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das Runas
Índice
1 – Que Passado?
Era para ser apenas uma viagem de retorno à minha terra natal, voltar a ser mais
um rosto desconhecido entre os milhares que dividiam a cidade comigo. Ainda
enquanto o trem me chacoalhava, ver os altos prédios e o cinza tão corriqueiro
mesmo em dias claros, fez me pensar subitamente que minha cidade natal
poderia ser minha cidade mortal.
“Esse lugar pode me matar e é possível que até queira muito” - era meu
pensamento primário. Para então, tornar-me consciente de que precisava de uma
egrégora ou ao menos uma divindade para me apegar e ter força para lutar contra
o que quer que fosse que queria me matar naquela cidade.
Por mais que pensar na espiritualidade ocorreu instantaneamente como se fosse
um assunto natural, já fora, não nego, mas não depois de lidar com a depressão e
o niilismo de modo tão profundo, como se o mundo fosse apenas peças
desmontadas de um quebra-cabeça desagradável que precisava ser montado
naquele exato momento.
E como minha cabeça adora funcionar de forma mais peculiar, eu sequer parei
para questionar o que é que teria naquela cidade capaz de me matar? Que
espírito era aquele que fez questão de se mostrar e atrapalhar o agradável
balanço do trem?
Sim, isso devia estar na minha esfera de pensamento, logo que poucos dias atrás
sonhei que estava quase sendo possuída por um demônio, que embora eu tivesse
uma boa relação com o demônio, a transformação e dominação que exerceria
sobre mim não era nada agradável.
Sabe, meu amor, se quiser transar comigo, o que acha de me dizer mais
abertamente?
Simplesmente não pensei num espírito que está a fim de arrancar meu fígado,
apenas no que me pareceu mais urgente, uma egrégora para me alinhar.
Contudo, não quero ficar ligando a muita coisa do passado, mas escolher
egrégora ou trabalhar com várias ao mesmo tempo nunca pareceu absurdo para
uma maga do caos.
Entretanto, sou uma bruxa urbana agora e o que está atrás deve lá ficar, já que o
que tem de ser conhecido ou relembrado sempre se apresenta no momento
presente. Momento onde a confusão tem privilégios.
Queria conversar com alguém sobre isso, mas essa pessoa não está disponível no
momento, talvez eu sequer a conheço, sei apenas que está por aí entre sete
bilhões ou mais de gente no mundo.
De toda forma estou há dias desde que regressei sem poder fazer muita coisa por
sofrer de fortes dores as pernas, devido a maldita mochila. Não carecia falar
muito sobre o passado, mas algumas coisas bem presentes são ecos dele.
Fui uma ocultista praticante excepcional, com uma grande queda pelo
reconstrucionismos porque sempre flertei com o politeísmo. Alguns eventos
passados combinados com uma alma pagã e rebelde por excelência fez de mim
uma magista do caos com maestria.
E com magia do caos quero mencionar que adentrei profundamente em alguns
sistemas e me livrei deles com a mesma facilidade que entrei. Essas coisas
deveriam ser fáceis em momentos como esse, com um currículo desse. Porém, a
verdade é outra.
Quando voei pelo cisne sem querer eu mergulhei no niilismo. A vida perdeu
sentido, verdadeira vontade significava propósito, propósito num mundo sem
propósito? Mudar a realidade com magia para quê se tanto faz.
Niilismo
A magia antes tão importante já não tinha motivo de ser, mesmo um plano
espiritual era vazio de sentido. A depressão passou como uma avalanche levando
consigo qualquer conceito ou ideia de sentido.
O processo depressivo foi longo, muito longo e crenças se espatifaram em cacos
tão minúsculos, incapazes de recolar, recontar ou ressignificar.
Numa noite, sentada à mesa, com o tic-tac do relógio como tudo o que pudesse se
comunicar comigo, eu chorei, não saberia dizer se chorava todos os choros que
guardei, ou se chorava de alegria, ou ainda de pura loucura.
Vi a depressão como uma iniciação, um mergulho tão profundo no escuro, no
vazio… Vejo como Ishtar descendo aos infernos e se despindo a cada portal. Um
processo doloroso, para encontrar uma verdade ainda mais amarga.
Chorava enquanto sabia que minha descida aos infernos fora completa, que ali
estava chorando como um bebê nu que acaba de regressar ao mundo. Estava em
paz com a vida sem sentido ou significado, ao espaço de bom grado sempre
reservar um lugarzinho para alguma nova história.
A iniciação não ocorreu naquele momento apenas, com ela veio a escrita. O
negrume depressivo não conseguiu levar embora meu amor pela fantasia e ela
mitologia e comecei a escrever uma ficção.
Essa ficção começou a se escrever por si e me mandar mensagens de arquétipos
com os quais estava flertando. Havia algo de errado no meu niilismo ou não, mas
a ideia de inconsciente coletivo, arquétipos e do acesso que temos a eles pelo
nosso mundo interior, teoria junguiana explicada no gueto, com ou sem sentido,
ali havia arquétipos conversando comigo sem que eu soubesse porquê.
Não praticava magia há anos ou meses, não sei precisar, não estava dando a
mínima para isso, nada poderia incrementar uma vida que não queria ser vivida.
Mas, naquele dia, eu quis conversar com um anjo, porque meus livros se
tornaram o mais belo romance do universo.
Em meu pescoço cai sublime o âmbar que ganhei há anos por minha conexão
com Freyja, contudo por mais que meus olhos se ergam para o norte, duas
deusas se mostraram em sonhos. Num primeiro Lilith que tentava me possuir e
no segundo, um mago famoso lembrando-me de que sou Babalon.