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10 Pérez et al. Quim.

Nova
Quim. Nova, Vol. 24, No. 1, 10-12, 2001. Artigo

ANÁLISE DOS ÁLCOOIS, ÉSTERES E COMPOSTOS CARBONÍLICOS EM AMOSTRAS DE ÓLEO FÚSEL

Eduardo R. Pérez, Daniel R. Cardoso e Douglas W. Franco*


Departamento de Química e Física Molecular, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 780,
13560-970 São Carlos - SP

Recebido em 19/8/99; aceito em 29/8/00

ANALYSIS OF THE ALCOHOLS, ESTERS AND CARBONYL COMPOUNDS IN FUSEL OIL


SAMPLES. Analysis of alcohols, esters and carbonyl compounds were performed using HRGC and HPLC
techniques in samples of fusel oils from three different Brazilian alcohol distilleries. High content of
isoamyl alcohol (390 g.L-1), isobutyl alcohol (158 g.L -1), ethyl alcohol (28,4 g.L-1), methyl alcohol (16,6
g.L -1) and n-propyl alcohol (11,9 g.L -1) were found. These compounds represent 77 ± 8 % of the
approximated weight of a liter of fusel oils. The obtained results show the feasibility of using fusel oils
as low-cost raw material for the synthesis of chemicals.

Keywords: fusel oils; alcohols; esters; carbonyl compounds.

INTRODUÇÃO correspondente ao total acumulado durante toda uma safra.


Assim, esta última fornece uma idéia da composição anual
Para países produtores e exportadores de açúcar de cana média do óleo fúsel produzido pela usina correspondente.
como Brasil e Cuba é de elevada importância o aproveitamen-
to dos subprodutos: bagaço, óleo fúsel e dióxido de carbono1. Equipamentos
O bagaço é empregado como fonte de energia diminuindo o
consumo de petróleo nas usinas2 ou como matéria prima para Para a análise de álcoois e ésteres empregou-se um
a produção de papel e materiais de construção3. Entretanto, o Cromatógrafo gasoso HP-5890A equipado com uma coluna HP-
óleo fúsel4 e o dióxido de carbono5 ainda não são devidamente FFAP (50 m x 0,2 mm x 0,33 µm, polietileno glicol modifica-
aproveitados. do) e detector de ionização em chama (FID). A metodologia
Óleo fúsel é a fração menos volátil obtida durante o proces- empregada foi similar aquela utilizada na análise de aguarden-
so de destilação do álcool combustível. A produção de álcool te8-11. A temperatura do detector foi fixada em 250°C; a do
em uma usina de porte médio pode alcançar até 1,5 milhões de injetor em 250°C; modo de injeção com divisão na razão 1:15;
litros por dia. A proporção média de óleo fúsel é estimada em volume de injeção 1,00 uL; fluxo do gás de arraste na coluna
2,5 litros cada 1000 litros de álcool. Assim, torna-se evidente (H2): 1 ml/min. Os fluxos dos gases para alimentação do detector
que o volume de óleo fúsel produzido anualmente é considerá- foram: 30 ml/min. de H 2 e 300 ml/min. de ar sintético. O pro-
vel, levando-se em conta que a produção de álcool na safra grama de temperatura utilizado foi: 50°C (isotérmico durante 5
1997/98 foi de 15,4 bilhões de litros6,7. Este trabalho tem como min) depois a 2°C/min até 100°C (isotérmico durante 3 min)
objetivo o estudo qualitativo e quantitativo da composição depois a 5°C/min até 190°C (isotérmico durante 30 min) e a
química do óleo fúsel com vistas à fornecer subsídios para a 5°C/min até 220°C (isotérmico durante 15 min). Para a análise
sua exploração industrial. álcool etílico, álcool metílico e álcool n-prop empregou-se uma
coluna HP-CARBOWAX 20M (50 m x 0,32 mm x 0,3 µm)
PARTE EXPERIMENTAL com o seguinte programa de temperatura: 55°C (3 min) a
4°C/min até 80°C depois a 6°C/min até 130°C depois a
Reagentes 20°C/min até 230°C. O fluxo do gás de arraste na coluna foi de
1,2 ml/min. As demais condições experimentais empregadas
Os padrões de álcoois, ésteres, áldeídos e cetonas foram foram as mesmas utilizadas para os outros álcoois.
sempre de grau analítico (Merck, Aldrich). O álcool etílico e o A análise dos compostos carbonílicos foi efetuada empre-
álcool metílico utilizados foram de grau cromatográfico (Carlo gando-se um cromatógrafo liquido SHIMADZU LC-10AD
Erba, Mallinckrot). A água utilizada foi previamente destilada e equipado com um detector UV-Vis tipo “photodiode array”. A
posteriormente desionizada por um sistema Milli-Q (Millipore). separação foi efetuada em uma coluna de fase reversa
O reagente 2,4-dinitrofenilidrazina (Aldrich) foi purificado por SUPELCO LC-18 (25 cm x 4.6 mm x 5 µm). A fase móvel
três sucessivas recristalizações em metanol. utilizada foi metanol-água, com gradiente de eluição de 65 %
até 85 % de metanol. O comprimento de onda para a detecção
Amostras dos analitos foi fixada em 365 nm.
Foram coletadas amostras de três indústrias produtoras de Preparo das Soluções Padrões e Curvas de Calibração
açúcar e álcool do Estado de São Paulo. As amostras foram
codificadas como OF-1, OF-2 e OF-3. Para uma melhor As curvas de calibração para cada um dos álcoois e dos
representatividade foram coletadas três amostras de cada pro- ésteres foram obtidas por diluições das respectivas soluções
dutor em diferentes etapas da safra. Uma das coletas foi uma estoque (1000 mg/L) em uma solução de álcool etílico-água
alíquota proveniente de um tanque de 5000 litros de óleo fúsel (4:6 v/v). Quando os compostos a serem analisados foram
álcool etílico, álcool metílico e álcool n-propílico as curvas de
calibração foram preparadas por diluições das respectivas
*
E-mail: douglas@iqsc.sc.usp.br soluções estoque (1000 mg/L) em álcool isoamilíco. Foram

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Vol. 24, No. 1 Análise dos Álcoois, Ésteres e Compostos Carbonílicos em Amostras de Óleo Fúsel 11

Tabela 1. Dados obtidos para as curvas de calibração (álcoois e ésteres: 50, 100, 250, 500 e 1000 mg/L; Acetaldeído: 5, 10, 20,
40 e 60 mg/L; Propionaldeído: 1, 3, 5, 7 e 10 mg/L)
Composto Tempo de Coeficiente de Interseção Inclinação Desvio
Retenção (min.) regressão linear R A B padrão S D
Álcool metilíco 3,08 0,9912 -0,0324 4,8 x 10-4 0,0187
Álcool etilíco 3,30 0,9940 -0,0277 6,9 x 10-4 0,0259
Acetato de metila 3,75 0,9981 -0,0272 7,0 x 10-4 0,0106
Álcool n-propilíco 4,23 0,9997 -0,0149 2,1 x 10 -4 0,0051
Álcool isobutílico 11,65 0,9934 -0,0373 7,7 x 10 -4 0,0440
Acetato de amila 12,28 0,9964 -0,0232 7,7 x 10-4 0,0161
3-pentanol 13,29 0,9940 -0,0661 2,8 x 10-3 0,0773
Álcool n-butílico 15,02 0,9941 -0,0254 1,0 x 10 -3 0,0286
Álcool isoamílico 18,02 0,9950 -0,0271 1,2 x 10 -3 0,0274
Acetato de hexila 20,85 0,9955 -0,0326 1,1 x 10 -3 0,0268
n-octanol 35,82 0,9901 -0,0287 1,5 x 10-3 0,0534
Benzoato de metila 42,03 0,9986 -0,0110 1,1 x 10-3 0,0268
Mentol 42,40 0,9986 -0,0138 1,0 x 10-3 0,0247
Decanol 46,55 0,9844 -0,0240 1,3 x 10 -3 0,0609
Dodecanol 51,70 0,9996 -0,0110 1,1 x 10 -3 0,0095
Acetaldeído 9,83 0,9995 0,6326 1,9 x 10-3 2,3530
Propionaldeído 23,66 0,9946 -0,4770 3,8 x 10-3 1,4580

obtidos cinco pontos de concentração na faixa de 50 a Tabela 2. Teores médios de álcoois, ésteres e aldeídos em
1000 mg/L, veja-se Tabela 1. Foi empregado como padrão amostras de óleo fúsel. Concentração média (g.L -1) de 3 series
interno o álcool n-hexílico (800 mg/L). As curvas de calibração de amostras para cada usina.
para álcoois e ésteres foram obtidas por regressão linear
Composto OF-1 OF-2 OF-3
plotando-se a área do analito/área do padrão interno versus
concentração do analito. Os coeficientes de correlação obtidos Álcool metilíco 26,9 17,7 5,0
foram próximos da unidade. Álcool etilíco 46,9 12,0 26,4
As curvas de calibração para o acetaldeído e o propionaldeído
foram preparadas com cinco pontos de concentração na faixa de Álcool n-propilíco 14,5 6,5 14,6
5 a 60 mg/L para acetaldeído e 1 a 10 mg/L para propionaldeído, Álcool isoamílico 380 367 425
a partir das correspondentes 2,4-dinitrofenilhidrazonas. Foi Álcool isobutílico 133 140 201
empregada uma mistura metanol/acetonitrila (8:2) como
Acetato de metila ND 8,7 x 10-4 ND
dissolvente. As curvas para os aldeídos foram obtidas por re-
gressão linerar plotando-se a área do analito versus a concen- Acetato de amila 3,7 x 10-4 ND ND
tração do analíto, obtendo-se coeficientes de correlação próxi- 3-pentanol 1,1 x 10-4 ND 8,3 x 10-5
mos das unidade. Álcool n-butílico 2,7 x 10 -3 2,3 x 10-3 6,0 x 10-4
Acetato de hexila 2,3 x 10 -4 2,5 x 10-4 5,8 x 10-4
RESULTADOS E DISCUSSÃO
n-octanol 1,4 x 10-4 9,8 x 10-4 ND
Na Tabela 1 estão reunidos os valores obtidos para as cur- n-decanol 1,2 x 10 -4 ND 9,0 x 10-5
vas de calibração dos compostos analisados.
Álcool n-amílico 1,7 x 10-3 2,1 x 10-3 3,1 x 10-3
Os álcoois e ésteres foram identificados por sucessivas adi-
ções de padrão e pelo respectivo tempo de retenção em dife- Formiato de etila 1,1 x 10 -4 ND 9,4 x 10-4
rentes colunas (HP-CARBOWAX 20M E HP-FFAP). Os com- Álcool 2-butílico 1,3 x 10 -4 2,0 x 10-3 3,0 x 10-3
postos carbonílicos foram identidicados por comparação do Benzoato de metila 1,4 x 10-3 1,6 x 10-3 9,3 x 10-3
tempo de retenção e sucessivas adições de padrão.
A Tabela 2 resume os resultados provenientes das amostras Acetaldeído 1,2 x 10 -2 1,0 x 10-2 5,2 x 10-3
correspondentes a diferentes etapas da safra de 1997 / 98, de Propionaldeído 1,9 x 10 -3 3,1 x 10-3 2,8 x 10-3
três usinas produtoras de álcool. Observa-se através destes re-
ND: não detectados.
sultados que os álcoois isoamilíco e isobutilíco são os com-
postos majoritários. Foram encontrados baixos teores médios
dos ésteres e aldeídos detectados nas amostras analisadas o orgânicas12-18 e como solventes de extração nas analises de com-
que não descarta a possibilidade da sua exploração futura, postos de interesse farmacológico19,20. Seus derivados, ésteres, têm
empregando tecnologias convenientes. grande utilidade nas indústrias de plástico e perfumaria.
A Tabela 3 a seguir resume os teores médios para os princi- A Tabela 4 reúne os álcoois que constituem 77 ± 8 % da
pais compostos nas amostras de óleo fúsel estudadas mostrando massa média de um litro de óleo fúsel. O álcool isoamilíco
que os teores médios dos álcoois isoamilíco (390,0 g.L-1) e apresenta a maior contribuição a esta porcentagem.
isobutilíco (158,0 g.L-1) nas diversas amostras são da mesma or- Assim elevados teores dos álcoois isoamilíco e isobutilíco
dem de grandeza. Estes componentes possuem reconhecida im- (390 e 158 gramas, respectivamente por litro do óleo fúsel), o
portância dadas as suas aplicações como reagentes em sínteses baixo preço comercial do óleo fúsel (R$ 0,30 por litro) e seu

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Tabela 3. Teores médios (g.L -1) dos álcoois majoritários nas amostras analisadas. (± desvio padrão).
Composto OF-1 OF-2 OF-3 Média
Álcool metilíco 26,9 (± 1,1) 17,7 (± 0,9) 5,0 (± 0,8) 16,6 (± 8,9)
Älcool etilíco 46,8 (± 0,8) 12,0 (± 0,7) 26,4 (± 1,0) 28,4 (± 17,8)
Álcool n-propilíco 14,5 (± 2,5) 6,5 (± 1,3) 14,6 (± 2,0) 11,9 (± 4,7)
Álcool isoamilíco 380 (± 8) 367 (± 7) 425 (± 12) 390 (± 48)
Álcool isobutilíco 133 (± 7) 140 (±4) 201 (± 6) 158 (± 59)

Tabela 4. Porcentagens dos álcoois majoritários nas amostras de óleo fúsel analisadas.
Composto Concentração OF-1 OF-2 OF-3
média (g.L-1) (812 g.L-1) (786 g.L-1) (788 g.L-1)
Álcool metilíco 16,6 3,3 % 2,3 % 0,7 %
Álcool etilíco 28,4 5,7 % 1,5 % 3,3 %
Álcool n-propilíco 11,9 1,8 % 0,8 % 1,8 %
Álcool isobutilíco 158 16,4 % 17,8 % 25,5 %
Álcool isoamilíco 390 46,8 % 46,6 % 54,0 %
Totais 705 74,0 % 69,0 % 85,3 %

elevado volume de produção por safra (350 milhões de litros na 6. Clark, W. C.; Ed. Carbon Dioxide Review, 1992; Clarendon
safra 1997-98), são fatores que devem estimular propostas de Press; Oxford, U. K., 1982, 303.
desenvolvimento de tecnologia para a sua exploração industrial. 7. Oman, H.; CHEMTECH 1988, 116.
Estudos de algumas destas propostas encontram-se em desen- 8. Bezerra, C. W. B.; Nascimento, R. F.; Cerroni, J. L.; Lima
volvimento em nosso Laboratório. Neto, B. S.; Franco, D. W.; Reunião Anual da SBQ,
Caxambu - MG, 1994.
AGRADECIMENTOS 9. Bezerra, C. W. B.; Nascimento, R. F.; Furuya, S. M. B.;
Cerroni, J. L.; Lima Neto, B. S.; Franco, D. W.; Reunião
Os autores agradecem a FAPESP, CNPq e CAPES pelos Anual da SBQ, Caxambu - MG, 1995.
auxílios financeiros e bolsas concedidas. As usinas do Estado 10. Lanças, F. M.; Galhiane, M. S.; Bol. Soc. Chil. Quim.
de São Paulo: Colosso, São José do grupo Zillo-Lorenzetti e 1993, 38, 177.
Malosso pela doação das amostras. 11. Bezarra, C. W.; Dissertação de Mestrado, IQSC-USP, São
Carlos, SP, 1995.
REFERÊNCIAS 12. Catálogo SIGMA de reagentes químicos, 1998.
13. Ogonowski, J.; Sikora, E.; Przem Chem. 1996, 75, 135.
1. Clarke, M.; Edye, L.; ACS Sym. Ser. 1996, 647, 229. 14. Lietti, L.; Sun, Q.; Herman, R. G.; Catal. Today 1996, 27, 151.
2. Dados obtidos durante uma visita realizada na usina São 15. Vaze, A. S.; Sawant, S. B.; Pangarkar, V. G.; J Appl.
José do grupo Zillo-Lorenzetti, novembro de 1998, (Co- Electrochem. 1997, 27, 584.
municação particular). 16. Mitra, A.; Subramanian, S.; Das, D.; Appl. Catal. A-Gen.
3. Dados do Ministério da Indústria Açúcareira de Cuba 1997, 153, 233.
(MINAZ), outubro de 1998 (Comunicação particular). 17. Sasaki, Y., Chem. Lett. 1996, 9, 825.
4. Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool 18. Kuroda, Oi. S.; Matsuno, Y. S.; Nippon Kagaku Kaishi
do Estado de São Paulo Ltda. – COPERSUCAR., V 1993, 8, 985.
Seminário de Tecnologia Industrial, São Paulo, 19. Garcia, M. A.; Aramayona, J. J.; Bregante M. A.;
Editoração Eletrônica; Digital Art Computação Gráfica J. Chromatogr. B 1997, 693, 377.
S/C Ltda. 1993. 20. Liaw, W. J.; Ho, S. T.; Wang J. J.; Hu, O. Y. P.; Li, J.
5. Aresta, M.; Quim. Nova 1999, 22, 269. H.; J. Chromatogr. B 1998, 714, 237.

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