Você está na página 1de 71

UNIA

UNIVERSIDADE INDEPENDENTE DE ANGOLA


FACULDADE DE DIREITO

MANUAL DE APOIO
DE FILOSOFIA DO
DIREITO

DOCENTES:

Regente Prof. Dr. Francisco Isaac Jacob

Professor Assistente Dr. Nilton do Amaral Capalo

_________________________________________
ÍNDICE
I. CAPÍTULO: HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO (semana 27-14)
1.2.Os pensadores clássicos
1.3.Princípios gerais do direito
1.4.A filosofia jurídica na história
1.5. A história do direito e o direito comparado

II. CAPITULO: O CONCEITO DE DIREITO (aulas semana 20-24)


1.1.Noção elementar de direito
1.2.Aspectos fundamentais para a formação do conceito
1.3.Direito como sistema de regularidade factual
1.4.Direito como ordem normativa concretizada.
1.5.Formas de Direitos e formas de conhecimento

III. CAPITULO: DO CONHECIMENTO JURIDICO (aulas, da semana 17-


5)
2.1. A realidade jurídica
2.1.1. A justiça
2.1.2. A justiça formal
2.1.3. Injustiça legal e direito supralegal
2.1.3. A conformidade aos fins
2.3. A segurança jurídica
2.4. Obediência e consciência
2.5. O direito e as formas culturais

IV. CAPITULO: DA ONTOLOGIA DO DIREITO E DO ESTADO (aulas 8-


16)
3.1. Do direito positivo: suas fontes, modos de manifestação e
determinação ônticas
3.2. A jurisprudência e suas tarefas: interpretação, construção sistemática e
aplicação do direito.
3.3. Os fundamentos a priori do direito
3.3.1. Conceitos jurídicos fundamentais
3.3.2.Doutrina pura do direito
3.3.3. Irrealidade da lei
3.4. A semântica da linguagem normativa
3.5. A concepção retributiva da pena

BIBLIOGRAFIA

AA.VV., Filosofia del Direito, Raffaele Cortina Editore, Milano 2002.

ABBAGNANO, N., Dicionário de filosofia, título original: dicionário di filosofia, Trad.


De Afredo Bosi

DE MONCADA, C., Clássicos Jurídicos: Filosofia de Direito e do Estado, Vol. II, 1ª


Ed., Coimbra Editora, Coimbra 1966.

DO AMARAL, D. F., Historia das ideias politicas, Vol. II, Artes gráficas, Rio de Mouro.

-------------------, Historia das ideias Politicas, vol. I, Almedina, Lisboa

LIOY, D., Della Filosofia del Direito; Vol. I, Giuseppe Pellas, Editore Firenze 1887.

PINTO, J., Filosofia do Direito e do Estado, UnIA Editora, Edições Universitárias,


Luanda 2010

RAWLS, J., Uma teoria da Justiça, 2ª edição, Presença, Lisboa 2001

REALE, M., Filosofia do Direito, 20ª Ed., Saraiva, São Paulo 2002.

------------------, Lições preliminares do direito, Saraiva, São Paulo 1994.

WAINE, M., Filosofia do direito, Livraria Martins Fonte, São Paulo 2006.
I- METOLOGIA ADAPTADA PARA O CURSO.

Todo e qualquer rigor científico, é reconhecido através do seu método utilizado para se
chegar aos resultados em função dos objectivos propostos à partida. Assim sendo, as
nossas aulas serão administradas de modo expositivo dos argumentos, com base a
cronometria do nosso programa, com um ampla comparticipação por parte dos
estudantes.

II- CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

Os estudantes serão avaliados em função dos seguintes critérios: 20% nos trabalhos
investigatórios semanais; 15% de participação nas aulas. Entende-se por participação, não
somente estar presente na sala de aulas, mais sim ter um envolvimento, nas discussões e
nos tempos propostos na sala. Questionar e opinar. Em outras palavras, tomar parte das
actividades durante as lições. 5% de presenças, 50% nos exames, a concordar com o
professor.

III- OBJECTIVO

Desenvolver o pensamento jurídico numa perspectiva analítica-critica aplicado aos


problemas sociais hodiernos, de modo a repensar e dessacralizar a dogmática logica-
formal nos feudos dos estudos e da praxis jurídica.

Propiciar estudos estratégicos-pedagógicos de esclarecimento, auto-consciência e


emancipação do estudante de direito para a sua actuação profissional e social.

Potenciar o estudante para o desejo de investigar e busca do auto-convencimento as


proposições jurídico-filosóficas, com a finalidade de torna-lo profissional critico de
modo a responder as exigências reais da nossa sociedade.

Oferecer uma visão unitária e panorâmica dos diversos campos em que se desdobra a
conduta humana segundo regras do direito. Inculcar no estudante o princípio de que
compreender não é ver as coisas segundo nexos causais, mas é ver as coisas na
integridade de seus sentidos ou de seus fins, segundo conexões vivenciadas
valorativamente.
INTRODUÇÃO
Não é possível abordar a filosofia jurídica no seu mais amplo sentido, sem se ter já um
certo conhecimento prévio da problemática e do próprio movimento do pensamento
filosófico geral e da sua história.

A filosofia do direito não é uma disciplina jurídica ao lado das outras; não é sequer,
rigorosamente uma disciplina jurídica. É uma actividade mental ou ramo da filosofia que
se ocupa do direito; é uma parte, um capítulo particular da filosofia.

A filosofia como disciplina e forma de actividade mental do homem teorético é talvez a


única que não possui, em todo o rigor, um objecto próprio e exclusivamente seu, um
objecto específico, como o possuem as outras ciências e os outros saberes aplicados só a
certos sectores limitados da realidade.

A filosofia do direito não é também mais que uma certa visão ou contemplação das coisas
do direito, ou, numa palavra, do “jurídico”. Essa visão ou contemplação é precisamente
a filosofia. Trata-se de uma aplicação do prisma próprio da visão filosófica as coisas do
direito e do Estado como realidades com as quais o homem também se preocupa e não
pode deixar de se preocupar. É uma transposição para o mundo das nossas habituais
preocupações de juristas, daquelas mesmas interrogações fundamentais que se nos
impõem a respeito de tudo o que pode ser objectivo de pensamento, quer no domínio da
fria especulação, quer no da acção, se formos filósofos.
Iº CAPÍTULO

1. HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO DIREITO


1.2.Os pensadores que contribuíram para autonomia da disciplina
Podemos distinguir na história da filosofia do direito três fases: 1) a fase da antiguidade
clássica greco-romana onde a realidade jurídica foi considerada como um aspecto da
realidade natural. 2) A fase da idade media onde o direito foi considerado como aspecto
da realidade espiritual transcendental; 3) a fase moderna onde a realidade jurídica é
percebida como produção do sujeito empírico ou racional. Destas três fases, se adiciona
a quarta fase que é a contemporânea-actual, de modo diferenciado internamente a ponto
de tornar difícil uma definição unificante. A ideia de Direito Natural tem como elemento
comum unificador e identificador a ideia de existência de uma ordem normativa, imanente
e manifestada na natureza ou na realidade, que é como que o paradigma, o modelo ou o
arquétipo a que deve subordinar-se o direito positivo, que deve procurar explicitá-lo,
desenvolvê-lo e concretizá-lo nas ordens normativas que estabelece ou constitui.

Sendo um Direito ideal, o Direito Natural tende a ser concebido ou pensado como algo
tão permanente ou intemporal – ainda que apenas no plano formal, variando ou podendo
variar historicamente os seus conteúdos concretos – como permanente e supra temporal
é essa ordem normativa essencial e supra-empírica que rege ou estrutura a natureza ou a
realidade cósmica, social e humana.

Por outro lado, a ideia de existência de um Direito Natural contraposto ao Direito positivo,
faz apelo a uma determinada ideia ou noção de natureza, na qual se conteria, implícita
mas cognoscível, essa legalidade ou normatividade que constitui o Direito Natural, e
segundo a qual essa mesma natureza seria permanente e imutável, o que explicaria a
permanência e a imutabilidade quer seriam atributos do Direito Natural.

A ideia de Direito Natural implica ou pressupõe quatro ideias ou noções complementares


ou essenciais:

a) A de que existe uma natureza permanente, constante e imutável;

b) A de que essa natureza contém em si, como seu elemento intrínseco essencial e
estruturante, uma determinada legalidade ou ordem normativa;
c) A de que o homem pode ascender ao conhecimento dessa legalidade ou dessa
ordem normativa que se contém ou se manifesta na natureza;

d) A de que o Direito positivo, enquanto ordem normativa humana reguladora da


conduta e da convivência social, retira a sua validade da conformidade com essa
legalidade ou ordem normativa natural, que deve ser o seu modelo ou paradigma.

A ideia de natureza

O termo natureza é dos mais equívocos e plurissignificativos dos com que lido o
pensamento filosófico, pelo que não será de estranhar que, quando usado ou contido na
designação Direito Natural, essa sua característica igualmente se revele.

Ele tem, desde logo, um duplo sentido ou significado, que se pode qualificar,
respectivamente de cosmológico ou físico e de ontológico.

No primeiro sentido, o tema natureza reporta-se ao universo da matéria e da vida,


contrapondo-se, então, ao domínio psíquico ou ao reino espiritual, enquanto, no segundo,
designa o que faz que cada ser ou ente seja o que verdadeiramente é, equivalendo então
a substância ou essência, como quando se fala na natureza humana ou na natureza das
coisas.

Concepção essencialista ou substancialista do Direito Natural

a) Concepção cosmológica

Esta concepção individualiza-se por referir o Direito Natural à ideia de natureza como
ordem cósmica, que contém em si a sua própria lei, fonte da ordem em que se processam
os movimentos dos corpos que se articulam os seus elementos constitutivos ou essenciais.

b) Concepção teológica

Se o pensamento pré-socrático e, de certa maneira, a tragédia grega, em especial Ésquilo


e Sófocles, representam de forma paradigmática e exemplar o jusnaturalismo essencialista
ou substancialista de feição ou inspiração cosmológica, a versão predominantemente
teológica deste modo de pensar o Direito Natural encontrou na filosofia medieval e, de
modo eminente em Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Suarés a sua mais acabada
expressão.

O primeiro, fundindo em síntese original platónica e a sua teoria das ideias com a teologia
e o pensamento cristão, sustentou que a ordem universal ou a ordem do mundo é regida
pela lei eterna, dimanada de Deus, cujas ideias são os arquétipos eternos das coisas.

Por sua vez, a lei natural é entendida como participação do homem na lei eterna e
encontra-se impressa na alma humana, dela devendo os legisladores extrair as regras de
conduta, as normas ou as leis mais adequadas ao condicionalismo histórico.

São Tomás de Aquino e, em geral, o pensamento filosófico-escolástico desenvolveram


estas ideias, designadamente o conceito de leis e suas espécies e a distinção entre as duas
formas de Direito Natural.

Para o Aquinatense, a lei era definida como “prescrição da razão prática, em ordem ao
bem comum, promulgada por quem tem o cuidado da comunidade”. Toda a lei deriva da
lei eterna, na medida em que participa da recta razão.

A lei natural decorre da natureza humana, é participação da lei eterna na criatura racional,
tendo sido promulgada através da sua impressão na mente do homem, pelo que é
naturalmente cognoscível.

A mutação da lei natural pode verificar-se por dois modos: ou ela adição de novas
realidades ou por subtracção, deixando certos preceitos particulares de ser lei natural.

c) Concepção antropológica

A versão antropológica do jusnaturalismo essencialista ou substancialista encontrou a sua


expressão vincada e significativa no pensamento pós-renascentista, racionalista e
iluminista, em especial em Grócio, Hobbes, Espinosa, Puffedorf e Locke.

Para esta corrente de pensamento filosófico-jurídico, o fundamento do Direito Natural


deixa de ser Deus e a lei eterna dele directamente derivada, para passar a encontrar-se na
razão humana ou na natureza racional do Homem.

Concepção formalista do Direito Natural


Esta segunda grande concepção do Direito Natural tem a sua origem no pensamento
Kantiano, tendo encontrado a sua mais acabada expressão na corrente neo-Kantiana
desenvolvida em Marburgo, no final do séc. XIX em especial por Rudolf Stammler.

Para esta corrente neo-Kantiana (o ser), aliás inacessível ao conhecimento, não é possível
retirar ou fazer derivar nenhuma norma ou princípio ético (dever-ser), que só na razão
pode encontrar-se. Tal princípio, de natureza racional, formal ou universal, na sua
máxima generalidade, como imperativo ético categórico, apresentar-se-ia da seguinte
forma: “age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei
universal da Natureza”.

Concepção existencialista do Direito Natural

O pensamento filosófico-jurídico desenvolvido a partir da perspectiva existencial vem,


neste ponto, a opor-se a qualquer das correntes jusnaturalistas anteriores, ao negar que
exista qualquer essência, substância ou natureza humanas, comum a todos os homens e
dada previamente como virtualidade ou potencia que a cada um caiba passar a acto ou
realizar, pois sustenta que no Homem a existência precede a essência e entende que aquela
resulta da dialéctica entre a natureza das coisas e a vocação do Homem, entre o dado e as
circunstâncias exteriores, a situação em que o Homem se encontra e aquilo que a sua
radical liberdade constrói, no caminho sempre ameaçado entre o ser ele próprio e o
fracasso, a alienação ou a alteração.

Portanto, é praxe na Filosofia do Direito estudar os clássicos da Filosofia que se detiveram


diante dos problemas jurídico-normativos.

Antiguidade clássica: os Gregos tiveram profunda fé baseada numa ordem natural. Em


conformidade com essa ordem, esses procuram as razões e o fundamento do direito, o
critério absoluto para avaliar a justiça das instituições existentes, dai o direito era visto
pelos gregos no seu aspecto objectivo, como uma norma de conduta civil derivada da
própria natureza das coisas. A natureza foi tida como princípio material e o sujeito não se
distingue dela como princípio autónomo. Deste propósito, o direito revelou-se como um
aspecto físico que governa o mundo natural.

Por isso Heráclito definia a justiça a física necessidade que mantém cada coisa na própria
ordem e no próprio curso. Pitágoras definiu-a como harmonia do universo e das relações
sociais. Com os Sofistas, a fé na existência e na inteligibilidade de uma ordem natural é
choque ao homem empírico elevado a medida das coisas, a origem humana, convencional
da lei. O direito com Pitágoras se revela como conceito de relação, uma relação relativa
entre as acções e a lei positiva.

Sócrates se opõe ao direito como relação e como conceito. Ele não duvida da existência
de uma justiça natural; porém, mas do que afirma-lo, é preciso entende-lo, isto é, traduzi-
lo em conceito, conhece-lo na sua nota universal e constante. Para Sócrates, o problema
da justiça se resolve no problema do conhecimento daquilo que é justo em si,
independentemente das várias opiniões humanas. A injustiça é vício do intelecto não é da
vontade. Para ele, o conceito de legalidade, que é a justiça nos seus caracteres formais,
ou seja universais, e necessárias e que como tal, deve ser respeitada independentemente
dos seus conteúdos. Morrendo, rendeu homenagem ao valor da justiça.

Com Platão, o direito é uma realidade que o homem aprende através do intelecto e actua
o Estado. Justiça e Estado são para Platão termos que estão juntos necessariamente.
Segundo ele, a justiça não é do homem, mas sim do Estado, que atribui a cada um o que
é seu, que impõe a cada classe social a sua função específica. A ideia da justiça não tem
só valor formal. Não é um conceito que procura fora de si o seu conteúdo, mas é realidade
e actividade ideal que vive e se concretiza no Estado. O ponto de vista naturalístico, não
é superado porque a ideia platónica objectiva nem é subjectiva. É todavia superado o
conceptualismo abstracto de Sócrates, porque a ideia de que o intelecto desfeito dos
vínculos do sentido intuísse a realidade concreta, princípio de verdade e de acção.

Com Aristóteles a realidade natural forma a unidade da matéria de verdade e


multiplicidade das formas individuais. Se a natureza é actividade dos seres que se explica
segundo o fim dele, a justiça natural, isto é, objectiva; é actividade do espírito que se
explica em ordem para o bem e a felicidade comum, isto é possível só se a igualdade,
entre os seres que juntos convivem é respeitada, e garantida. Subjectivamente
considerada, a justiça é hábito de valores que realiza aquilo que o é justo opera nas
relações entre outrem. Por isso é que Aristóteles chama justiça virtude inteira e social,
informando todas as actividades humanas em relação aos outros. A justiça geral se
especifica em formas particulares segundo a índole e o fim das relações chamada a
regular. As condições objectivas e subjectivas do direito são analisadas por Aristóteles;
também por ele a justiça não é própria do homem, mas do Estado, este por sua vez é
instituição natural que surgem e se constituem para educar com as leis os ânimos à justiça.
Para os Estóicos, o conceito de natureza se confunde com a razão imanente nas coisas;
de consequência, viver segundo a natureza, é viver em conformidade com a razão
universal. Existe portanto um só direito, um só Estado, não circunscritos no âmbito do
limitado mais que se estende a todos os homens que se encontram na Civitas omnium
maxima, submetidos a mesma lei sem distinção de classes de condições sociais, de
nações. Esta justiça natural objectiva não é estranha ao homem, mesmo que não fosse
posta por ele; dotado de razão, o homem participa da natureza universal e pode tirar da
própria sua natureza a lei do bem comum. O justo objectivo é pela sua natureza; o justo
subjectivo pela sua racionalidade, torna a pessoa humana sagrada. Homo homini res
sacra. A igualdade da natureza gera uma fraternidade entre os homens e entre os povos;
a objectivação em sentido empírico da lei natural acentua-se com o Epicureus, que fazem-
na derivar das necessidades da tendência à felicidade ínsita na natureza humana. De
acordo com esta tendência os homens procuram o Estado e o direito mediante um pacto
recíproca garantia. A natureza invocada pelos gregos tem o fundamento do direito no
princípio material que com o tempo tornou-se o princípio ideal e racional até a humanizar-
se e a individualizar-se nos Estóicos e nos Epicureus.

A ideia de justo estranha e contraposto ao homem, foi com o tempo subjectivando nas
formas do conceito e da e da ideia numa primeira fase, com exigência da natureza racional
e sensível do homem e no segundo momento. Mesmo que o homem tenha desvinculando
a ideia de justo da ordem política, não conseguiu desfazer-se da ordem natural da qual ele
mesmo pertencia e refletia da lei e da felicidade. Um progresso inverso, seguiram os
Romanos, os quais compreenderam o direito como comando da vontade direcionada ao
útil e na necessidade. (ius civile), para se compreender progressivamente com uma norma
de equidade (ius aequum ac bonum), como norma que responde a natureza comum do
homem (ius gentium) e portanto, como expressão da razão humana em harmonia com a
razão universal (ius naturale), procuravam na natureza das coisas o fundamento do
direito.

NA IDADE MÉDIA: a filosofia do direito refletiu a nova concepção da vida e da


realidade surgida com o cristianismo. O objecto da especulação não é mais a natureza
impessoal mas Deus concebido como pura espiritualidade, como principio pessoal dotado
de inteligência e de vontade infinita. A humanidade deve se organizar para o fim
sobrenatural sob a lei divina onde a realização do Estado devia dispor de meios do direito,
com valores subordinados com as finalidades temporais. Através desta forma de ler a
realidade, se concebe como a especulação jurídica medieval, mais do que construir novos
sistemas que explicam-se e justificar as instituições positivas, deviam direcionar a
conciliar a vida religiosa com a necessidade do direito e do Estado, de modo a inserir o
mundo jurídico na organização universal da Igreja. Foi uma especulação de compromisso
na qual um dos elementos caracterizador era o dogma cristão, dos sistemas de filosofia
jurídica herdada da antiguidade.

S. Agostinho, ilustrou e defendeu a doutrina da supremacia da Igreja sobre o Estado. A


Igreja e o Estado, constituem uma civitas; mas só a civitas Dei é destinada a triunfar. O
Estado justifica-se como meio necessário a garantir a paz externa, terrena que é a condição
pela qual a Igreja actua seus fins. Na doutrina da paz se resume os aspectos mais originais
da filosofia de direito de Agostinho. A paz é para ele sinónimo de ordem e de harmonia,
de coordenação das partes com o todo. Cada organismo tem um seu ordenamento
particular pelo qual, existe e se conserva: o corpo em relação aos seus membros (pax
corporis;) a criação irracional no regulamento dos seus instintos (pax animae irrationalis)
o ser racional na harmonia das actividades teoréticas e práticas (pax animae rationalis).
Analogamente o Estado é (ordinatas coelestis ordinatissiima et concordissima societas
fruendi Deo et invicem in Deo.) A lei é divina e natural; é vínculo universal que conserva
o mundo físico e moral. Dá a cada ser o seu lugar, sua função e constitui a essência da
justiça.

Particular significado, tem a doutrina de paz com a ética onde se revela como princípio
de ordem interior, isto é, uma das tendências sensíveis e faz do indivíduo um membro
harmónico na vida de todo. A perfeição moral é sinónima de paz connosco mesmo, com
os nossos semelhantes, com Deus. Com a paz o homem garante-se e protege-se contra os
maus da vida terrena, conquista a saúde da alma. O ordenamento positivado tem como
objectivo, a pacificação da sociedade, numa lógica orgânica das relações humana. Esse
por sua vez não se actua por si, mas por obra do homem; não basta conhece-lo, ocorre
porém, obtê-lo, quere-lo e actuá-lo constantemente nas nossas acções. Essa é a conquista
progressiva; nisto consiste o fundamento e os limites da ordem jurídica e política.

A especulação jurídica da idade média culminou com a doutrina da lei de S. Tomas


segundo a qual, Deus guia o intelecto do homem com a lei, reforça a vontade com a graça.
A determinação dela constitui para S. Tomas o problema fundamental. Existe uma lex
aeterna que é a razão divina que ordena e governa o mundo. A lex naturalis é a
participação imperfeita, limitada da razão humana à lei eterna. Por esta, o homem
malgrado a corrupção originária consegue, distinguir mesmo em falta da lei escrita e
revelada, o bem e mal. Existe depois uma lei positiva humana secundum quam
disponunter quae in lex naturae continentur.

O direito positivo humano, como determinação, especificação, interpretação da lei


natural, não pode este derrogar enquanto se inclina à utilidade individual e colectiva. Dai
que, aquilo que é útil e oportuno não pode ser um contrasto com a lei natural. Por outro
lado a imperfeição da lei humana tem uma esfera de acção mais restrita daquela da ética.
Essa não pode, omnia vitia cohibere , sed raviora tantum. Isto é aqueles que ameaçam as
condições da vida social e a quibus possibile est maiorem parten nultitudinis abstinere.
Não contradiz o sentido realístico de Tomas, os limites entre a moral e o direito. Para ele,
o direito se realiza por um carácter formal da positividade, isto é, da sanção humana, mas
os seus preceitos dizem respeito a moralidade do homem médio, isto é, do homem
considerado não tanto em relação as exigências da vida religiosa e moral quanto em
relação, aquelas da vida externa social. A noção de direito subjectivo conquista na idade
média novo valor. O homem é sujeito do direito não enquanto cidadão, mas enquanto
pessoa espiritual e moral. Ele não consegue os seus direitos do Estado, mas de Deus, e
logo pode opor-se ao Estado que viola estes direitos. Por isso a liberdade não é só externa
ou civil, mas é também interna, subtraída a qualquer coerção externa. A igualdade da
justiça consiste em não se fundir na natureza, mas na essência espiritual e moral do
homem. O homem não é mais um instrumento passivo de uma realidade a ele estranha,
se faz activo cooperador de justiça, a qual não é mais contemplada com i intelecto, mas
conquistada pelo querer e pela liberdade do homem que revive em si e nas suas obras a
justiça eterna.

IDADA MODERNA: a fase moderna da filosofia do direito evolui com desenrolar


filosófico iniciado com Bacon Descartes; tende a resolver a realidade natural e
sobrenatural em realidade subjectiva.

Em relação a nova posição do problema filosófico se desenrola com o jusnaturalismo isto


é, o endereço da procura do fundamento do direito nas tendências naturais e exigências
da natureza humana que retira desses o concurso da vontade e das convenções humanas
a ordem jurídica e política.
Destacam-se nesta fase, os pensadores como: O holandês Grotius. Do postulado teológico
e de qualquer estatuição do direito positivo, deriva o direito positivo natural de natureza
social e racional do homem, concebido como vínculo de união e de conservação da vida
colectiva. Distingue assim da moral que governa os movimentos interiores da alma, como
também da política que pretende avaliar e distribuir os interesses e o bem comum. A
corrupção da natureza humana ofuscou o conhecimento do direito natural e tornou
possível a comunhão da vida dessa regra. Substitui o direito voluntário que se fundou
sobre o princípio do direito natural, pacta sunt servanda gera relações de obrigatoriedade
recíproca entre os indivíduos. Deste pacto surge também o Estado, que é a união pacífica,
ordenada pelos homens livres, para o gozo recíproco e reconhecimento dos direitos de
utilidade comum.

O estado não surge para garantir as relações convencionais (ius aequatorium) mas
exprime e defende também os interesses públicos mediante normas, tendo como objectivo
as relações de soberania (ius rectorium).

Hobbes: o direito natural é explicação de liberdade egoísta, afirmação de potência de um


contra todos. Por isso, o sinonimo de (ius belli) ou (ius pacis), surge em virtude de um
pactum subiectionis), em virtude do qual os indivíduos concordam entre eles com o pacto
irrevogável de transferir os direitos naturais sem condições à pessoa soberana, onde a
vontade natural, isto é, do Estado personificado no soberano (Leviathan).

SPINOSA: para ele o direito natural é ipsa naturae potentia, conexa a cada ser aos fins
da sua conservação. Mas as más experiências, induzem os seres dotados de razão a criar-
se uma ordem civil, na qual as exigências dos indivíduos e da sociedade se explicam sob
os auspícios do Estado nos limites impostos pela salus publica.

LOCKE: para este pensador inglês, o direito natural é na sua ótica, o direito do homem
no estado hipotético de simplicidade e de inocência originária, que opera sob o império
da lei natural, em conformidade as suas necessidades naturais segundo um cálculo
racional de utilidade. Neste Estado natural de paz, de mútua assistência os homens se
reconhecem livres e iguais e cada um em relação as suas necessidades constrói uma
propriedade mediante o trabalho e a ocupação da terra comum. A liberdade onde cada um
goza no estado natural é sinónimo de independência recíproca e esta é possível só se o
arbítrio de cada um for limitado.
A igualdade é a medida da liberdade natural. Com garantia dos direitos naturais, os
homens convergem a criar o Estado e a este confia-lo o poder coercivo e punitivo
desenhado a forma de natureza. O direito natural entendia-se segundo Locke com o direito
inalienável do homem à liberdade e a propriedade nos limites da igualdade.

ROUSSEAU: devia demonstrar que o empirismo dos jusnaturalistas e do mesmo Locke,


se de um lado podia explicar o facto do direito, na sua génese psicológica e sociológica,
do outro, não justificava-o racionalmente. O direito entendido em relação das tendências
naturais do homem, pode gerar relações fundadas sobre a força e o arbítrio. Inspirando-
se aos métodos do racionalismo Cartesiano, Rousseau faz do direito um produto da razão
colectiva que os homens criam renunciando a viver segundo as leis da natureza empírica.
Os direitos do homem dão exigência da natureza sensível de se transformarem a mediação
do Estado, num direito da personalidade racional do homem e com tal adquirir valores
universais e morais.

KANT: resume a especulação anterior superando na definição do direito o ponto de vista


empírico e racional. A Ele se deve a filosofia do direito como disciplina autónoma. Na
antiguidade, na idade média, os problemas que hoje chamamos de filosofia do direito,
eram tratados como parte da ética. Na idade pré kantiana o problema das relações do
direito com a moral assume um histórico significado e se põe como um aspecto da luta
que o indivíduo sustentava contra o Estado em defesa da própria liberdade interior.

THOMAIUS: antes de Kant, procurou distinguir a esfera moral daquele do direito em


base a critérios formais (exterioridade, liberdade, coercitividade) ou critérios fundados
sobre a finalidade da norma, (paz interior e exterior). Kant procurou na natureza da
actividade prática do sujeito, o fundamento da distinção. Tal actividade essencialmente
livre pode se afirmar ou em relação a lei moral ou nas relações externas sociais. No
primeiro caso determina-se pelo dever em si, no segundo caso pelo motivo heteronomia
subjectivo, pelo qual a conformidade à lei é só externa (legalidade).

A vontade que se explica em função dos fins subjectivos. É a vontade económica não
jurídica. A esfera do lícito não coincide com aquela do direito. A liberdade exterior onde
o direito consiste é uma ideia de relação, que implica uma relação entre os valores. Dai a
necessidade de uma norma de razão reguladora da mesma liberdade. Essa norma se
resume no reconhecimento e no respeito recíproco a liberdade. A consistência das
vontades empíricas é condicionada com a norma racional da igualdade, das liberdades
nas suas relações externas. O equilíbrio disto, implica acções recíprocas e portanto,
coercivas.

A estabilidade de um sistema jurídico pode ser concebido nos pressupostos que cada
querer ou vontade qual seja o movente (motivação) que o explique a operar, se mantenha
exteriormente nos limites impostos pela lei de coercividade sem a possibilidade de iludir,
por isso, a coesão como poder de obrigar ou de ajuste do direito, é condição da liberdade
e se estende quanto a mesma liberdade. O direito ou seja a liberdade externa, se realiza
no Estado e este deriva do contracto o título racional de legitimidade. O Estado kantiano
serve aos fins do direito e como tal é Estado jurídico. Na filosofia de Direito do Hegel,
(Histórico), as novas correntes tinham tendência de fazer do direito a expressão do
espírito colectiva e entendiam a vida na forma como se desenrolava. A filosofia do direito
é toda penetrada de influência romântica e histórica e pode ser entendida como uma
filosofia de história aplicada ao direito que se torna na história. E objectividade, significa
moralização dos valores, superando a própria individualidade empírica, subordinação a
uma realidade universal, afirmação de liberdade não abstracta, mas concreta e real. No
progresso de inserção do indivíduo na colectividade, isto é, na progressiva conquista da
consciência e da liberdade de ai, consiste na razão da história e do mundo. A liberdade e
a humanidade preveem mediante a coerção do direito e do Estado. O ponto de partida do
direito é a vontade livre; a liberdade é a substancia de querer em todos os seus graus. Mas
a vontade políptica é liberdade subjectiva, natural, imediata; é determinada dos instintos,
dos desejos é relativamente racional, isto é, em relação ao sujeito. A medida que a vontade
se desfaz da naturalidade torna-se universal e moral, isto é, absolutamente livre, não só
na forma mas também no conteúdo. O desenvolvimento tem lugar em contraste, superado
e renovado num grau mais alto. Ao querer imediato corresponde o direito abstrato, a
liberdade subjectiva; aqui se opõe o universo moral. Da sua síntese, se geram as
liberdades éticas que se revelam progressivamente na forma da família da sociedade, do
Estado. Só neste último o direito se configura como liberdade do espírito objectivo
inteiramente realizado. Kant e Hegel tinham delineado as orientações fundamentais da
especulação jurídica.
1.3. A FILOSOFIA JURÍDICA NA HISTÓRIA
O significado filosófico-histórico do Direito é encontrado a partir da contradição que
existe entre a natureza estática do Direito e a natureza dinâmica da História. A hegemonia
do direito encontra seus limites históricos, na soberania que coexiste com outras
soberanias sem ser dominada por nenhum outro sistema. A guerra, é um limite na
impossibilidade de se substituir regularmente uma Constituição por outra, por vias legais,
a revolução é um outro limite. A Filosofia do Direito é a filosofia que mesmo diante dos
fenómenos jurídico-normativas, foi preciso esperar que um filósofo e não um jurista
construísse um sistema filosófico tendo o direito como peça central. Friedrich Hegel
foi quem fez ao publicar em 1820 o seu livro intitulado Princípios da filosofia do Direito.
A obra Princípios da Filosofia do Direito de Hegel é um marco que delimita o início da
Filosofia do Direito como centro de uma investigação filosófica sistemática.

É por isto que se entende existir uma Filosofia do Direito propriamente dita, e uma
Filosofia do Direito impropriamente dita que se encontra nos textos filosóficos escritos
ao longo da história da filosofia, cujos sentidos incidem mais ou menos em questões
jurídico-normativas. Os filósofos sempre se depararam com a experiência da
normatividade social. Mas antes de Hegel não adveio daí nenhum sistema filosófico que
concebesse o direito em face da totalidade da sociedade (nem de um sistema lógico
coerente com as outras ciências). Podemos apontar, à guisa de princípio, que pode ser
levantada, dentre outras razões, o papel que o direito exerce nas sociedades modernas e a
forma como o direito moderno, com seus fundamentos lógicos e sua força coerciva,
reflectem em toda a estrutura social. O historicismo jurídico, e que comummente se
chama escola histórica do direito, não tem propósito filosófico directo nem político,
porém suas doutrinas interligam-se mediante certas premissas filosóficas e também por
meio do programa da restauração política.

A ideia da codificação não era nova, uma vez que contava já em seu favor com
experiências em alguns Estados italianos, na Prússia, na Áustria e especialmente na
França, cujo Código Civil, preparado durante a revolução, teve o selo de Napoleão.

Não era por acaso que, depois da proclamação dos direitos do homem e do cidadão
(1789), passaram os homens da Revolução Francesa a se dedicarem à elaboração de
normas do direito privado, para reunidas na unidade sistemática do Código que, aprovado
em 1804, é ainda hoje vigente na França.

Isto, fazia notar os inconvenientes produzidos pela disparidade das leis e dos costumes e
ainda chamava atenção para a importância nacional que a unificação do direito privado
assumiria nas relações entre os vários Estados. O direito, sustenta Savigny, vive na prática
e no costume, que é a expressão imediata da consciência jurídica popular. A "consciência
jurídica popular" tem um conceito característico, que a escola histórica do direito derivou
do historicismo filosófico de Shelling e de Rege! Na realidade, toda essa corrente está em
estreita conexão com o historicismo filosófico, e até se pode chamá-la uma aplicação
particular dele no campo do direito.) Todo povo tem um espírito, uma alma sua, que se
reflecte numa numerosa série de manifestações que são: moral, direito, arte, linguagem,
são produtos espontâneos e imediatos, todos, desse espírito popular (Volksgeist).

Facto da sua existência, assim o direito não é criação do legislador, mas uma produção
instintiva e quase inconsciente, que se manifesta no fato, e só na fase posterior aceita a
elaboração reflexiva por meio dos técnicos, que são os juristas.

Ao trabalho dos juristas segue-se, depois, a legislação, que se funda, porém, sobre
costumes preexistentes. Portanto, as leis, segundo Savigny, têm uma função de todo
secundária, não fazem nada que fixar (e quase imobilizar, cristalizar) os princípios já
elaborados pela consciência jurídica popular.

Estudo do fato histórico do direito e induzir a considerar o surgir do direito em relação


às condições particulares de cada povo. Somente esta é a fonte autêntica e genuína do
direito. Daí a aversão de Savigny (e em geral da escola histórica) contra a codificação.
Sendo sínteses sistemáticas de leis, os códigos têm maior estabilidade e podem, a longo
prazo, até conter a evolução espontânea do direito.

Por esta parte a escola histórica representa um progresso relativamente às concessões


precedentes, que descuravam o lado positivo, histórico, do direito, mas tem, todavia,
defeitos, que vieram mais assinaladamente à luz com o progresso ulterior da ciência.

O estudo do direito positivo, justamente propugnado pela escola histórica, não deve
excluir a especulação ideal da justiça. Segundo a doutrina daquela escola, devemos tomar
uma posição passiva diante de todo produto histórico. Mas essa adoração do fato
consumado contradiz a exigência crítica da nossa consciência e é negação de todo
progresso jurídico. Se identificamos sistematicamente o real com o ideal, negamos a
possibilidade do progresso. Eis o ponto no qual permeia o erro de todo o historicismo e
em que se revela, de outro lado, a superioridade das escolas racionais clássicas. O fato
não pode conter a noção do direito; antes, a escolha dos fatos pressupõe um intuito ideal,
porque, para recolher os fatos ou fenómenos jurídicos, devemos, antes de tudo, ter os
critérios distintivos do jurídico do não jurídico.

Na verdade, se é certo que o direito surge mediante o costume, não é menos verdadeiro
que o costume é depois, gradativamente, absorvido pela lei. O costume é a folha primitiva,
rudimentar, tosca, do direito, é igualmente verdade que a elaboração legislativa é uma
folha superior, uma vez que admite e supõe uma crítica, uma discussão, uma consciência
"toda atenta". Mais, se a lei, na sua origem, não tem outra eficácia que a de estabelecer e
fixar os produtos do costume, e se constitui como fonte autónoma, afirma-se como
inovadora, também a respeito do costume.

A teoria da escola histórica tem, em suma, o defeito de ter dogmatizado a fase inferior do
desenvolvimento. Daí se poder dizer que aquela teoria recebe tanto o desmentido dos
fatos, quanto mais avançados são os estágios da civilização.

Os juristas da escola histórica foram, em geral, normalistas; consideravam o direito como


protótipo de todos os direitos, válido de certo modo para todos os povos. (Isso contrasta
com a máxima da mesma escola, segundo a qual todo povo teria um espírito próprio, e a
todo espírito popular corresponderia um certo direito.)

Todavia, a teoria da escola histórica, salvo rectificações particulares, e o abandono de


certos termos e caracteres extrínsecos (que se vinham perdendo à medida que a doutrina
se difundia), pode ser considerada ainda hoje predominante, com seus méritos e com seus
defeitos. São geralmente admitidos os dois princípios da historicidade e da relatividade
do direito. E assim mesmo a opinião dominante é no sentido de que se deva voltar a
atenção apenas para o direito positivo, e não para o direito natural. Essa tese, enquanto
visa restringir o campo da Filosofia do direito, excluindo a pesquisa pura da justiça,
constitui um erro pernicioso.
1.4.A HISTÓRIA DO DIREITO E O DIREITO COMPARADO
Quando se fala em sistema de normas, fala-se em várias características.
Um sistema de normas precisa ser uno, ter completude (não se admite lacunas - a lei pode
ter lacunas, o sistema normativo, não), e ser coerente (que não é contraditório, não
mantém posturas conflituosas).
O sistema normativo precisa ser coerente. Não pode ser contraditório. P. ex., se uma
norma permite algo, uma outra norma no mesmo sistema normativo, não pode proibi-lo.
Conflito aparente de normas (é aparente porque o sistema não permite incoerências)
1. A regra especial prevalece sobre a geral;
2. A regra posterior prevalece sobre a anterior;
3. A regra superior prevalece sobre a inferior.

A ciência jurídica enquanto dogma jurídica ou conhecimento sistemático do Direito tem


por objecto a manifestação positiva do Direito. Há uma diferença entre a Filosofia do
Direito e Política Jurídica. Esta consiste na primeira tratar de valores do Direito e dos
instrumentos que possibilitam a realização destes valores. O Direito positivo é objecto da
história do Direito e do direito comparado, enquanto a existência e os factos de vida
jurídica são objectos da Sociologia e da psicologia jurídica.
A história do direito tem como objectivo, a evolução e a eficácia do Direito. Indaga
também outras manifestações culturais buscando a compreensão do seu significado
histórico na cultura de determinada época.
O direito comparado ocupa-se como relacionar as diversas ordens jurídicas nacionais de
povos civilizações, feita sob perspectiva política.

O direito comparado é ciência etnológico do Direito porque procura estabelecer uma


relação pesquisando a relativa realidade dos povos primitivos, e tem como objectivo
construir, com fundamento nestes dados primitivos, a pré-história do desenvolvimento do
direito dessas civilizações. A função dos comparatistas é de colocar em evidência a
função que deve desempenhar o direito comparado, de modo que buscam tornar os
juristas aptos a cumprir a tarefa que lhes é confiada, cada um na sua especialidade.
Devendo os comparatistas preparar um espaço a fim de que os outros possam empregar
nas suas variadas funções o método comparativo, devendo ter como conhecimento os
perigos que estarão expostos e as regras de prudência as quais devem se sujeitar.
A especialidade obtida por cada um será provinda do conhecimento, o qual amplia o
repertório do profissional, sendo este necessário para a melhor compreensão dos Juristas
no próprio direito, tanto para aperfeiçoarem quanto para estabelecerem regras de conflito
ou de fundo uniformes ou até mesmo uma harmonização dos diversos direitos.

Devendo os comparatistas instruírem os juristas para que compreendam os interlocutores,


pois os juristas, por possuírem uma formação com conceitos distintos daqueles que
passaram a ser utilizados, encontraram dificuldades na compreensão, já que o direito
comparado passou a actuar em um desenvolvimento moderno, tendo a partir dai uma
teoria incrementada em princípios.
Os comparatistas surgem a partir do direito comparado o qual define as relações de
semelhanças e diferenças em um ordenamento jurídico, podendo ele ser constituído de
diversas culturas, ajudando a alargar os horizontes para os reformadores da lei e dos
legisladores em todo o mundo. Por se tratar de um direito essencialmente formal, histórico
e processual, é ligado aos fatos, cabendo ao juiz à decisão final, analisando o caso
concreto e a jurisprudência a ser aplicada, sendo necessário então que haja a compreensão
entre juristas e interlocutores.
O direito comparado estuda as diferenças e as semelhanças entre os ordenamentos
jurídicos de diferentes Estados, agrupando-os em famílias.

Muitos definem o direito comparado como ramo do direito, mas essa concepção é errada,
pois, um ramo de direito visa regular de maneira específica uma dada situação jurídica, o
que não acontece com o direito comparado. Este direito comparado vai estudar as
diferenças e semelhanças entre os ordenamentos por via de uma macro-comparação ou
micro-comparação.

Direito comparado é o estudo das diferenças e semelhanças entre a lei de diferentes países.
Mais especificamente, envolve o estudo dos diferentes sistemas jurídicos existentes no
mundo, incluindo o direito comum, o direito civil, direito socialista, a lei islâmica, a lei
hindu, e a lei chinesa. Ele inclui a descrição e análise dos sistemas jurídicos estrangeiros,
mesmo onde não há comparação explícita é realizada. A importância do direito
comparado aumentou enormemente na idade actual do internacionalismo, da globalização
económica e de democratização.

Embora auxilie no estudo de diversos ramos do direito, é no direito internacional privado


que a disciplina do direito comparado exerce papel essencial: as instituições jurídicas
estrangeiras são estudadas por meio da comparação entre ordenamentos jurídicos.
Montesquieu: de acordo com o ponto de vista predominante, é considerado como o pai
do direito comparado. Sua abordagem comparativa é evidente no seguinte trecho do
capítulo III do livro I do que muitos consideram sua obra-prima, De l'esprit des lois: as
leis políticas e civis de cada nação devem ser adaptadas as pessoas para quem elas são
que as vão obedecer e devem estar em relação com a natureza e o princípio de cada
governo, (instituições civis). Elas devem estar em relação ao clima de cada país, para a
qualidade de seu solo, à sua situação e extensão, para a principal ocupação dos nativos,
se lavradores, caçadores ou pastores: eles devem ter relação com o grau de liberdade que
a Constituição vai suportar, para a religião dos habitantes, às suas inclinações, riquezas,
número, comércio, costumes, e costumes. Além disso, no Capítulo XI (intitulado "Como
comparar dois sistemas diferentes de leis") do Livro XXIX ele aconselha que "para
determinar qual desses sistemas [ou seja, os sistemas de Francês e Inglês para a punição
de falsas testemunhas] é mais agradável à razão, devemos levá-los cada um como um
todo, e compará-los em sua totalidade ". No entanto, um outro trecho onde a abordagem
comparativa de Montesquieu é evidente é o seguinte do Capítulo XIII do Livro XXIX:

Como as leis civis dependem das instituições políticas, porque eles são feitos para a
mesma sociedade, sempre que há um projecto de adopção do direito civil de outro país,
seria adequado para analisar de antemão se estes têm as mesmas instituições e os mesmos
direitos políticos.

Várias disciplinas se desenvolveram como ramos separados de direito comparado,


incluindo direito comparado constitucional, direito administrativo comparado, direito
civil comparativa (no sentido da lei de delitos, ilícitos, contratos e obrigações), direito
comercial comparativa (no sentido das organizações empresariais e comércio), e do
direito penal comparado. Estudos sobre essas áreas específicas podem ser vistas como
análise micro ou macro comparativa legal, ou seja, comparações detalhadas dos dois
países, ou estudos de amplo alcance de vários países. Estudos comparativos de direito
civil, por exemplo, mostrar como a lei das relações privadas é organizado, interpretados
e utilizados em sistemas ou países diferentes. Parece que hoje as principais finalidades de
direito comparado são: para alcançar um conhecimento mais profundo dos sistemas
jurídicos em vigor para aperfeiçoar os sistemas jurídicos em vigor possivelmente,
contribuir para a unificação dos sistemas jurídicos, de uma escala menor ou maior na
comunicação entre os sistemas jurídicos. Neste mundo globalizado, o direito comparado
é importante porque fornece uma plataforma para o intercâmbio intelectual nos termos da
lei e que cultiva uma cultura de compreensão em um mundo diverso. Além disso, o direito
comparado ajuda a alargar os horizontes para os reformadores da lei e os legisladores de
todo o mundo. Também pode ser útil nas relações internacionais na definição de políticas
estrangeiras.

Direito comparado é diferente dos campos de jurisprudência geral (teoria legal), o direito
internacional, incluindo tanto o direito internacional público e direito internacional
privado (também conhecido como conflito de leis).

Apesar das diferenças entre o direito comparado e estas outras áreas jurídicas, de direito
comparado ajuda a informar todas estas áreas de normatividade. Por exemplo, o direito
comparado pode ajudar as instituições jurídicas internacionais, como os do Sistema das
Nações Unidas, ao analisar as leis de diferentes países a respeito de suas obrigações do
tratado. Direito comparado seria aplicável ao direito internacional privado no
desenvolvimento de uma abordagem para a interpretação de uma análise de conflitos.
Direito comparado pode contribuir para a teoria jurídica, criando categorias e conceitos
de aplicação geral.

Perfila-se a classificação dos sistemas jurídicos, de acordo com a ideologia inspirando


cada um, em cinco grupos ou famílias:

Leis ocidentais, romano-germânica (compreendendo os sistemas jurídicos em que a


ciência jurídica foi formulada de acordo com o Direito Romano - ver também a lei Civil
(sistema legal) Subgrupo anglo-saxão Lei Soviética Direito muçulmano Lei Hindu Lei
chinês especialmente no que diz respeito à agregação por David das Leis romano-
germânica e anglo-saxão em uma única família, David argumentou que a antítese entre
as leis anglo-saxãs e Direito romano-germânica, é de um técnico ao invés de natureza
ideológica. De um tipo diferente é, por exemplo, a antítese entre (digamos) o italiano e a
Lei americana, e de um tipo diferente, que entre a, muçulmano, hindu ou chinês law
soviética. De acordo com David, os sistemas jurídicos romano-germânica incluiu os
países onde a ciência jurídica foi formulada de acordo com o Direito Romano, enquanto
os países de common law são aqueles em que a lei foi criada a partir dos juízes. As
características diferenciais, exclusivamente à família ocidental das outras quatro, são
democracias liberais, economia de mercado, capitalista e religião cristã.

Zweigert e Kötz: propõem uma metodologia diferente, multidimensional para a


categorização de leis, para encomendar as famílias de leis. Para eles determinarem essas
famílias, deve ser levado em conta cinco critérios: 1) o contexto histórico, 2) o modo
característico de pensamento, 3) as diferentes instituições, 4) as fontes reconhecidas de
direito, 5) a ideologia dominante. Usando os critérios acima mencionados, eles
classificam os sistemas jurídicos do mundo em seis famílias:

F1) Família romana 2) família alemã 3) Família common law 4) Família Nordic 5)
Família das leis do Extremo Oriente (China e Japão) 6) Família religiosa (muçulmana e
lei Hindu).

Família romano-germânica: é formada pelo conjunto dos direitos nacionais que sofrem
fortes influências do direito romano e do seu estudo através dos séculos. Em termos
geográficos, pertencem a esta família os direitos de vários países europeus, de toda
a América Latina, uma grande parte de África, do Oriente Médio, do Japão e da
Indonésia.

O período de formação histórica destas famílias, começa no século XIII, com o


renascimento do interesse pelo estudo do direito romano nas universidades europeias, a
partir da redescoberta do Corpus Iuris Civilies . O seu desenvolvimento prossegue
na idade Moderna até a chamada fase do direito legislativo, durante a qual surgem as
noções de que o direito não é imutável, deve ser fruto da razão, e o resultado da aplicação
da razão ao ordenamento jurídico pode e deve ser registado por escrito. O encontro destas
ideias com o nacionalismo romântico dos séculos XVII e XIX permitiu o surgimento dos
direitos nacionais, no âmbito da família romano-germânica. Já não eram mais
exclusivamente direito romano, mas um conjunto de regras, conceitos e mentalidades
jurídicos nele baseado, alterado, ampliado e adaptado pelos séculos de estudo do direito
romano, agora posto por escrito, de maneira sistemática (à luz da Ratio).

O conceito de um único direito romano (adaptado pelos juristas medievais e modernos)


válido para toda a Europa foi substituído ao direito nacional, adaptado às necessidades e
circunstâncias locais. Mas os países europeus continentais podiam traçar uma origem
comum para os seus respectivos direitos nacionais - o estudo do direito romano -, o que
os faz pertencer à família romano-germânica.

Na família romano-germânica, a regra do direito é genérica, a ser aplicada ao caso


concreto pelos tribunais. Esta regra de direito genérica costuma ser criada por meio de leis
escrita. A generalização permitiu o fenómeno da codificação do direito, pelo qual as
regras genéricas são compiladas em códigos de leis e posteriormente aplicadas pelos
juristas e tribunais.

Família do Common Law: esta família é formada a partir do direito originário


aa Inglaterra, com as actividades dos tribunais reais de justiça, após a conquista
normanda. Além do direito britânico, este sistema inclui quase todos os países de língua
inglesa.

A conquista normanda permitiu a formação de um governo central forte na Inglaterra,


cujos tribunais tinham jurisdição sobre todo país. As decisões daqueles tribunais foram,
aos poucos, estabelecendo um direito comum - Common Law, em Inglês - a todo o reino,
que se sobrepôs aos costumes jurídicos locais, particulares a cada condado ou vilarejo,
em vigor até então.

O direito inglês, Common Law, foi forjado, portanto, a partir de decisões judiciais. Um
juiz, diante de um caso concreto, não buscava a regra geral contida numa lei escrita para
solucioná-lo; antes, examinava as decisões judiciais anteriores à procura de casos
semelhantes, cuja solução aplicava ao caso concreto. Esta é a grande diferença entre o
sistema romano-germânica e o do Common Law: o primeiro funciona “do top para baixo”
(o legislador preceitua uma lei geral, cuja regra abstracta é aplicada pelo juiz a um caso
concreto), enquanto o segundo opera "de baixo para cima" (as decisões judiciais em casos
concretos – jurisprudência - formam uma espécie de regra geral que é aplicável no futuro
a outros casos concretos semelhantes).

A base lógica deste direito jurisprudencial (case law, em inglês) é a regra do stare
decisis (ou regra do precedente), pela qual as decisões judiciais anteriores (os
precedentes) devem ser respeitadas quando da apreciação de um caso concreto.

O papel desempenhado pela lei escrita no Common Law é menor do que na família
romano-germânica. Em geral, a lei (statute, em inglês) só é acatada em juízo depois de
examinada nos tribunais; o rigor, não é a lei que é aplicada pelo juiz, mas os precedentes
gerados a partir do exame da lei nos tribunais.

Família dos direitos socialistas: antes fazia parte da romano-germânica, depois com a
entrada de ideias marxistas se separa. Teve sua origem na Rússia em 1917, quando a
Rússia assume o encargo da edificação de um novo tipo de sociedade, a sociedade
comunista, colocada sob o signo da fraternidade. A família dos direitos socialistas
pretende criar a “sociedade comunista”, onde não existirá Estado nem Direito, eles fogem
da tradição romano-germânica. Para os socialistas o direito é uma superstrutura, reflexo
de uma estrutura económica. Fazem parte desta família aqueles países socialistas que
pretendem atingir uma sociedade comunista como a União Soviética e alguns países da
Europa. A regra de conduta se baseia na doutrina marxista-leninista, onde não há
diferenças no direito, pois tudo visa o "o bem colectivo", prevalecendo as tendências
comunistas. Onde a lei tem um papel fundamental para o Estado. O direito dos países
socialistas é fortemente influenciado pela noção de Estado socialista, o qual possui muito
mais atribuições e poder de intervenção na sociedade, em comparação com os países
capitalistas. Sua forma aparente, por outro lado, assemelha-se ao direito dos países da
família romano-germânica.

Com a fragmentação da União Soviética e a queda da Cortina de Ferro no final do século


XX, o âmbito geográfico desta família de direitos tornou-se bastante restrito,
especialmente quando se exclui, como fazem alguns doutrinadores, o direito chinês da
família socialista, devido à suas peculiaridades.

Outras Famílias: as famílias romano-germânica, dos jurídicos em vigor no mundo e


incluem as maiores potências do planeta. Não obstante, fora da Europa e
das Américas podem existir concepções diferentes do que seja direito, ou grupos de
ordenamentos jurídicos estruturados de forma diferente das grandes famílias. Estes casos
- geralmente na Ásia e na África costumam ser reunidos num capítulo "outros" ou "outras
famílias" pelos juristas.

Importa salientar que, não é incomum conviverem o direito formal, "moderno", adoptado
de modelos europeus ou americanos, com regras e hábitos (e concepções do direito)
locais.

Direito muçulmano: O Direito Muçulmano é o direito da comunidade religiosa Islâmica,


ou seja, é um direito que rege os crentes onde quer que eles se encontrem. O Direito
Muçulmano é o direito de um grupo religioso, e não de um povo ou de um país. Este
grupo religioso conta com mais de 400 milhões de fiéis, repartidos por mais de 30 países.
O direito muçulmano não é uma ciência autónoma, mas uma das faces da religião. Esta
compreende a teologia (que fixa os dogmas, aquilo em que o muçulmano deve acreditar)
e a Char’ia, que prescreve aos crentes o que devem ou não fazer. Então a châr’ia é a via
a seguir, a lei revelada; compreende o que nos chamamos Direito, mas também o que o
crente deve fazer em relação a Deus (oração, jejuns, etc.). A sanção é o estado do pecado;
ela não é, portanto, aplicada senão aos crentes; o direito muçulmano é inaplicável aos
infiéis. O Fiqh é o conjunto de soluções preconizadas para obedecer a châr’ia; é a ciência
dos direitos e deveres dos homens, nas recompensas das penas espirituais. Ciência das
Normas que podem ser deduzidas por um processo lógico, das quatro fontes da châr’ia:
O Alcorão, a tradição (Sunna), o acordo unânime da comunidade muçulmana (idjma) e a
analogia (qiyâs). Os muçulmanos concebem a ciência do direito como uma árvore: as
quatro fontes são as raízes, a lei revelada (châr’ia) é o tronco, os ramos constituem as
soluções especiais deduzidas da lei revelada (fiqh).

Direitos do Extremo Oriente: nos Estados do Extremo Oriente, o direito é visto a exercer
a função subsidiária na composição dos conflitos sociais; mais importantes para tal fim
são a convicções, a moderação e a conciliação.

1.5. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO


Podemos identificar ao menos duas teses acerca da natureza da distinção entre principio e
regras: (i) a distinção se deve a um aspecto lógico; (ii) a distinção se deve a um aspecto
de grau de generalidade.

Para alguns teóricos, a diferença entre princípio jurídico e regra apresenta um carácter
lógico.
De acordo com esse ponto de vista, tantos os princípios quanto as regras, são conjuntos
de padrões que apontam para decisões particulares acerca das obrigações legais, mas
diferem no tipo de direcção que apontam.

A regra tem uma única dimensão: a da validade. Se for válida, a regra deverá ser aplicada
integralmente ou não ser aplicada. São normas que só pode ser cumpridas ou não. Se
uma regra é valida, então há que se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem
menos. Portanto, as regras contem determinações no âmbito do fático e juridicamente
possível. Esse aspecto da regra é também chamado de “tudo ou nada” - ou a regra é
totalmente aplicada, ou não. Não existem diferentes graus de aplicação.

Os princípios, são mandamentos de optimização, caracterizados pelo fato de que podem


ser cumpridos em diferentes graus, sendo que a medida devida de seu cumprimento
depende não apenas das possibilidades reais, mas também das jurídicas, cujo âmbito é
determinado por princípios e regras opostos. por sua vez, apresenta a dimensão de peso
ou importância, não faz sentido, falar em validade. Dentre os princípios aplicáveis ao caso
concreto, será eleito aquele que apresentar maior peso relativo aos demais em face da
situação analisada. O princípio eventualmente deixado de lado continuará existindo e
poderá ser evocado em outro momento, sem qualquer tipo de consequência a sua
existência.

Em caso de conflito entre regras, uma poderá ser excluída do ordenamento, ou, ainda, em
casos mais ambíguos, aquela que apresentar maior poder descritivo e regulador
prevalecerá. Em outras palavras, podemos dizer que regras são comandos definitivos,
enquanto princípios são requisitos de optimização. Se a regra é válida e aplicável, esta
requer que seja feito o que se prevê na sua íntegra. Já os princípios são normas que exigem
que algo seja realizado em seu maior nível possível, dadas as condições do caso em
estudo, contendo assim uma ideia de gradação.

Os princípios gerais do Direito, classificados como princípios monovalentes são


enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão
do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de
novas normas.
Os princípios gerais do direito são os alicerces do ordenamento jurídico, informando o
sistema independentemente de estarem positivados em norma legal.

São exemplos:

• falar e não provar é o mesmo que não falar;


• ninguém pode causar dano, e quem causar terá que indemnizar;
• ninguém pode se beneficiar da própria desonestidade;
• ninguém deve ser punido por seus pensamento;
• ninguém é obrigado a citar os dispositivos legais nos quais ampara sua pretensão, pois
se presume que o juiz os conheça;
• ninguém está obrigado ao impossível;
• não há crime sem lei anterior que o descreva;
• ninguém pode alienar mais direitos do que possui.

A Filosofia do Direito (em estudos sobre o Direito positivo, com a escola positivista e o
jus naturalismo), encontramos o estudo da relação dos princípios com os preceitos
imutáveis do direito natural, que corresponde a uma justiça maior e essencial, emanada
da própria ordem equilibrada da natureza (ou de Deus), independente da vontade do
homem. Resgatando antecedentes históricos de nosso sistema normativo-judicial,
reportamo-nos à Roma antiga, onde, superada a fase da autotutela/autodefesa (quando
um indivíduo impunha sua vontade a outro, a pretensão era exercida pela força e a
punição ocorria em regime de vingança privada), os indivíduos passaram a constituir
árbitros de confiança mútua – normalmente sacerdotes e anciãos – para mediar a solução
do conflito. Suas decisões pautavam-se nos princípios ditados pelos costumes (mores) da
época. Os princípios gerais que são enunciados normativos – de valor muitas vezes
universais – que orientam a compreensão do ordenamento jurídico no que concerne à
elaboração, aplicação, integração, alteração (derrogação) ou supressão (ab-rogação) das
normas. Representam o núcleo do sistema legal. São, pois, as ideias de justiça, liberdade,
igualdade, democracia, dignidade, legalidade etc., que serviram, servem e poderão
continuar a servir de alicerce para o edifício do direito, em permanente construção.

Hoje, os princípios gerais são – em sua maioria – escritos, porque já foram incorporados
ao sistema legal (positivados, expressos, escritos, codificados). Tais princípios são a base,
o fundamento não apenas do ordenamento jurídico em si, mas, além, das relações entre
as pessoas e diretores do planeamento futuro da nação em todos seus aspectos.

Celso António Bandeira de Mello, demonstrando a força jurídica dos princípios:Violar


um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a
todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com
ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas
esforçada. Portanto, é mais do que plausível a possibilidade de choques entre um ou mais
destes princípios, gerando o fenômeno jurídico da antinomia, que, para Tércio Sampaio
Ferraz Júnior, é: "A oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou
parcial), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que
colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de
critérios aptos a permitir-lhes uma saída nos quadros de um ordenamento dado "

Quanto ao critério que se usa para se dirimir a contradição, se usa, via de regra, os
seguintes critérios:
1. Critério Hierárquico (norma superior revogando norma inferior): no conflito entre uma
norma inferior e outra superior, esta deve prevalecer sobre aquela.

2. Critério Cronológico (lei posterior revoga anterior): havendo conflito entre duas
normas de igual hierarquia prevalece a editada posteriormente.

3. Critério da Especialidade (norma especial revoga a geral): assim, cotejando-se duas


normas de mesma hierarquia, a norma especial prevalece sobre a norma geral, visto que
o legislador, ao tratar de uma determinada matéria de maneira especifica, procede, ao
menos presumidamente, com mais acuidade. Com efeito, os princípios elevados a direitos
fundamentais são todas partes de uma mesma norma (Constituição), superior a todas as
outras no ordenamento a que se referem; foram promulgadas e são generalíssimas por
sua natureza.

É fundamental frisar, que todo PGD escrito (inserido na legislação) é norma jurídica!
Exemplos: Na área constitucional (chamados normas princípios lógicas): - todos devem
ser tratados iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; todos são inocentes
até provas contrárias; ninguém deverá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude da lei; nenhuma pena deverá passar da pessoa do condenado; aos
acusados em geral devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa; a propriedade
deve cumprir sua função social; deve-se pugnar pela moralidade administrativa; etc. Na
área civil: ninguém deve violar a lei alegando que não a conhece; nas declarações de
vontade deverá ser mais considerada a intenção do que o sentido literal da linguagem; o
enriquecimento ilícito deve ser proibido; ninguém deve transferir ou transmitir mais
direitos do que tem; a boa-fé se deve presumir e a má-fé deve ser provada; deve ser
preservada a autonomia da instituição familiar; O dano causado por dolo ou culpa deve
ser reparado; as obrigações contraídas devem ser cumpridas (pacta sunt servanda); quem
exercitar o próprio direito não estará a prejudicar ninguém; deve haver equilíbrio nos
contractos, com respeito à autonomia da vontade e da liberdade para contractar; os valores
essenciais da pessoa humana são intangíveis e devem ser respeitados; a interpretação a
ser seguida é aquela que se revelar menos onerosa para o devedor; a pessoa deve
responder pelos próprios actos e não pelos actos alheios; deve ser mais favorecido aquele
que procura evitar um dano do que aquele que busca realizar um ganho; ninguém deve
ser responsabilizado mais de uma vez pelo mesmo facto; nas relações sociais se deve
tutelar a boa-fé e reprimir a má-fé; etc.
Se utilizarmos um PGD escrito (= Lei) para suprir lacuna, estaremos a realizar a operação
de integração por analogia. São os não-escritos, ou seja, não inscritos textualmente no
ordenamento jurídico: aqueles recém-surgidos, em forma de ideias e reflexões dos
juristas, sobre temas novos, que ainda não foram tutelados formalmente pelo legislador 1.

REFLEXÃO E ESPECULAÇÃO

Sendo essencialmente interrogativa, problemática e não solucionante, a filosofia é,


igualmente, reflexão, ou pensamento reflexivo, especulação ou pensamento especulativo

A filosofia é uma actividade que consiste na própria reflexão filosófica, é um caminhar


gradual na busca da verdade.

FILOSOFIA E CIÊNCIA

Enquanto a ciência ou as ciências procuram conhecer aspectos particulares da realidade,


os modos como ela se manifesta, ou seja, os fenómenos e suas leis ou relações, à filosofia
interessa o ser enquanto ser, ou, para usar os termos claros e decisivos de Aristóteles:

“Cada ciência trata de algum género limitado de seres considerado como realidade que
é e como é, e não enquanto ser, ao passo que a filosofia é o único tipo de saber ou
actividade intelectual que se ocupa dos seres ou da realidade enquanto ser”, isto é, na
sua determinação contingente mas na sua essência, naquilo que faz que cada um seja o
que é.

Daqui decorre também ser a filosofia um saber especulativo e teórico e não um saber
prático e operativo, um saber “dos primeiros princípios e das primeiras causas” e não
um conhecimento de causas secundárias ou de princípios derivados, que, por isso mesmo,
é o único capaz de estabelecer os fundamentos de todo o saber humano, pois consiste
também numa actividade de fundamentação do saber, designadamente das condições de

1
Cf. Os argumentos podem ser consultados com maior pormenorização na obra de Norberto Bobbio, título
original em Italiano: Teoria dell'ordinamento Giuridico, Torino, G. Giapichelli, 1960. Teoria do
Ordenamento Jurídico, Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Editora UnB, 1995),
possibilidade e da validade do conhecimento e seus limites e de todo o saber, quer teórico
quer prático, incluindo o próprio conhecimento científico.

A noção de “aporia”

Termo que significa falta de caminho ou de saída, aquilo que impede o movimento e não
deixa avançar. Trata-se de contradições ontológicas, da irredutibilidade de uma coisa ou
de uma realidade ao pensamento, do desacordo entre o ontos e o logos.

A filosofia é, fundamentalmente aporética, já que a sua actividade interrogativa do real e


do próprio pensamento a conduz à identificação e ao tratamento das aporias, à verificação
de que o pensamento e a realidade se não identificam e de que nem tudo é pensável ou
abarcável pela razão humana.

NOÇÃO DE FILOSOFIA DO DIREITO

A expressão filosofia do direito é relativamente recente e teve as suas primeiras e mais


difundidas utilizações na primeira metade do séc. XIX, através das obras de Hegel, Kant,
Lerminier, Austin, Ahrens e Rosminie.

Sendo reflexão filosófica sobre o direito, a filosofia do direito é filosofia e, como tal, não
é reconduzível ou assimilável à Ciência Jurídica ou à Teoria Geral do Direito. Por outro
lado, porque é filosofia, o modo como a filosofia do direito considera o Direito é muito
diverso daquele pelo qual estas ciências ou formas de conhecimento do jurídico o
consideram. Na verdade, ao passo que a Ciência Jurídica e a Teoria Geral do Direito
partem sempre do direito positivo, de um sistema jurídico-normativo concreto, espácio-
temporalmente definido, do direito vigente numa determinada comunidade e numa
determinada época; a filosofia do direito, porque é filosofia, interroga-se sobre a essência
do direito, sobre o seu valor e o seu fim, sobre o ser do direito ou o direito enquanto ser e
sobre a justiça que o garante, bem como sobre o valor gnosiológico do saber do direito
dos juristas, isto é, sobre o fundamento e valor da própria ciência jurídica.

Dai que, no seu ensaio metafísica dos costumes (1797) Immanuel Kant (1724-1804)
distingue duas grandes questões relativas ao direito. A primeira questão é relacionada ao
filósofo Jurista que se interroga (quid jus) o que é o direito? O que prescreve as leis num
certo lugar e num determinado tempo? A esta pergunta originária surge uma outra. Neste
caso a segunda questão está relacionada com o (quid Juris), ou seja, o que deve ser o
direito? São duas realidades consequentes produzidas desta dicotomia que forma o ser e
o dever ser do direito.

Norberto Bobbio foi um dos tantos pensadores que esquematizou o pensamento de Kant,
superando essa dicotomia em três áreas temáticas da Filosofia do direito:

1- Ontológica: que corresponde o ser do direito


2- Deontológica: que compreende o dever ser do direito
3- Fenomenológica: que descreve o direito como fenómeno social.
Destas áreas temáticas do estudo do direito, encontramos os conceitos de dever, validade,
norma, ordenamento jurídico.

A segunda área que Bobbio chama de deontológica é a que se ocupa do estudo de valores
das quais se inspiram os ordenamentos jurídicos, ou seja teoria da justiça. É nesta temática
onde se coloca a relação entre o direito e a moral. Os termos chaves deste tema são: a
justiça, o conceito de norma justiça. Nesta sua incarnação a filosofia do direito se
apresenta como teoria da justiça, sendo um momento saliente da divisão entre ser e dever
ser; dai a importância das normas que derivam de premissas logicamente normativas.

A terceira área temática, área fenomenológica: é o estudo do direito como fenómeno


histórico e social, de uma serie de problemas que provem dos mesmo indicadores como
uma relação entre o direito e a sociedade. O conceito chave desta área temática é a
eficácia, isto é, que uma norma seja eficaz. Esta divisão, levamos à distinção dos três
critérios de avaliação das normas jurídicas vigentes num determinado ordenamento
jurídico. Isto é, cada norma jurídica pode ser avaliada em três pontos de vistas
logicamente independentes uma da outra. A justiça corresponde a validade, justa e
eficácia. Escreve Bobbio “diante de qualquer norma jurídica, nós podemos fazer uma
tríplice ordem de problemas.”Se a norma é justa ou injusta; se a norma seja eficaz o
ineficaz. Trata-se portanto, dos três distintos problemas da justiça.

II- CAPITULO: O CONCEITO DE DIREITO

1.6.NOÇÃO ELEMENTAR DE DIREITO


O conceito de direito apresenta uma definição genérica segundo a qual o direito fosse
visto como uma estrutura normativa complexa que seja:

a) Dotado de um aparato sancionatória reconhecido.


b) Capaz de predeterminar os procedimentos com os quais reagir aos estímulos
provenientes da sociedade.
c) Aplicável em linha de princípio em cada campo da vida social.
Os elementos que compõem o conceito dizem respeito a:

a) Instrumentos de regulação
b) De auto-regulação
c) As suas funções e normas internas dirigidas aos operadores para prefixar critérios e
princípios das suas intervenções. As alíneas, a e b são puras normas externas, dirigidas
aos operadores de direito, para reduzirem suas possibilidades de comportamentos e
consentir reciprocamente expectativas nos vários âmbitos social.
O conceito de direito, representa um conjunto e complexo (em género sistemático)
das normas que regulam a vida dos membros duma sociedade a que faz referência. A
ciência jurídica neste âmbito, estuda os subscritos sistemas, sendo uma faculdade
garantida do ordenamento em cada pessoa ou organização; o juízo sobre a legalidade e
legitimidade das acções do Estado e das personalidades físicas e jurídicas com que se
relaciona.

O termo direito expressa um conjunto de regras que estão em vigor num


determinado Estado num determinado momento e que respondam as necessidades dos
cidadãos de viverem numa sociedade o mais possível ordenado e com tranquilidade.
Direito objectivo e direito subjectivo, correspondem ao conceito de poder “facultativo”.
A pergunta o que é o direito, constitui ainda um problema aberto; onde a solução depende
em grande parte do quadro filosófico onde cada estudioso tem referências através das
quais afronta tais questões derivantes. Como se pode ver, o direito é de facto, um
complexo das normas e consuetudines que coordenam a vida de uma colectividade num
determinado momento histórico. Pode ser também definido como regulamento das
relações entre os indivíduos que fazem parte duma certa colectividade estatal, assistidos
pela garantia de observância do poder de autoridade do Estado que sanciona as violações
das regras estabelecidas e codificadas (direito Penal) do Estado com base o processo
penal; (direito Processual penal); fixa as regras que os privados devem observar nas
relações entre eles (direito civil); decide com imparcialidade sobre as controvérsias entre
privados com base o processo civil (direito processual civil); organiza serviços públicos
e administração pública (direito administrativo) com a faculdade dos cidadãos
respeitarem as regras fixadas pela actividade pública administração e dos serviços
públicos por meio do processo administrativo e com a obrigação dos cidadãos
contribuírem segundo algumas regras estabelecidas; (direito tributário) aos serviços
necessários para o funcionamento das instituições públicas, com a faculdade dos cidadãos
fazerem a fiscalização e justeza nas contas públicas. As regras entre estados (direito
internacional público).

O direito é ainda um instrumento normativo capaz de se regular antes de


regulamentar a sociedade. O pressuposto lógico é que só um conjunto de normas
ordenadas em modo coerente no seu interior pode ordenar em modo coerente qualquer
objecto externo a si. Isto todavia, tem a sua valência no caso em que se realizam pelo
menos dois pressupostos.

Então o que é o direito? Quando formulamos esta pergunta esperamos na resposta


uma definição conceptual de direito, para esclarecer do ponto de vista da coisa o que é o
direito. A procura de uma definição, existem tantas, uma podia ser “o direito é um
conjunto de leis”. Não seria suficiente, porque o direito não é só leis. De facto as
definições são várias, pelo facto de existirem muitos métodos de direito. Cada uma das
definições do direito pressupõe uma teoria do direito. É uma elaboração conceptual e que
explica o que seja o direito. A filosofia do direito serve a explicitar estes pressupostos,
isto é, a compreender o que está por detrás de uma definição do direito, qual é
abordagem científica ao direito, abordagem filosófica ao direito. A ciência e a filosofia.
As ciências empíricas ocupam-se do que é, do que foi e do que será; a Filosofia do Direito
estuda o conteúdo valorativo das normas, o que deve ser, muito embora não acontece
sempre na realidade. Kant, ensinou ser impossível deduzir os valores a partir da realidade,
fundamentar o dever ser no ser, transformar leis naturais em normas superiores,
remontando, aos valores. O universo dos valores e o universo dos factos coexistem em
órbitas paralelas que não se interpenetram. A forma de realidade, entre valor e realidade,
entre ser e dever é denominada pelo dualismo metodológico.

A filosofia do direito portanto, é a disciplina que indaga a complexa fenomenologia da


experiencia jurídica, procurando o sentido profundo através duma reflexão sobre os
fundamentos do direito e das ideias de justiça, sobre a natureza da lei, a relação do direito
com a moral, a politica, a economia e a sociedade em si, com mecanismo de legislação
do Estado, sobre os pressupostos lógicos que apoia a afirmação de um conhecimento
científico do direito e suas metodologias argumentativas que marcam o funcionamento
quotidiano.

1.7.ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONCEITO


O conceito de direito está na ideia do mesmo direito enquanto dever ser. O direito
é real. Por isso não pode ser obtido individualmente, empiricamente, a partir de
fenómenos jurídicos, porque tais fenómenos precisam ser qualificáveis como jurídico.
Dai a imanência das suas características que são:

Necessidade – o direito é fundamental para a existência de uma sociedade que sem um


conjunto de normas que a regule é um mero aglomerado de pessoas, ou seja o homem
tem de viver em sociedade para se realizar enquanto homem, mas também a sociedade
não existe sem direito.

Alteridade – o direito não se destina a regular a conduta do homem isolado, mas sim
enquanto relacionado com outros no âmbito da sociedade, o direito regula essencialmente
algumas das relações entre os homens, as que assumem uma relevância jurídica e por isso
se tornam relações jurídicas

Imperatividade – o cumprimento das normas jurídicas não é apresentado como uma


opção, o direito pretende orientar a conduta do homem, independentemente da vontade
dos destinatários, só assim consegue desempenhar a sua função ordenadora, essencial
para a própria substância da sociedade.

Coercibilidade – o caracter imperativo do direito impõe que este crie meios a fim de levar
os destinatários das suas normas a optar pelo cumprimento, castigando o infractor e
premiando o cumpridor. Traduz-se na possibilidade de imposição coactiva, se necessário
pela força e contra a vontade dos seus destinatários, das normas e sanções jurídicas

Exterioridade – é caracterizada em dois aspectos: o estado de espirito dos destinatários


das normas jurídicas, o seu pensamento interior são, em regra, indiferentes para o direito;
as intenções dos sujeitos são tomadas em consideração pelo direito, embora este só
intervenha se esses elementos ou intenções se manifestarem exteriormente de algum
modo, a mera intenção de não cumprir uma qualquer norma não provoca a intervenção
do direito, este só age perante comportamentos
Estadualidade – embora não seja tomada como característica do direito, assume hoje em
dia uma relevância significativa, significa que o direito regula a conduta do homem
inserido numa determinada sociedade, a sociedade estadual.

Esta consuetudine responde a duas exigências muito precisas: a primeira exigência é


aquela de distinguir o direito daquilo que não é não direito; toda a vida quotidiana dos
homens é de uma certa maneira, determinada por regras, de critérios que orientam o
comportamento; nem todas estas regras têm o carácter jurídico. Muitas delas representam
o campo da ética, de costumes, do agir económico, etc. por isso é preciso traçarmos uma
linha que demarque a fronteira entre aquilo que são as regras propriamente ditas jurídicas
e aquelas que não representam tal carácter.

A segunda é aquela de aprender a natureza do direito, pois que a compreensão disto que
é o direito aparece decisiva para trata-lo de maneira mais adequada. Em particular, as
regras jurídicas para serem aplicadas precisam de um conjunto de operações, que tem o
nome de interpretações do direito. Tais operações podem ser concebidas e praticadas em
muitas formas. A compreensão do direito se apresenta decisiva para orientar o modo de
conceber e praticar tais operações.

Esta determina os princípios fundamentais do ordenamento jurídico angolano,


determinando os direitos e os deveres dos cidadãos, organização do Estado, os órgãos de
soberania e seus poderes e as consequentes competências e as suas recíprocas relações e
o procedimento de formação das leis ordinárias.

A característica da constituição é que esta não só disciplina as relações entre os


governantes e os governados, mas que tem um vínculo de regras que devem ser
observados também por que exerce o poder, os princípios aos quais a legislação ordinária
dai produzida deve se uniformizar.

A conformidade das leis ordinárias à Constituição é submetido ao juízo do Tribunal


Constitucional e as suas eventuais divergências é desta sanção com a declaração de
inconstitucionalidade que provoca o anulamento e faz perder retroactivamente o carácter
obrigatório.

As leis ordinárias são constituídas por Códigos (civil, de Processual Civil, Penal,
Processual Penal) que disciplinam de modo sistemático e detalhado os sectores das
relações entre os cidadãos e o Estado. Em consequência, estes se põem em posição de
subordinação em relação as leis que são destinadas em implementar e a suas eventuais
contrariedades a tais leis determina a invalidade que pode ser declarada dos juízos
ordinários.

1.8. DIREITO COMO SISTEMA DE REGULARIDADE FACTUAL

Pode-se dizer que uma das relações da Filosofia com o Direito passará pela tentativa de
avaliar, de sopesar a actuação do Direito frente à sociedade a fim de contribuir para que
ele, o Direito, busque os aprimoramentos possíveis e necessários ao alcance de sua
primordial meta: organizar, de forma razoável, a sociedade administrando de modo
equitativas as divergências de interesses dos indivíduos que compõem a sociedade.
Depois do passado predomínio pelo direito natural e mais tarde o direito positivo, vive-
se em tempos, do pós-positivismo, pós-naturalismo onde as figuras principais dos
sistemas normativos são a ética e os princípios, (valores estes), que são objectivos de
inspiração do direito moderno enquanto sistema normativo. As liberdades individuais já
têm grande nas sociedades ditas liberal democráticas, onde os direitos são garantidos e
tutelados, (in factus), onde o ser humano é algo que tem seu valor reconhecido, e busca o
seu bem comum do mundo real.

O direito como regulador de factos reais, pressupõe a doutrina do direito enquanto


ordenamento jurídico, que é um sistema de normas jurídicas. Aqui a pergunta doutrinal a
que se faz do direito é: qual é o pressuposto a que se funda a unidade duma pluralidade
de normas jurídicas? Porque uma norma jurídica pertença a determinado ordenamento
jurídico? Uma pluralidade de normas forma, uma unidade, um sistema, um ordenamento
quando a sua validade pode ser reconduzida a uma única norma como fundamento último
desta validade. Esta norma constitui a unidade na pluralidade, de todas as normas que
formam um ordenamento. Segundo a espécie da norma fundamental, isto é, segundo a
natureza do princípio superior da validade, se pode distinguir duas espécies de
ordenamento de norma fundamental. (Sistemas normativo); as normas de uma das duas
espécies são validas, em força ao seu conteúdo, porque este tem uma qualidade
imediatamente evidente que atribuí validade. As normas obtêm esta qualidade de
conteúdos enquanto são relacionadas a uma norma fundamental 2, sob o conteúdo do qual

2A Norma Fundamental é um conceito de teoria do Direito desenvolvido pelo jurista austríaco Hans
Kelsen, no âmbito de sua Teoria Pura do Direito. Para Kelsen, a Norma Fundamental é uma norma
se possa subsumir o conteúdo da norma das normas que constituem o ordenamento, assim
como a particularidade se assume sob o universal. As normas da moral pertencem por
exemplo a esta espécie. A norma tu não deves mentir, tu não deves enganar, tu deves
manter a tua promessa etc., são deduzidas de norma fundamental da verdade.

Kelsen vê na coerção o elemento determinante da ordem jurídica. Segundo ele


enquanto ordem coerciva, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. E isso significa
que a ordem reage contra condutas humanas indesejáveis e socialmente perniciosas com
um acto de coerção, isto é, um mal que é infringido ao indivíduo contra sua vontade, se
necessário, em caso de resistência, empregando a força física. Vale ressaltar que é a ordem
jurídica que determina as condições factuais sobre as quais se dá essa aplicabilidade da
força física. Existe, portanto, um monopólio da coerção por parte da comunidade jurídica.
Kelsen formula uma teoria do Direito dinâmico, em que não se fornece quaisquer
respostas sobre o conteúdo do mesmo, sendo este “algo criado por certo processo, e tudo
que é criado desse modo é Direito”(Kelsen, 2000, p. 179). Dessa forma, Kelsen afirma
que todo e qualquer conteúdo pode ser Direito, sendo que a validade de um sistema
jurídico não pode ser negada pelo facto de o seu conteúdo contrariar duma outra norma
que não pertença à ordem jurídica cuja norma fundamental é o fundamento de validade
da norma em questão.

1.9.DIREITO COMO ORDEM NORMATIVA CONCRETIZADA


O tratamento científico do direito positivo desenvolve-se em três fases: a
interpretação jurídica que consiste na busca dos significados, isto é, na incorporação à
normas jurídicas em si mesma, não no sentido subjectivo ou relativo ao pensamento das
pessoas que participam de sua criação. A jurisprudência como ciência do direito busca

pressuposta no plano lógico jurídico, sendo fundamento último de validade do ordenamento jurídico. Para
Kelsen, há a assunção de que a norma fundamental é pressuposta. É um pressuposto baseado na razão
(dogmática) que, conforme observa Tércio de Sampaio Ferraz, “ela encarna o próprio princípio da
inegabilidade dos pontos de partida”(Júnior, 2003, p. 1888), sendo condição sine qua non para o estudo
dogmático do Direito. No entanto, não se pode falar que a “norma fundamental” é tão-somente uma ficção
positivista: a norma fundamental refere-se a uma determinada realidade. Segundo Krishnan, a norma
fundamental deriva do fato de que foi aceita por um número suficiente de membros de determinada
comunidade, podendo ser identificada como uma regra fundacional simplesmente por não depender de
outra norma superior, e sim pela simples aceitação, como válida, pelos membros dessa comunidade
(Krishnan, 2009, p. 7).
dar uma resposta imediata a cada pergunta prática jurídica sem transcorrer a existência de
lacunas, contradições, ambiguidades, da lei. Precisa conhecer e entender as leis melhor
do que as próprias pessoas conscientemente ao redigi-las ou aprova-las. A segunda fase
correspondente a ela, é a comprovação da ausência de lacunas e contradições nas normas
relativas a determinado instituto jurídico. Os factos sancionados pelo Código Penal visam
à protecção de um bem jurídico que a lei pretende tutelar. Essa operação de construção
jurídica faz-se a partir de determinados fins jurídicos (construção teleológica); todavia,
existem outras construções do processo como relação jurídica de desenvolvimento
gradual. A última fase examina cada instituto jurídico, a sistemática jurídica examina a
ordem jurídica sob seu aspecto geral ou universal. A evolução de cada norma concreta
que a integra ou alguma de suas partes.

Kelsen move-se da posição da doutrina pura de direito, segundo a qual, falando dos
mundos das normas e dos factos, ocorre evitar sempre evitar cada possível
ambiguidade e ter bem presente que, na falta de uma qualificação normativa, não se
podem individuar os factos que seriam relevantes de serem estudos para compreender
a norma do ponto de visa da filosofia de direito. No momento em que mete em
evidência as raízes factuais dos ordenamentos normativos, os confins entre um
discurso relativo ao mundo das normas e um discurso relativo ao mundo dos factos.
Ehrlich, por sua vez sublinha a prioridade temporal e social, com relação ao direito
posto pelo Estado, do direito que nasce espontaneamente das relações sociais, e que
por isso é em condições de regular em modo autónomo, atingindo a mínima parte a
considerar-se aquele direito positivo.

A partir de uma forte influência do pensamento epistemológico de Immanuel Kant,


Kelsen concebe o ordenamento jurídico como sendo um conjunto hierarquizado de
normas jurídicas, que se estruturam de forma escalona e ordenada. No entanto, essa
hierarquia não é interminável; assim, a mais alta norma dessa hierarquia não possui
como critério de sua validade uma norma superior, tendo em vista que esta norma é o
ponto máximo da hierarquia de um determinado ordenamento jurídico. Como norma
mais elevada e fundamento de validade de todas as normas de um ordenamento, ela
tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja
competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada (Kelsen, 1999, p.
217). Sendo assim, esta norma, como sendo pressuposta, é designada por Kelsen
como sendo “a normal fundamental” (Groundnorm), cuja validade objectiva não pode
ser posta em questão.

Kelsen oferece um exemplo do conceito de norma fundamental: “devemos obedecer


às ordens de Deus; Deus ordenou que obedeçamos às ordens dos nossos pais. Logo,
devemos obedecer às ordens de nossos pais” (Kelsen, 1999, p. 221). Conforme esse
exemplo, temos a norma “obedecer aos pais” com sua validade objectiva sendo dada
pela norma “devemos obedecer à Deus” que, por si, não pode ser objectivamente
contestada por outra norma superior, sendo, neste exemplo, a “norma fundamental”.
Nesse sentido, a norma fundamental de um ordenamento jurídico positivo não é nada
mais que uma regra fundamental, conforme a qual são produzidas as normas do
ordenamento jurídico, a criação da estabilidade fundamental da produção jurídico
(Kelsen, 2006, p. 96).

Com base em sua Teoria Pura do Direito e sendo esta uma construção teórica inserida
no positivismo jurídico, Kelsen não reconhece qualquer regra moral ou lei natural
como critério de validade de outra norma positiva, motivo pelo qual rejeita
considerações moralistas a respeito da validade da norma fundamental; trata-se assim
de uma teoria formal de validade, em que a validade da norma depende de elementos
que não levam em consideração o mérito das normas (Dimitri, p. 278).

III. CAPITULO: DO CONHECIMENTO JURIDICO


3.1. Do conhecer em geral

Todo o conhecimento humano pressupõe a existência de dois elementos ou pólos: um


“sujeito” e um “objecto”, alguém que conhece e algo que é conhecido, ou ainda, um
cogitans e um cogitatum. É exclusivamente sob a condição do funcionamento destes dois
pólos em combinação um com o outro, que pode dar-se a respectiva relação chamada
“gnósea” ou relação de conhecimento. A ciência é apenas um tipo particular ou grau mais
evoluído na vida dessa relação. Nas ciências do espírito porém, deve notar-se que nesta
relação entre o “sujeito” e o “objecto” alguma coisa de muito especial se passa que não
se passa nas outras: o primeiro elemento da relação, o sujeito, assume em face do outro,
indubitavelmente, um papel muito mais importante do que nas ciências da natureza. Por
outros termos: não só os referidos “dispositivos” e meios de captar o “dado” e de
reelaborar, comunicando-lhe um sentido, são em maior número, como ainda e sobretudo,
crê-se, os conceitos primordiais na base daquelas ciências assumem, mais do que as
“categorias” Kantianas nas outras, função mais decisiva na organização dos dados da
respectiva experiência sobre que trabalham. Mais: tais conceitos são, não só formais e a
priori como “categorias”, mas inclusivamente materiais, possuidores dum conteúdo
analisável, e constitutivos, isto é, altamente enformadores daquela parte da realidade que
o homem com o seu esforço é chamado a construir com eles.

3.2. Dos diferentes graus e tipos de conhecimento jurídico

O conceito a priori é apenas condição do conhecimento. Será quando muito um pré-


conhecimento, mas não ainda rigoroso conhecimento.

O verdadeiro conhecimento neste domínio só é dado a alcançar no “juízo”, quando se


afirma a existência de uma relação, suposta legítima, de conveniência ou não
conveniência, entre certos pensamentos, conceitos ou não conceitos, dois quais um, pelo
menos, pressupõe necessariamente, em qualquer grau, a experiência.

Aquilo a que se chama conhecimento do direito pertence, antes de tudo, ao domínio


de objectos e experiência 3[1], e faz-se, em quatro tempos ou graus distintos de apreensão
e elaboração do seu particular “objecto”. São eles:

1) Um conhecimento espontâneo e como que ainda só intuitivo, vulgar, do jurídico


ou do jurídico-político;

2) Um conhecimento propriamente dito do direito, ou melhor, jurídico do jurídico;

3) Um conhecimento científico do direito e das coisas políticas;

4) Um conhecimento filosófico dessas mesmas coisas.

3.3. Do conhecimento filosófico do direito e a sua utilidade para o jurista

O conhecimento da problemática filosófica do direito interessa o jurista, pode dizer-


se, em duas direcções fundamentais. Em primeiro lugar, é esse conhecimento filosófico,
e só ele, que pode dar a justa noção do equilíbrio e da exacta proporção que entre si devem
manter no quadro geral do estudo jurídico as diferentes partes desse estudo.

Experiência dos objectos espirituais e culturais, em cujo domínio aparece justamente o “jurídico”
histórico e positivo, e que está na base das chamadas “ciências da cultura”.
Mas, há ainda, em segundo lugar uma outra função não menos importante na filosofia
do direito para a formação do jurista. Esta poderia chamar-se antes uma função de
pedagogia moral e de deontologia profissional. O jurista é talvez, entre todos os cultores
das ciências do espírito, depois do teólogo, aquele que maior tendência tem para o
dogmatismo.

3.4. Da ontologia do direito

É preciso notar, antes de tudo, que isso a que genericamente chama-se direito não se
deixa de situar numa camada, região ou esferas únicas do ser. Situa-se, por assim dizer,
antes, ao mesmo tempo ou sucessivamente, em várias dessas esferas ou regiões. Trata-se
aqui dum ser que, como alguns outros, percorre ou atravessa, as diversas esferas e regiões
ônticas do ideal, do real, do não-sensível e até mesmo do sensível, projectando-se em
cada uma delas de modo e com determinações gerais muito diferentes. Este pensamento
tornar-se-á mais claro se disser, que o direito, partindo do ser ideal como valor e ideia,
torna-se real como ser não-sensível na foram de direito histórico.

O direito positivo; suas fontes, modos e manifestação e determinações ônticas

Direito positivo chama-se precisamente ao direito, a ideia de direito, quando


projectados na região da realidade não-sensível a que se dá o nome de “espírito
objectivo”. É como dizer, metaforicamente: é essa ideia com os seus valores feitos carne.
De simples ideia, o direito torna-se aí realidade histórica concreta. Enche-se de conteúdos.
Ou, por outras palavras ainda: transforma-se em cultura. O direito positivo é, ao lado de
muitos outros, um dos ramos ou manifestações dessa cultura e “espírito objectivo”.

Nesse sentido, é lícito dizer que a positividade, o ser positivo, é tanto da essência do
direito, como da religião, da arte e de todos os outros seres e objectos culturais.

A teoria egológica do direito

A noção de conduta e o papel decisivo atribuído à sentença judicial, entendiam como


fenómeno jurídico por autonomástica, são o cerne da teoria egológica do direito
formulada e desenvolvida pelo jusfilósofo argentino Carlos Cossio. Reconhecendo e
denunciando as limitações inerentes tanto ao positivismo como ao empirismo jurídicos,
no que um e outro representam de hipertrofia, simultaneamente deformante e redutora,
de um momento ou aspecto da realidade complexa que é o direito, a teoria egológica parte
de uma concepção culturalista, isto é, da visão do direito como realidade cultural,
procurando surpreender e determinar o que nele há de específico.

O seu pressuposto é o de uma ontologia pluralista, na qual distingue quatro zonas ou


regiões, a dos objectos ideais, a dos objectos naturais, a dos objectos culturais e a dos
objectos metafísicos, distintas quanto à sua realidade, à sua relação com a experiência,
com o tempo e com os valores e ao seu método próprio de conhecimento.

Para a teoria egológica do direito é concebido como algo que o homem faz actuando
segundo valorações, isto é, como objecto cultural. Dado, porém que o seu substrato não
é nenhuma porção da natureza, tem de concluir-se que é a conduta humana, ou seja, que
o direito é conduta, sendo, como tal, um objecto egológico. Mas a conduta humana
constitui uma experiência de liberdade, em que a criação de algo axiologicamente original
emerge a cada instante, constituindo por isso, não um ser, mas um dever-ser existencial.

Para a teoria egológica do direito, as normas, sendo um dever-ser, são-no de natureza


lógica e não axiológica, constituem a representação conceitual de uma certa conduta, um
esquema interpretativo da conduta, no qual a referência da norma à conduta corresponde
à relação gnosiológica entre o significado ou conceito e o objecto.

A teoria tridimensional do direito

Caracter tridimensional – o direito apresenta uma tripla dimensão: fáctica, valorativa e


normativa. O direito é um conjunto de princípios e de normas (dimensão normativa)
destina a regular situações factos ocorridos na vida social (dimensão fáctica), regulação
que se efectua de acordo com determinados valores – em especial com a justiça – que se
pretende atingir (dimensão valorativa)

Apesar de se situar também numa perspectiva culturalista, a teoria tridimensional do


direito e o seu principal sistematizador, o filósofo brasileiro Miguel Reale, afasta-se,
consideravelmente, da visão egológica, à qual censuram o conceber a norma jurídica
como simples esquema lógico, a exclusão do teleologismo e a redução do direito ao facto
da conduta, insuficiências que pensam resultarão da fracassada e ecléctica tentativa de
fundir o formalismo Kelseniano com elementos retirados da corrente fenomenológica e
da filosofia heideggeniana.

Pretende-se afirmar que este, o direito, na experiência que dele tem-se, se apresenta à
nossa observação, não sob uma mas sob três formas: ora como facto, ora coo norma ou
lei, ora como valor. Dar-se-ia aqui uma como que natureza trina.

O direito é tridimensional. Simplesmente, só se tem de acrescentar a isto, dentro da


doutrina do “espírito objectivo”, que esta tridimensionalidade é a que se deixa observa
em todos os outros seres ou objectos culturais da mesma região que possam envolver a
ideia dum dever-ser, e, antes de tudo, na moral e na religião.

A teoria tridimensional, não é exclusivamente própria do mundo do direito, mas sim


mais ou menos aplicável a todos os objectos da realidade cultural, não região do não-
sensível, a que pertencem.

Para esta teoria, a norma jurídica, mais do que uma proposição lógica, é uma realidade
cultural, que não pode ser interpretada com abstracção dos factos e valores que
condicionaram, o seu advento, nem dos factos e valores supervenientes, assim como da
totalidade do ordenamento em que se insere. Recusa, portanto, a concepção que vê na
norma um simples e abstracto enunciado lógico, um mero dever-ser lógico, concebendo-
a como uma relação concreta surgida na imanência do processo factual-axiológico,
através da qual se compõem conflitos de interesses e se integram tensões factico-
axiológicas, segundo razões de oportunidade e de prudência. Toda a norma jurídica surge
da integração do facto e do valor, pois assinala uma tomada de posição perante factos em
função de valores.

Direito é uma realidade tridimensional, constitui uma triunidade, é, simultaneamente,


facto (a conduta ou o agir humano), valor a que se refere esse facto e pelo qual ele se
afere e norma que pretende ordenar o primeiro em função do segundo, encontrando-se
essas suas três faces ou dimensões interligadas e co-implicadas, nenhumas delas tendo
sentido separada das restantes.

O HOMEM E A CULTURA

13. O homem como problema


É precisamente a revisão crítica a que contem puramente, foi sujeito este conceito
positivista materialista ou naturalista de homem, a reivindicação da especialidade da
realidade psíquica e espiritual, bem como a atenção dada pelas correntes ritualistas e
pragmáticas e por pensadores como Dilthey, Nietzsche, Unamuno, Zergson ou Husserl ao
mundo próprio do homem e ao sentido da vida e da evolução criadora, ou o estudo do
inconsciente desenvolvido pelas diversas escolas em que se dividiu a psicanálise 4[4], que
vieram atribuir irrecusável actualidade à interrogação sobre o homem, sobre o que
singulariza no conjunto dos seres, sobre o seu ligar no mundo e sobre o seu mundo
próprio, o da cultura.

O lugar do homem no mundo

Na estrutura do mundo ou da realidade definida por esta nova ontologia pluralista, o lugar
do homem é o de um ser composto por três elementos distintos mas inseparáveis e
reciprocamente interdependentes que participa das três últimas ordens ou estratos do real:
enquanto ser corpóreo, integra-se na região da vida, enquanto ser psíquico, na da alma ou
da psique, enquanto ser racional ou espiritual, na do espírito.

Valores e cultura

É pelo espírito que o homem se torna capaz de se elevar ao conhecimento e à realização


dos valores, dos princípios ou dos ideais e de criar, assim, o seu mundo próprio, o da
cultura, contraposto ou complementar do mundo meramente natural de que participa pelo
seu corpo.

Nas suas diversas e múltiplas formas a cultura é sempre criação do homem, tentativa de
criar realidades valiosas, de incorporar valores nas coisas, de acrescentar à natureza ou de
dar à natureza um sentido valioso.

A cultura, porque criação humana, é marcada, simultaneamente, pela temporalidade, pela


historicidade e pela objectividade, já que a obra de arte, a posição filosófica, a norma
jurídica, uma vez criadas ou formuladas, adquirem vida própria, tornam-se como que
independentes do seu autor ou do seu criador, são portadoras de um sentido próprio e seu,
aberto dinamicamente ao conhecimento e à interpretação vivificante daqueles que como

4[4] Freud, Jung, Alder.


elas entram em contacto, sendo nessa relação, a um tempo cognitiva e estimativa, que
plenamente são e adquirem a sua plenitude de ser e de sentido.

EXPERIÊNCIA JURÍDICA E ONTOLÓGICA DO DIREITO

A experiência jurídica

Para uma adequada compreensão do conceito de experiência, há desde logo, que ter em
conta que este termo comporta dois sentidos diferentes, objectivo um, subjectivo o outro.
No primeiro deles, designa-se habitualmente por experiência o acto de experimentar ou
de fazer experiências, visando provar, ou comprovar hipóteses científicas acerca de
determinados fenómenos, das relações permanentes entre eles ou das condições da sua
ocorrência ou verificação, enquanto, no segundo, se refere ao resultado vital ou vivencial
do experienciado ou da vida vivida, reportando-se, por isso, ao mundo do homem e da
consciência e não já ao dos factos, dos fenómenos naturais das coisas.

Se se procura determinar em que se distingue a experiência jurídica da experiência


científica, tida até há pouco como a única experiência, verificar-se-á que diferem uma da
outra tanto pelo seu objecto como pelo critério a que obedecem, como ainda pelo tipo de
ordem a que se reportam.

A experiência jurídica, porque se insere no domínio da acção ou da conduta humana livre,


apresenta afinidades e traços comuns à experiência ética, pois também esta tem por
objecto regras de acção e por critério juízos sobre essa mesma acção, fundados em
determinados princípios, valores ou ideais, agora de índole ética e já não jurídica. A
experiência ética é porem mais ampla.

A experiência jurídica apresenta um duplo sentido: ou refere-se a duas realidades


distintas, pois tanto pode designar os dados através dos quais se nos revela a realidade
jurídica, apresentado valor e sentido eminentemente ontognosiológico, na medida em que
nos dá a conhecer essa mesma realidade, como reporta-se às formas de constituição ou
criação do próprio direito, à experiência constituinte do direito.

A experiência jurídica aparece constituída por um conjunto complexo mas unitário, de


dados, de que se destaca, em primeiro lugar, a sua estrutura antinómica, a natureza ou
dimensão conflitual das relações jurídicas, o envolver uma questão prática, um problema
referente à conduta em que existe um conflito entre diversos sujeitos, de modo a obter a
paz social.

Este tipo de experiência que é a experiência jurídica revela-se constituído por dados que
se referem não só a pessoas e a realidades da vida ou a coisas do mundo, como também
a valorações, a necessidades e pretensões, envolvendo questões concretas que é
necessário resolver ou decidir.

Direito como realidade cultural

Como realidade cultural, o direito não pertence ao mundo físico nem biológico, em que
imperam a necessidade, a causalidade e o determinismo, nem ao domínio psíquico das
emoções e dos sentimentos, nem sequer ao dos seres ideais, em que se situam as
realidades lógicas e matemáticas, pois enquanto estas são intemporais e abstractas, o
direito é concreto, variável no tempo e no espaço, e, como realidade humana, é
profundamente marcado pela temporalidade e pela historicidade essenciais ao próprio
homem.

Como criação cultural não é um dado, uma realidade preexistente que o homem encontre
no mundo ou na natureza, nem uma realidade estática, mas sim espírito objectivado,
projecção espiritual do homem. Algo que está aí para ser pensado, conhecido e vivido e
cuja existência depende, por isso, da relação cognitiva e vivencial que o homem como ele
estabelece e mantém, a qual lhe dá vida e contendo e actualiza, dinâmica e criadoramente,
o sentido que nele está latente e lhe é conferido pela referência a valores, princípios ou
ideais.

O direito caracteriza-se por ser uma criação humana que se objectiva em normas,
constituindo uma ordem reguladora da conduta ou do agir humano na sua interferência
intersubjectiva, na sua convivência ou na sua vida social.

No domínio da cultura, o direito individualizando-se, assim, por se referir à actividade


prática do homem e não à sua actividade teorética, por dizer respeito à acção e à conduta
e não ao saber, ao conhecimento ou à verdade, por ter como domínio específico o dos
conflitos de interesses surgidos na vida social, que visa resolver ou decidir de acordo com
determinados princípios, valores ou ideias.
Sendo realidade humana e criação cultural, o direito define-se também pela sua
temporalidade e historicidade (características), dado que não só a visão dos princípios,
valores ou ideias a que se refere e procura tornar efectivos é sempre imperfeita e precária,
porque obtida a partir de uma determinada situação concreta, historicamente definida,
como ainda o direito só enquanto vivido e aplicado verdadeiramente é.

A temporalidade e a historicidade são, evidentemente, a própria condição essencial de


tudo o que é humano. Nada relativo à existência empírica do homem, indivíduo ou
comunidade, pode pensar-se fora do quadro temporal. Toda a realidade sensível ou não-
sensível é dada no tempo. Só estão fora dele os seres e objectos ideais, como a ideias e
conceitos gerais, que jamais deve-se confundir com a sua projecção temporal no campo
da realidade, sensível ou não. E o mesmo diga-se da outra determinação fundamental da
existência humana: a sua historicidade. A duas determinações são, de resto, convertíveis
uma na outra. A historicidade é, pode dizer-se, a efectivação mais concreta e repleta de
conteúdo da temporalidade, com a nota particular de se referir só ao homem.

Esta particularidade do direito e o ponto de vista de que considera a conduta humana


revelam o seu carácter de realidade social e a sua bilateralidade (característica), pois
envolve sempre relações entre pessoas, implicando direitos e deveres de uns perante os
outros.

Por outro lado, o direito é uma realidade social heterónoma (característica), uma vez que
a regulamentação ou a ordenação da conduta que se propõe estabelecer é imposta do
exterior dos sujeitos, por um outro sujeito dotado de poder de definir e impor critérios,
regras ou normas de conduta ou de comportamento.

Direito como ordem normativa

Outra determinação fundamental do direito positivo, evidenciada pela experiência, é a


que consiste na sua imperatividade e normatividade. Todos os preceitos jurídicos se
deixam reduzir a um imperativo ou ordem dada a alguém, sendo a designação dessa
ordem, sobretudo quando referida a uma generalidade de homens e igualdade de
condições, o mesmo que norma ou normatividade e imperativo, sendo esta determinação
aliás uma determinação que pertence ao próprio conceito de direito.
São ainda determinações fundamentais ou características do direito positivo as suas
obrigatoriedade e coercibilidade. Pela primeira, entende-se uma obrigatoriedade de
consciência.

O homem obedece às normas do direito, desde que o faça conscientemente, tem de o fazer
no sentimento de quem presta uma homenagem a certas ideias de valor, mesmo que isso
lhe custe.

A obrigatoriedade do direito em consciência só pode ser uma obrigatoriedade moral, ou


então não será coisa alguma; será tão só coacção, medo, conveniência ou despotismo.
Esta consideração coloca, porém, diante de uma derradeira determinação ou característica
essencial do direito positivo: a sua coercibilidade.

Costuma-se dizer que o direito é norma coactivamente imposta pelo Estado aos homens
na vida social. À primeira vista, pode ser contraditório falar em coercibilidade do direito,
justamente depois de se ter acabado de dizer que ele se funda só numa obrigatoriedade
toda moral de adesão aos seus preceitos, fora de qualquer coacção. Todavia a contradição
é meramente aparente. Ela só existirá se disser, ser todo o direito só coacção, mas direito
só se torna coactivo eventualmente; torna-se coactivo, ainda em homenagem a um dever-
ser moral, só na medida em que o não acatamento dos seus preceitos por parte de alguns
homens arraste necessariamente consigo: ou a ofensa dos direitos dos outros, ou a ruína
da ordem social estabelecida.

As normas em que se objectiva o direito constituem uma ordem, num amplo sentido: por
um lado, formam um conjunto ordenado a partir dos princípios, valores ou ideias de cuja
visualização ou interpretação são objectivada expressão; por outro lado, procuram
ordenar, reflectir ou tornar direita ou recta a vida social, a convivência entre os homens,
as suas relações, substituindo por uma ordem, caos a que a desordenada conduta
individual inevitavelmente conduziria, no seu jogo de egoísmos e na luta em que o mais
fraco sucederia ao arbítrio do mais forte.

A ordem que o direito visa instituir, porque referida a valores, princípios ou ideias, não é
uma ordem neutra ou indiferente, mas sim uma ordem justa, uma ordem concreta,
definida a partir do princípio ou valor justiça, que é precisamente, aquele que dá sentido
e conteúdo ao direito na sua essencial dimensão axiológico-cultural.
Partindo da justiça como princípio, valor ou ideal, o direito é, pois, o meio de que o
homem se serve para alcançar uma adequada ordenação da sua conduta social, com o fim
de coordenar o exercício da liberdade de cada um com a liberdade dos restantes,
realizando deste modo, o bem comum da sociedade política.

Positividade, validade e vigência

O tipo de ordem normativa que o direito constitui nas diversas formas por que se
manifesta e nos vários modos como se torna efectiva, apresenta como traço
individualizador a positividade. Esta, como atributo essencial das normas criadas ou
reconhecidas pelas entidades investidas de autoridade ou de poder, significa que o direito
é posto por essas mesmas entidades, que é por elas definido, estabelecido, estatuído ou
criado, seja pelo legislador, seja pela comunidade que adopta determinado costume, seja
pelo juiz que profere uma sentença.

A positividade, enquanto atributo e específico do direito, não deve confundir-se com a


sua validade, a sua vigência ou a sua eficácia.

O termo validade para o positivismo jurídico deve ser entendida de um modo formal,
reportando-se à conformidade de qualquer norma com as de valor superior que definem
o seu processo de formação.

O conceito de vigência reporta-se à força vinculante do direito positivo, à circunstância


ou ao atributo de ter força por si, pelo que este, quando pela revogação ou pela
caducidade, deixa de estar em vigor, não perde o seu carácter de direito nem a sua
essencial positividade.

O DIREITO E AS OUTRAS ORDENS NORMATIVAS

Direito e moral

O direito não é, porem, a única ordem normativa da vida social do homem, outras com
ele coexistindo, como a moral, a religião e os usos sociais.

A moral de que aqui se fala é a moral positiva, a que se dá também muitas vezes, o nome
de moral dos costumes.
É o conjunto de preceitos, concepções e regras, altamente obrigatórios para a consciência,
pelos quais se rege, antes e para além do direito, algumas vezes até em conflito com ele,
a conduta dos homens numa sociedade.

É aquilo que os homens apreendem ou julgam apreender no seu esforço de realização dos
valores éticos, como única fonte e fundamento de todo o dever-ser e obrigatoriedade nas
suas relações consigo mesmo e com os outros homens.

A primeira distinção ou o primeiro distintivo destas duas ordens normativas e do qual, de


certo modo, os restantes decorrem, parece encontrar-se no diferente ponto de vista de que
cada uma delas valora a conduta humana, pois que, enquanto a moral a considera de um
ponto de vista absoluto e radical, no sentido que tem para a vida do sujeito, ao direito
apenas importa o alcance ou a dimensão social dessa mesma conduta, sendo, portanto,
relativo e não já absoluto o seu ponto de vista.

Esta diversa natureza das ordens normativas explica, igualmente, outro decisivo e
essencial elemento distintivo: é que, atendendo ao indivíduo ou ao sujeito da conduta
enquanto tal, considerando-o a partir do domínio da interioridade e da consciência, a
moral caracteriza-se pela sua unilateralidade, e pela imanência do critério moral, pelo
seu carácter radicalmente autónomo, pela total liberdade no cumprimento dos respectivos
preceitos e pela sua irrecusável incoercibilidade, enquanto, pelo contrário, o direito se
define, precisamente, pela sua bilateralidade atributiva, em que cada direito corresponde
sempre um dever, e vice-versa, e pela sua natureza heterónoma, que faz que a realização
dos seus comandos possa ser imposta às vontades individuais.

Da autonomia da moral e da imanência do critério moral decorre que ela só obriga o


sujeito ou o agente se e na medida em que este reconhece e aceita os respectivos preceitos
e, de certo modo, os faz seus, sentindo-se obrigado, em consciência e a dimensão social
do direito que explicam que ele não só se desinteresse da intenção com que o sujeito
cumpre as normas jurídicas, como obriga tanto os que concordam com o respectivo
conteúdo como os que dele discordam.

A AXIOLOGIA DO DIREITO

A JUSTIÇA
A problemática da Justiça

A problemática da Justiça é, simultaneamente, ontológica, gnosiológica e metafísica,


defronta-se com três interrogações fundamentais: que é a Justiça? Como é possível
conhecê-la? Porque é a Justiça, qual é o seu fundamento?

Na consideração do problema ontológico da Justiça, na tentativa de saber o que ela é


em si, duas perspectivas são possíveis, pois que ela apresenta dois diversos sentidos ou
duas faces complementares, podendo ser considerada de um ponto de vista subjectivo,
como virtude individual, como atributo do Homem justo, ou de um ponto de vista
objectivo, como valor, princípio, ideia ou ideal.

A primeira perspectiva é adoptada pela Ética, enquanto a segunda, é a própria da


Filosofia do Direito e da Axiologia.

A circunstância, porém, durante largos séculos, a reflexão sobre a Justiça se ter


desenvolvido quase exclusivamente no âmbito da Ética e de ser relativamente tardia a
autonomia especulativa da Filosofia do Direito marcou profundamente o modo de
concebê-la, sendo fonte de não pequeno número de dificuldades com que, ainda hoje, se
defrontam a Axiologia e a Filosofia do Direito.

Duas advertências cabem fazer aqui. A primeira para notar que, quando considerada
como virtude, a Justiça individualiza-se, face às restantes, pode dizer respeito a acções e
não a paixões e pela sua bilateralidade, por se referir sempre e necessariamente a relações
intersubjectivas.

A segunda observação será para recordar que, sabem que estas duas perspectivas ou
estes dois modos de considerar ou de pensar a Justiça sejam complementares, o segundo
(objectivo) tem prioridade lógica e axiológica sobre o primeiro (subjectivo), dado que,
sendo a Justiça virtude do Homem que age rectamente, necessário se torna, para defini-
la saber o que é, em si, a Justiça como valor, princípio, ideia ou ideal.

O princípio da Justiça

A Justiça é acima de tudo e antes de mais, liberdade, que implica respeito pela
personalidade livre de cada um ou por cada Homem enquanto pessoa. Mas se não é a lei
que nos pode dizer o que é devido a cada um, nem a Justiça se reporta apenas a bens
exteriores, as coisas ou a cargos, se o seu a que se refere é o próprio de cada um, num
sentido ontológico radical, vindo a consistir na liberdade e na personalidade e no que
uma e outra implicam de direitos e bens exteriores, isto é, de propriedade, então deve
concluir-se que a Justiça não depende nem pode procurar-se ou fazer-se residir na
generalidade da lei, antes se encontrando na diversidade do concreto, do singular e do
individual.

Se é exacto que, a inadequação entre Justiça e igualdade é menos evidente e clara,


subsiste ainda aqui, todavia, uma não coincidência entre elas, porquanto nessa
consideração analítica de certos aspectos da realidade ou da situação humana há sempre,
inevitavelmente, um esquecimento, uma indiferença ou um ocultamento de que
individualiza e distingue-se as situações, as pessoas e as relações entre elas e entre elas e
as coisas e a própria diversidade real e funcional das coisas, que contêm já em si,
virtualmente, uma injustiça ou uma Justiça incompleta ou imperfeita, que põe ou pode
pôr em perigo o seu ou o próprio de cada um dos sujeitos em causa.

Com efeito, exigindo a Justiça plena e perfeita o integral respeito e consideração pelo
individual e pelo singular e concreto de cada homem, envolve, em si, o Homem todo e
não aspectos dele abstractamente considerados.

Daí que, se a igualdade pode ser e tende a ser o critério da Justiça legal ou da Justiça
que se exprime na lei, de modo sempre imperfeito, dada a sua generalidade, que
corresponde a uma abstracta média, a uma imagem ou um modelo mental e não a qualquer
concreta singularidade, que nunca com ela plenamente se conforma, nunca pode ser o
fundamento e o critério essencial e decisivo da Justiça enquanto valor, princípio, ideia ou
ideal.

Se a Justiça é sempre concreta, se o seu fundamento ou o seu critério essencial não


pode ser a igualdade e se a lei, na sua generalidade, não é a forma mais adequada da
justiça, perde sentido a distinção clássica entre a Justiça, entendida como conformidade
com a lei, e a equidade, concebida como correcção da generalidade da lei quando esta se
revela claramente inadequada para reger o caso concreto e para dar a este uma solução
mais justa do que a que da aplicação daquela resultaria, pois tal como se pensa, a
verdadeira Justiça é sempre equidade.
Atributos da Justiça

A Justiça como valor, princípio, ideia ou ideal não pode ser concebida ou pensada como
algo de substancial ou entitativo; ela é antes o que é o próprio do justo, o que o faz ser
justo e que se revela pela sua negação ou pela sua ausência, isto é, pela injustiça.

Sendo princípio, valor, ideia ou ideal, a Justiça é um insubstancial que de nada depende
mas do qual, no mundo jurídico, tudo depende.

Por outro lado ainda, porque é insubstancial e concreta, a Justiça não é susceptível de ser
objectivada ou aprisionada ou expressa em fórmulas ou regras, de ser limitada ou
delimitada por qualquer definição. Verdadeiramente real é a injustiça. A Justiça, pelo
contrário, sendo o nada de que tudo depende, não existe em si, não tem ser, é uma meta,
um objectivo nunca plenamente realizado ou alcançado, é uma intenção ou uma
intencionalidade, é a luta permanente, infindável e sempre recomeçada pela sua própria
realização.

Resulta serem ainda atributos da Justiça a alteridade ou bilateralidade, já que se refere


ou se reporta às relações entre os Homens, a quem outros Homens ou a sociedade devem
dar o que é próprio a cada um; a equivalência ou a proporcionalidade, que impõe que haja
equilíbrio ou punidade entre as prestações de cada um dos sujeitos da relação.

Decorre ainda algumas importantes consequências:

Cumpre notar que as diversas fórmulas ou regras de Justiça tradicionalmente


apresentadas, ou revelam do puro domínio da Ética, como acontece com a honeste
viverem ou são meras variantes particularizadas do princípio essencial do suum cuique
tribuere, como ocorre com o neminem laedere ou com o pacta sunt servanda, pois o não
prejudicar ninguém ou o respeitar os compromissos validamente assumidos mais não são
do que formas de dar a cada um o que lhe é devido.

Em, segundo lugar, deve notar-se que, do ponto de vista da Justiça, é mais decisiva a
aplicação da lei do que a própria lei, porquanto é então que, em concreto, o direito se
realiza e o próprio de cada um se afirma e define, o que, obviamente, não impede um
juízo sobre a Justiça ou a injustiça da lei em si.

Desta conclusão uma outra deriva: a de que, na concreta realização da Justiça, é mais
decisivo o papel do juiz do que o do legislador, da jurisprudência do que da lei. De igual
modo, o costume e a norma, e pela sua menor abstracção e generalidade, pela sua maior
proximidade do concreto, pela sua origem mais vivencial do que racional-voluntária, mais
colectiva do que individual, poderá garantir melhor do que aquela uma solução justa.

Por outro lado, esta visão de Justiça vem pôr a claro a inadequação do modo de entender
a sentença como meio processo lógico formal, como um raciocínio silogístico e chamar
a atenção para que o dizer o direito – a jurisdição – do caso concreto, o juízo de legalidade
que o juiz profere, é condicionado, precedendo em larga medida, determinado por um
juízo de Justiça de natureza intuitivo-emocional, ditado pelo sentido de Justiça.

Gnosiologia da Justiça

Porque a Justiça é valor, princípio, ideia ou ideal e, por isso, insubstancial, não é
susceptível de ser apreendida ou aprisionada por uma definição, na medida em que esta é
sempre um pôr limites, um marcar de contornos de uma aspecto da realidade.

Por outro lado, a sua natureza de valor, princípio, ideia ou ideal impede-a de ser objecto
de um conceito, pois é o resultado das possibilidades criadoras da razão e os valores, os
princípios e os ideais transcendem a razão e ano dependem dela na sua existência, e
apenas na sua efectividade e na sua realização parcialmente dela quedam dependentes.

O conhecimento que da Justiça alcançamos é um conhecimento concreto, existencial, um


conhecimento imediato, intuitivo e emocional, em que o sentimento inato de Justiça tem
um papel decisivo e determinante, não dispensando, porém, a colaboração ou a
participação de elementos racionais, que laboram a partir dos dados fornecidos por aquele
primeiro conhecimento intuitivo-emocional.

Sendo pois insusceptível de ser definida ou deduzida genérica e abstractamente pela


razão, a Justiça apenas pode ser intuída no caso concreto, mediante a emoção ou o
sentimento avaliador ou sentimento moral ou de Justiça, do qual, contudo, é possível dar
razão, pois possui a sua verdade que, não sendo do domínio lógico-dedutivo, não deixa
de ter a validade e garantia, próprias das “razões do coração”, da experiência imediata e
da vivência dos valores.

A Justiça e os outros valores jurídicos


Se a Justiça é o princípio ontológico do Direito, o valor que fundamento e o ideal que
ela visa realizar, não é, no entanto, o único valor ou o único fim que o direito serve ou
procura tornar efectivo.

Assim, é corrente atribuir-lhe outros fins ou indicar outros valores como jurídicos. É
o que acontece com a ordem, a paz, a liberdade, o respeito pela personalidade individual,
a solidariedade ou a cooperação social e a segurança como fins do direito ou como valores
jurídicos que coexistem com a Justiça no firmamento axiológico do Direito, conveniente
se tornando, por isso, estudar o modo como ela se articula e compatibiliza.

1.9.1. PRINCÍPIOS LÓGICOS DO PENSAMENTO

a) Princípio da Identidade: "O que é, é". P= P


b) Princípio da não-contradição: Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo
tempo, ~(p^~P). Dito de outro modo, o mesmo objecto não pode ter propriedades
opostas ao mesmo tempo e em relação ao mesmo aspecto: "nada é e não é ao
mesmo tempo".
c) Princípio do terceiro excluído: Uma coisa é ou não é, P V~P; não há uma terceira
possibilidade.

A razão obedece a princípios formais, que lhe garantem a coerência. Uma das
principais descobertas da Filosofia Clássica, foi a de que existem três princípios
fundadores da racionalidade, que estão na base de todos os outros:

O Princípio da Identidade, que na linguagem da Lógica Clássica se exprime da


seguinte forma: -Cada ser é igual a si mesmo.

O Princípio da Não-Contradição: - Uma coisa não pode ser e ser ao mesmo tempo,
de acordo com a mesma perspectiva. (Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa
ao mesmo tempo, de acordo com a mesma perspectiva).

O Princípio do Terceiro Excluído: - Uma coisa é ou não é, não há uma terceira


hipótese. (Uma proposição é verdadeira ou falsa, não há uma terceira hipótese).
Estes três princípios regulam a estrutura formal do pensamento, não se referindo ao
seu conteúdo. Eles indicam-nos como devemos pensar e não o que devemos pensar.
São, por isso, princípios meramente formais. Mas isso não diminui a sua importância:
se o nosso pensamento não estiver corretamente estruturado (a isso
chamamos coerência ), nada podemos pensar. É que só os pensamentos corretamente
estruturados (em termos formais) são que podem receber um conteúdo. Assim,
podemos concluir que, nos seus diversos níveis de desenvolvimento, os nossos
pensamentos têm basicamente a mesma estrutura formal, o que varia é o seu conteúdo.
Vejamos os seguintes exemplos:

a) ‘O Ramos é um bom futebolista’.

b) ‘Ontem não choveu’.

c) ‘O homem é um animal racional’.


Se repararmos com atenção, podemos ver que, apesar de terem um conteúdo diferente,
estes três enunciados têm a mesma estrutura formal:
Conceito-base + Elemento de ligação + Conceito-atribuído
Na linguagem da Lógica Clássica estes elementos, que constituem o juízo recebem a
seguinte designação:
Sujeito + Cópula + Predicado
Um juízo, ou qualquer outro acto do pensamento, que esteja mal construído em termos
formais, ou seja, que viole qualquer dos princípios lógicos ou das regras deles
derivados, diz-se inválido em termos formais. Portanto, a validade formal do
pensamento corresponde à sua coerência ou estruturação formal.
Mas já vimos que, para além de uma estrutura formal, os nossos pensamentos têm
que ter um conteúdo (caso contrário seriam vazios). Ora, o conteúdo dos nossos
pensamentos também tem que estar corretamente estabelecido. Aquilo que determina
a correção do conteúdo do pensamento não é um conjunto de princípios ou regras de
carácter formal, mas a sua adequação à realidade. Assim a validade material (ou
verdade), corresponde, de acordo com a definição aristotélica, à adequação do
pensamento à realidade. Sendo assim, a validade material (ou verdade) do
pensamento está fora do âmbito da lógica clássica, que tem como objecto o estudo dos
princípios e das regras que permitem a coerência formal do pensamento e não a sua
adequação à realidade.
O problema da adequação à realidade não depende da lógica clássica, mas
da Gnosiologia (Filosofia do conhecimento) e da Epistemologia (Filosofia das
ciências). Sendo assim, a partir deste momento não nos iremos preocupar com
o conteúdo dos enunciados com os quais iremos trabalhar, mas apenas com a sua
estruturação formal, com a sua conformidade com os princípios e regras que regem a
sua coerência formal.
Mas com isto não se pense que a Lógica ( a partir deste momento sempre que nos
referirmos à Lógica, estamos a referir-nos à Lógica Clássica) não se preocupa com a
verdade (validade material), antes pelo contrário: é que o pensamento só pode ser
verdadeiro se estiver corretamente estruturado. Podemos, então, concluir o seguinte:
A validade formal é uma condição necessária da validade material, quer dizer: os
enunciados só podem ser válidos em termos materiais (verdadeiros) se forem válidos
em termos formais. Mas um enunciado pode ser válido em termos formais, sem que
seja verdadeiro (válido em termos formais). Simplificando: os enunciados inválidos
em termos formais são necessariamente falsos; os enunciados verdadeiros não podem
ser inválidos em termos formais; os enunciados válidos em termos formais podem
ser ou verdadeiros ou falsos, consoante a sua adequação ou não adequação à
realidade.

1.9.2. Regras de validade do silogismo

A construção dos silogismos obedecem a um conjunto de regras. Tendo em conta a


distinção entre proposições afirmativas e negativas, a distribuição dos termos e a funções
dos termos: maior, menor e médio ou mediano, as regras do silogismo categórico são oito:
quatro dizem respeito aos termos e quatro às proposições.

1.9.3.Regras dos termos

1ª- Regra: O silogismo tem três e apenas três termos: o maior, o médio ou mediano e o
menor.

Exemplo:

Todas as orquídeas são flores

Algumas mulheres são Orquídeas

Algumas mulheres são flores


Silogismo inválido.
Os termos têm de corresponder a três conceitos. Quando se usa como termo médio ou
mediano um termo ambíguo com sentido diferente em cada premissa, o silogismo passa
a ter quatro termos em vez de três, o que o torna inválido.

2ª Regra: O termo médio ou mediano não pode entrar na conclusão.

Exemplo:

Todos os desportistas são bem dispostos


Todos os desportistas são trabalhadores

Logo, Todos os desportistas são trabalhadores bem dispostos

Silogismo inválido.
O termo médio é incluído nas duas premissas para fazer a ligação entre os termos maior
e menor e não na conclusão.

3ª Regra: O termo médio tem que ser tomado, pelo menos uma vez, em toda a sua
extensão (universalmente), ou seja, deve estar distribuído pelo menos uma vez.

Exemplo:

Todos os gatos são mamíferos


Todos os cães são mamíferos

Logo, Todos os cães são gatos

Silogismo inválido.
Em nenhuma das premissas o termo médio ou mediano «mamíferos», designa a
totalidade dos mamíferos, ou seja, não está distribuído, por isso, não desempenha a
função de ligação entre os outros dois termos.

4ª Regra: Nenhum termo pode ser mais extenso na conclusão do que nas premissas. Se
na conclusão um termo está distribuído, também tem de estar distribuído na premissa
onde ocorre.

Exemplo:
Todas as orquídeas são flores
Nenhuma rosa é orquídea

Logo, Nenhuma rosa é flor

Silogismo inválido.
Apresenta o termo "flor" universal na conclusão - predicado de uma frase negativa-
sendo particular na premissa maior - predicado de uma frase afirmativa.

Regras das proposições

1ª De duas premissas negativas nada se pode concluir.

Exemplo:

Nenhum judeu é apreciador de carne de porco


Nenhum muçulmano é apreciador de carne de porco

Nada se pode concluir

Silogismo inválido.
Quando existem duas premissas negativas, não é possível estabelecer qualquer conexão
válida entre os termos do silogismo.

2ª Regra: de duas premissas afirmativas não se pode extrair uma conclusão negativa.

Exemplo:

Todos os físicos são grandes pensadores


Alguns homens são físicos
Logo, Nenhum homem é grande pensador

Silogismo inválido.
Uma vez que as premissas são ambas afirmativas, o predicado não está distribuído, o
que significa que se referem a parte dos elementos do conceito (há pensadores que não
são físicos e há homens que não são físicos). Inferir uma conclusão negativa equivale a
usar o predicado em toda a sua extensão (o predicado das proposições negativas está
distribuído), o que torna o termo maior mais extenso na conclusão do que na premissa
maior.
3ª Regra: de duas premissas particulares nada se pode concluir.

Exemplo:

Alguns angolanos não são cabindenses


Alguns angolanos são luandenses
Nada se pode concluir

Silogismo inválido.
Sendo as premissas particulares referem-se a parte dos elementos e o termo médio ou
mediano não estabelece ligação com todos os elementos do conjunto.

4ª Regra: A conclusão segue sempre a parte mais fraca, isto é, se uma premissa é
negativa, a conclusão é negativa; se uma premissa é particular, a conclusão é
particular.

Todas as árvores deste jardim ficam sem folhas no outono


Nenhum pinheiro fica sem folhas no outono
Logo, Algumas árvores deste jardim são pinheiros

Silogismo inválido.
A qualidade negativa da segunda premissa não permite que se extraia uma conclusão
afirmativa.

Exemplo:

Alguns frutos são saborosos


Nenhum camarão é fruto
Logo, Nenhum camarão é saboroso

Silogismo inválido.
A quantidade particular da primeira premissa não permite que se extraia uma conclusão
universal
1.9.4. Silogismo expositório
O silogismo expositório não é propriamente um silogismo, mas um esclarecimento ou
exposição da ligação entre dois termos, caracteriza-se por apresentar, como termo
médio, um termo singular. Por exemplo:

Aristóteles é discípulo de Platão.


Ora, Aristóteles é filósofo.
Logo, algum filósofo é discípulo de Platão

a) Polissilogismo
O polissilogismo é uma espécie de argumento que contempla vários silogismos, onde a
conclusão de um serve de premissa maior para o próximo. Como por exemplo:

Quem age de acordo com sua vontade é livre.


O racional age de acordo com sua vontade.
Logo, o racional é livre.
Quem é livre é responsável.
Logo, o racional é responsável.
Quem é responsável é capaz de direitos.
Logo, o racional é capaz de direitos.

b) Silogismo informe
O silogismo informe caracteriza-se pela possibilidade de sua estrutura expositiva poder
ser transformada na forma silogística típica.

Por exemplo: "a defesa pretende provar que o réu não é responsável do crime por ele
cometido. Esta alegação é gratuita. Acabamos de provar, por testemunhos irrecusáveis,
que, ao perpetrar o crime, o réu tinha o uso perfeito da razão e nem podia fugir às graves
responsabilidades deste ato".

Este argumento pode ser formalizado assim:

Todo aquele que comete um crime quando no uso da razão é responsável pelos seus atos.
Ora, o réu cometeu um crime no uso da razão.
Logo, o réu é responsável pelos seus atos.
c) Silogismo hipotético
Um silogismo hipotético contém proposições hipotéticas ou compostas, isto é,
apresentam duas ou mais proposições simples unidas entre si por uma cópula não-verbal,
isto é, por partículas. As proposições compostas podem ser divididas em:

A) Claramente compostas: são aquelas proposições em que a composição entre duas ou


mais proposições simples é indicada pelas partículas: e, ou, se ... então.

- Copulativa ou conjuntiva: "a lua se move e a terra não se move". Nesse exemplo, duas
proposições simples são unidas pela partícula e ou qualquer elemento equivalente a essa
conjunção. Dentro do cálculo proposicional será considerada verdadeira a proposição que
tiver as duas proposições simples verdadeiras e será simbolizada como: p ∧ q (ou p.q, ou
pq).

-Disjuntivas: "a sociedade tem um chefe ou tem desordem". Caracteriza-se por duas
proposições simples unidas pela partícula ou ou equivalente. Dentro do cálculo
proposicional, a proposição composta será considerada verdadeira se uma ou as duas
proposições simples forem verdadeiras e será simbolizada como: p ∨ q.

- Condicional: "se vinte é número ímpar, então vinte não é divisível por dois". Aqui, duas
proposições simples são unidas pela partícula se...então. Dentro do cálculo proposicional,
essa proposição, será considerada verdadeira se sua consequência for boa ou verdadeira,
simbolicamente: p ⇒ q (ou p ⊃ q).

B) Ocultamente compostas: são duas ou mais proposições simples que formam uma
proposição composta com as partículas de ligação: salvo, enquanto, só.

- Exceptiva: "todos corpos, salvo o éter, são ponderáveis". A proposição composta é


formada por três proposições simples, sendo que a partícula salvo oculta as suas
composições. As três proposições simples componentes são: "todos os corpos são
ponderáveis", "o éter é um corpo" e "o éter não é ponderável". Também são exceptivos
termos como fora, exceto, etc. Essa proposição composta será verdadeira se todas as
proposições simples forem verdadeiras.

- Reduplicativa: "a arte, enquanto arte, é infalível". Nessa proposição temos duas
proposições simples ocultas pela partícula enquanto. As duas proposições simples
componentes da composta são: "a arte possui uma indeterminação X" e "tudo aquilo que
cai sobre essa indeterminação X é infalível". O termo realmente também é considerado
reduplicativo. A proposição composta será considerada verdadeira se as duas proposições
simples forem verdadeiras.

- Exclusiva: "só a espécie humana é racional". A partícula só oculta as duas proposições


simples que compõem a composta, são elas: "a espécie humana é racional" e "nenhuma
outra espécie é racional". O termo apenas também é considerado exclusivo. A proposição
será considerada verdadeira se as duas proposições simples forem verdadeiras.

O silogismo hipotético apresenta três variações, conforme o conetivo utilizado na


premissa maior:

- Condicional: a partícula de ligação das proposições simples é se então.

Se a água tiver a temperatura de 100°C, a água ferve.


A temperatura da água é de 100°C.
Logo, a água ferve.

Esse silogismo apresenta duas figuras legítimas:

a) PONENDO PONENS (do latim afirmando o afirmado): ao afirmar a condição


(antecedente), prova-se o condicionado (consequência).

Se a água tiver a temperatura de 100°C, a água ferve.


A temperatura da água é de 100°C.
Logo, a água ferve.

b) TOLLENDO TOLLENS (do latim negando o negado): ao destruir o condicionado


(consequência), destrói-se a condição (antecedente).

Se a água tiver a temperatura de 100°C, a água ferve.


Ora, a água não ferve.
Logo, a água não atingiu a temperatura de 100°C.

- Disjuntivo: a premissa maior, do silogismo hipotético, possui a partícula de


ligação ou.

Ou a sociedade tem um chefe ou tem desordem.


Ora, a sociedade não tem chefe.
Logo, a sociedade tem desordem.

Esse silogismo também apresenta duas figuras legítimas:


a) PONENDO TOLLENS: afirmando uma das proposições simples da premissa maior
na premissa menor, nega-se a conclusão.

Ou a sociedade tem um chefe ou tem desordem.


Ora, a sociedade tem um chefe.
Logo, a sociedade não tem desordem.

b) TOLLENDO PONENS: negando uma das proposições simples da premissa maior na


premissa menor, afirma a conclusão.

Ou a sociedade tem um chefe ou tem desordem.


Ora, a sociedade não tem um chefe.
Logo, a sociedade tem desordem.

- Conjuntivo: a partícula de ligação das proposições simples, na proposição composta,


é e. Nesse silogismo, a premissa maior deve ser composta por duas proposições simples
que possuem o mesmo sujeito e não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, ou seja, os
predicados devem ser contraditórios. Possui somente uma figura legítima, o PONENDO
TOLLENS, afirmando uma das proposições simples da premissa maior na premissa
menor, nega-se a outra proposição na conclusão.

Ninguém pode ser, simultaneamente, mestre e discípulo.


Ora, Pedro é mestre.
Logo, Pedro não é discípulo.

d) Dilema
O dilema é um conjunto de proposições hipotéticas e contraditórias entre si, tal que,
afirmando qualquer uma das proposições, resulta uma mesma conclusão insatisfatória.
Por exemplo:

Se dizes o que é justo, os homens te odiarão.


Se dizes o que é injusto, os deuses te odiarão.
Portanto, de qualquer modo, serás odiado.

Outro exemplo de dilema, na cultura popular, é:

Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho dorme.

e) Falácia do termo médio não distribuído


A falácia do termo médio não distribuído é uma falácia formal cometida quando o
termo médio das premissas de um silogismo categórico não é distribuído na premissa
menor nem na premissa maior. Entende-se como um termo não distribuído quando há
elementos de sua classe que não são afetados pela proposição. Essa falácia possui caráter
silogístico. Nos silogismos clássicos, todas as proposições consistem em dois termos.
Cada proposição, por sua vez, possui uma das quatro possíveis distribuições de termos.
São elas das formas: "A" (todo), "E" (nenhum), "I" (algum) ou "O" (algum não). O
primeiro termo é distribuído nas sentenças da forma A; o segundo termo é distribuído nas
sentenças da forma O; ambos são distribuídos nas sentenças da forma E; e nenhum dos
termos é distribuído em sentenças da forma I.

A falácia do termo médio não distribuído ocorre quando o termo que liga as duas
premissas não abrange toda a classe a qual pertence.

Neste exemplo, a distribuição está em negrito:

1. Todo Z é B
2. Todo y é B
3. Portanto, todo y é Z

B é o termo comum entre as duas premissas (o termo médio), mas em nenhum momento
ele é distribuído, portanto, esse silogismo é inválido.

Outra regra da lógica pertinente ao assunto enuncia que todo termo distribuído na
conclusão deve ser distribuído em ao menos uma das premissas .

1. Todo Z é B
2. Algum Y é Z
3. Portanto, todo Y é B
O termo médio – Z – é distribuído, porém, Y é distribuído na conclusão e não em uma
premissa. Por esse motivo tal silogismo é inválido.

A falácia do termo médio não distribuído possui a seguinte forma:

1. Todo Z é B
2. Y é B
3. Portanto, Y é Z
Nesse argumento, B é o termo médio e não é distribuído na premissa maior "Todo Z é
B".

Pode ser ou pode não ser o caso de que "Todo Z é B", mas isso é irrelevante para a
conclusão. O que é relevante é quando pode-se afirmar que "Todo B é Z", situação
desconsiderada no argumento. Essa falácia é semelhante a afirmar o consequente e negar
o antecedente. Entretanto, ela pode ser corrigida com a troca dos termos na conclusão ou
na primeira co-premissa. É bem verdade que na perspectiva da lógica de primeira ordem,
todos os casos de falácia do termo médio não distribuído são, de fato, exemplos de
afirmação do consequente ou negação do antecedente, dependendo da estrutura do
argumento falacioso.

Por exemplo:
1- Os estudantes da Unia levam mochilas
2- Meu Avô leva uma mochila
3- Logo, meu Avô é um estudante da Unia

Conclusão
A filosofia do direito é a proposta de investigação, que valoriza a abstracção
conceitual, servindo de reflexão. Sobre as construções jurídicas sobre os discursos
jurídicos, sobre as práticas jurídicas, sobre os factos e as normas jurídicas.
Para conseguir superar, as diversas limitações empirista e idealista na abordagem, tanto
filosófico quanto científica do direito, o Miguel Reale propõe que este deva ser estudado
no seu tríplice aspecto:

Histórico-social

Axiológico

Normativo

Pois o direito realiza um valor através de uma norma de conduta. Assim não há que
separar o facto ou conduta, o valor ou finalidade a que a conduta está relacionada, nem a
norma que decide sobre a conduta, pois o direito é simultaneamente um facto social, uma
norma ou comando um valor ou dever-se. O direito portanto, possui sempre uma
Tridimensionalidade ôntica que o situa no mundo da cultura. Deste modo, qualquer
análise jurídica deve considerar necessariamente o complexo das normas em função das
situações nómadas, isto é deve apreender o objecto do direito em sua estrutura
tridimensional.

É só através das suas relações com facto a que se refere, dai Miguel Reale atribuir ao
direito carácter da ciência social compreensivo-normativa, que estuda o seu objecto numa
perspectiva que vai muito além do formalismo Kelseniano e da tendência idealista que vê
no direito sobretudo um complexo de juízos lógicos. A norma exerce no
tridimensionalíssimo jurídico o papel dinâmico de integrar o elemento fáctico ao
elemento axiológico, sendo por conseguinte parte da realidade jurídica. A norma é por
isso variável em função dos outros elementos da relação tridimensional: o facto e o valor.

A teoria tridimensional do direito, em razão da interacção essencial dinâmica dos três


elementos que a constituem, implica uma forma especial de dialéctica na abordagem do
fenómeno jurídico, a que Miguel Reale denomina dialéctica da implicação polaridade,
distinguindo-a da hegeliana e marxiana.

Nas relações entre facto e valor, esses elementos são irredutíveis um ao outro, ou seja,
constituem realidades autónomas, distintas, de modo que do ser não se pode passar
directamente para o dever-se, embora a recíproca não seja verdadeira, ai está o factor
polaridade. Mas facto e valor exigem-se mutuamente, de modo tal que não podem ser
considerados em separado nem desvinculados da norma que, em ligada realiza o direito,
por sua vez a norma não pode ser compreendida senão em função desses dois elementos,
que constituem respectivamente o seu conteúdo e o seu fim eis o factor implicação.

Para Miguel Reale, a essência do direito reside na integração normativa de factos e


valores, ele viu bem os três aspectos da realidade jurídica, que são o facto, o valor e a
norma, e não deixou de reconhecer que cada uma dessas três grandes dimensões do direito
é por sua vez, variam em função das condições do espaço e tempo social. Quanto ao
definir a ciência do direito como normativa, Reale reduz a ciência jurídica ao estudo da
norma, reservando o estudo dos valores à deontologia jurídica, no plano filosófico e o
estudo do facto à sociologia jurídica.

O direito é simultaneamente um facto social, uma norma (comando), e um valor (dever-


se), assinalando-se-lhe uma dimensão:

Axiológica-normativa: o direito é visto como uma ordem positiva de valores, como algo
que apenas tem uma validade relativa, a relativa sobretudo, à consciência dos valores que
predominam num certo espaço e num certo tempo. Dai deriva grande parte da autonomia
do direito, dotado de uma lógica própria e de um esquema típico de desenvolvimento.

Normativo-real: o direito existe para ser realizado, porque quando se institui torna-se
real. As tendências axiológicas na linha do existencialismo, exigem-se um direito válido,
vigente e eficaz (os três momentos da vida do direito), a validade enquanto fundamento
do dever-se do cumprimento de um qualquer direito. A vigência e a eficácia enquanto
momento da respectiva realização. A vigência como momento potencial e intencional, a
eficácia como momento real e actual. Trata-se portanto de uma concepção integrada dos
três momentos do direito como dever-se que é, como um transcendente situado. O mesmo
equilíbrio se nota no concernente à “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen, cuja
contribuição maior seria constituída pela demonstração de que no direito o essencial é a
sua dimensão normativa.

Você também pode gostar