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Um Conto

Quase de
Fadas
Índice
1 – Por que não no porão?....................................................................................................................3
2 – Socialização....................................................................................................................................6
1 – Por que não no porão?

A porta de madeira pesada do quarto abriu com um rangido, não esperava que
sua marca de nascença a levasse para aquele lugar, tão distante de seu próprio
lar e não sabia o que esperar. O que poderia haver de diferente nela?
Olhou para o seu amigo de quarto, claramente desapontada por ser um homem e
não uma mulher, quis perguntar para a governanta que tinha a acompanhado
até o quarto, mas ao que se virou, a mulher com seu uniforme preto e avental
branco, não estava mais no corredor.
Parou por um momento sob o batente da porta. O cabelo dourado e comprido do
rapaz caía sobre o caderno que ele usava para desenhar, como uma cortina com o
único propósito de ocultar o que desenhava. O lápis corria de um lado para o
outro rapidamente e mesmo com o rangido da porta, ele sequer erguera a cabeça
para lhe lançar um rápido olhar.
Nervosa, apertou a alça da mochila e deu alguns passos para dentro do quarto,
apertando os olhos, quase os fechando. O piso amadeirado rangeu sob seus pés e
olhou para o rapaz de soslaio, quando esse ergueu os olhos azuis a fitando em
silêncio. Isa não era normalmente tímida, mas sentia-se oprimida e exposta
naquele momento.
Havia duas camas de solteiro no quarto, uma ele estava usando, então pela
lógica, a cama vazia era dela. Sem saber ao certo como agir, colocou a mochila
sobre a cama e sentou-se ao lado dela, retirando em seguida um aparelho e
colocando os fones de ouvidos. Era óbvio que ele não falaria com ela, pois já tinha
baixado os olhos para o papel e se concentrado novamente em seu desenho.
Antes que a música inundasse seus ouvidos, olhou para a vidraça da janela
fechada, os pingos grossos e agressivos da chuva a espancavam. Olhou para o
rastro úmido que as gotas criavam numa corrida no vidro ao batente da janela,
enquanto a música instrumental a relaxava com sua ambientação sombria.
Desviou o olhar para o loiro silencioso novamente, estava tão absorto em seu
desenho que parecia que ela nunca tivera invadido o quarto. Sentir-se invisível a
deixou ainda mais desconfortável, elaborando todos os tipos de perguntas
estúpidas e constrangedoras, tais quais: como conseguiria dormir em paz com
um homem tão bonito no quarto? E se peidasse? Como dormiria nua em noites
quentes?
O corpo esguio se ergueu impetuoso, num claro sinal de protesto, procuraria a
governanta e pediria para ser colocada em outro quarto. E assim que sentiu-se
firme sobre seus pés, sentiu o olhar inquisitivo do loiro caindo sobre si
novamente. Odiou-o no mesmo instante, pensando que ele estava incomodado
com os seus movimentos. Deixou o quarto.
O quarto onde deixara a mochila sobre a cama ficava no terceiro andar da casa
antiga. O corredor seguia com o parapeito de pilastras em madeira, contra as
paredes de concreto e madeira onde certamente ficavam os outros quartos. Olhou
para baixo pelo parapeito para se certificar onde ficava a escada, uma espiral
quadrada que anunciava o piso xadrez do térreo.
Prestes a virar para descer a escada, encontrou-se com outra mulher que subia a
escada despreocupada, era ruiva e linda, a pele lívida contrastava com os lábios
intensamente rosados, ostentava um par de olhos azuis e o cabelo liso num
penteado impecável era capaz de incitar inveja a qualquer mulher da idade delas.
Não que Isa não fosse também bonita, a pele clara contrastava com o longo
cabelo preto e seus olhos avelã mudavam de cor de acordo com a luminosidade,
ora verdes, ora âmbar. Entretanto, sabia não ser a mulher mais linda do mundo,
tinha uma beleza comum, nunca ganharia um concurso de beleza, mas também
não era de se jogar fora.
— Oi, você é a Isa, não é? - Ela perguntou animada.
— Sim. - Respondeu. — E você, quem é?
— Sou Emma. Sabíamos que você viria hoje. Vai dividir o quarto com o Einar,
não é?
— O loiro desenhista? - Perguntou confusa.
— Ele não é lindo? - Enroscou o braço no braço da morena, que a olhava
chocada.
— Já que tenho que dividir o quarto, não seria melhor que eu ficasse com outra
mulher? - Isa perguntou, desconfiada.
— São nossas marcas que decidem isso. - Ela respondeu, chorosa. — Uma pena
que não tenho a mesma marca que você ou Einar. Veio do Brasil, não é?
— Sim. E você?
— Dinamarca.
— Sabe dizer porque essas marcas de nascença são tão importantes? Por que um
homem tão rico nos reuniria numa mansão como essa só por causa disso?
— Não, eu não sei e também gostaria de saber. Mas, é uma proposta irresistível,
viver aqui, ser pago tão bem apenas para ficar nessa casa.
— Eu não sei, aceitei porque estava desempregada e sempre trabalhei com coisas
que odiava. Ainda espero algum tipo de jogos mortais.
Emma gargalhou, puxando Isa pelo braço, fazendo todo o caminho de volta para
o quarto que ela abandonara há pouco. Einar levantou o olhar e dessa vez, ao ver
Emma, abriu um sorriso. A ruiva rapidamente se sentou ao lado do loiro,
inspecionando curiosa o desenho dele, que num gesto gentil, ele virou
suavemente para que ela pudesse olhar melhor.
Enquanto Emma elogiava o desenho, Isa tirou o tênis, enfiando o par embaixo de
sua cama, acomodou os travesseiros que estavam sobre a cama, num amontoado
macio na cabeceira da cama e pegando sua mochila, retirou o papel que a
governanta entregara tão logo chegou na casa.
O papel assinalava os horários das refeições, falava sobre o banheiro que seria
dividido em cada quarto, a fazendo olhar para a segunda porta, logo ao lado dos
pés da cama de Einar. Se questionou porque eram obrigados a estarem no quarto
exatamente às 22 horas e os motivos pelos quais não podiam usar nenhum tipo
de comunicação com o mundo externo.
Sentiu-se melhor quando encostou no monte macio de travesseiros e recolocou os
fones de ouvido. As regras incluíam nunca passear pela floresta sozinho, solicitar
com antecedência qualquer utensílio, roupa ou produtos de higiene. E jamais ir
ao porão da casa. Essa última fez Isa arquear uma sobrancelha, desconfiada.
Sua mente extremamente imaginativa, logo se pôs a trabalhar, mostrando-lhe
toda sorte de instrumentos de tortura escondidos no porão, com um médico
maluco pronto para fazer todos os tipos de experimentos científicos neles. Não se
assustaria se encontrasse um Frankstein andando pela casa. Seus pensamentos
eram tão ridículos que logo se colocou a rir sozinha, fazendo o par de beldades
olhar para ela, atônito.
Isa não pôde ouvir Emma por causa da música que estrondeava em seus ouvidos,
mas ela não se importou em repetir sua pergunta, quando a morena retirou o
fone dos ouvidos:
— As regras são engraçadas?
— Qual o problema com o porão? - Isa perguntou.
Os dois se olharam e deram de ombros.
— Nunca tentaram ver o que tem lá?
— Não. - Einar finalmente falou.
O que Isa poderia esperar do povo do norte da Europa? Nunca infligiam as
regras, fossem elas quais fossem, mas seu espírito brasileiro sabia que sempre
havia um jeitinho. E recostou-se ao monte macio, colocando sua mente
prontamente para trabalhar, tentando encontrar um modo de invadir o porão
sem ser descoberta. Aliás, como sempre dizia para si mesma, regras foram feitas
para serem quebradas.

2 – Socialização

Exatamente às 18:30 horas, todos estavam reunidos à mesa comprida em


jacarandá, Einar e Emma sentaram-se um ao lado o outro, entregues a uma
conversa aparentemente animada. Enquanto passava ao redor da mesa para se
servir num buffet, especialmente preparado para isso, Isa colocou o olhar sobre
uma menina estranha.
Ela vestia um pijama de listras azuis e brancas, enormes pantufas retirada de
algum desenho animado famoso, com os cabelos tão negros como o dela, pálidos
olhos azuis, nariz comprido e tão miúda e magra que parecia uma criança. O
cabelo escuro era curto, num corte chanel, com uma franja reta até a altura das
sobrancelhas.
Isa após se servir, sentou-se do lado da pequena, que a olhou de soslaio,
colocando um óculos de grau maior que o próprio rosto e puxou do colo um livro,
empurrando o prato com pouca comida para longe dela, deixando praticamente o
livro em seu lugar.

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