a ceder aos modelos matemáticos mais sofisticados, o que lhes
acarretou a designação de ciências do caos. Na sociedade, os grupos sociais e os
indivíduos que participam da revolução, em primeiro lugar, não apresentam o mesmo tipo
de regularidade, sujeita à repetição. Os indivíduos, cujo comportamento é objeto de
22

pesquisa, são seres extremamente complexos, dotados da capacidade de escolha e de


decisão, são elementos integrantes da condição de liberdade, condição somente encontrável
entre seres humanos. Os humanos, além disso, determinam realizam escolhas e as fazem
movidos por valores, por objetivos e metas a alcançar. Involucrado nestes fatores, o
conhecimento sobre os objetos das ciências humanas e sociais, pode ser alcançado mas por
meio de outros caminhos, pelo caminho da compreensão do sentido das ações humanas.

Na Introdução à edição da Metodologia das Ciências Sociais, publicada pela Editoras


Cortez e UNICAMP, Maurício Tragtenberg, grande especialista no clássico alemão,
escreve, adequadamente, que "Weber situa a sociologia como a ciência da ação social"
(2001: XLV). Eleger a ação social como objeto tem dupla implicação: estabelecer a forma
de interpretação a partir de uma ótica individualista, conformando o individualismo
metodológico, e limitar o objeto de estudo da sociologia aos contornos da ação.
Estabelecendo o foco na ação o pesquisador deseja compreender o sentido que ela tem. A
ação que é objeto do conhecimento científico sociológico é ação do indivíduo que carrega
sentido para o outro. A ação que tem interesse para a sociologia compreensiva depende de
três critérios. "é um comportamento que: 1) está relacionado ao sentido subjetivo pensado
daquele que age ...; 2) está co-determinado por esta referência significativa; e 3) pode ser
explicado pela compreensão a partir deste sentido mental" (Weber, 2001: 315).

Como a ação que é portadora de sentido é a ação do indivíduo, então surge a dificuldade a
respeito de coletivos como Estado e cooperativas, que dependem da interpretação das
ações individuais. Noutro lugar, Weber desenvolve mais esta discussão estabelecendo que
faz parte também da ação que é objeto da sociologia, as ações de 'instituição' e de
'associação' (Weber, 2001: 341-345). É possível pensar em ação institucional e ação
associacionista. O Estado, a Igreja, a família, são regidas por estatutos formais,
socialmente regulados "Na civilização moderna, quase todo o agir em associação é
regulamentado, pelo menos parcialmente, por regulamentos racionais" (Weber, 2001: 343).
Com isto, a ação se desprende da campo do indivíduo e se expande para o coletivo, o
agregado. Ação deixa de ser individual e passa a ser pensada em termos gerais. A despeito
dessa possibilidade de ascender do individual para o coletivo, permanece ainda como
problema nesta interpretação da ação como objeto da sociologia, a "ação" da classe social e
23

do grupo não institucionalizado ou associado, portanto não portador de estatuto, mas


fundamental para o entendimento da sociedade.

O comportamento humano “revela conexões ... que podem ser interpretadas pela
compreensão” (Weber, 2001: 314). Tais regularidades podem estar vinculadas a inúmeros
motivos, razão pela qual sua interpretação se torna extremamente complexa. O problema
está em como entender o significado das ações sociais. Não é do mesmo modo da
regularidade da ação da natureza, no exemplo dado, a explosão do vulcão. Não basta captar
a ação, o comportamento, o fato, do indivíduo ou da associação institucionalizada, é
preciso compreender o sentido que ela tem, a razão do agir. Dentre as mil possibilidades é
possível encontrar um ou vários sentidos que expliquem a razão de ser daquele agir. Não se
trata de uma compreensão subjetivista, ainda que a marca da interpretação subjetiva não
seja excluída. É uma compreensão que busca alcançar a objetividade e atender os critérios
de cientificidade que a comunidade dos pesquisadores requer nos diversos momentos da
história. É necessário produzir evidências que atestem a validade da interpretação, cujo
"grau máximo, indubitavelmente, encontramos na ‘interpretação racional com relação a
fins” (Weber, 2001: 314), ainda que a evidência não se restrinja só a questão da
racionalidade mas abranja também o campo dos afetos. “Para as disciplinas empíricas, os
limites do ‘compreensível” são flutuantes” (Weber, 2001: 314). Algumas questões tais
como êxtase e experiência mística “não são acessíveis, do mesmo modo como outros
processos, à nossa compreensão e à nossa explicação compreensiva”, o que não significa
que estes fenômenos escapam completamente ao esforço de explicação.

O instrumento preferencial para alcançar a objetividade do conhecimento consiste no


emprego da "comparação entre o processo real e o hipotético" (2001: XXIII), entre uma
situação real e uma situação idealmente construída. A comparação entre o real e o
hipotético é feita por meio da noção de tipo ideal. Os tipos ideais relacionam-se a conceitos
abstratos. São exacerbações de características só encontráveis em condições abstratas,
teóricas. Lançando mão da comparação entre o real (empírico) e o ideal (teórico), podem
ser encontradas proximidades e afastamentos, convergências, divergências, distâncias,
situações inesperadas, diferenças e outros resultados, ou como o próprio Weber escreve,
"desvios de um caso puramente racional" (1991: 5). O real jamais esgota o teórico.
24

O tratamento da estrutura lógica da formação de conceitos típico-ideais encontra-se no


texto sobre "A 'Objetividade' do Conhecimento na Ciência Social e na Ciência Política".
"Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou de vários pontos de
vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados,
difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo falta por
completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim
de se formar um quadro homogêneo de pensamento. É impossível encontrar empiricamente
na realidade este quadro, na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma utopia.... Este
conceito, desde que cuidadosamente aplicado, cumpre a funções específicas que dele se
esperam... Artesanato ... Grande indústria... Este quadro constituiria, então, uma tentativa
de traçar uma "idéia" da cultura capitalista" (Weber, 2001: 137-8). "A construção de tipos
ideais abstratos não interessa como fim, mas única e exclusivamente, como meio de
conhecimento" (Weber, 2001: 139). "Tem, antes, o significado de um conceito-limite,
puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo
empírico de alguns dos seus elementos importante e com o qual esta é comparada. Tais
conceitos são configurações nas quais construímos relações, por meio da utilização da
categoria de possibilidade objetiva, que a nossa imaginação, formada e orientada segundo a
realidade julga adequadas" (Weber, 2001: 140)

Weber, como aliás os demais clássicos da sociologia, defende a possibilidade de


objetividade no processo de produção do conhecimento. "A 'objetividade' do conhecimento
no campo das ciências sociais depende antes do fato de o empiricamente dado estar
constantemente orientado por idéias de valor, que são as únicas a conferir-lhe valor de
conhecimento, e ainda que a significação dessa objetividade apenas se compreenda a partir
de tais idéias de valor, não se trata de converter isso no pedestal de uma prova
empiricamente impossível de sua validade" (Weber, 2001: 153). Na questão da
objetividade tem lugar especial o princípio da causalidade efetiva. Por meio da rejeição da
auto evidência do conhecimento puramente empírico, mas também com a preocupação
com a objetividade, com a causalidade e outros procedimentos metodológicos, o autor
pretende alcançar um conhecimento compreensivo capaz de responder aos requisitos da
comunidade científica.
25

Os fundamentos metodológicos da Sociologia são apresentados em "Economia e


Sociedade", segundo uma ordem de onze itens, que apresentamos abaixo sintetizados, com
o objetivo de facilitar o entendimento do método compreensivo da ação social:

1. Como a Sociologia abrange o sentido da ação, primeiramente define-se o significado do


termo sentido, que é o sentido subjetivamente 'visado', que pode ser compreendido
empiricamente, e não o sentido 'correto' ou 'verdadeiro', mais utilizado pelo Direito.

2. Os limites entre as ações com sentido e um comportamento simplesmente reativo são


fluidos, não sendo necessário reviver uma ação para compreendê-la.

3. Toda a interpretação e a ciência em geral procuram produzir evidências racionais (lógica


ou matemática) ou intuitivamente compreensíveis (emocional).

4. Processos são entendidos como ocasião, resultado, estímulo ou obstáculo da ação


humana.

5. A definição de compreensão envolve: a) "a compreensão atual do sentido visado de uma


ação" e b) a compreensão explicativa pelos motivos" (Weber, 1991: 6). Neste mesmo item,
define 'explicação' como "apreensão da conexão de sentido a que pertence uma ação".

6. Retoma a noção de compreensão agora mais amplamente como "apreensão interpretativa


do sentido ou da conexão de sentido: a) efetivamente visado no caso individual, ou b) em
média" , no caso de massa. Discute ainda sobre a validade da interpretação causal, como
hipótese causal.
Introduz o procedimento ideal-típico para interpretar, entre outras coisas, leis empíricas.

7. Define 'motivo' como "uma conexão de sentido que, para o próprio agente ou para o
observador, constitui a "razão" de um comportamento quanto ao seu sentido" ((Weber,
1991: 8). Estabelece critérios para interpretação causal correta: no caso de uma ação
concreta, o desenrolar externo e o motivo são conhecidos de forma exata e compreensível;
no caso de uma ação típica, são adequados e podem ser confirmados em algum grau.
26

8. Processos e regularidade não cabem no âmbito da teoria da ação. Nem por isso são
desprezíveis para a sociologia. Este é um limite significativo da teoria da ação.

9. Retoma a tese do individualismo: "ação... existe unicamente na forma de


comportamento de um ou vários indivíduos" (Weber, 1991: 8). Como ficam então
coletivos como Estado, cooperativa, sociedade por ações e fundações? Para a interpretação
compreensível por meio da teoria da ação, estas categorias "nada mais são do que
desenvolvimentos e concatenações de ações específicas de pessoas individuais, pois só
estas são portadoras compreensíveis de ações orientadas por um sentido" (Weber, 1991: 9).
Da mesma forma que o item anterior, nem por isso devem ser ignoradas pela sociologia da
compreensão, por razões quase que evidentes.

10. Concebe 'leis' como "probabilidades típicas, confirmadas pela observação, de


determinado curso de ações sociais a ser esperado em determinadas condições e que são
compreensíveis..." (Weber, 1991: 11)

11. A sociologia constrói, preferencialmente, conceitos de tipos ideais, mas eventualmente


emprega tipos médios. Argumenta em defesa do uso da estratégia ideal-típica, assunto já
bastante desenvolvido acima.

A metodologia weberiana como assume que o objeto da sociologia é a ação social,


estabelece como método a compreensão do nexo de sentido . Compreender quer dizer
captar a conexão de sentido, que indica os motivos e as razões da ação, tornando-a assim
compreensivamente inteligível para o observador externo, inclusive. Para estabelecer uma
conexão de sentido não é necessário que o agente tenha consciência do sentido de sua ação,
basta que o observador o capte e interprete.

Deste ponto em diante o autor move seu discurso dos fundamentos metodológicos para a
teoria da ação social.
27

A NECESSÁRIA DIVERGÊNCIA METODOLÓGICA ENTRE CLÁSSICOS

O emprego da comparação relativamente a determinado objeto entre os autores clássicos


pode resultar em resultados interessantes para o pesquisador. Assim, Marx e Durkheim
podem ser tratados comparativamente como adeptos de uma mesma corrente holística, uma
vez que partilham de uma abordagem que destaca a perspectiva geral dos fenômenos sobre
as ações dos indivíduos e até mesmo das instituições. Os limites dessa comparação são,
entretanto, logo percebidos, a começar pelo fato de que Durkheim, assim como Weber,
mantinha severas restrições ao socialismo, sendo Durkheim adepto de um certo tipo de
corporativismo, ao passo que Marx era um convicto proponente de um projeto socialista.
Outro caso exemplar consiste no pressuposto comum compartilhado por Marx, Durkheim e
Weber de que o conhecimento científico é substantivamente diferente do conhecimento
propiciado por outros modos de reconhecer a sociedade e a natureza, entre os quais,
religião, arte, conhecimento prático, sortilégio e outras formas. Comparações por
acréscimo de convergências e por indigitação de diferenças leva a resultados promissores,
seja teórica seja metodologicamente. Entre os elementos diferenciadores, é imprescindível
ressaltar para balizar a questão metodológica, quais são os objetos substantivos de estudo
e pesquisa para cada autor: em Marx, o todo contraditório; em Durkheim, o fato social; em
Weber, a ação social. Nisso reside a origem do nó górdio do método, entre os clássicos da
sociologia.

Após sintetizar de maneira rápida os três clássicos do campo da sociologia, uma


decorrência da relação entre o objeto e o método sobressai entre eles. A sentença de
método por método não tem grande aceitação no campo das ciências sociais. Método
ganha sentido e função ao estar vinculado a um objeto de pesquisa. Entre os clássicos os
objetos de análise das ciências sociais não são entendidos da mesma forma, como
demonstrado no parágrafo anterior. Por isso, necessariamente os métodos diferem entre
eles, como também diferem os pressupostos epistemológicos que as identificam e lhes
conferem determinada coloração e natureza. Não seja tal avaliação oportunidade para abrir
fossos ainda mais intransponíveis entre autores já distintos por tantos outros pontos. Há
pontos de convergência na forma do método, ainda que superficialmente: ênfase de que os
objetos de pesquisa devam ser problematizados e que essa problematização tenha
fundamentos em distintas interpretações teóricas, que, a partir da problematização e de
28

distinta maneira de interpretar teoricamente uma questão possa-se chegar a distintas


hipóteses, as quais devam ser submetidas aos mecanismos convencionais de aceitação e de
rejeição pela via da análise lógica e teórica e pela via da observação factual.
ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS SOBRE MÉTODO

Como o método depende de supostos de mais elevado grau de abstração relativos à


produção do conhecimento (Sanchez Gamboa, 1998), na contemporaneidade distintas
abordagens ocupam lugar na cena do conhecimento.

Nas ciências da atmosfera nasceu a noção de caos, que adentrou outras áreas de
conhecimento como a bioquímica e a física (Prigogine e Stengers, 1984) com a noção de
caos ordenado. A noção de caos inviabiliza completamente a relação de determinismo e
produz implicações sobre categorias tão importantes quanto verdade e conhecimento
verdadeiro. A noção absoluta de caos cria dificuldades para a inteligibilidade da ciência,
por isso os autores costumam atuar com a noção de caos determinado, para indicar espaços
dentro dos quais o determinismo e a causalidade operam, do contrário nos encontraríamos
completamente perdidos quanto à produção de qualquer conhecimento consistente.
Prigogine trabalha com a proposta de construir uma nova aliança entre os humanos e a
natureza, entre os humanos e o universo, uma relação que não coloque o homem como
dominador mas dentro de uma perspectiva de que está tão implicado quanto os demais
componentes do universo que o cercam e que o envolvem. Também para os físicos e
químicos, coloca-se pois a questão a incerteza, o problema da verdade.

Se no campo das ciências naturais, biológicas e exatas, admite-se a importação de


categorias das ciências sociais para descrever fenômenos como a evolução do universo e
sua história, no campo das ciências sociais a profusão de problemas alçados no processo de
produção de conhecimentos é possivelmente maior do que nas outras ciências. Não se trata
de admitir apenas que as ciências sociais são intrinsecamente ciências do instável e do não
determinismo, como também em nos apoiando na profusão de novas tentativas de formar
modos de entender o conhecimento e a relação do pesquisador com o conhecimento e com
a sociedade que o cerca.
29

Pedro Demo, professor do Departamento de Sociologia da UnB, expressa de maneira


muito viva as peripécias das ciências sociais e, por extensão, de todo o mundo das ciências,
no livro que tem por título “Certeza da Incerteza”. Se no passado buscava-se na ciência e
no poder de seu método científico a estabilidade da certeza dos conhecimentos, no tempo
contemporâneo avivou-se profundamente a reflexividade a respeito de que somos humanos
e nos resta contentar-nos com nossas limitações específicas de humanos.

Antes dele e ancorado em outra tradição de conhecimento, a de corte eminentemente


europeu com algumas pinceladas norte-americanas, Boaventura de Souza Santos realizara
a trajetória através das formas de produzir conhecimento centradas no construtivismo
bachelardiano e que atingira, segundo ele, o ápice do que é possível chegar em termos de
construção pela via da primeira ruptura. Santos busca após esta constatação e crítica
edificar sua visão de ciência, que denomina melancolicamente de ciência pós-moderna,
atraindo para dentro de sua proposta toda a carga negativa da construção pós-moderna
como a conhecemos. A noção de ciência como argumentos que convencem, como uma
linguagem que é trabalhada de acordo com argumentos que produzem um determinado
conhecimento e por conseqüência uma determinada validação e uma determinada
legitimidade para o conhecimento estabelecido. A teoria argumentativa da ciência
aproxima-se de alguma maneira da construção habermasiana, também centrada sobre o
discurso e sobre a legalidade e legitimidade do discurso, quando os atores sem despem de
seus preconceitos e de todas as tomadas de posição. Santos contribui com outras noções
entre eles a de platéia, que confere a legitimidade e as regras para o círculo envolvente,
seja o círculo dos pares seja o círculo da sociedade em geral.

Boaventura é um autor contemporâneo que tenta fazer uma leitura de larga envergadura
(compreendendo pelo menos trezentos anos da história da ciência mundial) sobre o curso
da ciência. Nestes trezentos anos, o modelo epistemológico de compreender o mundo, a
sociedade e a natureza, tende a alterar-se, em função de que a maneira de compreender tais
identidades alterou-se de um conhecimento do certo, do verdadeiro, do empírico, daquilo
que pode ser formulado em leis de validade universal, para o complexo, o incerto e que se
celebra entre os agentes da ciência e os agentes do senso comum. Santos chama a transição
do paradigma da ciência universal para o paradigma da ciência pós-moderna.
30

Na mesma época e servindo de base a Santos, o físico químico Prigogine escreve sobre a
mesma mudança de paradigma que ele mais recatadamente chama de metamorfose e a qual
propiciaria uma nova aliança entre os seres humanos e a natureza. Prigogine e Stengvers
argumentam que o paradigma newtoniano de fazer ciência apresenta aquisições definitivas
mas que a idade de ouro de ciência clássica passou. O esquema newtoniano assenta-se
sobre a regularidade, a experimentação, o método matemático, as leis universais, o
determinismo, a reversibilidade. Estes postulados gerais da ciência envolviam também uma
concepção sobre a relação entre a sociedade e a natureza no sentido da expressão bíblica
'dominar a terra'. Esta relação apresenta muitos problemas: o primeiro deles sendo que a
dominação da natureza acompanhou passo a passo sua destruição, colocando em risco a
sobrevivência humana. De outra parte, esta ciência positiva com seus retumbantes sucessos
pode ser concebida em função de outras descobertas como aplicando-se para determinadas
regiões do universo enquanto que para outras aplicar-se-ia um outro tipo de concepção
científica. além da contribuição que lhe valeu o prêmio Nobel, no campo das flutuações
físico-químicas, Prigogine apóia-se muito na biologia, pela evolução, e nas ciências
sociais, para cujos desenvolvimentos certas categorias são importante, entre elas, a noção
de tempo, história, mudança, metamorfose. Aproxima-se da noção de caos que é produtor
de ordem, de probabilidades e mesmo de irreversibilidades, explorando limites de
conceitos clássicos. Nas ciências sociais, o pensamento complexo de Edgard Morin parece
se aproximar das noções de Prigogine de uma metamorfose da ciência.

Se for correta a argumentação de Prigogine e de Santos, ter-se-ia uma crise inevitável da


ciência em geral e não apenas das ciências sociais em direção a uma concepção mais
próxima aos seres humanos.

Santos procura pressupostos da ciência pós-moderna na crise do positivismo e dos


propostas racionalizantes, nas quais seria possível construir uma segunda ruptura
epistemológica dos padrões acadêmicos em direção aos padrões do senso comum. Em
termos substantivos, Santos defende uma teoria dos direitos construídos através dos
movimentos sociais. Entende que o socialismo foi esfacelado a partir da queda do muro e
pela proposta de socialismo de mercado e que portanto não se mostra viável como
alternativa. Mostra-se a favor de uma descolonização da ciência, tese formulado há muito
tempo nas ciências sociais e retomada com renovado vigor por no relatório da Comissão
31

Gulbenkian para renovar as ciências sociais. Tenta construir possibilidades dentro do


sistema hegemônico do capitalismo, questionando os elementos que impedem a afirmação
dos direitos das minorias, das mulheres, dos negros, dos índios, da ecologia, da natureza.
Assume que mudanças fora do capitalismo não encontra nenhum outro critério de
sustentação que não uma entre n possibilidades que a história oferece. Dentro do
capitalismo e com ele, nada contra ele, trata-se de ampliar o espaço dos direitos e da
democracia por meio dos movimentos sociais e a exemplo do Fórum Social Mundial.

Mencionado o argumento habermasiano, ele atrai para si a atenção por criar uma
perspectiva argumentativa, que é resolvida pelo melhor argumento em uma sociedade em
que o valor argumentativo é elevado à primeira posição de destaque. Apoiando-se no poder
do argumento para convencimento, Habermas apela também para o entendimento de
relações de incerteza no conhecimento.

Outro autor do campo da sociologia que costuma ser muito mencionado como propugnador
de importantes mudanças no processo de produção do conhecimento é Edgar Morin. Morin
trabalha com noções tais como do pensamento complexo para o qual se define toda uma
metodologia de pesquisa. Eduardo Vasconcelos (2002) desdobra-se em exemplificar e
explicar a forma de aplicar corretamente a noção de complexidade, certamente distinta
daquela que uma primeira leitura do termo possa conduzir.

Grande nome da sociologia internacional, Pierre Bourdieu ilumina o momento


contemporâneo não apenas com suas noções mais amplas de campo científico, como
também pela explicitação de uma metodologia com fundamentos e bases em Bachelard e
nos clássicos da sociologia. A preocupação de Bourdieu é fundamentalmente com os
pressupostos epistemológicos do conhecimento. Esta organização do método em termos da
epistemologia da construção bachelardiana caracteriza a primeira fase de seu
conhecimento, em que sobressai a noção de vigilância epistemológica, como controle mais
eficiente e mais eficaz para os problemas que a produção de conhecimento apresenta ao
pesquisador. Juntamente com seus colegas filósofos Jean Claude Chamboredon e Passeron,
ao início da carreira, assumiu a defesa ortodoxa do racionalismo crítico num livro que se
tornou clássico pela síntese dos procedimentos metodológicos e, em decorrência disso,
alcançou fantástico número de reedições. Para que essa crítica não permaneça inócua e
32

desprovida de sustentação, veja-se o distanciamento que os três autores estabelecem entre


conhecimento cientifico e senso comum. Em toda a tradição filosófica ocidental, sempre se
entendeu o conhecimento crítico diferentemente do senso comum. ambos podendo ser
portadores de verdade ou de erro, em proporções diferentes uma vez que o conhecimento
científico é feito com esta finalidade. Todavia, a afirmação rígida de que o conhecimento
científico dá-se CONTRA o senso comum é uma sentença que representa o ápice de um
modo de conceber entre os tipos de conhecimentos humanos, que é representado pelo
racionalismo crítico (na expressão de Boaventura Santos). Tal sentença exclui qualquer
possibilidade de conhecimento verdadeiro que proceda originariamente do sentido prático.
É um radicalismo verdadeiramente juvenil, porquanto os maiores óbices para o avanço do
conhecimento possivelmente decorram do próprio conhecimento científico.

Ao final de sua carreira Bourdieu se preocupa com problemas mais de técnicas de


pesquisa, entre os quais a dificuldade de controlar os diferenciais culturais entre sujeitos
pesquisadores e sujeitos entrevistados pela pesquisa. Diante da ineficácia de outro
argumento, Bourdieu apela para a vigilância epistemológica, que nós poderíamos converter
mais explicitamente em vigilância metodológica e vigilância técnica. A biografia de
Bourdieu (Esquisse pour une auto-analyse) revela outra faceta de seu método de construir
conhecimento, do entendimento da existência de uma relação umbilical entre teoria e
empiria e que a teoria se esclarece, se completa e se expande por meio de um trabalho de
campo exaustivo e tecnicamente bem construído. Além de rever o lugar do senso comum
na pesquisa, como se pode depreender do reconto que faz no livro Le bale des célibateurs.

Outras clivagens na produção do conhecimento são explicitadas por algumas preocupações


com as mudanças contemporâneas. Primeiramente, a ótica e o movimento feminista
começa a levantar questões quanto à existência de um método de construir conhecimento
diferenciado ou influenciado pela categoria gênero. Em segundo lugar, o mesmo tipo de
raciocínio se aplica aos estudos de raça ou etnia ou cor da pele, que reivindicam
igualmente peculiaridades próprias por se tratarem de condições de segmentos e grupos
sociais discriminados. Em relação a isso, deve-se atentar para a importância de noções
como grupos sociais silenciados tem para a construção de um saber sociológico. Os
estudos de história não conseguem dar conta do papel dos cidadãos comuns nas produções
de conhecimento. A invisibilidade de certos atores na construção da história nos deixa
33

encostados contra as paredes à busca de um suporte. Mesmo assim a invisibilidade dos


cidadãos na história é problema ao nível do conhecimento que merece debate e
recuperação

Como se observa a partir destes elementos pontuados, a questão do método que parece
estar completamente sedada, embevecida, embebedada, manifesta toda a sua pujança,
ainda mais que as ciências sociais são pródigas quanto às preocupações com os aspectos da
legitimação metodológica.

PRESSUPOSTOS DA PESQUISA

Aos dias de hoje, a pesquisa aparece entre outras coisas, como um instrumento para
manipulação e justificativa do e para o poder político. O poder catalisador da pesquisa,
como a maneira adequada de fazer ciência, sofre modificações bruscas e rápidas. Através
delas, se manifesta com mais clareza, não obstante a posição de muitos pesquisadores em
contrário, a relação íntima da pesquisa com a ideologia do pesquisador, com a ideologia do
poder constituído, com os interesses amplos da sociedade.
34

Portanto, ao tratar dos pressupostos da pesquisa em geral e da pesquisa quantitativa em


particular, torna-se importante elaborar sobre condições comumente não associadas com a
pesquisa, mas inseparáveis dela.

Há duas ordens de fatores que precisam ser discutidas intensamente: por um lado, os
aspectos sociológicos da pesquisa que acompanham as transformações dia a dia da
pesquisa nos lançam dentro das relações da pesquisa com a sociedade; por outro, os
pressupostos lógicos e teóricos, que nos inserem dentro do reino da pesquisa como ciência.

O aspecto lógico e teórico é aquele no qual os livros insistem mais e com razão, porquanto
a pesquisa se destina à produção de ciência. Os aspectos sociológicos quase não aparecem
nos livros técnicos, porque são elementos externos à pesquisa como meio de produzir
ciência. Como externos, são a lama na qual ninguém quer sujar as mãos. De fato, sempre
nos “sujamos” nisso, porque a pesquisa tem um cunho político.

PRESSUPOSTOS SOCIOLÓGICOS

O lugar da fala. A nacionalidade, a cultura, a cor da pele, o sexo, a origem social e outros
tantos atributos sociais do pesquisador tem a ver com pesquisa? De que maneira tais
características identitárias influenciam a pesquisa? Em suma, trata-se de pensar sobre a fala
do pesquisador, sua autoridade, sua legitimidade. Manuais antigos de pesquisa
recomendavam a neutralidade científica. Manuais recentes conhecedores da
impossibilidade de uma atitude completamente neutra sugerem uma postura de auto
controle constante, a chamada vigilância epistemológica. Por meio dela seria possível
controlar as pré-noções de que tanto falaram os filósofos mestres da ciência. Mas estas
forças identitárias são em grande medida incontroláveis por que fazem parte do modo de
ser da pessoa, fazem parte do corpo e da mente do pesquisador. Os sociólogos como os
demais cidadãos carregam a herança de um país, de uma cultura, de uma classe social, de
35

seu sexo, de sua cor da pele, de sua religião, máculas tão irremovíveis como se foram o
pecado original. Muitas correntes da história da sociologia pugnaram favoravelmente a
uma agudização da consciência como forma de explicitar pressupostos menos visíveis e
mais profundos que perturbam a consideração dos objetos de pesquisa. Boaventura Santos
chega mesmo a ridicularizar os esforços da chamada sociologia reflexiva na explicitação
dos pressupostos escondidos sob as boas intenções do pesquisador. Seria algo como uma
catarse freudiana, que psiquicamente cumpriria um papel restaurador, mas que não
permitiria objetivamente escapar ao cerco dos pressupostos. Historicamente a sociologia
reflexiva preencheu um papel importante de levantar o véu sob os pressupostos mais
recônditos. Nenhum sociólogo é anjo. É apenas um profissional que conhece mais a
respeito de uma área de saber e tem domínio sobre as maneiras de produzir conhecimentos.
A uma atitude de vigilância contínua deve ser acrescida a necessidade da exposição à
crítica social como forma de contornar essas forças identitárias.

Ainda hoje encontramos o pesquisador que trata a pesquisa artesanalmente, em pequena


escala, como o produtor simples de mercadoria trabalha. A pesquisa individual, com
recursos próprios, em pequena escala seguramente deve continuar no futuro e constitui
condição de flexibilidade e autonomia para alguns pesquisadores.

Não é esta a tendência dominante no seio da sociedade brasileira. Com a criação pelo
Estado, por organizações privadas ou semi-públicas de fundos especiais, a pesquisa
começa a sofrer transformações estruturais. Passa a aumentar em escala, os projetos
envolvem cada vez maiores recursos fixos e de pessoal.

Ao nascer a pesquisa em escala, nasce também o pesquisador profissional, vivendo da e


pela pesquisa. Na pesquisa artesanal, o cientista não pode se definir como pesquisador
profissional. Ele é um professor que faz pesquisa, um doutor que também faz pesquisa mas
não é um pesquisador por profissão porquanto a pesquisa não permite que viva dela e por
ela.

A produção de pesquisa em larga escala, processo que acompanha a concentração de


capitais, a crescente monopolização da economia e um acentuado papel do Estado,
36

engendra um novo tipo social, uma nova categoria profissional, a do cientista, pesquisador
profissional e a do charlatão mas igualmente pesquisador por profissão.

Seria sociologicamente deformada a identificação da emergência do pesquisador


profissional como elemento principal ou único da transformação estrutural do modo de
fazer pesquisa. Juntamente com ela, vários outros segmentos emergiram: são os auxiliares
de pesquisa, são aqueles que prestam serviços administrativos, são os burocratas e os
administradores. Enfim, trata-se da emergência de grupos sociais em uma linha de
produção de conhecimento, cuja existência encontra razão de ser no crescente poderio
econômico que sustenta o empreendimento de pesquisa em escala.

Acompanhando as transformações acima mencionadas, o empreendimento da pesquisa está


passando em nossos dias por profundas modificações: sua forma organizacional passa a ser
a de empresa.

O caráter empresarial da pesquisa costuma ficar latente na medida em que o Estado é o


grande financiador de pesquisas e este emerge dentro de vastas estruturas burocráticas,
como as universidades, os ministérios, os institutos de planejamento e desenvolvimento
que os vários estados criaram e que são os grandes empregadores de sociólogos,
economistas, urbanistas, arquitetos, psicólogos, educadores, etc...

A marca empresarial que se manifesta primordialmente através do lucro e da produtividade


no empreendimento, privado, emerge dentro de próprias estruturas burocráticas como a
universidade. Aí se exige a produção e a produtividade. Os fundos precisam ser
empregados, não obstante o objeto da pesquisa deixe muito a desejar quanto à pergunta
“por que pesquisar isto e não aquilo?”.

O fato de grande parte da pesquisa ser feita em instituições de larga escala, no presente
momento, precisa ser entendido dentro de uma perspectiva de divisão do trabalho e de
especialização de funções. É provável que a tendência à especialização e a divisão de
trabalho se aprofunde, resultando em unidades com possível maior autonomia de ação, mas
com integração vertical ou horizontal também maior.
37

Os resultados da pesquisa e ela própria sempre se apresentaram como uma mercadoria,


contendo, portanto, um determinado valor de troca, além de sua significação específica
como produção para o avanço da ciência. Mesmo quando o pesquisador era um diletante
ou quando a pesquisa se fazia em base artesanal, dificilmente podemos conceber que os
indivíduos pesquisadores produzissem valores para uso e consumo individual. A pesquisa
em geral se faz para ser distribuída. Como tal ela tem potencialmente um valor de troca,
enquanto envolve o consumo de um determinado tempo de trabalho social e aplicação da
inteligência. Na pesquisa aplicada, com aplicação direta na indústria, no comércio, nos
serviços, este valor de troca passa de latente para se tornar também manifesto.

O valor de troca inerente à pesquisa científica, a pesquisa como mercadoria, deverá se


manifestar ainda mais claramente se a especialização e a divisão de trabalho formarem
uma tendência e não somente probabilidade ou miragem.

O caráter de mercadoria da pesquisa tende a passar despercebido a nossos olhos. Vemos a


pesquisa em seu lado ideal como elemento do avanço da ciência, sem degradá-la ao nível
da cobiça, do poder e das paixões. Mas, este lado não pode ser esquecido sob pena de
perdermos completamente de vista o caráter empresarial da organização de pesquisa.

Analisando através desse ângulo abre-se caminho para um dos problemas mais difíceis: a
relação da pesquisa com o poder.

Existindo dentro de paredes sólidas de grandes instituições, a pesquisa em larga escala


emerge burocratizada. Não se trata de acentuar aqui as implicações negativas quanto ao
desempenho.É antes mais frutífero ver a burocratização pelo ângulo da padronização dos
“métodos e das técnicas”, singularizando quais os mais indicados e úteis para tal pesquisa.
Aqui reside um elemento que tende a cortar e inibir a criatividade dos pesquisadores, na
medida em que determinados modelos são arvorados como o padrão da pesquisa bem
sucedida. Vale dizer, eles coagem para dentro das normas socialmente vigentes. E
penalizam os dissidentes ao não repassar fundos de pesquisa.
38

A faceta da pesquisa pode ser vista ainda de outro ângulo: a ascensão de pesquisadores a
administradores de pesquisa. Emerge, então, a circunstância específica da organização
burocrática em que a organização se descola dos seus componentes mais fundamentais.

A perspectiva histórica e de mudança social da discussão conduz a um elemento crucial


nessas transformações: as fontes de recursos para a pesquisa. Na medida em que o
pesquisador trabalhava artesanalmente, os custos relativamente baixos podiam ser
absorvidos dentro da capacidade aquisitiva dos próprios pesquisadores “não-profissionais”.

A pesquisa em larga escala industrializada, porém, só se entende com fundos alheios à


pessoa, isto é, numa estrutura empresarial.

Quem são os financiadores das pesquisas? Dois principais: o Estado e a empresa privada; e
outros menores, os sindicatos, as associações, as ONGs. Especificando mais:
universidades, fundações públicas e privadas, instituições de amparo e fomento à pesquisa,
ministérios, secretarias. Existem ainda grupos internacionais, grande parte deles ligados a
entidades privadas ou fundações ou mesmo a setores públicos.

A comodificação da pesquisa e o controle pelo Estado das fontes de financiamento têm


como conseqüência determinar o que deve ser e o que não deve ser pesquisado. São as
instituições que colocam os fundos à disposição da pesquisa que estabelecem os limites
dentro dos quais a verba deva ser aplicada. Tais decisões podem provir de administrações
que pelo menos consultam suas bases ou que simplesmente se baseiam no poder
burocrático da tomada de decisão.

Talvez a implicação mais profunda das recentes transformações é nos objetivos da


pesquisa. Como ela se transformou em mercadoria, importa fazê-la circular como qualquer
outra mercadoria. Em conseqüência, por um lado, ninguém se lança à produção dessa
mercadoria senão através do pagamento, e na medida em que esta condição esteja
preenchida, fica relegado a segundo plano qual a pesquisa propriamente dita e os
resultados dela.
39

Por força da burocratização e da mercantilização de pesquisa a disputa pelos fundos


aplicáveis a pesquisa se acirra. Idealmente temos em mente que a pesquisa a ser financiada
é a melhor, em termos qualitativos. Indubitavelmente a par dessa consideração, outros
fatores se tornam tão ou mais relevantes do que aqueles. Por exemplo, o conhecimento e o
convívio pessoal com os administradores das agências de financiamento, o prestígio
pessoal e dos centros aos quais alguém está vinculado.

Associado a este ponto, estão dois outros: a própria pesquisa passa a desempenhar
importante papel como elemento do poder. Por autoritário que seja, o Estado mantém
investimentos em pesquisa não como elemento de concessão a grupos contestadores, mas
porque retira dividendos políticos e institui mecanismos de controle social.

A análise do quadro social bastante tétrico do que venham a ser os “fatores externos” à
pesquisa e suas implicações permitem mostrar como outros “interesses” se imiscuem na
pesquisa, elemento que não aparece nos manuais de métodos e técnicas. Há muitos outros
pressupostos sociológicos da pesquisa. Basta tornar o olhar para outros componentes
diretos e indiretos do processo de produzir conhecimento.

A análise sociológica busca compreender o lugar de quem organiza e profere o discurso.


Interpretar quem fala, de que posição social vê o mundo e que discurso elabora é uma
questão ímpar para a sociologia do conhecimento. Nem todos os autores proferem o
mesmo discurso e fazem a mesma análise. Nem todos os pesquisadores aderem às mesmas
posições políticas, ocupam os mesmos espaços hierárquicos e detêm o mesmo prestígio
simbólico, nacional e internacionalmente. Portanto, há que distinguir diligentemente o
lugar de cada um.

O mesmo argumento mantém-se válido em relação à questão da regionalidade do orador. A


sociologia sempre operou com pressupostos universalistas. Isto é, todo o sociólogo pensa
para além de suas próprias fronteiras, profere um discurso para o mundo e sobre o mundo e
não sobre sua região particular. Um discurso neste sentido cosmopolita. A dura realidade
inconsciente, porém, prega os sociólogos com os pés em uma terra, em uma língua, em
uma cultura, em uma socialização, em uma classe social. Por isso, suscitar a questão de
onde alguém fala não é marca de preconceito nem de xenofobia. Ao contrário, é o
40

movimento necessário para desmascarar a intromissão de elementos particularistas da peça


oratória e que se imiscuem sob o manto do universalismo. Revelar o particularismo no
universalismo é tarefa ingente, ingrata, mas necessária para revelar fragilidades, omissões,
efeitos de regionalidade sob o signo da universalidade.

No terreno da teoria e da interpretação, o olhar de onde o pesquisador brasileiro vê o


mundo é o de um país subdesenvolvido, encharcado em desigualdades sociais. Pode surgir
algo de interessante desse ponto do universo que não representa integralmente a
modernidade e que se encontra em posição periférica perante a organização do império
mundial? Não vale a premissa de que é o centro do império que organiza o discurso sobre
o mundo e que organiza intelectualmente a realidade construída? Podemos nós latinos,
habitantes da periferia do globo, com nossos pés cravados na lama da pobreza e da
desigualdade, proferir um discurso universalista e de valor geral? Ou estamos condenados
a repetir as sagas das grandes elaborações importadas dos centros imperiais?

Tais questões relativas à pessoa do pesquisador, sua origem social, à classe a que pertence,
à terra em que nasceu, à cultura em que foi socializado e ao mundo em que vive, a
sociologia do conhecimento suscita ao pesquisador e elas não são estranhas aos problemas
metodológicos. Contando com a paciência do leitor, gostaria de aprofundar as perguntas
para um terreno que não envolve regionalidade e sim cor, raça, gênero. Faz alguma
diferença se a pesquisa é feita por um branco ou por um negro? Se é feita por um
pesquisador homem ou por uma pesquisadora mulher? Por um indígena, um africano ou
descendente de europeus? São questões sociais que tem a ver com método e com projeto
de pesquisa, mas que não encontram eco nos manuais de formação dos jovens
pesquisadores. Nem por isso precisam permanecer como questões submersas, latentes e
não desveladas.

A pesquisa se apresenta como uma arma de dois gumes. Nem o pesquisador precisa deixar-
se cooptar, nem precisa seguir as regras do jogo. É através do próprio avanço da pesquisa
que se municiam as forças de oposição. Através da pesquisa podem ser desmascarados os
argumentos do poder.
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Uma postura crítica em que tais “elementos externos” e relativos ao lugar da fala, ao
discurso proferido, à regionalidade do orador, sua socialização, sua cultura, os grupos
sociais a que pertence, sua posição hierárquica, sua postura ideológica, sejam devidamente
avaliados através da sociologia do conhecimento e da economia política, constitui um
passo importante para alterar a condição de status quo.

PRESSUPOSTOS LÓGICOS E TEÓRICOS

Elementos de ordem teórica e lógica aparecem com mais freqüência e são discutidos com
mais tempo nos livros de metodologia.

Por sua natureza, os pressupostos lógicos e teóricos, muitas vezes passam despercebidos ou
estão no limiar da consciência do cientista. Nem por isso deixam de influenciá-lo. A
proposição que posso adiantar é que pela elevação de tais pressupostos ao nível do
consciente e do pensado pode-se divisar maneiras, meios ou formas, de construtivamente,
pô-los a serviço dos interesses do pesquisador. Podemos divisar maneiras de criar
elementos para comparação e reflexão, que deverão contribuir para algumas saídas básicas
na pesquisa e na própria teoria.

Existe uma relação forte, causal entre a visão teórica de que um pesquisador está imbuído e
a forma operacional como a qual ele trabalha. Visão teórica é aqui formulada no seu
sentido mais amplo, compreendendo também elementos ideológicos e abstratos.

O pesquisador possui um determinado esquema mental para interpretação dos fenômenos


sociais, que ao nível menos reflexo se confunde com as categorias de interpretação
correntemente usadas. Outras vezes, o pesquisador traz seus próprios pressupostos ao nível
da reflexão consciente.

Um dos problemas centrais na pesquisa é de que os fenômenos sociais, a realidade, já nos é


dada com uma codificação prévia. A codificação vigente é aquela que supostamente
42

corresponde ao momento de elaboração dos teóricos, cientistas, filósofos e, por que não
dizer, da própria formação social.

Que podemos fazer, então? Parece-me o lugar, do pesquisador e do cientista não só


entender a codificação existente, mas penetrá-la e expor sua interioridade. A isso entendo
como leitura crítica.

O pesquisador participa, vive dentro de um sistema de codificação e opera com


pressupostos de ordem lógica e teórica. Quais são tais pressupostos? Existe um sem
número, mas três categorias são principais: aqueles que versam sobre a natureza da
realidade social; aqueles que se colocam na relação entre o observador e o fenômeno
observado; aqueles que versam sobre o crescimento do conhecimento.

Pressupostos sobre a natureza da realidade social constituem o fulcro pelo qual se


digladiam correntes como o materialismo e o idealismo. Na sociologia este é um debate
clássico envolvendo o pensamento weberiano e o marxista.

Além deste debate, há um outro: o de considerar a realidade estável, permanente, ou em


transformação. É a visão estática ou dinâmica da sociedade. Mas que é que provoca o
dinamismo social? Continuamente vemos certas pessoas advocando uma postura dinâmica,
sem que com isso sejam capazes de interpretar a razão da dinâmica.

Em terceiro lugar, o confronto entre integração e conflito na sociedade. Este ponto está
também associado a grandes linhas do pensamento sociológico. Alia-se também ao tipo de
lógica empregada: se a lógica formal, de causa e efeito; se a lógica do pensamento circular;
se a lógica dialética.

Pressupostos quanto à relação entre o observador e o fenômeno observado, entre o sujeito e


o objeto permitem suscitar questões tais como: sendo que o investigador participa da
realidade social que investiga, pode ele constituir objetividade na pesquisa? Aqui as
posições também se polarizam entre os aderentes de positivismo empirista e os do
idealismo. Qual é o grau de controle que o pesquisador pode exercer sobre os próprios
43

pressupostos teóricos? Deve ele deixar-se influenciar, “contaminar” pelos elementos


internos à sua ideologia e preferências? O que significa objetividade?

Pressupostos a respeito de como deve dar-se o crescimento do conhecimento constituem


bases de divisões no campo sociológico entre dedução e indução ou de alguma forma de
composição entre ambas.

Observa-se freqüentemente um desdém generalizado nas escolas de formação pelas


questões empíricas, como se a sociologia fosse uma ciência lógica ou sintética. O espanto
aumenta na medida em que se toma pé no que significa teorizar para os críticos da
mesquinha empiria. Teorizar converte-se num raciocínio sobre abstrações, construído
completamente alheio à realidade social e sujeito a fantasias e imaginações. Teorizar
converte-se num pensar abstrato absoluto. Prevalece um horror atávico do contato com os
dados, com a prática, com a realidade. Constitui um regresso da sociologia às suas origens
filosóficas e a construção de um outro tipo de ramo do conhecimento, a sociologia da
abstração e do formalismo.

Os pressupostos lógico-teóricos estão enraizados na seleção do problema na maneira de


enfrentá-lo operacionalmente e, diria mais, na própria significação das conclusões tiradas.
Nesse sentido é importante captar reflexamente, através da sociologia do conhecimento, as
implicações de uma posição ou outra. Desta maneira, terá o investigador condições de
situar-se e medir conseqüências de seus passos.

MÉTODO

Etimologicamente, a palavra método em português foi legada do termo latino metodus que
por sua vez o recebeu do grego metodos. Em grego, metodos resulta da composição de
duas palavras: metá e odos. A preposição metá significa em direção a, com vistas a e
também através de. Estas expressões denotam a idéia de movimento, de travessia, de
processo, de objetivo e de meta. O substantivo odós refere-se a caminho, via. O composto
metodos significa caminho na direção de, trilha com vistas a, sendeiro que leva através de
e em direção a algum objetivo, processo de atingir um objetivo, processo de construir algo.
44

Quando aplicado a conhecimentos, método é o caminho que seguido para a produção de


conhecimentos novos.

O termo método não se aplica apenas à construção de conhecimentos. Não é exclusivo da


esfera de pesquisa científica. Ganha, sim, determinadas conceituações em se tratando de
conhecimento científico. Mas o termo método pode ser empregado, conforme ressaltado
acima, ao processo de produzir qualquer tipo de conhecimento humano, ainda que tal
conhecimento seja extra-científico, tal como, conhecimentos artísticos, conhecimentos
religiosos ou mágicos, conhecimentos populares e conhecimentos adatativos. Em cada uma
destas esferas da produção de conhecimentos humanos, o método joga um determinado
papel, preenche determinada função e como tal recebe significações específicas.

Nas ciências sociais e ciências humanas, a questão do método é de tal envergadura que foi
responsável pela criação da figura do metodólogo. Becker elabora sobre divisão de
trabalho entre teóricos e metodólogos que teria se firmado na sociologia norte americana
como resultado de uma superespecialização do campo, que deixou seqüelas para a
sociologia. Um autor escreveu com uma certa ponta de desdém de que “as ciências
humanas orgulham-se de seus métodos e as ciências naturais falam de seus resultados”.

O primeiro problema que se coloca em ciências sociais é que o termo método não é
unívoco (Sanchez Gamboa, 1998). Ele comporta diversos significados, de acordo com os
pressupostos com os quais os autores formam seus próprios conceitos de métodos e
metodologia. Uma rápida incursão sobre manuais de ‘métodos’, de ‘métodos e técnicas’,
de ‘método científico em ciências sociais e naturais’, de ‘método de pesquisa’, de
‘metodologia da pesquisa científica’, de ‘métodos e técnicas de pesquisa’ ou outra
denominações que fervilham no mercado editorial de iniciação à pesquisa universitária, é
um exercício ao mesmo tempo hilariante e preocupante pela diversidade dos conteúdos
incluídos.

Sob o rótulo de método costumam ser armazenados quatro corpos distintos de problemas.

1) Técnicas de pesquisa. Técnicas de pesquisa são operações destinadas a produzir,


processar e analisar determinadas informações consideradas relevantes ou cruciais para a
45

pesquisa. Nas ciências sociais, as técnicas referem-se à produção e tratamento de dados


empregadas na pesquisa da realidade social.

As técnicas não devem ser considerados apenas como artefatos. Se aparecem como tal
vestidos de uma determinada roupagem de elementos metodologicamente neutros por
causa de sua aplicabilidade em diversos contextos nacionais, regionais e sociais, por outro
lado toda a “técnica é uma teoria em atos”, no dizer de Pierre Bourdieu. Nesse sentido as
técnicas tem história, tem origem, tem biografia, tem pais e mães, foram pensadas para
preencher determinados papéis no campo da pesquisa e foram inventadas para atender a
determinados objetivos de produção de conhecimentos. A título de exemplo, pode-se
imaginar que no momento atual começam a ser geradas técnicas relativas ao emprego das
redes de comunicação eletrônica para objetivos de conhecimento de questões sociais. O
emprego da Internet, por exemplo, supõe claros alguns limites. No mínimo, quem são os
usuários de computadores e quem não tem acesso à rede, antes de realizar qualquer
pesquisa de tipo amostral. Sem observações desta ordem, o trabalho de pesquisa está
irremediavelmente comprometido, desde que, de partida, uma parcela da população está
excluída da probabilidade de fazer parte da amostra.

2) O processo de produzir conhecimento. Os componentes essenciais do projeto de


pesquisa condensam o processo de produção de conhecimento entendido como válido em
cada momento histórico. Estabelecer quais são os componentes que são fundamentais no
processo de pesquisa é material para muita discussão e divergência, já que não há consenso
entre as distintas correntes metodológicas. Em que pese tal possibilidade, pode-se avançar
a proposição de que o processo de pesquisa passa pela eleição de um objeto de estudo; pela
escolha de um problema de pesquisa, que tenha significado e justificativa sob o ponto de
vista de avanço do conhecimento ou sob o ponto de vista de transformação da realidade
social; pela construção de um quadro teórico pertinente, o que por sua vez requer um
trabalho de desconstrução crítica de formulações distintas ou adversas; pela formulação de
uma hipótese fundamentada no quadro teórico avançado e nas constatações empíricas
existentes; e pelo estabelecimento de um plano de trabalho que permita colocar tal hipótese
sob escrutínio analítico, teórico, crítico e empírico feroz.
46

3) As correntes de pensamento em metodologia. A sociologia, bem como as ciências


sociais em geral, comportam distintas concepções de método. A variabilidade entre as
posições pode deslocar-se desde princípios fundadores até formas operacionais do trabalho
do pesquisador. O estudo das distintas correntes no campo metodológico se, por um lado,
interessante para aclarar as divergências, por outro, pode deixar o estudante completamente
à deriva e à mercê dessa imensa diversidade. É a perplexidade.

As correntes metodológicas não são, em geral, originárias do âmbito das ciências humanas.
Freqüentemente são respostas da sociologia e de outras ciências humanas a questões
suscitadas pelo campo da pesquisa científica em geral. A título de exemplo, o positivismo
clássico e o neopositivismo tiveram e tem influência sobre decisões metodológicas da
sociologia, embora não sejam formulações originalmente enunciadas pela sociologia
(Comte). Já outras decisões metodológicas são muito típicas de estudos das ciências
humanas. Seja por exemplo o lugar do indivíduo ou das classes sociais como sujeito básico
da análise sociológica.

O estudo das opções metodológicas feitas pelos clássicos, junto com desdobramentos
posteriores e horizontes contemporâneos, constituem momentos importantes de análise das
correntes metodológicas.

4) Os fundamentos. Opções metodológicas expressas em correntes que ditam determinadas


regras de procedimento de pesquisa fundamentam-se em princípios e concepções no
campo da epistemologia, da filosofia ou da gnoseologia.

A despeito dos esforços em restringir a aplicabilidade do termo método a uma noção mais
precisa, dentro dessa variedade de quatro pontos enunciados, o certo é que prevalece uma
imensa Torre de Babel a este respeito.

Outra imprecisão em termos conceituais é representada pelo emprego do termo


metodologia. Ao invés de restringir-se ao âmbito da filosofia do método ou do discurso
sobre o método, como a etimologia do termo o exige, metodologia é abusivamente
empregada para significar apenas o plano de tratamento empírico, como se fosse possível
47

separar argumentos empíricos de seus pressupostos teóricos básicos. Um dia tal


barbaridade encontrará seu termo.

A prática da ciência nas instituições formadoras e nas instituições financiadoras de


pesquisa resulta em uma definição de método que não se esgota na aplicação das técnicas
de campo, delas se distinguindo inteiramente, nem se reduz à discussão epistemológica, de
pressupostos ontológicos ou das categorias básicas dos grandes discursos e das grandes
narrativas, ainda que sem prescindir daquelas, mas firmando-se propriamente no terreno do
processo de produção de conhecimentos.

CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE PESQUISA

De todas as condições para a pesquisa, a mais relevante é a vontade, o desejo de conhecer,


de elucidar um problema, de desvendar um enigma, de encontrar uma explicação
satisfatória.

O desconhecimento e a dúvida geram situações de instabilidade individual e - porque não -


coletiva. Uma questão em aberto cria uma ruptura do pensador consigo mesmo. Abre um
cesura, que requer alguma forma de reconciliação da pessoa consigo mesma. O avanço da
pesquisa pode significar esta resposta.

Se a vontade, o desejo, a necessidade de conhecer impulsionam a pesquisa, a montagem do


projeto requer como pré-condição um determinado grau de conhecimento sobre o objeto
em torno do qual o projeto será construído. Pode parecer um contra-senso, mas não é. Para
pesquisar precisa-se, antes, conhecer.

Seria demais querer montar um projeto de pesquisa sobre o Movimento dos Sem Terra,
sem jamais haver pisado em um acampamento ou num assentamento. O mesmo vale para
quem deseja pesquisar sobre greves e jamais entrou no meio de uma manifestação de rua.
48

Quem desconhece um assunto jamais será capaz de construir um projeto a respeito. O


primeiro passo da pesquisa é obter conhecimentos a respeito do objeto eleito.

Coloca-se para o estudante em estágio de formação a necessidade de acumular um grande


número de informações, seja a respeito de teorias ou hipóteses dominantes na área, seja
sobre resultados de estudos de campo, seja sobre conhecimentos não escritos e que são
obtidos por meio de contatos, de observação, de vivências com informantes e grupos.

Chamo de sensibilização a este processo de obtenção de conhecimentos gerais sobre um


tema. Aumentando o grau de nossa informação, também dilatamos o horizonte de nossas
preocupações, percebemos dimensões antes sequer imaginadas, descobrimos como outros
autores - contemporâneos ou do passado, nacionais ou estrangeiros - pesquisaram e
pensaram sobre o mesmo assunto que pretendemos discutir. Além disso, descobrimos com
quais categorias de pensamento, estes autores operaram para realizar suas pesquisas e
avançar suas interpretações.

Ninguém constrói um projeto sentando à frente de um computador e aguardando a


inspiração do Espírito Santo. Construir um projeto requer uma atitude ativa, consome
energia, exige levantamentos preliminares, demanda leitura de textos e de resultados de
pesquisas e não dispensa o levantamento de conhecimentos populares e de outras formas
de saber, manifestamente distantes do cânone da ciência.

É claro que estes conhecimentos passarão por filtros, por críticas, por análises, enfim, por
aquele processo que especialmente os metodólogos franceses chamam de ruptura.

ABRANGÊNCIA DE UM PROJETO DE PESQUISA

Somente até certo ponto um projeto de pesquisa é uma atividade consensual entre os
pesquisadores quanto aos elementos que o compõem. Há sempre algum grau de
divergência na definição do conjunto de atos epistemológicos que integram o projeto. São
notórias, monumentais e devastadoras as disputas sobre metodologia nas ciências sociais.
49

Muitas sedas são rasgadas, páginas e páginas são escritas, divergências metodológicas,
aliadas a pressupostos teóricos, dão base a escolas, grupos, guetos. Fazem parte do métier
das ciências sociais. Mas também não podemos ficar retidos em disputas muitas vezes
nominalistas. Com o intuito de avançar para além da verborragia e oferecer caminhos para
o pesquisador em formação, apresento abaixo parâmetros utilizados por três instituições de
pesquisa, do Brasil e do exterior, que permitem avaliar o grau de consensualidade e
divergência no que tange aos conteúdos do projeto de pesquisa.

1. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) (acesso em


2006) que é a principal agência de financiamento a pesquisas do Brasil em todos os
campos da ciência e hoje com meio século de existência, requer resumo e descrição do
projeto, sugerindo que contemplem minimamente:

a - a essência e a natureza do problema;


b - o objetivo principal;
c - o estado atual de conhecimento sobre o problema;
d - uma síntese da metodologia;
e - os resultados esperados.

2. O sítio eletrônico do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (acesso


em 2006) traz a listagem dos tópicos que devem ser incluídos no projeto de dissertação de
mestrado ou de tese de doutorado:

 título;
 objeto de estudos (ou problema) e finalidade da investigação, seja ela empírica ou
teórica;
 revisão da literatura;
 referencial teórico sobre o tema específico para a pesquisa;
 definições de conceitos e de categorias de análise, quando pertinente;
 esboço preliminar de aspectos gerais da metodologia da pesquisa, seja ela empírica
ou teórica, justificando as opções;
 cronograma para o período completo da pesquisa;
 referências bibliográficas.
50

O sítio indica ainda que o projeto deve ter, no máximo, 20 laudas digitadas, incluindo
referências bibliográficas.

3. A National Science Foundation (acesso 2006), agência estatal de financiamento à


pesquisa científica dos Estados Unidos da América, distingue resumo do projeto de sua
descrição, como faz o CNPq do Brasil. O resumo deve incluir objetivos e métodos,
indicando claramente (1) o mérito intelectual e (2) e os impactos resultantes da atividade
proposta.

A descrição do projeto deve providenciar uma formulação clara do trabalho a ser realizado
e incluir: objetivos e seus significados; relação com as metas a longo prazo do projeto; e
relação com o estado atual do conhecimento no campo. A descrição deve indicar ainda o
plano geral de trabalho, incluindo as atividades a serem realizadas, e uma descrição clara
dos métodos e procedimentos experimentais e planos para preservação, documentação e
partilha de dados, amostras, coleções físicas, materiais e outros produtos relacionados à
pesquisa e à educação. Deve descrever os impactos gerais resultantes das atividades
propostas: como o projeto vai integrar pesquisa e educação pelo avanço da descoberta e do
entendimento ao mesmo tempo em que promove o ensino, o treinamento, e aprendizagem;
maneiras pelas quais a atividade proposta vai ampliar a participação de grupos sub-
representados (p.e., gênero, etnia, portadores de necessidades especiais, regionalidade,
etc.); como o projeto vai fortalecer a infra-estrutura de pesquisa e/ou educação, tais como
prédios, instrumentação, redes e parcerias; como os resultados do projeto serão
disseminados para fortalecer o entendimento científico e tecnológico; e benefícios
potenciais da atividade proposta para a sociedade em geral.

O projeto é limitado a 15 páginas, incluindo materiais visuais, gráficos, mapas, fotografias


e outras apresentações pictóricas.

4. A Wikipedia, a enciclopédia livre (acesso em 2006), apresenta a seguinte lista de


elementos que fazem parte do método científico:
1. definir a questão;
2. conseguir informação e recursos;
51

3. formar hipótese;
4. realizar experimento e coletar dados;
5. analisar dados;
6. interpretar dados e retirar conclusões que servem de ponto de partida para
novas hipóteses;
7. publicar resultados.
Não é destacado neste esquema o lugar da teoria, o que enfraquece bastante a formulação
como pretensão a ser uma proposta geral de método, nem do plano de desenvolvimento da
pesquisa, uma vez que não se está falando do projeto de pesquisa, mas do método
científico em si.

Estes quatro casos resumidos permitem concluir que a administração da ciência na


contemporaneidade é feita pela modalidade da “administração por projetos”. Nenhum
financiamento à pesquisa é concedido ao pesquisador se não for precedido por um projeto.
A administração por projetos é empregada por todas as entidades que contratam pesquisa,
sejam agências estatais, empresas, sindicatos ou organizações não governamentais. A
administração por projetos tem duas finalidades. As agências financiadoras empregam-na
para garantir o controle do uso adequado dos recursos, as universidades como elemento de
formação dos jovens pesquisadores. Qualquer pessoa que conheça um pouco da história da
ciência sabe que a administração por projetos é uma modalidade constitutiva da ciência
apenas a partir do momento em que a pesquisa deixou de ser uma atividade artesanal
realizada por indivíduos isoladamente e passou a ser atividade de grupos envolvendo
financiamentos para capital e recursos para custeio. A financeirização, ou mais
propriamente a capitalização da ciência, em que a atividade científica não é apenas uma
ação despretensiosa, mas uma atividade capitalista como qualquer outra atividade
produtora de valor, conduzem à administração por projetos, que fortalece a racionalização
da produção científica.

Sob o ponto de vista estritamente metodológico, abstraídas as considerações econômicas e


administrativas, o projeto constitui parte imprescindível da pesquisa por que permite
antecipar a discussão de um problema científico e propor instrumentos, meios e pistas para
sua solução. A analogia do método de pesquisa com o método de trabalho do arquiteto
fornece elementos ilustradores. O arquiteto precisa conceber com antecedência todos os
52

detalhes da obra que vai realizar. Não pode esperar por soluções que viriam a posteriori,
durante o trabalho de execução da obra. Algo semelhante ocorre com o pesquisador. O
projeto de pesquisa cria a possibilidade de construir mentalmente como é entendida alguma
questão que afeta a sociedade e desenvolver intelectualmente seus elementos componentes.

Metodólogos, de forma análoga a agências financiadoras e a instituições formadoras,


divergem bastante sobre o âmbito de abrangência do projeto e especialmente sobre o
estatuto de seu conteúdo. Pierre Bourdieu, sociólogo de grande prestígio na atualidade,
defende a elaboração filosófica de Gaston Bachelard dos três atos epistemológicos básicos,
constitutivos da pesquisa: ruptura, construção e constatação. P.V. Kopnin, filósofo da
ciência que foi presidente da Academia de Ciências da ex-União Soviética sustenta que o
projeto compreende os seguintes componentes: a formulação de um problema, a
construção de uma teoria, a definição de hipótese(s) e a demonstração. Florestan
Fernandes, importante sociólogo brasileiro recentemente falecido, em seu projeto sobre
relações raciais entre brancos e negros, elaborado em conjunto com o sociólogo francês
Roger Bastide, e apresentado à UNESCO, emprega o seguinte esquema: formulação de
problema(s) de pesquisa, elaboração teórica sobre os problemas, formulação de hipótese(s)
e indicação de formas de tratamento das hipóteses. Boaventura de Souza Santos, sociólogo
português com grande circuito internacional, propugna uma teoria argumentativa da
ciência, em que o método opera como instrumento de produzir argumentos para um
discurso que conduz a platéia ao convencimento. Karl Popper, austríaco de largo prestígio
em filosofia da ciência, entende o método da ciência como contendo um problema de
pesquisa, respostas prováveis ao problema e condições de falsificação das respostas.

A complexidade de perspectivas sobre o conteúdo do projeto de pesquisa certamente


aumentaria à medida que fossem agregados representantes de outras correntes de
pensamento, o que dificultaria ainda mais a tarefa didática. Operando a partir das
discussões metodológicas e a partir da diversidade das recomendações das agências
financiadoras e das instituições formadoras, pode-se assumir que o processo de produção
da pesquisa compreenda resumidamente:

(1) um problema de conhecimento,


(2) a teoria,
53

(3) a hipótese
(4) e o desenvolvimento da pesquisa.

Em tais termos, estritamente genéricos e formais, seria possível encontrar um elo de


ligação entre as ciências, o que permite falar de ciência como projeto conjunto e distingui-
la de outras formas de produzir conhecimentos humanos, sem negar a diversidade, a
especificidade e o mérito das distintas esferas dos conhecimentos humanos.

O PROBLEMA DE PESQUISA

O processo de produção de conhecimento inicia pela construção de um problema de


pesquisa. Essa terminologia – construir um problema de pesquisa – não é de alcance
universal. As ciências sociais européias, particularmente a francesa, utilizam outras
categorias, tal como ruptura epistemológica. Subjacente à diversidade do emprego de
termos permeia uma divergência de pressupostos de pesquisa. Os franceses costumam
exercer uma implacável crítica à terminologia de origem anglo–saxã-norte-americana,
indigitando a insidiosidade do empirismo e do positivismo. A estas críticas conceituais e
teóricas ajuntam-se situações marcantes, a exemplo do trauma descrito por Pierre Bourdieu
(2004:94-98. Esquisse pour une auto-analyse) e de que foi acometido quando adentrou a
sala de conferências do Hotel des Ambassadeurs em Paris e defrontou-se com a arrogância
de Paul Lazarsfeld, empunhando um longo charuto e levantando críticas às técnicas
empregadas pela pesquisa francesa. Também, pudera! Ainda assim, a categoria problema
de pesquisa pode ser escoimada de seu conteúdo “empirista e positivista” e empregada
com sucesso para descrever uma parte significativa do processo de produção de
conhecimentos.

Um projeto de pesquisa contém elementos vários, que dependem de circunstâncias diversas


tais como os valores científicos prevalentes num determinado momento histórico ou
mesmo numa região e que são transmitidos pelas gerações, as regras práticas decorrentes
desses valores, as correntes metodológicas a que aderem os distintos pesquisadores. Essa
diversidade talvez seja até maior no campo das ciências sociais, humanas e ciências sociais
54

aplicadas, por razões que parecem óbvias. Dificilmente dois manuais de pesquisa
enfatizam os mesmos componentes de um projeto de pesquisa ou aquilatam idêntico peso
para os mesmos itens do projeto. Os metodólogos, os epistemólogos, os filósofos da
ciência, enfim os pesquisadores e cientistas que elaboram sobre o “verdadeiro” método de
produzir conhecimento freqüentemente divergem entre si em razões mais profundas e
também em construção de projetos. Basta comparar Karl Popper, Pierre Bourdieu, P.V.
Kopnin, Florestan Fernandes, Pedro Demo e outros. Mas não é somente nas ciências
sociais que este problema está presente. Também ocorre em ciências hard, tais como as
ditas ciências da natureza ou as ciências exatas, em medidas possivelmente menores do que
nas ciências sociais, mas sempre ocorre. É o caso de um espaço científico em que
coexistem distintas teorias sobre o mesmo objeto. As diferenças e as divergências entre
metodólogos das ciências constituem um vigoroso argumento no sentido de que a ciência é
uma produção totalmente humana e assim sujeita a erros. Não somos deuses. Somos
humanos!

A diversidade metodológica do processo de construção do conhecimento pode significar


um empecilho para o desenvolvimento científico e tecnológico, como também pode
apresentar possibilidades.

Para o estudante constituiria um verdadeiro desastre se ficasse à mercê dessas divergências


e diferenças. É importante que saiba de sua existência para não construir uma noção
ingênua do processo de produção de conhecimentos.

Como já escrito anteriormente, o projeto de pesquisa sintetiza o processo de produção de


conhecimentos e comporta pelo menos os quatro elementos principais abaixo listados, sem
prejuízo para outros deles dependentes:

- Problema
- Teoria
- Hipótese
- Plano de desenvolimento.
55

Começando pelo tratamento do conceito de problema de pesquisa, distinguem-se várias


noções de problemas: problema de pesquisa, problema social, problema econômico,
problema cultural, etc. No tocante à construção do problema, o problema que importa
considerar é o problema de pesquisa, o problema do conhecimento. A pesquisa produz
conhecimentos novos. Produz dados e teorias, explicações, interpretações. O problema de
pesquisa ou problema do conhecimento está relacionado a estas questões e significa um
conhecimento não realizado, uma lacuna de conhecimento, um espaço novo de questões,
uma teoria equivocada, uma explicação ou uma interpretação falha, o lapso de variáveis na
explicação de um problema científico, um conjunto de conceitos inadequados ou
insuficientes para fornecer explicação. O problema expressa-se, portanto, como questão,
como juízo interrogativo no terreno do conhecimento. O problema de pesquisa é
construído, não aparece dado. À medida que o pesquisador começa a pensar sobre um
determinado objeto e sobre os conhecimentos existentes em relação àquele objeto,
descobre questões não pensadas, teorias, explicações e interpretações inconsistentes. O
conhecimento existe é submetido à crítica mais ferina que o pesquisador puder formular.
Se o pesquisador não obtém êxito em sua crítica, então não existe um problema de
pesquisa. Se obtém êxito e demonstra inconsistência no conhecimento existente então há
espaço para começar a construir um problema de pesquisa.

CONDIÇÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PROBLEMA DE PESQUISA

O Webster´s New Collegiatte Dictionary, seguindo o caráter sucinto das formulações em


inglês, contém a afirmação de que o problema de pesquisa é uma “question raised for
inquiry, consideration or solution” e que a origem etimológica da palavra provém da
preposição pro (= à frente, diante de) unida ao verbo grego ballein (= lançar, jogar) sendo
portanto problema uma questão lançada à frente de todos com vistas à busca de uma
solução. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), por sua vez, tem como
problema um “assunto controverso ainda não satisfatoriamente respondido, em qualquer
campo do conhecimento, e que pode ser objeto de pesquisas científicas ou discussões
acadêmicas”. Ambas as fontes acentuam que problema de pesquisa é uma “questão” ou um
juízo questão sobre um objeto “não satisfatoriamente respondido”.
56

O processo de construção de um problema de pesquisa depende de algumas pré-condições.


Primeiro, o problema é construído no terreno do conhecimento e não no terreno da prática,
da aplicação ou do desenvolvimento. Trata-se de questão abstrata e de teoria, de
explicações existentes, de tese sustentada. Essa é uma distinção que parece difícil de ser
produzida, mas absolutamente essencial para o entendimento do que seja um problema de
pesquisa. Segundo, o conhecimento existente a respeito de um objeto é submetido a um
processo de análise crítica, que os autores franceses costumam chamar de ruptura
epistemológica, termos também adotados por Boaventura de Souza Santos em seu livro
Introdução a uma Ciência Pós-Moderna e elaborados sob a forma de primeira e segunda
ruptura.

A expressão construir um problema de pesquisa é plena de conteúdo. Identificado um


objeto sobre o qual o conhecimento não é satisfatório, o pesquisador passa então a
construir um problema, ou seja, o pesquisador pretende construir uma explicação aceitável
num espaço vazio de explicação. O pesquisador precisa demonstrar para si e para a
comunidade dos pesquisadores que existe uma questão, um problema na esfera do
conhecimento. O papel da questão consiste em trazer um objeto determinado para o foco
da pesquisa. Somente gênios da pesquisa conseguem pesquisar sobre objetos gerais. O
pesquisador normalmente delimita através de questões as áreas de pesquisa sobre as quais
pretende conduzir a investigação.

A questão tem o papel de focalizar a pesquisa e indica dúvida, não certeza. Indica um
campo desconhecido. Kopnin emprega a expressão de que problema é um “conhecimento
do não conhecimento”, pois se sabe que o conhecimento existente não é satisfatório, é
inadequado.

O caráter de incerteza, dúvida, crítica, problema, torna a pesquisa um empreendimento de


certa forma revolucionário e aberto à imaginação, à fantasia e à criatividade. O papel da
pesquisa é criticar para fazer avançar o conhecimento. É lançar problemas com vistas à
busca de novos conhecimentos. A pesquisa neste sentido não é conformista. O princípio da
pesquisa não conformista, revolucionária, frequentemente se debate frente ao conformismo
57

das pesquisas e dos pesquisadores que preferem apoiar-se nas ideologias vigentes para não
enfrentar o mar revolto constituído pelos problemas suscitados de pesquisa.

A seqüência do trabalho estabelecerá o procedimento para a construção do problema da


pesquisa.

CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

Que significa afirmar que um problema de pesquisa é construído como problema de


conhecimento?

Significa, em primeiro lugar, que o problema é construído em relação com o conhecimento


existente sobre determinado objeto, seja do senso comum, seja conhecimento tipicamente
científico, resultante de pesquisa. Há pelo menos duas posturas face ao conhecimento
existente que conduzem, grosso modo, à construção de um problema pesquisa: a rejeição
do conhecimento existe no todo ou em parte – uma postura de confrontação; a descoberta
de aspectos não esclarecidos dentro dos conhecimentos existentes – uma postura de
complementação, de adição. Em ambos os casos, o pesquisador é levado a construir seu
objeto e seu problema de pesquisa.

O exame mais detalhado do verbo ‘construir um problema de conhecimento’ permite


captar a idéia de que, no limite, a pesquisa pode implicar na reformulação total dos
conceitos, das categorias, dos pressupostos, enfim uma mudança radical no campo da
epistemologia empregada. A linguagem, as expressões utilizadas para descrever ou
interpretar uma questão, os conceitos, as categorias, as relações estabelecidas, isto tudo
configura uma determinada leitura, uma ótica, uma forma de ver e de interpretar o mundo.
O conhecimento não está dado, pronto, na natureza e na sociedade. Acontecem fatos,
eventos, e o pesquisador procura dar-lhes ordem, encadeamento, entender sua
(ir)racionalidade, interpretá-los.
58

A crítica às teses vigentes e ao status quo dominante em matéria de conhecimento abre


espaço para questões tais como: de que maneira passo a formular o problema de pesquisa?
Que categorias vou eleger para construir as novas teses que pretendo apresentar? Quais são
os pressupostos de sentido, ontológicos, políticos etc. que tais categorias carregam? Qual a
potencialidade das categorias de conhecimento que escolhi para analisar o problema?

A construção do problema de pesquisa envolve uma série de operações encadeadas de


crítica, de eleição de objeto, de capacidade de percepção por meio da intuição e de
lampejos de criatividade sobre brechas não trilhadas e de aspectos não explicados, de
eleição de categorias explicativas.

A formulação de algumas questões diretivas (consultar também o livro A Maravilhosa


Incerteza, 2001, de Délcio Vieira Salomon que apresenta um outro esquema didático para a
construção do problema da pesquisa) facilita a efetivação dessas operações:

Qual o objeto que desejo pesquisar?


Qual o aspecto específico desse objeto que desejo analisar?
Quem já pesquisou a respeito desse objeto?
Qual o conhecimento disponível a respeito dele e de que forma está organizado? Quais as
categorias fundamentais do conhecimento existente? Essas categorias são válidas? Em que
aspectos podem ser criticadas? Que aspectos da realidade existente as categorias não
permitem esclarecer adequadamente? Que aspectos da realidade o conhecimento existente
esconde? Que pressupostos são assumidos explicita ou implicitamente com a eleição de
determinadas categorias para descrever ou explicar um problema?
Qual a intuição que tenho em relação ao objeto de pesquisa? Que aspecto me fascina
pesquisar? Que problema de pesquisa está envolvido com essa realidade? Em que termos
posso formular esse problema de pesquisa?
Como vou construir o meu problema de pesquisa? Que categorias do conhecimento vou
empregar para analisar o problema de pesquisa que estou formulando? De que elementos
do conhecimento me posso valer para estudar meu problema específico?
Que realidade empírica posso observar para me ajudar a esclarecer o problema? Como vou
estudá-la? Que técnicas de pesquisa vou empregar?
59

CONCEITOS E COMO ARTICULAR REALIDADE E PENSAMENTO

“Nossos conhecimentos são apenas aproximações da realidade” (Lukacs, 1967:233).

No processo de produção de conhecimentos empregamos conceitos como formas de


classificar e organizar nosso pensamento.

Qualquer fenômeno social que analisamos já vem de antemão codificado, quer pelo
pensamento do senso comum, quer pelo científico. Disto decorre a necessidade de
submeter tal codificação (explicação, interpretação ou justificação) da realidade social a
um criterioso processo de desconstrução epistemológica, através dos instrumentos de que
dispomos para realizar a crítica e a ruptura (meios que são descritos por autores como
Bourdieu, Chamboredon e Passeron em seu livro sobre O Ofício do Sociólogo, ponto 1.1).
À desconstrução segue-se necessariamente a empreitada de reconstruir.

As operações de desconstrução e construção, seguindo os discursos dos autores pós-


modernos, entretanto, não resolvem nosso problema, que é como relacionar a realidade
existente com o conhecimento, a prática com a teoria. Que a realidade (social ou do
60

mundo) é distinta da forma como a apreendemos pelo pensamento, é uma idéia que não
causa qualquer polêmica entre os metodólogos. A dificuldade está mais em baixo. Está em
como vincular a realidade com os produtos e as categorias do pensamento. E aí os
metodólogos se dividem e, muito pior, os manuais de métodos e técnicas de pesquisa
expõem como norma de pesquisa idéias superadas, viesadas, parcializadas ou erradas.

O empirismo, assim se define, não por valorizar o empírico, o que seria correto, mas por
assumi-lo em precedência ao teórico. O empirismo constrói sua teoria do conhecimento
mediante recurso ao princípio da operacionalização, que, em filosofia, responde pela
corrente do operacionalismo. O operacionalismo estabelece que a ligação entre realidade e
conhecimento dá-se por meio da operação de encontrar indicadores empíricos para os
conceitos abstratos. Tal operação repousa nos pressupostos de que realidade e pensamento
são processos que se constroem paralelamente e que seria possível esgotar os indicadores
empíricos de um conceito. O operacionalismo pode ser reconhecido no manual de Métodos
de Pesquisa nas Relações Sociais, organizado por Selltiz, Jahoda, Deutsch e Cook (SP:
Herder/USP, 1967: 49), que escrevem: “Os conceitos devem ser definidos em termos
abstratos (definição teórica), bem como em termos das operações (definição empírica)
através das quais serão representados no estudo específico”.

Mas existem outras formas de entender a relação entre o pensamento e a realidade. Entre
elas, a que entende que a realidade tem seu próprio processo de construção específico e o
pensamento também e que o vetor do conhecimento vai do teórico para o empírico e não
vice-versa. Por exemplo, Louis Althusser nas lições 10 e 11 do seu livro Para Ler O
Capital (RJ: Zahar, 1979: 42) escreve que “Marx defende a distinção entre o objeto real e o
objeto do conhecimento, produto do pensamento”. O avanço do conhecimento ocorre por
meio de um processo de análise, através do qual descemos à busca das categorias mais
simples e que, portanto, tem maior poder explicativo e depois a partir delas podemos
examinar a realidade complexa e explicar a diversidade das situações que a realidade
apresenta.

Os demais clássicos da sociologia também operam com a distinção entre construção do


pensamento e realidade existente. Em momento algum os encontramos trilhando outros
caminhos na busca de uma solução para a relação entre pensamento e realidade.
61

Outra forma de trabalhar com a distinção entre realidade e pensamento é representada


pelos autores que seguem a linha do construtivismo, como Piaget.

Como transitar do teórico para o empírico e vice-versa, no caso dos autores que seguem a
concepção de que há uma diferença radical entre o processo de construção do
conhecimento e o processo de construção da realidade dada? Para estes autores coloca-se a
atração irresistível pelo formalismo. A validação do conhecimento dá-se apenas por meio
da construção formal, sua consistência lógica interna, nada tendo a ver com a realidade
existente. A consistência lógica é, sem sombra de dúvidas, uma característica
imprescindível do conhecimento verdadeiro. Mas sempre este conhecimento pode ser
confrontado com a realidade existente, da qual derivam-se outros argumentos de tal peso e
de tal importância cujo papel a consistência lógica, em si, não pode substituir nem deles
prescindir.

Um caminho é sugerido por P. V. Kopnin no livro A Dialética como Lógica e Teoria do


Conhecimento (RJ: Civilização Brasileira, 1978: 288): “O processo de demonstração
consiste em tirar de uma hipótese todo um conjunto de conclusões que em seguida são
verificadas pela atividade prática da vida”. Além da precisão lógica, da consistência
interna, uma hipótese busca demonstração na aplicação do critério da prática. Para fazer a
passagem entre o teórico e o empírico, o autor sugere “retirar um conjunto de conclusões”
que podem ser confrontadas com a prática. Deduzir conclusões, implicações lógicas da
hipótese, conclusões e implicações testáveis empiricamente, consiste na forma de buscar se
a prática atesta como verdadeiro ou falso o conhecimento contido na hipótese. Importa
aqui salientar não tanto a prática como critério de verdade, mas especialmente como fazer
a ligação entre o conhecimento e a realidade. O concreto de pensamento pode ser
confrontado com a realidade através de conseqüências empíricas observáveis retiradas das
hipóteses formuladas. Esta é uma via de solução que não implica nos pressupostas feitos
pela teoria da operacionalização de conceitos e hipóteses.

À medida em que nos afastamos da idéia da prática como critério de verdade, e


estabelecemos que a verdade depende de outros quesitos tais como a discutibilidade, como
a falsificabilidade, a questionabilidade, atribuímos outros papéis para o trabalho empírico.
62

Ele serve como argumento, mas qual o peso do argumento? Sempre permanece válido o
critério da consistência lógica interna. Então, consistência lógica e prática são dois tipos de
validação pelos quais pode passar uma proposição. O terceiro tipo é sua aplicabilidade
práticas, pelas suas conseqüências e implicações práticas. Diz-se que a ciência moderna
legitima-se pelo seu uso prático, concreto. Mas qual o critério da verdade, quando o
critério da ciência é a discutibilidade?

Há diferentes conceitos em pesquisa. Conceitos com maior proximidade ao mundo


empírico e intuitivamente comunicáveis distinguem-se de conceitos mais abstratos cuja
significação precisa ser esclarecida.

TEORIA

Dois problemas apresentam-se de partida: o que é teoria? E como teorizar?

O estudante de sociologia tem um contato íntimo com os teóricos clássicos e, não lhe são
estranhas as teorias do valor-trabalho (Marx), da ação social (Weber), da solidariedade
(Durkheim), a teoria freudiana, a teoria do valor utilidade, a teoria marginalista
(economia), além das contemporâneas teoria da ação comunicativa (Habermas), teoria do
campo (Bourdieu).

De acordo com estes exemplos teorias são proposições ou conjuntos de proposições


fundamentadas que fornecem explicações ou interpretações a respeito de determinados
objetos de estudo. São construções especiais do pensamento.

As teorias variam em alcance. Sociólogos norte-americanos distinguem as grandes teorias


(como as acima exemplificadas) e as teorias de alcance médio. Lyotard também separa as
metateorias (ou grandes teorias) das pequenas teorias. Em ambos os casos, teorias
63

distinguem-se de descrições factuais, empíricas, históricas e relatos específicos. As teorias


são construções que operam para além da realidade fenomênica, concreta.

1 - Os fenômenos sociais apresentam-se ao pesquisador dotados de atributos,


características que fazem com que pensemos os fatos como empíricos (atributos de
temporalidade, espacialidade, grandeza, abrangência, quantidade). Este é o nível de menor
abstração no qual todas as propriedades dos fenômenos são retidas, enquanto tais. Tais
propriedades aparentes não constituem o fenômeno em si. A aparência do fenômeno não
constitui sua essência, seus elementos constitutivos básicos. Segundo a teoria da abstração,
é possível penetrar para além do horizonte factual, fenomênico e processual e buscar
entender o objeto pesquisado despido destes predicados empíricos. O processo de
abstração é o despojamento de um fato social de suas características contingenciais de tal
modo que se possa raciocinar sobre ele em seus constitutivos básicos e sem a interferência
dos predicados. O processo de abstração, de antiga elaboração aristotélica, supõe que
exista uma correspondência entre realidade e pensamento, uma passagem entre esses dois
níveis. Como podemos ter certeza disso? Como podemos provar que assim é?

2 - Outra maneira de conceber a relação entre realidade e pensamento opera mediante o


suposto de que constituem instâncias próprias, sobre as quais não temos como estabelecer
passagem. A realidade tem sua própria dinâmica e o pensamento também. Pensamento e
realidade não seguem as mesmas trilhas de formação e desenvolvimento. Neste caso,
teorização não passa pelo processo de abstração, mas sim pela busca das categorias mais
simples, mais gerais, elaboradas na história do pensamento humano e com auxílio das
quais podemos fazer análise da realidade como objeto de pensamento. Há um trabalho
crítico de eleição de categorias, de definição de conceitos e de estabelecimento de relações
explicativas entre essas categorias simples. Tal processo de análise assemelha-se a um
mergulho na busca de elementos simples e gerais que possam dar conta da realidade
concreta. À medida que podemos montar uma trama explicativa em termos teóricos
fazemos sínteses, a partir das quais propomos interpretações sobre a realidade concreta
aparente. Teorizar é uma construção do pensamento a respeito da realidade concreta.

Teorizar é formalizar. Mas não apenas. A sociologia acentua a capacidade da teorização de


passar incólume pela saraivada das críticas, em particular pelo argumento empírico.
64

A CONSTRUÇÃO DA TEORIA

Pierre Bourdieu escreve que a construção da teoria é um processo metódico mas que a
despeito disso é submetido passo a passo ao crivo da crítica, da reflexividade, da auto-
consciência. Uma das dificuldades principais contidas em tal asserção consiste em
explicitar o que está subentendido sob este termo “processo metódico”. Pois é corriqueiro
dizer-se que a teoria já se encontra pronta nas elaborações e nas publicações dos assim
chamados grandes teóricos. Tal processo de emprestar construções elaboradas por
determinados autores e que, pelo grau de convencimento que produzem, se impõem aos
jovens pesquisadores é um procedimento comum entre as práticas consideradas
acadêmicas pela estrutura vigente de pesquisa. Todavia, Bourdieu adverte que refazer a
história da teoria não é em si mesmo teorizar. Teorizar é um processo muito particular de
um autor ao se defrontar com um problema a ser explorado pela pesquisa. A construção da
teoria – ato de conhecimento fundamental que a maior parte dos manuais receituários tende
a esquecer ou a sequer mencionar como um ato imprescindível no processo de produção do
conhecimento – precisa ser pensado não como história do conceito, mas como elaboração
substantiva e crítica pelo autor para explicar um determinado problema.

A construção da teoria em pesquisa inicia por um ato de contestação e crítica em relação


aos conhecimentos existentes e dados. Esta é uma asserção tão antiga na história da ciência
que encontra raiz nos autores do Cinquecento e do Seicento. Criticar, contestar, romper.
Com o que? E todo o calouro de universidade levante a voz e o dedo em riste, dizendo que
a primeira crítica vai ao senso comum, ao conhecimento naturalmente dado. Nosso calouro
está correto. Mas seu horizonte é limitado. Isto porque a ruptura, a crítica, a
problematização, a contestação dirigem-se também ao conhecimento acadêmico elaborado.
Não é somente o senso comum, desprovido de instrumentos poderosos de avançar o
conhecimento, que é depositário de ideologias e de conhecimentos falsos ou
preconceituosos. A ruptura e a problematização também se dirige contra os conhecimentos
ditos científicos, às hipóteses vigentes, às teorias dominantes. Marx operava com a noção
de que o conhecimento levado às suas últimas conseqüências críticas exporia a falsidade
das elaborações burguesas sobre a sociedade e a economia capitalista. E que o avanço da
65

ciência dar-se-ia pela contestação ao conhecimento burguês produzido. Ele como outros
autores posteriores mostram que a crítica volta-se igualmente ao conhecimento
estabelecido, ao conhecimento hegemônico, ao conhecimento paradigmático, pois o
avanço do conhecimento pretende dar-se também sobre estes limites. Durkheim em O
Suicídio torna claro mais do que outro autor como acontece o processo de ruptura e com
que técnicas a ruptura é construída. Marx utiliza outras técnicas de crítica quando nucleia a
noção de mercadoria, como a noção básica para desvendar o sistema de acumulação
capitalista.

À ruptura segue-se a construção, numa ordenação que fundamenta-se


epistemologicamente. Primeiro a ruptura, depois a construção. Primeiro a crítica, a
contestação, a raiva, depois o opus edificandi. Primeiro a terra arrasada, a limpeza do
terreno, depois a edificação. Ruptura, contestação, crítica, problematização e construção de
teoria são atos seqüenciais, que se impõem ordenadamente, mas não são similares. Aliás,
opõem-se por contrários. A imagem espacial de terra arrasada e construção mostra que são
antípodas.

Os jovens são afeitos à limpeza pela crítica, ao arraso. Construir é algo mais do que limpar,
romper, destruir. Construir implica estabelecer fundamentos, realizar cálculos, realizar atos
de engenharia. Construir é um processo neste sentido metódico. Como proceder? Sempre
tenho apontado aos estudantes que a maneira de apreender a teorizar pode ser retirada das
biografias dos teóricos. Como operaram os teóricos? De que forma empregaram a crítica?
Como se valeram de suas elaborações pessoais? Como aproveitaram dos conhecimentos
acumulados pela pesquisa? São questões que dirigem no caminho do estudo do método da
construção da teoria a partir da experiência de determinados autores. Por exemplo, não
seria difícil analisar a obra de Florestan Fernandes com este objetivo.

É insuficiente entretanto recomendar aos jovens pesquisadores o caminho do estudo das


biografias dos grandes e renomados teóricos das ciências sociais. Eles buscam apreender o
processo de construção de conhecimento que está a seu alcance, como esteve ao alcance de
outras pessoas. Visto como processo e não apenas como caminho ou biografias.
66

A construção da teoria começa por uma seleção de cunho epistemológico. A identificação


do fenômeno sobre o qual queremos teorizar e a seleção das categorias adequadas para
pensar aquele fenômeno, as categorias empregadas para organizar o conhecimento. Marx
escreve que os fenômenos se apresentam como multiplicidade, dentro de uma teia quase
infinita de relações. A busca do conhecimento não passa pela identificação de tais
categorias descritivas superficiais, o caminho a ser percorrido consiste em penetrar nas
categorias mais básicas, mais simples, aquelas que tenham superior capacidade explicativa
e a partir das quais a teia de relações pode ser interpretada e explicada. A este processo de
descida em busca das categorias mais simples, das categorias mais genéricas dá-se o nome
de análise, que é sempre um processo de separação, de seleção e de verificação de
implicações. Permanece para o jovem pesquisador o problema de saber até que ponto vai a
descida, até que altura segue a análise, em que ponto deve parar, qual o critério
estabelecido para parar. Tal questão relativa ao critério-fim do processo de análise encontra
solução no auto-convencimento do pesquisador em decorrência de uma imposição objetiva
da categoria como capacidade explicativa. A partir deste ponto a sua eleição vai ser
colocada em discussão entre os pares, momento em que deverá dar conta de sua robustez e
de sua capacidade de resistência.

Eleita(a) a(s) categoria(s) ordenadoras do discurso, passa-se a sua precisa definição de


maneira que os leitores possam captar com toda a clareza e precisão de que estamos
falando e com o que estamos nos comunicando. Durkheim em O Suicídio oferece
novamente um caso exemplar a ser analisado. Além de exercer a crítica e de indicar com
que categorias opera, define com a maior clareza seu entendimento do fenômeno do
suicídio e quais seus tipos principais e quais os fatores a eles relacionados.

Definidos os conceitos, importa ao pesquisador explorar todas as potencialidades inseridas


nas categorias eleitas. É o momento em que são traçadas relações gerais entre a categoria
(a) e a categoria (b). Por seu turno, este processo precisa ser feito com muita atenção de
modo a que o raciocínio teórico-abstrato não se confronte com fatos estabelecidos pela
pesquisa empírica. O tracejar e desenhar das relações presumidas portanto precisa ater-se
numa atitude muito próxima com os achados empíricos da época. Já que raciocinar
abstratamente não consiste em formalizar apenas mas encontrar as relações corretas que
permitam explicar a realidade, então a atenção aos achados empíricos é fundamental para
67

não incorre no abstracionismo vazio, freqüente nas ciências sociais e que tenta impor-se
como são teorizar, tal como o ensaismo, que não é pesquisa, e está tão ao gosto da
sociologia brasileira de todos os tempos.

UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA CONSTRUIR TEORIA

O exercício prolongado da docência em metodologia da pesquisa em ciências sociais não


acontece impunemente. Como as ciências sociais são permeadas por intermináveis
discussões de cunho metodológico e as abordagens prevalentes sucedem-se umas às outras
em períodos curtos de tempo, somos levados a crer que o entendimento entre os
pesquisadores sobre a prática metodológica adequada e aceita pelos pares desempenha um
papel tão relevante quanto outros fundamentos das metodologias. Os manuais de métodos
e técnicas de pesquisa, os livros de metodologia pouco se referem à comunidade dos
pesquisadores, às suas estruturas hierárquicas, às suas organizações associativas, aos
veículos de difusão dos conhecimentos e ao papel legitimador das regras e práticas
cotidianas do exercício da pesquisa. Entretanto, não é um fator desprezível. A legitimação
de práticas metodológicas reproduz-se mediante os canais de formação dos pesquisadores,
essencialmente a universidade, um meio de reprodução. Na universidade a formação dos
jovens pesquisadores passa pelo aprendizado de regras explícitas e implícitas do que seja o
que-fazer sociológico. Por ser uma instituição essencialmente reprodutiva, a universidade
acentua a reprodução e menos a inovação, a criação, a despeito do culto e do louvor que
são dados à crítica e à ruptura epistemológica. A tendência à reprodução aparece de forma
clamorosa quando se trata de teorizar. Tanto nos cursos de teoria propriamente dita, quanto
nos de métodos de pesquisa, a construção da teoria passa inevitavelmente pelo estudo dos
grandes teóricos e de suas construções. O estudante fica privado de exercitar-se em teorizar
à medida que teorizar significa emprestar as contribuições dos autores respeitáveis do
campo. Acostumando-se a teorizar “por empréstimo”, dificilmente os estudantes são
introduzidos no processo de construir teoria por conta própria. Quando o estudante é
levado a teorizar com base exclusivamente na contribuição dos outros autores, fecha-se o
círculo da reprodução dentro das universidades. Por isso, existe espaço para desenvolver
68

uma pedagogia do ato de teorizar que se projete para além do teorizar por empréstimo de
autores renomados.

TEORIZAR

A definição extremamente geral de que teorizar significa raciocinar em abstrato apresenta a


dificuldade que desde logo nem todo o raciocínio abstrato é boa teorização, mas somente
alguns raciocínios podem levar o nome de teorias. Como separar os raciocínios abstratos
que podemos chamar de fundamentos da teoria dos raciocínios abstratos que não são
considerados boa teoria? Há alguns critérios que precisam ser analisados e que permitem
refinar a noção de teoria.

No campo da ciência em geral, teoria é o raciocínio teórico que é base de explicação para
um conjunto de fenômenos e que passou pela prova do contrafogo e deu mostras de
vitalidade, de resistência, de robustez. Portanto somente o raciocínio abstrato que mantém
uma determinada relação com os fenômenos da natureza reserva para si o conceito de
teoria no consenso da comunidade científica. Em razão desta capacidade preditiva e
explicativa a teoria mostra seu poder de resistência. Esta resistência de cunho empírico
fornece um argumento sustentabilidade de enorme relevância, uma vez que as teorias
podem ser desfeitas a partir da apresentação de incongruências explicativas, de não
concordância factual, não adequação à realidade.

Pode-se pensar igualmente que existem critérios de fundo exclusivamente formal e lógico
para determinar a capacidade de resistência de uma teoria. Tal critério é de amplo uso no
campo das ciências em particular daquelas que operam com a lógica matemática, com a
lógica filosófica ou com qualquer outro tipo de lógica. Parece não ser razoável estabelecer
como único critério de veracidade do conhecimento a demonstração empírica. Assim, se
uma determinada teoria apresenta consistência lógica, solidez lógica enquanto construção e
enquanto conjunto de relações, este é um critério também necessário.
69

Por vezes, a comunidade científica não se encontra em condições de rejeitar um campo


teórico em relação a um outro por qualquer um dos argumentos acima apresentados. Resta
dizer que a eleição de uma teoria é feita mediante o critério de maior capacidade
explicativa, sendo preferível aquele sistema que possui maior capacidade de explicação
sobre o seu rival.

Este exercício sobre as condições necessárias para o raciocínio abstrato vir a resultar em
uma boa teoria dependem em critérios de logicidade, de resistência empírica ou outros
critérios considerados válidos pela comunidade dos pesquisadores. É uma validade que
prima pela objetividade dos critérios, mas também por um consentimento dos atores do
campo da pesquisa. Tal consentimento pode indicar algum grau de concessão a elementos
não inteiramente lógicos ou empíricos, mas a uma subjetividade da coletividade. E neste
sentido, as teorias ficam expostas às críticas e às contestações de sua época e de momentos
posteriores. Seria importante empregar mecanismos para expor a natureza desse
consentimento subjetivo da comunidade científica e suas implicações nas lutas entre
explicações conflitantes. Não me parece que o campo da ciência esteja completamente
imune deste mecanismo subjetivo da comunidade dos pesquisadores.
70

HIPÓTESE

Etimologia. Hipótese provém da palavra grega hypothesis (eos) que por sua vez decorre do
verbo hypo+tithenai que significa por em baixo de, supor, colocar, fundamentar.

Algumas definições cotidianas. Está escrito no Webster´s New Collegiate Dictionary que a
hipótese é “a tentative assumption made in order to draw out and test its logical or
empirical consequences”. O Dizionario Garzanti, italiano, traz que hipótese é “suposição,
raciocínio conjectural avançado na falta de dados certo para explicar aquilo de que se tem
conhecimento limitado”. Nas páginas da Internete conta que “uma hipótese é teoria
provável mas não demonstrada, uma suposição admissível. Surge no pensamento
científico após a recolha de dados observados e na consequência da necessidade de
explicação dos fenómenos associados a esses dados. É normalmente seguida de
experimentação, que pode levar à verificação ou refutação da hipótese”. “A hipótese é
tentativa de resposta ao problema formulado, a qual poderá ser comprovada ou não pela
pesquisa” (Salomon, 2000:370).
71

Hipótese é o componente “oculto” do projeto de pesquisa, embora imprescindível por


fornecer direção para o pesquisador. As agências financiadoras, não exigem a explicitação
formal de hipóteses nos projetos de pesquisa, o que constitui uma falha clamorosa. Assim é
no CNPq, assim é na National Science Foundation. Hipóteses também estão, por ironia,
freqüentemente ausentes de qualquer tratamento e análise pelos manuais de “métodos e
técnicas de pesquisa”, que são responsáveis pela formação dos jovens pesquisadores.

Entre filósofos da ciência nem tudo é paz quando se trata de hipótese. Kopnin é um
ardoroso defensor do papel da hipótese, sustentando a possibilidade de uma hipótese
transformar-se em teoria. Manuais que aderem ao empirismo e ao positivismo como
método de pesquisa tratam amplamente sobre a questão da hipótese (W. J. Goode e P.K.
Hatt tem um capítulo inteiro sobre o assunto; Selltiz e seus colaboradores também tratam
do tema). Popper não opera com o conceito de hipótese e sim com o de conjetura.
Conjeturas jamais chegam a teorias. Seu papel consiste em servir para serem refutadas e
quando não o são, mantem-se provisoriamente como conjeturas. Bourdieu e seus
colaboradores tratam sobre hipótese dentro da discussão da construção do objeto e o fazem
em dois momentos: primeiro relacionando hipóteses e supostos; segundo examinando o
papel da analogia na construção de hipóteses. Desta forma, Bourdieu e seus associados
sustentam a importância da hipótese no processo de construção do conhecimento. Henri
Poincaré, físico e matemático, tem um livro inteiro sobre “A ciência e a Hipótese”,
publicado pela editora da UnB

Uma hipótese é uma proposição ou um conjunto de proposições formuladas a respeito do


objeto de pesquisa, sujeitas ainda ao crivo da confirmação ou da rejeição. As proposições
têm por base as categorias teóricas privilegiadas pelo pesquisador. A escolha das
categorias e a enunciação de proposições envolvem pressupostos sobre ciência, método ou
sobre a sociedade estudada.

Caracteriza a hipótese um caráter preliminar, uma explicação tentativa que parte de


fundamentos certos e extende-se para além da certeza, para além do comprovado, com o
objetivo de fazer avançar o conhecimento. Hipótese é uma pré-tese.
72

A hipótese é uma resposta ao problema formulado. Consequentemente, hipótese e


problema mantêm simetria absoluta. Se o problema é formulado de maneira descritiva, a
hipótese também será descritiva. Se o problema é de tipo explicativo, a hipótese também o
é. Se o problema for de tipo causal, a hipótese será igualmente causal. “Há intimidade de
relação entre problema e hipótese. Formam um todo orgânico” (Salomon, 2000:370).

A hipótese exerce um papel de guia para a pesquisa. Desde que se tem uma hipótese em
mira, a seqüência da pesquisa é conduzida na direção apontada pela hipótese. A análise
teórica a ser feita, o trabalho de campo, a observação são orientados pela hipótese.

Qual o grau de abstração em que é formulada a hipótese? A hipótese é formulada ao mais


elevado grau de abstração possível. As hipóteses tem características gerais e não
particulares. Pretendem oferecer interpretações válidas não apenas para o caso estudado,
mas para outras circunstâncias também.

Como construir hipóteses? Que operações epistemológicas precisa um estudante realizar


para chegar a hipóteses convincentes?

Tanto problema como hipótese buscam produzir conhecimentos novos. E como se


adquirem conhecimentos novos? A hipótese pode representar um insight que o pesquisador
consegue ter, uma intuição que obtem a partir de experiências de campo, de estudo de
dados estatísticos, reflexão sobre alguma questão social candente. Esta forma de considerar
a origem da hipótese fundamenta-se mais no papel da imaginação e da sensibilidade para a
construção da ciência.

A hipótese pode ser também decorrência de uma crítica exercida sobre os conhecimentos
existentes no campo e suas limitações para explicar os fenômenos estudados. Esta outra
maneira de construir hipótese funda-se mais na racionalidade e na lógica das construções
explicativas.

As operações epistemológicas envolvidas na construção da hipótese podem ser resumidas


assim :
a) conhecimento detalhado sobre o objeto;
73

b) crítica epistêmica em relação aos conhecimentos existentes sobre o objeto pesquisado;


c) eleição de categorias teóricas para explicar a realidade social;
d) formulação de proposições concatenadas a respeito do objeto de pesquisa;
e) derivação de implicações que podem ser observadas na prática concreta ou que podem
ser analisadas pela via da consistência lógica.

PLANO PARA O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Nesta altura do projeto, há espaço para discussões epistemológicas e metodológicas, em


que são explicitados os pressupostos muitas vezes latentes das opções realizadas pelo
pesquisador (ver páginas 11 a 19 deste texto).

Nem todo o projeto de pesquisa é totalmente voltado para a discussão e construção do


campo teórico prescindindo completamente do referencial empírico, o que por vezes é o
caso. Inversamente, seria difícil senão impossível um projeto que só comportasse
tratamento empírico, alheio às questões mais gerais e abstratas. Freqüentemente projetos
combinam as duas situações, teórica e empírica.

Seja qual for o âmbito do projeto – absolutamente apenas discussão teórica; totalmente
pesquisa empírica; ou uma combinação em diversas proporções de desenvolvimento
teórico e empírico – o desenvolvimento da pesquisa requer planejamento, resumido
sinteticamente em três situações:
74

- projetos cujo alcance é de cunho teórico exclusivamente;


- projetos de cunho empírico exclusivamente;
- projetos que combinam discussão teórica com investigação empírica.

No primeiro caso, em que consiste o plano de pesquisa? Antes de mais nada, alguns
exemplos: analisar o conceito de revolução em Karl Marx; analisar a divisão social do
trabalho em Émile Durkheim; analisar o conceito de racionalidade em Max Weber;
analisar o conceito de revolução burguesa em Florestan Fernandes; comparar a relação
sociedade indivíduo em Anthony Giddens e Pierre Bourdieu; etc. Tais tipos de projetos
conduzem imediatamente para o estudo e a análise crítica das obras dos autores referidos.
Entretanto, além do estudo do entendimento das proposições teóricas pelos autores
proponentes em si, deveriam também ser revistos outros autores, em geral coetâneos ou
posteriores, que comentaram, analisaram, criticaram, reformaram, reinterpretaram e
revisaram essas obras ou construíram propostas diferentes a respeito da mesma questão.
Por último, o pesquisador pode querer lançar uma proposta própria. O plano de
desenvolvimento da pesquisa, pois, estrutura-se em pelo menos três direções fundamentais:
leitura crítica dos textos dos autores originais; resenhas dos autores posteriores;
fundamentação, enunciação e construção de proposta própria.

Em relação ao segundo tipo de projeto de âmbito exclusivamente empírico, ocorre uma


grande discussão em ciências sociais, se sequer devam ser considerados pesquisa tais tipos
de projetos. O mais freqüente é tê-los como levantamentos empíricos desprovidos de
maiores investimentos na discussão teórica. É próprio da pesquisa avançar o
conhecimento. O conhecimento se faz teoricamente. Portanto, uma pesquisa que aspirasse
apenas coletar e analisar informações não contribui para o avanço do conhecimento,
porque declina de seu papel em construir teoria. Pedro Demo escreve que o vetor da
pesquisa vai da teoria para a empiria e não o inverso. Por outro lado, os empiristas
argumentam que freqüentemente colocam-se problemas novos para a pesquisa, jamais
analisados. E que o entendimento das manifestações empíricas de um problema é um passo
importante para a construção de conhecimento teórico. O debate prossegue por vias menos
simpáticas e argumentos menos polidos, como é de conhecimento corrente entre
pesquisadores de ciências sociais. Sem pretender fugir ao debate ou superá-lo, este
segundo grupo não vai ser tratado separadamente entre outras razões por que seus planos
75

de desenvolvimentos são cobertos totalmente pelos projetos do terceiro grupo, aqueles que
combinam teoria e empiria em variáveis proporções.

A terceira classificação de projetos incorpora tudo o que foi dito sobre os projetos de
cunho eminentemente teórico e acrescenta a dimensão empírica. Como pensar um plano de
desenvolvimento da pesquisa no terreno empírico? Já foi escrito antes que o critério sobre
o que pesquisar é dado pela hipótese. A(s) hipótese(s) são guia(s) para a pesquisa. Indicam
o que pesquisar, onde pesquisar e como pesquisar.

A pesquisa empírica necessita de matéria prima sobre a qual trabalhar. A matéria prima é
constituída por informações dos mais diversos gêneros necessárias para a pesquisa e que
devem ser levantadas pelo pesquisador. Esta é uma decisão que cabe ao pesquisador fazer:
quais as informações requeridas pela hipótese da pesquisa?

Estabelecido o rol de informações necessárias, o pesquisador planeja a maneira como obtê-


las. Decisões sobre as informações e sobre como a maneira pela qual obtê-las formam
grandes divisores de água entre os metodólogos das ciências sociais. Por exemplo, o
grande debate sobre “método quantitativo” ou “método qualitativo” acerba ânimos neste
momento de elaboração do plano de pesquisa. Não são apenas as questões tipicamente
metodológicas que criam debates acirrados, como também as questões éticas embutidas na
pesquisa. O emprego das convencionais técnicas de entrevistas individuais escondem que a
entrevista é um fato artificial criado pelo pesquisador para produzir informações para seu
proveito. É um fato envolvido pela artificialidade de um encontro não usual entre duas
pessoas, uma das quais é entrevistador e o outro entrevistado. Ambos são sujeitos, mas
atores com distintos poderes e o pesquisador ocupando posições sociais frequentemente
mais elevadas. O entrevistador não tem nenhuma autoridade para exigir que o entrevistado
lhe abre sua alma e forneça tal ou qual tipo de informação. A única razão que autoriza que
o entrevistado forneça informações ao entrevistador provém de sua boa vontade e de sua
concordância. A liberdade não está abolida na relação que coloca lado a lado entrevistador
e entrevistado. Cabe ao entrevistador respeitar a liberdade do entrevistado.

Uma outra situação presente na relação de entrevista é a distância cultural. É muito


freqüente que o entrevistador tenha níveis educacionais muito mais elevados que o
76

entrevistado. Às vezes o contrário também pode acontecer. Quando o desnível educacional


é a desfavor do entrevistado, pode colocar-se a situação de imposição cultural. Não se trata
apenas de no campo lingüístico o entrevistado não captar o significado das expressões
empregadas pelo pesquisador. Problema bem maior do que esse consiste em o
entrevistador impor uma problemática sobre a qual o entrevistado não tem domínio ou
controle, uma problemática que lhe é estranha. Ao colocar questões inexistentes para a
vida do entrevistado, as respostas que o pesquisador obtém são vazias de sentido. Pior
ainda se além de vazias de sentido são obtidas pela imposição cultural do lugar donde fala
o pesquisador.

Tais questões éticas e metodológicas da maneira como os dados são levantados podem ser
ampliadas ad infinitum sendo seu tratamento interrompido abruptamente neste ponto.

Vencida a maratona de levantamento, os dados passam por um crivo de consistência e de


crítica. Esta fase é muito importante quando o pesquisador não é o próprio levantador dos
dados, quando o levantador é contratado.

Em seguida, os dados são processados pelos meios convencionalmente ao alcance do


pesquisador e que são os meios aceitos pelo mundo dos pesquisadores. Dados quantitativos
e qualitativos podem ser processados eletronicamente ou de forma manual, dependendo
das condições à disposição do pesquisador.

ORÇAMENTO

Orçamento é a parte do projeto que arrola os custos da pesquisa e detalha os recursos


necessários para sua realização. A construção de um orçamento varia significativamente de
acordo com o horizonte em que se move o pesquisador: se pesquisa constitui atividade
acadêmica propriamente dita; ou se a pesquisa realizada com objetivo de lucro. No
segundo caso, que este livro mencionará apenas de passagem, o orçamento em geral não é
feito pelo pesquisador e sim pelo gerente, administrador, coordenador ou empresário da
77

pesquisa, pois é ele quem avaliará itens como taxas de administração e taxas de ganho, que
extendem-se para além dos custos de pesquisa propriamente ditos.

As agências governamentais de fomento, nacionais ou internacionais, federais ou


estaduais, detalham em seus formulários e editais regras de orçamento, que constitui, como
já referimos, argumento fundamental para a implantação da administração por projetos.
Cabe ao pesquisador seguir tais recomendações, por mais burocráticas que pareçam e por
mais distantes que estejam das necessidades concretas da pesquisa.

A pesquisa em ciências sociais e humanas distingue-se da pesquisa em ciências naturais


pelo perfil de seus custos. As sociais e humanas apresentam gastos mais elevados em
custeio, particularmente no sustento de pesquisadores auxiliares, e menores gastos em
capital. As ciências naturais, da terra e da vida, requerem muitos recursos de capital, em
decorrência da necessidade de equipar laboratórios. Fique o leitor atento para o fato de que
não são apenas estes fatores que explicam a alocação de recursos de pesquisa entre áreas
do conhecimento. Há que considerar ainda o poder das comunidades científicas, as
tradições construídas através do tempo e as prioridades das agências de fomento.

Facilita ao pesquisador distinguir gastos em capital (equipamentos, livros) de gastos com


custeio (bolsas, materiais de pesquisa). O trabalho de auxiliares de pesquisa, que constitui
item importante de gastos nas ciências sociais, requer estimativa bastante precisa para não
encontrar-se o pesquisador à entrega dos relatórios sem metade das atividades
desenvolvidas. Se necessários deslocamentos, faz-se preciso calcular seu custo e alocar
recursos para cobri-los. Quaisquer outras gastos precisam ser estimados e orçados.
Agências de fomento resistem à inclusão de taxas de administração entendendo o
pesquisador como guarda livros. Veremos até quando vigorará tal concepção!

CRONOGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA


78

Fazer um bom cronograma do desenvolvimento da pesquisa é resultado também da prática


acumulada em pesquisa. Por isso, é uma atividade difícil para o jovem pesquisador.

Como ponto de partida, o pesquisador lista todas as atividades a serem desenvolvidas pela
pesquisa – vale lembrar a metáfora do arquiteto que constrói o projeto em sua cabeça antes
que seja desenvolvido na prática pela engenharia - incluindo a revisão da bibliografia
nacional e internacional, a construção dos instrumentos de pesquisa e seus testes, a coleta
de informações no campo ou de informações secundárias, as viagens e deslocamentos
necessários para produzir informações, a crítica das informações obtidas, seu
processamento e sua análise. E estima o tempo necessário para cada uma delas. Estes itens
aplicam-se às pesquisas tanto de tipo quantitativo, quanto qualitativo. Diferem se a
pesquisa for entendida como puramente teórica, quando o cronograma precisa ser ajustada
a esta particularidade.

O cronograma compreende também a redação do relatório final. O relatório pode tomar a


forma de monografia, dissertação, tese, livro, artigo, texto para conferência. Como estimar
o tempo necessário para sua redação? Depende da capacidade de redigir de cada
pesquisador. Entretanto, parece razoável supor que uma tese de 200 páginas requeira sete
meses para sua redação final, o que significa que o autor redige uma página de texto final
por dia, incluídos fins de semana e feriados. A redação média de uma página por dia
considera a produção de texto final, isto é, no formato e na versão que segue para a gráfica
ou para a revista especializada, a saber, após ter passado pelo crivo dos revisores,
orientadores e críticos. Os pesquisadores rápidos e precisos no métier da redação de
relatórios finais e de artigos científicos podem ajustar as demandas de tempo ao seu
próprio passo e ritmo de trabalho.

A REDAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA

Existe uma ordem a ser seguida na construção do projeto de pesquisa?


79

A ordem do projeto é dada pela força do argumento extraída da ordem e da organização do


projeto. Um projeto de pesquisa é um discurso que visa a convencer uma determinada
platéia. Particularmente projetos de pesquisa que entram em competição, como seleção
para mestrado e doutorado, obtenção de recursos de pesquisa, são suscetíveis a este tipo de
fundamentação. Ou seja, como a banca que lerá, avaliará e tomará decisão sobre o projeto
de pesquisa é uma questão crítica para quem escreve e constrói um projeto. Tem-se que
antecipar as seguintes questões: quem lerá o projeto? Quem avaliará? Quem tomará a
decisão? Quais os critérios que esta platéia-com-poder-de-decisão vai empregar para
analisar um projeto de pesquisa? Este s critérios já estão explicitados com antecedência?
São critérios implícitos?

Colocando desta maneira a questão da redação do projeto de pesquisa, a forma de sua


organização, o tipo de linguagem empregada, as figuras e as imagens empregadas, a
argumentação seguida, a linha teórica detalhada, a coerência, a consistência, a
fundamentação, as perspectivas que apresenta, parece que estamos invertendo o pólo da
discussão: a forma prevalece sobre o conteúdo. Não é este o caso. Projetos não são
selecionados em função de suas formas. São antes pelos seus conteúdos. Mas a forma é
uma parte imprescindível. Porque a forma carrega a mensagem. A forma embala o
conteúdo. No marketing contemporâneo para as vendas de mercadorias a forma, a
embalagem, é um item imprescindível para a transação de produtos. No mundo das idéias
não é diferente. A forma de organização do projeto tem importância capital, porque os
avaliadores, os leitores são pessoas que tem preferências, que precisam tomar decisões.

Entretanto, jamais a forma deve prevalecer sobre conteúdo. O conteúdo é a alma de um


projeto de pesquisa, seu cerne, sua essência.

A ordem dos fatos, portanto, pode ser assim estabelecida: prevalece o princípio do primado
do conteúdo sobre a forma.

Mas projetos são feitos não apenas para melhorar a pesquisa. São também formas pelas
quais os comitês, as comissões, os grupos-com-poder-de-decisão empregam para tomar
suas decisões. Esta razão de ser conduz a valorizar a forma de organização e de redação do
projeto de pesquisa. Ainda que o princípio que rege a pesquisa seja sempre a da
80

prevalência do conteúdo sobre sua forma, mesmo assim a forma não pode ser deixada de
lado na construção de um projeto de pesquisa que se destina a algum tipo de seleção aberta
ao uma população de interessados.

Hoje em dia é muito freqüente que os projetos já tragam explicitamente quais os critérios
que serão observados para a sua seleção. As agências financiadoras já indicam nos seus
editais e chamadas os critérios de decisão. Algo como acontece nos concursos para
contratação de pessoal.

CONTROLE SOCIAL DA CIÊNCIA

O emprego do termo ‘controle’ para definir restrições aplicáveis à ciência faz-me arrepiar
os cabelos. Lá vem a história de Galileu Galilei. Não se trata disso, entretanto.

Trata-se de, por um lado, defender a liberdade e autonomia de pensamento e pesquisa. Este
é um ponto de partida que não pode ser questionado sob pena de colocar abaixo toda a
construção científica através da história e para o futuro.

Mas existem limites éticos, morais e políticos para a ciência? Limites éticos não há
dúvidas, em se tratando de ética individual. Mas estou falando de ética social e não
individual. Limites morais e políticos dependem destes limites éticos sociais.

Na prática as sociedades, os países, as nações, impõem limites à ciência ou por leis ou por
formas administrativas, estabelecendo o orçamento e fixando-lhe prioridades.

Para as nações se pautarem de uma forma aceitável, os argumentos para um controle ético
social só podem decorrer dos mais elevados valores a serem defendidos pela sociedade.
Conforme a seguinte perspectiva. A ciência é um produto humano, assim como a indústria,
as artes, a agricultura, o saber popular etc. Tudo o que for humano deve submeter-se aos
princípios fundamentais que regem a vida em coletividade. Ora quais são estes princípios?
Gerais, muito gerais. Nenhum desenvolvimento científico é aceitável se for contra a
manutenção e a existência do gênero humano (argumento humanitarista), se for contra o
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meio ambiente (argumento ecológico), se produzir efeitos negativos sobre o universo


(argumento universal) se infligir punições e sofrimentos para os seres humanos (argumento
da felicidade). Somente, estas motivações são razão suficiente para pensar num controle
social da ciência.

Como processualmente isto ocorre? Normalmente determinados grupos de interesse


começam por questionar aspectos e efeitos negativos da ciência sobre a sociedade ou o
meio ambiente. Inicia-se um conflito. A partir desta pressão, os canais decisórios se
manifestam. Ouve-se a comunidade científica. Ouve-se a sociedade . Toma-se uma
decisão. Desta forma há uma maneira de reconciliar liberdade de pensamento com controle
ético social da ciência.

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