Rudolf Arnheim - Arte e Percepção Visual - Introdução

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=o" 7 INTRODUCAO Pode parecer que a arte corre o risco de ser sufocada pelo palavrorio. Rara- mente se nos apresenta um novo espécime que estejamos dispostos a aceitar como arte genufna, todavia somos subjugados por um diltivio de livros, artigos, dissertag6es, discursos, conferéncias, guias — todos prontos a nos dizer o que é © © que nfo € arte, o que foi feito, por quem, quando e por qué e por causa de quem e do qué. Somos perseguidos pela visio de um pequeno corpo delicada dissecado por multidées de dvidos cirurgides e analistas leigos. E sentimo-nos tentados a afirmar que a arte estd insegura em nossa época porque pensamos e falamos demais sobre ela. Provavelmente tal diagndstico é superficial. E verdade que esse estado de coisas parece insatisfatério para quase todos; mas se procurarmos suas causas com algum cuidado, descobriremos que somos herdeiros de uma situacdo cultural que, além de ser insatisfatoria para a criagio da arte, ainda encoraja 0 modo errado de consideréla. Nossas experiéncias e idéias tendem a ser comuns mas no profundas, ou profundas mas nao comuns. Temos negligenciado-o-dom.de compreender_as_coisas_através_de_nossos sentidos. O conceito est divorciado do que se percebe, e 0 pensamento se move entre abstracGes. Nossos olhos foram teduzidos a_instrumentos para identificar e para medir; dai sofrermos de uma caréneia de idéias exprim{veis em imagens e de uma capacidade de descobrir significado no que vemos, E natural que nos sintamos perdidos na presenga de objetos com sentido apenas para uma visio integrada e procuremos tefiigio num meio mais familiar: 0 das palavras. ‘O mero contato com as obras-primas nao é suficiente. Pessoas em demasia visitam museus e colecionam livros de arte sem conseguir acesso a mesma. A capacidade inata para entender através dos olhos esté adormecida e deve ser sspertada, E a melhor maneira é manusear lépis, pincéis, escalpelos e talvez ‘c4maras. Mas também nesse mbito, maus habitos e conceitos erréneos costumam, bloquear o caminho daquele que trabalha sem orientagdo. Na maioria das vezes a evidéncia visual ajuda-o com mais eficdcia apontando seus pontos fracos ou apresentandolhe bons exemplos., Mas tal orientagdo raramente toma a forma de uma pantomima silenciosa. Os seres humanos tém excelentes raz6es para se <& ScannerLer S Arte e percepeao visual comunicarem através das palavras. Acredito que isto sej hs ee ate que isto seja verdade também no Aqui, contudo, deve-se prestar atengdo aos conselhos dos artistas ¢ profes. sores de arte contra 0 uso de palavras no estiidio e na aula de arte, mesmo a9 les proprios as usem para expressar suas adverténcias. Podem afirmar aes tudo, que é impossivel comunicar as coisas visuais através da linguagem verbal Hi um fundo de verdade nisto. As qualidades particulares da experiéncia desper- tadas por uma pintura de Rembrandt sao apenas parcialmente redutiveis 4 descrigao e explanacdo. E uma limitacdo, contudo, ndo s6 da arte mas de qualquer objeto da experiéncia. Uma descrigao ou explicacdo — seja ela o retrato verbal que uma secretaria faz de seu chefe ou o relatério de um médico sobre o sistema glandular de um paciente — nfo pode fazer mais do que apresentar algumas categorias gerais numa configuragdo especial. O cientista constréi modelos conceituais que, se for feliz, refletirdo as esséncias daquilo que quer entender sobre um dado fenémeno. Mas sabe que é impossivel a representagdo plena de um exemplo indi- vidual. Sabe, também, que ndo hd necessidade de duplicar o que jd existe. s> © artista, também, usa suas categorias de forma e cor para aprender algo universalmente significativo no particular, Nao est4 nem empenhado em competir Gomi a unicidade em si como nem é capaz de fazé-lo. Admita-se, o resultado de seu esforgo é um objeto ou desempenho exclusivamente particular. Quando. olhamos_um_quadr ‘Rembrandt, aproximamo-nos_de um mundo que nunca Toi mostrado iquer outra pessoa; e penetrar neste mundo significa receber um clima especial e 0 cardter de suas luzes e sombras, 0s rostos e gestos de seus seres humanos € a atitude face a vida por ele comunicada — recebé-lo através idos e sensagdes. Palavras podem e devem esperar da imediagao de nossos senti até que nossa mente deduza, da unicidade da experiéncia, generalidades que podem ser captadas por nossos sentidos, conceitualizadas e rotuladas. E arduo_ extrair tais generalidades de uma obra de arte, mas ndo é diferente em pri da tentativa de descrever a natureza de outras coisas complexas como a estrutura fisica e mental das criaturas vivas. Arte ¢ 0 produto de organismos e por isso provavelmente nem mais nem menos complexa do que estes proprios organismos. _ ‘Acontece com freqiiéncia vermos ¢ sentirmos certas qualidades numa obra - de arte sem poder expressé-las com palavras. A razo de nosso fracasso nao esti no fato de se usar uma linguagem, mas sim porque ndo se conseguiu ainda fundir essas qualidades peroebidas em categorias adequadas. A linguagem nao pode * executar a tarefa diretamente porque ndo | € via direta para o contato sensorio + com a realidade; serve apenas para nomear 0 que vemos, ouvimos @ pensamos.» De modo algum é um veiculo estranho, inadequado para coisas perceptivas; 20 contrério, refere-se, apenas a experiéncids perceptivas. Estas experiéncias, contudo, antes de receberem um nome, devem ser codificadas por_andlis iva, Felizmente, a(andlise_perceptiva/é muito sutil e po além. Ela aguga a visdo para a tarefa de penetrar uma obra de arte até os limites mais impenetraveis. ito afirma que a andlise verbal paralisa a criagdo e a Um outro preconceit compreenso intuitivas. Novamente hd um fundo de verdade. A historia do

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