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Curso: Lacan - Estruturas e

Clínica Psicanalítica

Aula #9

"A ação da análise visa dar condições ao paciente de escolher aquilo que melhor
convém, escolha que o conflito neurótico lhe interdita” (trata-se de transformar o
conflito patogênico em conflito normal (C. Jorge p. 110) (…) "o conflito sempre existirá
para o sujeito, apenas a análise visa transformar o sofrimento histérico em infelicidade
comum” (p. 111).

A direção da análise: Interpretação e transferência

“O fim do nosso ensino, no que ele persegue o que se pode dizer e enunciar do
discurso analítico, é dissociar o a do A, reduzindo o primeiro ao que é do imaginário e o
outro, ao que é do simbólico". Jacques Lacan

Primeiramente precisamos relembrar o ponto de início do trabalho de Lacan com seu


“Retorno a Freud”. Os pós-freudianos estavam centrados cada vez mais na eixo
imaginário, principalmente ao adotarem a contratransferência como um lugar possível
do analista. Inconsciente e sexualidade são colocados em segundo plano, assim como a
fala do analisando se tornou cada vez menos relevante, “(…) na prática dos pós-
freudianos a fala do analisando não era ouvida, ou era ouvida para ser descartada em
prol do saber psicológico por eles promovidos”. (p. 146). Lacan muitas vezes critica essa
postura, como ao final do texto “O estádio do espelho” em que coloca que a arte do
analista consistia em suspender as certezas do analisando e completa essa ideia com as
noções de fala vazia e fala plena (Seminário 1). Na fala vazia temos o falar em vão sobre
si mesmo, já a fala plena “implica a valorização pelo analista da interpretação simbólica,
que visa não a realidade, mas a verdade” (C. Jorge, p. 147). Essa verdade tem a ver com
o desejo, coisa que não aparece na fala vazia.
Essa ideia de Lacan ainda inclui a direção da análise para o futuro e não para o passado,
a reparação do passado que algumas Escolas de Psicanálise adotavam com seu modelo
de déficit:

A análise é concebida como uma experiência de re-historicização, que inclui aquilo que
Freud nomeou de rememoração e que não se confunde com a realidade factual, mas
com a verdade inerente à "assunção de sua história pelo sujeito". A rememoração de
que dá testemunho o sujeito na análise demonstra que a histérica não mente; ao
contrário, ela manifesta "o nascimento da verdade na fala", e, ao fazê-lo, aporta uma
nova realidade, fantasística, que não se confunde com o verdadeiro ou com o falso da
realidade factual, mas corresponde à sua reordenação. A fala do presente dá
testemunhos daquilo que do passado acha-se vivo, mas não foi simbolizado, e, sendo
assim, "a análise só pode ter por meta o advento de uma fala verdadeira e a realização,
pelo sujeito, de sua história em sua relação com um futuro". (C. Jorge p. 147)
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Em segundo lugar precisamos lembrar da pergunta de Fink sobre o lugar de
intervenção do analista, na realidade ou no real do analisando, e claro que falamos no
real nessa hora. Caso fosse intervir na realidade poderíamos deduzir a existência de um
modelo a ser alcançado por todo e qualquer analisando, mas quando optamos pela
intervenção no real, fica impossível saber o que virá pela frente, e o analista precisa
estar pronto para suportar o que estiver por vir, assim, com essa postura, o analista não
dirige o analisando, mas sim a análise. Para que isso ocorra o analista paga alguns
preços: paga com suas palavras, na interpretação; com o desdobramento de sua
personalidade na transferência; e paga ainda com sua posição de sujeito, que ocupa o
lugar do morto (Lacan, A direção do tratamento e os princípios do seu poder).

O desejo do analista

Se o analisando mantém uma relação refratária com o próprio desejo, cabe ao analista
reabrir as trilhas que levam à "estrada perdida" da qual ele tende a se desviar. E não é
outro senão o desejo do analista o que permite que se realize essa operação.

A entrada em análise

Em seu livro “Introdução clínica à Psicanálise Lacaniana”, Bruce Fink traz a seguinte
pergunta (e reposta):

"QUANTOS PSICÓLOGOS SÃO necessários para mudar uma lâmpada?


– Só um, mas a lâmpada precisa realmente querer mudar!

Assim dizia a piada nas décadas de 1970 e 1980. E não era tão desinformada quanto
poderia parecer, a princípio, já que muitos psicólogos acreditam que nem toda a
terapia do mundo pode ter serventia se o paciente não quiser sinceramente mudar. Se
Woody Allen passou vinte anos em terapia, sem dúvida foi porque, “no fundo”, não
queria realmente mudar. E se a psicoterapia logrou tão pouco sucesso foi porque a
vontade de mudar da maioria das pessoas simplesmente não foi forte o bastante, não
foi fervorosa o bastante. Com isso, depositou-se o ônus nos pacientes.

A abordagem de Lacan difere radicalmente disso. É claro que o paciente não quer
realmente mudar! Se surgiram sintomas, se o paciente se empenha num
comportamento sintomático, é porque uma grande quantidade de energia ficou presa
nesses sintomas. O paciente investiu muito na manutenção das coisas do jeito que
estão porque extrai dos sintomas aquilo a que Freud se referia como uma “satisfação

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substituta”, e não se pode induzi-lo facilmente a abrir mão dela (SE XVI, p.365-71). Ainda
que, de início, o paciente afirme querer livrar-se de seus sintomas, ele (ou ela) está
empenhado, em última instância, em não desestabilizar as coisas. “ (Fink, p. 10)

O que podemos concluir com essas palavras de Fink? Que aquele que procura análise
carrega em si uma falha de saber, uma ignorância, e que a “ignorância como paixão é,
para Lacan, um dos componentes primários da transferência” (C. Jorge p. 148). Essa
ignorância foi apresentada por Freud no “Compêndio da Psicanálise”, em que escreve:

"O eu enfermo do paciente promete a mais completa sinceridade, quer dizer, promete
pôr a nossa disposição todo o material que sua autopercepção lhe submete. De nossa
parte, lhe asseguramos' a mais estrita discrição e colocamos a seu serviço nossa
experiência na interpretação do material submetido ao inconsciente. Nosso saber há de
compensar a sua ignorância, e há de permitir ao eu recuperar e dominar os domínios
perdidos de seu psiquismo. Nesse pacto consiste a situação analítica. “ (Freud)

Mas como o analista faz isso? Promovendo a passagem da fala vazia para a fala plena,
possibilitando o estabelecimento do inconsciente ético (lacaniano, uma vez que o
inconsciente freudiano é ôntico), aqui vem a primeira lincho da análise: “o homem é
marcado por tudo aquilo que se chama sintoma - na medida em que o sintoma é aquilo
que o liga aos seus desejos” (C. Jorge, p. 149)

CUIDADO: não confunda esse saber dito por Freud como um saber pleno, um saber
que descreve o analisando para o analisando; que faça uma leitura dentro de formatos
pré-estabelecidos ou até “intuitivos-empáticos” do analista, isso seria construir uma
relação transferencial imaginária, e o que visamos na clínica é a transferencia simbólica,
e essa só é possível com um analista suposto saber e não um analista sabido. Você é
muito sabido? Guarde pra você ou para se exibir com seus amigos sabidos!

O analista é tomado por aquele que possui o objeto agalma, o objeto fundamental,
descrito por Platão no Banquete. O agalma foi atribuído a Sócrates por seu ex-amante,
assim como por seus admiradores ao escutar sua resposta sobre o amor. Mas Sócrates
se refere a um saber fora de si, colocou em um outro lugar, numa mulher, Diotima.

O saber do analista tem uma relação direta com sua ignorância douta, e também:

"É importante sublinhar que a noção de sujeito suposto saber é inteiramente tributária
da concepção lacaniana do inconsciente como um saber. consciente é um saber que
veio tentar preencher a falta de saber instintual que caracteriza a espécie humana no
que diz respeito especialmente à questão da diferença sexual. O saber inconsciente - o

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simbólico, a linguagem - é constituído de significantes e tem em seu núcleo uma falta
real que é impossível de ser preenchida, falta nomeada por Lacan de objeto a. “ (C.
Jorge p. 151)

Transferência Imaginária (R-I; S-I) e Transferência Simbólica (S-R)

Precisamos retomar a primeira aula, em que chegamos na ideia de que o Imaginário é o


lugar do sentido, o que consiste; o Simbólico o lugar do duplo sentido, que insiste; e o
Real o lugar do não-sentido que ex-siste, e na articulação deles, e quando algum
elemento falta, é possível produzir três registros:

1- Amor: S-I

2- Ódio: R-I

3- Ignorância: S-R

No primeiro temos o lugar em que ocorre a transferência positiva, no segundo a


transferência negativa e no terceiro o lugar da transferência que nos interessa aqui.
Esquematicamente temos:

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E…

Esse lugar terceiro - heterogêneo à dicotomia abundância/carência de sentido


propiciada pelo imaginário e pelo real - é o que está na base da experiência mesma da
análise propiciada na ocupação pelo analista de um lugar de ignorância douta, que leva
Lacan a afirmar: "A análise só pode encontrar sua medida nas vias de uma douta

ignorância." E só por operar através da dimensão da ignorância douta o analista pode


responder às demandas do analisando com uma pergunta. (C. Jorge p. 154)

E ainda…

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"O lugar de sujeito suposto saber designado ao analista pelo analisando e por ele não
ocupado é o que lhe permite operar pelo não saber, fazendo com que a ignorância
como paixão do analisando seja deslocada pela ignorância douta do analista para dar
lugar à emergência do saber inconsciente. A ignorância barra a pletora de sentido do
imaginário, cuja pregnância obstaculiza que questões sejam colocadas e respostas
sejam mantidas em aberto. “ (Idem)

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