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Fazer bem,

fazer ainda melhor


Por Charles Fishman

(publicada originalmente em Maio de 2007 pela Executive Digest)


TT: 027
Emissão: 20/01/2010
Revisão: 00
Data da Revisão: 20/01/2010
Aprovação: 1133200110
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O QUE GUIA A TOYOTA? A PREMISSA DA IMPERFEIÇÃO E A INSATISFAÇÃO CONSTANTE
RELATIVAMENTE AO SUCESSO ATINGIDO

Bem no centro da fábrica da Toyota, em Georgetown, no Kentucky, encontra-se a paint shop,


local onde automóveis "despidos" chegam para receber camadas de cor, antes de regressarem a
linha de produção para que os seus interiores sejam instalados. Diariamente, 2000 Camrys, Avalons e
Solaras aguardam ansiosamente por receberem uma das cerca de cem cores disponíveis.
A paint shop em Georgetown e um espaço cheio de aparelhos, mas existem agora dois locais
corn largas áreas de chão acimentado, cada uma deles do tamanho de um campo de basquetebol. A
historia de como esse espaço foi "limpo" — o equipamento que ai estava foi desmontado e retirado
— e a história de como a Toyota mudou o mercado automóvel norte-americano.
E que e também a própria historia do gênio Toyota: competitividade insaciável, silenciosa,
interna e autocrítica. Competitividade orientada por uma obsessão institucional de melhoria de
desempenho, que a Toyota consegue incutir em cada um dos seus colaboradores: insatisfação
constante, corn o que quer que tenha sido alcançado ate ao momento.
O resultado e um contraste profundo, relativamente à indústria automóvel. Num contexto em
que a GM, a Chrysler e a Ford enfrentam desafios, a Toyota continua a progredir. Só este ano, a Ford
e a GM dispensaram 46 mil colaboradores norte-americanos, para alem de terem anunciado o fecho
de 26 fábricas norte-americanas nos próximos cinco anos. A Toyota, ao contrario, nunca fechou uma
fabrica norte-americana e vai mesmo abrir uma no Texas, no Outono, e outra em Ontário, no
próximo ano. E 60% dos carros que a Toyota produz são fabricados em território norte-americano.
Isto, porque a Toyota não sofreu convulsões corporativas e reestrutura de forma contínua cada
processo de trabalho. Como no caso da paint shop em Georgetown.
Em 2004, a estrutura externa de um automóvel demorava 10 horas a ser pintada. Os robots
faziam a maior parte do trabalho, como agora, mas existiam mangueiras de tinta ligadas aos tanques
de armazenagem, que tornavam o processo moroso sempre que era necessário substituir uma cor,
pois era necessário "lavar" a mangueira antes de recarregar a cor seguinte. Georgetown conseguiu
diminuir em 30% os custos corn pintura, reduzindo ainda o equipamento utilizado no processo.
Atualmente, cada robot — um total de oito por carro - funciona corn seleção de cilindros de
cor. Quando um carro termina de ser pintado são necessárias apenas alguns segundos ate que o
"tinteiro" utilizado seja retirado e seja selecionado um novo. As mangueiras não precisam, portanto
de ser lavadas. Toda a tinta esta nos "cartuchos", que são automaticamente cheios a partir de
reservatórios. O que reduz de 10 para 8 horas o tempo de pintura, e tinta desperdiçada.
E os benefícios multiplicam-se. A Georgetown não só usa menos tinta, como necessita de
menos diluente, reduzindo assim ambos os custos. O que, conjuntamente corn novos programas que
fazem corn que os robots pintem mais rapidamente, aumentou a eficiência das cabines de pintura de
33 para 50 carros. Até ao final do ano, a Toyota espera ter reduzido para metade o espaço utilizado
pela paint shop, e isso continuando a pintar dois mil carros por dia.

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Para Chad Bucker, o engenheiro responsável pela introdução destas melhorias na paint-shop,
«não se tratam de "projetos" ou de "iniciativas"». Estas melhorias são o seu trabalho diário e
semanal. O que e uma das características distintivas da fabrica da Toyota: e objetivo da cada
colaborador encontrar formas de trabalhar mais eficazes.

O Processo

O que é tão impressionante na fábrica de Georgetown e o fato de ela parecer uma mera
fábrica de automóveis. Mas na verdade ela é um grande cérebro, uma espécie de laboratório focado
numa única missão: como fabricar melhor automóveis (e não só fabricar automóveis). Não é uma
questão de produto, mas sim de processo.
Fabricar carros, fabricar carros melhor e ensinar a todos a melhor forma de fazê-lo. O que
representa uma qualidade competitiva: se a sua fábrica só estiver a fabricar carros, todo o dia ao
sinal de saída estará cumprido o objetivo de fabricar x carros por dia. Mas se a fábrica estiver à
procura de novas formas de fabricar carros, mesmo ao sinal de saída haverá trabalho por concluir.

FABRICAR MELHOR E ENSINAR A TODOS A MELHOR FORMA DE O FAZER

Sem muito alarido, a Toyota esta a confundir o conhecimento tradicional que os americanos
têm das fábricas: a Toyota não recorre a outsourcing, e esta a criar novos empregos nos EUA Não se
trata de ter produtos que tenham processes de fabrico complexes, trata-se de abrir novas fabricas
tão depressa quanto os sistemas e os níveis de qualidade o permitir. Trata-se de oferecer salários
justos e seguros de saúde, e de vender os produtos produzidos por americanos aos próprios
americanos, de forma lucrativa e menos dispendiosa do que os seus concorrentes.
Coloque-se, portanto de lado tudo o que se sabe sobre o estado atual da indústria automóvel
americana. Claro que a Toyota goza de algumas vantagens estruturais, como custos reduzidos em
nível de segurança social e de pensões. “Mas a verdadeira razão pela qual esta a vingar e por
pessoas como Chad Bucker continuarem a dizer Não existe razão para estar satisfeito”. Não e apenas
a forma como a Toyota fabrica automóveis, e aquilo que a Toyota pensa sobre fabricar automóveis.
A Toyota esta, no entanto, longe de se tornar infalível. Nos últimos dois anos, surgiram varies
pedidos de resolução de problemas de qualidade e segurança;
conseqüências que o crescimento rápido traz, ate aos melhores sistemas. Mas essas questões
relacionadas corn a qualidade despertaram a atenção dos gestores da Toyota. Afinal, quando a
estratégia não passa por construir automóveis, mas por construir melhor automóveis, criam-se
vantagens competitivas perpetuas. E é por isso que quando os concorrentes são ultrapassados, eles
se encontram uma década atrás e não se apercebem disso.

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Histórias dos "totes"

A fábrica da Toyota encontra-se instalada num terreno jardinado tão horizontal como uma
mesa. A fábrica em si é baixa, mas estende-se até perder de vista, tendo espaço para se jogar 100
partidas de futebol, corn espaço para publico incluído Uma rede de ruas corn muito trânsito
atravessam o local, corn caminhos em todas as direções.
Howard Artrip, gestor da linha de produção, conta como os "totes" resolveram um problema
de seleção e encaixe de pecas. O problema era que existiam 12 combinações possíveis de viseiras
solares e nove variações de cintos de segurança. Portanto, só decidir que partes selecionar era já
uma tarefa complicada. Em cada mudança, 500 automóveis passavam nos suportes, cada um deles
necessitando de partes especiais: 2000 oportunidades de escolher uma peca errada, portanto. Cinco
carros em cada mudança ficavam corn viseiras ou cintos de segurança errados. A tarefa de instalação
das diferentes partes tinha sido confundida corn a de seleção de peças.
Um grupo de operários tomou então uma decisão a esse nível: o trabalhador deveria locar-se
na instalação da peca e recebe-ria um kit de viseiras e cintos de segurança pré-selecionados por
automóvel. A idéia parece obvia vista de fora.
Os media relatam que uma linha de montagem da Toyota, típica nos EUA faz milhares de
mudanças operacionais no decurso de apenas um ano. No caso das viseiras e cintos de segurança, a
mudança veio corn a analise diária do trabalho em Georgetown. Quando o processo de simplificação
foi iniciado ha três anos, a equipa de Howard Artrip encontrou mais 44 tarefas onde os operários
tinham de tomar uma ou duas decisões enquanto instalavam as partes.
E precisamente este o trabalho que Artrip tem passado mais de metade da sua carreira a
fazer: procurar maneiras de tornar o desenvolvimento de tarefas mais rápido, simples e seguro. O
aperfeiçoamento continue não e algo que esta para alem do seu trabalho, não se trata de nenhum
projeto especial que o Artrip tem de fazer no fim da sua rotina de responsabilidades diárias. Trata-se
da forma como ele pensa cada dia que passa na fabrica. Ha 19 anos que esta em Georgetown e a
forma como faz o seu trabalho tornou-se parte da sua vida pessoal. «Quando estou a aparar a relva,
penso sempre na melhor forma de fazê-lo. Experimento várias posições para perceber se consigo
fazê-lo mais rapidamente», conta.
Analisou até a sua rotina diária. «Faço os mesmos movimentos no duche todas às manhãs.
“Tenho de estarem na fábrica todos os dias as seis da manha e sei que levo exatamente 19 minutos,
incluindo o tempo que demora atravessar a fábrica», diz, acrescentando que maximizou ate o tempo
que passa a dormir.

Os problemas em primeiro lugar

James Wiseman recorda o momento em que se apercebeu que a Toyota não era apenas mais
um local de trabalho, mas uma nova forma de encarar o próprio trabalho. Nos primeiros tempos que
Wiseman esteve na Toyota, a fabrica era dirigida por Fujio Cho e semanalmente havia uma reunião

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com o staff. «Nessas reuniões partilhava alguns dos meus pequenos sucessos e conquistas», conta.
«Mas um dia Fujio Cho olhou para mim e disse: "Todos sabemos que és um bom profissional, de
outra forma não te teríamos contratado, mas, por favor, fala conosco sobre os teus problemas de
forma a que possamos resolvê-los juntos"», conclui. Foi então que Wiseman percebeu que até
mesmo no caso de projetos que tinham sido um sucesso era preciso pensar «se foram assim tão bons
porque não poderão ser ainda melhores?», o que o levou a compreender profundamente o que
significa dizer "os problemas primeiro".
Trata-se de outro clichê que e poderoso se o levarmos verdadeiramente a sério: não se pode
resolver os problemas se, em primeiro lugar, não se admitir que eles existam. Na Toyota, a premissa
e a imperfeição. E a perfeição pode ser de fato um objetivo bom, mas o "aperfeiçoamento" e muito
mais realista e humano.
O desafio maior e, claro, traduzir a retórica em atos, fazendo corn que a premissa da
imperfeição se integre nas formas de pensar e de trabalhar dos colaboradores. Peter Gritton sabe
melhor do que ninguém como isso acontece afinal ele e o seu staff contrataram todos os naturais do
Kentucky que trabalham atualmente na fabrica em Georgetown. E atualmente diretor de recursos
humanos e administração de Georgetown, e ainda vice-diretor de recursos humanos na America do
Norte.

NÃO SE PODEM RESOLVER OS PROBLEMAS SE NÃO SE ADMITIR QUE ELES EXISTAM. NA TOYOTA, A
PREMISSA E A IMPERFEIÇÃO.

«Queremos pessoas que resolvam problemas, porque a cada vez que surgir um, não
poderemos enviar alguém especializado para resolvê-lo», explica. E depois a regra mais básica, "o
aperfeiçoamento continuo, não e uma questão de caráter ou de cultura, mas sim a própria estrutura
da montagem. «A regra e a de que melhorar qualquer coisa vem depois de compreender como fazê-
lo», explica. afinal, se não se percebe o que se esta a fazer, como se poderá fazer qualquer sugestão
de aperfeiçoamento?

Queremos pessoas que resolvam problemas

Ninguém na Toyota fala do seu trabalho sem explicar como esse trabalho acabou de mudar
ou de que forma esta prestes a mudar. Chris Gentru, supervisor de painéis de instrumentos, conta
como a sua área será reestruturada: foi criada este ano, mas depois de experimentada foram
detectadas ineficiências. «Primeiro estandardizamos o trabalho, depois aperfeiçoamo-lo», afirma.
Porque não se trata, lá está, de instalar painéis de instrumentos, mas sim da forma como isso e feito.
O que e interessante e comparar a forma de pensar de Georgetown corn a de qual quer outra
empresa. Como pode o serviço de atendimento ao cliente de uma empresa de telemóveis não
melhorar ano apos ano? Como posso eu não saber quantos minutos demora desde que saio de casa
até chegar ao emprego, de forma a maximizar o tempo que durmo? E quase como se os

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colaboradores da Toyota vissem o mundo corn óculos especiais a quatro dimensões e os restantes
continuassem a vê-lo a duas dimensões.

No fim, não há fim!

Diversas empresas como a GM, a Ford e Chrysler tentaram apreender e usar os métodos
Toyota. Por mais de 20 anos, de fato, a Toyota e a GM dirigiram uma fábrica conjuntamente na
Califórnia, o que permitiu a GM estudar de perto os métodos Toyota.
E na verdade as três marcas tornaram--se melhores a fazer automóveis: na ultima decada, a
GM e a Chrysler reduziram em cerca de um terço o número de horas que precisam para montar um
automóvel. Ainda assim, continuam atrás da Toyota, e ninguém o sabe melhor do que a GM.
«Fizemos vários progressos», afirma Dan Flores, porta voz das operações fabris para a America do
Norte, «muitos dos quais porque aprendemos diretamente corn a Toyota», acrescenta. «Transformar
uma empresa do tamanho da GM e uma tarefa gigante: a cultura de trabalho de uma empresa não
muda do dia para a noite. “Mas a verdade é que já houve mudanças e que continuam a haver»,
afirma.
Tipicamente, a GM, a Chrysler e a Ford adotam uma abordagem demasiado americana da
idéia de "aperfeiçoamento". E orientada para objetivo e representa uma ma imitação do que se
passa em Georgetown. «Se olhar para as outras três marcas, e provável que se encontrem projeto de
melhoria, tal como na fabrica da Toyota», afirma Jeffrey Liker, professor de engenharia na
Universidade do Michigan e autor do «Toyota Way», uma exploração clássica dos métodos Toyota.
«Mas são projetos liderados por alguma equipa de engenharia ou algum guru», acrescenta. Continua
dizendo que «podem ate ser tão bons como em Georgetown, mas não passaram o projeto para
Power point e fizeram questão de apresentá-lo em cada canto da empresa mostrando o que tinha
sido alcançado.» A Toyota fá-lo diariamente em cada departamento.
Podem, portanto comprarem-se livros, contratarem-se consultores, pregar a transformação
do negocio — e pode mesmo perder-se entusiasmo e energia e ter dificuldades em perceber porque
falhou afinal o programa, mostrar isso numa conferência e voltar depois ao negócio como
antigamente. O que acontece a cada dia em Georgetown, e em toda a Toyota, pode ser ensinado e
aprendido. Mas não se trata de um conjunto de objetivos e não existem datas limites para serem
cumpridas. Não e algo que se possa implementar através de uma Check-List. Trata-se de uma forma
de olhar para o mundo.
Colaboradores recém-chegados a Toyota notam grandes diferenças e levam algum tempo a
perceber de que se trata afinal o "Toyota Way". Mas uma vez que se perceba que e do processo em
si que se esta a procura, e possível relaxar. Desempenhar a tarefa e fazê-lo melhor torna-se uma e a
mesma coisa e o próprio significado de ir para a fabrica todos os dias.

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