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Capítulo 01

Religião e Política se discute?

Existe um senso comum de que algumas discussões nunca serão


frutíferas em razão de seus temas. O ditado popular nos orienta que
“Futebol, Política e Religião, não se discute!”. Para quem busca agradar a
todos, esses temas realmente devem ser evitados a qualquer custo.
Escorregar em polarizações em qualquer desses assuntos é muito fácil e
comprometeria imediatamente a viabilidade do diálogo. Entretanto, visto de
um outro ângulo, poderíamos dizer, com a ajuda de outro ditado, que essa
escolha é uma espécie de “política da boa vizinhança” — para todos
aqueles que não querem se envolver com bate-boca gratuito. Ou seja,
parece impossível escapar de discussões ou posturas políticas, uma vez que
essas dizem respeito à interação humana para além da vida privada, algo
que todos nós estamos incontornavelmente imersos.
Vamos deixar o Futebol de lado, e nos concentrarmos na Política
e na Religião. Isso porque, nossa preocupação não deve ser orientada por
nenhum medo popular de abordar determinados temas. Na verdade, do
ponto de vista da fé cristã, não deveria existir nenhum âmbito da vida que
tivesse menos valor ou fosse destituído de sacralidade. Aquelas velhas
distinções entre sagrado e secular, ou ainda, santo e profano, são estranhas
ao cristianismo. As Escrituras nos ensinam que toda a autoridade dos céus e
da terra foi dada a Cristo (Mt 28.19-20), portanto a extensão do seu reinado
é cósmica. Não existe nenhum centímetro da vida humana que ele não
possa dizer “me pertence” — conforme nos ensinou o reformador holandês
Abraham Kuyper.
Nesse sentido, a pergunta não deve ser “quais aspectos podem ou
não podem ser tratados pelos discípulos de Jesus?”. Antes, a pergunta que
devemos fazer é “falar de Política e Religião é bom para um cristão?”. Será
que para manter seu bom testemunho público, um discípulo de Jesus não
deve manifestar-se sobre essas questões? Convém a Igreja se abster de
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determinados posicionamentos públicos para preservar sua boa imagem
para o mundo? De maneira nenhuma! Seria um contra-senso deixarmos de
falar sobre nossa fé em Cristo e como ela transforma todas as áreas da vida
humana — inclusive, a participação política e o serviço para o bem comum.
Na verdade, cada vez mais cedo, as crianças e adolescentes estão
sendo estimulados a aprender e desenvolver um senso de responsabilidade
social. Segundo a Base Nacional Comum Curricular, por exemplo,
Responsabilidade e Cidadania são competências que nossos alunos devem
começar a desenvolver em seus primeiros anos escolares. Ou seja, aquilo
que a sociedade está clamando é por mais indivíduos conscientes de que sua
vocação pessoal é um papel importante para o amadurecimento da
sociedade em que ele vive, e o bem das pessoas que lhe são próximas.
Diante desse cenário, acreditamos que os discípulos de Jesus têm
condições privilegiadas de abordar as questões em torno dessas
competências tão urgente em nossos dias. Ninguém melhor do que os
cidadãos do Reino de Deus para pensar sobre o florescimento das cidades
dos homens.  Desde o início da constituição do povo de Deus, a aliança
entre a Trindade e a Igreja foi pensada para formar um povo que seria uma
benção para todas as famílias da terra (cf. Gn 12.1-9). Isso nos coloca em
um lugar privilegiado em relação aos outros povos e de muita
responsabilidade pelo florescimento deles. 
Além disso, é preciso lembrar também que somos aqueles que
adoram e servem um Deus que não se limita às ênfases características de
partidos políticos específicos, plataformas governamentais pontuais ou
ideologias partidárias. Essas estruturas humanas foram criadas a partir de
ênfases muito específicas (a sociedade coletiva, ou a iniciativa privada, ou
ainda a devoção nacional, e assim por diante) que não podem dizer tudo
sobre nossa presença pública. O que nos move politicamente é mais do que
pautas pontuais das cidades dos homens. Nosso coração é governado pelo
amor a Deus que rege cada esfera da vida e que, por isso, também exige de
nós um responsabilidade política igualmente ampla e não enviesada.
Diante de tudo isso, podemos concluir que Religião e Política não
só podem ser discutidas por cristãos, mas que devem ser feitas de um ponto
de partida altamente inovador — que nasce da consciência restaurada pelo
Espírito Santo que nos ensina que Deus é o Senhor sobre todas as áreas da
vida e, por isso, nos conduz pelas posturas que serão coerentes com a fé,
esperança e o amor e meio à responsabilidade de sermos uma benção para
todos os povos!
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Capítulo 02
A fé cristã tem importância pública?

Existe uma preocupação muito difundida em nossa cultura


contemporânea a respeito dos limites que a fé de um indivíduo pode ser
experimentada. De forma geral, é um senso comum dizer que assuntos de fé
e religião devem ser mantidos em foro íntimo enquanto ciência, tecnologia,
educação, economia e tantos outros saberes têm importância pública.
Quanto a isso, me lembro há alguns anos de um pronunciamento de um
ministro da saúde dizendo que: “a religião não deve entrar no âmbito dessa
discussão, pois o que estamos tratando é de saúde pública”. Ou seja, para
muitas pessoas, as esferas públicas não são os espaços adequados para que
conteúdos e práticas religiosas sejam utilizadas como fundamento para
decisões e posturas importantes. A política e as responsabilidades civis
devem ser deixadas para os cientistas políticos e especialistas em gestão
pública, pois eles poderão tratar de tais assuntos com a neutralidade que é
necessária.
Apesar de muitas pessoas que articulam essa pressuposição serem
bem intencionadas, elas estão fundamentalmente erradas. Nós até
conseguimos entender que, na realidade, existem diversas esferas onde leis,
métodos e fenômenos se distinguem fundamentalmente uns dos outros. O
reformador holandês Abraham Kuyper já havia nos ensinado a respeitar a
soberania de cada esfera em legislar sobre seus próprios fenômenos.
Entretanto, o que está em jogo na pergunta sobre a importância política da
fé cristã é de outra dimensão — mais profunda e fundamental.
Essa separação entre vida pública e privada, que mantém a fé
cristã confinada ao mero espaço da vinda íntima e subjetiva, é reducionista
e muito distante da maneira protestante e reformada de ler as Escrituras.
Uma coisa é dizer que existe uma soberania entre as diversas esferas da
vida humana, outra, muito diferente, é dizer que essas esferas são
autônomas — ou seja, independentes da soberania absoluta de Cristo. Junto
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à constatação de que existem múltiplos modos de enxergar os fenômenos
sociais, existe a convicção de que Jesus tem autoridade sobre todos eles.
Ademais, uma vez que Deus é soberano sobre todas as áreas da vida, não
pode existir um âmbito da existência, como a esfera política, que esteja
livre de responsabilidades religiosas para com Deus!
Esse é o pressuposto religioso que orienta a cidadania e presença
pública cristã fiel. Ter a fé cristã como ponto de partida para toda e qualquer
atitude nos espaços públicos é um desdobramento claro da doutrina bíblica
da soberania de Cristo. Não existe nenhum âmbito da vida que não deva
obediência à legislações de Jesus. Toda a autoridade foi dada a ele e,
portanto, ele pode nos conferir vários imperativos — nós sempre nos
lembramos do “ide por todo mundo fazendo discípulos”, mas este é só a
mais urgente orientação categórica que nosso Deus dá aos seus apóstolos.
As Escrituras estão recheadas de indicativos e imperativos que orientam a
vida cristã em todas as esferas que ocupamos.
Os reformadores tinham um lema para essa forma de vida. Eles
diziam que estamos vivendo, em todas as esferas, coram Deo — isto é,
diante de Deus. Cada atitude tomada, cada decisão estabelecida, cada
serviço prestado ao bem comum precisa ser feito na consciência de que
estamos agindo diante de Deus. Precisa estar claro para nós que estamos
vivendo nos diversos espaços em que fomos colocados como quem um dia
prestará contas para o Senhor de toda a terra. Dentre muitas outras coisas,
isso significa que não podemos limitar as implicações de nossa aliança com
Deus ao recôndito de nossa subjetividade pessoal, altamente privada e
centrada no nosso ego. Temos muito o que fazer pelo bem da cidade!
Frente a toda essa argumentação, podemos terminar com uma
provocação que busca servir de estímulo a todos os discípulos de Jesus. Se
os cristãos não assumirem seu protagonismo de fé e testemunho em todas as
áreas da vida, acabaremos deixando a esfera pública espiritualmente nua.
Essa atitude, além de ser uma força propulsora da secularização de nossa
sociedade, é uma desobediência explicita ao mandamento de Cristo de
fazermos tudo para sua glória!

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