HISTÓRIA E CARISMA
2
Expansão: de Valdocco a Roma
(1850-1875)
DOM BOSCO:
HISTÓRIA E CARISMA
2
Expansão: de Valdocco a Roma
(1850-1875)
EDB
©2007. LAS Librería Ateneo Salesiano, Roma. Editor da obra original: Aldo Giraudo.
©2010. Editorial CCS, Madri. Editores da edição espanhola: Juan José Bartolomé e Jesús
Graciliano González.
©2013. Editora Dom Bosco. Brasília.
LENTI, Arthur J.
Isbn 978-85-7741-255-6
CDD 922.22
Annali I-IV Eugenio Ceria, Annali della Società Salesiana. Vol. I: Dalle
origini alla morte di S. Giovanni Bosco (1841-1888). Tu-
rim: SEI, 1941. Vol. II: Il rettorato di Don Michele Rua,
parte I (dal 1888 al 1898). Turim: SEI, 1943. Vol. III: Il
rettorato di Don Michele Rua, parte II (1899-1919). Turim:
SEI, 1946. Vol. IV: Il rettorato di Don Paolo Albera (1910-
1921). Turim: SEI. 1951.
ASC Archivo Salesiano Central. Direzione Generale Opere Don
Bosco. Primeiro em Turim e depois em Roma.
BS Bolletino Salesiano. Edição italiana.
CCS Editorial Central Catequística Salesiana (Madri).
CFP Cuadernos de Formacíon Permanente (Editorial CCS, Madri).
Documenti 45 volumes de documentos para escrever a história de Dom
Bosco. Recompilados por Giovanni Battista Lemoyne.
Epistolario Ceria Epistolário de Dom Bosco, 4 volumes publicados por Euge-
nio Ceria. Turim: SEI, 1955-1959.
Epistolario Motto Epistolário: introdução, textos críticos e notas, 4 volumes edi-
tados por Francisco Motto. Roma: LAS, 1991-2003.
FDB Fondo Don Bosco. Microfichas. Direção Geral Obras
Dom Bosco: Roma.
F. Desramaut, Don Bosco Francis Desramaut, Don Bosco en son temps. Turim: SEI,
1996.
F. Desramaut, Memorie Francis Desramaut, Les memorie I de Giovanni Battista Le-
moyne: etude d’un auvrage fondamental sur la jeunesse de Saint
Jean Bosco. Lyon: Maison d’etudes Saint Jean Bosco, 1962.
G. Bonetti, Storia Giovanni Bonetti, Storia dell’Oratorio, publicada em capí-
tulos no Bolletino Salesiano, entre 1879 e 1886. Publicada
depois em um volume com o título Cinque lustri di Storia
Salesiana. Turim: Tip. Salesiana, 1892 (há uma tradução
em espanhol: Cinco lustros de historia salesiana. Buenos Ai-
res, Tip. e Librería Salesiana, 1897).
A DÉCADA 1850-1861
2
Os jesuítas eram considerados os líderes da reação contrária às reformas liberais.
10
tema e esboçara algumas linhas de negociação com a Santa Sé. Depois de, por
carta, abordar o tema com Pio IX, o rei enviou três delegados, a intervalos de
seis meses, para estipular a nova concordata. O primeiro entrevistou-se com o
Papa em Roma; o segundo, em Gaeta. O terceiro, em Nápoles; nenhum de-
les conseguiu chegar a um acordo. A missão mais importante foi a do conde
José Siccardi, que encontrara o Papa em seu exílio de Gaeta, durante a época
da República Romana. O conde tinha poderes para negociar dois temas: as
novas designações episcopais para as sedes de Turim e Asti, cujos bispos não
eram aceitos pelo Estado, e a nova concordata. Turim queria negociar os dois
assuntos juntos, enquanto Roma recusou-se a fazê-lo dessa maneira. A missão
Siccardi foi um fracasso. Pio IX foi considerado o responsável.
As Leis Siccardi
A Constituição do rei Carlos Alberto, baseada como estava em mode-
los franceses, declarava que todos os cidadãos, sem distinção, eram iguais
perante a lei. A Igreja, porém, dispunha de seu próprio sistema de tribunais
para julgar os membros do clero. Reclamava, também, o direito de dar asilo
nos locais de culto, tanto para clérigos como para leigos que fugiam a uma
acusação criminal.
Era inevitável que os liberais de todas as facções quisessem tomar medi-
das quer no Parlamento quer no Senado. Eles eram maioria, levando-se em
conta que apenas 2% da população masculina (aristocratas e profissionais)
estavam aptos a escolher por voto os seus representantes. Os bispos, padres
e leigos católicos de tendência conservadora representavam a Igreja nas duas
câmaras, mas estavam em minoria.3
Em fins de fevereiro de 1850, o conde Siccardi, ministro da Justiça,
apresentou um projeto de lei para abolir os tribunais eclesiásticos. Foi o pri-
meiro de uma série de projetos conhecidos como “Leis Siccardi”. Além da
lei relativa aos tribunais, o ministro também dispôs a abolição do direito de
asilo, a limitação dos dias festivos de preceito [dias santos] e a necessidade da
aprovação do Estado para a Igreja adquirir terras.
Os debates no Parlamento e no Senado mostraram como a opinião públi-
ca estava dividida em relação a esses temas. Até mesmo alguns liberais se opu-
seram por considerar que essas leis, embora necessárias, eram prematuras. As
negociações com o Papa deviam continuar para se chegar a um acordo bilateral.
3
Os liberais aduziam que na França, como também na Áustria, a Igreja aceitara essas reformas
já há alguns anos. Os conservadores citavam a recente concordata de 1841, negociada entre a Igreja
e Carlos Alberto, que mantinha esses privilégios. Arguiam que foram o galicanismo e a revolução, na
França, e o josefinismo, em Viena, que forçaram a Igreja a ceder.
11
4
Nas primeiras eleições celebradas depois de Carlos Alberto conceder a Constituição, Cavour
apresentara-se como deputado por quatro distritos e fora derrotado em todos eles. Numa eleição suple-
mentar conseguiu conquistar um distrito, mas em seguida foi derrotado nas eleições gerais. Foi eleito,
enfim, para o Parlamento em julho de 1849. Contudo, continuava a ser pouco popular e desconfiava-
-se dele. Brofferio, mais tarde, descreveu-o, certamente por inveja, como grosseiro e pouco refinado.
12
13
14
Disposições da lei
A lei postulava a abolição de todas as ordens religiosas, exceto aquelas que
se dedicavam a pregar, cuidar dos doentes ou ensinar. Proibia a fundação de
qualquer nova ordem, a não ser que houvesse uma permissão especial do Es-
tado. Previa a supressão, com algumas exceções, dos cabidos e seus benefícios.
Propunha usar as entradas vindas das congregações suprimidas para pagar
pensões aos religiosos cujas ordens e prebendas fossem suprimidas. Também
sugeria reduzir o estipêndio dos bispos e direcionar o dinheiro economizado
para os padres que recebiam menor remuneração.
Havia outros motivos, basicamente financeiros, mas eram menos conhe-
cidos. A guerra de 1848-1849 esgotara as arcas do tesouro; o déficit financei-
ro estava incontrolável. O Fundo Eclesiástico do Estado (Cassa Ecclesiastica)
já não conseguia manter o baixo clero nem as paróquias mais pobres. Em
maio de 1854, o governo de Cavour-Rattazzi comunicara essa situação à San-
ta Sé, insinuando que estavam pensando em tomar algum tipo de medidas
oportunas.
5
Cf. G. Martin, The red shirt, 433-445. Urbano Rattazzi (1808-1873), embora com ideias
políticas diferentes, uniu-se a Cavour em 1851, atuando como presidente da Câmara dos Deputados
(1852-1853); mais tarde foi ministro da Justiça (1853-1854) e do Interior (1854-1860) nos governos
de Cavour.
15
Tentativas de negociação
Enquanto isso, Cavour, fiel à sua promessa ao rei, retomara as negocia-
ções com a Santa Sé na esperança de chegar a um acordo, mas, como ante-
riormente, as negociações fracassaram. Contudo, o rei, que ansiava por ter-
minar com as disputas religiosas, enviou em seguida uma delegação pessoal
de três bispos até o Papa. Fê-lo sem a aprovação do governo, o que constituía
um perigoso ato inconstitucional que, por sorte, fracassou. Em seu relatório
ao rei, os três bispos expunham a posição da Santa Sé.
A lei baseia-se em princípios que a Igreja jamais poderá aceitar e que sempre
repeliu. Pressupõe que o Estado possa suprimir à vontade as comunidades
religiosas e seja senhor das posses da Igreja. Nesses termos, não é possível
chegar a um acordo.7
16
Cf. explicação do ministro Rattazzi sobre aspectos legais da lei discutidos em profundidade, em:
9
17
A Igreja é de uma ordem superior à sociedade civil. O Estado não pode dar
ou receber uma constituição que tenha o efeito de submeter pessoas e bens da
Igreja às leis civis. A igualdade perante a lei não pode ser aplicada às pessoas
e bens eclesiásticos.
O Estado não pode permitir o culto público das religiões não católicas. A
permissão concedida em Turim e Gênova para a edificação de templos protes-
tantes é uma ofensa à Igreja católica.
O Estado não pode aprovar uma lei que regule o estado civil dos membros da
Igreja sem primeiro consultar a Santa Sé.
A liberdade de imprensa é inconciliável com a religião católica num Estado
católico.
O Estado não tem o direito de exigir que os atos da Santa Sé, mesmo sem
ser matéria de fé, sejam submetidos à aprovação real antes de se tornarem
efetivos.
Os bispos e o clero que recusam obedecer ou esboçam resistência a uma lei
civil como a que pretende abolir os tribunais eclesiásticos estão simplesmente
cumprindo seu dever.10
10
Cf. G. Martin, The red shirt, 438-439.
18
Sua Santidade deveria saber que fui eu quem evitou que a lei sobre o matri-
mônio civil chegasse à votação no Senado, e serei eu quem fará agora o que for
possível para evitar que se vote a “lei dos conventos”. Talvez, em poucos dias,
caia o governo de Cavour e seja nomeado alguém da direita; porei como con-
dição sine qua non que se chegue a um acordo com a Igreja tão logo quanto
possível. (Faça o favor de ajudar-me.) De minha parte, sempre fiz o que pude.
(As palavras [da alocução] contra o Piemonte não nos ajudaram; e temo que
tenham destruído tudo para mim.) Devo estar atento para que a lei não passe,
mas ajude-me, também, Santo Padre.
Por favor, queime esta folha.11
11
Cf. G. Martin, The red shirt, 439.
19
20
Comentário
A “lei dos conventos” foi, na história da Revolução Liberal, mais impor-
tante do que todas as outras reformas sociais juntas, inclusive a Lei Siccardi
de 1850. Graças a ela, o Reino da Sardenha converteu-se num estado secular.
Note-se que a lei não proibia a ninguém o direito de levar uma vida de con-
templação e oração, vestir roupa especial ou associar-se a outros para o mesmo
fim. Negava, porém, a essas pessoas, o direito de receber privilégios especiais, a
não ser que se dedicassem ao ensino, ao cuidado dos doentes ou à pregação. Fora
dessas instituições úteis à sociedade, não tinham direito à existência no interior
de um sistema legal e social diferenciado. Dessa forma, por exemplo, sem auto-
rização do Estado, não podiam possuir terras vitalícias, livres de impostos, nem
serem isentas de pagar impostos pessoais ou do recrutamento militar.
Tudo isso, em conformidade com os princípios básicos da jurispru-
dência liberal; enquanto, de um lado, todo direito individual é natural
(vem de Deus) e ninguém pode violar esse direito, por outro, todo direito
coletivo depende do Estado. O Estado é a única fonte de direito coletivo
12
Foi nesse contexto que Dom Bosco teve o sonho dos “funerais na corte” e escreveu a Vítor
Emanuel. Pode-se perguntar se Dom Bosco estava ciente dos apuros do rei e de sua difícil decisão.
13
As ordens masculinas diretamente afetadas foram: agostinianos (descalços ou não), regulares de San-
to Egídio, carmelitas (descalços ou não), cartuxos, beneditinos de Monte Cassino, cistercienses, olivetanos,
franciscanos menores, conventuais, da observância e reformados, capuchinhos, oblatos de Santa Maria, pas-
sionistas, dominicanos, mercedários, servos de Maria e filipinos. As ordens femininas foram: clarissas pobres,
beneditinas de Monte Cassino, cônegas de Latrão, capuchinhas, carmelitas (descalças ou não), cistercienses,
beneditinas da crucifixão, dominicanas, terciárias dominicanas, franciscanas, celestinas e batistas.
21
Gabriel Casati era um patriota liberal que estava exilado. Nascido em Milão em 2 de agosto
15
de 1798, fora prefeito no final da década de 1830 sob o imperador austríaco Fernando I. Durante
a Primeira Guerra de Independência Italiana (1848-1849), foi presidente do governo provisório da
Lombardia depois dos Cinco Dias de Milão e a expulsão temporária dos austríacos. Exilado em Turim,
foi primeiro-ministro do governo constitucional. Depois da derrota de Carlos Alberto e a reocupação
austríaca de Milão, permaneceu ali e foi muito ativo na política. Seu nome está ligado à reforma edu-
cacional que concluiu como ministro da Instrução Pública (1859) no governo de Cavour. Faleceu em
Milão em 16 de novembro de 1873.
22
Comentário
Embora a Lei Casati representasse para a Itália uma evolução na edu-
cação, também tinha sérios inconvenientes. Os dois anos de educação pri-
mária obrigatória eram pouco para permitir uma transformação social su-
ficiente. A situação tornava-se ainda pior pela habitual falta de fundos das
pequenas cidades que não recebiam ajuda estatal. A lei dava prioridade à
educação humanista e negligenciava a formação “técnica”. Não contemplava
normas para a educação profissional e a formação de professores para os
níveis inferiores. Enfim, o sistema estava demasiadamente centralizado, pois
era administrado por funcionários reais alocados em Turim.
Convém recordar que a escola de Dom Bosco, anexa ao Oratório de São
Francisco de Sales, teve início com a Lei Boncompagni e, em 1859, precisou
adaptar-se às disposições da Lei Casati. Da mesma forma, todas as suas es-
colas, a partir de 1863, deviam funcionar teoricamente de acordo com a Lei
Casati, embora nem sempre tenha sido assim.
23
Data do sonho
Lemoyne deu uma atenção considerável a este duplo sonho e aos acon-
tecimentos que o envolveram.16 Ele menciona que Dom Bosco contou o pri-
meiro sonho a um numeroso grupo de salesianos, e nomeia 11, entre eles o
seminarista Ângelo Sávio, que atua como intermediário e secretário, e Pedro
Enria, posteriormente coadjutor. Lemoyne não estava presente, pois se uniria
a Dom Bosco uns dez anos depois, em 1864.
Parece fora de dúvida que o “sonho” aconteceu como conta a tradição
biográfica. As numerosas testemunhas mencionadas por Lemoyne deveriam
ser suficientes para confirmá-lo. Há também o testemunho do coadjutor Pe-
dro Enria em suas memórias posteriores. Entretanto, até o momento, não
nos chegou nenhuma das cartas de advertência escritas por Dom Bosco ao
rei. Uma carta, porém, datada em 7 de junho de 1855, escrita a um padre
benfeitor, recentemente publicada, é o testemunho de maior autoridade que
temos. Depois de se referir à situação desconcertante vivida em Turim após a
aprovação da Lei Rattazzi, Dom Bosco acrescenta:
16
MB V, 176-181.
24
Certa pessoa, inspirada por Deus e com grande audácia, escreveu várias
vezes ao rei avisando-o de que adviriam males sobre males, caso não vetas-
se esta lei fatal; manifestou-lhe e descreveu-lhe a morte das duas rainhas
vinte dias antes que ocorressem; a morte do duque de Gênova um mês
antes; a do filho do rei também um mês antes que acontecesse. Antes que
o rei assinasse a lei, foi-lhe escrito: “Se V. S. assinar esse decreto estará
assinando o fim da real casa de Saboia e não gozará mais da saúde de an-
tes. Em seguida, terá que deplorar novas perdas em sua casa; neste ano,
haverá graves desastres em seus campos; grave mortalidade entre seus sú-
ditos”. Logo veremos como isso ocorrerá. Não sabemos se será uma nova
epidemia de cólera ou de tifo, que há alguns dias se manifestou em vários
lugares do Piemonte.17
A carta, tal como foi redigida, revela uma série de coisas: 1ª) a pessoa de
que se fala foi identificada na tradição salesiana com o próprio Dom Bosco,
embora pelo estilo pudesse indicar uma terceira pessoa. Dom Bosco, porém,
foi o transmissor da profecia à corte. 2ª) A expressão “inspirada por Deus”
deve referir-se ao sonho ou experiência de “visão”. 3ª) Dom Bosco escreveu
mais duas cartas ao rei. 4ª) Estas cartas alertaram Vítor Emanuel não só sobre
“funerais na corte” como também sobre a morte de pessoas concretas. 5ª)
Uma última (?) carta, escrita quando o rei se preparava para assinar a lei, pre-
dizia maiores catástrofes. 6ª) Tendo “cumprindo com seu dever”, Dom Bosco
adota uma atitude de distanciamento esperando para ver como tudo termina.
Lemoyne data o primeiro sonho “em fins de novembro de 1854”, e o
segundo, “cinco dias depois”.18
Entretanto, a carta citada anteriormente diz-nos que o primeiro aler-
ta fora enviado “vinte dias” antes da morte das duas rainhas. A rainha-mãe
morreu em 13 de janeiro e a rainha consorte em 20 de janeiro de 1855. Isso
situaria o sonho entre dezembro de 1854 e janeiro de 1855. Em todo caso, o
terminus ad quem é 13 de janeiro (primeira morte).
17
Dom Bosco a Daniel Rademacher, 7 de junho de 1855, Epistolario I Motto, 257. Rademacher
era um padre português que ajudara Dom Bosco.
18
MB V, 178.
19
A tradição assume a natureza onírica da experiência, mas chamá-la de “visão” (alucinação
visual) ou simplesmente “imaginação” seria válido da mesma forma.
25
Quanto à fonte do relato, há que se notar que Lemoyne não foi teste-
munha dos fatos. Contudo, pode ter chegado ao seu conhecimento através
das testemunhas nomeadas. A narração da história como tal é possivelmen-
te uma adaptação daquela narrada por Pedro Enria em suas memórias.22
Ao falar dos sonhos ou “visões com que Deus tinha honrado Dom Bosco”,
Enria escreve:
MB V, 176.
20
MB V, 178.
21
22
Pedro Enria, órfão aos 14 anos por causa da epidemia de cólera de 1854, foi acolhido por Dom
Bosco no Oratório. Mais tarde professou como salesiano coadjutor e foi enfermeiro de Dom Bosco até
sua morte em 1888. Além de escrever crônicas sobre as doenças de Dom Bosco, em 1892, por orien-
tação do padre Lemoyne, escreveu suas memórias autobiográficas. Nessas memórias, ele também fala
dos sonhos dos quais estamos tratando.
26
Recordo que certa noite, em 1854 ou 1855, se não me engano, Dom Bosco
contou um sonho que tivera quando estava em seu quarto. Um indivíduo
vestido de libré vermelha, um pajem da casa real, apareceu diante dele e disse:
“Dom Bosco, há funerais na corte”. Dom Bosco acordou agitado. Mas (pen-
sou) é apenas um sonho. Na noite seguinte, a mesma pessoa apareceu-lhe
(em sonho) e disse-lhe: “Dom Bosco, há grandes funerais na Corte”. E, de
fato, algum tempo depois, as duas rainhas, Maria Teresa e Maria Adelaide,
faleceram, e também o príncipe Fernando, duque de Gênova, e outro jovem
príncipe cujo nome não me recordo.23
Predições realizadas
A rainha-mãe, Maria Teresa, faleceu em 13 de janeiro de 1855, aos 54 anos
de idade, depois de “breve enfermidade”.24 Uma semana depois, em 20 de janei-
ro, a rainha Maria Adelaide, esposa do rei Vítor Emanuel, falecia aos 32 anos após
dar à luz, tendo contraído febre puerperal; por isso, já no dia 19 de janeiro fora
ordenado um tríduo de orações para obter sua recuperação. Algumas semanas
depois, em 10 ou 11 de fevereiro, o irmão do rei, duque Fernando de Gênova,
morreu por causa de “febres pulmonares”. Nesse momento, a Lei Rattazzi era
submetida ao debate. Em 17 de maio, poucos dias antes de o rei assinar a lei, em
29 de maio, morreu também o jovem príncipe Vítor Emanuel Leopoldo.
Teologia da retribuição
O rei Vítor Emanuel não era favorável ao projeto de lei; embora fosse,
pelo Statuto, chefe do Executivo com poder de veto, uma das grandes vitórias
políticas de Cavour fora tornar, na prática, o governo e não o rei o responsá-
vel pelo Executivo. Os escrúpulos pessoais e os de sua mulher e família leva-
ram Vítor Emanuel a opor-se à medida “anticlerical”. Ele mantinha contato
epistolar com Pio IX e, enquanto se debatia a lei, “conspirava” com os bispos
do Senado para bloqueá-la.25 Cavour descobriu “a conspiração” e, na noite de
26 de abril de 1855, com todo o seu governo, apresentou demissão. O rei não
encontrou um substituto conservador e viu-se forçado a nomear novamente
Cavour e ver a aprovação da lei que, “coagido”, assinou em 29 de maio.
P. Enria, Cronaca di Enria Pietro 1854-1888, ASC A013; FDB 932 E12.
23
Jornal católico L’Armonia, 13/1/1855. In: F. Desramaut, Don Bosco, 427, 459.
24
25
Como já se disse, o rei subscreveu uma proposta do bispo Luís Nazari di Calabiana, de Casale,
pela qual uma soma anual em dinheiro, quase 1 milhão de liras, seria garantida para o sustento de
paróquias (motivo alegado que justificava a lei) se o projeto de lei fosse retirado.
27
26
T. Chiuso, La Chiesa in Piemonte dal 1797 ai nostri giorni. Turim, 1887ss. [5 vols.], IV, 197.
In: F. Desramaut, Don Bosco, 428, 459.
27
A. Monti, “Nuova antologia”, 1o/1/1936, 65. In: MB XVII, 898 (Documentos e fatos ante-
riores XXV).
28
Não digo que Deus quisesse a morte dessas pessoas inocentes devido a essa
lei. Contudo, é o que muitas pessoas acreditavam então, e ainda acreditam.
De fato, se diz que Deus quis levar essas boas pessoas com ele justamente para
castigar os malvados envolvidos nela.29
28
Jacques-Albin Collin de Plancy, baron de Nilinse, I beni della Chiesa, come si rubino [...]
(Como estão sendo roubadas as propriedades da Igreja [...]). In: Leituras Católicas, abril/1855.
29
Il Galantuomo (O Homem de Bem) [...] para o ano 1856 (Turim, 1855), 46. In: F. Desramaut,
Don Bosco, 428, 459.
29
30
Crimeia é uma península da Ucrânia, que adentra pelo mar Negro. A guerra foi feita ali para
30
31
31
V. Ceppelini; P. Boroli; L. Lamarque (eds.), Storia d’Italia, 124-126.
32
33
Legnago, e dominava os vales dos rios Ádige e Míncio e as estradas até a Áustria.
34
O periódico Il Giornale di Roma tachou a ideia como rendição à revolução e uma coleção de
33
muitos erros e insultos contra a Santa Sé, já rebatidos no passado. Pio IX, em sua alocução ao corpo
militar francês em Roma (1o de janeiro de 1860), descreveu o opúsculo como ignóbil e contraditório,
e acrescentou ter testemunhos escritos de que as opiniões do imperador sobre o tema eram diametral-
mente opostas às manifestadas no texto.
35
34
Contado com detalhes (com mapas) em G. Martin, The red shirt, 532-626.
36
37
38
39
40
36
A Romanha, região ao norte dos Estados Pontifícios, compreendia as chamadas legações de
Bolonha, Ferrara e Ravena.
37
As Marcas e a Úmbria eram as regiões centrais dos Estados Pontifícios.
41
42
precisou ser não só uma luta contra a opressão estrangeira, mas uma série
de guerras civis. Inevitavelmente, isso abriu feridas que não se curaram fa-
cilmente. Cavour teve êxito ao conseguir apoios, mas foi impossível compor
algumas divisões internas (não simplesmente a divisão entre conservadores e
radicais, mas entre Igreja e Estado, entre os ricos latifundiários e os pobres
camponeses, entre as ricas regiões do norte e o sul empobrecido).
Contudo, a unificação da Itália foi afinal um grande sucesso. Só se pode
lamentar que Cavour não tivesse vivido o suficiente para aplicar sua habilida-
de e inteligência aos problemas iniciais do Estado que ele tanto contribuíra
para criar.
43
Os serviços prestados por Garibaldi no passado e sua popularidade na Itália e no exterior evitaram
38
44
esquerda radical, no poder desde 1876, foi eleito várias vezes deputado, mas
raramente participava do Parlamento ou dos processos políticos, decepciona-
do com sua corrupção e seus comprometimentos.
Faleceu em 2 de junho de 1882, como último sobrevivente dos princi-
pais protagonistas do Risorgimento.39
39
Cavour morreu em 1861; Mazzini, em 1872; o rei Vítor Emanuel e o papa Pio IX, em 1878.
45
1850
9 de março: Leis Siccardi, que aboliram os privilégios especiais do clero,
principalmente os tribunais eclesiásticos e o direito de asilo, reduziram o
número das festas religiosas e proibiram que as congregações adquirissem
propriedades ou aceitassem doações sem permissão do Estado (discussão no
Parlamento sobre o casamento civil).
10 de abril: em protesto a essa discussão, o núncio abandona Turim.
1850, 12 de abril: Pio IX retorna a Roma com a ajuda francesa depois do
exílio em Gaeta.
4 e 23 de maio: o arcebispo Luís Fransoni é preso e encarcerado (um mês).
5 de agosto: são negados os últimos sacramentos a Pedro De Rossi di Santa Rosa no
leito de morte. O arcebispo Fransoni é preso e levado para o exílio (25 de agosto).
46
1851
19 de abril: o conde Camilo Benso de Cavour é nomeado ministro das Fi-
nanças.
2 de dezembro: na França, o golpe de estado do presidente Luís Napoleão
Bonaparte acaba com a Segunda República (coroa-se como Napoleão III).
Aliança política (Connubio) entre o moderado Cavour e o esquerdista Rattazzi.
1851-1852: primeiras versões do Regulamento do Oratório.
1852
7 de janeiro: o latim é substituído pelo italiano como língua oficial para o
ensino universitário no Reino da Sardenha.
31 de março: crise do Oratório; com decreto do arcebispo Fransoni, Dom
Bosco torna-se diretor espiritual geral dos três Oratórios.
20 de junho: bênção da igreja de São Francisco de Sales.
24 de setembro: Miguel Rua passa a viver com Dom Bosco como interno.
Rua e Rocchietti recebem a batina (3 de outubro).
21 e 22 de outubro: o rei Vítor Emanuel II veta a lei do casamento ci-
vil, aprovada pelo Parlamento. O primeiro-ministro Máximo d’Azeglio
demite-se; Camilo Cavour forma o novo executivo como primeiro-mi-
nistro (4 de novembro).
1853
Fevereiro: Dom Bosco começa a publicar as Leituras Católicas, planejadas em
1852 com o bispo Luís Moreno, de Ivrea (apostolado da imprensa).
Outubro: Dom Bosco inicia as oficinas de sapataria e alfaiataria.
27 de outubro: Urbano Rattazzi (da esquerda anticlerical) é nomeado mi-
nistro da Justiça.
15 de novembro: em Turim, nas imediações do Oratório de São Luís, abre-se
ao culto uma igreja valdense.
Desaba a primeira parte do novo edifício que serviria como casa de acolhi-
da (a casa de Dom Bosco), mas é reconstruída e inaugurada na primavera
de 1854.
47
1854
26 de janeiro: constitui-se o grupo dos 4 (Rocchietti, Artiglia, Rua e Caglie-
ro), mais tarde referidos por Rua como salesianos (?), para se comprometerem
no “exercício prático da caridade”.
3 de março: Urbano Rattazzi, ministro do Interior e da Justiça.
10 de março: o seminário é confiscado e transformado em quartel.
19 de abril: surge a “questão do Leste” (repartição do instável Império Oto-
mano entre as potências ocidentais). Cavour propõe no Parlamento que o
Piemonte participe da Guerra da Crimeia contra a Rússia.
Abril: Rattazzi visita o Oratório e entretém-se em conversa com Dom Bosco
sobre a educação; em seguida, acontece o episódio da Generala [segundo a
Storia de Bonetti].
Julho-novembro: surto de uma epidemia de cólera em Turim e em outros
lugares.
Agosto: padre Vitório Alasonatti une-se a Dom Bosco no Oratório.
29 de outubro: Domingos Sávio (1842-1857) entra no Oratório.
Tem início a oficina de encadernação.
28 de novembro: a lei (Cavour-Rattazzi) para a supressão das ordens religio-
sas é apresentada na Câmara baixa.
8 de dezembro: proclamação do dogma da Imaculada Conceição.
1855
1854-1855: o duplo “sonho” de Dom Bosco sobre os funerais na corte e as
cartas de advertência ao rei.
12 de janeiro: morre a rainha-mãe, Maria Teresa (54 anos de idade).
20 de janeiro: morre a rainha consorte, Maria Adelaide (33 anos de idade).
26 de janeiro: Cavour apresenta no Parlamento um tratado com a França e
a Inglaterra, para a participação na Guerra da Crimeia. O tratado é aprova-
do em 10 de fevereiro e, em 4 de março, é publicada a declaração de guerra
contra a Rússia.
11 de fevereiro: morre Fernando, duque de Gênova, irmão do rei.
2 de março: é aprovada na Câmara baixa a Lei Rattazzi-Cavour, para a su-
pressão das ordens religiosas.
26 de abril: proposta de acordo do bispo Calabiana, de Casale, apresentada no
Senado, para evitar a aprovação da lei da supressão. Garantia-se o pagamento
48
de 1 milhão de liras à Igreja para cobrir o salário dos párocos. O rei apoia o
plano e é acusado de conspiração. Demite-se o governo de Cavour.
17 de maio: morre o filho mais novo do rei, príncipe Vítor Emanuel.
29 de maio: a lei da supressão é aprovada pelo Senado (23 de maio) e assi-
nada pelo rei. São suprimidas em todo o reino 35 ordens religiosas com 334
casas e 5.456 membros.
1o de julho: morre padre [beato] Antônio Rosmini Serbati.
16 de agosto: batalha de Chernaja (Guerra da Crimeia), a única em que os
piemonteses, devastados pela cólera, participam com os franceses. O exército
russo é derrotado.
8 de setembro: os franceses tomam Sebastopol.
4 de outubro: João Batista Francésia recebe a batina.
Outubro: Dom Bosco inicia em casa o gimnasio (escola secundária) de três
anos, tendo Francesia (de 17 anos) como professor e moderador.
24 de novembro: João Cagliero recebe a batina.
Dom Bosco publica a sua História da Itália.
1856
Janeiro: os Irmãos das Escolas Cristãs são expulsos das escolas de Turim.
15 de fevereiro a 16 de abril: Congresso de Paris. Cavour pede uma solução
para “a questão italiana”.
11 de maio: a Conferência “adjunta” de São Vicente de Paulo é aprovada no
Oratório.
25 de novembro: morre de pneumonia Mamãe Margarida, a mãe de Dom
Bosco, aos 68 anos de idade.
Construção de um novo edifício na casa (o piso afunda), que substitui a casa
Pinardi. Dom Bosco inicia a oficina de carpintaria.
Têm início o primeiro e segundo anos do gimnasio (escola secundária) no
Oratório (currículo de três anos).
É fundada a Companhia da Imaculada Conceição.
1857
22 de março: Áustria e Piemonte rompem as relações diplomáticas por causa
da visita do imperador Francisco José à Lombardia e ao Vêneto.
9 de março: Domingos Sávio morre em sua casa de Mondônio.
49
Maio: conversa de Rattazzi com Dom Bosco sobre uma Sociedade que dê
continuidade à obra do Oratório.
20 de junho: reforma educacional de Lanza: confirma o sistema Boncompag-
ni, mas estende a “liberdade na educação” ao nível local, especifica a liberação
das escolas particulares, coloca todos os centros de ensino sob o Ministério da
Instrução Pública.
1o de agosto: José La Farina funda a Sociedade Nacional Italiana (idealizada
um ano antes) com a finalidade de promover a causa da unidade italiana (li-
derada por Cavour e a casa Saboia).
Uma coalizão clerical-conservadora é criada para apresentar-se às eleições,
mas é derrotada. O partido de Cavour mantém o controle nas duas câmaras.
O periódico católico L’Armonia conclama os católicos a se afastarem da
vida política.
Dezembro: é fundada no Oratório a Companhia do Santíssimo Sacramento.
1858
14 de janeiro: um atentado falido do extremista Félix Orsini contra Napoleão
III põe em perigo as relações entre o Piemonte e a França, e a causa da unidade
italiana. Cavour, porém, argumenta que a unidade italiana é a única forma de
deter os extremistas, o que abre o caminho para a reunião de Plombières.
Fevereiro: aparições em Lourdes, conhecidas no mundo todo.
18 de fevereiro a 16 de abril: primeira viagem de Dom Bosco a Roma, tendo o
clérigo Rua como secretário. Depois de conversar com o padre Pagani, superior
geral dos rosminianos, Dom Bosco conversa em 9 de março com Pio IX sobre
a fundação e a “forma” da projetada Sociedade. Após a segunda audiência (6 de
abril) e a partida de Roma, primeiro rascunho das Constituições Salesianas.
13 de março: enquanto Dom Bosco está em Roma, o marquês Gustavo Ca-
vour, irmão do primeiro-ministro, pede-lhe que pergunte ao Papa sobre a
possível designação de um novo bispo para Turim; dessa forma, é estimulado
a ser intermediário no “caso Fransoni”.
20 e 21 de julho: Acordos de Plombières entre Napoleão III e Cavour sobre o
apoio francês ao projeto de unificação da Itália.
Outubro de 1858 a abril de 1859: aliança franco-piemontesa, e preparati-
vos para a guerra contra a Áustria.
1859
Janeiro: Dom Bosco publica a Vida de Domingos Sávio.
10 de janeiro: o rei Vítor Emanuel II dirige-se ao Parlamento (“O lamento”).
50
1860
7 de janeiro: Pio IX responde brevemente à carta de Dom Bosco de 9 de
novembro de 1859, em que lamenta e condena os recentes acontecimentos
políticos e louva Dom Bosco e sua obra.
51
1861
27 de janeiro: primeiras eleições gerais para o Parlamento italiano; vitória de
Cavour e da ala liberal moderada.
52
53
1. A década 1852-1862
A certeza à qual Dom Bosco chegou por meio dos acontecimentos já
mencionados permitiu-lhe reforçar e ampliar seu apostolado numa década de
opções e sucessos. Com visão clara e plano preciso, mas sempre respondendo
às circunstâncias e necessidades históricas, seu apostolado desenvolveu-se em
muitas frentes.
54
55
56
57
MB III, 574. Essa viagem, de fato, deve ter acontecido com outro propósito diferente daquele
1
que Lemoyne supõe. Em 1849, surgiram divergências entre os padres do Oratório em Turim. Padre
58
Estratégia preventiva
Dom Bosco recorreu a todas as estratégias imagináveis de proteção. Ao
solicitar contratos e visitar os jovens em seus locais de trabalho, Dom Bosco
erigia-se em protetor e garantidor do jovem no lugar de seus pais. A Socieda-
de de Mútuo Socorro garantia o básico nos períodos de desemprego “a fim
de impedir que os nossos jovens se inscrevessem”3 em sociedades perigosas.
As oficinas criadas por Dom Bosco na casa foram uma inovação posterior,
dentro do espírito educacional do Oratório, demonstrando sua preocupação
pessoal com a educação. Seu principal objetivo era proporcionar aos jovens a
maior proteção possível, afastando-os dos perigos que podiam encontrar nas
oficinas da cidade. Era uma finalidade de educação protetora.
Existe uma grande quantidade de obras escritas sobre o ambiente moral
reinante nas oficinas e fábricas nas quais trabalhavam os meninos corroboran-
do a afirmação de Lemoyne:
Aquele vai e vem todos os dias dos seus meninos às oficinas da cidade, por mui-
to que fossem escolhidos, vigiados e transformados, era um perigo, quando não
um dano, para a disciplina e o aproveitamento dos internos. Os maus costumes
e a irreligiosidade aumentavam entre os operários, e Dom Bosco percebia que
os desafios aos quais os seus alunos eram submetidos podiam destruir em mui-
tos deles o fruto da educação moral e religiosa que procurava dar-lhes.4
Ponte, apesar de ser diretor do Oratório de São Luís, era da oposição e estava próximo das ideias do
padre Cocchi. Não parece provável que Dom Bosco pudesse ou quisesse servir-se dele. Padre Ponte deve
ter feito a viagem por própria conta ou por conta do padre Cocchi que, associado com padre Roberto
Murialdo, naquele momento organizava uma Sociedade de Caridade com a finalidade de fundar o Col-
legio degli Artigianelli. Contudo, as divergências não devem ter sido muito importantes para impedir
que Dom Bosco se servisse dos préstimos do padre Ponte.
2
P. Stella, Economia, 170-171.
3
MO, 230s. Estatutos, MB IV, 74-77.
4
MB IV, 659.
59
60
61
Oficina de encadernação
Em 1854, Dom Bosco fundou a terceira oficina, a de encadernação.9 Le-
moyne parece sugerir que essa oficina teve início casualmente, quando Dom
Bosco, ajudado por Mamãe Margarida, demonstrou como se encadernava
um livro. Na verdade, como as duas primeiras, também esta foi criada para
afastar outro grupo de meninos dos perigos da cidade e para responder a uma
necessidade concreta.
Em 1853, Dom Bosco iniciara as Leituras Católicas, publicadas pelo im-
pressor De Agostini. Contudo, pode ser que tenha pensado em publicar esses
opúsculos no Oratório. Rosmini, em 1853, sugerira a Dom Bosco que crias-
se uma tipografia em Valdocco, como o padre Pavoni fizera em sua Scuola
d’Arti, de Bréscia. Dom Bosco respondeu que “tal projeto esteve presente em
minha mente nos últimos anos; a falta de dinheiro e de um lugar adequado
são as únicas razões pelas quais preteri a sua realização até agora”.10 Nesse
momento, mesmo sem estar equipado para a impressão, podia, ao menos, as-
sumir uma fase da produção de livros em sua própria oficina de encadernação
com preço reduzido.
Do ponto de vista prático, para esta e para suas futuras oficinas, Dom
Bosco já buscava uma clientela maior. No outono de 1854, foi colocado um
anúncio no periódico católico L’Armonia procurando clientes para sua oficina
de encadernação. Oferecia aos seus possíveis clientes um preço reduzido e a
oportunidade de ajudar os meninos pobres que ficaram órfãos recentemente
por causa da epidemia de cólera e foram acolhidos no Oratório.
Aos poucos, a partir da oficina de encadernação, surgiu uma pequena livra-
ria que, dez anos mais tarde, se converteria num estabelecimento independente.
8
MB IV, 660.
9
Lemoyne situa o fato em maio; Stella, no outono de 1854; Wirth, em 1856.
10
Carta de Dom Bosco ao padre Rosmini, 29 de dezembro de 1853, Epistolario I Motto, 211.
62
Oficina de carpintaria
A quarta oficina, de carpintaria e marcenaria, foi criada em novembro
de 1856 na ala do novo edifício, em frente à igreja de São Francisco de Sales.
Seu primeiro mestre foi um senhor chamado Corio, que tinha uma bela voz
de tenor e estudava música.11
Com as finalidades descritas acima, havia também o interesse prático de
preencher as novas necessidades da casa. A projetada ampliação do edifício e das
salas de aula precisava de muitos trabalhos de carpintaria, caixilhos de janelas,
portas, mobiliário, mesas etc. Como para as oficinas anteriores, também para
esta Dom Bosco saiu à procura de clientes. Parece que, apesar de não contar com
os melhores meios, em comparação com as outras três, a oficina de carpintaria
era consideravelmente mais bem equipada e podia oferecer um projeto aceitável.
Em todo caso, as oficinas não podiam competir com estabelecimentos similares
na cidade e, muito menos, com os da produção industrial que começava a sur-
gir no mercado. Dom Bosco procurava evitar o menor indício de competição
com outras oficinas ou empresas, o que poderia criar problemas e dificuldades
em suas relações. Nesse momento, procurava não se aventurar. Era tempo de
recessão econômica e oficinas como as do Albergo di Virtù e da Generala, prisão
correcional para jovens fundada em 1845, passavam por dificuldades.
Número de aprendizes
Citando os registros de Dom Bosco, Lemoyne conta que nos anos 1857
e 1858 os internos em Valdocco somavam 199: 121 estudantes e 78 apren-
dizes, mas destes, ele não indica a distribuição nas várias oficinas.13 Estes
números também incluem, sem dúvida, alguns que ainda trabalhavam em
oficinas da cidade.
11
MB V, 540.
12
Cf. MB IV, 662. Essas normas aparecem no capítulo 9, do Primeiro plano para as normas da
casa, p. 571. Não resta em ASC nenhum original ou cópia impressa dessas normas.
13
MB VI, 40.
63
A jornada de um aprendiz
A jornada de trabalho dos aprendizes foi reconstruída através de teste-
munhos dispersos.15 Deve-se advertir que, nessa etapa, os aprendizes passa-
vam a maior parte do tempo trabalhando, sendo as aulas noturnas a única
instrução formal que recebiam. Era uma instrução principalmente elementar
(catequese, leitura, escrita e um pouco de aritmética), pois muitos deles não
14
MB V, 756ss.
15
Cf. M. Wirth, Da Don Bosco, 67ss.
64
16
MB VI, 193-197.
65
espaço que lhe fora destinado no edifício construído ao longo da rua da Jar-
dineira. No seu lugar foi criada uma fundição de caracteres tipográficos.
Dom Bosco fez um pedido ao governador da província de Turim solici-
tando a licença para abrir uma oficina de tipografia. Inicialmente, ele negou
devido a uma norma legal de 13 de novembro de 1859 (não a Lei Casati, mas
outra aprovada na mesma data); ela exigia que o mestre de tipografia a serviço
da oficina fosse qualificado por ter cursado três anos de aprendizagem e que
a oficina estivesse num lugar acessível ao público. Quando Dom Bosco apre-
sentou os documentos adequados que garantiam esses requisitos, a permissão
foi concedida em 31 de dezembro de 1861.17
O primeiro mestre impressor foi um leigo chamado André Giardino. A
tipografia iria desenvolver-se mais do que as outras oficinas. De fato, quando
em 1883, foram instaladas máquinas de última geração, ela converteu-se na
oficina mais bem equipada de Turim.18 Era uma comprovação do compro-
misso de Dom Bosco com o “apostolado da imprensa” e não tanto para for-
mar impressores para a indústria.
A oficina de ferreiro
Em 1862, Dom Bosco fundou sua sexta oficina, a de ferreiro, na sala
que fora o primeiro local da tipografia. Os dois primeiros mestres foram des-
pedidos por motivos disciplinares e substituídos em 1863 por certo João B.
Garando, hábil artesão da velha escola. Trabalhar o ferro convertera-se num
importante negócio com a expansão imobiliária e industrial. Contudo, os
motivos de Dom Bosco eram mais práticos e domésticos: as necessidades
surgidas pela expansão da casa, com seus novos edifícios, e a igreja de Maria
Auxiliadora já na mesa de desenho. De fato, a oficina fabricou os caixilhos de
ferro forjado para as janelas da igreja.19
17
Cf. MB VII, 56-60. P. Stella, Economia, 246, enfatiza que Dom Bosco tinha em mente “um ne-
gócio e não uma escola” e, por isso, pediu ao governador da província a permissão para abrir um negócio e
não pediu ao superintendente de escolas a permissão de abrir uma escola profissional, “técnica”, segundo a
Lei Casati. L. Pazzaglia, Apprendistato, 30s., nega que a Lei Casati tenha importância neste caso, mas está
de acordo que nos inícios dos anos de 1860 Dom Bosco não estivesse pensando numa escola profissional.
18
MB XVI, 402.
19
Lemoyne, MB VII, 116, também menciona oficinas de tinturaria e chapelaria (1862?), mas pode
referir-se a atividades relacionadas com a alfaiataria, não a oficinas à parte. Ainda mais, nas Memórias da
Pia Sociedade de São Francisco de Sales, de 23 de fevereiro de 1874 (Documento n. 15 da Positio apresen-
tada para a aprovação das Constituições Salesianas), Dom Bosco escreve: “Os aprendizes exercitam-se
nas diversas oficinas do Instituto nos ofícios de sapateiro, alfaiate, serralheiro, carpinteiro, marceneiro,
padeiro, livreiro, encadernador, compositor de tipografia, impressor, chapeleiro, músico, artista, fundidor
de caracteres tipográficos, produtor de calcógrafo e litógrafo” (MB X, 946). Obviamente, muitos desses
são ofícios distintos, não oficinas distintas.
66
A livraria
Em dezembro de 1864, surgiu oficialmente a livraria como atividade
independente. Anteriormente, existira uma pequena livraria ligada à ofici-
na de encadernação. Um folheto anexado ao número das Leituras Católicas
correspondente a esse mês chamava a atenção do público para a livraria. O
“catálogo” incluía alguns livros de texto em latim, obras teológicas, números
atrasados das Leituras Católicas, desde 1853, obras do mesmo Dom Bosco,
composições musicais do padre Cagliero etc.20 Com a tipografia, a livraria
iria adquirir grande importância e se converteria numa próspera aventura co-
mercial. Seu desenvolvimento também se alinhava ao compromisso de Dom
Bosco com o apostolado da imprensa.
O salesiano coadjutor
Contar com membros leigos, os salesianos coadjutores, certamente fez
parte da ideia de Dom Bosco em relação à Sociedade Salesiana desde o prin-
cípio, embora não possamos dizer com segurança como ele concebeu seu
ministério específico. Seria simplista pensar que Dom Bosco decidiu incluir
membros leigos pela pressão de problemas práticos e organizativos, como a
necessidade de contar com mestres artesãos de confiança nas oficinas, e não
como fruto de uma profunda compreensão da espiritualidade da vocação re-
ligiosa laical. O fato, porém, é que as oficinas só começaram a funcionar com
eficiência quando os coadjutores assumiram sua direção.
Em 1860, a Sociedade Salesiana, fundada oficialmente em 1859, acolhe
seus primeiros coadjutores. Na reunião do Conselho de 2 de fevereiro de
1860, José Rossi (1835-1908) foi admitido como membro leigo para “a prá-
tica do regulamento”, como aspirante a noviço. Em 1864, fez sua primeira
profissão e, em 1868, os votos perpétuos; chegou a ocupar postos impor-
tantes na Sociedade. Mais ou menos na mesma época, alguns cristãos leigos
adultos foram admitidos como coadjutores, por exemplo, o cavalheiro Frede-
rico Oreglia di Santo Stefano (1830-1912), que emitiu a primeira profissão
em 1862 e os votos perpétuos em 1865, e José Buzzetti (1832-1891). Oreglia
seria o motor do negócio da tipografia e da produção de livros.21
67
Formas de aprendizagem
Levando-se em conta a idade e os requisitos de admissão,24 mais ou me-
nos até 1860, a média de idade dos aprendizes era de 14-15 anos, semelhante
à dos estudantes. Nos anos de 1860, porém, de acordo com os livros de regis-
tro, a idade média aumentou para 18-19 anos.25 Isso aconteceu pelo fato de
o termo “aprendiz” designar também aqueles que, com mais idade, trabalha-
vam nas oficinas [tratados nesta obra como mestres artesãos].
Não existem informações disponíveis sobre a duração do período de
aprendizagem, os programas de instrução, a qualidade da aprendizagem e exa-
mes, se é que havia. Parece que variassem de caso a caso. Exigente como era,
a aprendizagem parece ter-se baseado na prática, e era organizada segundo
as necessidades pessoais. Alguns aprendizes permaneciam como trabalhadores
contratados. Outros se estabeleciam por conta própria.26
22
Deve-se dizer que, ao relacionar a vocação de coadjutor com o “trabalho” e ao oferecer a esses
leigos uma forma de expressão no “trabalho”, Dom Bosco respondia a circunstâncias históricas concre-
tas e tentava adaptar-se a elas. Não estava definindo a vocação leiga salesiana nesses termos.
23
Cf. MB VII, 116-117, com o texto das normas de 1862. Relacionado com isso, Lemoyne dedica
um espaço considerável a um incidente que possivelmente motivou a quarta revisão que Dom Bosco fez
das normas. Um de seus artigos proibia comer e beber nas oficinas. Mas os jovens da oficina e seus mestres
fizeram uma festa na oficina no dia do seu padroeiro, apesar da norma e da proibição de Dom Bosco,
e sofreram as consequências: os dois mestres, como se diz acima, foram despedidos. MB VII, 118-119.
24
Cf. MB IV, 735: Normas para a Casa Anexa, capítulo 1.
25
P. Stella, Economia, 183.
26
Como indicado em MBe VII, 42.
68
Números
Do número crescente de meninos acolhidos como internos em Valdoc-
co, a partir de 1853 – os novos edifícios tornaram isso possível – os aprendizes
(AA), inicialmente em maior proporção, foram aos poucos perdendo terreno
para os estudantes (EE). Até 1868, a proporção era inversa, segundo consta
nos registros: 1853: AA, 66%; EE, 26%. 1854: AA, 53%; EE, 33%. 1855:
AA, 37%; EE, 49%. 1856: AA, 36%; EE, 54%. 1860: AA, 18%; EE, 63%.
1861: AA, 13%; EE, 70%. 1867: AA, 22%; EE, 68%. 1868: AA, 23%; EE,
66%.29 Isso não foi casual; reflete o pensamento de Dom Bosco em relação às
grandes oportunidades oferecidas pela educação humanista.
Crise e recuperação
Algumas oficinas passaram por um período de crise nos anos sessenta,
durante a construção da igreja de Maria Auxiliadora e a desordem econômica
que supôs. A carta de Dom Bosco de 21 de janeiro de 1868 ao coadjutor
Frederico Oreglia di Santo Stefano, chefe da tipografia e da oficina de encader-
nação, afirma de forma um tanto crítica: “Os tipógrafos estão sem trabalho”.30
Isso pode referir-se apenas aos pedidos de fora, que aumentaram muito com
Oreglia. A crise econômica que sacudiu Turim com a transferência da capital
27
Cf. P. Stella, Economia, 374f.
28
L. Pazzaglia, Apprendistato, 35.
29
Cf. P. Stella, Economia, 180.
30
Epistolario II Motto, 488.
69
70
consideração, porém, que isso não foi além do curso elementar que se minis-
trava nessa época nas aulas noturnas.
Ceria, por sua vez, anota que em 1875 foi decidido dar instrução aos
aprendizes também nas aulas diurnas. Essa medida, em sua opinião, assinala
o início da transformação das oficinas em “verdadeiras escolas profissiona-
lizantes”. Pazzaglia, porém, diz que para além do fato de Ceria não dizer o
que se ensinava nessas aulas noturnas, o assunto das aulas para os aprendizes
também foi debatido no Capítulo Geral II.35
Não resta dúvida de que algo estava mudando nos anos setenta. O te-
mor da mistura de classes sociais dava lugar ao temor de conflito entre as
classes sociais. Os reformistas começaram a pedir que se suavizasse a grande
diferença entre a educação humanista e profissional ou “técnica”, segundo a
Lei Casati, e se criasse um sistema educacional unificado, que não separasse
as duas categorias.
A educação [...] não deveria ser dada aos adolescentes através de programas total-
mente opostos, como se o objetivo fosse criar castas separadas, uma para os zan-
gões da aristocracia e outra para as abelhas trabalhadoras das classes inferiores.36
35
L. Pazzaglia, Apprendistato, 38.
36
Debate parlamentar citado em P. Stella, Economia, 244.
71
Chefes de oficina37
1. Os chefes de oficina são encarregados de instruir os jovens da casa
na arte a que foram destinados pelos superiores. Seu primeiro de-
ver é a pontualidade e, na oficina, dar trabalho aos alunos à medi-
da que entram.
2. Sejam cuidadosos em tudo que se refira ao bem da casa e re-
cordem que seu principal dever é ensinar aos aprendizes e fazer
com que não lhes falte trabalho. Conservem e, dentro do possí-
vel, façam conservar silêncio durante o trabalho; não permitam
que alguém fale, ria, brinque ou cante, fora do tempo de recreio.
Jamais permitam aos alunos saírem para outros encargos. Se for
necessário, peça-se a oportuna permissão ao Prefeito.
3. Não devem fazer contratos com os jovens da casa, nem aceitar, por
própria conta, qualquer trabalho de sua profissão. Conservem o
registro de todos os trabalhos realizados na oficina.
4. Os chefes de oficina são estritamente obrigados a impedir qual-
quer tipo de más conversas e, chegando ao conhecimento de al-
gum culpado, deverão avisar imediatamente ao Superior.
5. Mestres e alunos devem permanecer na própria oficina e ninguém
deve ir a outra oficina sem absoluta necessidade.
6. É proibido fumar, jogar e beber vinho nas oficinas àqueles que ali
vão trabalhar e não se divertir.
7. Antes de iniciar o trabalho deve-se rezar o Actiones quaesumus
(oração de oferecimento) e uma Ave-Maria. Ao meio-dia será dito
o Angelus Domini (Anjo do Senhor), antes de sair da oficina.
37
MB IV, 661-662.
72
38
MB VII, 116-118.
73
74
75
76
Queridos jovens: eu vos amo com todo o meu coração, e basta-me que se-
jais jovens para que eu vos ame muito. Garanto-vos que encontrareis livros
escritos para vós por pessoas muito mais virtuosas e sábias do que eu, mas
dificilmente podereis encontrar alguém que vos ame mais do que eu em Jesus
Cristo e que mais deseje a vossa felicidade.3
[Dom Bosco] não deu passo, não proferiu palavra, não iniciou qualquer traba-
lho que não tivesse como objetivo a salvação da juventude. Deixou que outros
acumulassem tesouros, que outros buscassem prazeres e corressem atrás das
honras. Dom Bosco realmente não amou outra coisa que não fossem as almas;
disse com os fatos, não só com as palavras: “Da mihi animas cetera tolle”.4
77
Isso era evidente em todas as situações nas quais Dom Bosco se encon-
trava com os jovens. Sem qualquer dúvida, vê-se melhor o seu estilo nas
ocasiões em que podia estar com eles de modo permanente. Isso foi possível
com a criação da Casa Anexa, que acolhia jovens residentes, os mais pobres
entre os pobres, para aprenderem um ofício, enquanto aos demais, também
eles pobres, dava formação escolar de nível secundário. As décadas de 1850 e
1860 foram o período em que Dom Bosco se envolveu de maneira direta na
educação, embora não em sala de aula como forma habitual. Foram os anos
de Domingos Sávio (1854-1857), Miguel Magone (1857-1859), Francisco
Besucco (1862-1864) e outros.
6
MB III, 115-116.
78
Que tipo de ambiente educativo e espiritual foi criado por Dom Bosco?
Foi um estilo educativo que se converteu depois em “norma” para a educação
salesiana em todos os lugares?
79
• Biografias e histórias
As biografias de Comollo (1844…), Sávio (1859…), Magone (1861) e Besucco
(1864) têm um objetivo educativo e espiritual específico. Sobre isso, as de Sá-
vio, Magone e Besucco são especialmente importantes, e nos oferecem em seu
conjunto um compêndio do estilo educativo e da direção espiritual de Dom
Bosco para com os jovens da comunidade de estudantes nas décadas de 1850
e 1860. Os vários tipos (Sávio, de boa família cristã; Magone, de lar “desfei-
to”, mas de modo algum um delinquente juvenil; Besucco, inocente pastor da
montanha) apresentam-nos três aspectos do enfoque de Dom Bosco.
O jovem instruído, 1847.7 A Introdução e a Parte I (Instruções introdutórias
e meditações) contêm teses importantes.
Os livros históricos, História eclesiástica (1845...), História da Itália (1855...),
História sagrada (1847...), foram escritos para educar, inculcando valores mo-
rais e espirituais.8
• Regulamentos
Tanto o Regulamento para o Oratório (festivo) com o título Regolamento
dell’Oratorio di San Francesco di Sales per gli esterni (Regulamento do Oratório
de São Francisco de Sales para alunos externos), como o da Casa Anexa ou Re-
golamento per le case della Società di San Francesco di Sales (Regulamento para
as casas da Sociedade de São Francisco de Sales) foram concluídos em 1877.
Os dois regulamentos, dos inícios de 1850, foram corrigidos e acrescidos antes
de serem impressos pela primeira vez em 1877. Eles estabelecem o ambiente em
que a obra educativa, como Dom Bosco a entendia e praticava, ia ser praticada.9
• Outros escritos
Memórias do Oratório (1873-1877).10 Nesta obra, Dom Bosco, entre outros
objetivos, procura mostrar como surgiu e evoluiu seu estilo e método de edu-
cação dos jovens.
7
Mais tarde, Dom Bosco escreveu uma obra semelhante para meninas, que não obteve o mesmo
sucesso: La figlia cristiana provveduta (A jovem instruída, 1878).
8
Sobre isso, tem especial importância a História eclesiástica ao tratar dos santos que se distingui-
ram pela caridade preventiva, especialmente pelos jovens e pelos pobres.
9
Sobre o Regulamento do Oratório, cf. MB III, 86-108, 574-575. Sobre o Regulamento da Casa,
cf. MB IV, 735-755.
10
Edição crítica publicada por A. da Silva Ferreira [Roma: LAS, 1991]. Esta obra, traduzida por
Fausto Santa Catarina para a Editora Salesiana: São Paulo, com várias edições, foi revista e ampliada
por A. da Silva Ferreira e reeditada pela Editora Dom Bosco [Brasília, 2012].
80
11
Edição crítica: Francesco Motto, I “Ricordi confidenziali ai direttori” di Don Bosco (Piccola
Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 1). Roma: LAS, 1984.
12
Cf. Pietro Braido (ed.), Giovanni (San) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della
gioventù: introduzione e testi critici (Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 5). Roma: LAS,
1985. Cf. também RSS 4 (1985), 171-321. Cf. Constituições e Regulamentos da Sociedade de São Fran-
cisco de Sales (1984), 266-274.
13
Epistolario Ceria IV, 201-209. José Manuel Prellezzo (ed.), “Dei castighi da infliggersi nelle
case salesiane: una lettera circolare attribuita a Don Bosco”, RSS 5 (1986), 263-308. Id., “Fonti lette-
rarie della circolare ‘Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane’”, Orientamenti Pedagogici 27 (1980),
625-642. Id., “‘Dei castighi’ (1883): puntualizzazioni sull’autore e sulle fonti redazionali dello scritto”,
RSS 52 (2008), 287-307.
14
Pietro Braido (ed.), La lettera di Don Bosco da Roma del 10 maggio 1884 (Piccola Biblioteca
dell’Istituto Storico Salesiano, 3). Roma: LAS, 1984. Também em RSS 3 (1984), 296-374. Cf. Cons-
tituições e Regulamentos da Sociedade de São Francisco de Sales (1984), 275-287.
81
Carta sobre livros e leituras nas casas e escolas salesianas (1o de novembro de
1885).15 Esta circular expressa as ideias de proteção e prevenção de Dom Bos-
co em relação à educação, embora redigida por outrem.
Testamento espiritual (Memórias de 1841 a 1884-5-6).16 Foi escrito de modo
intermitente entre janeiro-fevereiro de 1884 e fins de 1886, com notas adicio-
nais finais entre 8 de abril e 24 de dezembro de 1887, ou seja, 38 dias antes
de sua morte. Esta é a data em que Dom Bosco confiou a obra a Carlos Ma-
ria Viglietti para que fosse entregue ao padre João Bonetti, diretor espiritual
geral. Esta última e importante obra de Dom Bosco contém muitas de suas
ideias sobre educação.
Cartas pessoais. Várias cartas de Dom Bosco, de vários períodos, evidenciam
suas preocupações educativas e espirituais.17
15
MB XVII, 197-200.
16
Francesco Motto (ed.), Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel sac. Gio. Bosco a’ suoi figliuoli Sa-
lesiani [Testamento spirituale] (Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 4). Roma: LAS, 1985.
Também em RSS 4 (1985), 73-130.
17
Para a coleção das cartas de Dom Bosco, cf. o antigo Epistolario Ceria (4 volumes), editado por
Eugênio Ceria, e mais recente, ainda incompleto, com edição aos cuidados de F. Motto, Epistolario
Motto (4 volumes até 1875).
82
83
Sem familiaridade não há afeto, sem afeto não há confiança recíproca e sem
confiança recíproca não há contato pessoal e, portanto, não há educação.
Em 1883, um correspondente do jornal parisiense Le Pèlerin escre-
veu sobre a relação de proximidade observada no Oratório de Valdocco:
“Vimos este sistema em ação. O Oratório de Turim é um grande colégio
para internos, no qual não se conhecem filas, mas no qual se vai de um
lado para outro como numa família. Cada grupo rodeia um professor,
sem algazarra, sem alvoroço, sem resistência. Admiramos o rosto sereno
daqueles meninos e tivemos de exclamar: Aqui está o dedo de Deus!”.18
Aquilo que o repórter observou foi apenas um pequeno reflexo exterior do
espírito de família.
Por espírito de família Dom Bosco entendia que a casa salesiana (ora-
tório, internato ou escola, mesmo grande) fosse como um lar, e todas as
pessoas que formavam a comunidade educativa vivessem em comunhão
como numa família. O conceito de família-lar funciona aqui como modelo
do qual aproximar-se o mais possível. Em nossos tempos, a imagem da fa-
mília perdeu muito do seu valor real e simbólico. A própria ideia de família
perdeu grande parte de sua atração numa cultura que praticamente conse-
guiu despojar o lar da sua condição de espaço afetivo no qual o indivíduo
recebe amor e cuidado de forma incondicional das pessoas às quais ele ou
ela corresponderão com amor. No entanto, este é o conceito que Dom Bos-
co tinha de família. Suas experiências infantis, boas ou más, convenceram-
-no de que a vida familiar era um valor do qual não se podia prescindir. A
comunidade educativa, na opinião de Dom Bosco, só era verdadeiramente
educativa se promovesse ao máximo os laços afetivos e as relações existentes
numa família biológica.
Podem-se citar muitos testemunhos sobre o modo de Dom Bosco tentar
criar um ambiente familiar na comunidade do Oratório:
A vida em comum vivida por nós persuadia-nos de que vivíamos como numa
família, mais do que num colégio ou internato, sob a direção de um pai que
nos amava e só se preocupava com o nosso bem espiritual e material.19
Vivia-se no Oratório uma vida de família, em que o amor a Dom Bosco, o
desejo de vê-lo contente, a ascendência que se pode recordar, mas não descre-
ver, faziam florescer entre nós as mais belas virtudes.20
18
MB XVI, 168-169.
19
Padre João Cagliero, em MB IV, 292.
20
Padre Jacinto Ballesio, em MB V, 736.
84
Estar com os jovens era a santa e irresistível paixão de Dom Bosco. Se alguma
vez ele se irritava com alguma coisa era quando se via forçado a abandonar a
doce e familiar companhia dos jovens para fazer alguma visita.21
Dom Bosco entendia que viver juntos numa comunidade educativa era como vi-
ver numa família que compartilha afetos. Ele diria: “Quero que todos nós tenha-
mos um só coração”. Gostaria de ser capaz de descrever a vida que vivíamos, por-
que estive ali, no Oratório, na época de Dom Bosco. [...] Todos nós nos sentíamos
parte de uma família. Dom Bosco sempre se referia [ao Oratório] como a casa.22
21
Padre Jacinto Ballesio, em A. Amadei, Don Bosco I, 350. A obra de Amadei está repleta de citações e
testemunhos que descrevem o ambiente educativo e espiritual do Oratório e o estilo educativo de Dom Bosco.
22
A. Caviglia, La pedagogia, 18-19.
85
Havia ainda razões pessoais por trás dessa preferência de Dom Bosco.
Lemoyne afirma que “o amor espiritual tal qual se experimenta numa família
era uma necessidade imperiosa do seu coração”.23 Braido fala da sua paixão
pela intimidade familiar como de uma característica do temperamento de
Dom Bosco.24 Stella acredita que esse aspecto da personalidade de Dom Bos-
co é resultado da orfandade quando ainda criança.25
23
MB IX, 687.
24
P. Braido, Il sistema preventivo, 159.
25
P. Stella, Vita, 253.
26
MB XVIII, 866.
27
Regulamento do Oratório [Festivo] (1877), 6.
28
Epistolario Ceria IV, 265.
29
Regulamento das casas (1877), 61.
86
Padre Francésia contou ao padre Ceria que, sendo ele jovem seminarista na
época de Domingos Sávio, este ficou doente, com febre. Dom Bosco fora vê-lo na
enfermaria para animá-lo; quando estava para sair, perguntou-lhe se podia fazer
alguma coisa por ele. Sávio, doente como estava, pediu-lhe um gole de água do
balde usado pelos pedreiros.31 Dom Bosco saiu silenciosamente e, depois de algum
tempo, voltou com o balde dos pedreiros cheio de água fresca. Levantou a cabeça
do jovem e deu-lhe a beber da água fresca. Sávio bebeu e adormeceu.32
Pequeno tratado sobre o Sistema Preventivo em edição bilíngue: italiano e francês (1877).
30
G. Brosio, Memoria, FDB 554 E10 - 555 D8. José Brosio, apelidado Il bersagliere, por ter sido
membro de um regimento militar de batedores (bersaglieri), foi um grande ajudante de Dom Bosco
nos inícios do Oratório.
31
Nessa época, estava em construção o edifício que substituiu a casa Pinardi; os pedreiros usavam
um balde de cobre para manter o cimento úmido, enquanto punham os tijolos.
32
Fato narrado pelo padre Ceria no Bollettino Salesiano, 15/6/1950, reproduzido por Terésio
Bosco. In: San Giovanni Bosco, Vita del giovanetto Domenico Savio: trascrizione e complementi di
Teresio Bosco. Turim: LDC, 1991, 120-121.
87
MB III, 30s. O edifício no qual ficavam os aposentos de Dom Bosco, desde 1853, era conhe-
33
88
Religião
Certa ocasião, fevereiro de 1878, Dom Bosco escreveu um memorando
sobre o seu sistema educativo para o ministro do Interior, Francisco Crispi,
sem fazer qualquer referência à religião. A explicação deve ser buscada na
situação “política” ou também na convicção de Dom Bosco de que os jovens
em situação de risco podiam ser ajudados pelo método da razão e do amor,
mesmo sem referência à religião. Mas parece que ele, pessoalmente, acredita-
va não ser possível conseguir a educação de uma pessoa sem tomar por base
a religião cristã. Na cultura europeia ocidental de sua época, não era possível
conceber um bom cidadão que não fosse um bom cristão, e vice-versa.
A religião como base do sistema educativo de Dom Bosco deve dis-
tinguir-se da “prática religiosa” como reforço educativo. Sobre este reforço,
não há dúvida de que Dom Bosco dava grande importância às práticas re-
89
34
“Lembranças confidenciais aos diretores”, 5. In: J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.), Juan
Bosco, Obras fundamentales, 550.
35
As duas citações são da “Carta de Roma” (1884). In: Juan Bosco, Obras fundamentales, 612.614.
90
Confiança
“A familiaridade gera afeto, e o afeto, confiança.”36 Há uma razão pela
qual Dom Bosco dava tanta importância à confiança considerando-a essen-
cial para a educação. Seu método educativo baseia-se numa relação afetiva;
a primeira consequência disso é a confiança, ou seja, o fato de abrir-se e
entregar-se a outrem de forma pessoal.
A “Carta sobre os castigos”, de 1883, finaliza com estas palavras que,
embora não sejam escritas por Dom Bosco, refletem bem seu pensamento:
“Recorda que a educação é coisa do coração e que só Deus é dono dele”.37
Braido comenta: “Se o educador não consegue conquistar o coração do jo-
vem, trabalha em vão. Se o jovem não abre o coração ao educador, a educação
é imperfeita”.38 Deveria haver, ainda, reciprocidade, confiança dada e recebi-
da. Isso é decisivo, mas, ao mesmo tempo, não está isento de dificuldades.
Não se estabelece facilmente a confiança. Dom Bosco estava plenamente
consciente das dificuldades inerentes a essa fase crucial do processo educa-
tivo. Maturidade espiritual, entrega e amor, expressos com a amorevolezza,
são condições necessárias para a confiança. Mas mesmo assim isso não se dá
facilmente. A confiança não pode ser comprada, forçada ou ordenada. E é
muito difícil aos educadores, mesmo aos pais, estabelecer uma relação de tan-
ta confiança e receptividade com os jovens, sobretudo com os adolescentes.
Dom Bosco nem sempre teve êxito na aproximação de um jovem, embora
geralmente o conseguisse.
Como se explica esse êxito? Primeiro, porque ele estava de tal modo
consagrado à sua missão, que sua sinceridade e autenticidade como educador
não eram postas em dúvida. Sua presença constante e sua disponibilidade,
sua maneira franca e simples de falar e agir, seus modos respeitosos e amáveis,
sua atitude não ameaçadora e cativante abriam-lhe normalmente o caminho
da confiança.
Em segundo lugar, Dom Bosco era um educador excepcionalmente do-
tado. Possuía uma empatia extraordinária e uma capacidade intuitiva inata.
Mesmo quando ainda era uma criança, conseguia adivinhar os pensamentos
e intenções dos outros meninos. Era capaz de falar com os jovens de modo
que eles não só entendiam o que ele dizia como também eram entendidos por
ele. Estabelecia-se de imediato uma relação de comunicação. Sua maneira de
MB XVI, 447. Há base suficiente para, aparentemente, afirmar que Dom Bosco não foi o
37
91
falar não era demasiadamente culta nem elaborada, mas sempre a conversa
informal de um amigo. Falava sem pressa, com clareza, com simplicidade, di-
retamente, com persuasão e, sobretudo, com total sinceridade: “Eu vos abro o
meu coração: se houver alguma coisa que não me agrade, eu o digo; se houver
um aviso a dar, eu o darei prontamente, em público ou em particular. Não
tenho mistérios: aquilo que trago no coração, eu o ponho nos lábios. Vós
também deveis fazer o mesmo, meus queridos filhos”.39
O episódio de Dom Bosco e o cardeal Tosti com os meninos de rua, na
Piazza del Popolo, em Roma, demonstra como Dom Bosco sabia “fazer-se
próximo” e “estar com” os jovens. Os fatos acontecem na sequência de um
diálogo sobre o modo de aproximar-se dos jovens e conquistar a sua confian-
ça. Padre Lemoyne conta o episódio assim:
39
MB VII, 506.
40
MB V, 917.
41
MB XIV, 846.
92
93
Uso da religião
Já mencionamos a religião no sentido de ela desenvolver um contexto de
vida e fé cristãs e expressar-se em práticas de piedade adequadas para apoiar o
trabalho educativo e moral. A religião também deve ser considerada como estra-
tégia educativa que dirige e sanciona a forma de pensar e agir dos jovens. Dom
Bosco, certamente, usou a religião como estratégia. Ele enfatizou, por exemplo,
o exercício da presença de Deus e a meditação sobre os novíssimos, como no
Exercício da boa morte, para trabalhar a moral e o cumprimento do dever.
Deve-se falar da estratégia da palavra, ou seja, da contínua animação e
direção espiritual feita por Dom Bosco. Ele se dirigia a cada jovem com “pou-
cas palavras ao ouvido”, nas conversas pessoais e no confessionário, ministério
ao qual dedicava várias horas por dia. Exortava a comunidade dos estudantes
e aprendizes por meio de colóquios, especialmente nos “boas-noites”. Como
confirmado pelo testemunho de Pedro Enria, essas breves palavras familiares
dadas no fim do dia demonstraram-se de grande valor educativo.
Prevenção e assistência, como estratégias, ocupam um lugar de honra. Es-
tes conceitos são rapidamente reconhecidos como parte integral do método
educativo de Dom Bosco.
Prevenção
O método educativo de Dom Bosco é conhecido no mundo todo como
Sistema Preventivo. E, certamente, a preocupação com a prevenção é uma carac-
terística específica do método e um sinal reconhecível na tradição educativa
salesiana. Contudo, deve-se advertir que o método não pode ser descrito sim-
plesmente em termos de prevenção. De fato, até onde sabemos Dom Bosco só
94
depois de 1877 usou o termo preventivo para referir-se ao seu método. Parece
que ele adotou o termo para dar ao seu sistema um marco teórico, ou seja,
classificá-lo na história da pedagogia. O termo preventivo, em clara oposição a
repressivo, manifesta as preferências de Dom Bosco na prática educativa, mas
não expressa a riqueza e a complexidade do método. A prevenção, contudo,
é uma estratégia importante da sua metodologia.
A obra do Oratório tinha um caráter preventivo em seu conjunto. Preten-
dia proteger o jovem de influências maléficas ou reparar o dano afastando-o
de situações morais e fisicamente hostis. Essa é a razão pela qual Dom Bosco
abriu as oficinas na casa do Oratório entre 1853 e 1862. Queria afastar seus
meninos dos perigos físicos e morais das oficinas da cidade.
Num nível básico, a prevenção é uma estratégia desenhada para dar
apoio aos jovens em seus problemas pessoais e ajudá-los a confrontar-se de
maneira construtiva com as dificuldades e tentações que se apresentam em
sua vida como pessoas e como cristãos. Num segundo nível, a prevenção pre-
tende delimitar e controlar o perigo enfrentado pelos jovens, de modo que
possam ser resgatados ou, ao menos, possam evitar situações de alto risco.
Dom Bosco, certamente, teria preferido aplicar essa estratégia no nível
básico, isto é, com bons meninos que não corressem perigo, impedindo, por-
tanto, que as situações de risco fossem maiores e construindo em bases seguras.
Ele valorizava enormemente a “inocência”. Mas, apesar de ter sido beneficiado
em situações educativas ótimas com “Sávios” e “Besuccos”, o trabalho do Ora-
tório em seu conjunto era com jovens que viviam em situação de risco. Vemos
na prática de Dom Bosco sua estratégia em funcionamento com os jovens das
prisões de Turim. Vemo-la, também com os internos na casa do Oratório.
Assistência
Dom Bosco tinha um conceito amplo de assistência, como o tinha de
educação. Por assistência, referia-se a toda atividade caridosa em benefício
dos jovens. A palavra e o conceito estão disseminados nas Memórias; são pre-
cursores do termo “Sistema Preventivo” ou método educativo.
Prioridade educativa
“Assistência” e Sistema Preventivo compartilham significado em dois ní-
veis fundamentais: no nível de conteúdo e de objetivos, porque designam o
que se faz para satisfazer as necessidades espirituais e materiais do jovem; e no
nível de estratégia educativa, porque designam a “vigilância” e a “presença” do
educador em relação ao jovem.
95
Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso
encontrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure
arranjar-lhes emprego com bons patrões e vá visitá-los de quando em quando
ao longo da semana, tais rapazes dão-se a uma vida honrada, esquecem o pas-
sado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Essa é a origem do nosso
Oratório [...].
Consagrava o domingo inteiro à assistência dos meus meninos; durante a
semana ia visitá-los em seus trabalhos nas oficinas e fábricas. Isso muito con-
solava os rapazes, que viam um amigo interessar-se por eles; e agradava aos
patrões, que ficavam satisfeitos por terem sob sua dependência rapazes assis-
tidos durante a semana e, sobretudo, nos domingos, dias mais perigosos.42
Estratégia educativa
Em geral, a literatura salesiana e não salesiana fala de “assistência” ape-
nas como estratégia. O pior é que só destacam o seu aspecto estritamente
“preventivo”, a “supervisão”, ou seja, a presença “preventiva” moral e física do
educador. É evidente que, neste sentido empobrecido, o conceito de assistên-
cia não faz justiça à concepção de Dom Bosco, nem sequer como “estratégia”.
Dom Bosco entendia “presença” e “disponibilidade” ao jovem em relação a
toda carência e em toda situação educativa. Obviamente, isso inclui “supervi-
são”, se fosse necessária, especialmente no internato.
O objetivo da assistência era colocar o jovem na impossibilidade mo-
ral de fazer algo deplorável e ajudá-lo a evitar experiências potencialmente
danosas. Isso é verdade. Mas considerada em si só, separada de toda a ação
educativa de Dom Bosco, essa visão redutiva e a prática da prevenção não
podem escapar à crítica que foi feita por alguns educadores. Pensam estes que
42
MO, 125. 128.
96
Que ao serem amados nas coisas que lhes agradam, participando de suas in-
clinações infantis, aprendam a ver o amor também nas coisas que pouco lhes
agradam, como a disciplina, o estudo, a abnegação de si mesmos, e aprendam
a agir com generosidade e amor.
97
43
Constituições e Regulamentos da Sociedade de São Francisco de Sales. 2ª ed. 2003, p. 281-282.
98
Grupos juvenis
As associações juvenis eram ferramentas educativas importantes. Na dé-
cada de 1850, quando Dom Bosco carregava praticamente sozinho o peso de
uma enorme e crescente iniciativa educacional, precisou confiar amplamente
nos grupos juvenis e na mediação deles para realizar seu programa educa-
cional. Esta mediação educativa reside no fato de ter sido capaz de cultivar
um seleto grupo de jovens que responderam mais rapidamente à sua direção
espiritual e às suas sugestões de se preocuparem com os companheiros. A
Companhia de São Luís foi exemplo dessa mediação entre os meninos do
Oratório. Na casa, o exemplo mais conhecido disso, mas não único, foi Do-
mingos Sávio e a Companhia da Imaculada.
99
Dom Bosco usa com frequência a expressão “jardim de entretenimento” (giardino di ricreazione)
44
para descrever o pátio do Oratório, mas o faz unicamente por motivos políticos e pragmáticos.
45
Uma das críticas feitas a Dom Bosco por padres e seminaristas durante o processo de aprovação
da Sociedade Salesiana e de suas Constituições era que brincavam com os jovens sem qualquer tipo de
decoro eclesiástico.
100
Excursões outonais
Eram passeios que aconteciam por ocasião da festa de Nossa Senhora do
Rosário, no primeiro domingo de outubro. Em 1848, Dom Bosco começou a
levar um grupo de jovens aos Becchi, lugar do seu nascimento, para a festa de
Nossa Senhora do Rosário, celebrada na capela que criara na casa de seu irmão
José, com uma entrada pelo pátio. Nessa ocasião aconteciam excursões aos ar-
redores. Essas saídas anuais continuaram até 1864, em itinerários sempre mais
amplos, com a banda e um grupo de atores, liderados pelo próprio Dom Bos-
co. Era uma recompensa pelo bom comportamento e pelas notas, e os jovens
competiam ao longo do ano para ter a honra de estar entre os escolhidos.46
Música
A música era algo comum no Oratório. Dom Bosco possuía dotes musi-
cais; apesar de não ter recebido educação musical formal, sabia solfejar, canta-
va com voz de tenor, tocava alguns instrumentos e ainda compunha canções
simples. O canto e a música coral foram logo introduzidos na programação
educativa. Naquela época, nas igrejas do Piemonte, o único canto ouvido,
além de simples canções piedosas cantadas pela comunidade ou por um gru-
po, era o solo masculino no ambão. Normalmente, a instrução musical era
recebida de forma individual e os coros eram criados por pessoas que se ti-
nham formado sob a direção de um mestre de coro.
Ainda em 1845, o próprio Dom Bosco começou a ensinar música aos
jovens em grandes grupos com a admiração de professores de música e edu-
cadores.47 Todos os meninos do Oratório recebiam algum tipo de instrução
musical, incluindo o canto, e o canto de um grupo de jovens no Oratório
era uma característica comum das celebrações religiosas. Foi organizado um
grande coro, que se converteu em instituição no Oratório. Na consagração
das igrejas de Maria Auxiliadora (1868) e do Sagrado Coração em Roma
(1887), os corais do Oratório executaram programas elogiados pela crítica.
A música instrumental também era importante. Tendo iniciado apenas com
um tambor, uma trombeta e um violão no prado Filippi em 1846,48 Dom
Bosco por volta de 1855 já tinha uma banda propriamente dita sob a direção
46
Para uma descrição mais longa e uma lista de obras que tratam das “excursões outonais”, cf.
o ensaio de Michael Mendl, “Comment on the fall outings as a synthesis of Don Bosco educational
method”. In: Memoirs of the Oratory of Saint Francis de Sales from 1815 to 1855. An Autobiography of
Saint John Bosco. Notes and Commentaries by Eugenio Ceria, Lawrence Castelvecchi and Michael
Mendl. New Rochelle: Don Bosco Publications, 1989, 332-338.
47
MO, 198.
48
MO, 151.
101
49
MB V, 346-347.
50
MB V, 347.
102
Representações dramáticas
Dom Bosco também se serviu muito de representações teatrais com fi-
nalidade educativa e de entretenimento. Chamava-o de “teatrinho” (teatrino),
não só por modéstia, mas para distinguir essa forma de entretenimento edu-
cativo do teatro para o público. Desde os inícios, ele se serviu da apresentação
de diálogos, tendo escrito pessoalmente algumas pequenas peças. A casa da
fortuna e as cenas sobre o sistema métrico são um exemplo disso.51 A finalida-
de educativa do teatrinho, concebida por Dom Bosco, é expressa com clareza
nas normas escritas por ele.52 Até 1866, as representações aconteceram no
espaçoso refeitório do porão da igreja de São Francisco de Sales, e, depois,
na grande sala de estudo.53 Dom Bosco não podia permitir-se um teatro ou
salão de atos. O primeiro teatro-salão de atos foi construído pelo padre Rua
em 1895.
Conclusão
Padre Caviglia, testemunha ocular da vida vivida no Oratório, escreve
sobre a maneira como Dom Bosco tratava os jovens:
51
La casa della fortuna: rappresentazione drammatica, pel sacerdote Bosco Giovanni [ ]. Turim: Tip.
dell’Oratorio di S. F. di S., 1865, ver MB VIII, 443. Para as cenas escritas em 1849 por Dom Bosco sobre
o sistema métrico, cf. MB III, 623-652.
52
MB X, 1059-1061.
53
MB VI, 106.
54
A. Caviglia, Don Bosco: profilo, 91.
103
104
para gente jovem. Apesar disso, em 1856, foi reconhecida oficialmente pelo
Conselho Geral como Conferência “associada” de São Vicente de Paulo.55
Em 1857, a Conferência “associada” de São Vicente de Paulo absorveu a
Sociedade de Mútuo Socorro e, mais tarde, agregou à sua estrutura também a
Conferência de São Francisco de Sales que tivera início em 1854.
55
MB V, 468-477. Para um estudo amplo dessa pequena, mas importante associação, cf. F.
Motto, “Le Conferenze ‘annesse’ di San Vicenzo d’ Paoli negli oratori di Don Bosco: ruolo storico
di un’esperienza educativa”. In: J. M. Prellezo (ed.), L’impegno, 468-492. Dom Bosco queria que se
criassem conferências em todos os seus oratórios (onde absorveriam ou somariam forças com os grupos
locais). A organização oficial das Conferências apoiou generosamente o trabalho de Dom Bosco em
todos os lugares.
56
Sobre a pertença, os fundos e as atividades, como foram comunicados ao Conselho Geral das
Conferências e anotados nos registros do presidente, conde Cays, cf. P. Stella, Economia, 266-267.
105
Motivado pelo zelo na caridade que lhe era habitual, [Domingos] escolheu
alguns companheiros nos quais mais confiava e propôs-lhes unirem-se numa
57
Em um pedaço de papel que se conserva em ASC, Miguel Rua anotou os 12 nomes: Beglia
(Bellia), Buzzetti, Francisco Bosco, Cagliero, Francésia, Germani, Gianinati, Marchisi (aprendiz de
12 anos), Ângelo Sávio, Estêvão Sávio, Rua, Turchi (com idades entre 12 e 20 anos), além de Dom
Bosco e do padre Guanti. Padre Rua acabara de entrar como interno no Oratório e tinha 15 anos. Cf.
P. Stella, Economia, 262.
58
Em ASC, como também em P. Stella, Economia, 263. Contudo, acredita-se que o título
“salesiano” nesta nota de Rua foi acrescentado posteriormente.
59
Carta autógrafa transcrita em A. Caviglia, Opere e scritti IV, 86-87; a carta, um texto difícil, tam-
bém é discutida em A. Lenti, Life of Dominic Savio, 1-52, especificamente 23-24 e, em especial, nota 60.
60
Para um estudo mais amplo do tema, sobretudo em relação ao papel de Domingos Sávio na
fundação e organização da Companhia, ver A. Caviglia, Opere e scritti IV, 441-464.
106
61
Giovanni Bosco, Vita di Domenico Savio (1859), 76. In: OE XI, 226. Também: J. Canals; A.
Martínez Azcona (eds.), Juan Bosco, Obras fundamentales, 180.
62
OE X, 226. Cf. J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.), Juan Bosco, Obras fundamentales, 180-181.
63
ASC A492.
107
Certo dia da semana, coisa insólita, ninguém se aproximou para comungar [...].
O menino Celestino Durando estava presente [...]. Enquanto o acompanhava
[à escola], Durando disse-lhe [a Domingos]: “Percebeste esta manhã? Deve ter
sido muito triste para Dom Bosco”. Quando os dois voltaram para casa, deci-
diram, junto com os companheiros Bonetti, Marcellino, Rocchietti, Vaschetti
e Rua criar entre eles uma sociedade, cujos membros escolheriam um determi-
nado dia da semana para comungar, de modo que houvesse todas as manhãs al-
guns comungantes [...]. Domingos Sávio aderiu com entusiasmo a essa piedosa
associação e, aconselhado por Dom Bosco, pensou o que fazer para que fosse
64
A. Caviglia, Opere e scritti IV, 444. In: Summarium (coleção resumida de testemunhos dados
no processo de beatificação), 480. Testemunho escrito, número 14.
65
Dom Bosco elogiou padre Bongiovanni na quinta edição da Vida (1878). Esse dinâmico
salesiano, que faleceu repentinamente em 1868, fundou as Companhias do Santíssimo Sacramento e
do Pequeno Clero.
108
duradoura. Orientado, pois, pela sua caridade engenhosa, escolheu alguns dos
melhores companheiros e convidou-os a se unirem a ele para formar a pequena
Companhia que chamaram de Imaculada Conceição [...]. De acordo com seus
amigos, e com a ajuda eficaz de José Bongiovanni, redigiu um regulamento e,
depois de não poucos retoques, em 8 de junho de 1856, nove meses antes de
sua morte, lia-o com eles diante do altar de Maria Santíssima.66
66
MB V, 479-480.
67
A. Caviglia, Ricordo, 117, nota 2.
68
Sobre a origem, normas, fundador e primeiro diretor, o clérigo José Bongiovanni, ver MB V,
759s. Outras passagens: duas conferências de Dom Bosco: MB VI, 185-189. Exemplo de atas: MB
VIII, 1056ss.
109
À moda de conclusão
Características gerais
Neste acúmulo de atividades associativas, nunca em contraposição, mas
frequentemente sobrepondo-se umas às outras, podem-se identificar as se-
guintes características gerais:
110
Características especiais
As várias associações também respondiam a necessidades específicas e
apresentavam traços característicos:
111
71
MB IX, 455.
112
72
Publicada em capítulos no Bollettino Salesiano, outubro e novembro de 1882, p. 171-172 e
179-180. O texto italiano da conversa na Storia, do Boletim Salesiano, foi editado criticamente e com
comentários, por Antônio da Silva Ferreira, “Conversazione con Urbano Rattazzi (1854)”. In: G.
Bosco, Scritti pedagogici e spirituali. Roma: LAS, 1987, 53-69.
113
O colóquio entre Rattazzi e Dom Bosco, tal como editado por Bonetti,
tem o estilo de um artigo de revista escrito para fazer publicidade, partilhan-
do da mesma preocupação educativa das Memórias e do restante da Storia.
Bonetti escreve em 1882, vinte e oito anos depois do fato. Deve ter
obtido o essencial do episódio e do diálogo do mesmo Dom Bosco; é menos
provável que a fonte fosse padre Francésia, que afirma ter estado presente.
Dom Bosco escrevera seu pequeno tratado sobre o Sistema Preventivo alguns
anos antes (1877) e, àquela época, refletia sobre vários aspectos de sua obra
e os horizontes de expansão do apostolado salesiano. Entretanto, a forma de
Dom Bosco recordar e narrar episódios dos primeiros tempos do Oratório é,
frequentemente, “imaginativa”, como se documenta, por exemplo, na crôni-
ca do padre Júlio Barberis.
Está comprovado que Rattazzi visitou o Oratório, pela primeira vez,
provavelmente em 1854. Naquele momento, Rattazzi era ministro de Justiça
e Graça no governo La Mármora. Era advogado e trabalhara na reforma do
Código Penal. Estava interessado especialmente em delinquentes juvenis e,
portanto, no trabalho humanitário e “reformatório” de Dom Bosco com os
jovens. Nessas circunstâncias, é mais provável que sua conversa tenha tocado
o tema da educação dos jovens.
Contudo, não parece verossímil que Dom Bosco lhe tivesse explicado o
Sistema Preventivo, citando quase ao pé da letra o que mais tarde escreveria
no pequeno tratado de 1877. Teria sido algo prematuro, se não anacrônico
em 1854!
O episódio da Generala
Tanto na Storia como em Cinque lustri, a conversa com Rattazzi conti-
nua com o episódio da Generala.73 Bonetti situa-o em 1855, apresentando-o
como exemplo de que o “sistema” funciona. Cita como referência, não Dom
Bosco, mas um esboço biográfico do Oratório, do conde Carlos Conestabile
(1878), com algum material adicional. Bonetti também menciona alguns
registros públicos.
Deve-se ter em consideração o seguinte:
73
A Generala era uma “moderna” prisão correcional para jovens, construída em 1845, como
parte das reformas do rei Carlos Alberto. Situava-se uns 16 quilômetros a sudoeste de Turim, na estrada
que levava à pequena localidade de Stupinigi.
114
115
Para a primeira parte, seguimos P. Stella, Spiritualità, 205-275, e A. Lenti, Don Bosco’s second
1
great hagiography, “The life of young Dominic Savio”, JSS 12 (2001), 1-52.
116
117
(capítulos 25-26) demonstram que, na verdade, ele era modelo para todos e
candidato à canonização.6
6
Cf. J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio. J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.). Juan
Bosco, Obras fundamentales, 217-220. É citada uma carta do pai de Domingos na qual escreve que seu
filho lhe aparecera, garantindo que estava no paraíso.
7
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 143-146.
118
Domingos no Oratório. A antiga casa Pinardi foi demolida em 1856 para dar
lugar a uma segunda seção da casa de Dom Bosco. O número dos internos
subiu a 153. Quando, em 1o de março de 1857, Domingos deixou o Orató-
rio para não mais voltar, os internos eram 199.
Enquanto isso, a principal preocupação de Domingos era ser um bom
tecido nas mãos do alfaiate, e, obviamente, continuar seus estudos secundá-
rios para o sacerdócio.
8
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 135s.
9
J. Cagliero, Summarium, 132-133; A. Caviglia, Ricordo, 101.
10
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 145.
11
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 147-148.
119
12
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 148.
120
Fatos edificantes
Durante o primeiro ano no Oratório, Dom Bosco recorda com detalhes
a heroica intervenção de Sávio para deter uma briga entre dois companheiros
e conseguir que se reconciliassem. Ele também fala da conduta exemplar de
Domingos no caminho para a escola e da sua contínua recusa aos apelos dos
companheiros para ir brincar em vez de voltar diretamente para casa.13 Do-
mingos vivia muito atento para ajudar seus companheiros de outras formas,
com o bom exemplo, com preocupação e zelo, dando conselhos aos novos,
ajudando na catequese etc.
João Roda-Ambrè, aprendiz que também entrou no Oratório em 1854,
testemunhava no processo apostólico de beatificação:
13
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 150-153.
14
Summarium, 22 e 55; A. Caviglia, Ricordo, 15.
121
A primeira coisa que lhe aconselhou para chegar a ser santo foi que trabalhas-
se para conquistar almas para Deus, pois não existe coisa mais santa na vida
do que cooperar com Deus na salvação das almas, pelas quais Jesus Cristo
derramou até a última gota do seu preciosíssimo sangue.17
15
Summarium, 55 e 220; E. Ceria (ed.), San Giovanni Bosco, Il beato Domenico Savio allievo
dell’Oratorio di San Francesco di Sales. Turim: SEI, 1954, 82.
16
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 156.
17
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 157.
122
Verão de 1855
Dom Bosco dissuadia seus jovens de passarem as férias em família, pois
acreditava que ficariam expostos a perigos morais e espirituais. Animava-os a
ficar no Oratório e assegurava-se de que eles desfrutassem desse tempo. Do-
mingos queria ficar, mas Dom Bosco afastou essa ideia. Terminada a escola
18
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 159.
19
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 162ss.
20
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 166ss.
21
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 169ss.
22
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 174ss.
123
A passagem da carta em que fala da cólera e da associação é pouco clara. Creio que Domingos
24
escreve dizendo que falou com Dom Bosco sobre o grupo (associação) que estivera ativo durante o
apogeu da epidemia do ano anterior. Talvez, ele sugira que o grupo voltasse a se reunir e que lhe seria
permitido unir-se ao grupo. Dom Bosco respondeu dizendo que não era necessário, pois apesar do
recente surto, a cólera estava sendo contida pelo frio. Contudo, permitiu que Domingos se unisse ao
124
Amigos especiais
Ao chegar ao Oratório, no outono de 1854, Domingos fez-se amigo
de um bom menino, João Massaglia, que entrara no ano anterior.25 Fica-
ram grandes amigos e mantiveram uma relação espiritual que se fortaleceu
durante o verão que passaram juntos no Oratório em 1855. O jovem, apa-
rentemente com boa saúde, caiu doente e precisou ir embora. Morreu em
sua casa em 20 de maio de 1856. Em fins de outubro (1855), chegaram os
novos alunos para o ano escolar 1855-1856 e Domingos estava pronto para
conhecê-los e ajudá-los no novo ambiente. Nessas circunstâncias, Domingos
conheceu outro bom menino, Camilo Gávio; novamente, surgiu uma grande
amizade entre os dois. Gávio, que estivera doente, sofreu uma recaída quase
imediatamente, e viu-se obrigado a voltar para sua casa, falecendo em 26 de
dezembro de 1855. Dom Bosco dedica dois capítulos inteiros a essas ami-
zades, incentivadas por ele, tendo em mente um claro objetivo educativo.26
Durante o ano escolar 1855-1856, Dom Bosco iniciou um programa
próprio de estudos secundários, a começar do terceiro ano de gramática. O
professor foi o seminarista salesiano de 17 anos João Batista Francésia (1838-
1930). Domingos estudou com ele nesse ano. Dom Bosco comenta que a
saúde de Domingos estava sempre pior e acrescenta que foi essa a razão pela
qual abriu o terceiro ano de gramática no Oratório. Dessa forma, Domingos
não precisaria ir e vir da escola duas vezes por dia.27
Experiências místicas
Dom Bosco dá espaço na biografia às experiências místicas de Sávio:
Até agora, não contei nada de extraordinário [sobre Domingos], exceto se le-
varmos em conta como extraordinárias a conduta inatacável [...], a vitalidade
na fé, a esperança firme e a caridade ardente. Agora, porém, pretendo falar
de algumas graças especiais e experiências pouco comuns que podem atrair
alguma crítica sobre sua pessoa. Contudo, quero garantir ao leitor que [...]
estas são coisas das quais fui testemunha pessoal e direta.28
grupo (associação) que então se dedicava apenas à oração. Pela frase “tornou-me membro”, parece pou-
co provável que Domingos tivesse pedido a Dom Bosco para fundar uma nova associação. Relacionado
com isso, Lemoyne conta o episódio no qual Sávio descobre uma mulher doente de cólera numa casa
próxima. Cf. MB V, 342s.
25
Cf. M. Molineris, Nuova vita, 167-168, cita documentos de arquivo e corrige Caviglia.
26
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 185ss.
27
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 153.
28
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 193ss.
125
A finalidade [do fundador] era garantir a proteção da Mãe de Deus [aos mem-
bros] na vida e especialmente no momento da morte. Para obter essa finalida-
de, Sávio propôs dois meios: fazer e promover práticas de piedade em honra
de Maria Imaculada e comungar frequentemente.31
126
127
A dor que sofria em sua doença era extrema, mas durante o tempo todo
em que esteve no Oratório, não foi ouvido queixar-se nem uma única vez.
Em certa ocasião, eu o vi calado e perguntei-lhe por que não queria falar.
Respondeu-me que tinha uma dor de cabeça tão forte que lhe parecia sentir
estiletes cravando-se em sua fronte. Acrescentou, porém, que suportava tudo
com paciência e na esperança de que a sua dor, unida aos merecimentos de
Nosso Senhor Jesus Cristo, haveria de abrir-lhe o paraíso. Jesus sofrera mais
sem se queixar.
Quando recuperou um pouco de suas forças, levantou-se da cama. Certa vez,
encontrei-o no quarto da “Tita”, aquecendo-se ao fogo, enquanto ela se quei-
xava de suas dores e achaques. Domingos, apesar de ser tão jovem, não duvi-
dou em repreendê-la pela sua impaciência.34
128
39
Reproduzida por A. Caviglia, Vita Domenico; Id., Opere e scritti IV, 560. Cf. também J. Bosco,
Vida del joven Domingo Savio, o. c., 213.
129
Retrato de Domingos Sávio, imaginado pelo pintor Mário Caffaro Rore (1960).
Algum de vós poderá perguntar por que escrevi a vida de Domingos Sávio
e não a de outros jovens que viveram entre nós com fama de ilibada virtude
[...], como Gabriel Fassio, Luís Rua, Camilo Gávio, João Massaglia e outros;
40
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 213ss.
41
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 128.
130
seus feitos, porém, não foram tão notáveis como os de Sávio, cujo teor de vida
foi nitidamente admirável [...]. Aproveitai os ensinamentos que encontreis
nesta vida de vosso amigo e repeti em vosso coração o que Santo Agostinho
dizia para si: “Se ele pôde, por que não eu?”.42
Elenco
– 1847. Sonho relacionado com o trabalho de Dom Bosco – Pre-
monitório.43
O sonho do caramanchão de rosas aconteceu em 1847; repetiu-se com varia-
ções em 1848 e 1856. Dom Bosco contou-o pela primeira vez aos salesianos
em 1864.
42
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 128-129. Luís Rua era irmão do padre Rua.
43
MB III, 33-35. Para alguns sonhos de Dom Bosco, ambientados em sua situação histórico-so-
cial, cf. A. da Silva Ferreira, Acima e além: os sonhos de Dom Bosco. São Paulo: Editora Salesiana, 2011.
44
MB III, 442-443.
45
MB III, 575.
131
– 1849. Sonho.48
Dom Bosco sonhou um encontro com o rei Carlos Alberto depois da sua morte,
em 28 de julho de 1849 no Porto (Portugal); contou-o “muitos anos depois”.
MB VI, 777.
46
MB VI, 777.
47
48
MB III, 539.
49
MB III, 495; citam-se dez testemunhas.
50
Ver estudo crítico das “evidências”. Cf. “Appendice: Carlo il risuscitato da Don Bosco, Postille
alle Memorie Biografiche”. In: P. Stella, Vita, 257-293.
51
MB IV, 302.
52
MB IV, 302.
53
MB IV, 710ss, citando algumas testemunhas.
54
MB V, 178ss.
132
55
MB V, 377ss.
56
MB V, 375ss.
57
MB V, 456.
58
MB V, 456.
133
59
MB V, 722s.
60
MB VI, 301ss.
61
MB VI, 118ss.
62
MB VI, 509.
63
MB VI, 510.
64
MB VI, 797.
65
MB VI, 511.
134
66
MB VI, 546s.
67
MB VI, 708s.
68
MB VI, 797s.
69
MB VI, 818ss.
70
MB VI, 822ss.
71
MB VI, 823s.
135
72
MB VI, 827.
73
MB VI, 828s.
74
MB VI, 864s.
75
MB VI, 879s.
76
MB VI, 885s.
77
MB VI, 897ss. Ver comentários das testemunhas sobre efeitos e imagens do sonho. Ibid., 917ss.
78
MB VI, 792ss.
79
MB VI, 1061s.
136
80
MB VII, 50s.
81
MB VII, 130ss.
82
MB VII, 169ss.
83
MB VII, 193.
84
MB VII, 217s.
85
MB VII, 223ss.
137
em sua casa de Chieri. Segundo Bonetti, Dom Bosco, embora estivesse para
o retiro em Santo Inácio, a uns quarenta quilômetros de distância, anunciara
aquela morte na hora em que acontecera.
86
MB VII, 225s.
87
MB VII, 237s.
88
MB VII, 238s. 242s.
89
MB VII, 284s.
138
90
MB VII, 344ss.
91
MB VII, 345.
92
MB VII, 347s.
93
MB VII, 357ss.
94
MB VII, 472.
95
MB VII, 402.
139
96
MB VII, 550.
97
MB VII, 550s.
98
MB VII, 575s.
99
MB VII, 575ss, 589ss.
100
MB VII, 597s.
140
101
MB VII, 614s. 543ss. Ver reprodução fotográfica do memorando de Mancardi e da aprovação
do padre Alasonatti. In: G. B. Lemoyne, Vita I, 656.
102
MB VII, 649s.
103
MB VII, 676s.
104
MB VII, 698.
105
MB VII, 795ss.
106
MB VII, 819.
107
Ibid., 820s.
141
Comentário
Como se pode ver com a exposição deste panorama, de forma abrangen-
te, Dom Bosco contava “sonhos” que tinham a ver com a condição moral e
espiritual dos jovens, como também “sonhos” puramente moralizantes.
Quanto aos “sonhos” premonitórios de mortes, o próprio Dom Bosco
revela como chegava ao conhecimento de que alguém ia morrer. Nem sempre
era uma premonição claramente definida. Algumas vezes, ele mesmo devia
esperar para ver como resultavam os acontecimentos. Contudo, por finalida-
de educativa e para o bem dos meninos, não duvidava em anunciá-lo publi-
camente. Ele certamente acreditava que desafiar os meninos com a morte era
espiritual e educativamente muito eficaz.
É significativo que estas narrações de “sonhos” se concentrem no perío-
do em que Dom Bosco estava pessoalmente mais envolvido na educação.108
108
A frequência com que as mortes ocorriam no Oratório parece indicar que a taxa de mortali-
dade era bastante elevada. P. Stella, Economia, 220, porém, descobriu que a mortalidade no Oratório
tinha os mesmos níveis de instituições similares no resto do Piemonte.
142
Aqui está uma prática comovedora estabelecida por ele [Dom Bosco]: o Exer-
cício da Boa Morte. “Não esqueçais”, dizia, “que no momento da morte,
recolhe-se o fruto do que semeamos durante a vida. Bem-aventurados sere-
mos se tivermos agido bem; a morte haverá de nos encher de alegria [...]. Se
for o contrário, ai de nós! Remorsos de consciência em ponto de morte e um
inferno aberto a nos esperar” [...]. Quae seminaverit homo haec et metet (O
homem recolherá o que semear). E repetia: “A vida do homem deve ser uma
preparação contínua para a morte”. Em 1847, Dom Bosco começou a fixar
o primeiro domingo de cada mês para este exercício tão salutar, convidando
todos a comungarem e recomendando-lhes que fizessem a confissão como
se fosse a última de sua vida. [...] Atendia uma multidão de penitentes, que
se renovava a cada hora, com caridade e paciência inalteradas. Ao terminar
a missa, Dom Bosco tirava os paramentos sagrados, ia ao pé do altar, onde
tinha um genuflexório preparado, e ali recitava uma afetuosa oração para im-
plorar de Deus a graça de não morrer de morte repentina e uma oração a São
José para obter a sua assistência nos últimos momentos [...]. Em seguida, lia
com grande devoção as ladainhas que recordam as várias fases da agonia de
um cristão, às quais os meninos respondiam: “Jesus misericordioso, tende
piedade de mim!”.109
Outro meio muito eficaz foi o Exercício da Boa Morte. Tão logo teve
meninos internos, fez com que participassem desse exercício com os ex-
ternos; depois, separou-os, destinando-lhes o último domingo do mês, e
o primeiro [domingo] aos do Oratório festivo. Ensinava-lhes o modo de
fazê-lo com proveito. Exortava-os a dispor tudo o que fosse espiritual ou
temporal como se naquele dia devessem apresentar-se perante o tribunal
de Deus e com o pensamento de um chamado imprevisto para a eter-
nidade […]. Pode parecer aos amantes do mundo que a lembrança da
morte enchesse a fantasia juvenil de pensamentos funestos, mas ela era
a razão de sua paz e alegria. O que perturba a alma é estar em desgraça
diante de Deus.110
109
MB III, 18-19.
110
MB III, 354.
143
111
MB IV, 683.
144
112
MB VI, 388s.
145
Alguém dentre vós não o fará de novo. Quem será? Serei eu ou será alguém de
vós! [...]. Eu vos poderia revelar, mas só vos digo que, no seu devido tempo, o
sabereis, e então direis: “Não acreditava que o tal devesse morrer!” [...]. Antes
de ontem, deixei-vos um pensamento para meditar, que deveria servir-vos
para a vida inteira. Ah! se considerássemos que temos apenas uma alma e
que, sendo ela perdida, fica perdida para sempre [...]. Eu sei que, em geral, os
jovens pouco refletem; às vezes, fazem coisas ruins com rapidez inconcebível
e até dormem com isso durante muito tempo, com um monstro horrível que
poderia destruir-vos de um momento a outro. Mas, qual será o despertador
que nos recordará a todo instante esse grande pensamento da alma? Tenho
aqui outra ideia: esse despertador é a morte! Virá um tempo em que deverei
morrer! [...] Será breve ou longo? Será neste ano, neste mês, hoje, nesta noite?
E, no entanto, o que será desta alma naquela hora fatal? Se a perder, ficará
perdida para sempre.114
146
Da mesma forma como o praticavam os adultos, padres e religiosos de modo especial, o exer-
116
cício mensal deriva em última instância dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. O padre jesuíta João
Croiset promoveu o retiro mensal na França acreditando que muitos dos que não podiam reservar sete
dias por ano para o retiro anual podiam facilmente reservar um dia por mês. Nos inícios do século XVIII
o padre jesuíta Antônio José Bordoni promoveu o retiro mensal em Turim. Fundou a Companhia da
Boa Morte e seus sermões sobre o Exercício converteram-se em referência normal do tema para um pre-
gador. Até sua supressão, os jesuítas promoveram essa Companhia e o retiro mensal. O Capítulo Geral
II (1880) recomendava aos salesianos que meditassem sobre os sermões a respeito da morte e dos “no-
víssimos”, do padre jesuíta Carlos Ambrósio Cattaneo. Da mesma forma, entre outras, as obras de Santo
Afonso eram um recurso habitual para os temas e a muita retórica que acompanhava esses exercícios.
147
117
P. Stella, Spiritualità, 177-185, analisa o papel da morte e dos “novíssimos” na espiritua-
lidade de Dom Bosco, e, portanto, na do Oratório. Ele discute, em dois capítulos adicionais, alguns
componentes dessa espiritualidade; ibid., 187-225.
118
J. Bosco, “Rasgos biográficos del clérigo Luís Comollo”. In: Juan Bosco, Obras fundamentales, 101.
119
Entre as canções incluídas em O jovem instruído havia, para o Exercício da Boa Morte, uma
com o título “Ah! ressoa a terrível trombeta!” (“Ahi! che l’orribil tromba”). No momento da morte, e
diante da perspectiva do juízo e do inferno, o pecador ver-se-á a lamentar (letra da canção): “Mon-
tanhas, caí sobre mim; terra, engoli-me”; “Devemos enfrentar a terrível presença do Juiz supremo e
suportar sua condenação. O Senhor, sem piedade, cheio de terrível ira, nos pedirá contas. Senhor, tem
piedade de mim, pobre pecador [...]”.
148
O biógrafo informa, então, as palavras que Dom Bosco disse anos de-
pois ao padre Francisco Cerruti, quando este escrevia as normas para Filhas
de Maria Auxiliadora sobre a acolhida das crianças:
Queres saber, realmente, quem era Aporti? O corifeu dos que reduzem o en-
sino da religião a puro sentimentalismo. Recorda bem que um dos equívocos
da pedagogia moderna é a de não querer que na educação se fale das máximas
eternas e, sobretudo da morte e do inferno.121
3. Comentário final
A questão do valor desta orientação na educação e na vida espiritual
dos jovens foi muito discutida. Talvez, de um ponto de vista não técnico
e prático, deveríamos distinguir entre preparação para a morte a partir
do temor e preparação para a morte a partir da esperança. A esperança
baseia-se no imutável e fiel amor de Deus, que foi conquistado por Cristo
a nosso favor.
O medo jamais pode ser um incentivo para a educação e a vida espiritual.
Claramente, algumas das premissas teológicas e muito da retórica relaciona-
da com a “preparação para a morte”, e em geral, com a pregação sobre seus
antecedentes, eram apropriadas para gerar medo e não esperança. Se a ênfase
dada por Dom Bosco aos “novíssimos”, especialmente pelo Exercício da Boa
Morte, produziu resultados salutares e transmitiu uma atmosfera de alegria e
liberdade, como garante o seu biógrafo, então devia estar funcionando outra
força que não o medo.
Em todo caso, a importância educativa de que, dada a condição especial
de uma criança ou de um adolescente, a ênfase nos “novíssimos” pudesse ser
danosa e contraproducente, deve ser levada a sério. Contudo, parece que pri-
var os jovens, mesmo os menores, de um aspecto tão importante da fé cristã
como o que se apresenta nos “novíssimos”, poderia ser contraproducente.
120
MB II, 212.
121
MB II, 213.
149
1. Contexto histórico
Dom Bosco já foi apresentado como escritor de obras educativas e
devocionais.1 Sua atividade literária prolongou-se ao longo de toda a vida
e, a partir de 1850, suas obras converteram-se num verdadeiro “apostola-
do da imprensa”. Assim ele o sentia e assim o assumiu como vocação. As
razões a serem encontradas na situação sociorreligiosa em mudança pro-
vocada pela Revolução Liberal e suas reformas, referem-se especialmente
a três áreas:
1
Cf. volume 1, p. 585-598.
150
2
A Lei Casati, redigida pelo ministro conde Gábrio Casati e promulgada pelo rei Vítor Emanuel
II em 13 de novembro de 1859, reestruturou o sistema educacional já reformado pelos ordenamentos
de Boncompagni e Lanza.
3
P. Stella, Economia, 348.
151
Escritor e editor
Dom Bosco logo percebeu a importância de mover-se nesse campo,
como autor e editor. Como autor, já experimentara vários gêneros; entraria,
agora, nesse campo de forma mais decisiva. Em 1856, ele podia proclamar-
-se autor de 26 obras.4 Entraria em cena como editor em 1862, ao criar a
4
Últimas vontades e testamento, de 26 de julho de 1856, em MB X, 1331ss. Cf. lista e comentá-
rios no volume 1 desta série, capítulo XXI, p. 585-587. P. Stella, Vita, 229ss; Michel Ribotta, “Don
Bosco’s history of Italy: a morality play of an exercise in history”, JSS 4:2 (1993), 107-129.
152
Finalidade e estilo
Sua finalidade era religiosa, moral e apologética, ou seja, para ensinar
que a Itália era o que era por causa da religião católica, a mesma que estava
sendo vilipendiada pela imprensa liberal.
Destinava-se às crianças, aos jovens e à gente do povo. Como na História
sagrada e na História eclesiástica, sua linguagem era essencial, simples e direta.
5
Cf. texto completo da carta no Apêndice deste capítulo.
6
Storia d’Italia narrata alla gioventù da’ suoi primi abitatori sino ai nostri giorni corredata di una
carta geografica d’Italia, dal sacerdote Bosco Giovanni [História da Itália narrada à juventude desde os pri-
meiros habitantes até nossos dias, acompanhada de um mapa da Itália, pelo padre João Bosco]. Turim: Tip.
Paravia e Co., 1855, 560 p. Embora datada em 1855, saiu da gráfica somente em agosto de 1856. Cf.
A. Caviglia, Opere e scritti III. Turim: SEI, 1935. Reimpressão anastática: OE VII [Roma: LAS, 1976].
7
Dom Bosco ao editor Marietti, carta de 14 de fevereiro de 1853, Epistolario I Motto, 190.
153
Fontes
Na introdução, Dom Bosco assegura ao leitor que, embora dirigida à
gente simples, a história baseia-se nos melhores estudos. Suas fontes, porém,
são escassas. Ignorou as obras mais eruditas e usou umas poucas que tinham
finalidade didática e eram dirigidas aos jovens. Além de recorrer a obras que
já empregara em sua História eclesiástica, como a adaptação de Bérault-Ber-
castel continuada por Henrion, serviu-se de alguns livros de texto escritos por
professores da época. Entre estes estavam a História da Itália, de León Tettoni
(editada por Paravia, 1852) e uma História da Europa, com foco na Itália,
totalmente confiável, em três pequenos volumes, obra do professor universi-
tário Hércules Ricotti (1816-1883).8
Todavia, os dois livros em que ele mais se baseou, ambos escritos para crian-
ças, foram a série de história universal de Jules-Raymond Lamé-Fleury (1797-
1878) e a série sobre a história italiana intitulada Giannetto: letture elementari
per fanciulli, de Luís Alexandre Parravicini (1799-1880). A linguagem adaptada
para crianças e a apresentação agradável e direta, além do propósito moral explí-
cito dos dois autores, propiciaram a Dom Bosco o modelo que buscava.
Organização e conteúdos
Dom Bosco estruturou sua História da Itália em quatro partes: a Itália
pagã, de suas origens ao início da Era Cristã; a Itália cristã, desde Cristo até
o final do Império Romano do Ocidente (476 d.C.); a Itália medieval, de
476 até o descobrimento da América (1492); e a Itália moderna, de 1492 até
março de 1856.
Cada seção é dividida em capítulos com títulos concisos, centrados nas
pessoas ou nos acontecimentos, preferencialmente de natureza religiosa: “A
era dos mártires”, “As cruzadas”, “A batalha de Lepanto”, “Juliano, o apósta-
ta”, “Gregório VII”, “O imperador Napoleão” etc. Os temas sociais, políticos,
econômicos... são evitados.
Dom Bosco, na composição do texto, selecionou o que era mais atraente
e edificante. Utilizou as fontes sem qualquer tipo de crítica. Algumas vezes,
citava a fonte literalmente, em outras, reelaborava-a ou fazia uma recompilação
de diversas fontes. O texto da História da Itália é, portanto, fruto de numerosas
Breve storia d’Europa e specialmente d’Italia [E. Ricotti, professore di storia moderna nella Reale
8
154
fontes; sua confiabilidade é a das obras menores que foram usadas na sua com-
pilação; o mais discutível, porém, é sua ideologia.
Ideologia
A História da Itália era claramente uma longa lição de moral social e pes-
soal, uma lição modelada pelas ideias morais, religiosas e políticas do próprio
Dom Bosco. Por exemplo, ao elogiar Arquimedes de Siracusa, ele escreve:
“Uma pessoa virtuosa é honrada por todos, também pelos inimigos”. A his-
tória dos irmãos Graco, revolucionários, é encerrada com as palavras: “Assim
pereceram os dois irmãos Graco. Poderiam ter sido estimados como homens
bons e honestos se não tivessem tentado tomar pela força e a violência aquilo
a que não tem direito um cidadão honesto”.9 Seu comentário sobre o suicídio
de um dos seus heróis, Sêneca (65 d. C.) é: “A religião cristã, porém, conside-
ra como grande herói a pessoa que sabe suportar o peso da desgraça”.10
Para Dom Bosco, a virtude e o vício determinam o destino das nações,
assim como as ações dos líderes políticos, dos artistas e, sobretudo, dos santos.
Ele explica dessa forma a queda de indivíduos e nações por causa do orgulho,
da inveja, do egoísmo, da infidelidade aos tratados, da traição e do sacrilégio.
Átila e Napoleão tornam-se culpáveis não pela sua política, mas pelo seu orgu-
lho e crueldade. Por outro lado, o imperador Carlos Magno era “admirável em
todas as coisas”, “simples em seu modo de vida”, soldado piedoso e mecenas
das novas “artes, ciências, civilização e virtude”.11 Entre os papas, Gregório VII
(1073-1085) é o mais admirado. “Nós, italianos, não podemos deixar de admi-
rar muitíssimo este papa: primeiro, porque, em alguns aspectos, libertou a Itália
da dominação estrangeira; e, depois, porque, desde aquele momento, os impe-
radores e reis perderam o poder de interferir na eleição do romano pontífice”.12
Insiste-se no papel da Providência e passa-se por alto pelas forças da
história. Assim “a Providência decreta que Roma deve dominar toda a Itália”.
A Providência também se manifesta nas catástrofes que acontecem entre o
povo e as nações. Por exemplo, Savonarola foi castigado por ter enfrentado
o Papa, representante de Deus na terra: “Se Savonarola tivesse se submetido
aos seus superiores, não teria sofrido essas desgraças”. Ele escreve ao comentar
a morte terrível pela fome, na torre, do tirano de Pisa, conde Ugolino della
Gherardesca, e seus filhos:
9
Storia d’Italia, 76 e 80, os dois comentários são de Lamé-Fleury.
10
Storia d’Italia, 95.
11
Storia d’Italia, 219, 221, 222.
12
Storia d’Italia, 244-249.
155
13
Storia d’Italia, 293.
156
14
Storia d’Italia, 522-523. Estas avaliações foram escritas em 1855.
15
Cf. F. Desramaut, Don Bosco, 547-560.
157
158
16
L’Istitutore, 26 de novembro de 1859.
159
Propósito da série
Este projeto tinha a finalidade apologética de defender o papado e, de
modo especial, Pio IX, que se tornara muito impopular a partir de 1848. Se-
gundo afirma Dom Bosco na introdução, o conhecimento dos fatos relacio-
nados com o papado proporcionaria um antídoto contra “o ódio e a aversão
dirigidos contra os papas e sua autoridade”. Começou, assim, um projeto,
certamente hagiográfico, cuja dificuldade talvez não tenha previsto.
Ele tinha experiência no tema dos inícios da cristandade. Além da His-
tória eclesiástica, publicara recentemente, nas Leituras Católicas, a vida de São
Martinho de Tours (século IV) e a vida de São Pancrácio, mártir (século I).18
Para estes opúsculos, ele afirma nas introduções, recorrera, direta ou in-
diretamente, a várias fontes antigas, aos bolandistas e a outras obras moder-
nas. Para as vidas dos primeiros papas, precisou recorrer a fontes análogas,
um material que era hagiográfico e, com exceção dos bolandistas, em certa
medida com base em legendas. E o fez sem qualquer tipo de crítica; de aí que,
desde o início, a série sofresse as consequências de suas raízes duvidosas.
A. Caviglia, “Le vite dei papi”. In: Opere e scritti. Turim: SEI, 1929-1965, II 1ª e 2ª, XLIII,
17
446 e 592; F. Desramaut, Don Bosco, 478-485. Como para a História da Itália, guiar-me-ei aqui pela
apresentação de Desramaut.
18
Letture Cattoliche, ano III, fascículos 15 e 16 (10 e 25 de outubro) de 1855, e ano IV, fascículo
3 (maio) 1856.
19
“Vita di San Pietro principe degli apostoli, primo papa dopo Gesù Cristo”. Per cura del sac. Bos-
co Giovanni. Turim: G. B. Paravia, gennaio 1857. Letture Cattoliche ano IV, fascículo 11 (janeiro), 1857.
160
161
20
“Il mese di maggio consacrato a Maria SS. Immacolata ad uso del popolo”. Per cura del sac. Bosco
Giovanni. Turim: G. B. Paravia e Co., abril de 1858. Letture Cattoliche ano VI, fascículo 2 (abril), 1858.
Estudos: P. Stella, “I tempi e gli scritti che prepararono il ‘Mese di Maggio’ di Don Bosco”. Salesianum
20 (1958), 648-694; F. Desramaut, Don Bosco, 508-513. Ver mais adiante, capítulo XIX, p. 606-610.
21
Em 1726, o jesuíta Aníbal Dionisi escreveu o Mês de maio em honra de Maria e, em 1758, outro
jesuíta, Francisco Lalomia, fez o mesmo. Em 1785, o também jesuíta, Afonso Muzzarelli, escreveu um
Mês de maio, que se tornou de uso comum. A prática consistia num exercício “de flores” (virtudes) com
orações, meditações e cânticos. A obra de Santo Afonso, Glórias de Maria, apresentava modelos para me-
ditações, mas formulavam-se temas morais, religiosos, também políticos, e sugeriam-se “modos de agir”.
162
22
A lista dos temas é esta: Deus criador, a alma, o Redentor, a Igreja de Cristo, a cabeça da Igreja,
os pastores da Igreja, a fé, os sacramentos, a dignidade de ser cristão, o valor do tempo, a presença de
Deus, o fim da vida humana, a salvação da própria alma, a morte, o pecado, o juízo individual, o juízo
universal, as penas do inferno, a eternidade das penas do inferno, a misericórdia de Deus, a confissão,
o confessor, a Santa Missa, a Santa Comunhão, o pecado de impureza, a virtude da pureza, o respeito
humano, o paraíso, maneiras de conseguir entrar no Paraíso, Maria nossa protetora nesta vida e Maria
nossa protetora na hora da morte.
23
“Porta teco, cristiano, ovvero avvisi importanti intorno ai doveri del cristiano, acciocchè cias-
cuno possa conseguire la propria salvezza nello stato in cui si trova” [Leva contigo, cristão, ou, avisos
importantes sobre os deveres do cristão para que cada um possa obter a própria salvação no estado em
que se encontra]. Turim: G. B. Paravia e Co., julho de 1858. Letture Cattoliche, ano VI, fascículo 5
(julho) 1858 (Dom Bosco assinou a introdução). Cf. F. Desramaut, Don Bosco, 513-515.
163
Ao insistir nos deveres das diversas categorias, estará Dom Bosco dando
simplesmente conselhos básicos ou estará propondo uma “moral do dever”
com a acentuação incômoda do dever de aceitar a própria condição? E, se for
assim, refletiria a sua moral e espiritualidade? Sobre isso, deve-se ir além da
ênfase dada pela obra aos deveres próprios de cada estado de vida e considerar
a vida de Dom Bosco em seu conjunto. É certo que o dever era um compo-
nente importante, mas somente em vista de fazer a vontade de Deus, e por
amor a Deus e ao próximo.
24
A. Caviglia, “La vita di Domenico Savio” e “Savio Domenico e Don Bosco”. Studio di Don
Alberto Caviglia. Turim: SEI, 1943. In: A. Caviglia, Opere e scritti. IV. Turim: SEI, 1965; A. Caviglia,
San Domenico Savio nel ricordo dei contemporanei. Turim: Libreria Dottrina Cristiana, 1957. Docu-
mentação e testemunhos: C. Salotti, Domenico Savio. Turim: Libreria Editrice Internazionale, 1915;
M. Molineris, Nuova vita di Domenico Savio: quello che le biografie di San Domenico Savio non dicono.
Castelnuovo Don Bosco: Istituto Salesiano Bernardi Semeria, 1974; San Giovanni Bosco, Il Beato Do-
menico Savio allievo dell’Oratorio di San Francesco di Sales. E. Ceria (ed.). Turim: SEI, 1950; A. Lenti,
“Don Bosco’ second great hagiography essay ‘The life of young Dominic Savio’”. JSS 12:1 (2001), 1-52.
J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.), J. Bosco, Obras fundamentales, 120-221.
25
“Vita del giovanetto Savio Domenico allievo dell’Oratorio di San Francesco di Sales, per cura
del Sacerdote Bosco Giovanni”. Turim: Tip. G. B. Paravia e Comp., 1859. Letture Cattoliche 7:11
(janeiro de 1859).
26
Na primeira edição da Vida, Dom Bosco escreveu que Domingos sempre recusara o convite
para ir nadar. João Zucca revelou (publicamente) que Domingos tinha ido uma vez nadar com ele.
164
Ven. Giovanni Bosco, Il Servo di Dio Domenico Savio. Con illustrazioni originali di Giovanni
27
165
Bosco. Caviglia escreve que é uma “verdadeira, autêntica e definitiva edição que
nos é oferecida pelo santo autor, com suas próprias palavras e somente com elas”.28
As edições feitas pelo padre Ceria em 1950 e 1954 apareceram respec-
tivamente por ocasião da beatificação e da canonização de Sávio. O texto é
novamente o da quinta edição. Cada capítulo termina com comentários e
citações dos processos.29
Este resumo da história editorial é suficiente para demonstrar a importância
da biografia de Sávio na mente do seu autor e na história da Sociedade Salesiana.
Fontes
Para esta biografia, Dom Bosco serviu-se dos seus conhecimentos pessoais
e do testemunho de pessoas que conheceram Domingos nas localidades onde
ele vivera. Ao longo da sua curta vida de quase quinze anos, Domingos viveu
em quatro lugares diferentes. 1o No povoado de San Giovanni, município de
Riva, perto de Chieri, onde viveu os primeiros dezoito meses de vida, de 2 de
abril de 1842, dia em que nasceu, até novembro de 1843, quando a família
se transferiu para Murialdo, que pertencia a Castelnuovo, município de Dom
Bosco. 2o Permaneceu em Murialdo por nove anos e uns quatro meses, até fe-
vereiro de 1853. 3o Em Mondônio, para onde a família Sávio se transferiu. Esta
localidade, hoje pertencente a Castelnuovo, era um pequeno município na-
quela época. Após conhecer Dom Bosco em 2 de outubro de 1854, Domingos
deixou Mondônio. 4o Ingressou no Oratório de Turim em 29 de outubro e ali
viveu até 1o de março de 1857, quase dois anos e meio. 5o Voltou, em seguida,
para Mondônio, onde faleceu nove dias depois, em 9 de março de 1857.
Domingos, como se vê, passou dois terços de sua vida em Murialdo. Ali
começou seus estudos primários com o pároco, continuou em Castelnuovo e
completou em Mondônio.
Dom Bosco escreveu pedindo informações aos três padres que foram
professores de Domingos: João Batista Zucca (1818-1878), capelão da igreja
de São Pedro de Murialdo e professor; Alexandre Allora (1819-1880), profes-
sor primário na escola de Castelnuovo; e José Cugliero (1808-1880), profes-
sor primário na escola de Mondônio. Suas respostas foram incluídas nas atas
dos processos de beatificação de Sávio.30
O primeiro a responder, por carta de 19 de abril de 1857, apenas qua-
renta dias depois da morte de Domingos, foi o professor de Mondônio,
28
A. Caviglia, “Vita Domenico Savio” (Introdução). In: Opere e scritti IV, XVII.
29
A. Caviglia, “Vita Domenico Savio” (Introdução). In: Opere e scritti IV, X-XVII.
30
Positio super introductione causae y Summarium (Roma: Typ. Pont. Instituti Pii IX, 1913). Não ten-
do acesso à Positio ou ao Summarium, baseio-me nas obras citadas na nota biográfica citada anteriormente.
166
31
Cenni storici sulla vita del giovane Domenico Savio di Riva di Chieri, frazione borgata di San
Giovanni [Nota histórica sobre a vida do jovem Domingos Sávio, de San Giovanni, povoado de Riva
di Chieri], in Summarium, 212-214.
32
Summarium, 207-208.
33
Summarium, 209-212.
34
Summarium, 219-220, 241-243, 225-227, 236-238, 231-233, 233-235, 239, 240.
167
Deste modo, tomando Maria como apoio de sua piedade, sua conduta moral
pareceu tão edificante e adornada de tais atos de virtude, que comecei a anotá-
-los para não me esquecer deles.35
Conteúdo
Os primeiros sete capítulos (páginas 11-33) da biografia propriamente
dita descrevem os primeiros anos da edificante vida de Domingos e sua edu-
cação antes de ingressar no Oratório de São Francisco de Sales. Esta seção
cobre seus primeiros doze anos e meio, de 2 de abril de 1842 a 2 de outubro
de 1854.
A parte principal do livro (capítulos 7-22, páginas 34-109) ocupa-se do
encontro de Sávio com Dom Bosco e sua posterior entrada e vida virtuosa
no Oratório. Este período cobre de 2 de outubro de 1854 a 1o de março de
1857, cerca de dois anos e meio.
Os capítulos finais (23-26, páginas 110-136) relatam a partida de Do-
mingos do Oratório, o avanço da doença e sua santa morte (1 a 9 de março
de 1857), com testemunhos adicionais.
O início descreve simplesmente a organização estrutural da biografia,
mas o objetivo de Dom Bosco, patente em toda a obra, é desafiar os jovens
a seguirem o caminho da santidade. Para consegui-lo, apresenta-lhes como
exemplo um de seus companheiros que aceitou o desafio e completou a via-
gem espiritual (o ideal levado a termo).
35
J. Bosco, “Vida del jovem Domingo Savio”. Juan Bosco, Obras fundamentales, 148.
168
[Base teológica]
Um destes meios, que vos desejo recomendar mais vivamente, é a difu-
são de boas leituras. Não duvido ao chamar tal atividade de divina, porque o
mesmo Deus fez uso dela para a regeneração da humanidade. Os livros que
ele inspirou foram o meio pelo qual a verdadeira doutrina chegou ao mundo.
Ele quis que esses livros estivessem disponíveis em cada povoado e cidade
da Palestina, e quis que fossem lidos aos sábados nas assembleias religiosas.
Inicialmente, estes livros estavam na posse exclusiva dos judeus, mas depois
que as tribos foram para o exílio na Assíria e na Caldeia, foram traduzidos na
36
Epistolario IV Ceria, 318-321.
169
língua siro-caldaica para que todo o Oriente Médio pudesse aproximar-se de-
les usando sua própria língua. Quando a potência grega se impôs, os judeus
estabeleceram colônias no mundo todo e os Livros Sagrados foram copiados
e distribuídos. Uma nova tradução das Escrituras encontrou seu lugar nas
bibliotecas dos gentios. Assim, oradores, poetas e filósofos daquela época re-
correram à verdade da Bíblia em não poucas ocasiões. Por meio desses escritos
inspirados, Deus preparava o mundo para a vinda do Salvador.
Cabe-nos, pois, imitar a obra do nosso Pai celestial. A difusão de boas
leituras entre o povo é um dos meios mediante os quais o Reino do Salvador
pode estabelecer-se e manter-se em muitas almas. As ideias, os princípios e
o ensinamento moral de um livro católico provêm dos livros divinos e da
tradição apostólica. Os livros católicos são muito mais necessários hoje em
dia, quando a irreligiosidade e o uso imoral da imprensa são uma arma para
saquear o rebanho de Jesus Cristo e arrastar para a perdição o incauto e o
desobediente. Devemos, então, contra-atacar com armas semelhantes.
[O poder do livro]
Deve-se dizer, não obstante, que os livros, mesmo sem ter a força da pa-
lavra viva, contam com vantagens em certas situações. Um bom livro chega à
casa em que o sacerdote não é bem-vindo. Será conservado como recordação
ou recebido como presente mesmo por uma pessoa ruim. O bom livro entra
numa casa sem se envergonhar. Sendo recusado, não desanima. Sendo pego e
lido, ensina a verdade calmamente. Sendo afastado, não se queixa, mas espera
pacientemente o momento em que a consciência reavive o desejo de conhecer
a verdade. Talvez seja deixado a empoeirar-se numa mesa ou numa estante, e
não se lhe dê atenção durante muito tempo. Mas chegará o momento da so-
lidão, da dor, do desgosto, da necessidade de descansar ou da ansiedade pelo
futuro. Então, este amigo fiel sacudirá a poeira, abrirá suas páginas e, como
aconteceu com Santo Agostinho, com o Beato Columba e com Santo Inácio,
levará à conversão.
Um bom livro é amável com aqueles a quem o respeito humano apre-
senta dificuldades e se dirige a eles sem levantar suspeitas. Ele se dá bem com
as pessoas de bem e está sempre preparado para criar uma boa conversação
e caminhar com elas para qualquer parte e em qualquer momento. Quantas
almas se salvaram, foram afastadas do erro, incentivadas na prática da virtude
mediante bons livros!
Quem dá um bom livro de presente adquire grande merecimento dian-
te de Deus, mesmo se não conseguir provocar qualquer pensamento sobre
170
Deus. Em muitas ocasiões, porém, o bem que faz é muito maior. Mesmo
quando a pessoa que recebe o livro não o lê, quando é levado a uma família,
pode ser lido por um filho ou uma filha, por um amigo ou vizinho. Numa ci-
dade pequena pode tocar as vidas de cem pessoas. Só Deus sabe quanto bem
pode fazer um livro numa cidade, numa biblioteca pública, num sindicato ou
num hospital onde o carinhoso presente de um livro é tão apreciado.
O temor de que alguém recuse o presente de um bom livro não nos deve
deter; pelo contrário. Um nosso irmão de Marselha costumava visitar o porto
e levar uma abundante provisão de bons livros para dar a estivadores, técnicos
e marinheiros. Tais presentes eram sempre aceitos, e muitas vezes esses ho-
mens punham-se imediatamente a olhá-los com curiosidade.
171
cristã lhes inspire. Enfim, devem tentar levantar, tanto por pala-
vras quanto por escritos, uma barreira à irreligiosidade e à heresia,
que tentam abrir caminho entre os incultos e ignorantes através de
muitos meios. Com esta finalidade, podem-se fazer homilias oca-
sionais, tríduos, novenas, e a difusão de bons livros” [Constituições
Salesianas (1875), “Finalidades”, art. 7].
4. Consequentemente, os livros que se escolhem para serem distri-
buídos são em geral bons, morais e religiosos. Mais ainda, aque-
les produzidos por nossas gráficas devem ser preferidos por duas
razões. Primeiro, os benefícios derivados podem ser canalizados
para ajudar muitos jovens carentes. Segundo, nossas publicações
pretendem cobrir o campo sistematicamente, e em grande escala,
e assim chegar a cada camada da sociedade.
172
[Exortação final]
São estes os meus assuntos. Depois de ler esta carta, tirai vossas conclu-
sões pessoais. Vede que nossos jovens aprendem moral e princípios cristãos
especialmente através de nossas publicações, mas sem desprezar as dos ou-
tros. Deixai-me mostrar-vos meu descontentamento ao saber que em algu-
mas de nossas casas, livros editados por nós especificamente para os jovens
são ou muito desconhecidos ou bem pouco apreciados. Não ameis nem fa-
çais amar aos outros aquela ciência que, segundo diz o apóstolo, inflat [in-
cha]. Recordai que Santo Agostinho, que era um renomado mestre das letras
e orador eloquente, uma vez nomeado bispo, escolheu um linguajar simples
e a pouca elegância de estilo para evitar o risco de não ser compreendido
pelo seu povo.
173
A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre convosco. Rezai por mim.
Afeiçoadíssimo em Jesus Cristo,
Sac. Gio. Bosco [Padre João Bosco]
174
Antes de 1850
Em outubro de 1847, circulava uma petição de emancipação ou reco-
nhecimento oficial dos direitos dos valdenses e judeus. Dom Bosco, entre
outros, recusou-se a assiná-lo.1 A Constituição (Lo Statuto), outorgada pelo
rei Carlos Alberto em 4 de março de 1848, declarava que “a religião católica,
apostólica e romana é a única religião de Estado. Os credos já estabelecidos
são tolerados de acordo com as leis” (art. 1o). Em 29 de março de 1848, um
Decreto Real interpretava em sentido amplo os artigos 1 e 24, que se referiam
à tolerância de outros credos, outorgando, de fato, aos valdenses e judeus não
só “tolerância” social, mas todos os direitos civis e religiosos.2 O processo ter-
minou quando uma lei foi aprovada em 19 de junho de 1848 que lhes conce-
dia oficialmente a emancipação. Havia, naquele momento, no Piemonte, uns
21 mil valdenses e 7 mil judeus.
O governo liberal do Reino da Sardenha e mais tarde da Itália unificada
favoreceu os valdenses com esta política prática e anticlerical. Como conse-
quência, eles apoiavam o governo liberal contra a Igreja oficial. Os líderes
1
MB III, 272s.
2
MB III, 291s.
175
3
Os valdenses combateram o Oratório de São Luís, localizado em sua região, com todos os meios
disponíveis, bons e maus. Cf. G. Bonetti, Storia, 113-117; MB III, 401ss.
4
Este último fora religioso da Congregação dos Ministros dos Enfermos, de São Camilo de Lellis.
5
MB IV, 695, também narra a forma com que o governo favorecia os valdenses, assim como a
agressão sofrida por Dom Bosco.
176
Eminência, a besta feroz saiu de seu covil, e já não há qualquer caçador que
seja capaz de abatê-la com sua arma. Há apenas alguns poucos subordinados
que se lamentam com desespero, mas cuja voz é sufocada pelo seu tremendo
e ensurdecedor rugir [da besta]. O fato é que os protestantes [valdenses] co-
meçaram a construir um segundo templo, aqui em Turim.6
MB IV, 574. A apologia antivaldense de Dom Bosco será descrita mais adiante.
7
8
MB V, 490s.
9
MB V, 622ss.
10
Atentou-se contra a sua vida, cf. MO, 201ss; MB IV, 696ss. Sobre o cão cinzento (Grigio), cf.
MO, 247ss. e MB IV, 710ss.
177
Encontros pessoais
As Memórias Biográficas contêm numerosos exemplos de debates entre
Dom Bosco e valdenses, e também casos de conversões.11
É interessante a correspondência entre Dom Bosco e o engenheiro e
arquiteto valdense João Priana Carpani, um fanático de convicções evan-
gélicas.12 Motivo do intercâmbio foi organizar um debate “para descobrir
a verdade”. O segundo ponto da proposta de Dom Bosco diz: “Se o senhor
pretende servir-se apenas da Bíblia ou mesmo da tradição e, no primeiro
caso, qual Bíblia quer usar: a grega ou a hebraica, a latina, a italiana, ou a
francesa?”.13
Dom Bosco ajudou alguns ministros valdenses, que tinham sido católi-
cos, a regressarem à Igreja.14 A relação e a história das numerosas entrevistas
entre Dom Bosco e Luís De Sanctis, que era ministro evangélico expulso da
igreja valdense, são de grande interesse.15
Os anos seguintes
Em 1861, Dom Bosco escreveu ao arcebispo Joaquim Limberti, de Flo-
rença, para preveni-lo sobre o perigo da atividade protestante na Toscana.
Depois de falar da atividade missionária anglicana naquela cidade, continua
a descrever os “métodos protestantes”:16
11
MB IV, 616ss; V, 449ss; 658ss; VI, 475ss; VII, 64ss.
12
MB V, 403s.
13
MB V, 450s.
14
MB VII, 177.
15
MB V, 138ss.
16
Epistolario I Motto, 448-450.
178
para obter seus fins e oferecem presentes e dinheiro como isca. São esses os
meios pelos quais nestes anos tiveram êxito ao conseguir arrebatar-nos alguns
milhares de nossos católicos.
O senhor sabe melhor do que eu o que deve fazer. Em todo caso, esteja alerta
e faça todos os esforços necessários para evitar deserções danosas entre o
clero. Promova a difusão de bons livros entre o povo, especialmente aqueles
que desmascaram o absurdo do protestantismo. Contudo, o principal objeto
da sua preocupação pastoral deve ser a instrução catequética dos jovens, pre-
ferivelmente em grupos pequenos.
É isso que estamos fazendo aqui [em Turim], e creio que seja a única coisa que
podemos fazer se quisermos levantar alguma barreira entre nós e o demônio
que nos invade. [...]
179
18
MB VII, 568ss.
19
MB IX, 691ss.
20
MB XI, 411s.
21
MB XIII, 538s.
22
MB XVII, 243ss.
180
23
História eclesiástica (1845), 227-228. OE I, 364-365. Os valdenses foram excomungados no
Concílio de Verona (1184), que não foi ecumênico.
24
Storia ecclesiastica (1845), 9, Prefazio. OE I, 167.
181
épocas contém exemplos de agressões das forças do mal com o resultado final
da vitória da Igreja.
Dom Bosco também trata de outros aspectos da vida da Igreja. Louva a
atividade missionária e a contribuição cultural e civilizatória dos mosteiros e
das congregações religiosas. Faz menção especial da atividade de beneficência
das congregações envolvidas em obras de caridade e não deixa de mencionar
a contribuição dos leigos.
Tema recorrente ao longo do livro é que assim como Deus é autor de
tudo o que é bom, o demônio é autor de tudo o que é ruim encontrado pela
Igreja. Satanás é o instigador de todas as heresias e de todas as perseguições.
Deus, sem dúvida, é “o responsável” final e não os livra do castigo. Dom Bos-
co ressalta as mortes ignominiosas de hereges e perseguidores. Sobre isso, em
resposta à pergunta do livro, “O que devemos aprender então sobre a história
da Igreja?”, Dom Bosco responde:
25
Storia ecclesiastica (1845), 587-588. OE I, 645-646.
182
Inícios polêmicos
A comunidade valdense proclamava que era uma igreja evangélica, pura,
longe de tudo que tivesse a ver com Roma. Condenava a tradição católica
religiosa, litúrgica e devota e, como consequência, a maioria das ideias reli-
giosas professadas por Dom Bosco e inculcadas nos seus jovens. A Revolução
Liberal de 1848 marcou o ressurgimento dos valdenses no Reino da Sarde-
nha, sendo um exemplo disso o livro de Amadeu Bert sobre eles.
Foi nesse contexto que Dom Bosco decidiu enfrentar os valdenses, fa-
zendo-o com critérios usuais na apologética do tempo, que eram ditados por
uma teologia discutível e pelo conhecimento imperfeito das origens da Igreja
e da sua evolução histórica. Essa apologia era dirigida não só contra os val-
denses, mas contra todas as outras heresias e, ocasionalmente, também contra
os não crentes.
O combate apologético de Dom Bosco materializou-se em algumas
obras, das quais as duas primeiras são os Avisos aos católicos, editada pela pri-
meira vez em 1850, e O católico instruído em sua religião, publicada em 1853.
Enquanto na História eclesiástica (1845), Dom Bosco descrevia breve-
mente os valdenses sem dar-lhes muita importância, nos Avisos aos católicos
(1850), começou a aludir a eles diretamente, pois já estavam livres para suas
atividades religiosas e para fazer proselitismo. Organizou o tratado em 6 capí-
tulos breves em forma de pergunta e resposta, como um pequeno catecismo.
Neles, procura demonstrar que a verdadeira religião é a que foi revelada por
Deus, e que só pode ser aquela fundada por Cristo, ou seja, a religião católi-
ca, porque somente ela possui as características de uma origem divina: una,
santa, católica e apostólica. Às demais, embora se digam cristãs, falta alguma
dessas características essenciais, ou todas elas.
26
[Giovanni Bosco] La Chiesa cattolica-apostolica-romana è la sola e vera Chiesa di Gesù Cristo: avvisi
ai cattolici (Avisos aos católicos). I nostri Pastori ci uniscono al Papa, il Papa ci unisce con Dio (Nossos pastores nos
unem ao Papa; o Papa nos une a Deus). Turim: Tipografia Speirani e Ferrero, 1850. OE IV, 121-143. Apare-
ceram edições posteriores ligeiramente revistas. Em 1851, uma edição revista e ligeiramente aumentada foi
incluída como apêndice de O jovem instruído com o título Fondamenti della cattolica religione (Fundamentos da
religião católica). Em 1853, a edição de 1851 dos Avisos (praticamente idêntica) serviu como volume introdu-
tório à coleção das Leituras Católicas (veja-se mais adiante). O texto aparece em OE IV, 165-193. Dom Bosco
diria mais tarde que produziu e fez circular em dois anos umas 200 mil cópias deste fascículo. MO, 237.
183
Dom Bosco conclui o livro pedindo aos leitores que agradeçam a Deus
pelo fato de serem católicos e rezem pela própria perseverança e a conversão
daqueles que vivem separados da Igreja de Deus. E escreve no final: “Ficai
atentos diante dos protestantes e dos maus católicos”.27
A apologética refletida nos Avisos aos católicos vista com os critérios de
hoje, é seriamente defeituosa. Baseia-se em premissas eclesiológicas ultra-
montanas, muito comuns nos tempos de Dom Bosco e mesmo depois. A
visão simplista das origens do cristianismo, a concepção não histórica do
magistério dogmático, a sucessão apostólica restrita praticamente aos papas,
a exclusão total dos não católicos, a condenação em bloco de valdenses, pro-
testantes, judeus, muçulmanos, hereges e descrentes são premissas deficientes
apresentadas também com estilo nada sutil.
27
Avisos aos católicos, 21-25. OE IV, 183-187.
28
A apologia valdense de Amadeu Bert intitulava-se: I valdesi, ossieno i cristiani-cattolici secondo
la Chiesa primitiva abitanti le così dette valli di Piemonte. Cenni storici, per Amedeo Bert, “ministro del
culto valdese e cappellano delle delegazioni protestanti a Torino” (Os valdenses, ou seja, os cristãos católicos
[que vivem] de acordo com a Igreja primitiva nos vales chamados do Piemonte, por Amadeu Bert, ministro
do culto valdense e capelão da delegação protestante de Turim). Turim: Gianini e Fiore, 1849, XXXV-498.
29
A obra de Dom Bosco escrita para refutar Bert intitulava-se: Il cattolico istruito nella sua reli-
gione. Trattenimenti di un padre di famiglia co’ suoi figliuoli secondo i bisogni del tempo, epilogati dal sac.
Bosco Giovanni (O católico instruído em sua religião. Conversações de um pai de família com seus filhos
levado pela necessidade destes tempos, compiladas pelo padre João Bosco). Turim: Tipografia dir. pelo P.
De Agostini, 1853, 111 p. + 340 p. OE IV, 195-305 (Conversações I-VII) + 307-646 (Conversações
VIII-XLIII + Nota em interpretação privada). Tratava-se de uma coleção de tratados publicados nas
Leituras Católicas em 6 capítulos, todos em 1853. Apareceram em março, abril, maio, julho e setembro.
184
História
Bert argumenta que o movimento valdense teve sua origem no tempo do
imperador Constantino, quando a doutrina, o culto e o governo da Igreja de
Cristo começaram a perder sua pureza original. Nessa época, diz ele, um gru-
po de cristãos iluminados resistiu ao desvio do modo de vida do Evangelho.
Bert não vai além e não proclama, como fazem outros, que os valdenses têm
sua origem nos tempos de São Paulo ou São Tiago.
Durante o primeiro milênio, os valdenses viveram nos vales alpinos seguindo
o modo de vida do Evangelho e recusaram-se a aceitar o domínio papal. Estes
cristãos evangélicos não eram nem loucos nem mentirosos. Mesmo antes de
Valdo, no século XII, os valdenses preservaram a doutrina e o culto cristãos
das origens. Mas os papas da Idade Média e seus inquisidores acusaram-nos
de heresia e bruxaria, embora na simplicidade de sua religião só desejassem
levar uma boa vida moral e litúrgica, mais do que dogmática.
Gostariam de viver em paz no sul da França, na Boêmia e na Apúlia, mas a
história da comunidade durante a Idade Média também é a história da “dege-
neração permanente do papado”.
A Reforma protestante foi um acontecimento que reavivou o entusiasmo e
a alegria entre os valdenses. A ignorância e a corrupção do clero, a venda de
indulgências e outros abusos tolerados pela Santa Sé fizeram com que Lutero
retornasse ao cristianismo do Evangelho. E recordou que “o Papa não é infa-
lível”. Os valdenses que viviam nos vales do Piemonte fizeram causa comum
com a Reforma, e, por isso, foram objeto de perseguição incessante. Centenas
de pessoas foram expulsas de suas terras ancestrais e forçadas a fugir e refugiar-
-se na Suíça ou Alemanha.
A Revolução Francesa, até 1830, não fez muito para melhorar a situação dos
valdenses. Só no Piemonte, com a subida ao trono do rei Carlos Alberto em
1831, ela melhorou gradualmente. O rei fora discípulo do ministro valdense
Vaucher, professor na academia protestante do cantão de Genebra.
Finalmente, sob Pio IX, um papa reformista, e com o início de uma nova
ordem política e social na Itália, o rei Carlos Alberto concedeu liberdade e
direitos civis aos valdenses em 27 de fevereiro de 1848, sem levar em conta os
protestos de alguns membros da hierarquia. Foi de fato um ato de graça, mas
também de justiça, retardado por longo tempo. Bert acrescenta que os gover-
nantes da Casa de Saboia só perseguiram os valdenses quando eram instigados
pelos líderes de um falso catolicismo.
Agora, que teve início uma nova era de liberdade para os valdenses, a Igreja
Católica Romana nada tem a temer. Nosso desejo é que um dia a Itália não
seja nem valdense nem católico-romana, mas simplesmente cristã.
185
Crenças
Enquanto narra a suposta história dos valdenses, Bert também explicita suas
crenças religiosas. Os valdenses professam a fé cristã pura da Igreja primi-
tiva. Jesus pregou uma doutrina simples e pura, e com sua morte deu-nos
um exemplo de sacrifício e amor. Com isso, “restituiu à família humana sua
liberdade original”.
Durante os 3 primeiros séculos, os fiéis não tinham lugares especiais de cul-
to, não possuíam uma hierarquia, viviam em comunidades independentes
unidas tão somente pelos “laços sagrados da fé e da caridade”. Seus bispos e
186
outros ministros não tinham nem riquezas nem poder temporal. Os cristãos
reuniam-se em assembleias só para ler e escutar as Sagradas Escrituras expli-
cadas no próprio idioma, e para cantar os louvores do Senhor. Para os fiéis, o
único dia santo era o domingo, e havia alguns dias de jejum e a comemoração
dos fatos mais importantes da vida de Jesus Cristo.
Os valdenses reverenciavam a Bíblia; acreditavam nas verdades do credo dos
apóstolos e do magistério dos primeiros 4 concílios. Mas recusavam todas as
inovações que causaram e continuaram a causar problemas à Igreja de então.
Recusavam, portanto, o primado de Pedro, a autoridade suprema do Papa,
o poder dos bispos como este evoluíra, a hierarquia eclesiástica e qualquer
domínio clerical.
Os valdenses celebravam o Batismo e a Eucaristia, mas não aceitavam os
outros 5 sacramentos do catolicismo romano porque eram antiapostólicos e
iam contra as escrituras. Os ritos, os símbolos materiais e as fórmulas desses
sacramentos eram não só “estranhos, inúteis e censuráveis”, mas também
“blasfemos”.
Recusavam a doutrina do purgatório e a oração pelos mortos. Consideravam
que o culto aos santos era uma prática de “idolatria”, contrária à doutrina da
mediação única de Jesus. Reverenciavam a Virgem Maria como santa, hu-
milde e cheia de graça, mas de uma graça que não podia ser compartilhada.
Também recusavam a veneração das imagens dos santos e de suas relíquias.
Não aceitavam as peregrinações, a água benta, a sacralidade dos cemitérios, a
cruz, a bênção de ramos, os vasos sagrados ou os adornos nas igrejas.
187
Dom Bosco.
Como o título indica, o livro foi escrito segundo a ficção literária de uma
conversação.
Estrutura e conteúdo30
A primeira parte, sem título, de O católico instruído, é uma defesa da verda-
deira religião e compreende as conversações I-XIV: Deus existe. A religião ou
honrar a Deus é uma necessidade dos indivíduos e da sociedade. A revelação,
de Adão a Cristo, é necessária porque a religião natural é insuficiente. A Bíblia
é o veículo da revelação e é verdadeira em sua totalidade. A Bíblia é divina. A
história da salvação é uma história de profecias e milagres, de Adão a Davi, de
Davi a Cristo, o Messias, em quem se realizam todas as profecias. O Evange-
lho, o mais perfeito de todos os livros, é a história de Cristo. Ele é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem. Ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu, “ou-
tra prova da sua divindade”. A incredulidade judaica era censurável.
A segunda e última parte, mais longa, intitulada “A Igreja de Jesus Cristo”, é
uma compilação mais completa.
As conversações I-XII são dedicadas a comprovar que a Igreja Católica Roma-
na é a única e verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Sua expansão prodigiosa de-
monstra que é divina. É uma sociedade estabelecida para preservar a religião
de Cristo. Está edificada sobre Pedro. É a única. É santa. É apostólica, porque
remonta aos apóstolos, enquanto as outras só podem remontar a Calvino, Lu-
tero, Valdo etc. A autoridade na Igreja (hierarquia) foi instaurada por Cristo
e exprime-se em concílios ecumênicos, nacionais, provinciais e diocesanos.
A Igreja de Cristo é visível, com uma cabeça visível, o Papa, Vigário de Cristo.
As 31 conversações restantes, cerca de 300 páginas, são completamente po-
lêmicas; dedicam-se a desacreditar outras religiões, sobretudo os valdenses e
os protestantes.
As conversações XIII-XIX (não há a de número XVI) começam por descartar
o Islã (Maomé, o Corão e sua doutrina) e a ortodoxia grega (um cisma feito
de má-fé). Os valdenses são atacados sem piedade em quatro conversações
que contam a origem da seita, criticam a má-fé de seus ministros e desquali-
ficam-na como verdadeira Igreja de Cristo.
As conversações restantes, XX-XLIII, que ocupam os últimos três opúsculos,
são um ataque contra os protestantes. O primeiro dos 3 (9 conversações) fala
de Lutero, Calvino, Teodoro de Beza, Henrique VIII e o anglicanismo e os
30
Ver tabela detalhada dos conteúdos de O católico instruído, em OE, IV, antes da primeira página.
188
Comentário
Como no caso de Avisos aos católicos, de 1850, são evidentes as fragi-
lidades deste tipo de apologética, comum nos tempos de Dom Bosco. Não
há uma interpretação crítica da Bíblia e dos primeiros textos cristãos, nem
conhecimento da história da antiguidade. Não se distingue entre causalidade
primária e secundária etc. A ausência de espírito crítico invalida a muitos
dos argumentos apologéticos. Contudo, o que levanta sérias dúvidas sobre a
eclesiologia de Dom Bosco é a recusa de reconhecer valores nas religiões não
católicas e não cristãs.
189
valdense. Em seu relatório Ad limina à Santa Sé, de janeiro de 1852, ele men-
ciona uma coleção de tratados religiosos populares cuja publicação pretende
iniciar no ano seguinte.
Enquanto isso, nos inícios de 1852, Dom Bosco escrevera um tratado
antivaldense de extensão considerável com o título de O católico instruído,
redigido depois de ler o trabalho de Amadeu Bert sobre os valdenses. O ardor
e o estilo apologético do tratado de Dom Bosco eram basicamente os mesmos
do primeiro opúsculo, de menor dimensão, os Avisos aos católicos. Como ele
mesmo relata nas Memórias,31 pretendia iniciar imediatamente com a publi-
cação da série sobre O católico instruído, mas nenhum bispo o apoiava. Foi
nesse momento que o exilado arcebispo Fransoni pediu a dom Moreno que se
ocupasse do assunto. O bispo percebeu, então, ter encontrado o homem que
realizaria o plano que ele mesmo concebera. O católico instruído seria final-
mente publicado em capítulos durante o primeiro ano das Leituras Católicas.
Ao longo de 1852, dom Moreno pressionou Dom Bosco para que de-
senvolvesse o projeto de uma nova aventura editorial e criasse um programa
para ele. A correspondência relativa ao tema mostra que Dom Bosco foi o
autor do programa e que o bispo fez observações frequentes e deu contri-
buições. Na primeira fase, dom Moreno foi também o responsável de obter
apoio financeiro para a coleção que se chamaria Leituras Católicas. Dom Bos-
co propôs uma nova edição de seus Avisos aos católicos, que serviria, com uma
introdução adequada, como apresentação da série ao público. Dom Moreno
concordou. Em março de 1853, Dom Bosco iniciou a publicação.
190
Sucesso da coleção
De março de 1853, ano da fundação, até dezembro de 1888, ano da
morte de Dom Bosco, foram publicados 432 opúsculos. Deles, cerca de 130
foram reimpressos várias vezes. Havia uma grande demanda do Catecismo
sobre a Igreja Católica para uso do povo, do jesuíta João Perrone, que alcançou
32 reimpressões.32
O próprio Dom Bosco escreveu uns 70 opúsculos para a série; mais
decisivo, porém, foi conseguir reunir um grupo de bons escritores que ga-
rantiram a continuidade da publicação. Entre eles, destaca-se o padre José
Frassinetti, de Santa Sabina de Gênova, que contribuiu com uns 15 números.
Outros foram os padres Francisco Martinengo, da Congregação da Missão,
os jesuítas Lourenço Gerola e Segundo Franco, o capuchinho Felipe de Poi-
rino, o cônego Lourenço Gastaldi e outros. Dom Bosco também incentivou
seus salesianos a escreverem e criou entre seus seguidores o que se pode cha-
mar de “escola de escritores”. Os mais conhecidos são os padres João Batista
Lemoyne, João Bonetti, Júlio Barberis e João Batista Francesia.
Quanto aos conteúdos, além da controvérsia valdense da década de
1850, cerca de metade das publicações das Leituras Católicas referem-se ao
campo da instrução moral e dogmática; um terço trata do campo histórico-
-biográfico, com ênfase especial nas vidas dos santos; os demais são histórias
agradáveis. A publicação permaneceu fiel ao seu programa original para a
educação religiosa e moral das massas.
As Leituras Católicas foram, sem dúvida, um sucesso editorial que dei-
xou sua marca, o que explica a reação violenta dos valdenses. Em fevereiro de
1856, Dom Bosco escrevia: “Pelo que sabemos, cremos que conseguimos o
que prometíamos. Em apenas três anos, com grande sacrifício, pusemos em
circulação cerca de 600 mil cópias das Leituras Católicas. Poderíamos ter feito
melhor se pudéssemos penetrar naquelas cidades e povoados nos quais ainda
são praticamente desconhecidas”.33
Além de ser uma série de opúsculos, as Leituras Católicas também era
uma associação. O povo unia-se para apoiar a produção e a maior difusão
32
Diga-se que a apologética de Perrone era do tipo mais reacionário.
33
Leituras Católicas III: 23 e 24. Turim: Tip. G. B. Paravia, 1856, 5s.
191
possível de livros que tinham a ver com a fé católica. O primeiro artigo das
regras escritas por Dom Bosco para a associação dizia:
Até 1856, Dom Bosco conseguira criar uma rede de 100 associações
que lhe garantiam a distribuição em cidades e aldeias de todo o Piemonte e,
depois da carta de recomendação do Papa, de novembro de 1853, um pouco
por toda a Itália.35
A edição em francês das Leituras Católicas teve início em 1854. Mais tarde
houve também edições em espanhol e em português. Inicialmente eram sim-
ples traduções do italiano, mas não demorou muito para que cada país admi-
nistrasse a sua própria produção, sempre em linha com o programa original.
Piano d’associazione alle Letture Cattoliche (Plano de regras para a Associação de Leituras Católicas).
34
Detalhes sobre a circulação nos anos 1853-1860, cf. MB IV, 523s. As Memórias Biográficas
35
192
[L. Rendu, trad. por Bosco] O comércio das consciências e da agitação pro-
testante na Europa. Turim De Agostini. – Leituras Católicas 2 (1854-1855).
Números 13 e 14.
[Bosco] Conversas entre um advogado e um padre de aldeia sobre o sacra-
mento da confissão, editado pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co.
– Leituras Católicas 3 (1855-1856). Números 7 e 8.
[?] Esboço biográfico de Carlos Luís Dehaller, membro do alto conselho de
Berna, Suíça, com uma carta à sua família explicando seu regresso à Igreja
católica, apostólica e romana. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 3
(1855-1856). Números 13 e 14.
[Bosco] Importância da boa educação. Fato curioso contemporâneo, editado
pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 3 (1855-
1856). Números 17 e 18. (Reimpresso em 1881 com o título Pedro ou a
importância [...].)
[Bosco] Vida de São Pedro, príncipe dos apóstolos, primeiro Papa depois de
Jesus Cristo, editado pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras
Católicas 4 (1856-1857). Número 11. (Esta é a primeira das vidas de [25]
papas desde São Pedro até São Marcelo, publicadas por Dom Bosco entre
1856 e 1864.)
[Bosco] Duas conversas entre dois pastores valdenses e um sacerdote católico
sobre o Purgatório e os sufrágios dos defuntos, com um apêndice sobre a
liturgia, pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 4
(1856-1857). Número 12.
[Bosco] Vida do apóstolo São Paulo, doutor das gentes, pelo padre João Bos-
co. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 5 (1857-1858). Número 2.
[Bosco] O mês de maio consagrado a Maria Imaculada, para uso do povo,
pelo padre João Bosco, Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 6 (1858-
1859). Número 2.
[Bosco] Vade-mécum do cristão: avisos importantes sobre os deveres do cris-
tão para que cada um possa alcançar a salvação no estado em que se encontra.
Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 6 (1858-1859). Número 5.
[Bosco] Vida do jovenzinho Domingos Sávio, aluno do Oratório de São
Francisco de Sales, pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras
Católicas 6 (1858-1859). Número 11.
[G. Frassinetti] Astúcias espirituais segundo as necessidades dos tempos, por
José Frassinetti, prior de Santa Sabina em Gênova. Anexo: O Papa: questões
193
do dia por M. Segur. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 7 (1859-1860).
Número 12. (É a primeira de várias contribuições do padre Frassinetti.)
[Bosco] Angelina ou uma boa menina instruída na verdadeira devoção à Vir-
gem. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 8 (1860-1861). Número 3.
[Bosco] Biografia do sacerdote José Cafasso, apresentada em duas orações
fúnebres, pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 8
(1860-1861). Números 9 e 10.
[Bosco] Exemplos edificantes propostos à juventude. Florilégio linguístico.
Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 9 (1861-1862). Número 2.
[Bosco] Breves notas biográficas do jovenzinho Miguel Magone, aluno do
Oratório de São Francisco de Sales, pelo padre João Bosco. Turim Paravia &
Co. – Leituras Católicas 9 (1861-1862). Número 7.
[?] Diário Mariano ou estímulo à devoção da Virgem Maria em cada dia do
ano, por um devoto seu. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 10 (1862-
1863). Números 4 e 5.36
[Bosco] A agradável história de um velho soldado de Napoleão I, narrada pelo
padre João Bosco. Turim: Tip. Orat. SFdS. — Leituras Católicas 10 (1862-
1863). Número 10.
Comentário
Os Avisos aos católicos e O católico instruído, comentados anteriormen-
te, marcam o tom apologético de Dom Bosco ao longo da década de 1850.
Na década de 1860, as Leituras Católicas tornam-se menos polêmicas e, em
geral, mais religiosas. Abordam temas de instrução moral, temas edificantes,
hagiográficos etc.
Stella estudou detalhadamente a história da publicação das Leituras Ca-
tólicas, incluindo a transferência da sua publicação dos impressores Paravia à
gráfica do Oratório, depois de 1862, e a subsequente questão com dom Mo-
reno sobre a sua propriedade. Em 1867, os tribunais pronunciaram-se a favor
de Dom Bosco e as Leituras Católicas passaram a ser de propriedade coletiva
a propriedade pessoal de Dom Bosco.37
36
Este é último número impresso por Paravia. A partir dele, a começar pelo número 6, as Leituras
Católicas foram impressas na nova gráfica do Oratório.
37
P. Stella, Economia, 366-368.
194
38
“Notizie storiche intorno al miracolo del SS. Sacramento avvenuto in Torino il 6 giugno 1453,
con un cenno sul quarto centenario del 1853” (Leituras Católicas, 10 de junho de 1853).
39
“Fatti contemporanei esposti in forma di dialoghi” (Leituras Católicas, 10 e 25 de agosto de
1853), 33-34.
195
196
45
Leituras Católicas, 25 de abril de 1853.
46
Epistolario I Motto, 197.
47
Carta de 7 de abril de 1853. Epistolario I, Motto, 194.
48
Il Galantuomo. Almanacco nazionale pel 1854 coll’aggiunta di varie utili curiosità. Strenna
offerta agli associati delle Letture Cattoliche. Turim: De Agostini, dezembro, 1853, 119 p. (Il Galan-
tuomo. Almanaque nacional para 1854, com o acréscimo de várias informações úteis. Um presente de
ano-novo para assinantes das Leituras Católicas).
197
Discutindo o título com seus amigos, Dom Bosco propôs muitas ideias, até
que: “Nós o chamaremos de Il Galantuomo”.49 O título prevaleceu.
Na verdade, o almanaque foi idealizado por diversas circunstâncias e sua
finalidade era competir contra as atividades liberais anticlericais mais do que
contra as dos valdenses. A ideia surgiu das Conferências de São Vicente de
Paulo em Paris, por meio de Francisco Faà di Bruno, que lá estudara des-
de 1849. A Sociedade de São Vicente de Paulo produziu, por orientação das
Conferências, um almanaque anual que estava pronto para sua distribuição no
mês de agosto. Chegou à massa popular porque era barato e apresentava com
simplicidade temas morais e religiosos, como também com muito humor ou-
tros assuntos relacionados com a administração, a agricultura e a vida diária.
O periódico anticlerical La Gazzetta del Popolo publicava seu próprio
almanaque desde 1850. Faà di Bruno apresentou a ideia de um almanaque
no verão de 1853, e o bispo Moreno com o grupo ligado ao periódico cató-
lico L’Armonia, Dom Bosco entre eles, demonstraram grande entusiasmo e
deixaram nas mãos de Faà di Bruno a tarefa de realizar o projeto. Faà, então,
escreveu ao presidente do Conselho Central das Conferências de São Vicente
de Paulo solicitando exemplares de todos os seus almanaques, mencionando
o dano causado pelo corrupto almanaque da Gazzetta del Popolo.50
Parece que Faà di Bruno escreveu a introdução, “Aos meus leitores”,
e alguns artigos. Seu irmão Alexandre também colaborou, e o restante do
material foi adaptado dos almanaques franceses.51 Em novembro de 1853,
L’Armonia anunciou a iminente aparição do almanaque, seu título (Il Galan-
tuomo) e seu preço (20 centavos).
49
MB IV, 644ss.
50
Ao descrever a origem do almanaque, cf. M. Ribotta, “The gentleman’s almanac: Don Bosco’s
venture into popular education”. JSS 2:2 (1991), 54-77, segue as Memórias Biográficas numa crônica
que, como indica Desramaut, deve ser corrigida. Sem dúvida, Ribotta dá o crédito a Faà di Bruno,
baseando-se no artigo de N. Cerrato, “Il Galantuomo”, Il Tempio di Don Bosco (1991), 29. Também
oferece uma descrição útil do primeiro número do almanaque com citações. Deve-se dizer que a pala-
vra “galantuomo”, em piemontês, significa “homem honesto, digno de confiança e fiel à sua palavra”, e
não “homem gentil”, como Ribotta afirma.
51
P. Stella, Scritti a stampa 29, 032, escreve: “É provável que ao menos a introdução ‘Aos meus
leitores’ fosse escrita por Dom Bosco. Francisco e [seu irmão] Alexandre Faà di Bruno colaboraram [ao
redigir o almanaque]”.
198
acrescentou então ao título original: “Strenna offerta agli associati delle Letture
Cattoliche” (Presente de ano-novo oferecido aos assinantes das Leituras Católi-
cas). Dessa forma o almanaque de Faà di Bruno foi associado às Leituras Católicas.
Além do calendário e das festas, o almanaque cobria uma vasta gama de
temas de interesse, especialmente para a gente do campo. Inculcava a religião e a
moralidade por meio de histórias e conselhos; e, em geral, abstinha-se de qualquer
tipo de polêmica. Quanto à participação nas eleições, Il Galantuomo escrevia:
52
II Galantuomo [...], 1854, 88.
199
53
Il Galantuomo. Almanacco nazionale pel 1855, coll’aggiunta di varie utili curiosità. Turim: De
Agostini [meados de novembro] 1854), 128 p.
54
Leituras Católicas, 10 e 25 de janeiro de 1857.
200
201
para falar em nome de Deus. Todos os cristãos podem pregar, pois o Espírito
Santo habita em cada um deles. Os valdenses conservam os ideais do cristia-
nismo primitivo e a Igreja oficial é a comunidade de Satanás. A eficácia dos
sacramentos depende da santidade do oficiante, e a prática da pobreza dá a
alguém o poder de administrar todos os sacramentos. Refutam o purgatório,
as indulgências, o jejum e o culto dos santos.
Na Quinta-feira Santa, os valdenses celebravam a Ceia do Senhor com
um rito simples, mas não acreditavam na presença real de Cristo na Euca-
ristia. As cerimônias religiosas consistiam em ler as escrituras, ouvir uma ho-
milia e rezar o Pai-nosso. Algumas de suas crenças e práticas foram tomadas
dos cátaros. Como estes, os valdenses dividiam-se entre perfecti [perfeitos] e
os simples crentes. Os primeiros eram celibatários que se abstinham de tra-
balhos manuais e peregrinavam como pregadores mendicantes. Os simples
crentes eram casados e trabalhavam para atender às necessidades materiais
dos perfecti. Os ministros (barbes, tios) pertenciam à classe dos perfecti.55 De
aqui, os valdenses no Delfinado e no Piemonte serem chamados barbets. Seu
estilo de vida recatado granjeou a simpatia do povo simples, mas sua po-
pularidade perdeu a intensidade no século XIII com a fundação das ordens
mendicantes (franciscanos e dominicanos).
Apesar das medidas repressivas tomadas contra eles, os valdenses sobre-
viveram através dos séculos, especialmente em lugares remotos. Em 1532,
aderiram a algumas doutrinas protestantes e, com o passar do tempo, a maior
parte deles adotou a teologia calvinista.
Os valdenses continuaram a ser um grupo compacto e homogêneo nos
vales do Piemonte e de Briançon. Em 1403, Vicente Ferrer pregou com gran-
de efetividade entre eles durante três meses Os valdenses converteram-se em
objetivo da Inquisição e sofreram multas e confiscos de bens. Uma cruzada foi
organizada contra eles em 1487-1488, mas em 1509 foi-lhes permitido viver
em paz. Depois, porém, no século XVI, foram novamente perseguidos com
crueldade pelas autoridades civis. Os valdenses franceses, reduzidos em nú-
mero, somaram-se às fileiras das igrejas reformadas. Os do Piemonte, porém,
resistiram. Períodos de tolerância alternaram-se com períodos de repressão
violenta da parte dos duques de Saboia, normalmente depois de tentativas de
revolta. O episódio mais conhecido é o massacre após a insurreição de 1655.
55
Fora estes dois níveis de pertença, os valdenses não tinham ligação com os cátaros. Os cátaros
(do grego katharioi, os puros) eram um conjunto de seitas neomaniqueístas surgidas na Europa oci-
dental no século XII. O catarismo foi a heresia medieval mais difundida. Como o maniqueísmo, era
dualista, e também anticristão, anticlerical, antissacramental e antissocial.
202
203
204
205
F. Desramaut, “La fondazione della Famiglia Salesiana”. In: M. Midali (ed.), Costruire insie-
1
me la Famiglia Salesiana. Atti del Simposio di Roma, 19-22 febbraio 1982. Roma: LAS, 1983, 75-102.
Anteriormente, F. Desramaut, “La storia primitiva della Famiglia Salesiana secondo tre espositi di
Don Bosco”. In: La Famiglia Salesiana: colloqui sulla vita salesiana. Luxemburgo, 26-30, 1973. Turim:
LDC, 1974, 337-343.
206
Esta Congregação não era uma entidade independente, mas era consti-
tuída por essas mesmas pessoas, pois Dom Bosco acrescenta:
207
208
dos mais destacados: teólogo Borel, sacerdote José Cafasso e cônego Borsarelli
foram os primeiros cooperadores dentre o clero.
Os citados são apenas três dentre muitos outros nomes. Alguns dos pa-
dres cooperadores chegaram a ser bispos: Emiliano Manacorda (1833-1909),
bispo de Fossano; Eugênio Galletti (1816-1879), bispo de Alba; Lourenço
Gastaldi (1815-1883), bispo de Saluzzo (1867-1870) e arcebispo de Turim
(1871-1882).
A maioria destes padres, porém, era muito ocupada. Dom Bosco preci-
sou recorrer a leigos que, mais livres, tinham dinheiro suficiente para permi-
tir-se dispor do próprio tempo:
Aqui Dom Bosco menciona os nomes dos que, entre muitos, mais se
destacavam nesta tarefa, inclusive mulheres, que ajudavam. Entre as mencio-
nadas, a senhora Margarida Gastaldi, encabeçava a lista.
Alguns dos nossos alunos não eram nada mais do que moleques sujos e mal-
vestidos. Ninguém podia suportá-los e nenhum patrão os queria em sua ofici-
na. Algumas mulheres piedosas vieram para o resgate. Lavavam, costuravam,
remendavam e também proviam estes meninos de roupas limpas e lençóis,
conforme a necessidade.
209
210
Foi unânime o pedido para que Dom Bosco aceitasse o ofício de superior,
se reservando o direito de escolher o prefeito, e o padre Vitório Alasonatti
continuou no cargo. O subdiácono Miguel Rua foi eleito por unanimidade
Dom Bosco ao padre Guiol, 6 de outubro de 1880. Desramaut cita esta carta, não publicada,
2
dos arquivos da paróquia de São José, de Marselha. Deve-se recordar que, na França em 1880, sob os
ministros Grévy e Ferry, a educação era secularizada; os jesuítas e as congregações religiosas dedicadas
ao ensino eram perseguidas e depois suprimidas. Para saber como os salesianos se livraram do fecha-
mento, cf. MB XIV, 594ss.
211
3
Cf. Jesús-Graciliano González, “Acta de fundación de la Sociedad de San Francisco de Sa-
les-18 de dezembro de 1859”, RSS 27 (2008), 287-307.
4
Por exemplo, Eugênio Ceria, Agostinho Auffray, Guido Favini, José Aubry.
212
213
214
dos Oratórios, desde 1844, alguns sacerdotes de uniram para formar uma
espécie de congregação, ajudando-se uns aos outros com o exemplo recíproco
e a instrução.
Não fizeram nenhum voto propriamente dito, mas tudo se limitou a
fazer uma simples promessa de não mais se ocuparem senão das coisas que
seu superior julgasse da maior glória de Deus e o bem da própria alma. Re-
conheciam como seu superior a pessoa do sacerdote João Bosco. E, embora
não se tenham formulado votos, na prática observavam-se as regras que aqui
se apresentam. Os indivíduos que no presente [1858] professam estas regras
são 15, ou seja: 5 sacerdotes, 8 clérigos e 2 leigos.
7
Giovanni Bosco, Cooperatori Salesiani ossia un modo pratico per giovare al buon costume e alla ci-
vile società. Turim: Tipografia Salesiana, 1876, ASC A230, 2-3; FDB 1,886 E81-1,887 A2: OE XXVIII,
255-270. SS. N. 246. Cf. MB XI, 82s. Aparentemente o documento foi deixado de lado e substituído
por outro mais “suave”, publicado no Bollettino Salesiano (Bibliofilo Cattolico), 3, setembro de 1877, 6.
215
216
217
8
La Storia dei Cooperatori Salesiani era um manuscrito do padre Berto, corrigido por Dom Bosco
e publicado no Bibliofilo Cattolico (Bolletino Salesiano) em 3 de setembro de 1877, 6. Cf. uma trans-
crição e comentários em E. Valentini, “Preistoria dei Cooperatori Salesiani”, Salesianum 39 (1977),
114-150.
218
219
Recorde-se que este documento foi escrito no final de 1877, num momento em que o conflito
9
com o arcebispo Gastaldi, depois de uma série de choques, chegava ao seu ponto mais elevado com a
publicação do primeiro panfleto difamatório anônimo.
10
A esta altura, um breve parágrafo descreve como se mantinha a ordem e se dirigia o Oratório
segundo uma série de normas, sem recorrer a ameaças ou castigos.
220
1873. Cf. G. Bosco, Costituzioni, 210-211. [Paras as siglas, ver o capítulo XI, nota 4].
221
Interpretação de Desramaut
Em vários de seus trabalhos,12 Desramaut cita documentos do próprio
Dom Bosco, tendentes a comprovar que existia, desde 1841, uma congre-
gação em sentido amplo formada por padres e leigos, mulheres e homens
12
Além dos citados na nota 1 deste capítulo, ver Francis Desramaut, “Da Associati alla Congre-
gazione salesiana del 1873 a Cooperatori salesiani del 1876”. In: Il Cooperatore nella società contempo-
ranea. Friburgo, 26-29 de agosto de 1974. Turim: LDC, 1975, 23-50.
222
13
Sobre os Filhos de Maria, ver o pedido e o decreto em MB XI, 531ss. Para os Cooperadores,
ver o pedido em MB XI, 536s.
14
Esta foi a quarta e definitiva redação dos estatutos, intitulada “Cooperatori Salesiani ossia un modo
pratico per giovare al buon costume ed alla civile società” (Os Salesianos Cooperadores, ou seja, uma associação
dedicada a promover a moral cristã e o bem da sociedade). Cf. o capítulo VII do volume 3 desta série.
223
224
16
Cf. neste capítulo VII, p. 218.
225
Crítica de Stella17
Stella manifestou muitas vezes a própria convicção de que a ideia de
Dom Bosco sobre o modo de encaminhar a obra do Oratório mudou várias
vezes. Mas sustenta não ter existido qualquer sociedade oficialmente apro-
vada antes da aprovação da Sociedade de São Francisco de Sales em 1869, e
que não foi apresentado nenhum projeto de qualquer outra sociedade antes
das Constituições de 1858 e da fundação em 1859. De forma extraoficial,
porém, Dom Bosco reunia e cultivava alguns jovens ao longo da década de
1850 para se unirem a ele e à obra do Oratório.
17
Cf. comentários de P. Stella, RSS 2 (1983), 451-454.
226
227
18
De acordo com Motto (G. Bosco, Costituzioni, 17), os artigos sobre os membros externos são
os primeiros documentados num rascunho manuscrito das Constituições, não anterior a 1860. Isso não
invalida o argumento de Stella, pois estes artigos não aparecem em versões anteriores das Constituições.
19
Desramaut também menciona este fato, mas considera que os dois membros externos oficial-
mente listados representam os muitos não listados que trabalharam para o Oratório com diversos níveis
de compromisso.
228
À maneira de conclusão
O que pensar disso tudo? Esta é a minha proposta.
20
Cf. p. 218 deste volume.
229
230
1858
18 de fevereiro: Primeira viagem de Dom Bosco a Roma e audiência com Pio IX,
para apresentar o plano de uma sociedade religiosa e as Constituições.
Meados ou final do ano: Primeiro rascunho das Constituições salesianas (M. Rua).
1859
Janeiro: Dom Bosco publica a biografia de Domingos Sávio.
21 de janeiro: Morte de Miguel Magone.
Outubro: A escola secundária em Valdocco se completa com um plano pa-
drão de estudos de cinco anos.
18 de dezembro: Fundação oficial da Sociedade Salesiana (precedida da pro-
posta de Dom Bosco na conferência de 9 de dezembro) com 18 membros
(nenhum leigo). Elege-se o “Primeiro Conselho Geral”.
1860
O primeiro membro leigo, ou coadjutor, José Rossi, é recebido por Dom Bosco
na Sociedade.
26 de maio: Primeiro dos 11 [?] registros dos que moravam no Oratório.
2 de junho: Primeira ordenação de um sacerdote salesiano, padre Ângelo Sávio.
11 de junho: Envia-se ao arcebispo Fransoni o projeto das Constituições,
assinado pelos 26 membros da Sociedade.
29 de julho: Ordenação sacerdotal do padre Rua.
Agosto: Dom Bosco aceita dirigir e dotar parcialmente de pessoal o seminário
menor em Giaveno.
231
1861
3 de março: Constitui-se o “comitê histórico” para recolher as palavras e as
ações de Dom Bosco.
Estabelece-se em Valdocco a escola elementar como internato.
1862
Final de 1861 ou início de 1862: Cria-se a oficina gráfica em Valdocco.
26 de março: dom Fransoni morre no exílio: a sede de Turim permanece
vacante (1862-1867).
Cria-se a oficina de serralheria em Valdocco.
14 de maio: Primeiros votos públicos [trienais?] de 22 salesianos.
14 de junho: Cagliero e Francésia são ordenados padres.
1863
Começam as obras da Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
Outubro: Tem início em Mirabello a escola particular salesiana como inter-
nato, sendo padre Rua seu diretor; a escola serve como seminário menor para
a diocese de Casale.
1864
9 de janeiro: Morte de Francisco Besucco.
Abril: Dom Bosco coloca pessoalmente a primeira pedra nas fundações da
Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
23 de julho: Dom Bosco, sem ir a Roma, solicita a aprovação da Sociedade e
de suas Constituições, e obtém o Decretum laudis recebendo as 13 observa-
ções de Savini-Svegliati.
Cria-se uma livraria em Valdocco.
15 de outubro: Abre-se em Lanzo o colégio salesiano municipal; o contrato
fora firmado em 30 de junho.
Outubro: Primeiro encontro de Dom Bosco com Maria Mazzarello e as Fi-
lhas de Maria Imaculada em Mornese.
Dezembro: Cria-se em Valdocco a banda de música.
1865
27 de abril: Bênção solene e colocação da pedra angular da igreja. Tem início
a Biblioteca de clássicos latinos.
232
1866
2 de agosto: Primeiros exercícios espirituais dos Salesianos em Trofarello.
23 de setembro: Colocação do último tijolo e conclusão da cúpula da igreja
de Maria Auxiliadora.
1867
Janeiro: O bispo Alexandre Otaviano Riccardi dei Conti di Netro é nomeado
arcebispo de Turim.
7 de janeiro: Segunda viagem a Roma para pedir a aprovação da Sociedade e
suas Constituições. O pedido foi recusado.
27 de março: O cônego Gastaldi é nomeado bispo de Saluzzo.
21 de novembro: Inauguração da estátua de Maria Imaculada na cúpula da
igreja de Maria Auxiliadora.
1868
19 de janeiro: Aprovação diocesana da Sociedade Salesiana por dom Pedro Ferré,
bispo de Casale.
21 de maio: Bênção das cinco campanas da igreja de Maria Auxiliadora
dos Cristãos.
Maio: Dom Bosco publica o livro Maravilhas da Mãe de Deus.
9 de junho: Consagração da igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
29 de outubro: Grave enfermidade do padre Rua.
1869
9 de janeiro: Começa a publicação da Biblioteca da Juventude de clássicos italianos.
15 de janeiro: Terceira viagem de Dom Bosco a Roma para solicitar a aprovação
da Sociedade e suas Constituições.
233
1870
20 de janeiro: Quarta viagem de Dom Bosco a Roma; durante o Concílio Vati-
cano I, Dom Bosco trabalha em apoio da infalibilidade papal.
24 de junho: Primeira celebração do onomástico de Dom Bosco: funda-se a
Associação dos Ex-Alunos do Oratório de Valdocco.
Outubro: Abertura da escola municipal salesiana de Alassio, a primeira fora
do Piemonte.
Outubro: A escola de Mirabello transfere-se para Borgo San Martino, com
melhores instalações e localização mais saudável.
1871
Junho: Quinta viagem de Dom Bosco a Roma. Dom Bosco trabalha em vista
da nomeação de bispos para as sedes vacantes; apresenta-se o nome de Gas-
taldi para Turim.
Setembro: Sexta viagem de Dom Bosco a Roma.
Outubro: Abre-se uma casa salesiana particular para aprendizes em Marassi,
que se transfere no ano seguinte para Sampierdarena (Gênova).
Outubro: Abre-se a escola municipal salesiana de Varazze, com internato.
26 de novembro: O arcebispo Gastaldi entra na sede de Turim.
6 de dezembro: Longa e grave enfermidade de Dom Bosco em Varazze, pros-
trado no leito até 30 de janeiro de 1872.
1872
29 de janeiro: Fundação do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora; suas
Constituições tinham sido redigidas em 1871.
Outubro: A escola diocesana de Valsálice é passada aos salesianos por insistência
de dom Gastaldi; a transferência fora acordada em julho.
234
1873
Cresce a oposição de dom Gastaldi à Sociedade Salesiana, já detectada em
1872.
18 de fevereiro: Sétima viagem de Dom Bosco a Roma, para solicitar a apro-
vação das Constituições, que são recusadas; recebem-se 28 observações de
Bianchi-Vitelleschi.
Primeira revisão do texto de 1873.
9 de setembro: Morte do teólogo João Borel.
Dom Bosco redige os dois primeiros cadernos das Memórias do Oratório.
30 de dezembro a 14 de abril de 1874: Oitava viagem a Roma para solicitar a
aprovação das Constituições; Dom Bosco trabalha para a nomeação de bispos
e a obtenção dos bens temporais [das dioceses] (Exequatur).
1874
31 de março: Aprovação definitiva das Constituições Salesianas corrigidas. O
decreto é publicado em 3 de abril.
15 de junho: Primeiro Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora. Maria
Mazzarello é eleita superiora-geral.
1874-18...: Dom Bosco redige o terceiro caderno das Memórias do Oratório.
235
A FUNDAÇÃO
DA SOCIEDADE SALESIANA (1859)
1
O processo pelo qual Dom Bosco reuniu “seus meninos” é descrito tanto nos Documenti como
nas Memórias Biográficas. Lemoyne, que só se uniu a Dom Bosco em 1864, descreve os fatos tendo por
base os escritos de Dom Bosco e documentos dos participantes e cronistas, além da Storia, de Bonetti, dos
anos 1857-1858. Bonetti é uma fonte importante para 1857 (diálogo com Rattazzi) e 1858 (audiência
com Pio IX), mas não descreve a fundação de 9 e 18 de dezembro de 1859.
2
Estes quatro devem ser distinguidos do segundo grupo de 1854.
236
Veja-se também o questionamento feito por Desramaut sobre o termo e a crítica de Stella neste
3
237
De uma nota escrita mais tarde pelo padre Rua, não encontrada nos Documenti, mas conserva-
4
da manuscrita no ACS. O uso da designação salesiano numa data tão precoce (1854) é discutido. Vale
a pena ressaltar que 1854 foi o ano em que se introduziu no Parlamento a Lei Cavour-Ratazzi, quando
se deu a primeira visita de Ratazzi a Dom Bosco e sua conversa sobre o método educativo; foi também
o ano da grande epidemia de cólera (verão) e da entrada de Domingos Sávio no Oratório (outono).
238
“Em 26 de janeiro de 1854, à noite, nós nos reunimos no quarto de Dom Bosco”
(breve crônica de Miguel Rua).
239
5
G. Bosco, Costituzioni, 70.
240
traz a assinatura autenticada de Dom Bosco.6 Stella, porém, escreve: “Os no-
mes dos que se uniram à Sociedade de São Francisco de Sales são obtidos nas
Atas do Conselho fundacional, num manuscrito de Júlio Barberis no Arqui-
vo Histórico Salesiano 055”. Apresenta 19 nomes, com o acréscimo de “José
Gaia, coad. [coadjutor]”, de 35 anos de idade. Contudo, a opinião de Stella
foi criticada por J. Graciliano González, que publicou o texto crítico da ata.7
Embora Dom Bosco estivesse cultivando um grupo selecionado de jo-
vens desde 1849, 1854 é o ano em que decidiu ir adiante e criar uma congre-
gação religiosa. Sabemo-lo por ele mesmo, conforme citação do padre Barbe-
ris em sua crônica.
Ao falar dos inícios do Oratório, Dom Bosco disse: “Na verdade, a história do
início do Oratório é tão memorável e tão poética que eu gostaria de reunir os
nossos salesianos e contá-la pessoalmente com detalhes [...]. Escrevi os prin-
cipais fatos até o ano de 1854. Foi nesse momento que o Oratório adquiriu
estabilidade e assumiu gradualmente sua atual estrutura. Pode-se dizer que
nesse ano terminou o período poético e começou o período normal”.8
Foi o ano em que Dom Bosco redigiu pela primeira vez uma lista com-
pleta de normas para o Oratório festivo. O novo edifício, capaz de acolher
uns 100 meninos, estava pronto para ser ocupado. Nesse mesmo ano, o fa-
moso segundo grupo de quatro uniu-se “para o exercício prático da caridade”.
Durante as Conferências de São Francisco de Sales, Dom Bosco voltou
ao tema.9 Barberis conta que Dom Bosco falou da importância crucial de
6
ASC D8680101, Verbali dei Capitoli - Adunanze Capitolo Superiore, 1-3.
7
P. Stella, Economia, 295, nota 1 e texto relacionado. Cf. J. Graciliano González, Acta de
fundación, 331.
8
Barberis, Cronachette, Crônica autobiográfica, 1o de janeiro de 1876, caderno III, 46-47, FDB
835 D9-10.
9
As Conferências de São Francisco de Sales, assim chamadas por serem celebradas ao redor da
festa do santo (29 de janeiro, naquele tempo), eram reuniões gerais de diretores e outros superiores
com o propósito de discutir os assuntos da Congregação. Foram precursoras dos capítulos gerais e
aconteceram todos os anos de 1865 a 1877, quando, de acordo com as Constituições, foi celebrado
o Primeiro Capítulo Geral.
241
Dom Bosco disse: “Quanto a mim, escrevi um resumo dos fatos relacionados
com o Oratório desde seus inícios até o momento presente10 e, até 1854 [nas
Memórias do Oratório], a narração entra muitas vezes em detalhes. A partir de
1854, a exposição começa a tratar da Congregação enquanto os problemas
começam a ser mais generalizados e de aspecto diverso [...]. Percebo, agora,
que a vida de Dom Bosco está totalmente unida à da Congregação e, portan-
to, temos de falar de algumas coisas [...].11
10
O “momento presente” seria os inícios de 1876 e, portanto, não pode referir-se às Memórias do
Oratório. Dom Bosco, porém, redigiu alguns resumos históricos na década de 1870 nos quais descreve
o desenvolvimento da sua obra. Contudo, o resumo histórico ao qual se refere aqui pode ser aquele
que compilou em 1874 para a aprovação das Constituições: Relatório da Sociedade de São Francisco de
Sales em 23 de fevereiro de 1874. Foi transcrito com comentários em P. Braido, Don Bosco per i giovani,
147-155. Também em OE XXV, 377-384.
11
G. Barberis, Cronachette, Crônica autobiográfica, 2 de fevereiro de 1876, caderno IV, 41, FDB
837 D1.
242
vida religiosa é vista sob uma luz diferente. Durante muito tempo, por exem-
plo, evitei usar a palavra ‘noviciado’ para não despertar suspeitas nas pessoas
sobre se nós éramos uma ordem religiosa. Vejo agora que a palavra é usada de
forma natural. Mas há apenas dois anos usar a palavra ‘noviciado’ teria sido,
poderíamos dizer, contraproducente. Percorremos um longo caminho!”.
Dom Bosco continuou: “As coisas mudaram também em relação à disciplina
exterior. Naqueles dias, os clérigos eram formados com grande liberdade. A
cada momento, podia-se ouvi-los a gritar e discutir sobre literatura ou teolo-
gia. Armavam discussões na sala de estudo quando os meninos não estavam
ali. Ficavam na cama a manhã toda e não apareciam na aula sem serem re-
preendidos. Com frequência, faltavam à meditação e à leitura espiritual, e
era-lhes suficiente o retiro espiritual dos meninos. Eu estava ciente de tudo
isso e gostaria de tê-lo impedido, mas preferi deixar as coisas como estavam.
A situação foi melhorando aos poucos e instauraram-se a ordem e a disciplina.
Se tivesse atuado para reforçar imediatamente a disciplina religiosa, meus clé-
rigos teriam ido embora, e seria preciso mandar os meninos para casa e fechar
o Oratório. Pude ver, porém, que muitos desses jovens tinham boas intenções
e bom coração. Soube que, uma vez passados os dias insensatos da juventude,
assentar-se-iam e ser-me-iam de grande ajuda. Alguns sacerdotes de nossa
congregação são dessa geração e são exemplares pela dedicação ao trabalho e
pelo espírito sacerdotal”.12
12
G. Barberis, Cronachette, Crônica autobiográfica, 7 de dezembro de 1875, caderno III, 43-45,
FDB 835 D6-8.
13
[1] P. Braido, Don Bosco per i giovani: l’“Oratorio”: una “Congregazione degli Oratori”. Docu-
menti. Roma: LAS, 1988. [2] “Apunte histórico del Oratorio de San Francisco de Sales”. In: J. Bosco,
El sistema preventivo en la educación, José Manuel Prellezo (ed.). Madri: Biblioteca Nueva, 2004, 73-
86. [3] “Apuntes históricos sobre el Oratorio de San Francisco de Sales”. In: Ibid., 87-97; [4] Riassunto
della Pia Società di San Francesco di Sales nel 23 febbraio 1874.
243
14
“Regulamento do Oratório: resumo histórico”. In: P. Braido, Don Bosco per i giovani, 33.
Como já se discutiu anteriormente, Dom Bosco considerava as pessoas que colaboravam (clérigos e lei-
gos, homens e mulheres) como parte de uma espécie de congregação (a Congregação de São Francisco
de Sales) da qual ele era o superior.
15
Isso está confirmado pelo padre João Anfossi e por José Brósio, o “bersagliere”. Cf. carta de
Anfossi a Lemoyne e a Memória, de Brósio, ambas em ASC A102.
16
P. Stella, Vita, 109s. A maioria dos cooperadores, como já se disse anteriormente, perma-
neceu como estava, embora não devem ter-se constituído em congregação como afirma Dom Bosco.
17
Cf. G. Barberis, Cronaca, caderno III, 46-56, 1o de janeiro de 1876, FDB 835 D9-E7, anexo;
e MB III, 250-251.
244
18
Cf. P. Braido, Don Bosco per i giovani, 116s.
19
ASC A 4630102; MB V, 9-10.
245
mais próximo de Dom Bosco nessa época era o padre Alasonatti, que não
fora um dos primeiros colaboradores do Oratório. O teólogo João Borel esta-
va se retirando, por causa dos compromissos com a instituição da marquesa
Barolo. Havia também alguns jovens como Rua, Cagliero e Francésia. Padre
Alasonatti e o clérigo Miguel Rua fizeram um voto ou promessa em 1855, e o
clérigo João Batista Francésia, em 1856. Estes, e talvez alguns outros, forma-
ram o grupo que começou a viver na Casa Anexa sob o regulamento vigente
na época e a direção de Dom Bosco. Tinham-se comprometido a fazer um
exercício prático de caridade para com o próximo; foi esse o primeiro “voto”
ou promessa que fizeram, e não os votos de pobreza, castidade e obediência.
A existência de um grupo ligado a Dom Bosco por meio de votos ou
promessas, significaria que, em meados da década de 1850, Dom Bosco já
teria tomado alguma decisão sobre uma congregação religiosa para garantir o
futuro de sua obra? Poderia ser assim, mas a documentação de que dispomos
permite-nos situar essa decisão só por volta de 1857, quando Dom Bosco se
reúne com Rattazzi e é iluminado com as sugestões do ministro.
20
F. Desramaut, Don Bosco, 521-522, nota 35.
246
Rattazzi: [...] o senhor é tão mortal quanto qualquer outro. [...] Quais as me-
didas que pensa adotar para garantir a existência permanente do seu instituto?
Dom Bosco: A dizer a verdade, excelência, não tinha pensado em morrer tão
cedo. Procurei buscar ajuda para o momento presente, não, porém para con-
tinuar a obra dos Oratórios depois da minha morte. Agora, como menciona
o tema, poderia perguntar-lhe, como o senhor acredita ser possível criar tal
instituição com tudo em regra?
Rattazzi: Em minha opinião – respondeu Rattazzi –, deveria escolher alguns
leigos e religiosos, criar uma sociedade com algumas regras, imbuí-los do seu
espírito, ensinar-lhes seu sistema, para que não lhe deem apenas ajuda [ago-
ra], mas possam continuar a sua obra depois de sua partida.
Comentário de Bonetti I: Pareceu estranho a Dom Bosco que o mesmo homem
[que autorizara a lei de supressão das ordens religiosas] o aconselhasse a instituir
uma dessas congregações. Responde, por isso:
Dom Bosco: Sua excelência crê que, nestes tempos, seria possível fundar uma
sociedade como essa? Há dois anos o governo suprimiu algumas comunidades
religiosas e talvez agora mesmo esteja a preparar-se para desfazer-se das que
restaram. Acredita o senhor que [o governo] permitiria a fundação de outras
da mesma natureza? [...].
Rattazzi: Não deveria ser uma sociedade de tipo coletivo, mas uma [socieda-
de] em que cada um de seus membros conserve seus direitos civis, submeta-se
às leis do Estado, pague seus impostos etc. Numa palavra, a nova sociedade,
em relação ao governo, não deveria ser nada mais do que uma associação de
cidadãos livres, unidos [entre si] e que vivam juntos, com o mesmo propósito
caritativo em mente.
Dom Bosco: E sua excelência está certo de que o governo permitirá a fundação
de tal sociedade e sua subsequente existência?
Rattazzi: Nenhum governo constitucional ou regular se oporá à fundação
e desenvolvimento de uma sociedade assim, como também não impede, de
fato, promove companhias industriais, comerciais e outras semelhantes. Toda
associação de cidadãos livres é autorizada sempre e quando seus propósitos e
suas atividades não se oponham às leis e às instituições do Estado.
Dom Bosco: Bem – disse Dom Bosco, concluindo –, refletirei sobre o assunto [...].
247
Comentário de Bonetti II: As palavras de Rattazzi [...] foram para Dom Bosco
como um raio de luz e fizeram parecer factíveis coisas que acreditara impossíveis.21
porque emana da natureza. Portanto, as liberdades individuais exercidas dentro das legítimas leis do
Estado não podem ser tolhidas. Por outro lado, o direito coletivo é do Estado, e só dele. Por isso, só
o Estado tem faculdade para autorizar qualquer corporação, inclusive as religiosas (como as congrega-
ções). A Igreja é uma entidade espiritual que não pode gerar uma ordem jurídica própria.
248
Essa é a base do artigo sobre Direito Civil que Dom Bosco introduziu
nas Constituições, no capítulo sobre a Forma da Sociedade. Antes de aprovar
as Constituições, porém, as autoridades romanas eliminaram o artigo por
várias razões. Dom Bosco, contudo, sempre defendeu que a Sociedade Sale-
siana era uma associação de cidadãos livres e não uma corporação religiosa
que precisasse da aprovação do governo.
Bonetti continua sua narração:
Assentadas assim as bases, Dom Bosco logo percebeu que [...] era necessá-
rio fazer muito mais. A sociedade sugerida por Rattazzi era simplesmente
humana [...]. Começou, então, a refletir e a perguntar-se: “Não poderia essa
sociedade ter ao mesmo tempo um caráter civil para o governo e a natureza de
instituto religioso diante de Deus e da Igreja, sendo seus membros cidadãos
livres e religiosos ao mesmo tempo?”.24
249
secular de cidadãos livres unidos para uma finalidade legítima. Contudo, como
já se disse, Dom Bosco esperava que essa associação religiosa tivesse o direito de
ser uma congregação religiosa aos olhos da Igreja. Um ano depois, a conversa
de Dom Bosco com Pio IX sobre esse plano desencadeou um processo que,
contudo, acabaria enfim com a conformação da Sociedade Salesiana ao modelo
tradicional quase completo de uma congregação religiosa.
A passagem, muitas vezes citada, em que Dom Bosco concede o mérito
a Rattazzi aparece na Crônica autobiográfica de Barberis. Certa noite, Dom
Bosco falou sobre a orientação providencial que permitiu criar a Sociedade
Salesiana e sobreviver em meio “aos tempos difíceis”. Sobre isso, Dom Bosco
fala de figuras políticas como Camilo Cavour, Urbano Rattazzi, Paulo Viglia-
ni etc. Barberis recolhe o comentário de Dom Bosco.
250
26
G. Bosco, Costituzioni, 70.
251
É preciso que o senhor crie uma sociedade na qual o governo não possa interfe-
rir. Ao mesmo tempo, porém, não deve contentar-se em reunir seus membros
apenas mediante uma simples promessa, pois dessa forma nunca ficará seguro
desses indivíduos, nem poderá contar com eles por um período de tempo.28
27
Carta de 6 de fevereiro de 1858, Archivo Storico Salesiano, B505: Alasonatti.
28
G. Bonetti, Storia, 356.
29
G. Bonetti, Storia, 357.
30
Cf. pedido a Pio IX, 12 de fevereiro de 1864, em: G. Bosco, Costituzioni, 228.
31
Breve notizia, 1864, cf. MB VII, 892.
252
34
Audiências descritas por Lemoyne: 9 de março (MB V, 855ss.); domingo 21 de março (MB
V, 880ss), 6 de abril (MB V, 906ss.).
253
254
Dia 32. 21 de março, domingo: [visitas:] Santa Maria do Carmo, festa das
sete dores; fórum romano e coluna Trajana; tumba de Públio Bíbulo; Via
Argentaria; campo do gado, arco de Setímio Severo; fórum; Santos Cosme
e Damião.
Dia 33. 22 de março, segunda-feira: Visita ao cardeal [Gaude] […].
É estranho que tenham sido anotadas algumas visitas triviais e uma visita
ao cardeal, enquanto uma audiência importante com o Papa, se é que aconte-
ceu, fosse ignorada. Não parece muito provável que a audiência tenha acon-
tecido; é provável que se trate de uma dedução de Lemoyne, interpretando
Bonetti, em busca de espaço, primeiro, para uma discussão inicial do projeto
da Congregação, em 9 de março; segundo, para rever os textos das Consti-
tuições que, supostamente, Dom Bosco teria levado consigo, de acordo com
as “duas bases” de Pio IX, e apresentá-los ao Papa numa segunda audiência,
que se deduz, em 21 de março; e, terceiro, para recolher as Constituições com
anotações do Papa, numa terceira audiência, em 6 de abril.
Este “castelo de cartas” vem abaixo ao saber que Dom Bosco não levara
consigo para Roma uma cópia das Constituições, nem mesmo um esboço,
como deixa claro ao [superior] geral dos rosminianos. O primeiro rascunho
das Constituições foi redigido depois de sua volta a Turim, em fins de 1858
ou inícios de 1859.
36
Viaggio a Roma, 1858, FDB 1,352 E3 - 1,354 A5. Trata-se de um caderno de 75 páginas
escritas, em sua maior parte, pelo padre Rua, mas aparecem acréscimos de outras pessoas, inclusive de
Dom Bosco (por exemplo, 51-52, 8 de março). O diário é escrito em primeira pessoa (Dom Bosco),
mas não há dúvidas de que o autor foi o padre Rua.
255
37
G. Bosco, Costituzioni, 44-45.
38
G. Bosco, Costituzioni, 82.
256
257
O texto, que se refere mais propriamente ao ano 1859, levanta uma série
de questões críticas já tratadas no capítulo anterior, com referência especial
aos modos de ver de Desramaut e de Stella. Baste dizer que o grupo reunido
ao redor de Dom Bosco, antes de sua viagem a Roma, e as resultantes Consti-
tuições existiram como “pia associação religiosa” com uma simples promessa
de dedicar-se ao “exercício prático da caridade” com a opção de viver ou não
em comunidade.
258
39
Cf. Jesús Graciliano González, “Don Bosco, fundador de la Sociedad de San Francisco de Sales”,
CFP 15 (2009), 164-165. Cf. a edição crítica da ata de fundação: J. Graciliano González, Acta de funda-
ción, 309-346. Esta tradução da Ata da reunião fundacional, em português, é de Antônio da Silva Ferreira.
259
Tendo agora sido feito Secretário para este fim quem escreve, ele protesta que
cumpriu fielmente o encargo que lhe fora confiado pela confiança comum,
atribuindo o sufrágio a cada um dos Sócios à medida que era anunciado na
votação; e assim resultou na eleição do Diretor Espiritual por unanimidade a
escolha do clérigo subdiácono Miguel Rua que não se recusava a aceitar. O que
se repetiu para o Ecônomo: foi eleito e reconhecido o diácono Ângelo Sávio o
qual prometeu também assumir o relativo encargo.
Faltava ainda eleger os três conselheiros; como primeiro dos quais, tendo-se fei-
to como de costume a votação foi eleito o clérigo João Cagliero. Como segundo
conselheiro saiu o clérigo João Bonetti. Para o terceiro e último, tendo saído
iguais os sufrágios a favor dos clérigos Carlos Ghivarello e Francisco Provera,
feita outra votação a maioria resultou para o clérigo Ghivarello, e assim foi
definitivamente constituído o corpo de administração para a nossa Sociedade.
O qual fato, como veio complexivamente exposto até aqui, foi lido em plena
reunião de todos os acima mencionados Sócios e superiores por agora nomea-
dos, os quais, uma vez reconhecida a sua veracidade, concordes fixaram que se
conservasse esse original, para cuja autenticidade assinaram o Superior Maior
e como Secretário, Padre João Bosco, Padre Vitório Alasonatti, Prefeito.”
Cf. J. Graciliano González, Acta de fundación, 339; MB VI, 333. Depois da palavra “terciá-
40
260
41
Cf. J. Graciliano González, Acta de fundación, 340-341. Padre Lemoyne acrescenta nas
Memórias Biográficas os nomes de José Bongiovanni, José Lazzero, Francisco Provera, João Garino,
Luís Jarac e Paulo Albera; os leigos, cavalheiro Frederico Oreglia di Santo Stefano e José Gaia, que não
aparecem nas Atas, mas constam no registro dos professos desse dia, MB VII, 160-161.
42
Cf. J. Graciliano González, Acta de fundación, 341; MB VII, 160s.
43
ASC A012: Bonetti, Cronachette; Bonetti, Annali III. FDB 992 E10; MB VII, 163.
261
262
263
264
1. A unificação da Itália1
O armistício assinado em 10 de novembro de 1859 entre França e Áus-
tria, do qual o Piemonte não participou, pôs fim à Segunda Guerra de In-
dependência Italiana e terminou na Paz de Zurique. O tratado previa em
termos gerais uma federação de Estados regionais italianos com a restauração
de seus legítimos governantes.
Em decorrência, a Lombardia foi anexada ao Piemonte e, em março de
1860, após referendo, a Toscana, Parma, Módena e as Legações da Romanha
também foram oficialmente anexadas ao Piemonte. Em reconhecimento ao
apoio da França, por um acordo em separado, Nice e a Saboia, que até o
momento, junho de 1860, faziam parte do Reino da Sardenha, eram cedidas
à França.
Depois de um levante contra o governo dos Bourbon em Palermo (Si-
cília), Garibaldi, instado pelos líderes do Partido da Ação, liderou uma ex-
pedição à Sicília em apoio aos revolucionários, apesar da oposição de Vítor
Emanuel II e de Cavour. Em várias batalhas, em sua marcha para Nápoles,
entre maio e outubro de 1860, ele derrotou as forças bourbônicas e derrubou
a monarquia. Nesse momento, o exército de voluntários de Garibaldi chega-
va a ser de quase 50 mil homens.
O Piemonte precisou mobilizar-se preventivamente para tomar a ini-
ciativa de “libertar a Itália” sem Garibaldi. Em 26 de outubro, Garibaldi
reuniu-se com Vítor Emanuel em Teano, ao norte de Nápoles, não lhe
1
Ver uma explicação mais ampla neste mesmo volume 2, no primeiro capítulo, p. 29-38.
265
A “questão romana”
Territorialmente, a Itália não estava completamente unida. Se, por um
lado, o Vêneto e outras regiões do extremo noroeste continuavam sob o do-
mínio da Áustria, por outro, o Papa ainda mantinha seu poder em Roma
e nos territórios próximos (o Lácio). Do ponto de vista do Risorgimento
italiano, essa deficiência deu lugar a duas questões críticas: uma, em relação
aos territórios que permaneciam sob o domínio da Áustria no norte; a outra,
em relação aos que ainda estavam sob o domínio papal, conhecida como a
questão romana.
A Terceira Guerra de Independência Italiana (1866) solucionaria, em-
bora de forma incompleta, a primeira questão. A questão romana era, de
longe, a mais sensível, porque implicava, de um lado, despojar o Papa da
capital e dos territórios sob a sua soberania; e, de outro, precisar tratar com
Napoleão III, que mantinha uma guarnição em Roma para protegê-la contra
as possíveis tentativas de conquista. A questão romana prometia ser, portan-
to, o tema mais polêmico na sociedade italiana.
Em 23 de março de 1861, foi formado o primeiro gabinete da nova
nação, tendo o conde Camilo Benso de Cavour como primeiro-ministro.
Como a unificação da Itália fora obtida pela anexação ao Piemonte dos Esta-
dos regionais italianos e não por meio da união federal, Turim funcionou na-
turalmente como primeira capital. Contudo, surgiu imediatamente a questão
de saber se Roma devia ser reclamada ao Papa como a capital histórica da Itá-
lia. Em 26 e 27 de março, com dois discursos pronunciados no Parlamento,
Cavour apresentou a posição e a estratégia do governo. A unificação da Itália
só poderia ser considerada completa quando Roma se convertesse na sua ca-
pital. A libertação de Roma continuaria a ser, portanto, o objetivo do Risor-
gimento, a se obter com a aquiescência da França e realizado sem prejuízo da
liberdade espiritual e da independência do Papa, que a Itália devia garantir
diante do mundo. Além disso, a Itália deveria garantir ao Papa o pagamento
de uma soma anual equivalente às suas entradas anteriores. Esta política seria
um exemplo do princípio liberal: “Uma Igreja livre num Estado livre”.
266
267
Teremos Roma não para destruir, mas para construir, uma vez que se oferece-
rá à Igreja a oportunidade e os meios para sua autorreforma. Garantiremos a
liberdade e a independência da Igreja como meio pelo qual possa renovar-se
na pureza da fé religiosa, na simplicidade do estilo de vida, na austeridade da
disciplina que era a honra e a glória do papado dos primeiros tempos. Tal re-
novação derivará naturalmente da entrega voluntária do poder temporal, que
é diametralmente oposto à natureza espiritual da Igreja.2
Além da discutível noção de Ricasoli sobre a Igreja, não era provável que
essa retórica promovesse o diálogo. A Santa Sé ignorou o discurso. A França
negou-se a entrar em qualquer discussão sobre a questão romana, fossem
quais fossem as condições. Além disso, a política eclesiástica do governo ita-
liano, mais do que suas palavras, agravou a situação já tensa.
268
A Convenção de setembro
O ano 1864 marcou uma virada na história da questão romana, como
também nas relações Igreja-Estado na Itália. A turnê triunfal de Garibaldi
pela Inglaterra, em abril, seu encontro com Mazzini e a menção da unificação
italiana na imprensa britânica, alertaram a França e a Itália sobre o perigo
de uma possível reconciliação dos dois patriotas. Por isso, em junho, houve
conversas sobre a questão romana entre o ministro das Relações Exteriores
5
Cf. Ch. Dugan, History of Italy, 135. Cf. G. Bonfanti, La politica ecclesiastica nella formazio-
ne dello Stato unitario. Brescia: La Scuola, 1977, 89-90.
269
6
Com a encíclica Quanta Cura, Pio IX deu o toque final a um intenso programa doutrinal e
disciplinar, cujo objetivo era reafirmar a autoridade da Igreja em todos os âmbitos da sociedade con-
temporânea. O Syllabus era uma condenação intransigente dos “erros mais perniciosos” da Revolução
Liberal. Condenava a liberdade de consciência, a tolerância religiosa, a laicidade da escola, o progresso
científico, a liberdade de pensamento etc. O último artigo condenava “o progresso, o liberalismo e
a civilização moderna”. O Syllabus foi recebido com orgulho e alegria pelos católicos conservadores.
Contudo, também significou o final do liberalismo católico e alimentou a hostilidade anticlerical.
270
271
272
O imposto incidia sobre os grãos de todos os cereais levados para serem moídos nos moinhos
7
273
Em 1868, Garibaldi foi eleito pela segunda vez para o Parlamento pelo
seu distrito, mas renunciou. Em carta de 24 de dezembro de 1868, denunciou
o governo como “a negação de Deus”, por ter traído a causa durante a recente
tentativa falida contra Roma. E acrescentava: “O que esperar de um governo
que não é nada mais do que um encarregado da divisão de rendas, um devora-
dor corrupto da riqueza pública e um agente pago por um tirano estrangeiro?”.8
8
V. Ceppellini, P. Boroli e L. Lamarque (eds.), Storia d’Italia, 161.
274
275
276
277
278
279
12
Ver o texto em H. Denzinger e P. Hünermann, El Magisterio de la Iglesia: enchiridion symbolorum
definitionum et declarationum de rebus fidei et mourm. Herder: Barcelona, 381-999, 2901-2980, 753-761.
13
MB VII, 830s.
280
MB XIV, 188s.
14
Epistolario III Motto, 153-154, hológrafo de Dom Bosco. Joseph Fessler, nascido em 1813 no
15
Tirol (Áustria), doutorou-se em teologia na Universidade de Viena tendo sido ali professor de história
da Igreja. Foi ordenado bispo em 1862 e exerceu o cargo de secretário do Vaticano I (1868-1870).
281
Comentário
A resposta, negativa, foi imediata. Os superiores-gerais das congregações
com votos simples, inclusive perpétuos e reservados à Santa Sé, não têm di-
reito de participar no Concílio.16 A motivação dada por Dom Bosco para a
pergunta é interessante: ele não quer “parecer negligente em algo que signifi-
que uma homenagem à Santa Sé”.
16
Epistolario III Motto, 153.
282
1. A guerra franco-alemã
(19 de julho de 1870-10 de maio de 1871)
Grande parte da opinião pública francesa, mantida viva pelos intelec-
tuais e a imprensa diária, pensava que a França deveria retornar à margem
esquerda do Rin, suas fronteiras naturais. Não compreendendo a longa luta da
nação alemã pela sua unidade política, os franceses consideravam a consuma-
ção dessa união como uma expansão forçada da Prússia, e vitória desta sobre
a Áustria (1866), um ataque à honra militar francesa.
A eleição do príncipe Leopoldo de Hohenzollern para o trono da Espa-
nha em julho de 1879 foi apresentada em Paris como um projeto da Prússia
para pôr em perigo a segurança da França. Depois da renúncia voluntária do
príncipe, o governo francês esperava que o rei da Prússia fizesse um pronun-
ciamento claro de que “jamais voltaria a permitir a candidatura do príncipe
à coroa espanhola”. O rei Guilherme negou-se a discutir o assunto, o que a
França considerou como um insulto. Em Paris, surgiu uma grande agitação,
orquestrada artificialmente.
Embora um pequeno grupo no Parlamento se opusesse à declaração de
guerra, por considerar que a França não estava preparada, o governo de Na-
poleão III declarou guerra à Prússia em 15 de julho de 1870. Na Alemanha,
a atitude do governo e do povo era tranquila, mas decidida. Guilherme I re-
cebeu aclamações entusiastas em Berlim e, nessa mesma noite, foi ordenada a
mobilização do exército do norte da Alemanha. O sul da Alemanha entendeu
que um ataque francês, não obstante dirigido aparentemente apenas contra
a Prússia, era na realidade um ataque contra a nação alemã; o objetivo dos
283
284
ASC 223, FDB 1346 Ai-1347 D3. Estes dez textos foram editados por Cecilia Romero,
2
285
Conteúdo
Introdução
Circunstâncias e natureza da experiência profética nas palavras de
Dom Bosco:
3
No texto editado por Amadei, MB X, 60s, a Mensagem a Pio IX está marcada com asteriscos.
4
Padre Berto faz notar que manteve o pedido de sigilo durante o tempo em que Dom Bosco
viveu “apesar das pressões que tive de suportar de algum superior (padre Rua?)”. Esta afirmação de-
monstra que Berto escreveu sua nota de arquivo depois da morte de Dom Bosco (1888). O sigilo deve
referir-se ao autor da profecia mais do que ao seu conteúdo, porque a profecia em si era conhecida.
5
Em MB X, 57s estas anotações estão em cursivo à margem, não no interior do texto. Na trans-
crição apresentada por Lenti, aparecem no interior do texto entre parênteses e em cursivo.
6
MB X, 62s.
286
Parte primeira
Predição do castigo de Deus sobre a França-Paris mediante uma tríplice
visita, no contexto da desastrosa guerra franco-alemã.
Parte segunda
Intervalo: Visita do “Guerreiro do Norte”, que se encontra com o “Ve-
nerável Ancião do Lácio”.
Inserção
Mensagem a Pio IX (“Agora a voz dos céus dirige-se, então, ao Pastor dos
Pastores”). Trata-se de uma exortação ao Papa para que continue a “solene
assembleia” (o Concílio Vaticano I fora apenas iniciado) “até que a hidra do
erro tenha sido decapitada”.
Invectiva e oráculo contra a Itália, também severamente castigada por
Deus, e contra Roma, que será visitada quatro vezes com castigos; a terceira
visita culminará com a queda da cidade e um banho de sangue.
Epílogo
Mensagem de esperança: “aproxima-se a grande rainha dos céus” para
restaurar o Papa em sua situação anterior, pôr fim ao reino do pecado e trazer
o arco-íris da paz “antes que brilhem as luas cheias no mês das flores”.
Documentação
Uma nota anexa ao texto de Dom Bosco parece dar a esta segunda pro-
fecia o mesmo sentido profético da primeira. A nota diz: “A pessoa que co-
munica estas coisas é a mesma que predisse acertadamente o que aconteceu
287
Conteúdo
Pio IX e seus seguidores fogem de Roma, mas logo retornam – em três
partes.
1. Pio IX abandona o Vaticano e Roma à frente de uma multidão de
homens, mulheres, crianças, monges, monjas e sacerdotes, muitos dos quais
morrem ou são feridos; detêm-se depois de 200 dias de caminhada.
2. Dois anjos aparecem e oferecem ao Papa um estandarte com a ins-
crição: “Rainha concebida sem pecado” e “Auxiliadora dos Cristãos”. Pede-se
ao Papa que retorne com seus seguidores, e começa um movimento para a
reevangelização do mundo.
3. O Papa e seus seguidores, então em número crescente, retornam a
Roma (outros 200 dias de viagem) e encontram devastadas a cidade e toda
a terra. Fazem uma ação de graças em São Pedro. A escuridão desaparece e o
sol começa a brilhar.8
7
Em MB X, 62s, estas anotações estão à margem, não no texto como aqui em Lenti, e em cursivo.
8
A profecia chegou a Pio IX, oralmente ou por escrito, por meio de um cardeal, ver MB X, 59s.
288
Conteúdo
Nesta breve mensagem, “o Senhor” adverte o imperador para que seja “a
vara do meu poder” e “leve a cabo meus desígnios inescrutáveis e se converta em
benfeitor do mundo”, seguindo as sugestões em relação às alianças e as táticas.
Quadro cronológico
Cronologia da tradição do Cronologia de fatos
texto da profecia de 1870 contemporâneos pertinentes
8 de dezembro de 1869-20 de outubro
de 1870: Primeiro Concílio Vaticano.
5 de janeiro de 1870: a experiência profética.
6-20 de janeiro de 1870: o autógrafo de Dom
Bosco é escrito e fazem-se cópias da profecia.
(Ele possivelmente destruiu o seu autógrafo.)
Dom Bosco leva uma cópia consigo para Roma
(20 de janeiro-23 de fevereiro de 1870), mas não
a entrega ao Papa. Não se conserva nenhuma
dessas cópias.
20 de janeiro-25 de fevereiro de 1870: Dom Bos-
co em Roma com o secretário padre Berto.
8 de fevereiro, e talvez 15 (a audiência de 12 de
fevereiro é dedução de Lemoyne, baseando-se na
anotação de arquivo do padre Berto de 1874).
12 de fevereiro de 1870: cópia recebida por uma
“pessoa importante” em Roma e apresentada em
La Civiltà Cattolica. Não se conserva.
9
MB IX, 827ss.
289
290
Introdução
Só Deus pode tudo, conhece tudo, vê tudo. Deus não tem nem passado
nem futuro; para Deus, nada há de oculto; todas as coisas são-lhe presentes.
Nada lhe passa inadvertidamente. Para Ele, não existe distância de lugar ou
de pessoa. Só Ele, em sua infinita misericórdia e para sua glória, pode mani-
festar aos homens as coisas futuras.
Profecia
“Do sul vem a guerra, do norte vem a paz.”
[Primeira parte. Contra a França e Paris]
As leis da França já não reconhecem o Criador e o Criador se fará conhe-
cer e a visitará três vezes com a vara do seu furor.
A primeira abaterá sua soberba com as derrotas, o saque e os danos nas
colheitas, nos animais e nos homens.
Na segunda, a grande prostituta da Babilônia, aquela que, suspirando,
os bons chamam de o prostíbulo da Europa, ficará sem chefe e será entregue
à desordem.
Paris! Paris! Em vez de armar-te com o nome do Senhor, rodeias-te de
casas de imoralidade. Elas serão destruídas por ti mesma: teu ídolo, o Pan-
teão, será reduzido a cinzas, para que se cumpra o que está escrito: mentita est
iniquitas sibi (a iniquidade enganou-se a si mesma: Sl 26,12). Teus inimigos
encher-te-ão de angústia, de fome, de espanto e haverão de te converter em
abominação das nações. Mas ai de ti se não reconheces a mão que te fere! Que-
ro castigar a imoralidade, o abandono, o desprezo da minha lei, diz o Senhor.
MB X, 57ss. Os cursivos entre parêntesis são as anotações marginais de Dom Bosco na cópia
10
291