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Carlos Drummond de Andrade

(Copiado de Sergius Gonzaga

Obras:
Alguma poesia (1930)
Brejo das Almas (1934)
Sentimento do Mundo (1940)
A rosa do povo (1945)
Claro enigma (1951)
Fazendeiro do Ar (1954)
Lição das coisa (1962)
Boitempo (1968)
As impurezas do branco (1974)
O corpo (1984)
Amar se aprende amando (1985)
Obras em prosa:
Fala, amendoeira e Cadeira de balanço são os seus mais famosos livros de crônicas.
Destacam-se ainda: Contos de Aprendiz.
Drummond é considerado o maior poeta brasileiro. Seus textos não se oferecem a um
tipo de leitura rápida, fácil e eufônica. Exigem uma reflexão na medida em que sempre carregam
dentro de si um significado complexo e polissêmico. Se repararmos em sua linguagem veremos
que ela se faz com poucas imagens e metáforas. É uma linguagem seca, exata, precisa. Nasce
de uma luta que o escritor trava com as palavras, tentando ajustá-las ao universo que pretende
exprimir, como em “O lutador”:

Lutar com palavras Algumas tão fortes


é a luta mais vã. como o javali
Entanto lutamos Não me julgo louco
mal rompe a manhã. Se o fosse, teria
São muitas, eu pouco poder de encantá-las”.

A dificuldade do discurso de Drummond reside tanto na multiplicidade de ângulos e das


inúmeras faces de seus poemas quanto do humor que percorre quase todos os versos. Na
aparência, essa literatura parece, muitas vezes, não ter sentido, como se tudo fosse dissolvido na
piada ou na ironia requintada. A tarefa do leitor drummondiano consiste em ultrapassar esse
humor, ou melhor, descobrir o que se esconde dentro desse humor. Só aí alcançaremos
Drummond e perceberemos que o humor é uma forma de corrosão que se infiltra nos valores
individualistas e sociais, dados como verdadeiros e eternos. Depois da corrosão, tudo fica
falso, ridículo ou precário.

Em No meio do caminho há uma profunda reflexão sobre a existência:

“No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.”

Em sua obra observa-se:


 aprofundamento dos temas e da visão do mundo.
 precisão da linguagem.

Alguns temas básicos:


Pode-se dizer que a poesia de Drummond é construída a partir de uma permanente
interrogação que se dirige para dois pólos: o EU - o MUNDO

EU MUNDO
- o passado - a solidariedade social
- o amor - a perda dos valores que sustentam a
- a solidão realidade
Ora afirmando a superioridade do EU sobre o mundo, ora a do mundo sobre o EU, ora
escavando os seus próprios abismos pessoais, ora investigando a vida objetiva, o autor de A rosa
do povo fará dessa dualidade a marca de uma poesia tanto lírica, expressando o sujeito, como
social e metafísica, delimitando os objetos.

Os temas do eu:

O passado

O poeta volta-se para a sua família e a sua província com grande insistência. Era filho
de fazendeiros e naquele tempo pretérito o universo tinha um sentido histórico e individual.
Drummond recupera esse tempo. Não com a nostalgia romântica da infância. Nem com a
melancolia com que José Lins do Rego celebrara a decadência de outro grupo das elites rurais.
Mas reconquista o passado como quem procura uma explicação para si mesmo. Sendo assim,
todo o recuo temporal é em Drummond uma forma de conhecimento do presente.
Ele evoca a grandeza de uma classe morta, a estrutura patriarcalista, o autoritarismo do pai, a
doçura da mãe, os parentes os “bens e o sangue”. O passado ilumina o presente: muitas vezes
o poeta se reconhece em antigas situações familiares, no jeito dos habitantes de sua cidade natal
e no pai. Um pai estranho e ameaçador que o filho só compreenderá depois. Contudo, por mais
que as recordações esclareçam a existência atual, não são fortes o suficiente para fornecer
princípios de vida ao poeta.. Ele está sozinho e não encontra saídas.
A voragem do tempo não consegue destruir todas as coisas.

De qualquer forma, e mesmo sabendo que o passado não voltará, ele recolhe as suas
raízes, como em Confidência do Itabirano:

“Alguns anos vivi em Itabira


Principalmente nasci em Itabira
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
Vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem
horizontes
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança Itabirana (...)
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!”

O amor
Educado num sistema familiar machista em que apenas as mulheres podiam exteriorizar
sua afetividade e em que os homens sufocavam o coração através da prática da brutalidade, do
silêncio ou da timidez, transparece em Drummond um profunda carência amorosa. Por outro
lado, a desconfiança e o pudor - legados do patriarcalismo - impedem que esta carência se
transforme numa entrega total. Resulta daí um tipo de poema em que o amor, antes de ser
descritora questionado. Mesmo a aparente anedota de Quadrilha revela um sentido oculto, o
amor como desencontro:

“João amava Teresa que amava Raimundo


que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.”

A disponibilidade sentimental, controlada pelo pensamento e pela interrogação manifestase em Amar:

“Que pode uma criatura senão,


entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz á praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal ou precisão de amor ou simples ânsia? (...)
Este é o nosso destino: amor sem conta,
Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.”
Nada resiste à voragem do tempo, sequer os afetos, como em A hora do cansaço:

“As coisas que amamos


As pessoas que amamos
São eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
No limite de nosso poder
De respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
Dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
Numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos
E todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
De respirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos a cada ser e coisa, à condição precária,
Rebaixamos o amor ao estado de utilidade
Do sonho do eterno fica esse gosto acre
Na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.”

Os temas do mundo

A sociedade
Houve momentos, porém em que Drummond renunciou à ironia. Principalmente quando
chegaram ao Brasil as notícias da II Guerra. Então o poeta sentiu que a sua mão estava suja,
suja do individualismo, da escavação interior, dos mitos do passado. A descoberta se dá em
termos de assumir um compromisso. O escritor se comove da humanidade sofredora, seus
ombros suportam as dores do universo:

“Teus ombros suportam o mundo


e ele não pesa mais do que a mão de uma criança.”

Preso ao presente, ele canta os heróis de Stalingrado, os homens do povo, a vida


sem mistificação como em Mãos dadas:

“Não serei o poeta de um mundo caduco


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros,
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens
presentes,
a vida presente.”

A destruição
Essa poesia explicitamente social acabaria cedendo a uma poesia d indagação
metafísica. Drummond investiga a realidade através de sua palavra, que desvela as aparências,
em busca de uma saída, de um sentido para a vida. Para o Eu poético, nada subsiste a não ser
sua lucidez radical. Voltada sobre si mesma, ela aponta para a grande solidão do indivíduo.
Dirigida ao mundo, a lucidez corrói todos os seus fundamentos, instaurando um universo de
perda e de ausência de significado. a metafísica de Drummond é a metafísica do nada. Não há
caminhos ou valores para José:
“E agora, José E agora José?
A festa acabou Com a chave na mão
a luz apagou quer abrir a porta,
o povo sumiu não existe porta:
a noite esfriou quer morre no mar,
e agora, José? mas o mar secou
e agora, você? quer ir para Minas,
você que é sem nome Minas não há mais.
que zomba dos outros,
você que faz versos Se você gritasse,
que ama, protesta? se você gemesse,
e agora, José? se você tocasse
a valsa vienense
Está sem mulher, se você dormisse,
está sem discurso, se você cansasse,...
está sem carinho, se você morresse...
já não pode beber, Mas você não morre,
já não pode fumar, Você é duro, José!
cuspir já não pode
a noite esfriou . Sozinho no escuro
o dia não veio, Mas você não morre,
o bonde não veio, Você é duro, José!
o riso não veio,
não veio a utopia Sozinho no escuro
e tudo acabou qual bicho-do-mato,
e tudo fugiu sem teogonia,
e tudo mofou sem parede nua
e agora, José? para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope
você marcha, José!
José, para onde?

Originário de uma classe em derrocada, Drummond transforma a crise social da mesma,


numa crise de toda a ideologia que a embasava. Mas se, por um lado, ele recusa os valores de
um tampo ultrapassado, por outro, ele ainda é filho dessa época, e não consegue aderir a
qualquer utopia. Sabe apenas que a vida recomeça a cada instante e que um novo tempo o
negará. Depois, ele retorna para seus sentimentos de culpa, sua dissolução, sua consciência da
finitude e da precariedade humana.
Os procedimentos técnicos:
Além da linguagem áspera e renovadora, nascida de uma luta tensa e da ironia que
perpassa quase toda a sua lírica, o autor mineiro evidencia um grande domínio de certos
procedimentos tais como:

 estilo mesclado - característica central da poesia moderna e que consiste na justaposição de


um vocabulário elevado sublime, nos moldes da poesia tradicional, a um vocabulário
carregado de expressões cotidianas e vulgares. A mistura do estilo alto com o baixo gera uma
fala rica de significações. Na parte mais metafísica de sua poesia há uma predominância do
estilo sublime e na parte de registro do cotidiano domina o estilo prosaico.

 criação de personagens - comportamento incomum ao gênero lírico e que evidencia um


distanciamento crítico do autor em relação ao material poetizado. José, Raimundo e Carlos são
os personagens mais freq

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